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NESTA EDIÇÃO Novo horror Caveirão, carro de combate da PM-RJ, viola direitos Nº 43 • Março de 2006 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis Antônio Ivo de Carvalho Eqüidade, o motor do desenvolvimento social Uma questão em aberto Organizações Sociais de Saúde Adesão a modelo cresce e preocupa defensores do SUS Influenza aviária Produção de vacina é vital à soberania Distribuição de remédios vira caso de Justiça em todo o país NESTA EDIÇÃO Novo horror Caveirão, carro de combate da PM-RJ, viola direitos Nº 43 • Março de 2006 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis Antônio Ivo de Carvalho Eqüidade, o motor do desenvolvimento social Uma questão em aberto Organizações Sociais de Saúde Adesão a modelo cresce e preocupa defensores do SUS Influenza aviária Produção de vacina é vital à soberania Distribuição de remédios vira caso de Justiça em todo o país NESTA EDIÇÃO Novo horror Caveirão, carro de combate da PM-RJ, viola direitos Nº 43 • Março de 2006 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis Antônio Ivo de Carvalho Eqüidade, o motor do desenvolvimento social Uma questão em aberto Organizações Sociais de Saúde Adesão a modelo cresce e preocupa defensores do SUS Influenza aviária Produção de vacina é vital à soberania Distribuição de remédios vira caso de Justiça em todo o país

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NESTA EDIÇÃO

Novo horrorCaveirão, carro

de combateda PM-RJ,

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N º 4 3 • M a r ç o d e 2 0 0 6

Av. Brasil, 4.036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ • 21040-361

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OrganizaçõesSociais de SaúdeAdesão a modelocresce e preocupadefensores do SUS

Influenza aviáriaProdução de vacinaé vital à soberania

Distribuição deremédios viracaso de Justiçaem todo o país

NESTA EDIÇÃO

Novo horrorCaveirão, carro

de combateda PM-RJ,

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N º 4 3 • M a r ç o d e 2 0 0 6

Av. Brasil, 4.036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ • 21040-361

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Uma questãoem aberto

OrganizaçõesSociais de SaúdeAdesão a modelocresce e preocupadefensores do SUS

Influenza aviáriaProdução de vacinaé vital à soberania

Distribuição deremédios viracaso de Justiçaem todo o país

NESTA EDIÇÃO

Novo horrorCaveirão, carro

de combateda PM-RJ,

viola direitos

N º 4 3 • M a r ç o d e 2 0 0 6

Av. Brasil, 4.036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ • 21040-361

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OrganizaçõesSociais de SaúdeAdesão a modelocresce e preocupadefensores do SUS

Influenza aviáriaProdução de vacinaé vital à soberania

Distribuição deremédios viracaso de Justiçaem todo o país

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Além das boas intençõesAlém das boas intenções

Aristides Dutra

Otema da saúde não é estranhoao cinema, mas a abordagem ge-

ralmente recai sobre o drama individu-al. Sem grande esforço, poderíamos fa-zer uma boa lista de filmes sobre pessoasem luta contra o câncer, alguma para-nóia delirante ou confinadas em bolhade plástico. Lançamentos que abordemquestões de saúde coletiva são bemmenos freqüentes. Em exibição na TV eno cinema, dois filmes tiveram comotema miseráveis/refugiados de paísespobres, mas com resultados diferentes.

O primeiro, Amor sem fronteiras(2003), é cheio de boas intenções. Comroteiro de Caspian Tredwell-Owen edireção de Martin Campbell, o filmeconta a história de Sarah Jordan (An-gelina Jolie), mulher alienada que ficasensibilizada com um discurso do Dr.Nick Callahan (Clive Owen) — ativistainternacional ao modo dos médicossem fronteiras — e se engaja em suascampanhas ao redor do mundo.

Como todo mundo sabe, boas in-tenções não bastam, principalmente

se o roteiro é tendencioso. Para con-seguir atuar em áreas de conflito,Nick se vê obrigado a negociar comtraficantes de armas, numa insinua-ção de que o trabalho humanitário éimpossível sem se compactuar com osinteresses dos que lucram com a mi-séria. O filme também não explica porque a equipe de médicos abandonaum lugar em favor de outro. Eles sal-varam todos, perderam todos ou fo-ram expulsos? No fim das contas, ficaapenas a história de amor.

O outro filme é O jardineiro fiel(2005) — roteiro de Jeffrey Caine so-bre um romance de John Le Carré,com direção do brasileiro FernandoMeirelles. Conta a história de JustinQuayle (Ralph Fiennes), diplomata in-glês destacado para o Quênia. Quayleé um homem pacato cujo maior inte-resse é cuidar do próprio jardim (nosdois sentidos), mas quando sua mulher,a ativista humanitária Tessa Quayle(Rachel Weisz), é brutalmente assassi-nada, ele se vê mergulhado numa tra-ma que envolve interesses de grandesempresas farmacêuticas, corrupçãocorporativa, crises diplomáticas e umapopulação miserável, cobaias espremi-das entre essa nova ordem mundial eos conflitos étnico-políticos locais.

Os dois filmes mostram os miserá-veis de países pobres ou como simplesvítimas da ganância dos ocidentais oucomo dependentes de salvadores tam-bém ocidentais. Mas um tem méritosonde o outro tem defeitos. Apesar dapretensa denúncia social, Amor semfronteiras apenas usa a miséria comopano de fundo para uma história con-vencional de aventura e romance.

Em O Jardineiro Fiel, ao contrá-rio, o amor conduz à descoberta e aoquestionamento das relações de poder

que engendram e mantêm a miséria e adesigualdade no mundo. A narrativaequilibra com maestria o romance, osuspense e a denúncia social. Esta, in-clusive, está até nos cuidados da pro-dução. As cenas nas favelas quenianasforam filmadas no local (e não em cená-rios construídos), com uma força impres-sionante e até documental. Meirellesconduz a história com o mesmo domí-nio mostrado em Cidade de Deus (seufilme anterior), com narrativa não-line-ar, fotografia em cores saturadas, mon-tagem ágil, grande direção de atores.E prova que, além das boas intenções,bom cinema também pode ter inteli-gência e sensibilidade.

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Idéia na cabeçade quem produzarte faz bem àcidadania.

Radis Adverte

Page 3: Uma questão em aberto Uma questão em aberto Uma questão em

Amargo remédioComunicação e Saúde

• Além das boas intenções 2

Editorial

• Amargo remédio 3

Cartum 3

Cartas 4

Súmula 6

Toques da Redação 7

Organizações Sociais de Saúde

• Um vírus que infecta o SUS 8

Medicamentos na Justiça

• Quando o remédio pode virar veneno 10

Entrevista: Antônio Ivo de Carvalho

• “A eqüidade é o motor dodesenvolvimento” 14

Parto humanizado

• Harmonia ao dar à luz. É possível? 17

Serviço 18

Pós-Tudo

• No Rio, o terrorismo contra a pobreza 19

editorial

Nº 43 • Março de 2006

Capa e Ilustrações Aristides Dutra (A.D.)

Ilustrações Cassiano Pinheiro (C.P.)

Ahistória começa com a intençãode vender medicamentos novos,

importados, ainda sem comprovação su-ficiente de segurança e eficácia tera-pêutica e sem registro na Agência Na-cional de Vigilância Sanitária. Emseguida, representantes dos fabrican-tes entram com apoio para a formaçãode associações de pacientes, prescri-ção dos produtos da marca indicada econtratação de advogados para entrarcom mandados que obriguem o Siste-ma Único de Saúde a fornecer os me-dicamentos que, de quebra, custambem mais caro que os demais adotadospara o tratamento das mesmas doen-ças, segundo a Relação Nacional deMedicamentos Essenciais, ou distribuí-dos pelo Programa de Medicamentosde Dispensação Excepcional.

Do outro lado desse roteiro, umSUS que pode quebrar se a Justiça nãose dedicar a abordar de forma diferen-te o problema das ordens judiciais quedrenam os recursos de outras açõesde saúde e do próprio fornecimentoplanejado e racional — embora aindafalho — de medicamentos.

No meio do caminho, a socieda-de organizada com interesse namelhoria do SUS, defensores e procu-radores públicos bem-intencionadosdiscutindo como lidar com a situação

e juízes decidindo com base no direi-to constitucional, mas nem semprelevando em conta informações técni-cas e o contexto da saúde pública.

Pensando nesses importantes ato-res sociais, nossa matéria de capaaprofunda a questão da avalanche deações judiciais por medicamentos, quejá compromete o Programa Nacionalde Medicamentos e o próprio SUS.

Outra conhecida e amarga histó-ria é a dos excessos na publicidade e apropaganda enganosa de medicamen-tos. Mudanças no modelo reguladordessas propagandas está em consultapública no site da Anvisa (CP 84/2005),até 18 de março. A Escola Nacional deSaúde Pública apresentou sua contri-buição que defende, em consonânciacom deliberações das conferências desaúde, a proibição da propaganda demedicamentos (documento completono site do RADIS).

Confira também a entrevista como diretor da Ensp, Antônio Ivo de Carva-lho, a matéria sobre as danosas Organi-zações Sociais de Saúde e o olhar dajovem estudante de Jornalismo sobreuma nova forma de estado de sítio eterror contra brasileiros pobres.

Rogério Lannes RochaCoordenador do RADIS

Cartum

C.P./A.D.

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RADIS 43 � MAR/2006

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CARTAS

RADIS é uma publicação impressa e onlineda Fundação Oswaldo Cruz, editada peloPrograma RADIS (Reunião, Análise eDifusão de Informação sobre Saúde),da Escola Nacional de Saúde PúblicaSergio Arouca (Ensp).

Periodicidade mensalTiragem 45 mil exemplaresAssinatura grátis

(sujeita à ampliação do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho

PROGRAMA RADISCoordenação Rogério Lannes RochaSubcoordenação Justa Helena Franco

Edição Marinilda CarvalhoReportagem Katia Machado (subeditora),

Claudia Rabelo Lopes, WagnerVasconcelos (Brasília/Direb) e JúliaGaspar (estágio supervisionado)

Arte Aristides Dutra (subeditor) eCassiano Pinheiro (estágiosupervisionado)

Documentação Jorge Ricardo Pereira,Laïs Tavares e Sandra Suzano

Secretaria e Administração OnésimoGouvêa, Fábio Renato Lucas,Cícero Carneiro e Mario Cesar G.F. Júnior (estágio supervisionado)

Informática Osvaldo José Filho e GeisaMichelle (estágio supervisionado)

EndereçoAv. Brasil, 4.036, sala 515 — ManguinhosRio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361Tel. (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail [email protected] www.ensp.fiocruz.br/radisImpressãoEdiouro Gráfica e Editora SA

USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radispode ser livremente utilizado e reproduzido em qual-quer meio de comunicação impresso, radiofônico,televisivo e eletrônico, desde que acompanhado doscréditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon-

sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aosveículos que reproduzirem ou citarem conteúdo denossas publicações que enviem para o Radis um exem-plar da publicação em que a menção ocorre, as refe-rências da reprodução ou a URL da Web.

expediente

AIDS E O PODER DA INFORMAÇÃO

Olá, sou médica-infectologista emManaus, em unidade de referên-

cia em DST/Aids, e convivo com osagravos indicadores de internaçõesnesta categoria de pacientes, prin-cipalmente as infecções oportunistas.Também sou colaboradora em oficinasde treinamento em co-infecções emHIV/Aids no nível básico e avançadoprogramadas pelo PNDST /Aids e Mi-nistério da Saúde. Em 2005 foram três,uma em Manaus e duas em Salvador.

Portanto, foi de forma agradávelque atualizei minha leitura com o tex-to de Claudia Lopes, principalmentepela forma objetiva com que discor-reu sobre as vulnerabilidades e, naspalavras do entrevistado José RicardoAyres, sobre “as restrições às possi-bilidades de ser feliz das pessoas con-vivendo com HIV/Aids”. É importanteque se reafirme que é impossível tra-balhar o lado clínico sem atentar aosocial/psicológico de nossos pacien-tes, independentemente da regiãode nosso país (vários Brasis num só),pois o preconceito fere, independen-temente do local ou dos recursosdestinados a tratamento.

Educação em saúde é priorida-de, a começar por nós mesmos, pro-fissionais, e pelos que terão o primeirocontato com as pessoas convivendocom HIV/Aids, os estudantes de gra-duação (Enfermagem, Medicina, Bio-química, Odontologia, Psicologia, Ser-viço Social, entre outros). Portanto,devem ser alertados e treinados paraa realidade imposta pela Aids no fu-turo que os espera pós-graduação.• Romina Oliveira, Manaus

Parabéns pela excelente matéria “Aepidemia mudou e o mundo tam-

bém”, sobre a história da epidemiade Aids no Brasil publicada na ediçãode nº 40. Informação é poder e vocêssão poderosos.• Fabiano Mataruna da Silva, farma-cêutico, Maricá, RJ

NO CONSELHO DE SAÚDE

Faço parte da Pastoral da Saúde nomunicípio de Garopaba (SC), sou

do Conselho de Saúde e integrantedo Fórum Popular de Saúde (Fopes),sempre trabalhando em prol damelhoria do nosso SUS. Gostaria de

receber, se possível, os 12 númerosde 2005 desta revista maravilhosa, aque só agora tive acesso. Com certe-za, será de extrema utilidade nas dis-cussões aqui no Conselho e com ostrabalhadores da Unidade de Saúde.• Luiz Antônio da Silva, Garopaba, SC

NO PSF

Li a Radis quando fui estudar naFiocruz no mês de outubro. Gos-

tei muito da leitura e gostaria derecebê-la aqui no PSF de minha cida-de, se possível. As que eu conseguipelo PSF estão guardadas, pois sãode muita valia.• Ana M. S. Pedro, PSF de Queima-dos, RJ

SEXUALIDADE E CRENÇA

Pela Radis nº 40, de dezembro de2005, pág. 9, tomei conhecimento

do Projeto de Lei no 5.918/05, do de-putado Elimar Máximo Damasceno(Prona-SP). Segundo este projeto “osalunos podem se recusar a assistir àsaulas de educação sexual alegando ob-jeção de consciência ou crença reli-giosa”. O parlamentar complementa asua argumentação alegando que “aescola tem tratado o tema de manei-ra permissiva”. Disposto dessa forma,o projeto chamou a minha atenção, econfesso, com certa preocupação.

(...) A sexualidade invade a esco-la nas atitudes dos alunos em sala deaula e na convivência social entreeles. Portanto, incentivar a aborda-gem da educação sexual, enquantotema transversal apresentado nosParâmetros Curriculares Nacionais(PCNs), é dar oportunidade ao jovemde se expressar e de estar na escolapara falar sobre como sua religião (esua família) pensam do amor, do pre-conceito, da amizade, da família, dacidadania, do namoro, do “ficar”, davirgindade, da Aids, da raiva, da vio-lência, das drogas, do sexo, da fome,da desigualdade, da arte, do medo,da gravidez indesejada, da conserva-ção do meio ambiente etc. Por tudoisso, não vejo a crença religiosa comoobjeção para a educação afetivo-se-xual nas escolas.

Em vez de criar objeções, queapenas privam os jovens de cultivar suaauto-estima e buscar informações, pre-

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RADIS 43 � MAR/2006

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A Radis solicita que a correspondên-cia dos leitores para publicação (car-ta, e-mail ou fax) contenha identifi-cação completa do remetente: nome,endereço e telefone. Por questões deespaço, o texto pode ser resumido.

NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA

venção, construir valores, conhecerseus direitos e deveres, perceber-see fazer-se sentir, enquanto homem oumulher etc., o ideal é criar projetosque permitam instrumentalizar oucapacitar os professores (e a escola)para que possam trabalhar a educa-ção afetivo-sexual não pelo discurso“moralista” e a argumentação “libe-ral” ou “doutrinação”, mas permitin-do ao jovem lidar com a sua sexuali-dade com respeito, responsabilidadee, acima de tudo, sem culpas ou pre-conceitos, sabendo o que escolherpara a sua vida.• Alcina Maria de Souza Cardoso, bió-loga e professora, Juiz de Fora, MG

PROBLEMAS MUNICIPAIS

Solicitei meu cartão do SUS há maisde três anos e ele nunca chegou

porque o chefe da saúde não assinaum documento necessário para a li-beração dos cartões.• Juliano Dantas de Oliveira, São Joãodo Rio do Peixe, PB

DIREITOS DO PACIENTE NA PAUTA

AConstituição de 1988 estabeleceunovos atributos ao Estado em re-

lação à sociedade, entre os quais sedestaca a saúde como direito de cida-dania. Quero deixar explícito exemplode maus tratos e desrespeito aos meusdireitos de paciente, o direito de serinformado, de decidir sobre sua saúde,o direito à reclamação, à privacidade.

Sou fisioterapeuta, e em 28/11/2005me internei no Hospital e MaternidadeNossa Senhora de Lourdes (Goiânia),para procedimento cirúrgico debartolinectomia. Foi a primeira vezque me submeti a uma cirurgia peloSUS. Sentia forte angústia e medo.Nem bom-dia recebi na recepção. (...)Como participante árdua das instân-cias colegiadas do SUS, tendo sidoconselheira de saúde local, represen-tante dos usuários, acredito que che-

gará um dia em que tudo que passeie que várias pessoas passam será ex-ceção no SUS e será punido exem-plarmente. Estou aqui não só em de-fesa dos meus direitos, mas em favorde um SUS que conquistamos e luta-mos para construir tijolo a tijolo. Porfavor, gostaria de que vocês fizessemuma matéria sobre os direitos do pa-ciente, enfocando o tratamento nasenfermarias. Parabéns por essa revis-ta maravilhosa.• Kelly Cristina de Faria Xavier, fisio-terapeuta, Goiânia

LOGOMARCA DO SUS

Em primeiro lugar, gostaria decumprimentá-los pela excelente

qualidade desta revista, que nenhumprofissional de saúde deveria deixarde ler. Gostei muito da matéria sobrea subutilização da logomarca do SUS,publicada na edição de julho. O temaé muito importante, servindo para nosfazer refletir sobre o quanto a popu-lação e os próprios gestores e profis-sionais de saúde desconhecem osavanços trazidos pelo sistema, a co-meçar pela própria logomarca. Existeuma espécie de preconceito gene-ralizado quando se fala em sistemapúblico de saúde. Logo vêm à cabe-ça das pessoas as mazelas do sistemaque, embora numerosas, não deveri-am esconder ou desmerecer tudo oque ele trouxe de bom e que teminspirado diversos países. A GerênciaRegional de Saúde de Laguna, ondetrabalho, enviou cópia desta matériaàs secretarias municipais de Saúde ehospitais da sua área de abrangência,solicitando que, na medida do possí-vel, fosse incluída a logomarca do SUSnas placas das unidades de saúde.

E, por falar em mazelas do siste-ma, aproveito para pedir matéria so-bre a situação dos hospitais filantró-picos. Por mais que se enfatize aimportância das ações de prevençãoe promoção à saúde, não podemosesquecer que eles constituem umsegmento importante e estratégicodo sistema, no caso dos procedimen-tos que só podem ser realizados noâmbito hospitalar ou mesmo nos ca-sos em que falha a Atenção Básica, oque, infelizmente, por razões as maisdiversas, ainda é muito freqüente.Entre outras coisas, é preciso atuali-zar os valores da Tabela do SUS e ado-tar políticas de vocacionamento queatendam às necessidades do sistemae assegurem a sobrevivência destasinstituições.• Regina Ramos dos Santos, enfermei-ra, Laguna, SC

RADIS AGRADECE

Sou assinante da Radis, e me sintofeliz e orgulhosa de contar com o

recebimento fiel desta revista cujoconteúdo está cada vez mais rico.Além de manter seus leitores bem-informados, provoca a reflexão e a res-ponsabilidade de sermos agentes demudança e cidadãos conscientes,principalmente como profissionais desaúde e docentes. Mais um ano se fin-dou, e parabéns a esta revista, que semantém cada vez mais rica e alegran-do a todos quantos a recebem!• Noêmia Moricochi Cavariani, Ministé-rio da Saúde/Núcleo de São Paulo/Se-tor de Habilitação de Projetos, São Paulo

Sou enfermeira e há oito anos lidocom programas de saúde pública,

por isso sempre estou antenada nasoportunidades para crescimento efortalecimento do conhecimento,que é inesgotável. Recebi a revistade novembro e adorei seu formato,sem falar do conteúdo inteligente eprático. Antes, lia a revista pelo site.• Simone Francisca de Albuquerque,Recife

NO CADASTRO

Gostaria de parabenizá-los pelo ex-celente conteúdo da revista Radis.

Não sou assinante da revista, mas sem-pre a pego emprestado na SecretariaMunicipal de Saúde. Quando estiveremfazendo alguma doação de exemplares,por favor, lembrem-se de mim. Sou umávido leitor de suas revistas. Parabéns esucesso a toda a equipe.• Messias Cardoso Santos, Jiquiriçá, BA

Sou agente de saúde e estudantede Serviço Social, leitora do RADIS há

muitos anos, do qual obtenho informa-ções importantes para o trabalho na Bai-xada Fluminense e para a minha forma-ção profissional e política. Venho solicitara assinatura da revista, comprometen-do-me a repassá-la a outras pessoas demeu círculo profissional. Minha suges-tão é que se inclua a categoria “agentede saúde” no cadastro de assinaturas.• Marcia Azevedo Pereira, Rio de Ja-neiro

A.D.

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RADIS 43 � MAR/2006

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BUTANTAN JÁ RECEBEU VÍRUS

DA INFLUENZA

ONational Insti-tute for Biolo-

gical Standards andTechnology, labora-tório britânico san-cionado pela OMS,enviou ao InstitutoButantan, de SãoPaulo, amostras da

cepa H5N1 do vírus da influenza ougripe aviária (Radis nº 40). Vai che-fiar o desenvolvimento da vacina obioquímico Isaias Raw, presidenteda Fundação Butantan e professoremérito da USP.

O professor Raw disse à Radisque a OMS decidiu não esperar pe-las mutações da cepa diante do ris-co real de uma pandemia (em feve-reiro a gripe aviária chegou aoIraque e à Nigéria). “Se esperar de-mais acaba como em 1914, encomen-dando caixão”, disse o pesquisador,aludindo à mortandade provocadapela Gripe Espanhola. “É claro queo vírus vai sofrer mais mutações, masé possível estabelecer uma árvorede seqüências prováveis”, afirmou.A própria vacina anual da gripe temtrês seqüências de vírus.

Agraciado com a Grã-Cruz da Or-dem do Mérito Científico, concedidapela Presidência da República, o Dr.Raw anda irritado com a desinformaçãogeneralizada sobre o vírus da influenzaaviária — na imprensa e até entre pes-quisadores. Ele rebate o temor deque a manipulação das cepas dê iní-cio à epidemia: “Ora, o vírus vem ate-nuado, geneticamente “desarmado”antes de ser enviado aos institutosde pesquisa”. E mais: “Telefonam paracá dizendo que querem seqüenciaro DNA do vírus, mas se as cepas jávêm seqüenciadas...!”

O Brasil é o primeiro país doHemisfério Sul a fabricar a vacina, eo Butantan quer produzir um esto-que mínimo ainda em 2006 para ocaso de algum foco da gripe ser de-tectado no país. Porque os grandesprodutores internacionais de vaci-na não vão nos ajudar, afirma: faltouvacina contra a gripe comum até nosEstados Unidos, com a interdição deduas fábricas britânicas. “O que a

SÚMULA

pandemia expôs foi a dependênciae a vulnerabilidade de um país comoo Brasil”, disse.

Aos 78 anos, o professor defen-de com ardor a independência bra-sileira em vacinas. Conta o Jornal daUnicamp que numa reunião emKyoto, em 1984, um representanteda indústria farmacêutica japonesaperguntou: “Por que um país de Ter-ceiro Mundo deveria se preocuparem produzir vacinas?” Raw devolveulembrando que no mesmo local, dé-cadas antes, o secretário de EstadoFoster Dulles perguntara por que oJapão produziria automóveis, se a in-dústria americana poderia fornecê-los melhores e mais baratos...

DIA MUNDIAL DA SAÚDE

Oslogan do Dia Mundial da Saúde— 7 de abril — deste ano é “Tra-

balhando juntos pela saúde”, uma ho-menagem da OMS aos profissionaisde saúde, heróis desta luta tantasvezes inglória. Como na RepúblicaCentro-Africana, país escolhido pelaOrganização Mundial de Saúde parasimbolizar essa luta. Sacudida porquatro guerras nos últimos 10 anos,o país vive em eterna comoção, eseu povo carrega as cicatrizes datortura, do estupro, da execução demulheres, homens e crianças. Essedrama não está na mídia, e por isso aONU o define como “a crise mais si-lenciosa do mundo”.

Os trabalhadores da saúde en-frentam como podem o HIV/Aids, amalária, a tuberculose, a doença dosono, a febre tifóide, a meningite.Menos de um terço da população

tem acesso à água potável; a expec-tativa de vida, que em 1995 era de49 anos, em 2003 baixou para 41. Háum médico para cada 17.850 pesso-as, um enfermeiro para cada 7.812,um leito de hospital para cada 1.095.“Tudo é emergência”, diz o médicocentro-africano Eugène Serdouma.“Tudo está quebrado: o povo, o hos-pital e o Estado.”

No Brasil, país distante dessa re-alidade, os profissionais de saúde en-frentam outras lutas. Ana Rosa Garciada Costa, conselheira municipal desaúde de São Paulo e diretora do Sin-dicato dos Trabalhadores na Adminis-tração Pública e Autarquias do muni-cípio, considera o slogan “Trabalhandojuntos pela saúde” bem irônico. “Osprofissionais de saúde trabalham numadireção, e o governo em outra”, dis-se. “Trabalhamos em defesa do SUS, eo governo pelo desmonte do SUS, en-tregue à iniciativa privada”.

PLP 1/03: AGORA VAI?

OPLP 1/03, que estabelece percen-tuais mínimos de investimentos em

saúde por parte de União, estados emunicípios deve, enfim, sair do campodas intenções. É o que se fala peloscorredores de Brasília, a partir de umaconversa do ministro das RelaçõesInstitucionais, Jacques Wagner, com odeputado Roberto Gouveia (PT-SP),autor do projeto. O ministro garantiuque o governo não criará mais obstá-culos para que a proposta seja levadaa plenário. “Ele me disse que os minis-tros Antonio Palocci (Fazenda), PauloBernardo (Planejamento), Dilma Roussef(Casa Civil) e Saraiva Felipe (Saúde) vãose organizar para contribuir com o tex-to”, disse Gouveia à Radis.

“Ninguém abre mão dos 10%”,afirmou Gouveia sobre as informaçõesde que o governo escalonaria o pa-gamento do percentual obrigatório,para que o repasse não pese muitonum primeiro momento. “Se houverescalonamento, ele terá como obje-tivo atingir os 10%”.

O relatório setorial da saúde foivotado na primeira semana de feverei-ro. A expectativa é que a área recebaR$ 43,6 bilhões para ações e serviçosde saúde em 2006. O relator setorial,Cláudio Cajado (PFL-BA), acatou suges-

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RADIS 43 � MAR/2006

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tões dos parlamentares e propôs, emseu relatório, alterações para evitar orecorrente desvio de recursos da saú-de para outras áreas, o que redunda-ria, segundo estimativas, em gastos ex-tras entre R$ 3,5 bilhões e R$ 5 bilhões.Mas o relator do Orçamento da União,Marlito Merss (PT-SC), ainda precisavaratificar o relatório setorial.

A votação do Orçamento daUnião já representava, em 8 de feve-reiro, atraso poucas vezes visto noCongresso, superado apenas nos or-çamentos de 2000, 1996, 1994 e 1993.

REGULAÇÃO DA PROPAGANDA

DE REMÉDIOS

Foi prorrogado até 18/3 o prazo paraenvio de sugestões à Consulta Públi-

ca nº 84, da Anvisa (www.anvisa.gov.br),que propõe mudanças na regulamen-tação da propaganda de medicamen-tos. A Ensp/Fiocruz contribuiu compropostas resultantes da Oficina deTrabalho sobre Regulação da Propa-ganda de Medicamentos no Brasil,promovida em novembro de 2005 pelaEnsp e pelo Centro de Vigilância Sa-nitária da Secretaria de Saúde do RJ.

Os debatedores concluíram queas ações de regulação na área têm sidopouco eficientes, apesar dos esforçosdos últimos 30 anos. Por isso, a pri-meira proposta do documento é oapoio à deliberação da 1ª Conferên-cia Nacional de Vigilância Sanitária(2001), pela proibição da propagandade medicamentos nos meios de co-municação. Em caso de rejeição, umaproposta alternativa foi organizada em14 itens. Diversos especialistas e insti-tuições assinam o documento, entreas quais a Sociedade Brasileira de Vi-gilância de Medicamentos (Sobravime),o Centro Brasileiro de Estudos deSaúde (Cebes) e a Associação dosServidores da Fiocruz (Asfoc).

O documento está no site daEnsp (http://cedoc.ensp.fiocruz.br/informe/arquivos/CPENSP-Anvisa.doc).

PREVIDÊNCIA: É FALSA A CRISE?

Acrise da Previdência, atribuída aum processo histórico de falên-

cia envolvendo envelhecimento dapopulação, baixa taxa de natalidade,elevação do salário mínimo e aposen-tadoria precoce, entre outros fato-res, foi desmistificada pela profes-sora Denise Gentil, do Instituto deEconomia da UFRJ: para ela, trata-sede um meio de manipulação estatísti-ca do governo federal em prol de in-

teresses econômicos que nada têm aver com seguridade social.

A tese de doutorado da pesqui-sadora parece resposta à manchetede 13/2 de O Globo, apontando umdéficit acumulado nos últimos 10 anosde R$ 1 trilhão na Previdência. “Háinteresses econômicos poderosos em-penhados em propagar a idéia de défi-cit na Previdência que, concretamen-te, não existe”, afirma a professora ementrevista à Revista Brasileira de Riscoe Seguro (www.rbrs.com.br/).

A discrepância está na forma decalcular o financiamento da Previdência.Segundo Denise, a somatória do “sal-do previdenciário” não incluitodas as receitas que com-põem o financiamento: “Osaldo é apresentado comonegativo, pois levanta apenasas receitas de contribuiçãoao INSS do empregador e dostrabalhadores”, diz. “O verda-deiro resultado final da Previ-dência envolve receitas não-consideradas, como as de CPMF, CSLLe Cofins: calculadas todas as fontesde financiamento, há saldo positivo deR$ 8,2 milhões”.

A professora aponta uma relaçãoentre esse saldo positivo e seu usopela “política econômica neoliberal”de manutenção de superávits primá-rios, adotada pelas “correntes orto-doxas de gestão” que ocupam o Ban-co Central. “Recursos da Previdênciaestão sendo aplicados no orçamentoda União, que está legalmente autori-zada a retirar 20% dos impostos e dascontribuições da seguridade socialpara aplicar livremente em qualquertipo de despesas”, afirma. “Não é difí-cil perceber que esse discurso de fa-lência faz parte de uma retórica quepretende retirar fatia cada vez maiordo orçamento da seguridade social”.

Os grandes proprietários de títu-los públicos do governo seriam osbeneficiários diretos desse falso défi-cit artificial, favorecidos pela políticade juros altos e por sua grande influ-ência no Banco Central. O processode execração da Previdência, segun-do ela, faria parte do interesse dessegrupo em privatizá-la, liberando recur-sos hoje vinculados a gastos sociais.Com uma Previdência privatizada, ostrabalhadores rurais e os 40 milhõesde trabalhadores informais seriam ex-cluídos no processo que a professoradefine como de “luta de classes”.

SÚMULA é produzida a partir do acom-panhamento crítico do que é divulgadona mídia impressa e eletrônica.

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CONASS ONLINE — A página na web doConselho Nacional de Secretários de Saú-de (www.conass.com.br/) mudou, e paramelhor: a navegação está fácil e veloz, abusca de assuntos funciona bem e asnotícias ganharam destaque. Os usuári-

os agradecem.Aliás, merecemtambém a mo-dernização dosite do Minis-tério da Saú-de, lento, con-fuso e semprefora do ar.

CSP AGORA MENSAL — A publicação ci-entífica da Ensp/Fiocruz, Cadernos de

Saúde Pública (www.ensp.fiocruz.br/csp/), antes bimestral, a partir de 2006terá 12 edições por ano, além dos even-tuais suplementos temáticos.

DISQUE-MEDICAMENTO — As farmáci-as do RJ estão obrigadas, desde feve-reiro, a expor cartazes com o telefo-ne do Disque-Medicamento, da Anvisa.O serviço tem a função de tirar dúvi-das e receber denúncias de abuso nospreços. Os cartazes deverão ter ta-manho mínimo de 80 x 80 e letras emmaiúsculas. O telefone do Disque-Me-dicamento é 0800-239191 (ligação gra-tuita), de 2ª a 6ª das 9h às 18h.

AGENTES DE SAÚDE — Foi promulgadaa EC 7/03, que permite a contrataçãode agentes comunitários de saúde ede endemias por processo seletivoem vez de concurso público. Osagentes serão contratados não peloregime de carreiras em extinção noserviço público, mas no de carreiraspermanentes. A PEC beneficia agen-tes contratados sem direitos traba-lhistas. Dica do Conasems: o site doCooperaSUS (www.saude.gov.br/cooperasus) tem chat e fórum de dis-cussão sobre desprecarização. Cadas-tre-se e participe.

“EXAGERO” DA REDAÇÃO — No Toquesda Radis 42 está escrito que o índiobrasileiro já ocupa “125% do territórionacional”. Caro leitor, quisemos dizer12,5%. Nossas desculpas! Algum madei-reiro derrubou essa vírgula...

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ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE

Um vírus que infecta o SUS

Marinilda Carvalho

Atransferência da gestão dosserviços de saúde a organi-zações sociais (OSs), práticaque avança a passos largos

em estados e municípios, é ilegal einconstitucional. Consenso entre es-pecialistas, foi esta a conclusão damaioria dos debatedores reunidospela Faculdade de Saúde Pública daUniversidade de São Paulo em 6 defevereiro para tratar desse espinho-so tema. Outra conclusão: do jeitoque está, a administração do SUStambém não pode continuar. Rece-beu muitos aplausos uma sugestãoconcreta de aperfeiçoamento do sis-tema — cuja reforma está incomple-ta, como todos reconhecem — apre-sentada pelo sanitarista GastãoWagner de Sousa Campos (ver box).

O tema é espinhoso porque, di-ante da crise permanente nos hospi-tais do SUS em algumas regiões, cres-ce o número de gestores queconsideram atraente este modelo deadministração. OS é uma pes-soa jurídica de direito priva-do sem fins lucrativos, com ati-vidades dirigidas à cultura e àsaúde (neste caso, chamamosOSS). O estado de São Pauloadota o modelo desde 1997, oprefeito José Serra (PSDB)conseguiu aprovar em janeirolei municipal que o autoriza eo secretário de Saúde do Rio, RonaldoCézar Coelho (PSDB), foi além: lançouem dezembro edital de concorrênciapara terceirização do Hospital de Acari,na periferia da cidade — com base nãona lei que regulamenta as OSs, mas nade licitações.

“Poucos governadores e prefeitostiveram coragem de assumir esse mo-delo, mas agora estão tendo”, diz oprofessor da Unicamp Nelson Rodriguesdos Santos, o Nelsão. Ele lembra queas OSs surgiram no bojo do Plano Dire-tor da Reforma do Aparelho de Estadoproposto pelo ministro Bresser Pereiraem 1995, no primeiro governo FernandoHenrique. O grupo de trabalho da re-forma administrativa era integrado tam-

bém por José Serra, entãoministro do Planejamento.

Inspirado nas teses neoliberaisdo Estado mínimo, o plano defendiaque a função do Estado seria coorde-nar e financiar políticas públicas, e nãoexecutá-las. Já no segundo mandatode FHC foi aprovada a Lei nº 9.637/98(originária da MP nº 1.591/97). Esta-vam criadas as OSs, e o governo par-tiu para a terceirização.

As 12 primeiras instituições quedeixariam de ser públicas para virar OS

eram justamente hospitais. Con-selheiros de saúde, parlamen-tares e o Ministério Público semobilizaram e impediram a ma-nobra. Até o fim do governoFHC, o Conselho Nacional deSaúde condenou várias vezes asOSSs, baixando resoluções queNelsão considera de alto signi-ficado histórico. Em maio de

1998, o subprocurador geral da Repú-blica Wagner Gonçalves, então procu-rador federal dos Direitos do Cidadão,emitiu parecer longo e definitivo. A con-clusão dele: “A Lei nº 9.637 nega o SUScomo previsto na Constituição, já queintroduz um vírus — organizações soci-ais — que é a antítese do sistema”.

“Quem faz sabe que está violan-do a Constituição”, afirma Nelsão.Para ele, a pressão da privatizaçãocontinua, e não é por outro motivoque em janeiro de 2005 outro grupode trabalho do CNS emitiu novo pa-recer condenando a prática. “Nãose trata de dogmaticamente ser con-trário às OSSs”, diz. “É um choquede duas estratégias de gestão públi-

ca, mas a Constituição tem diretri-zes muito claras e avançadas sobre

seguridade e saúde”.“A discussão opondo o

público ao privado é esté-ril”, afirma o economista

Adriano Londres, 36 anos, pre-sidente do Sindicato dos Hos-

pitais do Rio. “O que importa é a efi-ciência”, argumenta. “Contrato degestão, hospital orçamentado, commetas — não precisa ser privado paraisso, basta que a gestão seja profissio-nal.” Em artigo publicado no site da en-tidade o executivo apóia a terceirizaçãoem Acari e cita pesquisas que mostrari-am a superioridade do modelo gerencialdas OSSs sobre o do SUS.

Recorda Adriano que o governoQuércia (PMDB) deixou três hospitaisinacabados, e seu sucessor, MarioCovas (PSDB), recorreu às OSSs paracolocá-los em funcionamento. Como“deu certo”, o modelo se expandiupelo estado. “Hospital público nãotem meta, indicadores, orçamento,nenhuma ferramenta de gestão, porquê?”, pergunta. “Se o recurso é es-casso vamos usar com eficiência.”

FISCALIZAÇÃO BURLADAO deputado Paulo Pinheiro (PPS),

presidente da Comissão de Saúde daAssembléia Legislativa do RJ, não querentrar no discurso da eficiência nemno debate da ilegalidade das OSSs.“Minha principal crítica a esse modeloé que burla a fiscalização e não fazconcurso público”. Para ele, “o secre-tário não pode mentir à população di-zendo que está seguindo o modelopaulista, que prevê instituições sem finslucrativos”, diz. “Aqui, não: gastou 88milhões de reais no hospital e vai en-tregar tudo segundo a Lei 8.666, a dasLicitações; se a Amil ou a Golden Crossquiserem, podem concorrer.”

Profissionais aprovados em 2004no concurso da Secretaria Municipalde Saúde do Rio também contestamo secretário, que justificou aterceirização alegando não conseguirpessoal que trabalhe em Acari, áreapobre e violenta. “Não é verdade, háprofissionais de diversas especialida-des esperando para serem convoca-

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dos”, afirmou à imprensa CristianeGerardo, diretora do Sindsprev.

Em São Paulo, a conselheira mu-nicipal de saúde Ana Rosa Garcia daCosta, diretora do sindicato que re-úne profissionais da administraçãopública e autarquias da capital, estápessimista. No dia da posse dos no-vos conselheiros, 26 de janeiro, oprefeito Serra sancionou a lei, repro-vada pelo Conselho Municipal de Saú-de. Na opinião dela, a terceirizaçãonão vai dar certo por falta absolutade condições de trabalho. “Um auxi-liar de enfermagem está com 20 lei-tos em plantão de 12 horas”, conta.

No início de fevereiro houve mani-festação indicativa de greve no Hospi-tal do Tatuapé (Hospital MunicipalCarmino Caricchio), unidade de referên-cia da região. “A secretaria não chamaconcursado, não faz concurso, não fazcontratação de emergência, são mesese meses sem contratar”, reclama Ana.As Unidades de Atendimento MédicoAmbulatorial (AMAs), criadas em 2005,são vistas por sindicatos e movimentospopulares como “projeto de fachada”.Para esvaziar as filas do pronto-socorro,a prefeitura, “em vez de contratar maispessoal, isola parte da unidade de saú-de e coloca lá clínicos e pediatras paraatendimento rápido, que chamamos dereboque-terapia: a consulta é superfici-al e o paciente acaba voltando ou so-brecarregando outra unidade”. Alémdisso, o sistema é seletivo: “escolhe-se” o paciente a atender, violandoprincípio do SUS.

“O investimento deveria ser narede SUS”, diz Ana Rosa. “Só o Tatuapéperdeu 89 enfermeiros e auxiliares deenfermagem, além de 98 auxiliares ad-ministrativos em um ano.” A Prefeiturapromete contratar depois que as OSSsestiverem em operação. O sanitaristaGilson Carvalho duvida. “Como? Se al-guém é colocado no meio como ter-ceiro e vai ter remuneração, esta sópode 1) ser tirada do comprador (pa-gará mais); 2) do trabalhador (recebe-rá menos); 3) do comprador edo trabalhador (de ambos: ocomprador compra mais caroe o trabalhador recebe me-nor remuneração)”, diz. “Im-possível outra matemática. Ouse paga mais ao tomador dosserviços ou se paga menos aostrabalhadores.”

Gilson, por sinal, acha osargumentos pró-OSSs “sem consistên-cia”. Serão mais baratos os encargoseconômicos? “Se direitos trabalhistaspassam a não existir, alguém será lesa-do como empregado do terceiro oucooperado, sem férias, sem 13º, sem

FGTS, sem licença-maternidade”, diz.“Ou então se faz a opção errônea de ogoverno lesar o próprio governo: opta-se por dispensar a parte patronal dosencargos trabalhistas e, logo a seguir,lamenta-se a falta de recursos públi-cos!” A questão da fiscalização tambémé crucial: “Para vigiar a terceirização tem-se que montar uma verdadeira swat paraimpedir fraudes, e tão caro fica este con-trole que daria para aumentar salário dosservidores ou contratar mais gente.”

PROFISSIONAIS AVILTADOS

Para Nelsão, o recurso humanopúblico nunca foi tão aviltado: insta-lou-se a precarização, veio a onda dasterceirizações. O discurso da eficiên-cia maior das OSs, em sua opinião, é

inteligente, mas malicioso, jáque “público-não-estatal écanto de sereia”, na verdadequer dizer privado. “Metem opau nas instituições burocrá-ticas, mas isso nós tambémmetemos”, diz. Ele concorda,a gestão do SUS precisa mu-dar, mas lembra que a refor-ma da saúde era coerente,

com fundos de saúde, repasses fun-do a fundo, conselhos, a comissãotripartite, em que as três esferas degoverno se reúnem todos os mesespara pactuar a gestão, as bipartitesregionais. “Isso é uma profunda re-

forma do Estado”, atesta. “Com o go-verno Collor o SUS ainda conseguiuequilibrar a pressão, mas a reformabresseriana do Estado mínimo, este queabdica de suas ações na área social eas delega ao mercado e às OSs, bre-cou o ritmo dos três primeiros anos”.

O passo seguinte seria a auto-nomia gerencial nas unidades de saú-de, mas o que restou foi um sistemaengessado pela gestão centralizada.“Resíduos do Brasil colonial, cartorial,antipúblico”, lamenta Nelsão. E com aagravante da falta de recursos, “por-que a reforma da globalização neoliberaldeu uma no cravo outra na ferradura:com o Estado mínimo veio também o cortebrutal dos orçamentos públicos, retraçãoque continua no governo Lula”.

Para Gilson Carvalho, esta é umagrande discussão, que precisa estabe-lecer urgentemente até onde vai o li-mite da terceirização para o setor pú-blico específico de saúde. Ele já tem aresposta: “Terceirização de atividades-meio (limpeza, alimentação, vigilância,manutenção de máquinas etc.) e ativi-dades esporádicas por notória especi-alização ou por contrato de serviçosespecializados (como consultorias). Eponto final”. Nelsão acha que com umpouquinho de mobilização será possí-vel frear a tendência. “Se neste anoeleitoral fizermos esse debate já esta-remos avançando.”

Autonomia com princípios

No debate da USP, intituladoEstatização x Privatização ou

Publicização da Gestão dos Hospi-tais do SUS: Modalidades Jurídico-Administrativas para a sua Gestão”,o professor Gastão Wagner, daUnicamp, antecipou as idéias paraum novo modelo de gestão que vemestudando: as Organizações do SUS.

Por enquanto, a descri-ção é breve: trata-se de ummodelo de gestão público-estatal, isto é, da adminis-tração direta mesmo, semparticipação alguma de ins-tituições privadas, mas comautonomia, conselho gestorde representação paritária(secretários, trabalhado-res, usuários), direção escolhida se-gundo critérios técnicos, e não noformato de cargo de confiança porindicação de governos, seleção pú-blica de pessoal. A organização es-taria ligada em rede, participando

da regionalização, ou seja, o SUS comseus princípios e diretrizes, sob ges-tão autônoma municipal, estadual oufederal, para unidades existentes oua serem criadas.

“Seriam estas as característi-cas, além de outras que se acres-centem no debate”, diz Gastão. Paraele, a Lei Orgânica da Saúde [a

8.080/90] é incompleta, oque impede que se concluaa reforma do SUS. As regrasatuais de orçamento e ges-tão de pessoal estão esgo-tadas, e a terceirização dagestão, além de ilegal, poisatividade essencial nãopode ser delegada, “vai criarum mosaico inadministrável,

a Nicarágua tentou e não conse-guiu”. Nesse novo modelo, todasas unidades do SUS se enquadrari-am: “E isso impediria que uma pre-feitura recorresse a formas vela-das de privatização.”

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1º SNCIISMEDICAMENTOS NA JUSTIÇA

Quando oremédio podevirar veneno

Claudia Rabelo Lopes e Wagner

Vasconcelos

Onúmero de ações judiciais con-tra estados e municípios parafornecimento gratuito de me-dicamentos não pára de cres-

cer. O fenômeno, que teve início nos anos90, reflete, em parte, a conscientizaçãode uma parcela da população no que serefere aos seus direitos. Mas a situaçãoatual, com milhares de mandados judiciaisconsumindo milhões de reais em recursospúblicos, tem causas complexas, em queos interesses legítimos — coletivos ou in-dividuais — nem sempre vêm em primeirolugar. Má gestão, pressão das indústriasfarmacêuticas e falhas na formação dosmédicos são alguns dos fatores que impul-sionam uma verdadeira bola de neve, queameaça atropelar outros programas e pro-jetos na área da saúde. Para os envolvi-dos, a solução do problema passa não sópor maior eficiência da gestão, como tam-bém por um melhor entendimento entreo Judiciário e os responsáveis pelo Siste-ma Único de Saúde.

Em 1991, havia apenas um mandado desegurança contra o Estado do Rio para for-necimento de medicamento. Hoje o estadojá responde a 7.758 ações desse tipo que,se somadas às impetradas contra o municí-pio, chegam a 13 mil, segundo reportagemde O Globo de 19/12/2005. Em São Paulo, no

ano passado, o secretário estadualde Saúde, Luiz Roberto Barradas Ba-rata, publicou em diversos jornais oartigo Remédios na dose certa (Radisnº 39, Súmula) declarando que os gas-tos do seu estado com demandas ju-

diciais por medicamentos no primeiro se-mestre de 2005 — no valor de R$ 86 milhões— já correspondiam a quase o dobro dosrecursos despendidos para o mesmo fim em

todo o ano de 2004. Guardadas as devidasproporções, a situação não é muito dife-rente nos outros estados.

GARANTIA NA LEIA garantia de assistência farmacêuti-

ca à população está na lei. A ConstituiçãoFederal, nos artigos 6º e 196º, prevê o aces-so universal e igualitário às ações e servi-ços para promoção, proteção e recupe-ração da saúde, como direito social e deverdo Estado. Mais especificamente, a Lei8.080/90, que instituiu o SUS, estabelece,em seu artigo 6º, que “é atribuição do Sis-tema Único de Saúde a execução de açõesde assistência terapêutica integral, inclu-sive farmacêutica”. Assim, se o poder pú-blico não fornece o medicamento de queos pacientes precisam, mas pelo qual nãopodem pagar, recorrer à Justiça é o cami-nho óbvio — seja por intermédio de de-fensores públicos, escritórios-modelo deuniversidades, advogados particulares ou,em alguns casos, do Ministério Público.

Foi isso o que fizeram, primeiramen-te, grupos de portadores de HIV/Aids,seguidos por outras associações de usu-ários de remédios de custo elevado. Paraatender à procura por esses produtossem a necessidade de o paciente recor-rer à Justiça, foi criado, em 1993, o Pro-grama de Medicamentos de Dispensaçãoem Caráter Excepcional, que ganhou im-pulso em 1998, com a Política Nacionalde Medicamentos (PNM). A PNM incluiua garantia de acesso da população aosmedicamentos de alto custo para doen-ças de caráter individual. Para organizare racionalizar o fornecimento, o Minis-tério da Saúde estabeleceu, em portari-as, quais os remédios de dispensação emcaráter excepcional no SUS.

No início de 2004 já havia 330 mil pa-cientes cadastrados no programa, de

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acordo com levantamento do Conselho Na-cional de Secretários de Saúde (Conass).O próprio Conass, contudo, reconhece asmuitas dificuldades gerenciais das equi-pes responsáveis pelo programa nas se-cretarias estaduais de Saúde, que nãoconseguiram, em muitos casos, montaruma estrutura operacional, logística e deatendimento capaz de suportar o cresci-mento da demanda no tempo necessário.Essa falta de agilidade contribuiu para oaumento do número de mandados de se-gurança por medicamentos, e a lentidãoda Justiça contribuiu para o acúmulo deliminares, como mostra o artigo Mandadosjudiciais para garantia de acesso a medica-mentos, publicado nos Cadernos de SaúdePública de março-abril de 2005.

COBRANÇA EQUIVOCADANele, as pesquisadoras Ana Márcia

Messeder, do Departamento de Assistên-cia Farmacêutica e Insumos Estratégicosdo Ministério da Saúde, Claudia GarciaSerpa Osorio de Castro e Vera Lucia Luiza,ambas do Núcleo de Assistência Farma-cêutica (NAF) da Fiocruz, analisaram da-dos de 1991 a 2002 provenientes do ar-quivo documental e do banco de dadosda Superintendência de Assistência Far-macêutica da Secretaria Estadual de Saú-de do Rio de Janeiro.

O artigo revela que a maior parte dasações por medicamentos no estado nemsequer teve seu mérito julgado, no perío-do pesquisado, de 11 anos. Os mandadoscontinuam sendo cumpridos sem que a ade-quação dos pleitos seja corretamente ava-liada. Para agravar o problema, não há umprocedimento sistematizado que garanta aoestado saber se o pleiteante continua vivo,e muitas vezes o remédio continua a serfornecido depois da morte do paciente.

O estudo confirmou também uma dasprincipais reclamações dos gestores: ade que a população e os profissionaisdo Direito, em geral, não têm esclareci-mento sobre a que esfera governamen-tal — município, estado ou União — asdemandas devem ser dirigidas. O papelde cada uma foi definido na PNM, mas odirecionamento equivocado faz com queestados sejam cobrados em lugar dosmunicípios e vice-versa, muitas vezes re-tirando recursos de outros projetos. Omesmo ocorre em relação à União.

UM CIPOAL DE NORMASEm entrevista à Radis por telefone, a

defensora pública Juliana Naliato, do Nú-cleo de Fazenda Pública do Estado do Rio,disse que a jurisprudência do Tribunal deJustiça é pela solidariedade entre as trêsesferas na questão do fornecimento de me-dicamentos, independentemente das com-petências administrativas. Mas as reclama-ções dos gestores continuam.

Não é fácil situar-se no cipoal deportarias e instrumentos normativos queregulam a assistência farmacêutica doSUS. Para começar, há uma variedade delistas de medicamentos elaboradas paraorientar as instâncias federal, estadual emunicipal quanto às suas responsabilida-des. “Os medicamentos estratégicos, paradoenças endêmicas focais, têm uma lis-ta, os de alto custo outra, assistência bá-sica, outra, saúde mental, HIV/Aids, e poraí vai”, explica Claudia. “Há programasque, por si, determinam que vão usar de-terminado medicamento sem nenhuma in-gerência da Secretaria de Insumos Estra-tégicos; então, é muito complicado”. Paraela, deveria haver, nas secretarias, pro-fissionais bem preparados para lidar comessa complexidade.

O fato é que a maioria das decisõesjudiciais no Brasil tem obrigado a instân-cia governamental acionada a fornecer oque for pedido, inclusive remédios sem re-gistro na Agência Nacional de VigilânciaSanitária (Anvisa). São produtos novos, queainda não tiveram sua segurança e eficáciasuficientemente comprovadas. É precisodiferenciá-los dos medicamentos excepci-onais ou de “dispensação excepcional” —remédios já registrados e que fazem partede alguma lista do SUS, muitas vezes de usoprolongado, indicados contra doenças queexigem acompanhamento especializado,sob protocolos clínicos e diretrizes tera-pêuticas específicas, devido a sua açãofarmacológica ou ao alto custo.

O LOBBY DA INDÚSTRIAMas há grande pressão das indústrias

farmacêuticas para que os novos remédi-os obtenham rapidamente o registro eentrem no importante mercado que é oSUS. E também para que aumente o con-sumo dos medicamentos excepcionais. Emambos os casos, trata-se de produtos sobpatente, altamente lucrativos. Um gramade interferon peguilado, por exemplo,usado no tratamento da hepatite C, custacerca de R$ 4,4 milhões — dados do Minis-tério da Saúde —, o que significa 100 milvezes o valor de um grama de ouro, embo-ra a eficácia da droga, em estudos con-trolados, não ultrapasse os 47%.

Para alcançar seus objetivos, as indús-trias se aproximam das associações de pa-cientes e procuram induzi-los, quase sem-pre com sucesso, a pleitear esses remédiosna Justiça, de modo que o acesso aeles se torne um direito adquirido.Os prescritores também estão namira das estratégias mercadológicasdas empresas. “A propaganda dirigidaao médico começa no primeiro anode Medicina e de uma forma muito per-versa”, denuncia Claudia, acrescentandoque os especialistas que tratam certas en-fermidades são o alvo privilegiado. “Aí quem

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vai conversar com eles não é o pro-pagandista, mas uma pessoa gradua-da, até mesmo o chefe médico do la-boratório”, diz ela.

O médico Paulo Dornelles Picon,um dos responsáveis pela elaboração dosProtocolos Clínicos e Diretrizes Terapêu-ticas (PCDT) para o Ministério da Saúde,é um dos maiores críticos da presençade representantes de laboratórios nasfaculdades de Medicina e nos hospitaisuniversitários. Em palestra a integrantesdo Ministério Público, em setembro de2005 (Radis nº 39), Picon, que também écoordenador técnico de Política de As-sistência Farmacêutica do Rio Grandedo Sul, apresentou pesquisas internaci-onais mostrando que o marketing dasindústrias aumenta, e muito, a probabi-lidade de o médico receitar uma droganova, registrada ou não.

MIMOS E ASSÉDIOEntre as principais estratégias

dos laboratórios para influenciar adecisão dos prescritores estão o fi-nanciamento de pesquisas, o paga-mento de honorários, a realização deconferências com especialistas liga-dos às empresas e o pagamento deviagens para participação em eventos.Soma-se a isso o assédio das indústri-as sobre editores de publicações ci-entíficas, denunciado por MarciaAngell, conferencista sênior em Me-dicina Social da Universidade deHarvard e ex-editora chefe do NewEngland Journal of Medicine, no livroThe truth about the drug companies:how they deceive us and what to doabout it (A verdade sobre a indústriafarmacêutica: como eles nos enganame o que fazer a respeito), publicadoem 2004 pela Random House.

É verdade que as ações judiciaissão uma porta de entrada para inova-ções que podem ser muito bem-vin-das, como no caso dos anti-retrovirais. Mas Picon alerta para ofato de que nem todos os novos medi-camentos trazem inovações verdadei-ras. “Nos últimos anos, a indústria temquase sempre produzido droga velhamaquiada de droga nova”, afirma. Elecondena a proliferação de cursos deMedicina que formam médicos mal pre-parados, sem os conhecimentos ne-

cessários para fazer uma leituracrítica da literatura especializa-da e, muito menos, das infor-mações passadas diretamentepelos laboratórios. “Há médicosque se instruem nos sites das

empresas”, arremata Claudia.No entanto, quase sempre, bas-

ta apresentar laudo assinado por ummédico para que se possa entrar com

uma ação judicial para obtenção demedicamentos. Juliana Naliato expli-ca que se o produto não é registradono Ministério da Saúde a Defensoriado Rio de Janeiro pede também umadeclaração do médico baseada empesquisas internacionais, atestando aeficiência e a segurança da droga queestá prescrevendo. “Nós não somosmédicos, então nos baseamos no lau-do do especialista”, argumentaJuliana. “Quem vai determinar se oremédio deve ou não ser fornecido éo juiz”: a defensoria tem por princí-pio sempre entrar com a ação, docontrário poria em risco o princípioda eqüidade no acesso aos medica-mentos, diz.

DROGAS NOVAS E COBAIASO problema é que muitas vezes o

juiz também se baseia apenas nesselaudo para conceder uma liminar obri-gando o gestor a fornecer drogas ain-da não registradas, ou de altíssimocusto, mesmo quando o SUS já distri-bui outras, eficientes e mais baratas,para a mesma finalidade. Sem falar nosriscos que medicamentos não-testa-dos ou não-aprovados pela Anvisa po-dem representar para o paciente.Claudia e suas colegas se assustaramcom algumas ações encontradas du-rante a pesquisa. “A gente vê, quan-do examina os mandados de seguran-ça, coisas perigosas, coisas ruins, eque o juiz defere, imaginando que estáfazendo um bem ao paciente, e nofundo está fazendo um mal”, diz.

O subsecretário de Apoio Opera-cional da Secretaria de Saúde do Dis-trito Federal, José Maria Freire, de-tecta aí um grave problema, que é atransformação dos pacientes em co-baias. “Quando um médico receita umremédio que ainda não foi liberadopela Anvisa, o paciente acaba sendousado para testar essa medicação”,alerta, acrescentando que sua secre-taria já foi obrigada a comprar remé-dios que tinham eficácia comprovadaem apenas 20% dos casos.

Segundo o subsecretário, hátambém a pressão sobre a agilidadena aquisição dos medicamentos. Mui-tas vezes as ações ordenam que ofornecimento se dê de forma imedia-ta, estabelecendo até mesmo multaspor dia de atraso. As determinaçõesnem levam em conta que muitos des-ses remédios são importados — o quedemanda certos trâmites burocráti-cos. Além disso, os gestores se vêemforçados a pressionar a Anvisa paraliberar os produtos não-registrados,a fim de não infringirem a Lei 6.360,de 1976, que proíbe “industrialização,

exposição à venda ou entrega ao con-sumo no país de qualquer medica-mento sem o prévio registro no Mi-nistério da Saúde”. Nenhuma multa,por enquanto, foi aplicada no DF. Maso temor permanece.

SITUAÇÃO ESQUISITAOutra questão grave é que a en-

xurrada de ações expõe o SUS à atua-ção de médicos e advogados corrup-tos. No Distrito Federal, a colaboraçãoentre o Ministério Público e uma CPIda Câmara Distrital, que investigacorrupção na saúde brasiliense, levouà descoberta de uma situação no mí-nimo esquisita, envolvendo o medica-mento Cetuximab, para tratamento decâncer. Uma ação judicial obrigou aSecretaria de Saúde a importar 36 am-polas do remédio, ao custo de R$ 196mil. Quando o medicamento chegou,porém, o paciente já havia morrido. Eas ampolas foram parar na clínica par-ticular do então diretor de oncologiada Secretaria de Saúde do DF.

A justificativa foi, se não convin-cente, criativa. “Disseram que a clí-nica havia feito uma permuta com aSecretaria de Saúde e que trocou osremédios por outros que a secreta-ria necessitava, mas documentos quecomprovassem essa parceria nuncaapareceram”, contou à Radis o pro-motor Jairo Bisol, titular da Promoto-ria de Defesa da Saúde (Pro-SUS), doMinistério Público do DF.

De acordo com Jairo, a maioriadas ações por medicamentos no DF émovida por advogados particulares. Naótica do promotor, a proliferação des-sas ações tem como principal motivoo tão comentado subfinanciamento dasaúde no país. Mas ele considera queo excesso de liminares desestruturao SUS, e que é necessário maior pre-paro e precaução dos juízes para to-marem decisões nessa área, como aexigência de perícias, por exemplo.Assim como Claudia Osorio, Jairoacredita que o juiz não deve simples-mente lavar as mãos e decidir de for-ma solitária. Precisa ouvir técnicosque amparem sua decisão sob diver-sos aspectos, entre os quais a per-missão de venda e uso de determi-nados medicamentos.

NOMES COMERCIAISAs críticas a médicos e juízes não

param na questão dos medicamentosexcepcionais e dos não-registrados. Hátambém o problema de profissionaisque, mesmo no SUS, usam os nomescomerciais de medicamentos básicosem suas prescrições. Paulo Picon afir-ma que é impossível estabelecer fluxo

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de compra e estoque se o gestor éobrigado, como tem sido, a atendera demandas administrativas e judici-ais de nomes comerciais. “É um ab-surdo, hoje são 18 mil apresentaçõescomerciais no Brasil”, diz. “Se não nosatualizarmos e não exigirmos os no-mes genéricos, a denominação comumbrasileira (DBC) para dispensação ecompra no SUS, não é possível admi-nistrar isso”. Na falta de denominaçãobrasileira, deve ser usada a denomina-ção comum internacional (DCI).

A prescrição de nomes comerci-ais no âmbito do SUS vai contra os arti-gos 3o e 4o da Portaria nº 1.587, de 2002,que atualiza a Relação Nacional deMedicamentos Essenciais (Rename).Nessa relação estão contemplados osmedicamentos que dão conta da mai-or parte das enfermidades que atin-gem a população. A Rename tem comouma de suas fontes a lista de medica-mentos essenciais da OrganizaçãoMundial de Saúde, de aproximada-mente 300 remédios. “Com eles, aten-deríamos a 98% dos agravos da popu-lação”, diz Picon, ressaltando que orespeito às listas é fundamental parao estabelecimento do uso racional demedicamentos no país.

Mas o fenômeno das ações pormedicamentos tem outros aspectosque precisam ser considerados. Osurgimento de demandas judiciais porremédios do âmbito da Atenção Bási-ca, por exemplo, indica sérios pro-blemas de gestão, além dos aponta-dos pelo Conass. Estados e municípiosnão abrem concursos para pessoalespecializado com a freqüência quedeveriam, e a assistência farmacêuti-ca é muitas vezes entregue a pessoasdespreparadas ou incompetentes,principalmente nos municípios. “Mui-tas vezes é um amigo, um recém-for-mado que é contratado para a área,e ele não tem noção do que precisafazer, não consegue se esclarecer,não tem informação, não tem nenhu-ma prática”, aponta Claudia.

DESCOMPROMISSO E MÁ-FÉPara ajudar os responsáveis pela

assistência farmacêutica nas secretari-as estaduais, o Conass publicou, em2004, dois guias sobre gestão do Progra-ma de Medicamentos de DispensaçãoExcepcional, na série Conass Docu-menta (números 3 e 5), disponíveis nosite da entidade (www.conass.org.br).O Portal de Medicamentos da Orga-nização Pan-Americana da Saúde(www.opas.org.br/medicamentos)também disponibiliza importante mate-rial sobre uso racional de medicamen-tos. Lá estão os PCDT e o livro Assis-

tência farmacêutica para gerentes mu-nicipais, organizado por Nelly Marin,Vera Lucia Luiza, Claudia Osorio de Cas-tro e Silvio Machado dos Santos.

Não são poucas as ocasiões emque o desabastecimento de medica-mentos, a exemplo de outros proble-mas do SUS, deve-se a descompromissoou mesmo má-fé do gestor com o sis-tema. Na opinião do juiz federal Flá-vio Dino de Castro e Costa, secretá-rio-geral do Conselho Nacional deJustiça (CNJ), situações desse tipoinfluenciam a visão que muitos magis-trados têm do problema.

“Normalmente, os juízes teriamque presumir que as decisões admi-nistrativas dos gestores são corretas”,diz o juiz. “Mas o caos no atendimen-to é tão grande, notório e crônicoque causa um sentimento de aversãoao sistema”. Isso faz com que a per-cepção social da questão por partedo juiz seja desfavorável, e o leve apresumir o oposto. “A idéia é que, jáque o atendimento não funciona nogeral, então pelo menos naquelecaso, que está nas mãos dele, vai terque funcionar”, explica.

A MELHOR ABORDAGEMFlávio Dino esclarece que as deci-

sões judiciais têm motivações não ape-nas jurídicas, mas sociológicas e psi-cológicas. Nem por isso sãoilegítimas, ao contrário do que mui-ta gente pensa. “A lei é um textosujeito a interpretação, e essesfatores têm influência, sim, atéporque têm amparo na realida-de”, afirma. Ele concorda par-cialmente com as críticas fei-tas ao Judiciário. Mas lembraque as primeiras decisões quedeferiram fornecimento deanti-retrovirais para doentesde Aids foram, na época, ta-xadas de abuso pelos gestores.Hoje, no entanto, todos en-tendem que foram corretas.

Pelo que Flávio tem ouvidodos colegas, não é o argumento eco-nômico que vai sensibilizar os juízes,porque é de conhecimento geral quehá muito dinheiro sendo mal gasto nopaís. “Há quem diga: não existe di-nheiro para pagar convocação extra-ordinária do Congresso à toa? Entãotem que ter para o remédio também”.Ele considera que a melhor aborda-gem é mostrar a ineficácia do medi-camento, o risco que ele pode tra-zer ao paciente, o uso daquela pessoacomo cobaia pelos laboratórios.

Difícil não considerar o proble-ma da sustentabilidade do SUS, quan-do se sabe que o estado de São Paulo,

por exemplo, teve gastos estimados emR$ 560 milhões com fornecimento demedicamentos de alto custo em 2005apenas com os pacientes cadastrados,não-contabilizados aí os recursosdespendidos para atender outras 10 milpessoas que receberam medicamentospor meio de ações. E que no DistritoFederal as 13 ordens judiciais que aSecretaria de Saúde teve que atenderpara compra de medicamentos, no anopassado, totalizaram mais de R$ 1,1 mi-lhão, resultando numa média de quaseR$ 100 mil por paciente.

“O SUS VAI QUEBRAR”Diante disso, o subsecretário

José Maria faz um diagnósticopreocupante: “Se a Justiça nãocompreender esse problema, o SUSvai quebrar”. Não é à toa que essasverbas tenham sido alvo de muita po-lêmica na discussão do relatóriosetorial da Saúde do Orçamento 2006.No entendimento do secretário, essequadro é mais complicado do quepode parecer. “Não podemos cerce-ar o juiz e muitas vezes não pode-mos nem orientá-los”, diz. Por isso,

entre as iniciativas para ten-tar evitar tal cenário estáo encaminhamento dessasações à Procuradoria do DF,sempre que elas chegam.José Maria acredita que asolução passa por ações eentendimentos entre oMinistério Público, o Mi-nistério da Saúde, a Anvisa,os tribunais de Justiça econselhos regionais e fe-deral de Medicina.

Flávio Dino, por suavez, reconhece que há mui-ta “intolerância recíproca”entre gestores e juízes, e

defende maior aproximaçãoentre eles, mas de modo or-

ganizado. “Não adianta apenaso gestor ter uma conversa com

o presidente do Tribunal de Jus-tiça do estado”, diz. “O Ministérioda Saúde e os conselhos de gestoresdevem provocar formalmente o CNJ,propondo ações, políticas e boas prá-ticas que possamos coordenar e dis-seminar em todo o país”, sugere.

O importante é que seja umsistema institucionalizado e efi-ciente, proposto pelos gover-nos, diz ele. Uma idéia seria pro-mover parcerias do Judiciáriocom instituições especializadas.Ou criar, em cada comarca, uma co-missão técnica de referência que dêpareceres ágeis sobre as ações pormedicamentos.

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ENTREVISTA

Omédico-sanitarista AntônioIvo de Carvalho, diretoreleito da Escola Nacionalde Saúde Pública Sergio

Arouca (Ensp/Fiocruz) no primeirosemestre de 2005, recebeu a equi-pe do RADIS no fim do ano para umaconversa de duas horas, em que tra-tou de temas da saúde e da forma-ção de profissionais, foco de sua es-pecialidade — políticas e gestão desistemas de saúde — e objeto dasposições que a escola vem adotan-do no cenário atual. Formado pelaUFRJ, mestre em Ciências pela Ensp,seu trabalho acadêmico gira em tor-no do eixo “Da saúde pública às po-líticas saudáveis: saúde e cidadaniana pós-modernidade”, sobre o qualtem publicado diversos estudos.

Antônio Ivo falou sobre a criseda saúde no Rio de Janeiro, que vol-tou às manchetes nos últimos meses,e também do esforço de contribui-ção da Ensp para a solução dos pro-blemas, para o avanço do SUS e parao alargamento do campo da ReformaSanitária Brasileira.

Em dezembro, Antônio Ivo este-ve em Angola para debater os deta-lhes da criação de um curso deMestrado em Saúde Pública para pa-íses africanos de língua portuguesa;antes, em agosto, participou na Cos-ta Rica da Oficina de Trabalho sobreRecursos Humanos para a Saúde Pú-blica, na perspectiva da contribui-ção da saúde para o cumprimentodos Objetivos de Desenvolvimentodo Milênio, da ONU. No encontro,iniciativa da Federação Mundial dasAssociações de Saúde Pública emcolaboração com a Opas/OMS, osbrasileiros defenderam que as me-tas do milênio, entre as quais a re-dução da mortalidade infantil e ma-terna, não dependem apenas deprocedimentos de saúde, mas da

reorientação do modelo de desen-volvimento, de modo que ele sejaredutor e não produtor de desi-gualdades. Mais ainda, disse Antô-nio Ivo, hoje se sabe que“eqüidade é o motor dodesenvolvimento.”

A crise da saúde no Rio deJaneiro voltou às manche-tes em 2005. Por quê?

Entre outras ra-zões, houve no Riouma quebra explíci-ta do pacto políti-co entre as esferasgestoras, que é umacondição de exis-tência do SUS. Semco-responsabilidadepactuada entre as es-feras não há SUS, nãohá rede assistencial inte-grada, e sim uma prestação erráticae desorganizada de serviços que nãomelhora a saúde da população. E des-perdiça recursos. Na verdade, a cri-se assistencial gerada pela falência dehospitais federais municipalizados, porinanição financeira, fruto da renún-cia do município do Rio em administrá-los, não foi contida pela intervençãofederal que, intempestiva, aliviou aprestação dos serviços, mas perpe-tuou a crise política e não tocou nosproblemas de fundo.

Com a mudança do ministro, emjulho de 2005, o governo federal re-conheceu a dívida financeira com omunicípio e restaurou a governabi-lidade mínima para o enfrentamentoda crise. Convocada pelo ministroSaraiva para mediar e subsidiar tec-nicamente a repactuação entre astrês esferas gestoras, a Ensp/Fiocruzpassou a atuar sistematicamente emdois planos, ambos críticos para a su-peração da impotência estrutural dosistema e ambos cruciais para a agen-

da de repactuação entre as esferas:a gestão hospitalar em si e a gestãoda rede metropolitana (onde tem dese dar a integração de todas as uni-dades assistenciais).

Como se estruturou essa integração?A partir da iniciativa de reunir

as três esferas de governo, federal,estadual e dos 20 municípios da Re-gião Metropolitana do Rio de Janei-ro (Radis nº 40), foram estabelecidaspor consenso duas inovações prin-cipais: a primeira foi a criação de umcomitê gestor metropolitano, do qualparticipam as três esferas; a segun-da foi a criação, no âmbito federal,de uma estrutura gestora dos hospi-tais federais (que não existia, já queos hospitais eram municipalizados, enão federais). Isso não estava previs-to no desenho original do SUS. Oprevisto, em cada estado, era a co-missão bipartite, metade de repre-sentantes do estado, metade do mu-nicípio, sem participação federal.

Antônio Ivo de Carvalho

“A eqüidade é o motor do desenvolvimento”

C.P.

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Dada a profundidade da crise e ascaracterísticas da região, estabele-ceu-se essa formação institucionalespecial de natureza tripartite.

Como se dá a participação da Ensp?Recebemos do ministro Saraiva

Felipe a função de órgão assessordo Ministério da Saúde nos comitês.Temos dois grupos: o de gestão hos-pitalar, que ajuda na coordenaçãodos hospitais federais, e o grupo degestão do sistema, que ajuda na co-ordenação metropolitana, na orga-nização da atenção básica e na ges-tão integrada da rede assistencialmetropolitana. No primeiro grupo,nosso papel é elaborar proposta denovo modelo de gestão, ou degovernança, como se diz hoje, paraos hospitais. Experiências exitosasem todo o mundo e mesmo no Bra-sil mostram que o hospital modernoprecisa trabalhar com padrões degestão autônoma e flexível, de modoa tornar ágeis e eficientes os pro-cessos de compras, manutenção egestão de pessoal, ao mesmo tem-po em que valorize o desempenhode profissionais e equipes. Deve tra-balhar então com acordos ou con-tratos de metas, estabelecidos in-ternamente entre as clínicas eexternamente com outras unidades,e o desempenho será determinantepara a distribuição dos recursos fi-nanceiros. Na verdade, são mudan-ças de vulto que requerem inclusivealterações na legislação e mudançasculturais.

E o segundo grupo?O hospital deve trabalhar in-

serido no sistema assistencial comoum todo, atendendo suas necessi-dades de ações mais complexas ecaras. Aqui entra o trabalho do se-gundo grupo, que é o de cuidar daintegração do sistema metropolita-no. No caso do Rio, há um grandedéficit de oferta quantitativa equalitativa de atenção básica. Po-demos abastecer adequadamente o

hospital, alocar profissionais de saú-de suficientes e ainda assim ele en-trará em colapso ciclicamente senão estiver associado a um sistemaeficiente que atenda a demanda dapopulação em suas necessidades bá-sicas. O hospital não é bom em sipróprio, é bom na medida em queconsegue resolver os problemas maiscomplexos de um sistema que aco-lhe e maneja os pacientes segundosuas necessidades, otimizando os re-cursos disponíveis.

Isso exige uma gestão do siste-ma metropolitano, no qual a aten-ção básica deve estar disponível emquantidade e qualidade adequadas,e os hospitais devem estar organi-zados em consórcios, centrais de lei-tos etc., de modo a servirem de re-ferência organizada para os casosgraves. O leito e os recursos hospi-talares não pertencem a um hospi-tal, mas devem servir racionalmen-te ao sistema de saúde. Devem seroperados sistemicamente por umainteligência reguladora, a exemplodo Samu, que já traz o pacientepara uma vaga certa. Essa é uma daspropostas mais importantes darepactuação.

E por que a demora na solução dosproblemas?

Uma nova base conjuntural polí-tica não faz mágica. Iniciou-se um tra-balho de reformulação do desenho edos mecanismos de gestão do siste-ma. Por exemplo, um dos problemascríticos, já identificados no primeiro

Precisamosde hospitais

vinculados a umsistema deAtenção Básicaque resolva osproblemas ondeas pessoasmoram

As metas do milênio

Erradicar a miséria e a fome da vida de 1,2 bilhão depessoas.

Universalizar o ensino básico universal.

Promover a igualdade de oportunidades entre ossexos e a autonomia das mulheres.

Reduzir em dois terços a mortalidade de criançasmenores de 5 anos.

Promover a saúde materna, reduzindo emtrês quartos a mortalidade das mães no parto.

Combater o HIV/Aids, a malária, a tuberculose.

Garantir a sustentabilidade ambiental, com melhoriadas condições de vida de pelo menos 100 milhõesde habitantes de bairros degradados.

Estabelecer parceria mundial para o desenvolvimen-to, atendendo às necessidades especiais dos paí-ses menos desenvolvidos.

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semestre de 2005, é que não adiantao hospital em bom funcionamentosem um sistema de atenção básicaresolutivo e universal. O déficitmetropolitano é grande e desigual-mente distribuído na região. Isso nãose supera da noite para o dia. Depen-de da ação do conjunto dos municípi-os. Depende de investimentos, deobras físicas, de contratação de pes-soal. E sobretudo de um processo con-tinuado e forte de pactuação políticae de ação governamental. Aí o papelda população como protagonista demudanças torna-se muito importante.

E o gestor, como responsabilizá-lo?Hoje há diversos estudos, até

teses, sobre isso: o SUS constituiudireitos, mas não construiu mecanis-mos de garantia desses direitos. Opunido hoje é a população.

A Lei de Responsabilidade Sanitáriaestava no caminho errado?

Ela apontava a responsabilidadepessoal do gestor. Hoje, o que exis-te no SUS é o seguinte: o gestor geremal os recursos disponíveis, então ainstância gestora maior retira essesrecursos. Ou seja, quem perde é apopulação. A lei de responsabilida-de sanitária, que começou a trami-tar mas foi temporariamente retira-da, responsabilizaria diretamente ogestor. O que se criticou é que es-tava centrada demais na punição dapessoa, e não em mecanismos degarantia de direitos. Eu, pessoalmen-te, acho isso melhor do que nada. Épreciso trazer à cena novamenteessa idéia da responsabilidade sani-tária, que é ainda um “buraco ne-gro” no SUS.

Então, qual a saída?Na verdade, estamos sem instru-

mentos legais de garantia de funcio-namento do SUS. Chega-se ao limiteda responsabilização e esbarra-se napolítica econômica que prioriza aformação do chamado superávit pri-mário. Não se tem mais recursospara a saúde porque se está guar-dando dinheiro para pagar os jurosda dívida. Então, o que se acabagastando com saúde no país é irri-sório. A questão da ineficiência, degastar mal deve certamente ser com-batida, mas é preciso ter uma visãomais ampla sobre a questão dos re-cursos necessários à saúde.

Como foi o encontro na Costa Rica?Especialistas de 12 países das

Américas propuseram políticas paraa formação de recursos humanos

e para a construção de competên-cias profissionais para alcançar asMetas do Milênio, estabelecidaspela ONU em setembro de 2000 (verquadro). A posição brasileira foi ade enfatizar que as metas do milê-nio só podem ser alcançadas comum novo modelo de desenvolvimen-to. Atingir as metas do milênio, comoa diminuição substantiva da mortali-dade infantil e materna, não depen-de essencialmente de procedimen-tos nos serviços de saúde, mas simde reorientação do modelo de de-senvolvimento. Ou seja, do combateà pobreza e às iniqüidades sociais.

As diferenças sociais determi-nam as taxas ainda vergonhosas emgrande parte do mundo. Temos lu-gares no Brasil em que taxas de saú-de são semelhantes às da Bélgica, emoutras, semelhantes às da Áfricasubsaariana. Isso não depende sim-plesmente da ampliação dos serviçosde saúde. Se temos acesso à água,ao esgotamento sanitário, à educa-ção, entre outros fatores, as taxasde saúde melhoram.

Há razão para otimismo na área social?Hoje, existe uma onda mundi-

al de perda de credibilidade do mo-delo neoliberal de valorização ab-soluta do crescimento econômico,do monetarismo, do aperto fiscal, emdetrimento da necessidades de pro-

teção social. Esse modelo agravou apobreza e aumentou as desigualda-des em todo o mundo. Muito com baseno pensamento do economista india-no Amartya Sem, Prêmio Nobel [Eco-nomia, 1998], ganha força a idéiaoposta de desenvolvimento, ou seja,o desenvolvimento econômico comofruto virtuoso do desenvolvimentosocial. Assim, a produção da saúde ediminuição das desigualdades seriammotores, e não resultado (esperadoe nunca alcançado) da economia. Umsinal importante é que o Relatório2006 do Banco Mundial tem comotema “Equidade e desenvolvimento”,assumindo de forma explícita umamudança de visão nos termos dessaequação. A conferir.

E agora temos o Comitê deDeterminantes Sociais de Saúde...

Sim. O Comitê de DeterminantesSociais de Saúde, criado em marçode 2005 pela OMS, reúne 18 perso-nalidades internacionais, numa inici-ativa inédita de, em três anos, pelamobilização e o debate nos países,gerar uma agenda internacional deenfrentamento dos determinantessociais da saúde. Mas o diagnósticojá está feito: o principal problemasão as desigualdades que colocamsobre a saúde dos pobres o maiorônus dos riscos decorrentes do atu-al modelo de desenvolvimento. Se-gundo a comissão, as desigualdadessão injustificáveis, são resistentesa políticas compensatórias e aosavanços tecnológicos. O Brasil é umcaso típico. Cresce economicamen-te, mas a desigualdade cresce tam-bém, continuamente.

Também a realização em agostodeste ano, no Rio de Janeiro, do 11ºCongresso Mundial de Saúde Pública,com o tema Saúde Pública em ummundo globalizado: rompendo barrei-ras sociais, econômicas e políticas,poderá ser uma boa oportunidade deavançar nesse ideário.

O desafio, então, de formar re-cursos humanos com competênciapara alcançar as metas do milênioexige uma compreensão bem amplade formação política e técnica, paraa cidadania, de sujeitos de diversosníveis na sociedade, da esfera públi-ca e privada, de outros profissionaisligados à saúde, e dos cidadãos emgeral. As metas de desenvolvimentodo milênio são tarefas da política, enão só da saúde.

(Participaram Aristides Dutra, ClaudiaRabelo Lopes, Katia Machado, MarinildaCarvalho e Rogério Lannes Rocha)

É precisoadotar

modelos dedesenvolvimentoque gerem asaúde como umadas riquezas, enão a riqueza àscustas dasaúde

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PARTO HUMANIZADO

Harmonia ao dar à luz. É possível?

OMinistério da Saúde estáimplementando o PactoNacional pela Redução daMortalidade Materna e

Neonatal, promovendo a formação deenfermeiras obstetras, autorizadas afazer partos de baixo risco sem a pre-sença de médico, e tem oferecidocursos a parteiras tradicionais nas re-giões Norte e Nordeste e nas áreasquilombolas. É um início, mas ainda dis-tante do chamado parto humanizado,comum em países desenvolvidos comoSuécia, Holanda, Alemanha, França eCanadá. O Brasil seguiu o paradigmaamericano, que é o da medicalizaçãodo parto e do nascimento, com focona tecnologia, em intervenções e pro-cedimentos custosos, mais convenien-tes para a equipe médica do que paraa parturiente e a criança.

Em sua vivência profissional, a es-pecialista em Saúde da Mulher e pe-diatra Maria José de Araújo viu tantaagressividade nas salas de parto quedecidiu não ter filhos. Ela fez essa re-velação na 2ª Conferência Internacio-nal sobre Humanização do Parto e Nas-cimento, em dezembro, no Rio deJaneiro. A maioria dos relatos ouvidosnos quatro dias do evento, porém,eram bem diferentes das histórias quemuitas mães têm para contar, e quedeixam qualquer um apavorado ape-nas de ouvir a expressão “parto nor-mal”. Porque, em vez de agressividade,medo e sensação de desamparo, osrelatos de partos humanizados falavamde acolhimento, introspecção, harmo-nia consigo mesma e até de prazer aodar à luz. Será possível?

O Brasil chegou a ser o campeãode cesarianas no fim dos anos 80, como assustador índice de cesáreas ul-trapassando 80% do total de partos.Diante desse quadro, alguns profis-sionais de saúde começaram a rea-gir. Em 1993, foi criada a Rede pelaHumanização do Parto e Nascimento(ReHuNa), que organizou a primeiraconferência em 2000 e foi tambémresponsável pela promoção desta se-gunda, cinco anos depois.

Algumas vitórias importantes jápodem ser contabilizadas. O SUS ado-tou um limite para o pagamento decesáreas, reduzindo drasticamente seuuso nos serviços públicos de saúde. Em

7 de abril de 2005 entrou em vigor aLei 11.708, da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), dando às mulheres o direito aacompanhante de sua escolha antes,durante e após o parto. Alguns municí-pios criaram as Casas de Parto, fora doambiente hospitalar.

AINDA EXCEÇÃOMas parto e nascimento humani-

zado ainda é a exceção. Daí a impor-tância da conferência, que reuniuprofissionais do Brasil e de fora paratroca de experiências e elaboraçãode propostas que agilizem a mudançado paradigma e da cultura dominan-te quando o assunto é dar à luz.

Um dos maiores críticos da medi-calização do parto é o perinatologistae epidemiologista perinatal america-no Marsden Wagner, escolhido presi-dente de honra da conferência. Por15 anos ele foi responsável pela saú-de materno-infantil no escritório eu-ropeu da OMS. Em sua palestra na con-ferência defendeu o trabalho dasparteiras e ressaltou a importânciada difusão de boa informação sobreo assunto. Conhecedor do Brasil,afirmou que 1.500 mulheres morrema cada ano no país por compli-cações relacionadas a gra-videz e parto. E pelomenos 500 delas mor-rem por causa decesarianas desne-cessárias.

É claro queparto humaniza-do supõe a mãesaudável, comgravidez de baixorisco. Mas mesmonos casos em quea cesariana é impres-cindível ou que a mu-lher opta, esclarecidamente,pela cirurgia é possível tornar o pro-cedimento mais humanizado. Com apresença, por exemplo, de umadoula — acompanhante treinada paradar apoio emocional e orientação àparturiente.

O MOMENTO CERTOMarsden disse que, numa cesárea,

se o médico aguarda até que a mãeentre em trabalho de parto diminuemos riscos de problemas para o bebê.

Mas com freqüência não se espera essemomento: quem determina a hora é aagenda do médico. Ao jogar por terravários argumentos geralmente usadosa favor das cesarianas, Marsden tam-bém se queixou da falta de informaçãopara a população sobre os riscos dessae de outras intervenções no parto. “Asbrasileiras não são informadas sobre es-ses riscos, que não são apenas de mor-te, mas também de lesão de órgãos damãe, de redução da possibilidade deter outro filho, de problemas num pró-ximo parto”, disse ele.

Para o perinatologista, usar partei-ras é uma maneira de reduzir o númerode cesáreas desnecessárias. Nos paísesem que a medicalização é mais radical— Brasil, Estados Unidos e Rússia —, asparteiras quase desapareceram, e a taxade cesarianas é mais alta. No Brasil, comtodo o controle do serviço público, amédia geral de cirurgia chega ainda a40%; nos hospitais privados, entre 80% e90% dos partos são cesáreas.

As taxas de cesáreas em nossopaís não têm amparo nem em evidên-cias científicas nem no respeito àvontade das mães. “Não aceite queninguém lhe diga que esse alto índi-

ce de cesáreas no Brasil é por-que as mulheres que-

rem”, alertou Marsden.“Há estudos mos-

trando que, quasesempre, essas ci-rurgias são feitascontra a vontadedas mulheres”.De fato, pesqui-sa publicada porPotter e Berquó

no British Journalof Medicine (2001)

mostrou que a taxa decesarianas não-desejadas

pelas pacientes no Brasil che-ga a 31% nos hospitais públicos e a 72%nos privados.

“Os médicos substituíram as par-teiras sob a alegação de que assim se-ria mais seguro”, disse. “A ciência pro-vou que para os partos normais debaixo risco as parteiras são opção maissegura do que os médicos, porque sãomenos intervencionistas, e agora te-mos boa evidência científica de que étão seguro, ou mais, dar à luz fora dehospitais”. (C. R. L.)

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A.D.

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EVENTOS

SEMINÁRIO NACIONAL

DE EXPERIÊNCIAS NA ATENÇÃO

À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL

APrefeitura Municipal de Curitibae o Ministério da Saúde promovem

em maio o Seminário Nacional de Expe-riências na Atenção à Violência Domés-tica e Sexual — Conquistas, Desafios eProposições, cujo objetivo é debateras políticas e as ações de atenção eprevenção da violência doméstica esexual. A intenção dos organizadores éque as diversas esferas do poder públi-co — municipal, estadual e federal —situem a violência doméstica como temaobrigatório nas políticas sociais.Data 24 a 26 de maioLocal Centro Universitário Positivo,Curitiba, PRMais informaçõesFax (41) 3350-9433E-mail [email protected] www.curitiba.pr.gov.br/saude/sms/seminario/seminario_violencia.htm

16ª CONFERÊNCIA

INTERNACIONAL DE AIDS

Reforçar o compromisso e a par-ticipação de todos os envolvidos

na luta contra a Aids é o objetivo daconferência, de 13 a 18 de agosto,no Canadá. Organizado pela Associa-ção Internacional de Aids, reunirá pes-quisadores, profissionais de saúde, so-ciedade civil, governos, ativistas,indústria, mídia e pessoas vivendo comHIV/Aids em torno do tema Hora deAgir (Time to Deliver). A conferênciaanterior, em Bancoc, Tailândia, em2004, teve 20 mil participantes.

SERVIÇO

Data 13 a 18 de agostoLocal Toronto, CanadáMais informaçõesSite www.aids2006.org

INTERNET

O SUS DE A A Z

OMinistério da Saúde e o ConselhoNacional de Secretários Munici-

pais de Saúde (Conasems) lançaramem janeiro a versão eletrônica dapublicação O SUS de A a Z, manualque procura auxiliar o gestor no en-tendimento dessa complexa rede deconceitos, nomenclaturas, ações eserviços que compõe o Sistema Úni-co de Saúde.Para baixar http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/

PUBLICAÇÕES

AMAZÔNIA E LUTA

Araguaia-Tocantins:fios de uma histó-ria camponesa, dojornalista RogérioAlmeida, mestrandodo Núcleo de AltosEstudos Amazôni-cos da Universida-de Federal do Paráe colaborador do MST-PA, reúne emnove capítulos histórias da violên-cia contra trabalhadores rurais e de-fensores da reforma agrária no Bicodo Papagaio (região encravada anorte do Tocantins, sul do Pará eoeste do Maranhão), território desangrenta disputa pela terra e seusrecursos naturais. O livro é uma co-edição Fórum Carajás, CPT Balsas/MAe Coopast. Entidades do movimentosocial podem receber o livro gra-tuitamente.

Guerra Amazônica —O jornalismo na linhade tiro (de grileiros,madeireiros, intelec-tuais, etc. & cia.), daEdição Jornal Pesso-al, é um resumo dasquatro décadas demilitância do jorna-lista paraense Lúcio Flávio Pinto emdefesa da Amazônia. Seu Jornal Pes-soal, que publica há 18 anos, ren-deu-lhe prêmios, mas também pro-

cessos na Justiça — e atentados.No livro ele fala das perseguiçõesque sofreu por mergulhar fundo nosproblemas da Amazônia, essa terrafascinante que “ninguém entende”.Segundo ele há, no inconscientecoletivo, a presunção de que a flo-resta vai acabar e logo a Amazônia senormalizará, ficando igual a todas asregiões desmatadas do planeta.“Como sempre foi e será na mentali-dade do homo agricola, fazedor dedesertos”, diz. Mal se percebe que aAmazônia é nossa última oportunida-de de instaurar a civilização flores-tal, única na história da humanidade,alerta. “Por amarga ironia, porém,somos o povo que mais desmatou emtodos os tempos.”

HISTÓRIA DA SAÚDE

O volume 12 nº 3 darevista História,Ciências, Saúde —Manguinhos, publi-cação da Casa deOswaldo Cruz, trazo dossiê Pestilênci-as e curas da medi-cina quinhentista,sobre dois documentos medievais: o“Modus curandi cum balsamo” (a res-peito de curativos e tratamento deferidas internas) e o “Regimento pro-veitoso contra a pestença” (fruto dereleituras medievais de textos médi-cos). Os documentos constituíam abiblioteca médica disponível em Por-tugal no começo do século 16.

Fórum CarajásTel. (98) 3249-9712E-mail www.forumcarajas.org.br

Edição Jornal PessoalTel. (91) 3241-7626E-mail [email protected]

Casa de Oswaldo CruzAv. Brasil 4.365 (Prédio do Relógio)Cep 21040-900 Manguinhos, Rio, RJTel. (21) 2209-4111Fax (21) 2598-4437E-mail [email protected] www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm

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PÓS-TUDO

RADIS 43 • MAR/2006

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Júlia Gaspar*

Omedo que as crianças tinham dobicho-papão caiu em desuso; o

monstro da vez é o Caveirão. Mas estenão foi extraído de um conto de fadas.É algo bem verdadeiro e assusta-dor até para adultos: trata-se deum carro blindado do Batalhão deOperações Especiais da PolíciaMilitar (Bope) do Estado do Rioque tem o desenho de uma ca-veira com duas pistolas cruzadase uma faca enfiada na cabeça,além de uma série de fuzis quedão tiros para todos os lados.

Esse típico veículo de guer-ra entra nas favelas do Rio de Ja-neiro todos os dias com um alto-falante que faz ameaças aosmoradores: “Sai da rua”; “Vai dor-mir”; “Vim buscar sua alma”. Quemé pego de surpresa pode ser mor-to na tentativa de se esconder.

Essa conduta da polícia mili-tar carioca está mobilizando mo-vimentos sociais e OrganizaçõesNão-Governamentais (ONGs),como a Anistia Internacional, oCentro de Defesa dos Direitos Huma-nos de Petrópolis, a Justiça Global ea Rede de Comunidades e Movimen-tos Contra a Violência. Juntas, essasentidades preparam um abaixo-assi-nado que reivindica à governadora doEstado do Rio, Rosinha Matheus(PMDB), a suspensão do Caveirão,definindo-o como um “instrumentode terrorismo, inconstitucional econtrário aos mais elementares direi-tos humanos”. Além das assinaturasno Brasil, a governadora vai receberde 72 países cartões-postais com afoto do Caveirão e um texto de repú-dio ao veículo.

Até o momento, a Polícia Mili-tar tem oito blindados deste tipo —três de uso do Bope e cinco dos co-mandos regionais. O tenente-coro-nel Aristeu Leonardo Tavares, chefedo setor de Relações Públicas daPMRJ, afirma que a experiência trou-xe resultados tão compensatóriosque a PM de outro estados buscaimplementar o sistema. Ele tambémdiz que o Caveirão é uma das causas

da diminuição drástica do número depoliciais mortos em serviço. Mas Mar-celo Freixo, da ONG Justiça Global,argumenta que a quantidade de civismortos pela PM aumentou muito eacusa a polícia do Rio de Janeiro deser a mais violenta do mundo.

Muitas das mortes causadas porpoliciais são registradas como “auto deresistência”, que significa que suposta-mente o indivíduo morreu em confron-to com a polícia. O sociólogo IgnacioCano, professor de Metodologia das Ci-ências Sociais da Uerj, pesquisou e cons-tatou que em 70% dos casos registradoscomo “auto de resistência” os tiros fo-ram dados pelas costas e a curta dis-tância. Como não há ninguém que tro-que tiros de costas, foram, na realidade,execuções sumárias. Na maioria doscasos, cabe apenas à família provar ainocência do morto. O confronto ficaresumido à palavra do morador do mor-ro versus a palavra do policial.

A maioria das vítimas da violênciapolicial é de moradores de favela. E,apesar de os bandidos serem minorianas favelas (no Rio de Janeiro comoem outras metrópoles), isso é o sufici-ente para legitimar, nas políticas de se-gurança pública, a criminalização detoda uma comunidade. “Ocorre quenão está se criminalizando o crime, massim a pobreza”, afirma Marcelo Freixo.

O ativista também critica o “man-dado de busca genérico”, instrumen-to pelo qual um juiz autoriza a polícia aentrar na casa de qualquer pessoanuma comunidade inteira. Ou seja, todaa favela é suspeita. A justificativa queconsta de um desses mandados é mais

do que preconceituosa: “Paracontribuir com os incorruptíveispoliciais do RJ (...) e combatero lixo genético da sociedade”.

O conceito de que bandidoe favelado são sinônimos começanas músicas cantadas durante otreinamento da divisão de elitedo Bope. O relatório “Eles en-tram atirando”, divulgado pelaAnistia Internacional, mostra aletra de algumas dessas canções:“O interrogatório é muito fácilde fazer / pega o favelado e dáporrada até doer / O interro-gatório é muito fácil de acabar/ pega o favelado e dá porradaaté matar”. Outra: “Bandidofavelado / não varre com vas-soura / se varre com granada /com fuzil, metralhadora”.

“A primeira coisa que a po-lícia faz é acusar as pessoas de

traficantes, e a mídia reproduz”, dizDeley, morador da Favela de Acari, noRio. Deley é professor de futebol elembra que estava em aula com seusalunos quando ouviram que o Caveirãoestava subindo o morro. “Todos cor-reram, apavorados”. Ele lembra tam-bém de uma das vezes em que a polí-cia invadiu a favela, porque, disseram,os traficantes não tinham pagado apropina dos policiais. Em represália,os PMs mataram um garoto, prende-ram à frente do Caveirão, rodarampela área esperando o dinheiro eameaçaram colocar mais cinco cor-pos em cima do blindado. Para Mar-celo Freixo, a luta pelos direitos hu-manos é pedagógica, é a construçãode uma cultura de direitos. Por isso,a campanha contra o Caveirão criti-ca a política de segurança pública eleva a sociedade a discutir a realida-de em que vive.

No Rio, o terrorismo contra a pobreza

* Estudante de Jornalismo; texto

publicado originalmente no jornal

Brasil de Fato.

C.P.