um olhar sobre são miguel, entrevistas 2006

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Entrevistas 2006

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CPDOC São Miguel - Centro de Pesquisa e Documentação São Miguel. CDC Tide Setúbal - Rua Mario Dallari, 170 – Jardim São Vicente – S.M.Pta – SP Telefone: 2297-5969 Ramal 25 – Email: [email protected]

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Atribuição-Uso não comercial- compartilhamento pela mesma licença 2.5 Brasil- Vedada a criação de obras derivadas Você pode: • copiar, distribuir, exibir e executar a obra Sob as seguintes condições: Atribuição: você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante. Uso não-comercial: você não pode utilizar esta obra com finalidades comerciais. • Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra. • Qualquer uma destas condições podem ser renunciadas, desde que você obtenha permissão do autor. Qualquer direito de uso legítimo (ou “fair use”) concedido por lei, ou qualquer outro direito protegido pela legislação local, não são, em hipótese, alguma afetados pelo disposto acima.

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Apresentação Criada em 2005, a Fundação Tide Setubal é uma instituição que nasce como objetivo de apoiar o desenvolvimento local e fortalecer o exercício da cidadania nas comunidades em que atua. Os projetos e as atividades desenvolvidos acontecem prioritariamente em São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo. Na concepção e realização dos projetos, a Fundação Tide Setubal utiliza uma metodologia participativa aberta a moradores e lideranças locais, aliada a pesquisas, estatísticas e indicadores sociais da região. Nesse contexto surte o Centro de pesquisa e documentação – CPDOC, criado em 2008 a partir da formação dos jovens do projeto São Miguel Paulista e Brasileiro – SMPB, que tem como foco a memória local especialmente nas áreas de educação, cultura e cidadania. O Caderno de Entrevistas “Um olhar sobre São Miguel Paulista – moradores revelam: cultura, tradições e costumes do bairro” é um compêndio das entrevistas realizadas pelos jovens do projeto São Miguel Paulista e Brasileiro em 2006. Memórias, conhecimentos, narrativas, valores, desejos, sentimentos, aprendizagens... as relações inerentes a cada lugar vão muito além de seus contornos físicos e sua localização geográfica. O lugar em que vivemos é uma espécie de espaço protetor, de enraizamento, um porto seguro carregado de significados profundos constitutivos do nosso ser, pois local de pertencimento e identidade. A sociedade contemporânea, complexa e globalizada, é atravessada por processos sociais, tecnológicos, econômicos multideterminados, e é na esfera local que esses processos acontecem concretamente. Portanto, cada lugar contém elementos do global e, ao mesmo tempo que dialoga com eles, reorganiza-se com base em características próprias, que são construídas em um contexto especifico de valores, formas de ser, de trabalhar e de lazer. Enfim, de sua cultura. O patrimônio cultural diz respeito aos legados das gerações anteriores que fazem com que as pessoas sejam da maneira que são;eles formam os modos de falar, de vestir, comer, morar, festejar, construir, rezar, casar. Pela transmissão de seu patrimônio cultural, os membros de um grupo se reconhecem nas gerações anteriores, das quais receberam essa herança repassada à geração seguinte. O diálogo com o passado traz esse passado para o presente, juntamente com pessoas e fatos ausentes que, através da memória, se libertam do tempo. Por meio da partilha de um patrimônio cultural comum, as pessoas sentem-se pertencentes a um lugar, a um grupo a uma história. A valorização das histórias, memórias, saberes e fazeres locais permite que crianças, adolescentes, e jovens se reconheçam nessa história, possibilitando-lhes a articulação entre passado e presente e entre o local e o global. Na recuperação do patrimônio cultural imaterial de uma comunidade, bairro ou cidade, ganham voz personagens que trazem à tona nossas especificidades culturais e diversidade de nossas tradições e costumes. Recuperar essas histórias representa, ainda, a valorização de uma auto-estima perdida, a união em torno de valores e crenças comuns e, sobretudo, a abertura de espaços que façam circular seus interesses de forma a se configurarem em planos e projetos para o futuro.

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Assim, que este compêndio seja para as diferentes instituições de São Miguel – escolas, bibliotecas, ONGs, núcleos socioeducativos, centros da juventude, associações de bairro, igrejas – possam sentir-se reconhecidas e identificadas nesses relatos e imagens. Para nós, é também uma forma de fazer com que São Miguel Paulista possa ser conhecido e re-conhecido em outras regiões de São Paulo, e desse modo participar de forma mais ativa das discussões e planos da cidade.

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Índice ANNA LOCONIELA PIZZITOLA .................................................................................. 06 Temas: São Miguel [Jd São Vicente - Cidade Nova- Escola Frontin- Comercio Jardim São Vicente – Festas - Sociedade Amigos do Bairro –Transporte – Enchentes - Igreja – Igreja São José Jardim São Vicente - Cotidiano de Ontem – preconceitos]

ANTONIO XAVIER DOS SANTOS .............................................................................. 14

Temas: Nitro [Chegada da Nitro – Funcionários - Produtos da Nitro - Greves na Nitro – Acidentes - Eventos da Nitro - Clube da Nitro - São Miguel e Nitro - Desativação da Nitro]

HEITOR THEODORO ................................................................................................ 30 Temas: São Miguel [Chegada a São Miguel- Comercio – Transporte - Infra-Estrutura – Lazer- Cotidiano de Ontem] / Nitro [Senai- Funcionários - Áreas da Nitro – Greves]

JESUINO BRAGA ..................................................................................................... 40 Temas: São Miguel [ Vinda Pra São Miguel - Olarias - 1ª Oficina Mecânica - Alargamento São Paulo Rio (atual Marechal Tito)- Largo da Igreja – Transporte – Escola e Grupo escolar - Jd São Vicente – Curuça - Vila Americana e Vila Nitro Operaria – Ruas - Chegada da Luz - Clube da Nitro - Rio Tiete - Comercio – Território - Cotidiano Ontem e hoje - Bairro Atual] / Nitro [Funcionários - Nitro e São Miguel – Senai]

JOSÉ CECILHO IRMÃO ............................................................................................. 65 Temas: Nitro [Senai –Clube da nitro –Berçário – Carreira – Relações internas- Apito - Setores da Nitro - Acidentes na Nitro – Greves]

JOSÉ LUIZ SUONO (Zé da Balança) .......................................................................... 73 Temas: São Miguel [Infância em São Miguel- Escola - Lazer – Clube da Nitro - Vila americana – Segurança – Transporte- Infra-Estrutura- Estabelecimentos – Comercio –Cotidiano de Ontem] / Nitro.

JULIA CICCHINI ....................................................................................................... 89 Temas: São Miguel [ Vida em São Miguel- Vilas – Lazer – Comercio – Transporte - Infra-Estrutura - Cotidiano de Ontem] / Nitro

LUZIA TRINDADE ARAÚJO ....................................................................................... 94 Temas: São Miguel [Chegada a São Miguel- Infra estrutura- Transporte – Comercio – Capela de São Miguel Arcanjo – Festas- Arquitetura – Educação – Lazer – Enchente – Cotidiano de ontem – Bairro atual – Poesia] / Cdc / Nitro química.

ZULU DE ARREBATÁ .............................................................................................. 106 Temas: Influencia do Bairro na Musica / MPA – Movimento Popular de Arte / Matéria Prima / Carreira

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ANNA LOCONIELA PIZZITOLA

Moradora do Jardim São Vicente, fundadora da associação Amigos do Bairro e participante ativa das

melhorias do Bairro.

Depoimento realizado durante o primeiro encontro de cultura caipira do CDC Tide Setubal pela jovem

Karolina Lima Bueno, do Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro em 30/09/2006.

SÃO MIGUEL

JD SÃO VICENTE

Em 1958, aqui no Jardim São Vicente acho que em 55, 56 já estava construindo

casas, mas não tinha água, tinha uma bica na rua Mario Dallari que tinha a torneirinha.

Luz nós tínhamos, mas era um pinguinho de luz que chegava e era luz emprestada, e

chegava aqui lá pra 11 horas da noite, quando o sol se apagava nós tínhamos um

pinguinho de luz. Eu costurava e tinha que ir no Jardim Helena que tinha a minha

patrícia que tinha o ferro a carvão, e eu ia lá passar roupa para entregar pros

fregueses.

As ruas não eram iluminadas, não tinha casa iluminada. Nas casas era luz

emprestada. Mas se você acendia 8 horas, 9 horas, não tinha luz. Só quando ia dormir

que a gente tinha uma velinha.

Havia pouca gente quando eu vim aqui. Depois, devagarzinho foi aumentando,

eu já caí na esquina da rua da lama (onde é a farmácia),lá era tudo valeta, não tinha

nada, cada quadra era as valetas. Aos domingos, de vez em quando, meu marido dava

uma cerveja, alguma coisa e ajuntava todos os homens e limpava aquilo, cada homem

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limpava um pouquinho. O tempo que chovia tinha rã, a gente catava rã na valeta, aqui

ninguém gostava, e eu como italiana fazia prato, os meninos catavam rã, depois vinha

e eu comprava deles.

Tinha essas casas baixas. Era tudo casa baixa, tudo casa térrea, não tinha

nenhum sobrado. O primeiro sobrado que teve aqui, eu acho que foi o meu.

Aqui tinha um baile, no fim da rua, agora não lembro como se chama. E quando

vinha gente também da cidade, que vinha aqui, nós falávamos para subir naquele bar,

hoje é em frente a Padaria Sandra, ainda tem lá, agora é hotel, antigamente era bar e

hotel, é tudo essas coisas.

Eu tomei conta do Lions Club eu e meu marido, nos ganhamos o diploma de

honra, de cidadania, Cidadania de São Paulo, brasileira, que era o primeiro, o único

casal que nós morava aqui, nós éramos convidado de honra e que tiramos esse

diploma do jornal de São Miguel.

CIDADE NOVA

Toda cidade nova era tudo chácara. Tinha a dona Ninha, nós ia lá comprar

verdura, que ela era portuguesa, chegava lá, ela falava de Portugal e eu da Italia

ESCOLA FRONTIN

Quando começou a construir aqui, a escola Frontin, nós emprestamos água pra

fazer tudo esse Grupo, não tinha água de rua. Eles vinham pegava naquela poça,

chegava à tarde não tinha mais água que o povo carregava tudo, pra lavar, pra beber,

que era uma água limpa, limpa. Então eu chamei o chefe daqui e falei: - Por que é que

vocês vão embora cedo? - É porque não temos a água, acabou. Então eu falei: -

Quando que vai acabar esse grupo? Então eu que fiz abaixo assinado pro Grupo.

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O vizinho lutou contra, pois jogava bola no espaço em que a escola foi

construída, o vizinho apedrejou a minha casa, faziam bola de terra e jogava. Ainda tem

alguns que ainda me falam, dona Ana sofreu. Eu sofria sim! que medo. Mas você não

tem trégua.

Até que morreu o pai do Toró, que ia todo sábado e domingo jogar lá. Acho que

foi na véspera de Natal, enquanto estava todo o mundo preparando pra comer, o

moço se sentiu mal, meu marido socorreu. O filho dele é o Toró, que estava no samba,

o pai dele morreu aqui no terreno, desmaio, que eu ouvi desmaio no campo. Ainda era

um campo.

E depois começou a escola, a escola foram os primeiros dias foi esses, o

primeiro ano foi esse. Minha filha tinha 5 anos. Eu tinha a chave do Grupo, entregava

as cadeiras que no fim ainda não tinha funcionário.

COMERCIO JARDIM SÃO VICENTE

O primeiro comércio foi o bar do senhor Jorge. Quando eu vim ele já estava. Eu

coloquei bazar em 70, 73 e por muito anos, vendia caderno, livro, essas coisas. Mas eu

costurei sempre, eu sempre costurei, tinha máquina de tricô, fazia tricô.

Na minha casa vinham entregar pão italiano, mas pãozinho tinha na padaria na

Vila Rosária. Na Vila Rosária tinha padaria, leite de vaca, tinha um cara que vinha

entregar o leite de vaca em casa. O pãozinho nós tinha que comprar lá na Vila Rosária.

A primeira televisão foi de uma portuguesa, a segunda foi a minha. A primeira

foi a da dona Idalina, que faleceu também, e depois eu comprei, era branco e preto,

depois compramos aquele papel celofane, de cor, não era bem celofane, eu não sei

como se chamava, mas tinha vermelho, amarelo.

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O primeiro filho meu estudou atrás do Dom Pedro, era da prefeitura. Lá

estudou o meu primeiro, o segundo filho, eles tinham só até o primário.

FESTAS

Todo ano tinha festa, tinha festa Junina, nós fazia nesse campo, antes de ter a

escola. Era lindo, lindo, fazia aquelas festas boas, grandes, pulava. Tinha o Dia das

Mães, em que era dado três prêmios, a mãe que tinha mais filhos, a mãe mais velha e

a mãe mais nova. Umas mocinhas que tinham 15 anos e tinha já uma criança.

Eu comprei pra mãe mais nova, eu comprei um pano, que as japonesas

vendiam naquele tempo de contrabando, vendia assim, de seda pura, e dei pra mãe

mais nova.

SOCIEDADE AMIGOS DO BAIRRO

Nós fundamos uma Sociedade de Amigos do Bairro eu e o japonês, a Mitsuko.

Nós formamos uma turma e nós a Ione, nessa rua. E nós pegamos com garra mesmo

esse sistema na Sociedade. Eu era a tesoureira, da Sociedade Amigos do bairro, eu era

a tesoureira porque eu era a única que tinha conta no banco. Então, é isso, graças a

Deus eu ajudei demais, o que pude ajudei.

E no começo nós tínhamos o Aurelino como padrinho, nós estávamos sem água

e fui falar com o Aurelino, ele veio, eles puseram dois pré-cano, chegou à água, foi na

minha esquina que foi aberta a água. Mas também não era suficiente.

Tinha o seu Manoel Lopes, o presidente, tinha vice-presidente, tinha

tesoureiro, que era eu por causa que eu era a única que tinha conta no banco. E eu ia

arrecadando os vales, quando precisava do cheque, do que precisava de tudo com

conta, quanto saía, quanto entrava, eu fazia. Por exemplo, eu me encarregava de fazer

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os distintivos, as camisetas, os aventais brancos, aquele tempo, tudo aquelas coisas, eu

dava os 10% pra escola, colaborava. Com os livros também. E quando tinha o fim de

ano que eu tinha muito e eu doava os cadernos também.

Na festa das mães, vieram aqui Os Demônios da Garoa. Ao vivo aqui pra tocar.

TRANSPORTE.

O transporte evoluiu, não tinha um ônibus. Eu ia trabalhar na cidade, teve um

dia em que eu saí para o trabalho, caí na rua da lama e não tinha como voltar, não

dava pra me lavar, me enchi de lama, peguei o trem, passei na Mooca, fui na minha

irmã no Brás, lá me troquei e fui trabalhar. A vida era assim, a gente saía grávida, a

criança no colo e ninguém te dava o lugar para sentar.

ENCHENTES

A minha casa não enchia, porque o meu marido, ele tinha feito um pouco mais

alta, mas também por causa da escola, porque a água ficava na escola, na frente da

escola. Mas por aqui tudo encheu, toda a vez que enchia de água vinha sempre na

minha casa. Quem era comadre, mais chegado então ficava tudo lá em cima, porque

começou a encher aqui também depois que tinha feito o sobrado.

A primeira vez que encheu, eu acho que foi em 60 e poucos tem que ver. Foi

depois dos 60. Eu sei que eu quase nunca vi, que eu não estava aqui no tempo de

enchente é difícil. Mas quando começo, deixava até o bar aberto, à disposição, criança

comia bolacha, bebia guaraná, eu tava lá a noite inteira. Pra socorrer. Pra ajudar.

Agora faz uns anos que não temos mais. Mas mesmo assim, quando chove muito entra

pelo esgoto. Eu tenho uma casa que eu comprei, que a dona mudou por causa da

enchente e ainda enchia, os meus inquilinos enchia, nós tinha que ir lá. Agora, eu

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repassei e dei pra minha filha, mas toda a vez que chove a gente fica com o coração na

mão. Foi, foi duro esse diacho de enchente. Graças a Deus que já faz uns anos que num

tem, uns 3, 4 anos. Depois que abrimos a igreja não tivemos mais enchente.

IGREJA SÃO JOSÉ JARDIM SÃO VICENTE

Nós fazíamos sempre festa aqui na Nossa Senhora de Fátima, nós fazíamos

aquelas festas, tinha um padre italiano que morreu, o trem pegou ele, era professor à

noite. E todas essas igrejas eu era conhecida, tinha as freiras, que tem ainda as freiras

lá. Eu ia lá, elas me faziam umas bolachas, que eu era italiana que nem elas, eu fui

muito paparicada assim, todas às vezes.

Há 3, 4 anos atrás, eu fui na catedral, o padre Gerardo falou: - Dona Ana, a

senhora ajudou tanta coisa, tanta coisa, por que não arrumou um salão pra nós fazer

uma igreja aqui no Jardim São Vicente. Eu falei: - Ninguém me falou nada, padre. Ele

pegou, falou assim: - A senhora arruma. Eu falei: - Eu arrumo.

Quando ele me falou, na mesma semana eu arrumei um salão e nós fundamos

uma igreja aqui no Jardim São Vicente, agora 4 anos atrás que eu aluguei um salão,

que tem uma igreja São José. Eu fundei aquela igreja São José. Sou fundadora da

igreja.

Arrumei, telefonei que estava alugando o salão da dona Cremilde, que falou pra

quem é? Eu falei é pra igreja. É, mas depois você não paga. Eu falei não, eu sou a

fiadora. Então se a senhora se compromete não precisa fiador, não precisa nada,

porque não tem nada escrito.

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Então telefonei para o padre Gerardo, eu falei, Padre Geraldo, achei o salão.

Quanto que é? Eu falei, é, o preço. E como é que vamos chamar agora a igreja? Eu

falei, que dia é hoje? Doze, eu gostei, nunca, nem tinha pensado.

Naquele tempo ninguém festejava São José, mas eu que sou italiana eu sei o

dia de São José, o dia de Santa Luzia, todos os dias de santo. Eu chamei o grafiteiro

depois o que o padre Gerardo mandou reformar tudo, e falei, padre Gerardo, vamos

grafitar? Não, dona Ana, não temos dinheiro. Daí eu falei já mandei grafitar. Falei e já

paguei. E ta ainda até hoje.

COTIDIANO DE ONTEM - PRECONCEITOS

Eu andava muito de calça comprida, e aqui ninguém usava calça comprida

naquele tempo. E aí o meu marido comprou uma bicicleta e quando ele vinha de noite

me ensinava a andar de bicicleta, que dizem que no escuro agente aprende rápido pois

a gente não tem aquele medo. E tinha uma mulher, a sogra do seu Jorge, ela não

gostava de mim. Quando me via levando água, com aquela calça comprida achavam

que era uma puta porque aquele tempo vestia só essa gente. E quando de noite vinha

o meu marido e me ensinava a andar de bicicleta ela dizia que ele era meu amante.

Então, um dia, quando veio o Aurelino de Andrade a fazer água, então eles

foram comer e deixaram o caminhão coberto, eu falei, podem deixar porque eu olho,

eu tomo conta, mas o filho dessa mulher veio e subiu em cima do caminhão e foi mijar.

Ah, em cima de onde o pessoal ia falar. Eu peguei uma vassoura, e corri atrás. Corri

atrás, acho que cheguei a dar uma vassourada e ela veio brigar na minha casa. “Cadê

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aquela puta, cadê aquela puta.” E eu, muito sabida, falei pra minha empregada, o que

é?, que eu não estou acostumada a essas coisas.

Eu saí lá e ela me xingando, eu fui na delegacia, eu fiquei com medo, eu vi que

ela me ameaçou, foi que ela me ameaçava muito. Foi lá quando, fomos na delegacia.

Cheguei lá falei, quero saber por que ela me xingou assim, assim, assim. E ela falou,

“senhor delegado, e eu não vou xingar? Ela anda de calça comprida, de noite, é uma

vergonha, de noite vem um homem amante dela, ela no campo, empurrando ela de

bicicleta, essa mulher começa a inventar bicicleta, depois todas as nossas filhas vão

querer bicicleta? Todas as nossas filhas vão querer calça comprida?

Eu peguei, dei gargalhada. No fim seu delegado, ainda estamos nesse tempo?

Eu falei, eu morei na Itália, eu morava na Itália, nós andávamos assim, e quem me leva

de bicicleta é o meu marido. E a mulher, num escândalo mas quando eu vi que era por

isso que ela me xingava desse nome, eu falei não, eu não vou dar, não vou dar retrato

disso. Que você vê que ela tinha modos, mas eu vi que era de ignorância. E a questão é

que essa senhora mudou daqui, mas foi só àquela hora, depois nós não ficamos nem

de mal, nem nada. Só deu o motivo que se tiver, do dia em que eu cheguei de calça

comprida, naquele tempo ninguém usava calça comprida. O meu marido me ensinou a

bicicleta, me deu no campo esse negócio de bicicleta, naquele tempo ninguém tinha

carro, não se via. E agora eu fiquei chateada que eu fui para a Itália, quando eu voltei

meus filhos tinham dado a minha bicicleta.

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ANTONIO XAVIER DOS SANTOS

Morador de São Miguel aposentado pela Companhia Nitroquímica na área de expedição, membro da

Associação de Moradores do Jd.São Vicente.

Depoimento realizado na residência do entrevistado pelos jovens Wesley Di Giusepe Silva e Driyelly

Tuanny Cirelli de Souza, durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro em 13/09/2006,

NITRO

CHEGADA DA NITRO QUÍMICA

Entrei na Nitro Química em 1950 e saí em 1991, trabalhei mais de 40 anos,

na época que entrei, a Nitroquímica praticamente já estava faturando.

Ela começou em 1935, quando foi instalada aqui. Segundo o patrão, Dr.

Ermírio de Morais, que era o velho, ele e o Dr.Sabino, Dr. Eduardo Sabino, que

inclusive tem agora uma avenida que inauguraram aqui, Avenida Dr. Eduardo Sabino,

aqui, que liga a rua José Artur da Nova, a Airton Senna, então, segundo eles, eles

diziam que a empresa era pra ser instalada em Mogi das Cruzes, mas chegando aqui

em São Miguel, chegaram de trem, os dois aqui na estação e desceram aqui na São

Miguel, antiga Baquirivú, que era o nome que se davam a São Miguel nesta época,

Baquirivú , e aí eles acharam que era importante instalar aqui em São Miguel porque

tinha espaço. Acharam um espaço bom perto do Tietê e então instalaram a

Nitroquímica.

A Nitro veio, me parece, que dos Estados Unidos, pra instalar aqui, então, a

estrada de ferro fez um desvio daqui da Baquirivú pra dentro da Nitroquimica, então

os vagões chegavam em São Miguel, os vagões carregados com aquelas máquinas e

eram desviados pra dentro do terreno da Nitroquimica, daí eles fizeram a montagem

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da Nitro, quem fez não foi o pessoal brasileiro, e sim técnicos americanos, depois que

montaram tudo, que começou a funcionar, aí começou a mão-de-obra nacional.

FUNCIONÁRIOS

Na época chegamos a ter 7.500 funcionários. O que mais tinha funcionário era

fiação, porque o setor era muito ruim, muito gàs vezes o funcionário entrava sete

horas e quando era onze horas saia com os olhos inchados de gás, porque pegava gás,

então ficava no seguro, ficava três, quatro dias afastado da empresa, e ali tinha um

número muito alto de funcionários. Agora, conicaleira trabalhava em três horários,

cinco e meia a uma e meia, uma e meia a nove e meia e nove e meia à cinco meia da

manhã. Eu não tenho precisamente a quantidade de funcionários da conicaleira, lá já

era outro setor, aonde ia o produto acabado, expedição, embalagem, que era o nosso

depósito de condimento.

O salário da Nitroquímica era bom. O salário da Nitroquímica, principalmente

para a chefia. A chefia, o salário era bom. No meu caso, os últimos meses que eu

trabalhei na Nitro, “eu ganhava trezentos e noventa mil Cruzados Novos’’, que depois

voltou tudo para mudança, mas o salário era alto, era bom, o salário era bom”.

Quem trabalhava na Nitroquímica a maioria era nordestino. Para mim, a

Nitroquímica foi uma mãe, porque eu trabalhei durante esse tempo, mas consegui

formar meus filhos tudo com dinheiro daí, consegui uma casinha em São Miguel,

consegui uma casa até boa em Caraguatatuba, então para mim foi uma mãe, não

posso falar da Nitro mal de jeito nenhum. Sempre trabalhei na mesma seção, uma

seção boa, tive boas amizades, trabalhei com um chefe um monte de tempo, não

deixei nenhuma inimizade com quem quer que fosse, não, era um cara que respeitava

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todos, desde um ajudante de caminhão, faxineiro, a pessoa que fazia o café, para mim,

tudo era igual. Muita gente fala: “ah, mas você dava muita liberdade”, não, não era

liberdade, não é questão de liberdade, para mim tudo era igual, por que se eu ganho

um pouquinho mais eu sou melhor daquele que ganha menos? Não, não sou, é a

mesma coisa, e nunca não deixei nenhuma inimizade com ninguém. Tenho amizade

que começou pequena também e cresceu junto com a Nitroquímica, a transportadora

cresceu, às vezes o pessoal precisava fazer uma mudança, chamava: “ô, Xavier, arruma

um caminhão para eu fazer uma mudança amanhã”, e eu falava para o gerente:

“amanhã eu preciso dum caminhão para fazer uma mudança para uma pessoa assim,

assim” e ele falava: “vê com qualquer um deles aí e pode mandar fazer” e eu pegava

um cara lá e falava: “olha, vem amanhã mais tarde que você vai fazer a mudança

assim, assim, com fulano de tal que vem aí e vai com você”, o cara vinha, fazia a

mudança, voltava: “e quanto é que foi?”, “ah, não foi nada, não é?”, aí eu pegava, o

cara ia sair com dez, doze entregas para fazer naquele dia, eu pegava uma entrega só:

“tem aí uma carga da Pfizer, ou da Pneu General”, que era uma entrega só, “olha, vai

fazer isso aí”, o cara ia, fazia a entrega e voltava e ainda carregava de tarde para o

outro dia. Ninguém achava ruim, todo mundo estava contente, então era beleza pura,

por isso nunca arrumei inimizade com ninguém, e nunca deixei de ajudar as pessoas

que precisavam também, por exemplo, o cara chegava e falava: “ah, eu preciso sair

mais cedo hoje, preciso fazer isso, isso e isso, posso?” e eu: “pode”. O cara saia uma

hora antes, ou duas horas antes, quando fosse no outro dia ele ficava até tal hora para

completar as horas que ele faltou. Nunca tive repreensão com nada, foi mil e uma

maravilhas.

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“Nós temos, só da Nitroquímica, o sindicato calcula que nós devemos ter, só de

aposentado, mais ou menos umas 800 pessoas daqui, que aposentou pela Nitro e que

ainda está vivo, porque muita gente já morreu” o pessoal mais velho que aposentava,

ia lá para Caraguá, porque naquela época o pessoal comprava muita casa lá em

Caraguá. Hoje está perto, hoje está mais perto, porque hoje você vai daqui em Caraguá

em menos de duas horas e meia, se for direto, em menos de duas horas você está lá.

Naquela época você demorava quatro ou cinco horas para ir daqui a Caraguá, porque a

estrada era ruim e era tudo cheio de morro, mas mesmo assim, o pessoal que ia

aposentando, da Nitroquímica, comprava casa lá, terreno e construía e ficava morando

lá em Caraguá.

Eu acho que eram só quatro mulheres que eram chefe: tinha a chefe da

classificação, que era a Maria Holle, uma alemã, que morava aqui no Jardim São

Vicente, na rua da feira, ela morava aqui na rua da feira, que já morreu, a Lairi, que era

chefe do ambulatório, e tinha a Dolores que era chefe do laboratório de análise, e

tinha uma chefe também, dos médicos, não lembro o nome dela, ela também, na

época, depois que ela saiu, ficou um médico no lugar dela. Ela era chefe, depois ela

saiu, ela não era médica, era chefe de departamento. Só essas quatro mulheres como

chefe.

Na fabrica havia bastante mulher, porque era três turnos, só que à noite não

trabalhava mulher, era só homem, mas na parte da manhã, cinco e meia da manhã, e

uma e meia da tarde, devia ter, acho que mais de mil mulheres lá no horário, era muita

mulher.

Tinha berçário, e podia deixar até, me parece que era até cinco, cinco ou quatro

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anos, porque naquela época, nós não tínhamos aqui EMEI, Creche, para deixar e tomar

conta, então a creche era o berçário, então as mulheres deixavam aqui, já chegava lá,

deixava e entrava na fábrica. Deixava lá desde pequena até uma determinada idade.

Era que nem homem se precisava trabalhar e tinha saúde, ia e trabalhava. Esse

negócio de limite de idade veio prevalecer, acho que de um determinado ano para cá,

não sei, de dez anos para cá, não, acho que mais ou menos no governo Fernando

Henrique, que surgiu isso aí, não faz muito tempo não, e a pessoa com quarenta anos

não podia trabalhar por quê? Porque, na verdade, o homem, e eu creio que a mulher

também, com quarenta anos de idade, ela tem capacidade de produzir muito mais do

que um aprendiz, um jovem que vai entrar agora para aprender, produz muito mais,

tanto a mulher como o homem, nessa faixa de idade de quarenta anos, porque é

justamente, você começa a trabalhar, geralmente é com vinte anos, vinte e um anos,

então chega quarenta anos, você está com a corda toda, você tem além da força que

você tem, de vontade de trabalhar, você está com uma experiência total, então produz

muito mais.

Teve uma época, que o pessoal fazia o seguinte, existia muito emprego, ia

trabalhar, então o que acontecia, o chefe chamava atenção por isso, porque chegou

atrasado, não é? Porque chegou atrasado ou fez alguma besteira, uma brincadeira que

prejudicou alguém, alguma coisa, chamava atenção “ah, não gostou, acha que não está

bom, então manda embora”, a resposta era essa: “acha que não ta bom, manda

embora”. Já a pessoa adulta, que tem já uma certa experiência no trabalho, ta

trabalhando “desculpa, não vou fazer mais isso” e tudo bem, mas ali acontecia, porque

estava tendo muito emprego, muita procura de mão-de-obra, então a pessoa saía

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daqui, não precisava ser uma mão-de-obra qualificada, chegava em outro lugar, saía

hoje do emprego e amanhã já está trabalhando em outro. Só precisava tirar, dar baixa

na carteira, que aí, com determinado tempo que você estava lá, na outra empresa,

você vinha e mandava dar baixa, para dar entrada lá, era desse jeito, não é? Agora hoje

não, hoje para você ter um emprego mais ou menos, nem que não seja bom, mas que

se você tiver um emprego você tem que segurar com unhas e dentes, porque senão,

sair dali para você arrumar outro, ah, vai ter muito tempo para você arrumar um

negócio.

PRODUTOS DA NITRO

“Eles construíram, a carga de força ainda hoje tem lá na Nitro, que a fiação

não podia parar, que quando parava a fiação o prejuízo era muito grande.” A viscose é

um produto feito pelo celulose mais o ácido líquido, a gente chama de viscose , tem

lustrosa e a opaca, naquilo ali era colocado titânio, misturava junto com a viscose e

colocava nos tanques de vácuo,ali ficava 24 horas no vácuo cada produto daquele

ficava 24 horas no vácuo, depois era a feita a manobra pra fiar, aí já ia pra fiação.

Nesse período se faltasse força, a viscose endurecia dentro do tanque, e o prejuízo era

grande, estragava e teria que jogar no rio, antigamente fazia isso, jogava diretamente

no rio, hoje não faz mais, quer dizer, acabou, mas antes de acabar já não fazia mais,

porque fizeram um negócio de tratamento de água e a água só ia ser jogada no rio

depois de tratada.

Então, na época que começaram trabalhar,que começaram produzir, era

muito ruim o cheiro do enxofre que espalhava aqui em São Miguel, muitas vezes a

pessoa ia pegar o trem e era um cheiro tão forte do enxofre queimado, sei lá como era

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aquilo lá que trazia o cheiro, que o pessoal precisava por um lenço molhado pra poder

respirar, até na estação, enquanto esperava o trem.

Quando começaram a produção, eles começaram a fazer enxofre, o ácido,

que era feito do enxofre, começou a fazer o ácido sulfúrico, depois o ácido muriático,

era um forno ao ar livre, e por isso que o cheiro espalhava aqui por São Miguel,o

cheiro espalhava todo aqui em São Miguel.. aí começou a criar a CIPA (comissão

interna de prevenção a acidentes)na Nitroquimica, pra poder combater esses negócios

aí foi arrumando, melhorando. Já nos anos 54 já começou o faturamento fazer o

Rayon, fazia o fio de Rayon, depois era enrolado espuma, outras eram em conecal, ou

seja , era um cone, enrolado num cone, depois vendia pra essa firma de tecelagem

aqui de São Paulo

Começaram fazer também o fio do pneu, que na época se chamava

cordocel, fabricado para a fabricação de pneu.Hoje em dia tudo é pneu de aço,

naquela época era de rayon, o fio que fazia ao pneu então tinha os clientes, tinha a

Dunlop, que era instalada em Campinas, comprava, tinha Firestone, que era no Rio de

Janeiro, tinha a Pirelli, no ABC,então eram os clientes da Nitroquimica, eram feitos

rolos, de mais ou menos 500 quilos cada rolo, um caminhão carregava seis rolos,

Depois começou o negócio do pneu com fio de aço, aí foi acabando, tanto

que acabou e aí deu um prejuízo tremendo pra Nitro, porque toda aquela produção

que já tinha pronta não conseguiu vender, aí foi feito escarpe, que é o fio cortado com

lâmina, depois era vendido pra Troiano Waste, não sei o que eles faziam depois,

cortava, enfardava e depois vendia. Aí passou a fazer só o rayon e a nitrocelulose, que

chegamos a exportar pra quase todos os países, menos pra China, exportava todo o

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produto que agente fazia ai, que era Rayon, exportava pro Líbano, nos anos 70, se não

em engano, o Líbano era o maior comprador de rayon da Nitroquimica, eles chegavam

a pedir 600 toneladas, e não precisava enrolar o fio, ia tudo em torta,era feita a fiação

que fazia o fio , enrolava em torta, ia pro acabamento,o acabamento lavava, depois ia

pra plastificação, tiravam os defeitinhos que tinham, e encaixotava.

A mercadoria ia ao porto de container, pra fazer o carregamento, pra

quando fosse no horário de carregar o navio estar naquele horário lá, por exemplo, se

o horário da nitroquimica fosse dez horas, tinha que entrar mercadoria dez horas,essa

mercadoria tinha que estar lá dez horas, ou chegava lá dez horas ou perdia o

embarque, acho que hoje ainda é a mesma coisa, cada empresa que exporta tem um

horário de carregar. Então, muitas vezes eles telefonavam pra mim, ou chegava um

container ou navio atracava, e eles falavam: “Xavier, Ta subindo para carregar a

mercadoria...”, por exemplo, da Itália, Pilo fibra da Itália, do Têxtil Líbano Papil ,que era

no Líbano, no centro de Beirute , ia chegar, então tínhamos que estar com aquela

mercadoria lá às dez horas.

Eu tinha que escalar o pessoal à noite, pra ficar esperando a hora de

carregar o container, conferentes, ajudantes, tinha que ficar todo mundo ali. A nota já

estava pronta, a gente faturava antecipado, não era como hoje que fazem a nota fiscal

da mercadoria na hora, o faturamento era feito todo dia, tinha pedido

faturava,entregou ou deixou de entregar não tinha problema. A mercadoria contava

quanto saía, quando era o dia de saída colocava a data de saída, então a gente deixava

a mercadoria pronta faturada um mês, mais de um mês ficava faturada, quando

chegava o embarque ou o cliente queria a mercadoria ia entregar colocava a data de

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saída.

A produção era grande, a gente produzia, só de rayon, o diretor pedia tanto

de produção e tanto de faturamento, se faturava trinta toneladas de rayon hoje, então

ele falava , hoje nos vamos faturar tanto em cruzeiro, faturava antecipado, quando não

tinha pedido pra tudo aquilo, ele ligava, quando eram umas quatro horas, e falava:

“manda tantos quilos por conta pra empresa tal”, assim a gente ia anotando e

faturava, tinha um cliente em Americana, que era o maior cliente de Americana, ele

comprava, outro cliente grande, eles faziam o pedido e gente faturava às vezes até

sem ter a mercadoria, porque na época tinha tanta tecelagem que a Nitro não dava

conta, existia o Matarazzo também, mas depois da morte do velho entraram em

decadência, aí começaram a desmantelar, que o Matarazzo também fazia rayon.

O cliente pedia X, a gente separava, por exemplo, fio fino, que era o fio que

tinha mais, que tinha 60,30, 75, 100, 200, 300, 350, até 500, o fio mais grosso, que era

uma seda mais grossa, vendia menos, o mais fino o cliente se interessava mais, quando

chegava de tarde tinha que dividir, o cliente pedia: “manda pra mim 200 quilos, 100

quilos”, não tinha, acabavam mandando 20, 30 quilos, porque não dava pra atender a

freguesia.

GREVES NA NITRO

“Nós tivemos uma greve na Nitroquímica que parou a Nitroquímica, e parou,

parou por vários dias, mas se parasse, o prejuízo era grande, e teria que jogar tudo

aquilo fora; até voltar a funcionar e isso demorava.

Na greve de 1957, essa foi a maior greve que teve na Nitroquímica. Tiveram

outras ameaças de greve, mas não chegava a nem parar, porque uns não iam, outros

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iam, então fazia aquela greve, mas muita gente trabalhava, nunca parava, quem estava

lá dentro, ficava, por exemplo, muitas vezes nós ficamos, entrava às oito horas da

manhã para sair as cinco, quando era uma determinada hora, isso em 1957, o diretor

ligava: “olha, pode sair, pode sair porque nós não temos garantia, porque a greve foi

cheia mesmo, naquela época foi uma parada muito...”

Os funcionários queriam um aumento, eu não lembro de quanto que era, mas

era um exagero, e a fábrica, na época, era o doutor Phil, tinha viajado para os Estados

Unidos, e o doutor Lueberman assumiu a direção da chefia, assumiu a direção, ele era

o nosso diretor, e o Doutor Lueberman, era um alemão, assumiu a greve. Então, o

sindicato, na época era o Adelson, chegou e foi lá falar com ele sobre o momento, ele

não deu satisfação, então o pessoal, naquela época todo mundo sabia que o sindicato

era forte. Então vamos fazer greve, ou vocês dão uma solução no momento, senão nós

vamos fazer uma greve. Ele falou: “ah, não, se quiserem fazer greve, podem fazer a

greve que nós temos o produto para suportar a greve”, quer dizer, o produto que

tinha, eles achavam que dava, se o pessoal fizesse uma greve, dava para superar

aquele tempo parado. Então, não deu outra, foi uma greve que parou tudo, parou

tudo, parou São Miguel, porque aqui, nas ruas, ninguém podia andar, por causa das

cavalarias, polícia, tudo, foi uma greve total mesmo.

Onde era o clube aqui em cima, ali só tinha cavalo, eu lembro, ficava o dia todo,

dia e noite a cavalaria ali, porque não tinha hora pro pessoal entrar nem sair, o pessoal

que tava lá dentro, às vezes não podia sair, porque queria sair, mas não tinha por onde

sair queria sair pelo Tietê não conseguia, porque tinha piquete lá, saia na Vila

Nitroquímica também não conseguia, então ficava assim, era piquete para tudo que

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era lado.

Esta greve deu um prejuízo tremendo, tanto que assim que terminou a greve,

nós estávamos com estoque mais ou menos bom, assim que terminou a greve, vendeu

tudo o que tinha de fio parado, vendeu tudo, não podia produzir, porque parou a

greve, mas a firma não podia funcionar. O pessoal estava na fábrica, todo mundo

marcava cartão, ia, mas não trabalhava, porque até fazer toda essa limpeza de canos,

tudo, fazer isso aí, ficou quatro meses parado.

É, com uma parada daquela não tem jeito, não tinha como não dar o aumento.

ACIDENTES

Teve um acidente, só que eu não sei prever mais ou menos a data, teve um

amigo argentino, Barbosa, um cara elegante, um cara cem por cento, e os caras foram

fazer lá, não sei o que aconteceu na fiação e eles foram socorrer, o cara tava assim,

passando mal, de gás e tal, e queria entrar para socorrer, um entrou, outro ficou,

morreram quatro naquele acidente, quatro pessoas morreram naquele acidente,

inclusive o Barbosa, que era o cara responsável pela produção da área química. A

gente foi ver lá no ambulatório o rosto das pessoas lá, que triste, viu, uma cena triste.

Fora os outros acidentes que aconteceu com ácido. Com ácido de queimar as

pessoas. O ácido, ele, naquela época que era feito o ácido assim, no forno livre, o

estoque, às vezes acontecia uma explosão, uma coisa assim, de ácido, e queimava a

pessoa, deformava a pessoa. De soda cáustica eu acho que ninguém caiu, de ácido eu

ouvi falar, ácido. Na soda eu acho que não teve acidente assim não, porque a soda,

também, ela tinha bastante segurança, a gente trabalhava com bastante segurança, na

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fábrica de soda. Agora, no ácido aconteceu, o cara caiu, só que não foi da minha

época, foi lá para trás, no começo da Nitroquímica. Depois eles melhoraram bastante,

a questão da produção de ácido melhorou bastante, e produzia pouco, agora produz

bastante, e além de produzir bastante, a segurança acho que é total.

No meu setor nunca ninguém trabalhou de máscara porque era produto

acabado. Por exemplo, cantoneira, expedição, fábrica de tinta, houve a, não lembro

que ano que era, queimou a fábrica de tinta, não lembro mais que ano que foi, pegou

fogo, queimou quase tudo, o pessoal não trabalhava com máscara, a embalagem, não

se trabalhava com máscara, escritório em geral, departamento pessoal, custo, nenhum

lugar desses o pessoal ocupava máscara, porque não era necessário, agora, na fiação,

eles usavam, fiação usava máscara para trabalhar, agora, nesses outros lugares não era

necessário.

EVENTOS

Eles faziam na época de festa, por exemplo, aniversário, festa de carnaval, jogo

de futebol quando aqui era o melhor time, o melhor campinho de futebol era o da

Nitroquímica. Hoje em dia a gente não tem mais, tem um campo ainda, mas tinha

piscina, tinha competição na piscina do clube, mas daquela época tinha tudo, a alegria

do povo de São Miguel era a Nitroquímica, era o clube da Nitro, porque lá tinha

piscina, no começo tinha os barcos, que você andava de barco no rio Tietê, tinha os

barquinhos que a gente saía daqui ia quase até lá na Penha e depois voltava nos

barcos, e a água era limpíssima, era limpa, você tomava banho em qualquer lugar aí do

Tietê, a gente tomava banho, até 1958, de 58 para cá começou a poluição, acabaram

com os barcos, acabaram com tudo.

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Hoje ainda deve ter o campo, a piscina ferraram tudo, acabaram tudo, mas o

campo eu acredito que ainda deve ter; eu nunca mais fui lá, desde 1991, que eu saí,

nunca mais voltei lá. “Era o melhor campo, vinha o São Paulo jogar aqui, vinha o

Santos, vinha o Palmeiras, porque nós tínhamos um time de futebol veterano. Era um

time veterano, não era lá grande coisa, mas dava para jogar, então chamava esses

clubes aí para jogar e reunia aquele monte de gente, era uma beleza.”

O Pelé veio também, fez cinco ou sete gols, parece. Mas eles eram

profissionais, o nosso time era amador, veterano amador.

CLUBE DA NITRO

Participava de quase todas as festas do Clube da Nitro, porque eu era do

Conselho Fiscal, então toda a festa que tinha, tinha que participar, então, por exemplo,

no carnaval, nos quatro dias de carnaval, no mínimo eu trabalhava três e folgava um,

porque toda noite, todo o Conselho tinha que trabalhar, ou durante o dia, nas matinês,

ou durante a noite, no clube, então folgava apenas um dos dias de carnaval. Hoje

fechou tudo. Tudo, tudo desativado.

SÃO MIGUEL E NITRO

“São Miguel, na verdade, cresceu em torno da Nitro, tem gente que diz que

político melhorou São Miguel, não, quem melhorou São Miguel foi a Nitro, ninguém

pode dizer que não, porque quando ela chegou aqui São Miguel não era nada. Não

tinha asfalto nenhum, era tudo barro , tudo estrada de terra, a empresa de ônibus

daqui, que era do Toninho, você saia daqui e ia pra Penha, era tudo mato, da Penha

pra lá já tinha várias moradias, mas pra cá era tudo mato, então, a Nitroquimica foi o

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elo de crescimento de São Miguel, que cresceu em torno da Nitro, tanto que foi

crescendo desordenado, hoje você vê, nós temos o centro de São Miguel totalmente

embananado aqui. Porque a estrada foi feita, aquela estradinha, do meio pra frente

ela tem as duas pistas, muito bem, dá pra se virar, mas esse pedacinho daqui do centro

de São Miguel,” pra pegar a Marechal Tito, ninguém tem coragem de desapropriar pra

fazer alguma ligação, digamos agora pode ser que apareça algum projeto, ontem

mesmo nós tivemos uma reunião como Walter Feldman e o Salomão, um é candidato

a deputado estadual e outro federal, e eles dizem que há um projeto pra ligara a Assis

Ribeiro aqui no terminal, só que pra isso ai precisa aparecer uma pessoa tipo o Maluf,

que gosta de fazer obras desse tipo. Quantos quilômetros faltam? Eu acho que saindo

da Assis Ribeiro ali pra chegar no terminal não tem mais do que 700 metros, no

máximo, em linha reta não dá um quilômetro, pra fazer esse pedaço.

“Naquela época o pessoal vinha do Nordeste, por exemplo, de Minas, Bahia,

Pernambuco, vinham de caminhão, o chamado pau-de-arara. Chegava aqui, a

Nitroquimica, se tivesse saúde tinha emprego, qualquer pessoa que chegasse com

saúde ia lá, não precisava ter documento, nada, apenas a certidão de nascimento, já

era o suficiente pra trabalhar, depois, com o tempo, você tirava a carteira, depois de

noventa dias eles exigiam a carteira pra registrar, mas 90 dias trabalhava só com o

registro de nascimento, era desse jeito.

São Miguel mesmo quase todo mundo trabalhou na Nitro, quase todo mundo

dependeu, quer dizer, todo mundo dependeu, porque quem não trabalhou, dependia

de filho que trabalhava, todo mundo aqui dependeu da Nitroquímica, mesmo o

pessoal que tinha negócio, na época, que tinha negócio aqui em São Miguel, todo

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mundo dependeu da Nitro. A Nitroquímica foi uma fonte de vida para São Miguel.

DESATIVAÇÃO DA NITRO

Quando começou a desativar a Nitroquímica eu já tava um tempo fora, porque

isso aí ia acontecer o seguinte, quando o filho do doutor Ermírio assumiu, o

engenheiro que estava assumiu a direção, tinha um rapaz que era filho do Baroni, e

que o Baroni era um dos diretores da Nitroquímica na época, advogado e diretor, era

um braço de ferro na época, e esse Domingos Baroni, que era filho do Dom Baroni, ele

era jovem ainda, era jovem e fez engenharia também, e quando ele assumiu, quando o

Engenheiro Ricardo assumiu a direção da fábrica, mandou todos aquele pessoal velho

embora, os diretores, por exemplo, o Engenheiro Nelson, que era o gerente geral da

área química, o Rômulo, Mário, o Peter, doutor Phil, todo esse pessoal que era

entendido no assunto, eles mandaram todo mundo embora, mandaram o pessoal

embora e assumiram a direção.

Então o negócio entrou em decadência, a produção, a China começou a colocar

seda aqui por um preço bem mais barato do que o que produzia, e foi o que aconteceu

com a fábrica de solda também, quando construiu a fábrica de solda tava trabalhando

todo mundo, vendendo tudo numa boa, aconteceu que a solda importada estava

chegando mais barata do que a que tava produzindo aqui, fechou a fábrica de solda.

Pegaram e fizeram uma divisão lá na parte de nylon, para vender as máquinas

de nylon, e nisso aí, nessa parada que eles deram, praticamente acabou a

Nitroquímica, porque ficou só a celulose, que é o algodão, e o ácido sulfúrico muriático

e a nitro celulose, que é o produto que faz o alumínio. Então ficou só esses três

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produtos, o resto acabou tudo, foi quando o doutor Ermírio pegou uma madrugada,

chamou o Baroni para uma reunião, chamou ele e o filho, e falou: “olha, a partir de

hoje, ou você vai embora, vai embora por livre e espontânea vontade, ou eu vou

chamar a polícia e você vai sair daqui preso”. Porque eu acho que ele roubou muito,

sei lá como é que foi, ele saiu e se mandou, duas horas da manhã ele pegou os

bagulhos dele e se mandou para Cuba, ficou um determinado tempo lá em Cuba e

depois voltou.

Agora ele está aqui no Brasil, mas ele saiu praticamente fugido. Acabou com a

Nitroquímica.

Segundo o engenheiro Nelson, hoje a Nitro, dado a produção, está dando

bastante lucro, porque trabalha pouca gente, a mão-de-obra é pequena e o

faturamento fatura bem, e dá lucro. E naquela época também dava lucro, só que a

despesa de funcionário era muito grande, porque era muita gente para trabalhar,

muita gente. Muita gente para trabalhar e um estava de férias, o outro estava

machucado, o outro estava de licença médica, sempre estava afastado no INSS, era

muita gente para trabalhar.

Seria ótimo se a Nitro voltasse a ser como antes, mas eu acho que nunca mais vai

acontecer isso, eu acredito que nunca mais vai acontecer isso, mesmo porque eles

venderam todas as máquinas, não sei, para a Ferrovest, não sei pra onde é que foi, sei

que segundo aí o que eu vejo falar tiraram aqueles departamentos está tudo vazio,

tiraram todas as máquinas, está tudo vazio. Está tudo vazio, funciona só à parte de

criolita, de nitrocelulose, e o ácido, só esses três produtos.

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HEITOR THEODORO

Morador de São Miguel e aposentado na Companhia Nitroquímica. Depoimento realizado na residência do entrevistado pelos jovens João Sousa Freire e Karolina Lima

Bueno durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro, no dia 15/09/2006.

SÃO MIGUEL

CHEGADA A SÃO MIGUEL

Eu vim em 1951 de Uberlândia com o intuito de estudar e adquirir uma

profissão, aqui em São Paulo, porque na cidade não tinha tantas condições. Meu pai

veio para trabalhar na Petroquímica e eu estudava no Senai, em 1952. Quando eu

cheguei em São Miguel não dava nem para comparar com hoje, porque não tinha

asfalto, hospitais, benefícios, condução precária, eram poucos ônibus, estrada de terra,

pedras, barro, muito precária. Inclusive, o centro de São Miguel não era asfaltado. Na

antiga casa do Correio entrava água quando chovia!

Eu acho que São Miguel melhorou muito. Está crescendo, melhorando as ruas,

as lojas, está crescendo, se desenvolvendo. A população parece que está ficando um

pouco mais culta. Está tentando mostrar alguma coisa. O meu ponto de vista sobre São

Miguel. Gosto daqui. Vim de Minas e essa é a cidade que eu adotei. Tem muita gente

que acha que morar em São Miguel é pejorativo, tem preconceito, mas eu não tenho

não. Gosto daqui. Para mudar daqui vai ser difícil.

COMERCIO

O comercio era uma coisa bem antiga, bem precária. Umas lojinhas simples. Não

tinham esse visual das lojas de hoje, que a gente até se sente atraído a comprar.

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Também tinham muitos vendedores de rua. Muitos mascates árabes, que vendiam nas

casas.

TRANSPORTE

Tinha ônibus, mas eram bem velhos. Quase ninguém tinha carro. No mais era

bicicleta. Quando eu vim para cá em 51 o trem já existia, a Estação de São Miguel era

Baquirivu e depois que passou a ser São Miguel. Quando eu cheguei aqui na estação

estava escrito Baquirivu. Essa imagem ficou bem guardada. A estrada de ferro era

muito utilizada. E tinha um desvio que entrava na da Nitroquímica para transportar

produtos químicos.

INFRA-ESTRUTURA

Essa vila em que estamos hoje tinha luz, mas não em todas as casa, e também

não era toda a rua que tinha iluminação. A água era fornecida pela Nitroquímica. Ela

captava a água no rio, tratava e distribuía. Mas não eram todas as casas que tinham

água encanada. Na época em que eu cheguei eram poucas as casa que tinham água

encanada

Mas São Miguel cresceu muito. Está muito grande. Onde não havia esgoto,

água encanada, hoje tem. Hoje é difícil um lugar com esgoto a céu aberto.

LAZER

Tinham dois cinemas! Um era o Cine Lapenna. E em São Miguel tinha um onde

é hoje o Ponto Frio. Esse era o Cine São Miguel. Ele foi o primeiro, depois que o

Lapenna foi construído.

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Freqüentei o Clube da Nitro desde que cheguei até me aposentar.Era ótimo, fui

atleta em várias modalidades. Fiz Judô, Natação, Boxe, mas estive sempre mais ligado

ao futebol. Inclusive tinha uma escolinha de futebol e eu que comandava. Tinham

outros companheiros que ajudavam, mas eu que comandava. E graças ao esporte eu

tenho um ciclo de amizades aqui em São Miguel muito grande. Sempre com respeito,

honestidade.

Hoje falta lazer, falta perspectiva de futuro, de estudo, o bairro virou

dormitório. Não tem lazer. Tinha o Clube de esporte, e a sede social, onde havia bailes,

eventos, palestras, comemorações de fim de ano, formatura, baile da primavera, era

bacana. Carnaval! Hoje não temos mais. Faz uma falta terrível! Quando você vai num

campo de futebol você tem que ficar quietinho porque ali do lado tem uma turma de

briga, do outro lado tem outra, então tem que fica quietinho. E eu gosto demais de

futebol! Mas não vou mais, não tem segurança.

Desde criança disputava campeonato e disputava contra times de São Paulo

todo. Havia muitos jogadores com qualidade de profissional, mas a maioria trabalhava

e dava mais importância ao seu trabalho. Então, não tinha muito tempo para ficar

jogando. Futebol era só lazer. Não existia essa mentalidade de viver de futebol, de ser

profissional. Até mesmo o profissional jogava porque gostava mesmo. E mesmo os

jogos de várzea tinham qualidade de profissional. Depois a equipe da Nitroquímica

passou para a segunda divisão do futebol profissional, e a maioria dos jogadores era

daqui mesmo. Mas havia muito público no estádio, havia bastante rivalidade, saia uma

confusão ou outra, mas nada sério. E é uma coisa que faz parte do futebol. Mas na

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maioria das vezes futebol só como lazer, não havia essa mentalidade de brigas, de

tiros. Isso não existia. Se acontecia alguma briga era no braço e não era nada grave

COTIDIANO DE ONTEM

Antigamente não tinha droga! Eu estou com 69 anos e eu vi falar em droga lá

pelos 25 anos. A gente ouvia falar em maconha, mas era uma coisa muito distante.

Eram os maconheiros. A pior droga da época era o cigarro. Naquela época fumava-se

muito. Fumava-se para dizer que é homem. Mas a mulher que fumava era mal falada.

Isso é até uma forma de discriminação.Hoje em dia ainda há uma tolerância com a

mulher que fuma, mas naquele tempo pegava muito mal! Eu fumava, mas parei há

mais de trinta, quarenta anos. Eu achava que o homem podia fumar. Mas uma mulher

fumar acho que transmite uma insegurança, sabe? E no cinema tinha muita madame

com piteira. Hoje em dia ninguém mais fuma no cinema. O cinema propagava isso. O

mocinho, naquele tempo os filmes tinham mocinho, mocinha, herói, e o mocinho

fumava, o detetive acendia o cigarro e era aquela fumaceira! As mulheres usavam

aquelas piteiras, e todas eram muito bonitas. E os homens também. Hoje dificilmente

se mostra no cinema alguém fumando. Mas cigarro era o vício da época. Fumava-se

muito. Naquele tempo não existiam essas drogas. No mais era a bebida.

Existem certas modas que eu não consigo me adaptar. Como aquele jovem que

eu estou vendo, por exemplo, de bermuda. Era difícil andar de bermuda. Só na praia.

Quando ia à igreja ia de gravata, terno. Quando íamos ao centro de São Paulo,

costumávamos dizer “ir á cidade”, ninguém ia de bermuda, não, mas nem assim como

eu estou vestido. Todos de terno, gravata, todos muito bem vestidos. Naquele tempo

o calor era mais ou menos como o de hoje, também, mas todos de terno. Eu usava

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terno de linho. Terno de linho é uma beleza! Leve! Hoje dificilmente se vê terno de

linho. Em casamento, todos de gravata. Festa de ano novo, todos de terno e gravata.

Todo o fim de ano a gente comprava um terno novo para estrear na passagem do ano.

Usávamos para dançar. E não tinha essa dança de cada um rebolando para um lado,

como tem hoje, não! Dançávamos juntinhos, conversávamos no pé do ouvido, mas

tudo com muito respeito! Lógico que tinha umas passagens, mas com muito respeito.

E ás 9:30, 10 horas acabava o namoro e cada um para sua casa. Isso era em todos os

lugares. E as meninas não saiam não.

Eu vejo meu filho hoje em dia á meia noite se aprontando para sair, já tentei

dizer não, mas diz que agora é essa hora que todos saem! Agora ele está em Santa

Catarina. Está levando outra vida! Diz que lá tem mais respeito, mais segurança. A

cultura é outra. No meu tempo andávamos á pé daqui á Penha, e não havia briga, não

havia assalto. E tem outra coisa interessante, éramos obrigados a andar com a Carteira

Profissional no bolso. E quem não estava com a profissional no bolso ia para a

delegacia.Sabe por que? Porque todos tinham que estar trabalhando. Se o policial

visse que a carteira não estava assinada era uma bronca danada. Você tinha que

explicar porque não estava trabalhando e a polícia dava a maior bronca! Olha a

diferença para os tempos de hoje. As pessoas querem trabalhar, mas não acham

emprego! Naquele tempo nossa carteira profissional ficava toda amassada, porque

éramos obrigados a sair com ela. Senão era levado para a delegacia, era humilhado,

chamado de vagabundo.

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NITRO

A Nitro dava praticamente de tudo! Dava assistência médica, dentária, Senai,

berçário, clube. O berçário era para as funcionárias da Nitro que tinham filhos

pequenos. De manhã elas saiam com os filhos e os deixavam na creche de lá, e quando

acabasse o horário de trabalho elas os buscavam no berçário e voltavam para casa

com os filhos. Aquele berçário ficava cheio de crianças! E tinha a parte social, o Clube.

Dificilmente se encontra uma fábrica assim.

Eu sinto falta da Nitro! Sinto falta dos amigos. Aposentar não é bom,

principalmente no meu caso, que estou aposentado de tudo. Mas tive problemas de

saúde e não posso mais trabalhar. Mas sinto falta. A Nitroquímica foi o

desenvolvimento aqui de São Miguel. A zona leste toda, na verdade, porque ela que

trouxe o desenvolvimento daqui. Entre os trabalhadores, costumávamos chamá-la de

mãe! Em relação ao ambiente de amizade de antigamente, eu gostaria que fosse como

antes, mas pelo aspecto tecnológico é mais fácil hoje.

SENAI

Fiz 3 anos de SENAI e depois tive emprego na Nitroquímica, que tinha convênio

com o SENAI. Só não entrava no SENAI quem não queria. Naquele tempo se estudava

muito no Senai, porque tinha cursos profissionais. Com um curso do Senai conseguia

emprego em qualquer lugar. Os cursos que o SENAI ofereciam eram: fundidor,

torneiro, mecânico eletricista, e tinham outros, mas eu não me lembro agora.

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FUNCIONÁRIOS

Lógico que alguns tinham uma especialização maior, mas a maioria da mão de

obra era braçal, não tinha preconceito. Eu trabalhei por mais ou menos vinte anos na

mecânica. Depois fiz um curso técnico de mecânica, e um engenheiro, o Marcos me

promoveu a supervisor de mecânica. Eu deveria ter estudado mais, mas vacilei um

pouco.

Naquela época era uma das melhores profissões. Era bem remunerado,

reconhecido. Todo mundo queria ser torneiro mecânico. E era um prazer usinar,

transformar aquele material em peças.

Na época trabalhavam sete mil operários. Calculando que cada um deles

tinham umas três pessoas que dependiam dele na família, são mais de vinte mil

pessoas!

ÁREAS DA NITRO

O torneiro mecânico, ele usina, produz. Ele pega o material bruto e transforma

em parafuso, ou outra peça. A máquina só girava, mas nós que tínhamos que

manusear a máquina. A gente tinha que fazer de acordo com o que o engenheiro

mandava. Fazíamos a peça do jeito que ele pedia, de acordo com o desenho. O

desenhista mecânico dava o desenho e éramos obrigados a saber ler o desenho e fazer

a peça. Mas era bem manual. Hoje um torneiro vai lá com um computador, e o que se

levava o dia todo para fazer fica pronto em uma hora. Fazíamos peça por peça. Depois

que veio o estouro de máquinas automáticas. Aquele que foi torneiro antigamente,

hoje seria operador de máquina. Ele teria que aprender digitação, colocar a medida da

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peça, ligar a máquina e esperar. É muito mais fácil. Antes, para eu fazer oito mil

parafusos levava um mês.

A área têxtil, fabricava o fio de rayon. Para confeccionar tecido. Ele era

misturado com o algodão. Mas a gente só fabricava o fio. Ele era beneficiado em outro

lugar. Quando uma fábrica precisava de empregados ela colocava uma tabuleta na

porta indicando quem ela precisava, e salário. E o funcionário escolhia em que fábrica

trabalhar. Sempre digo para meu filho, que ele ainda pode se virar por aí, mas o filho

dele tem que estudar muito, fazer muitos cursos se quiser alguma colocação.

Havia um setor que fazia pólvora, mas esse não era na Nitroquímica aqui

embaixo. Essa era perto do Bairro dos Pimenta. Mas era um setor que fazia pólvora só

para o governo. Ouve uma explosão que morreu algumas pessoas não foram tantas,

porque ali não trabalhava muita gente. Mas isso era proposital.

Tinha uma aviário, ficou por uns quatro anos. Ma tinha todo o tipo de bicho.

Era um mini zoológico. Tinha anta, macaco, pássaros de vários tipos. Era uma atração

para os visitantes.

GREVES

Tiveram algumas greves, reivindicando alguma melhoria, aumento de salário.Eu

fui obrigado a participar da primeira, em 57. Tinha entrado no Senai, e o sindicato não

deixava entrar para trabalhar. E eu fui embora para casa. Era novo, tinha 17, 18 anos.

Houve outras greves, mas eu já era adulto, maduro, sabia o que queria, e não

participei de nenhuma.

Houve uma crise na Nitro por conta da greve. E a última foi no final de 92 ou

93, que a área têxtil estava com problemas financeiros e decidiram fechá-la. Mas a

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Nitroquímica sempre esteve bem. Nunca atrasou pagamento. E pagava bem. Desde a

diretoria até o operário braçal.

Frases:

“E eu acho que quando a juventude começar a trabalhar vai melhorar muito

mais, principalmente na política. Eu vou falar uma coisa para vocês, eu não gosto de

política. Mas isso não é certo. Tem que encarar. Faça um projeto. Pense: “vou estudar

agora e daqui um tempo serei um vereador”. Entra na política! Vocês têm que entrar

na política! Os governantes não gostam que se ensine política na escola porque têm

medo que o jovem tome o lugar! Porque se um jovem entra na política, aquele mais

velho, e não se trata de preconceito com idade não, mas se trata daquele que tem um

cabide de emprego, ele tem medo. Tem que ter uma revolução nesse ponto de vista.Se

a juventude não acordar esse país não vai ter saída! Antigamente eu ouvia falando de

crise aqui, ali, e está ainda pior! E os mesmos políticos de hoje! Não sai disso!”

“Poucos jovens na idade de vocês estão num trabalho como esse de divulgar a

História, interessados no passado. A pessoa que esquece o passado está fora da

História! Que história ela vai entender. Eu fiz um trabalho como ao de vocês numa

fundação e ele ficou parado. Ninguém quis saber.”

“Na família a mulher é muito mais importante do que o homem. Precisa dos

dois, mas a mulher é muito mais importante. O pai tem suas responsabilidades, tem

que estar por dentro do que está acontecendo, mas a mãe tem mais sensibilidade, mais

facilidade em entender, proteger. A rapaziada pode até enganar o pai, mas a mãe ele

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não engana. O pai está sempre na rua, está mais acostumado com a malandragem.

Mas a mãe não, só de ver uma filha emburrada, quietinha ela já percebe que tem

alguma coisa.”

“É difícil a juventude de hoje encarar o futuro. A maioria não tem nem medo de

morrer! A vida é comum. Ontem tinha um rapaz que mora aqui por perto, estava

conversando com outro aqui na frente, e estava dando cavalo de pau com a moto.

Pensei: “puxa, que perigo!” Na semana passada ele matou um indigente atropelado.

Está respondendo processo.”

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JESUINO BRAGA

Morador de São Miguel, pesquisador, artesão, tem esculturas sobre a Capela São Miguel Arcanjo

retratando épocas mais remotas do entorno da capela e praça Pe.Alexo Monteiro Mafra.

O depoimento foi realizado durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro, pelos jovens Camila

Tavares Brazão e João Sousa Freire em 2006 na residência do entrevistado.

SÃO MIGUEL

VINDA PRA SÃO MIGUEL – OLARIAS – 1ª OFICINA MECÂNICA

Eu cheguei em São Miguel em 1934, nós viemos pra cá porque já tinha família

aqui, meu tio já estava aqui, desde 1926, ele veio pra cá nessa época porque em São

Paulo estavam construindo o edifício Martinelli, o arranha-céu mais alto da época e

precisava de muita areia, matéria prima, e a produção de São Paulo já não supria,

porque São Paulo estava começando a se expandir e produção era pouca, eram os

barqueiros que faziam isso, e algumas dragas, então eles resolveram montar uma

draga aqui e convidaram meu tio, que era motorista de praça no centro da cidade e

tinha dois indivíduos de São Miguel, que sempre, quando iam pra lá usavam o carro

dele e ficaram amigos, foi quando convidaram ele pra vir pra cá, como ele era

mecânico, compravam uma draga e colocavam no Tietê, ele veio e entrou na

sociedade.

Depois de um certo tempo ele ficou desanimado porque em São Miguel não

tinha nada, ele tinha dois filhos e uma filha, e os meninos, um já estava com 13 pra 14

anos e o outro com 11 pra 12, uma coisa assim, ele começou a ficar preocupado com

aonde eles aprenderiam alguma coisa e queria voltar. A nossa família era toda ali das

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Perdizes, Barra Funda, Pinheiros, ele tinha vindo de lá pra cá e estava com vontade de

ir embora, ficou desanimado. Então, boas amizades começaram a aconselhar ele pra

que abrisse uma oficina mecânica em São Miguel, porque não tinha na redondeza,

quando quebrava algum carro, tinha que ir pra Penha, então esses amigos dele

começaram a aconselhar, foi quando ele abriu uma oficina em São Miguel, a primeira

de São Miguel. Ele começou a trabalhar e ensinar os filhos, ele trabalhava uma parte

na draga e quando chegava algum freguês de carro, os meninos chamavam ele na

draga, ele deixava a draga com o ajudante e vinha atender o freguês, aí os meninos

foram aprendendo oficina.

Meu pai veio pra São Miguel pra trabalhar nessa draga pro meu tio, mas sabe

como é sociedade. Eram três sócios, houve uma briguinha por causa de dinheiro e

sociedade acabou, meu pai ficou na rua da amargura, quando fecharam a sociedade da

draga, e quando meu pai foi na Nitro, que naquele tempo estava pegando muito

operário, tanto especializado como não, pra mecânico já tinha preenchido a vaga, aí

meu pai ficou naquela, no desespero, mas como os vagões da estrada de ferro,

carregava areia pra cidade, que era tirada do Tietê e a maior parte ia de vagão, então

meu pai tinha conhecimento como chefe da estação, e o chefe da estação tinha carta

branca pra entrar na Nitro porque a estrada de ferro trazia todos o produtos,

maquinário e tudo mais,e tinha um ramal que entrava lá dentro e conhecia muito bem

o chefe de escritório, aí falou com o chefe de escritório e conseguiu encaixar meu pai,

ele trabalhou de 37 a 67, trabalhou trinta anos na Nitro, eu fiz o Senai, trabalhei só um

ano dentro da Nitro e saí e fui trabalhar no Brás, que era o foco das indústrias, era

inteirinho de indústria, é como hoje São Bernardo, Santo André, naquele tempo era

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Brás, Mooca, Belém, era o centro das industrias e pagavam muito mais do que aqui e

eu fui pra lá.

Meu pai deu sorte com a Nitro, senão a gente teria que ir embora de São

Miguel. Meu pai se acostumou aqui, era um lugar tranqüilo, já tinha trabalho e fomos

ficando, e eu até hoje.

ALARGAMENTO SÃO PAULO - RIO

Nessa época começou um alargamento na estrada São Paulo – Rio, naquele

tempo era estrada São Paulo – Rio, que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, e começou

um alargamento no Rio Jacuí. Lá em baixo, aquele rio, naquele tempo, era uma

pontezinha de madeira muito simples, até era dito pros animais não passarem, porque

aqui era um tipo de fazenda ainda, aí meu tio comprou, naquele tempo os aterros

eram feitos com carro puxado a burro, e esse alargamento ia ser feito do rio Jacuí até o

Monte Belo, até a entrada de Itaquá.

O Dr. Washington Luiz, era secretário de obras públicas, naquela época, que

depois foi presidente do Brasil, governador de São Paulo, naquele tempo ele começou

a querer limpar o Tietê pra fazer uma via pluvial até São Miguel, porque naquele

tempo as estradas eram muito precárias e começou a limpar o Tietê até a Fazendinha,

o Parque São Jorge, onde é o campo do Corinthians, até ali conseguiram limpar, mas

depois deu uma enchente que estragou todo o trabalho e o trabalho foi parado, depois

ele continuou aqui fazendo essa estrada, alargando essa estrada até o Monte Belo, foi

aonde puseram o marco histórico dele, que foi doada pelos moradores, isso daí é uma

história e o que está escrito lá faz parte da história, não só de São Miguel, mas de São

Paulo.

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Então, meu tio comprou um carrinho velho, porque tinha partes aqui que eram

tudo brejo, igual essa parte aqui, Jardim São Vicente, isso aqui era um brejão onde

você quando chovia não podia passar, atolava. Então, aqui a estrada precisava de

pedra, não só pedra, mas pedras maiores pra fazer a base, pra depois fazer a cobertura

de terra firme, porque não existia asfalto, era tudo na terra mesmo. A pedreira mais

perto que tinha, que era justamente da família do Vicente Matheus, que foi muitos

anos presidente do Corinthians, ele que era dono das pedreiras lá, ele, a família, e meu

tio comprou esse caminhãozinho e ia comprar pedra lá pra aterrar aqui, que era

brejão.

E aí tinham as carrocinhas com burrinho que vinha trazendo a terra, eram umas

caçambinhas pequenas, carregavam pouca terra, não tinha mais do que esse

comprimento as caçambas, essa largura também, e cada uma era um burrinho que

puxava, e ela era basculante, o cara destravava e então, os burrinhos eram assim, tinha

vinte, trinta carrocinhas, e na frente ia a tal madrinha, que ia com um sininho no

pescoço, então, de manha cedo, o carroceiro, o dono da tropa, atrelava os burrinhos e

levava até onde tinha escavação, que estavam escavando terra, pra levar pra aterrar a

estrada, então eles procuravam na beira desses morros aqui, aonde a terra era muito

misturada com pedregulho, ali fazia o desaterro e enchia as caçambinhas e levava pra

estrada.

Então, o que fazia o dono das carroças? Ele levava a madrinha, o ponto que

tinha que ser aterrado, ele levava todas as carrocinhas lá, pegava a madrinha e levava

até onde os homens estavam desaterrando pra por na caçamba, então ele fazia o

primeiro trajeto junto com a madrinha, quando chegava lá, que ele descarregava a

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carrocinha, ele batia com um pau na caçambinha e a madrinha saía e ia embora

sozinha, aí eles faziam o trabalho o dia inteiro sem ninguém tomar conta,a madrinha ia

e os outros iam tudo atrás, descarregava lá, dava uma paulada na caçambinha e eles

voltavam pra carregar. Era assim naquele tempo, quase não tinha caminhão nem

automóvel em São Paulo... quase não tinha não, quem tinha automóvel naquele

tempo em São Paulo era Seu Fulano de Tal, deputado, governador, eles tinham, ou

donos de fazenda, eles tinham, tinham dinheiro! Mas podia contar quantos carros

você via na rua.

LARGO DA IGREJA

Eu era moleque naquele tempo, morava do lado da igreja e ali no largo da

igreja era tudo abandonado, nem padre tinha em São Miguel, e a nossa diversão

naquele tempo, da molecada, era jogar futebol ali no largo da igreja, ali era nosso

campinho de pelada, você podia ficar durante o dia e via um ou dois carros passarem

nessa estrada, tinha dia que não passava nenhum carro, pra você ter idéia de quantos

carros iam pro Rio de Janeiro ou pra outros lugares daqui do Vale do Paraíba, tinha dia

que nem carro passava aí.

TRANSPORTE

Tinha um ônibus que ia pro Rio de Janeiro, ele passava aqui a cada dois dias, e

pra chegar no Rio de Janeiro levava mais de um dia. O trem que saía daqui, no tempo

da Maria Fumaça, saía da estação do Brás, que era o inicial, pra chegar no Rio, se ele

saía de tarde daqui, ele chegava no outro dia cedo no Rio de Janeiro, e esse saísse de

manhã chegava à tarde. Levava um dia de trem pra chegar no Rio de Janeiro.

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Quando inauguraram a linha Bairro dos Pimentas, e eu morava naquele tempo

na Vila Nitroquímica e aí eu tinha que trabalhar em Santana, e o ônibus saía de lá de

cima, do bairro dos Pimentas, quatro e meia passava na frente da Nitro, tinha que

pegar ele, porque senão, eu entrava sete horas da manhã no serviço, e se eu não pegar

esse ônibus a quatro meia, não conseguia chegar sete horas em Santana, aí tinha que

pegar esse ônibus achei que comecei a ficar cansado, quatro e meia chegava as sete,

trabalhava até as seis horas da tarde, aí vinha até a estação do Brás, pegava um bonde

em Santana que ia até a Igreja Santa Ifigênia, atravessava a pé o viaduto Santa Ifigênia,

pegava um bonde na Praça da Sé, o bonde Penha fazia a volta na Praça da Sé, descia

no Brás e pegava o trem pra vir pra casa, chegava em casa nove horas, nove e pouco,

quando a Maria Fumaça não quebrava no caminho, tinha vez que quebrava ali por

Ermelino Matarazzo, Engenheiro Goulart, Penha, e a gente vinha andando pelo trilho,

até chegar em São Miguel, e era comum quebrar. Ia fazer o quê? Naquele tempo!

Quase não tinha transporte. O mais acessível era a Maria fumaça mesmo. Quando ela

andava bem, era melhor do que tomar um ônibus pra vir pra São Miguel, ele demorava

muito mais, porque se ela andasse bem, você chegava cedo. Só que quando ela

quebrava, aí você chegava meia noite em casa, porque tinha que terminar a pé o

percurso, não tinha onde você ir tomar ônibus, porque era longe da estrada, e não

tinha condução também, o último ônibus que saia da Penha, era o Penha — São

Miguel, e tinha o Bairro dos Pimentas, o último era dez horas da noite, o trem

também, se você perdesse o trem das dez você tinha que dormir no banco da estação

ou procurar algum lugar, porque não tinha outra condução pra vir embora. Não era

fácil não!

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Quando fizeram o metrô de São Paulo, tinha um projeto que o metrô de São

Paulo era pra passar por aqui, não era pra ir até Itaquera, era pra passar por aqui, só

que teve alguém, que eu não vou falar agora, porque às vezes a gente vai falar uma

coisa e depois se mete num negócio que não devia e eu como macaco velho não vou

meter a mão em cumbuca, mas o metrô não veio a São Miguel por causa de umas de

umas pessoas daqui, na época, que não sei porque, por baixo dos panos, o metrô não

veio pra cá, mas alguém levou vantagem nisso, não vou falar porque não quero me

complicar depois de 76 anos de vida, não quero ficar com problemas com a justiça e

gastando com advogado.

ESCOLA – GRUPO ESCOLAR

A minha infância quase toda ali no largo da igreja. Naquele tempo tinha um

senhor ali, onde é o negócio lá, o posto de saúde do Estado, parece que é negócio da

terceira idade também, ali era um casarão antigo, assobradado, de um senhor, até que

tinha um pouco de dinheiro em São Miguel, chamava-se Melo, e esse senhor cedia

duas salas do casarão dele pra ser grupo escolar nosso.

E tinha na beira da estrada um salão com uma casa comercial na frente, que era

do senhor Lapenna, e como o salão estava sempre fechado, não tinha comércio, ele

cedeu pro grupo escolar também, então, no salão do Senhor Lapenna faziam primeiro

e segundo ano, de manhã eram os meninos e à tarde as meninas, primeiro e segundo

ano, terceiro e quarto ano eram nesse casarão, que o senhor Melo tinha cedido duas

salas também, então, ali faziam terceiro e quarto ano, só que ali já era mista, porque

eram duas salas só, pra dois períodos, então tinha que misturar era metade menina e

metade menino, terceiro e quarto ano. Depois, em 38, o Sr Lapenna construiu, o grupo

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escolar de hoje é o Carlos Gomes, ali era uma praça grande primeiro, agora está tudo

cheio de prédio construído, o Carlos Gomes, foi inaugurado em 38, o Seu Lapenna

Construiu.

Em São Miguel tinha duas professoras no tempo que estou falando. Quando

Lapenna fez o grupo, fez com oito ou dez salas, e aí a prefeitura mandava professores,

e eles vinham de trem, porque a maioria deles morava tudo pra cidade. Tinha duas ou

três professoras que moravam aqui, uma era a Silvia de Lapenna, casada com o Sr

Lapenna. Tinha uma outra professora, que foi minha professorinha também, que se

chamava Benedita, me lembro bem dela, e a Dona Guiomar também, que foi minha

professora, morava em São Miguel, de família tradicional daqui já, foi minha

professora de primeiro ano, falecida. Dona Silvia Lapenna foi minha professora,

falecida. A Dona Benedita não sei que fim levou, talvez já foi pro outro andar, já estou

com 76, naquele tempo ela já era uma professora madura. Faz idéia, não é!

Então, quando o Sr Lapenna fez o novo grupo, Grupo Escolar Carlos Gomes,

começou como Grupo Escolar São Miguel, depois mudaram, depois, em, ainda hoje

estive lendo aqui, não sei se foi em 63 mais ou menos, 63 sim, que inauguraram o

curso ginasial noturno, de dia era grupo escolar, primário, e a noite era o ginásio,

quem podia entrar no ginásio tinha que estudar a noite, aí o Sr Lapenna devia ter um

contrato com a prefeitura de São Paulo, não é, com o prédio, porque o prédio era dele,

devia ter um contrato. Nesse meio tempo a prefeitura construiu o Carlos Gomes, vocês

sabem onde é, construiu aquele prédio e foi mudado o ginásio pra lá, que até hoje é o

ginásio Carlos Gomes.

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Mas eu não cheguei a estudar lá pois não fiz ginásio, eu fiz Senai. Mas estudei

no grupo escolar, tirei o diploma. Pra entrar no Senai naquele tempo, ou fazer o

colegial, você tinha primeiro que fazer um ano de preparativo, chamava curso de

admissão ao ginásio, não entrava se não fizesse um ano de admissão, era obrigado a

fazer esse curso, depois prestava o exame pra entrar no ginásio ou no Senai, se

tomasse pau tinha que fazer mais um ano, até entrar. Então eu fiz, depois que saí do

grupo escolar, aí fiz um ano de admissão... Sabe onde é o colégio Pop? Ali do lado da

igreja. Ali era o casarão do Coronel Gabí, antigo de São Miguel, o Coronel foi embora

de São Miguel e chegou o professor Camargo, que alugou o casarão e colocou uma

escola de admissão, tinha curso de datilografia também, taquigrafia, hoje não tem

mais aqui. Daquele tempo do telegrafo e essas coisas, não tinha microfone pra você

gravar um discurso, ou uma partida de futebol, então o jornalista era obrigado a saber

taquigrafia, porque cada código que ele escrevia significava uma palavra ou diversas

palavras, então ele tinha agilidade de narrar tudo. Não tinha gravador naquele tempo,

não tinha nem rádio, você podia contar quantos rádios tinha.

E esse professor Camargo pôs todos esses cursos nessa escola, nesse casarão

que estou falando, aí fiz admissão lá e entrei no Senai, porque meu pai não tinha

condições de pagar ginásio pra mim, porque ginásio naquele tempo era pago, em São

Paulo tinha um ou dois ginásios no centro da cidade, do Governo, mas você já sabe

quem entrava nesses gratuitos, não era filhinho de pobre não. Era gratuito, mas não

pra filho de pobre. E meu pai não tinha dinheiro pra fazer ginásio e depois tinha o

científico, que é hoje o colegial, não sei se ainda é colegial.

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Naquele tempo era: ginásio, científico, que hoje é o tal colegial de vocês, depois

que fazia um ano de cursinho pra entrar numa faculdade. Era assim, meu pai não

podia. Como que um mecânico, naquele tempo, com quatro filhos, podia pagar pra

mim um ginásio? Ainda sair de São Miguel e ir em São Paulo fazer um ginásio, porque o

mais perto que tinha era na Penha, nem dentro da Penha era, era na Celso Garcia, na

saída da Penha, e era pago. Então, o Ermírio de Morais, por interesse também da

companhia, que ele precisava de mão de obra especializada, resolveu construir o

Senai, Dr Ermírio de Morais, dono da Nitroquímica, construiu o Senai pros filhos dos

empregados, só pra filho de empregado também, foi quando fiz a admissão e prestei o

concurso e entrei no Senai da Nitro.

JD SÃO VICENTE

Aqui não tinha nada! A única praça que tinha aqui era a da igreja mesmo, a

antiga. Nessa vila que nós estamos (Jd São Vicente) não tinha nada, era pasto de vaca

de leiteiro, tinha meia dúzia de português que criava vaca, e principalmente quando

montaram a Nitro, a maioria das seções eram insalubres, porque só se trabalhava com

produtos químicos e geralmente ácidos, então, esses vaqueiros, todo leite que eles

produziam, a Nitro comprava, de manhã cedo eles metiam os tambores na carroça e

iam pra Nitro entregar o leite, porque a Nitro dava leite pro operário o dia inteiro,

quanto quisessem tomar, tomavam, por causa da intoxicação, então aqui criavam

vaca, e era um atoleiro que você não faz idéia, de vez em quando morria vaca atolada

aí, quando chovia, em tempo de sol não, o terreno fica, mas firme, mas em tempo de

chuva morria vaca atolada, aqui nesse terreno onde nós estamos. Aqui era tudo mato.

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Essa minha casa aqui, tem 50 anos já, antes ninguém queria isso daqui, se um

cara te oferece um terreno de graça, ninguém, aceitava, pra você ver como era ruim,

se oferecesse de graça ninguém aceitava, era um pântano! Olha hoje!

Pra fazerem essas ruas que você está vendo, ficaram abertas umas valetas de

lá e cima até lá em baixo na beira do rio, eles tiveram que fazer valetas de mais de um

metro de profundidade que ficaram abertas aí antes de vender os lotes por mais de

dois anos, pra escoar a água do terreno, pra você ter uma idéia do que era isso, era um

pantanal. Quem foi à culpada de fazer essa vila aumentar, e que essa cidade aí atrás, e

que São Miguel não era nada, era tudo campo. Vai hoje lá!

CURUÇA

A Curuçá era uma fazenda, tinha uma porteira ali na entrada, tinha uma

porteira lá no Barateiro, e tinha outra lá em cima, eram três porteiras, você, pra entrar,

a passagem, porque a estrada passava por dentro da fazenda, quando ia passar carro

era aquele negócio do menino da porteira, tinha moleque que ficava ali pra ganhar

uma moedinha, quando não tinha o cara tinha que descer do caminhão, do carro ou da

carroça. Pra abrir, passava, fechava a porteira e tinha passagem livre, aqui a mesma

coisa, era uma fazenda de uma família tradicional de São Paulo, Arara Campos, eles

vinham passar fim de semana, a casa da fazenda é onde é o Chico Mendes, tinham a

casa grande, tinha piscina, tinha cavalos, que vinham passear. A única estrada para

chegar na Curuçá era essa, ou então aquela outra, que hoje chamam de avenida

Nordestina, era a estrada do Lageado, que ia até Guaianazes. Então, tinha aquele

estrada, tinha a de Itaquera, que sobe, que é a Pires do Rio, só tinha essas.

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Essa Curuçá eu ajudei a inaugurar, que a minha família, quando meu pai

comprou o terreno na Curuçá e construiu, só tinha uma rua ali com uma meia dúzia de

casas, o resto era tudo campo, não tinha nada, a casa do meu pai e do meu tio acho

que foi décima segunda casa da Curuçá, não tinha nada, tinha a casa da fazenda que

eu falei.

VILA AMERICANA E VILA NITRO OPERARIA

Então a Nitro estava construindo a fábrica e essas duas vilas a Vila Americana e

Vila Nitroperaria, quando começou a montagem do maquinário, que começou a vir

engenheiro, pessoal especializado, tudo, esses doutores ficaram na Vila Americana, ali

já tinha, a Nitro pôs água encanada, luz elétrica, que ia da fábrica pra vila, lá em baixo

também puseram água encanada e luz elétrica, também fornecida pela fábrica, tanto a

água como a luz, porque a Nitro tinha tratamento de água e já fornecia pras vilas, e a

luz também, como não tinha luz elétrica em São Miguel, colocaram posterzinhos de

madeira e forneciam a luz, foram as duas primeiras vilas que tiveram luz elétrica e

água encanada em São Miguel. Isso foi na inauguração da Nitro, na construção, que

eles construíram tudo junto, e a Nitro mesmo foi inaugurada em 1940, mas em 37 já

tinha algumas seções funcionando.

RUAS

Tinha a avenida Imperador, mas era uma ruazinha sem vergonha. Porque dizem

que Dom Pedro pegava ela, não só ele, como aqueles caras que vinham do Rio de

Janeiro, que também era a estrada de Mogi, que ia pra Mogi das Cruzes também, que

passava lá por cima. Muitas vezes o nosso imperador, o Dom Pedro II, vinha por essa

estrada e parava em São Miguel.

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Então, a rua Beraldo Marcondes, ela começa ali e termina no largo da igreja,

esse Beraldo Marcondes era o grandão de São Miguel, na época, por isso o nome dele

está ali, ele tinha terreno desde ali do largo da igreja até aqui em cima na delegacia de

São Miguel, era tudo dele, no largo da igreja, do outro lado não é uma loja de

automóveis? Ali era a casa do Beraldo Marcondes, era casarão, e atrás tinha uma

hospedaria, hoje se fala hotel,mas naquele tempo era hospedaria. Ali os fulanos que

vinham do Vale do Paraíba ou de outro lugar, pousavam na hospedaria dele. Na lateral

de casa, de ponta a ponta, era um caramanchão onde a turma guardava a carruagem,

a charrete, e atrás, onde é o conservatório musical, era tudo dele, era tudo fechado,

até no cemitério antigo, onde tem um ginásio hoje, até ali era tudo dele, era tudo

pastagem, ali o cara chagava, tinha os empregados que pegavam os animais e levavam

pro pasto, davam água, ficava solto ali, até ir embora.

Então Dom Pedro quando passava dormia ali, pra por roupa limpa, tirara a

poeira da estrada, alimentar os cavalos, e no dia seguinte pegava a estrada pra São

Paulo, acontecia muito, saía dali, pegava a estrada do imperador outra vez, que saía na

Penha, e ia embora, esse era o trajeto, por isso até hoje se chama Estrada do

Imperador.

Eram as estradas que tinha, tinha a estrada que ia pra Penha, que hoje é a

Avenida São Miguel, tinha essa que vinha do Rio de Janeiro, que depois pegava a

Imperador, se pegava em Itaquera, vinha no centro de São Miguel, quando pegava a

Imperador ia pra Penha, e tinha a estrada de Itaquera e a Guainazes aqui, hoje é a

Nordestina. Eram essas estradas. Rua tinha uma porção, mas ruazinhas, assim, de

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carroça, pa não tinha carro, as estradas eram tudo de carroça. E quando chovia que

encha de buraco e nem as carroças passavam.

Aquela rua e a outra, onde dá de frente pro Dom Pedro, aquelas ruas vão até lá

em cima e terminam na Nordestina, essas duas ruas foram abertas pela Nitro, porque

a Nitro, quando começou construir, começou a construir duas vilas, então, aquelas

duas ruas ali era a Vila Americana, e começou a construir a Vila Nitroquímica lá em

baixo, que era pros operários especializados, a Americana era pra chefia, pros norte-

americanos que vieram pra ensinar os brasileiros, aquela rua inteira era tudo casa,

moradia de engenheiro, chefão de escritório, americanos que vieram ensinar, só pra

essa gente. Lá em baixo parece que eram cincos ruas, a avenida Nitroquímica,

Votorantin, rua Tietê, rua Pongai, e a última era também avenida Votorantin, tinha seis

ruas e uma no meio, tinha umas 200 casas pros operários. Já morei lá em baixo

também.

CHEGADA DA LUZ

A luz elétrica veio pra cá em 39, me recordo que morava no largo da igreja.

Onde teve primeiro luz elétrica em São Miguel ali na rua da delegacia, antes da rua da

delegacia tem outra rua Gamberini, que é rua onde tem o banco Itaú.

CLUBE DA NITRO

Sempre freqüentei o Clube da Nitro, desde quando era moleque, eu e minha

galera, tinha aquela molecada, aquele grupinho, já naquele tempo a gente fugia da

mãe e ia pro Tietê nadar.

Comecei a freqüentar o clube quando entrei no Senai. A piscina naquele tempo

era um cocho de madeira, bem grande, tinha uns 20 metros por uns 10 de largura,

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dentro do Tietê, amarrado co um cabo de aço, em cima de tambores, era tudo

tambores em volta e o cocho se escorando neles, era um cocho mesmo, de madeira,

com uma profundidade que dava até aqui, mais ou menos. Essa era a piscina do clube,

naquele tempo, dentro do Tietê. Quem não gostava de nadar no cocho, que era muito

raso, nadava no rio.

No clube tinha muito barco pros associados, você chegava com a carteirinha e

dava pros caras que tomavam conta, você podia pegar um barco e passear no rio. Só

entrava no clube com carteirinha, a mensalidade era descontada do pagamento, era

associado na marra, todo operário recebia o desconto do clube, eu freqüentei até

quando me casei, com 24 anos, comecei a freqüentar com 14 anos.

Tinha aula de educação física duas vezes por semana, das sete às onze horas, lá

no clube da Nitro, tinha professor, tinha técnico em ginástica, atletismo, essas coisas,

que era empregado da Nitro. O dia que a gente pegava esse professor de mau humor,

ele fazia a gente cair no Tietê e dar a volta no clube, o rio dava a volta, de um alado era

o ancoradouro dos barcos e do outro a piscina,e quando ele se invocava com um cara

que tava bagunçando ele fazia isso também, tinha gente que levava tempo, porque

não sabia nadar direito, mas era muito bom.

Comecei a fazer esporte, gostava de atletismo, competia natação. Quando me

casei larguei. Só nunca fui pra futebol, brincava com a turma, mas pra jogar mesmo..E

gosto de futebol, corintiano desde aquele tempo, sofredor.

RIO TIETE

O Rio Tiete era limpo, a gente bebia a água dele. Nadava no Tietê, ou descia pro

Jacuí. Esse riozinho aqui fazia uma curva ali e descia em linha reta pra fábrica, lá, ali

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formava um poção, que era uma piscina pra gente, ali na frente da Nitro Operária,

então a gente tinha três lugares pra nadar, fora o clube da Nitro.

Quem matou o Tietê? A Nitroquímica! Ta gravando? Não tem importância, eles

mataram o Tietê. Eu vi o Tietê no dia da primeira descarga da Nitro, ficou qualhado de

peixe, você não enxergava a água, enxergava peixe. Todo mês de setembro a gente

corria na margem do Tietê pra quê? Pra ver a Piracema. Você sabe o que é? Piracema é

a desova dos peixes, e quando ele vai desovar, ele vai à nascente do rio, sovem o rio e

vão desovar na nascente.

Era um espetáculo todo ano no mês de setembro. Quantos peixes não pulavam

pra fora e você pegava com a mão, de tanto peixe que subia pelo rio. E as aves que

gostam de peixe: como tinha aqui! A piracema trazia muita ave que se alimenta com

peixe. São Miguel era isso daí. Agora, depois da Nitroquímica morreram os peixes! Até

na Penha o rio morreu. Naquele tempo tinha o [...], que tem até hoje, que é clube de

regatas, o sistema de piscina também era mo mesmo daqui, tinha o Tietê lá na Ponte

das Bandeiras, também com piscina dentro do rio, enfrente do Tietê, do outro lado,

era o Floresta. Os dois clubes mais antigos de São Paulo, aqueles dois, e tinham piscina

dentro do Tietê e barco pros associados passearem, e a turma nadava, eu cansei de

beber água desse Tietê, bebia de sede e bebia nadando mesmo.

COMERCIO

Naquele tempo você podia contar quantas casas comerciais tinha em São

Miguel, e só tinha na praça do largo da igreja, tinha fotógrafo, cartório, açougue,

armazém, que naquele tempo era armazém de secos e molhados, que vendia de tudo,

tudo era no largo da igreja, era o centro do comércio. Quem trouxe a mudança? Foi a

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Nitro que trouxe, depois começou a vir outras fabriquinhas, aumentou o comércio,

que não existia.

Com a vinda Nitro começou outras ruas a serem construídas, porque ali

começou a construção de casas, era tudo vazio, tinha uma aqui, um sitiozinho aqui,

outro lá. A rua da estação ficou totalmente construída, por causa do trem e da Nitro,

foi primeira rua a ficar totalmente pronta, ali era o foco. Muita gente vinha trabalhar

no Nitro de trem, então ali ficou uma rua de comércio, naquele tempo, aí comércio do

largo da igreja começou, hoje não tem mais comércio ali. Começou a se espalhar por

São Miguel.

A segunda rua mais comercial é aquela que vai pra vila industrial, começa ali no

centro, esqueci o nome da rua. Ali tinha um cinema, ficou mais comercial ainda e com

muitos bares. O nordestino que veio pra São Miguel adorava um bar, adorava, jogar

sinuca. Construíram um cinema, já ficou uma diversão a mais, tinha um clube que não

existia, e o largo da igreja foi morrendo, porque o comércio foi se espalhando.

TERRITÓRIO

No tempo em que o metrô devia passar por aqui, o metro tinha que passar aqui

e o projeto era esse, porque tinha a maior população do final da zona leste, não tinha

Vila Matilde, Vila esperança, Artur Alvim, Itaquera, nada que tivesse maior população

que São Miguel, então era tudo poeira, Itaim não existia, era mato de São Miguel, a

turma queria caçar passarinho, tatu, ia no Itaim, pertencia São Miguel, isso que eu ia te

falar, eu ia pegar o mapa pra te mostrar o que eles ficaram tirando de São Miguel, São

Miguel é dono de tudo isso aqui, essa redondeza toda. Vamos dizer, 100% era São

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Miguel, suponhamos, de toda essa zona que você vê, porque São Miguel fazia divisa

até com Mauá, se é que você quer saber, era tudo São Miguel.

Hoje, vamos tirar de 100%, a porcentagem territorial de São Miguel é 20%, Itaim era

fazenda de São Miguel, pega um mapa e olha qual é maior hoje, São Miguel ou Itaim,

olha no mapa. Por quê? Por causa esses políticos corruptos que teve em São Miguel, e

os políticos corruptos que só vêm em pra pedir voto e que depois quatro anos

desaparecem e ninguém sabe quem é ele não sabe nem pegar um ônibus pra vir, nem

pegar uma estrada pra vir de carro, eles não sabem mais onde fica São Miguel, só

sabem na hora de pedir voto.

COTIDIANO ONTEM E HOJE

Agora vou falar porque eu acho que antigamente era melhor, não em São

Miguel só, pode ser praticamente em toda São Paulo, na minha época, em São Miguel

em especial porque eu estava mais aqui do que em outra parte. Na parte do respeito

entre as pessoas, naquela época era demais, se eu visse um velho, igual hoje eu, eu

respeitava muito, todos respeitavam, se falasse uma bobagem, um palavrão,

desrespeitasse um velho, a turma caia matando em cima de você na rua. Mesmo entre

a mocidade o respeito era muito grande, quase não via briga, não tinha briga, às vezes

se desentendia numa discussão, mas no outro dia já estava todo mundo bem, não

tinha inimizade, tinha muito respeito.

Na escola então nem se fala! Se a professora falasse que tava bagunçando e

que ia pra diretoria, o menino mijava nas calças de medo do diretor. O meu maior

medo na escola era trazer o boletim no fim do mês pro meu pai, e tinha que trazer o

boletim, com comportamento e aplicação, eu ficava com medo de dar pro meu pai,

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por isso eu falo que naquele tempo era melhor pa os meninos e as meninas, as

meninas sempre foram comportadas, eu lembro que minha irmã tirava cem de

comportamento, nunca tirei cem de comportamento e ele todo mês tirava, meu pai

ficava bravo comigo, eu nunca tirei cem de comportamento, cheguei a oitenta. Tinha

aquelas briguinhas de frente de escola, trocar soco, largar a mala, tirar a camisa, mas

no outro dia já estava tudo de bem. Na juventude foi à mesma coisa. Naquele tempo,

hoje vejo, o menino tem medo de ir na outra rua porque lá a gang é outra. Mas que

gang! Naquele tempo não, eu andava, eu gostava muito de dançar, sempre tinha

algum baile e todo mundo andava, e não tinha luz elétrica na rua, sem medo de

ninguém , ninguém tinha medo de ninguém, ninguém ouvia falar: “ah, o cara foi

assaltado”, naquele tempo se falasse pra uma família que o filho roubou ou que é

ladrão,a família sumia do seu bairro de vergonha, hoje o cara bate no peito e diz que

ladrão é profissão. Isso acho ruim hoje. Eu tenho medo de sair da minha casa nove

horas da noite e ir até o fim da minha rua, também tenho medo. Naquele tempo vinha

dançar num clube em São Miguel, sem luz elétrica, nem rua, era pelos caminhozinhos,

vinha de madrugada, os bailes terminavam ás quatro, eu vinha embora a pé pra casa,

não tinha condução, nem estrada e nunca aconteceu nada comigo ou com meus

amigos, agora, hoje tenho medo, não sei o que pode acontecer. Essa parte estou

achando muito ruim. Mas sabe quem é culpado disso? O Governo, que não dá

educação, não dá assistência pra juventude, não dá assistência médica, não dá mais

nada. Se o sujeito fica doente hoje e procurar um hospital público ou um posto de

saúde, morre, só não morre se tiver um convênio, se for pobre, ganhar salário mínimo,

ta ferrado, vai e não volta, quando consegue entrar. Vai fazer uma consulta, médico só

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daqui dois meses, daqui seis meses, operação só pro ano que vem. Culpado disso é o

Governo. No meu tempo a mãe não via a hora do filho fazer 14 anos pra tirar a carteira

de trabalho dele pra ele ir trabalhar. Hoje vejo uns molecão de 20 anos na minha

porta, subindo em cima da minha casa, quebrando minhas telhas pra pegar pipa,

agora, eu que saia lá fora e fale alguma coisa pra eles. Sabe com quantos anos larguei

de soltar pipa e jogar bola na rua? Com dez anos. Hoje tem cara de 20 na rua soltando

pipa, brigando com a molecada mais nova. Isso que acho que no meu tempo era

melhor que hoje.

E por causa disso a molecada ficou mal criada, naquele tempo à gente

respeitava as pessoas de mais idade. Você quer fazer um teste comigo, vou ali na rua

repreender o moleque que está trepado no muro ali e você vai ver o que ele me fala!

O que ele me fala! No meu tempo, eu que trepasse no muro do vizinho! O vizinho

falava pra minha mãe e ela não pensava duas vezes pra me dar uma chinelada. Hoje

falo pra todo mundo que a Dona Angelina me bateu pouco, queria que ela tivesse me

batido mais. Com o pensamento e a vivência que tenho hoje, a Dona Angelina devia

ter me batido mais. Diz que pancada não resolve, resolve sim, viu nega, tem hora que

resolve, tem hora que se não der uma pancada, com palavra não adianta. Eu também

nunca bati nas minhas filhas, eu só olhava feio, eu já sou feio e quando olho feio fico

mais ainda, elas já sabiam que o negócio não estava bom, já mudava de rumo, não

precisei bater nas minhas filhas, foram estudiosas, se formaram, têm a vida delas, não

sei se errei ou não, mas numa coisa fui meio duro, tinham que estudar, o que eu tinha

passado eu queria que elas estudassem pra não passar. Porque meu pai não pode me

dar estudo, mas no tempo delas eu podia, então eu obrigava mesmo a estudar.

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BAIRRO ATUAL

Se a gente for falar do desenvolvimento de São Miguel pro lado da indústria, da

criação de emprego, pro povo não precisar sair daqui pra ir trabalhar em outro

município, em outro bairro, nesse ponto São Miguel não cresceu não. Cresceu a

Nitroquímica. Por isso eu falo que quem trouxe progresso pra São Miguel foi a Nitro,

mas parou nisso.

O que você vê de fábrica em São Miguel? Nada! Não sei se tem uma

fabriquinha aqui de dois, três empregados, uma oficina de costura, uma sapataria, sei

lá, mas uma coisa mais efetiva pra que o bairro explodisse mais e que continuasse,

porque a Nitro pra mim acabou, não é à sombra da Nitro de antigamente, que o resto

ta caindo aos pedaços lá, nessa parte não cresceu.

É por isso que falo, na parte que devia ser mais evoluída, São Miguel parou. A

onda deviam ter feito naquela época, onde deviam ter, o Estado, desativado,

desativado não digo, me expressei mal. Um parque industrial favorecendo pra que

algumas industrias comprasse seu terreno ali pra construir sua fábrica, facilitando

imposto, essa coisa toda, pra trazer mais emprego pro bairro, o bairro seria melhor, só

que não houve isso e São Miguel ficou na base da Nitro, quer dizer, quando a Nitro

resolveu desativar a maior parte dos produtos, que eles viram que não davam mais

lucros e que tinha concorrência grande e que eles podiam investir em outras coisas,

eles começaram a sair daqui e São Miguel deu uma estancada.

Tem um grande comércio porque a população de outras vilas e comarcas

vizinhas, como aqui tem o maior centro comercial, vêm todos comprara aqui, é um

impulso grande no comércio de São Miguel. Os maiores comerciantes de São Miguel

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não vêm aqui beneficiar o bairro não, não se importa que São Miguel está abandonado

pelos políticos, à política de São Paulo não emprega melhores condições aqui, eles

estão ligando para o que eles vêm aqui e faturam, ligam pra faturar, mas não pra

colaborar como crescimento do bairro não. Essa casa grande do comércio está aí pra

ganhar dinheiro, não é pra beneficiar o bairro. Nessa parte empregatícia em São

Miguel ficou muito a desejar, porque conforme a Nitro foi diminuindo a produtividade

dela, São Miguel deu uma estancada.

NITRO

FUNCIONÁRIOS

Muitas pessoas especializadas que foram morara na Vila Nitroquímica, a maior

parte veio tudo de Votorantin, aonde o Ermírio de Morais já tinha a fábrica Votorantin,

que era uma tecelagem, como lá já tinha muita gente especializada em máquinas

industriais e mecânicas, ele trouxe tudo pra cá, porque aqui não tinha. Quando

começou a funcionar mesmo tudo, não tinha mão-de-obra, nem especializada nem

sem, aí começou aquela discriminação, houve muitas explosões aí, no começo, muita

gente morreu, se queimou, e os paulistas começaram a fugir, não queriam trabalhar aí,

principalmente em seção perigosa, e o Ermírio começou a trazer nordestino, chegava

pau-de-arara todo dia aqui e era descarregado tudo na Nitro. Lá em baixo tinha

entrada pro Clube de Regatas Nitroquímica. Lá em baixo, quando começava a descer

pro clube, do lado direito eles fizeram uma vila tudo de casa de madeira, barracão, e

os nordestinos, que chegavam de pau-de-arara, era tudo descarregado lá. No outro dia

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ia tudo pra frente da Nitro fazer matrícula. A maioria era tudo aqui, sem lenço, sem

documento, documento era feito ali na portaria.

NITRO E SÃO MIGUEL

Sem a Nitro, São Miguel não seria desse tamanho, quer dizer, desse tamanho

não é mais porque São Miguel porque os políticos só sabem tirar território de São

Miguel. A Nitro foi boa pra São Miguel, porque trouxe progresso. Quem trouxe

progresso pra São Miguel? Em 32 a estrada de ferro, a Central do Brasil, depois da

estrada de ferro quem trouxe progresso foi a Nitro, que quando começou a funcionar,

em 37 ela já tinha mais de 800 empregados, quando começou a construção, quando

começou a funcionar mesmo, já no primeiro, segundo ano, parece que já tinha mais de

2.000, chegou um tempo que tinha 12.000 empregados.

Agora multiplica 12.000 empregados pelo número da família, quantas pessoas

ele trouxe pra São Miguel! Foi um bum, assim, que São Miguel não tinha rua, não tinha

nada, e era desordenada, depois, com o tempo, que foram alinhando ruas, derrubando

casas, porque era tudo desordenado. E o individuo vinha pra cá coma intenção de

quê? Comprar um terreninho, construir uma casinha. Sem a Nitro aqui não tem nada,

vai ali na vila operária, vê as casinhas antigas que tem ali, mesmo aqui onde a gente

está.

SENAI

No Senai da Nitro fiz a especialidade de ajustador mecânico, depois fiz outros

cursos, me especializei em ferramentaria, que naquele tempo estava começando a

indústria metalúrgica em São Paulo e precisava de ferramenteiro e eu fiz um curso pra

especialidade de ferramenteiro.

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A maior quantidade de aluno que ele pegava era mesmo pra ajustador

mecânico, também tinha curso de torneiro mecânico e tinha curso de plainador

mecânico, mas é o seguinte, pra torneiro, no Senai aqui, só tinha três tornos, e só tinha

uma plaina, e a gente fazia oito horas por dia de Senai, também, ele pagava pra você, a

gente era registrado, naquele tempo existia carteira de maior e de menor, com 14

anos tirava a carteira de menor, com 18 tinha que trocara a carteira, porque o salário

de menor era um e o de maior era outro, e o Senai pagava o salário de menor pra

todos os alunos, então a gente aprendia oito horas por dia, quatro horas na parte da

manhã era teoria, depois a gente saía, 11 horas, almoçava, voltava meio dia e ficava

até cinco horas da tarde, aí era oficina.

Como eram três tornos, cada ano só se formava três torneiros. Tinha um

plainador, só formava um plainador a cada três anos. E ajustador formava mais,

porque ajustador era mais simples, não usava máquina, a máquina era a furadeira,

mas nem todos iam na mesma hora na máquina, por isso se formava mais ajustador e

menos torneiros, porque não iam por 50 tornos lá, pra formar 50 torneiros, ela punha

de acordo com o que ela necessitava depois. E foi assim a minha vida de aprendiz.

Trabalhei 40 nos na profissão e depois me aposentei.

Frases:

“A vergonha já vem do tempo de Dom Pedro quando deu o grito, não deu o

grito coisa nenhuma, aquilo foi tudo palhaçada, ele não gritou nada, não tirou espada

nenhuma, ele não libertou o Brasil, porque pra eles libertarem, o Brasil teve que pagar

que a dívida deles, de Portugal, nós pagamos a dívida deles, Portugal era um país

falido, não tinha nada, basta dizer que a segunda renda de Portugal era a venda

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escravo negro, a primeira era a pesca, e a gente era subjugado a eles, quando

resolveram nos libertar, que eles já tinham roubado tudo que tinha aqui dentro, ouro já

tinha acabado, pedra preciosa já tinha acabado, madeira de lei já tinha acabado,

Portugal roubou tudo! Quando foi pra libertar, o que eles fizeram? Nós damos a carta

de libertação de vocês, vocês têm que pagar toda a dívida nossa. E nós pagamos, os

navio que saiam daqui, não pensa que iam pra Portugal, direto pra Holanda, pra

Espanha, pra pagar a dívida que Portugal tinha com eles, pra pagar nossa liberdade.

Que grito é esse que Dom Pedro deu? Que grito de independência foi esse? Essa

roubalheira vem daquele tempo. Por isso que o Brasil só anda arrastado por outros

países. Não pensa que nosso progresso somos nós mesmo que construímos não, fomos

sempre arrastados por outros países”

“Mas eu não falei nada de mais dos políticos. Eles são mesmo, são vagabundos,

corruptos, estamos nessa miséria por causa deles, o que não é de hoje, isso é

hereditário. No meu tempo já era assim.

Isso vem de pai pra filho, e eu voto agora porque eu quero, porque sou

brasileiro e enquanto eu puder andar, reclamar e xingar, se posso fazer tudo isso, posso

votar também, escolher o cara que não presta e não dar o voto pra ele. Pode deixar

gravado o que eu falei. Agora estou lendo sobre esse individuo aqui, fez a praça de São

Miguel, que é a Praça de Padre Aleixo, homenagem a esse presidente, Campos Sales,

foi presidente do Brasil quando terminou a monarquia.”

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JOSÉ CECILHO IRMÃO

Morador do bairro trabalhou e se aposentou na Companhia Nitroquímica.

O depoimento foi realizada durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro, em 10/08/2006, pela

jovem Talita, no Sindicato dos Químicos de São Miguel Paulista em 2006.

NITRO

SÃO MIGUEL E NITRO

São Miguel se desenvolveu através da Nitroquímica. São Miguel aqui é um

bairro muito pequeno, através da Nitroquímica esse bairro foi crescendo, crescendo, e

o comércio foi acompanhando o desenvolvimento, através da Nitroquímica. São

Miguel deve tudo à Nitro, você pode perguntar a qualquer morador de São Miguel,

que vai falar isso.

SENAI

Na Nitro havia o SENAI que para os filhos dos trabalhadores da Nitro, foi

fundamental, como trabalhava muita gente na nitroquímica, então para pegar uma

vaga era difícil, tinha muito campo para isso. Hoje não existe mais mecânico geral,

prensista, nada disso tem mais. Não estou muito ciente do que estou falando aqui,

mas operador mecânico hoje não tem mais.

CLUBE DA NITRO

Cheguei a freqüentar o clube da Nitro muito tempo, eu era sócio. Naquele

tempo tinha o clube e a gente procurava levar os filhos no brinquedo, na piscina. Então

para o sócio, para o trabalhador ali era fundamental. Hoje em São Miguel não tem

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nada, já pensou se abrisse novamente em São Miguel? Esta fechada à piscina entupida,

aquele negócio todo. Mas se houvesse uma pressão muito grande para abrir aquilo ali,

só com o poder público.

BERÇÁRIO

A trabalhadora deixava o filho no berçário da Nitro e ia trabalhar, a Nitro,

nesse ponto, era muito boa. Mas, foi se retirando determinadas coisas, mas a

Nitroquímica ajudou muito seus funcionários. A Nitroquímica dava muita madeira,

muita tábua velha, que eles davam pros funcionários, que punham de grade, que

naquele tempo eram de varinha, de pau.

CARREIRA

A Nitro dava espaço para quem quisesse seguir, ser engenheiro químico, tem

gente que trabalhou aqui 36 anos e se aposentou como servente, mas tinha espaço, o

cara não arrumava se não quisesse. Como na minha área muito de aprender profissão,

então o camarada ia pro Senai e arrumava profissão. Agora, no meu setor, quando

entrei, tinha contra-mestre, encarregado, encarregado geral, sub-chefe e chefe, e um

químico, tudo gente que saiu do chão da fábrica.

RELAÇÕES INTERNAS

Se você entrasse no meu setor hoje, já ia ter um apelido, eu não sei por que,

mas nunca pegou um apelido em mim, mas as fofoquinhas não acabar nunca. Hoje

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pode ser menos, porque o camarada é muito ocupado, naquele tempo, como

trabalhava muita gente o pessoal tinha campo para fazer.

Hoje estou dirigindo a associação dos aposentados e a gente tem a maior

dificuldade. Por quê? Hoje pro camarada entrar e ficar até aposentar é difícil! Naquele

tempo, estou falando em épocas passadas, não se mandava ninguém embora, mandar

embora não mandava não. Da década de 70 pra cá o mundo foi mudando e a Nitro

também mudou, não ia deixar de mudar e hoje mudou muito. Mas era aquele negócio:

“eu sou o chefe daqui, eu que mando e acabou”, era: “eu que mando!”. Foi mudando,

mudando, até que não tinha espaço pra esse pessoal, tiveram que fazer curso e mais

cursos e ir se adaptando às normas do mundo, porque se está mudando lá fora, aqui

tem que mudar também. Mas quem trabalhava três, quatro anos e arrumava um

serviço melhor.

APITO

Havia um apito na Nitro que apitava, acho que 6:45, 7:00, 11:00 e 21:30, mas o

fundamental era as 11:00 e 21:30. Na passagem de ano, saímos pra fora pra escutar o

apito meia noite. Havia turmas da 17:30 as 01:30, da 01:30 as 21:30 e da 21:30 as

05:30. O apito das 11 horas era o apito do almoço, se quisesse levar o almoço, ali

servia, veja a diferença eram quatro tipos de refeição: tinha refeição para serviço

braçal, tinha para mensalista, tinha para engenheiro de divisão e pro diretores da

fábrica. Hoje come todo mundo junto!

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O apito não quer dizer questão de alimentação, tocava onze horas porque a

maioria do pessoal saía onze horas, quem trabalhava três períodos, como é o meu caso

que trabalhei três horários, se estivesse de manhã, o almoço era dez horas, se

estivesse de uma e meia a nove e meia,a janta era quatro horas da tarde, se estivesse

de nove meia a cinco e meia da manhã, a janta era de noite, a ceia, que fala. Cada

setor havia um horário de refeição.

SETORES DA NITRO

Trabalhei na Nitro, 27 anos de 60 a 87, eu trabalhava na fiação, que era a área

do rayon, que é, mais ou menos, 70% da fábrica, hoje meu setor está fechado. Rayon

que fabricava o fio. Rayon é o nome tradicional que se dava. A gente trabalhava em

8000 funcionários, 70% na área do rayon. Os setores que tinham eram os ácidos, tinha

a fabricação de fio de pneu, que fechou ha muitos anos atrás, na década de 60.

Quando fabricava o fio de pneu, fechou. Então era (tudo) o rayon mesmo. Então hoje

só o que sobrou foi à fabricação de ácidos, que é uma renda de dinheiro para o Grupo

Votorantin.

O produto do meu setor era do caroço do algodão, que era feito a viscose,

passava por um cozimento e uma lavagem em outra seção, passava por outros

processos e outro lugar e ali era criada a viscose, colocava um outro produto que tinha

e era onde ia fazer os fios, então a viscose passava pro no setor, tinha uma máquina de

18 metros onde tinha uma canaleta cheia de banho de um produto onde passava

aquela viscose por um cano de tacho, então mais passava por ali, mais grosso era o fio,

passava naquele produto ali, ia para um produto lá e saia um fio, então tinha um pote

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que veio do Japão, deu certo isso que veio do Japão, só deu certo o do Japão. Ali,

conforme o tempo das calhas é que saíam as cargas e descargas da fábrica. Trabalhava

muita gente nesse negócio aí. Então fazia isso na nossa seção, depois era transportado

para outra seção que lavava esses fios, dali ia para conicaleira, onde as mulheres

trabalhavam, que era sem muitos produtos químicos, ali fazia os cones e era vendido.

Depois eu aprendi a trabalhar como operador, que lida com fio e aquele

negócio todo, depois passei para contra-mestre, eles tiraram aquele negócio de

encarregado geral e criaram aquele que a turma falava que ficou como um líder. Na

minha seção não tinha líder, tinha mestre de fabricação, essa função só tinha na minha

seção, porque nas outras seções tinha um lide, mas tinha um químico que

acompanhava, além do engenheiro. Na minha seção, à noite, sábado, domingo e

feriados, o mestre de fabricação tomava conta de tudo, por isso foi criado essa função

em torno da minha seção, porque nós trabalhávamos sozinhos, quando saía à chefia a

gente respondia por qualquer coisa que houvesse na fábrica, apesar de ter o

engenheiro de plantão, até hoje tem, todo dia tem um engenheiro de plantão, pode

estar em casa, mas está 24 horas de plantão a serviço da Nitro, então se acontecesse

qualquer coisa que não podia resolver tinha que ligar para ele, isso um engenheiro só

para toda a fábrica, hoje continua, com certeza, tendo um engenheiro de plantão.

Aonde eu trabalhava, na área do rayon, só havia homem mesmo. Agora, onde

trabalhava bastante mulher era na preparação do fio, que a gente fabricava. Então o

fio passava por um processo, a gente fabricava o fio, era preparado em outro setor e

canalizado para nossa seção. Eu Trabalhava num setor muito danado que não podia

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trabalhar mulher a química era muito forte. Apesar que tinha lá onde se trocava e

havia um número muito reduzido de mulher. Agora no acabamento do nosso produto,

talvez, 90% dos funcionários do local era só mulher.

ACIDENTES NA NITRO

O acidente mais grave foi quando morreu cinco pessoas, morreu carregador,

engenheiro, encarregado do setor, mas aqui dentro sempre teve, de 70 para trás

quase não existia segurança, mas isso foi mudando. Assim, não eram acidentes de

morte, era acidente continuadamente, sem ser acidente grave, mas tinha

constantemente, mas não grave, de morte, mas a área de segurança em épocas

passadas era muito precária. A turma conta muitas histórias, mas eu não posso

afirmar, mas a turma falava muitas coisas, não tinha fiscalização, não tinha CIPA, a

coisa acontecia e ninguém sabia, não era como hoje, que qualquer coisinha a imprensa

pega em cima, aquele negócio todo.

Quando entrei em 70 a turma falava que tava bom, imagina aquilo na década

de 50, 40, nossa senhora! Ave Maria! Não posso nem pensar. Veja que ainda hoje tem

muitos companheiros vivos, trabalhou tanto tempo e está contando a história hoje. Eu

trabalhei 27 anos, graças a Deus sou uma pessoa que tem muita saúde, mas eu vi

companheiros que entraram na minha seção, dois três, quatro meses começava a falar

bobeira, teve gente que saiu em camisa de força. Estou falando aquilo que eu vi.

Outras pessoas trabalharam toda vida e não tinham nada, estou falando que trabalhei

27 anos e não tenho problema nenhum, mas tinha companheiros que em pouco

tempo tinham que sair, ou saiam ou morriam, então a rotatividade na minha seção era

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muito grande, tinha gente que entrava pra trabalhar de manhã, ia almoçar 10 horas,

vestia roupa e ia embora, o problema a gente nem sabia. Só gente do nordeste é que

segurava ali! Paulista criado aqui não agüentava aquele serviço.

Então a gente que vinha do Pernambuco, da Bahia, do Ceará, enfim, todo

mundo lá da roça acostumado a pegar serviço bravo, pegava aqui. Mas os produtos

químicos eram um absurdo. Quem se dava bem não tinha problemas, mas aquele

pessoal que não agüentava, o organismo mais fraco, aquele negócio todo, ou saía ou

morria. Estou falando o que eu cheguei a ver, gente saindo em camisa de força, gente

estar trabalhando lá e daqui a pouco estar falando bobeira, fica atordoado com os

produtos químicos. Estou falando aquilo que vi, outras pessoas trabalharam 40 anos

sem ter problemas e outras pessoas com três, quatro meses já estavam falando

besteira.

GREVES

Participei de várias graves. Para mim a mais forte foi a de 86, teve uma de 62,

63, que foi muito forte, mas a mais recente foi de 86, na minha seção, foi parada

totalmente e aquela maquinaria que preparava o rayon.Teve outras, mas estou

falando de repercussão. Na de 57, eu não estava aqui ainda, foi uma greve muito forte,

trabalhava muita gente, mas eu não participei dela, mas foi uma greve, que estou

falando, o patrão dava leite, quantos filhos você tinha era quantos litros de leite você

pegava, dava sobra de madeira, então, devido o patrão ser bom os funcionários não

faziam greve, mas as condições de trabalho eram péssimas e o salário também não

estava sendo razoável para o trabalhador, então foi quando teve essa greve de 54 que

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foi muito famosa, eu não estava aqui ainda, mas foi famosa a greve de 57, inclusive

quando ela fez 40 anos a gente fez uma comemoração aqui, com histórias da época,

com cada trabalhador contando uma história, enfim foi famosa, eu não participei, não

estava aqui ainda.

PAULO FONTES

Tem um livro feito por Paulo Fontes que conta a história, como a Nitro veio

parar aqui, foi uma fábrica que já era sucata nos Estados Unidos em 1955, já lá não

funcionava direito, veio pra cá e trabalhou aqui até 1999, a mesma fábrica que já era

sucata nos estados Unidos na época. Porque esse nosso produto era um produto que

era muito problemático com a saúde das pessoas que labutavam com ele, então

conforme foi desenvolvendo as tecnologias, os sindicatos, porque causava muito

acidente, então foi acabando e terminou aqui, porque pra continuar tinha que mudar

toda a tecnologia, e talvez com esse produto que trabalhávamos não tinha mais razão

de continuar devido à China fazer o produto, tem condições de trabalhar péssimas,

aquele negócio todo, enfim, não tinha mais jeito de continuar isso aqui, devido ser um

produto muito doentio pra quem mexia com ele, com certeza, com esse maquinário

não podia mais de jeito nenhum ir pra frente. Hoje tem que ter, mas a tecnologia

avançada não deixa ir a mão do trabalhador, a tecnologia avançada que faz isso. Não

sei onde está fazendo, mas alguém está fazendo, mas com tecnologia avançada que o

trabalhador não sofre tantas conseqüências como o trabalhador do passado sofria, era

um absurdo.

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JOSÉ LUIZ SUONO (Zé da Balança)

Morador de São Miguel, comerciante, fez parte da banda Fleuma.

O depoimento foi realizapda durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro, no dia 29/08/2006,

pelos jovens Felipe da Silva Notes e Talita Santos Calkavicius, no estabelecimento comercial do

entrevistado.

SÃO MIGUEL

Era um misto de cidade do interior e cidade moderna, porque tinha uma das

maiores indústrias do Brasil, para a época. Então era uma coisa bem misturada. Uma

cidade pequena com poucos habitantes, e os bairros, as vilas eram um pouco isoladas.

Houve uma migração muito grande de nordestinos que vieram á trabalho, e as coisas

foram bem misturadas.

São Miguel era chamada Terra do Capeta, falavam que era uma terra cheia de

nortista, de bandidos, assassinos, tudo o que não prestava estava aqui, era o que

diziam. Mentira! Era uma lenda que inventaram, porque aqui havia muito nortista, e

diziam que eram cangaceiros. E não tinha nada disso. Os nortistas eram

completamente discriminados. Eram todos tachados de baianos. Podiam ter vindo do

Piauí, do Ceará, mas era chamado de baiano. É que hoje em dia a cultura está mais

difundida. Hoje ela é até mais propagada, todos têm seu valor, e por isso as pessoas

aceitam e até admiram. Por exemplo, houve uma época em que só se poderia ouvir

música americana, senão você era vaiado, mas hoje até se admira música caipira!

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INFÂNCIA EM SÃO MIGUEL

Minha infância em São Miguel foi brincando em rua de terra descalço, calças

curtas. Eu bem queimado, parecia índio! Ficava o dia todo no clube jogando! Jogava

bola na rua. Cansei de jogar bola em São Miguel. Nessa época até os adultos

empinavam pipa! Sofisticavam de acordo com a idade! Quanto mais velho, mais

sofisticada era a pipa! Os adultos brincavam também. Batiam bola na rua. As pessoas

iam se apresentando, e um conhecia outro e ia formando um grupinho. Mas o grupo

não podia ser muito grande senão havia confusão! No máximo uns dez meninos. Não

haviam meninas nesses grupinhos. Cada um brincava de um lado. Até podia ter

amizade com alguma menina era visto como “veadinho”. Ficar com as meninas

pulando amarelinha não era bem visto. Menino tinha que jogar bola na rua. Bolinha de

gude. O machismo da época era bem marcante. Éramos cheios de ideal, se sonhos! Eu

queria ser um grande músico, mas acabei fazendo outra coisa e me acostumei com

isso! Todos sonham! Você já deve ter passado por isso! Eu queria ser cientista, virei

músico e agora sou empresário. Vai entender a vida?

ESCOLA

Antigamente não existiam pré, nem creches, a criança entrava na escola aos

sete anos. Antes era proibido. A criança entrava aos sete anos no grupo escolar, e por

lá ficava por quatro anos. Depois entreva no ginásio. E para isso tinha que fazer um

curso de admissão. Era como um vestibular e você tinha que estar afiado, porque eram

poucas vagas. Sá havia um colégio aqui em São Miguel, o Colégio Dom Pedro. Então,

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depois do ginásio você fazia o colegial, que podia ser um técnico. Eu optei por

eletrônica e fiz 4 anos de eletrônica.

Estudei no Dom Pedro, no Colégio Carlos Gomes. Depois não consegui vaga no

D Pedro e fui estudar no Colégio Santo Antônio, de Suzano,fiquei lá por um ano. Eu

tinha que tomar o trem ás seis da manhã fazia baldeação em Calmon Viana, descia em

Suzano e andava mais ou menos dois quilômetros para chegar na escola.

Tive poucos amigos na escola, mas não criei vínculos porque a distancia é

muito grande. Fui criar vínculos com os amigos daqui de São Miguel. Todos que

estudavam lá estavam por falta de espaço no próprio bairro. Então, tinha pessoas de

Itaquera, de São Miguel, de XV de Novembro, Penha, Itaim, Poá, Guaianazes. E esse

pessoal descarregava em Suzano, porque não havia outra opção. E cada um era de um

bairro distante, e as pessoas acabavam andando mais com o pessoal do bairro pela

questão da distancia. Não era como hoje. Nem sei como está hoje. Mas acho que não

tem esse vínculo.

Então, o Carlos Gomes abriu o período da noite para dar conta da demanda de

alunos. Ele era o grupo escolar, mas cederam esse espaço para dar conta desses

alunos. Só um aluno de mais ou menos doze, treze anos que podia estudar á noite.

Então, eu fiz o ginásio no Carlos Gomes. Depois fui para Itaquera, no Colégio Emília,

onde fiz o colegial. Repeti os três anos e resolvi fazer Técnico de Eletrônica. Ainda

tenho contato com alguns amigos da escola, nos vemos muito pouco, mas ainda temos

contato. É raro, mas nos vemos.

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LAZER – CLUBE DA NITRO

Tudo se concentrava aqui em São Miguel, tínhamos dois cinemas, o Cine São

Miguel, e o Cine Lapenna. Hoje não temos nem cinema. Não sei se as coisas avançaram

ou retrocederam. Tinha o clube, a sede social, aqui perto da linha. E tinha a praça de

esportes que ficava no Clube da Nitro, que me parece que já foi praticamente

demolida, e essa praça tinha uma coisa que eu achava interessante, porque ela era

muito sofisticada, ou não, talvez, pelo o que era São Miguel. Muitos bairros de São

Paulo não tinham uma praça de esportes dessa categoria. Tinha atletismo, natação,

basquete, futebol de campo, tinha um estádio. A Nitroquímica chegou a disputar a

segunda divisão lá. Essa praça era freqüentado por todos pais, filhos, avôs, todos. A

pessoa ia para ficar o dia todo. Abria todos os dia, mas os dias mais freqüentados eram

sábados, domingos e feriados. Ali era o local onde se reunia a maioria das pessoas de

São Miguel. E para freqüentar você tinha que ser funcionário da Nitro, ou você pagava

uma taxa para freqüentar o local.

Nosso lazer era o Clube da Nitroquímica, que tinha a praça de esporte e o salão

de baile, que era bem interessante. Sempre tinha matinê aos domingos á tarde,

sempre tinha uma banda tocando. E também tinham os bailes de domingo, que era em

um clube que está abandonado. Ali perto da ponte nova que vai para o Jardim Helena.

Um casarão todo quebrado, cheio de vidros quebrados! Ali era freqüentado pela nata

de São Miguel. Havia bailes das 10 ás 4 da manhã. Mas só entravam os grã finos, os

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bem sucedidos. Esse era baile á rigor! Se estivesse de terno, mas sem gravata não

entrava. Se você pegar as fotos da época, estão todos de terno!

Mas tinha também o Clube Olaria, que era perto da linha do trem, no Jardim

Lapenna. Um ali perto da ponte, onde havia a “cracolândia”. Tinha o Clube Havaí, que

era uma boate, que hoje é onde fica a Caixa Economica ( na Marechal Tito) ali era uma

Autopeças e em cima era o Clube Havaí. Depois teve o Kai kan, que é um Clube que até

hoje tem. Que é na Praça da Paz, ali aconteceram uns bailes sarados! Ali pegou a

revolução hippie, e a moçada liberou geral. Já podia fumar maconha, já podia tomar

bolinha, já podia comer a mulherada. A mulherada podia comer os homens! Liberou

tudo! Foi bem legal!

Tinha O Caverna que era aqui na Rua Beraldo Marcondes, era uma opção.

Porque era assim, era uma senhora que morava numa casa que tinha uma garagem

muito grande, e ela alugava o espaço e nós fazíamos os bailinhos. Então, rolava uma

sonzeira ali! E é interessante esse nome Caverna, porque era uma homenagem aos

Beatles, que tocavam em um lugar chamado caverna, lá em Liverpool. E a cultura

americana estava muito impregnada na juventude. Nada nosso prestava. Nossa

televisão não prestava, nossa música não prestava, Tudo o que era Americano era

melhor! Música do Roberto Carlos não prestava. Qualquer coisa importada estava por

cima. Então tudo o que era feito tinha influências do exterior.

Era o modo de viver da época! Isso aqui no meio do povo de São Miguel. Talvez

os mais afastados não estivessem tão impregnados com essa cultura importada. Fui á

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algumas festas em São Paulo de pessoas conhecidas, e haviam alguns nortistas na festa

e eles tocavam forró e o povo dançava! Cantavam com uma alegria! Eu até estranhava,

porque não estava acostumado. E hoje é uma cultura que dominou. Ela veio do brega,

do nada e dominou. Antes se você tocasse essas músicas você era vaiado. Só uns

senhores que gostavam. Se você tocasse um baião era vaiado! E hoje em dia não é

mais assim. Tem festas que se você toca música americana você está fora da festa!

Achei muito válida essa virada cultural. Eu mesmo, hoje toco música caipira ! Porque

gosto. E toco rock, também. Não dá para deixar de gostar de rock!

Comecei a tocar na Banda Fleuma em 1968, com dezesseis para dezessete.

Parei em 74. Foram seis anos e convivência. Uma banda que prometia! Na época

chagamos a participar de alguns bailes com o Antônio Marcos, não sei se você

conheceu! Ele foi um grande artista que saiu de São Miguel e fez um sucesso muito

grande. Não fez mais sucesso que Roberto Carlos, mas beirava.

Acho que o mal da época é importar cultura. Até porque estávamos no início

da ditadura. Porque antes da Ditadura, antes da Revolução de 64 havia uma cultura

muito legal. A Bossa Nova é reconhecida até hoje no mundo todo como uma das

músicas mais bels, poéticas, na forma de construção. Harmonia. É música pra sempre.

Alguns esportes bem sucedidos! O cinema! Era o máximo dos máximos!

O sonho de consumo da época era as matinês do Lapenna! Mas deixe-me falar

da cultura. As histórias são cumpridas pq todas têm uma conexão. Quando eu falo

dessa alienação, mas o Brasil vinha com uma condição social, política, ideológica e

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filosófica legal. Mas a ditadura veio e resolveu que ninguém poderia pensar mais do

que eles queriam. Então para punir os jovens eles não davam chances de filosofar, ler.

Tem certos livros que eram proibidos na época e hoje você lê e dá risadas! Então a

música importada era justamente para ninguém entender. Liberaram isso para o

jovem, para ele se sentir por cima. Porque se ele começar a cantar na língua dele,

pensar na língua dele, da pátria, ele vai ser perigoso. Ele tem que ser um idiota! Alguns

artistas conseguiram burlar a censura, fazer algumas coisas. Mas a maior parte da

população não tinha intelecto pra reconhecer a mensagem, a tradução real da letra!

Mesmo pegando Chico Buarque, Caetano Veloso, Gil, que nem eram tão contra a

ditadura foram postos para fora. Recentemente ouvi uma entrevista com o Caetano e

ele disse que a forma que ele achou de ser contra a ditadura era não falar dela. Ele

simplesmente não falava dela. E ainda assim foi posto para fora do país! Então

acharam mais legal botar a molecada para cantar em inglês, que ninguém entenderia

nada e ficava aquele vazio. E todos foram no embalo. A nossa banca cantava em inglês,

nós interpretávamos de outras bandas.

Após essa época, o mundo começou a entrar em outro estilo. Começou a

liberdade sexual no fim dos sessenta, início dos 70. A mulher teve mais liberdade de se

relacionar, andava com quem queria, o problema era dela! A mulher tinha autonomia

para bancar o estilo de vida dela. Por outro lado o homem passou a se sentir menos

desobrigado a firmar compromisso sério com uma mulher só por ter se relacionado

com ela.

Teve a época das equipes aqui em São Miguel, que era um movimento comum

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nos bairros. O que era isso? Um grupo de amigos que tinham uma certa afinidade e

formavam uma equipe. Aqui em São Miguel eu me lembro da equipe K-pop, que era

formado por alguns amigos que freqüentavam a Estudantil, que hoje é o Restaurante

Sabiá. O Estudantil que era o point da intelectualidade de São Miguel. Os meninos de

família, a juventude que tinha um certo poder, e freqüentavam todos os dia o

estudantil. Era onde se concentrava a juventude mais agressiva, mais arrojada, que

ouvia muito rock, essas coisas da época. O próprio grupo criava o nome. Eram criados

de acordo com a intenção política. Por exemplo, o grupo K-pop, “cagamos para a

opinião Pública”. Uma coisa de rebeldia. Cada um tinha a sua forma de criticar o

governo. E todos os grupos faziam bailes. Tinha uma equipe em Itaquera, mas eu não

lembro o nome. Essas equipes acabaram como tudo na vida acaba. A tecnologia veio

para dividir essa intenção de formar núcleos políticos. As pessoas estavam mais juntas,

conversando mais, se interando nas coisas da sociedade. Por exemplo, um grupo

chamado “cagamos para a opinião pública” alguma intenção tem Mudar o estilo de

vida, fazer as pessoas abrirem a cabeça. Mas como tudo muda, tudo acaba, isso

também acabou. Assim como daqui a pouco não vai ter muita coisa que a gente tem

hoje. Antes era baile, hoje é balada.

VILA AMERICANA

São Miguel era um bairro misto. Era uma aldeia e quem transformou isso num

bairro foi a Nitroquímica, quem trouxe um núcleo de pessoas para cá foi a

Nitroquímica. Antes disso era mato, não tinha progresso, não tinha nada. Era

esquecido do mundo. E depois que ela se instaurou aqui teve que trazer mão de obra.

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E eles trouxeram nortistas para a mão de obra braçal. Os escravos modernos. Porque

os engenheiros, os estudados vinham de fora. Tanto é que tem a Vila Americana. Já

ouviu falar? Ali moravam os americanos. O bairro chamava Baquirivu, e depois virou

São Miguel Paulista. E depois a Vila Americana, em homenagem aos americanos que

trabalharam na fábrica.

Na minha época as construções eram modernas já. De tijolos. As casas da Vila

Americana eram todas de tijolos. A Vila Americana mudou muito, a maior parte

daquelas casas foram demolidas e construíram outras. Mas teria que ir lá para ver,

porque só olhando as casas para ver se alguma ainda tem alguma característica

daquele tempo.

SEGURANÇA

Naquela época era ridículo se falar em segurança, porque não havia problemas.

A Nitroquímica tinha o pessoal que fazia a segurança da fábrica, e como o Clube era

nos fundos da fábrica, então a segurança se estendia para lá. Mas falar em segurança

naquela época não tinha a conotação que tem hoje. Hoje é em primeiro plano, e

naquela época não. Você podia sair da Nitro á meia noite e no escuro, porque naquele

tempo não tinha iluminação na rua. Ás vezes acontecia de algum bicho do mato se

atrevia a agarrar uma menina por aí, mas se ela estivesse acompanhada não havia

problemas.

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TRANSPORTE

Aqui tinha um trem chamado Maria Fumaça. Isso em 1955, mais ou menos.

Lembro-me bem da imagem da fumaça que saia dela. Meu pai me segurando pela mão

e tal! Foi nessa mesma estação ainda! Depois houve modificações, claro. Com o

surgimento da energia. A coisa ficou mais rápida. Hoje pode ser legal para fazer

passeio. Passeio de trem mesmo! Não de metrô! Olha, eu te falo de coração, se você

puder pegar um trem, como um estudioso, um rapaz interessado em história precisa

pegar um dia um trem no interior e ficar escutando aquele barulhinho do trem,

curtindo a natureza, acompanhado de algum amigo, alguma amiga, você vai ver que

delícia que é!

INFRA-ESTRUTURA

Peguei uma época em São Miguel muito ruim. Não tinha água encanada. A

gente pegava água de poço. Não tinha esgoto. O esgoto corria na beira da calçada! Isso

no centro. A iluminação pública era precária. Poucas ruas asfaltadas, aliás, as principais

ruas daqui eram de paralelepípedo. Coisa que os Portugueses trouxeram, olha só!

Telefone se tivesse, era na década de sessenta, e era uma família ou outra. Mas a

nossa convivência era como a de qualquer tribo de índio, feliz!

Nós morávamos nessa rua aqui ao lado e ali existiam algumas casa, do tipo

puxadinho, e o pessoal que morava lá pagava um aluguel. E ali se concentravam várias

famílias, e uma pessoa era a dona do poço, e quando ela via que, por exemplo, a água

estivesse acabando, ela ia e ligava a bomba. Ela tinha essa obrigação. Isso foi no centro

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de São Miguel. Até a década de 70.

Com a chegada da água houve uma independência. Uma qualidade de vida

melhor! Você não precisava mais ficar falando com a vizinha para ela ligar a água.

ESTABELECIMENTOS

A primeira delegacia, que eu me lembro, pode até ser que havia outra, mas eu

me lembro da delegacia na atual Rua Tenente Luís. Essa casa hoje é um consultório

médico. Uma casa ultramoderna! Quando ela foi construída era um prédio

ultramoderno para a época. Doutor Luís foi um dos primeiros médicos aqui de São

Miguel.

O primeiro pronto socorro, que eu me lembro era aqui onde é hoje a Lapenna

automóvel. Na Beraldo Marcondes.

COMERCIO

O comercio seria como se fosse hoje um mercado onde se pudesse consumir

tudo. Foi organizada pela Nitroquímica. E alguns funcionários gastavam parte do

dinheiro na cooperativa e depois eram descontados. Não precisavam ter dinheiro no

bolso na hora. Podiam comprar de agulha o material de construção, tudo o que fosse

preciso, roupa. Apesar de que a roupa, naquele tempo não era comprada pronta. Era

feita em costureira. Comprávamos os tecidos.Esse era o papel digamos social da

cooperativa, mas na verdade o cara trabalhava o mês todo e acabava deixando todo o

dinheiro dele lá. Tinha a Padaria Monte Castelo em frente á estação, tinha a padaria

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Galdini, que era num prédio da família Caldini, e em homenagem á família o nome era

esse.Tinha a Padaria Estrela, que fica na esquina do calçadão.Tinha os vendedores de

mandioca, de verdura. O leite era entregue em portas. Mas eu não peguei muito essa

época.

COTIDIANO DE ONTEM

A década de 50, eu não tinha acesso á curtição. Ás noitadas. Naquela época

havia uma rigidez. Para entrar no baile você tinha que ter dezoito anos. No cinema

também. Aliás, não podia nem estar na rua depois das dez da noite, senão o juizado

levava embora. Não é como hoje. Não era essa coisa largada que existe hoje. Hoje

vimos crianças de três anos de idade á meia noite na rua! E nesse tempo, quando eu

freqüentava os bailes só admitia-se tocar música americana, ou inglesa. A única música

que era aceita era de Carnaval. Nos bailes eventualmente tocava-se algum sambinha

bem da moda, uma música carnavalesca! Só isso era aceito. Isso até mais ou menos

1978. O adolescente quando começa a entender um pouco mais, ele quer mandar na

cultura. Vale o que eles querem. Mas acho que é isso. Eu não estou por dentro do que

acontece mais. Talvez você se espelhe em algum ídolo do passado, mas ídolo do

passado era ídolo do passado. Você não ia reverenciar nenhum Paul McCartney,

nenhum Fred Mercury e por aí a fora. Um ano de atraso já era do passado. Não tinha

nada a ver. As pessoas curtiam o que era recente. Se em 1970 em um baile tocasse

uma música de 1965, mesmo que fosse um grande sucesso, ele era vaiado! Tinha que

ficar atento ao que tocava na rádio!

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Meu pai sempre foi controlador. Não podia fumar, não podia beber, tinha hora

para chegar em casa, senão ele ia buscar! E ainda levava uns tapas na orelha! E se

fizesse cara feia apanhava! Tinha só duas irmãs, e elas eram mais velhas. Mas havia

uma diferença, claro! A intimidade era restrita, sabe. Não existia muita convivência.

Pelo menos na minha família. Tinha primos mais todos moravam fora de São Miguel.

Tinha uma tia que morava aqui em São Miguel e criava uma prima, que os pais

moravam na Penha. E tempos depois ela adotou um menino. Mas a gente não tinha

muita convivência,naquele tempo um ano de diferença de idade já era muita coisa!

Não pé como hoje, que as pessoas se relacionam em diferentes faixas etárias. As

idades não podiam ser muito diferentes. Eu andava com alguns rapazes uns três anos

mais velhos que me olhavam como um bobo. Não por mim, mas pela idade. Só

pensavam na idade. Havia muita discriminação de idade naquele tempo.

As pessoas tinham muito essa conduta de discriminar. Se um tem dezoito,

outro vinte e um, ele sempre se achava o líder, achava que ia mandar! E líder não se

escolhe por idade, sim por capacidade. Mas não era assim. Eu não tinha muita amizade

com mulher, mas depois, quando eu comecei a me interessar por menina foi uma coisa

meio complicada. Tinha que admirar de longe dependia de muitas oportunidades para

começar uma paquera mesmo. Chegar junto mesmo, nem pensar! Ela só pegar na

mão. Aliás, a menina que fizesse alguma coisa fora do esperado era chamada de puta

para cima. Se ela perdesse a virgindade ela dificilmente conseguiria casar. E se casasse

era mal falada. Haveria um comentário “casou porque conseguiu um trouxa! Todo

mundo comeu e agora ela arrumou um trouxa”! Era bem pesado o negócio! E todos os

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meus amigos casaram com mulher virgem, e eu também.

Naquele tempo a mulher até podia ter vontade, mas ela não dava liberdade

não. Então, para se ter alguma relação íntima de verdade, tinha que ser com uma

mulher da vida! E se você mantivesse alguma relação mais íntima com sua namorada,

ou casava, ou ia preso. Á menos que a família fosse mais moderna, e o pai nem ligava

para isso, mas não tinha isso não. O pai chegava junto mesmo. “Ou casa, ou morre!”

Dificilmente ele se saia bem disso. Isso no fim da década de setenta, não faz muito

tempo, não!

Nos bailes á rigor, terno e gravata era o padrão de moda da época. Pela ética,

pela moral, na época era exigido. Assim como hoje em dia é jeans. Se você olhar nas

ruas, todos usam jeans. É a moda dessa época. Muda a parte de cima, na parte de

baixo todos usam jeans. Se você usar hoje uma calça de linho, que é uma calça leve,

boa para verão, você é chamado de baiano. Nada contra os baianos, mas era uma gíria

mais antiga. Mas nada contra!

Teve a época da boca de sino, eu usei! E além da calça, usava também salto

plataforma! Aqueles bem grandes. Depois que acabou a moda me chamavam de

baixinho! “Puxa, como você é baixinho!”

NITRO

Eu lembro do apito da Nitro, pelo que eu me lembro ele tocava ás cinco horas

da manhã, ás sete, ás 11 da manhã e meio dia. Depois tocava ás 4 da tarde, ás 5 da

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tarde, ás 9 e meia da noite, ás 11 e á meia noite. O apito era uma forma de organizar

horário! Era como um cabresto, tocava o apito, todos tinham que pegar no batente! A

indústria era muito grande e o apito era para controlar. Coisa da época. Talvez até pela

falta de um relógio, porque na época não era comum. Então, para controlar o horário

eles tocavam um apito que São Miguel todo ouvia! O grande barato do apito era na

passagem do ano! Eles apitavam por quinze minutos e era uma coisa que emocionava

a todos! Era contagiante! Eu passei toda a minha infância escutando isso. Hoje já não

tem mais, porque a produção está mais moderna. Mas até seria interessante se eles

tivesses preservado isso como uma forma de manter a identidade! Talvez outras

indústrias copiavam isso, até porque, era mesmo contagiante! Mas o barulho dela era

tão grande que não se ouvia as outras. A Papelote nunca foi concorrente da Nitro Ela

era o mosquito no cocô do cavalo do bandido! Uma empresa que faliu há muito

tempo! Não tinha força para ganhar nem do apito da Nitroquímica. Talvez eles tenham

achado a idéia interessante e imitou, mas a gente só escuta quem grita mais alto!

Muita gente fala que se não fosse a Nitro São Miguel não seria nada. Não

concordo com isso. Se fosse assim Ferraz não existia, Itaim Paulista não existia,

Guaianazes não existiria. É absurdo falar isso. Talvez até fosse melhor. Tem a questão

de São Miguel não ter sido emancipado á Município. Para mim, isso tem um dedo da

Nitro, porque o benefício que ela teve, o benefício fiscal, tudo é ligado á São Paulo, e

se São Miguel vira município, com leis próprias, isso pode acarretar mudanças para ela.

Eu não entendo disso, mas é uma coisa que me passa pela cabeça. De repente essa lei

já estava beneficiando alguém mais centralizado. São Miguel não passava de um bairro

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da capital de São Paulo. Então têm alguns vereadores que estão se beneficiando

dessas maracutaias que sempre existem entre empresas e governo. Isso sempre

existiu, não é novidade para ninguém.

Sempre cheirei esse gás da Nitro, nunca me fez mal nenhum. O gás era solto

quando dava na telha eles abriam a manivela. A população até reclamava, mas a Nitro

é muito grande. Você vai entrar numa briga para levar porrada? Você vai ignorar seu

patrão? Vai contra? Se brigar está na rua! Eram mais de vinte mil funcionários! Não

dava para arrumar briga! Até mesmo para os comerciantes não era interessante brigar.

Dependiam de certa forma. Claro que tem gente com problema de saúde! Tem

pessoas que resistem mais, tem pessoas que resistem menos á poluição. Mas eu fico

muito mal com essa fumaça de carro, com o gás da fábrica não era tão ruim como a

fumaça dos carros de hoje! Não acho que fez mal a São Miguel. Fez o que tinha que

fazer. Não dá para ficar pensando se São Miguel seria melhor ou pior sem a Nitro. É

parte da história. Acho que temos que ter atitude. Se não gosta muda de cidade!

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JULIA CICCHINI

Moradora de São Miguel, comerciante.

O depoimento foi realizado durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro, no dia 13/09/2006,

pela jovem Talita Santos Calkavicius no estabelecimento comercial da entrevistada.

SÃO MIGUEL

VIDA EM SÃO MIGUEL

A minha infância aqui foi muito boa. Era uma época em que você podia brincar

na rua. Todo mundo era conhecido. A gente morava na vila Nitroquímica, então todo

mundo era conhecido por mim. A vila era uma família, brincávamos muito na rua.

Então minha infância foi muito boa. Teve tempo de brincar bastante. À noite, a gente

ficava brincando nas portas das casas. Não tinha o perigo que hoje tem. As

brincadeiras eram boas: pega-pega, pular corda, jogar peteca, tamborete, bolo de

forno, apenas essas coisas. Tinha muita brincadeira de batizar boneca. E fazia festa

mesmo. Tinha tudo, fazia bolo, fazia o batizado, tinha festa. A Marilda, é minha

comadre por que eu batizei as bonecas dela, e até hoje quando encontra: Oi, comadre,

comadre.

Eu estudei na escola Diogo de Faria, era escola pequena, mas muito

aconchegante. Professor era muito bom, os uniformes eram bons. E fui estudar, fiz

magistério no Dom Pedro e faculdade eu fiz em Moema.

Eu casei em 79, na Catedral da Igreja em 31 de dezembro de 1979, não tenho

filhos, só tenho meu marido mesmo, minha sogra é de idade, meu sogro também. Não

quis adotar.

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VILAS

Na vila Nitroquímica eram todas as casas iguais. Hoje tem algumas que tiveram

reforma que os funcionários da fabrica compraram. Na vila americana, muitas casas

continuam do mesmo jeito, como aquele jardim grande na frente. Agora mudou

bastante, que as casas de moradia foram tudo transformadas em comércio. Antes era

difícil ter sobrado, eram casas térreas mesmo. Ali na rua da fábrica eram tudo casas

baixinhas comuns, que depois demoliram e fizeram comércio.

LAZER

Tinha o cinema que era o cine São Miguel, primeiro cinema que teve em São

Miguel. Eu ia muito. A gente gostava muito dos filmes que passava filmes bons. Mas

não lembro direito os nomes. Eram filmes bons, comédia. Não era tanto filme como a

gente vê hoje com mais ação. Era mais romântico, não eram de tanta ação e tanta

violência como você vê nos filmes de hoje.

Tinha o clube também, a gente ia nos bailes de carnaval da Nitroquímica. Que

hoje também, não tem mais. A gente ia também pra nadar, patinar, fazer corrida, à

parte do lazer era assim. Jogar bola, dentro do clube da fábrica. A criançada de hoje,

mesmo vocês, os jovens, não tem aonde ir. Na minha época, depois da adolescência,

nós estávamos no coral da igreja, então a gente ia pra o coral. Se não ia no cinema, a

gente ia pra o coral e cantava nos casamentos. Era aquela turminha toda assim. No

sábado a gente ia ensaiar, e cantava no casamento do padre italiano. E brincava e tava

todo mundo junto ali, a mocidade toda. Que hoje também não tem mais isso. Não tem

mesmo. Hoje tem a praça, mas você não vai ficar no bando da praça porque não dá.

Como é que você vai sentar no banco da praça?

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COMERCIO

Foi mais ou menos de 30 anos pra cá que o comercio cresceu em São Miguel,

porque antigamente era bem residencial mesmo. E onde a gente morava não tinha

supermercado. Tinha uma venda que era a venda do Seu Mansur onde todo mundo ia

comprar lá. Aqui em São Miguel tinha uma única padaria que era a Monte Castelo,

aqui onde é a Casas Bahia aqui em cima e outra aqui em baixo, a farmácia São José,

que até hoje ainda é a farmácia São José. Mas o comércio, o que você precisava tinha

que ir pra cidade comprar, no Brás. O comércio era bem pequenininho. Não tinha o

que é hoje.

Não tinha banco naquela época. Quando eu comecei a dar aula no bairro dos

Pimentas, em 58 no Guilhermino Rodriquez de Lima, a gente recebia na coletoria de

Guarulhos. Não era banco, era coletoria. A gente ia, todo mundo assinava a folha de

pagamento pra diretora, e a diretora dava o pagamento de cada uma de nós. Depois é

que veio a Secretaria da Fazenda. Quando a gente dava aula em Guarulhos ia receber

na Secretaria da Fazenda na Praça Clóvis. Hoje em dia ta bom. Acho que um dos

primeiros bancos que vieram pra cá foi o Mercantil. É que também agora não tem mais

esse banco Mercantil.

TRANSPORTE

O transporte era bem precário. Quando eu comecei a estudar à noite, a gente

vinha a pé da vila Nitroquímica até o colégio, que depois virou Carlos Gomes e a gente

vinha a pé e voltava a pé. E era estrada de barro, barro vermelho, aí depois fizeram

aquele paralelepípedo. Então a gente vinha pulando no paralelepípedo. Então a gente

vinha pulando de lá pra aqui e voltava pulando também, tudo brincando, aquela turma

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toda. Isso 10, 11 horas da noite, não era tanta iluminação. E o ônibus era um ou dois

que e ia até a Penha. Só. E o trem que ia daqui até o largo da concórdia. Mas na vinda

pra cá, não tinha. Então a gente andava a pé mesmo. Ou então juntava aquela turma e

saia de bicicleta depois. Os rapazes mais velhos vinham buscar a gente na escola. E

levava todo mundo embora. Ia todo mundo a pé, tudo brincando.

INFRA-ESTRUTURA

As ruas eram de barro, de terra. Tudo de terra. Não tinha asfalto ainda não.

Quando eu vim já tinha luz, água encanada, tudo isso. Porque as fábricas já tinham

pego as casas com tudo, luz elétrica, água encanada, todas essas coisas. Agora,

telefone residencial não era da minha época. Mas acho que mais ou menos uns trinta

anos atrás. Que nem aqueles de manivela que tem que chamar a telefonista que te

atendia e fazia a ligação. Depois é que passou para o telefone fixo automático.

Hoje em São Miguel há um progresso muito grande. Já não é aquela mesma

estrutura. Aqui passou a ser praticamente um bairro dormitório. Todo mundo trabalha

longe, sai cedo e volta pra casa praticamente pra dormir. E também ficou um bairro

bem comercial.

COTIDIANO DE ONTEM

Antigamente era difícil você ver alguém usando calça comprida. Eram aquelas

saias rodadas, de pregas, compridas, sempre de meias ¾, sapato. Eu sempre gostei das

calças compridas e não gostava muito de vestido, eu era da turma da calça comprida

mesmo.

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NITRO

Meu pai trabalhou na Nitro Quimica 44 anos, tenho muitas lembranças,

algumas boas e outras mais ruins porque ele sofreu um acidente muito feio na Nitro,

mas, graças a Deus, conseguiu voltar a andar direitinho. Outra época ficou doente,

teve que ir pra Campos do Jordão. Mas foi muito bom porque eles ajudaram os filhos

dos funcionários a estudar. Praticamente queriam que todos os filhos dos funcionários

estudassem, o doutor Ermírio de Moraes fazia questão que todos estudassem. Em São

Miguel, eles tinham a perua que levava os filhos de funcionário para a escola: n no

colégio Rio Branco, que é também fundado por ele, no Colégio Anchieta que era

colégio normal. Eu já não peguei esta época porque era pequena.

Aqui tinha muita infra-estrutura porque a fábrica mantinha berçário que ficava

os filhos das funcionárias que trabalhavam, desde bebê até 8 anos. Até mais, porque

depois voltavam e iam embora 5 horas com a mãe. Tinha o restaurante para os

funcionários da fábrica. Então, São Miguel se formou pela fábrica, trabalhou o início do

bairro de São Miguel.

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LUZIA TRINDADE ARAÚJO

Moradora de São Miguel há 30 anos, enfrentou várias situações de enchente no Jardim São Vicente

participou do antigo CDM e faz parte da comissão de cultura do CDC Tide Setúbal.

O depoimento foi realizada em duas partes durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro, no CDC

Tide Setubal durante a Festa Junina, pelos jovens Camila e Vanderson, e no dia 21/09/2006, pelo

Jovens Rodolfo Marques dos Anjos e Hamitis Nunes Melo, na residência da entrevistada.

SÃO MIGUEL

CHEGADA A SÃO MIGUEL

Meu nome é Luzia Trindade Araújo, tenho 68, moro aqui no bairro de São

Miguel Paulista desde 1954. Nasci em Oliveira, Minas Gerais, de lá meu pai veio para

Itaquá, veio para abrir estrada, acampamento. Meu pai foi chamado para ser o

administrador. Inclusive foi meu pai que fundou o Pinheirinho, fomos nós quem

fundamos. O Pinheirinho era um mato. Matagal. Meu pai veio e trouxe bastante

funcionários, bastante peão, na época chamava peão de Minas e fundamos o

Pinheirinho. Hoje é um bairro pra lá de Itaquá. É um bairro. Foi meu pai Antenor

Trindade, que fundou.

Quando eu cheguei em São Miguel, São Miguel não chamava São Miguel, era

Baquirivu nome indígena. A estação de São Miguel tinha a placa Baquirivu, mas o

pessoal não aceitava, voltou a ser São Miguel. Aqui era o lugar onde que os índios

chegavam e ficavam, construíram a igreja e aqui era o acampamento dos índios.

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INFRA-ESTRUTURA

Aqui em São Miguel antigamente, era mato, não tinha asfalto. Asfalto era

só mais ali na Serra Dourada, aquele centro, é aquele meinho, mais Marechal Tito,

Pires do Rio, Lageado, nessas ruas principais, não havia asfalto, era tudo calipau,

eucalipto, tudo assim em volta.

Aqui antes era tudo brejo, era brejo desde aqui, onde tem o CDC até a ponta da

escola, tudo, aqui tudo era brejo, as casas foram construídas em cima de brejo; aqui na

realidade, aqui é um vale, nós estamos em um vale, Rosária para cima, Curuçá para

nós no meio; e graças a Deus, esse vale agora passou a se chamar Jardim São Vicente

com Brolhas. Não tinha condução, não tinha água encanada.

TRANSPORTE

A condução era assim: não tinha ônibus, a gente tinha que descer, trazer o

sapato na mão, na sacolinha, que às vezes estava chovendo e a gente atolava, então

tinha que trazer um sapato, pra quando chegar na estação, tomar o Maria Fumaça,

você entrava nele sem perceber, você era empurrada e quando você via tava lá dentro.

Aí, da estação, você trocava o sapato ou pedia para guardar aquele, que lá dentro

ficava cheio de sapato, ou pedia pra guardar aquele ou você levava aquele cheio de

lama com você. Para, na volta, trocar novamente.

COMERCIO

O comércio era pouco, mais tradicionais de São Miguel, e da família do Norte,

da família que vinha de pau-de-arara pra cá, era meu sogro, o velho Aurelino Araújo.

Ele é quem inseria todo mundo naqueles caminhões de pau-de-arara que chegavam.

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Ele tinha uma mercearia, chamada Estrela do Norte, então os paus-de-araras

chegavam, descia tudo lá, arrumava canto para um, acampamento para outro, era

assim.

Havia muitos bares aqui em São Miguel, tinha boate. Diz que esses barzinhos

era onde os nortistas chegavam de pau de arara e ficavam, aqui ficavam.

CAPELA DE SÃO MIGUEL ARCANJO

A Igreja de São Miguel, aquela igreja velha, eu assisti muita missa do galo

quando era menina, muita coisa ali naquela igreja, sempre foi à igreja principal, àquela

que foi construída pelos índios, é tudo de estilo barroco, barro, madeira. Foram os

índios quem construíram. Era uma benção São Miguel.

Eu sinto muita saudade da igreja velha de São Miguel viva sempre aberta. As

crianças que hoje convivem em São Miguel têm que ter acesso àquela igreja para ver

como que o índio construiu aquela igreja. Porque São Miguel é um bairro indígena.

Aqui moravam os índios.

FESTAS

Bem, as festas que tinham eram as procissões, eram os desfiles das escolas,

mas não era como hoje, era bem diferente. As festas eram assim como hoje, Festa

Junina, Forró, muito baile, muita dança típica do Norte. Era diferente porque os pais

eram diferentes, as moças usavam vestidos com bolero, roupa godê, vestido igualzinho

guarda-chuva, aplicação. Então, era diferente o modo de vestir. Era muito mais bonito

do que hoje.

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ARQUITETURA

As casas era estilo antigo, muitas eram do estilo barroco, mas tinha muito

mato, tinha muito morro, mas depois foi se formando.

EDUCAÇÃO

A educação no meu tempo era muito forte, mais rígida, os alunos tinham mais

respeito pelo professor e o professor pelo aluno. O aluno tinha um professor como um

pai e uma mãe. Então havia muito respeito, muito.

Teve uma professora na escola Carlos Gomes que deu aula nessa escola,

chamava-se Cacilda Becker. Hoje existe um teatro com o nome dela. Cacilda Becker,

ela freqüentou essa escola também dando aula, por um bom tempo.

LAZER

Tínhamos o cinema São Miguel onde é hoje o Ponto Frio, ali era o cinema de

São Miguel, o cinema antigo de São Miguel. Nós tínhamos além do Clube da Nitro,

cinema de São Miguel, igreja velha de São Miguel construída pelos índios, a escola

mais velha aqui de São Miguel, Carlos Gomes.

Eu sinto muita falta dos carnavais de São Miguel, sinto falto do Clube da Nitro

que era onde o pessoal fazia o carnaval, dançava todo o sábado e domingo, onde os

jovens iam competir Festa da Primavera, Baile das Bolas. O Clube da Nitro foi demolido

e está fazendo muita falta. Como também a Nitro Química.

Eu sinto muita falta ali no meio de São Miguel, onde faz a divisão pra descer

pra rua da estação, que vai pro cine Lapena, naquele onde tem um posto de gasolina,

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ali era um parque fixo, aquele parque nunca saía dali, os jovens se encontravam, era

ponto de encontro dos jovens.

Esse parque tinha roda gigante, tinha os cavalinhos, tinha as balanças e tinha o

alto falante onde os namorados, um mandava recado pelo auto falante, eu quero falar

com tal moça de vestido estampado ou que está de vestido vermelho. E era assim. E

foi assim que eu conheci o meu marido.

ENCHENTE

Eu moro aqui há 40 anos, peguei muita enchente. Teve enchente que foi até o

teto, eu cheguei a perder tudo, até os documentos.

O rio era mato, era rio e barranco em volta. Então quando o rio enchia, tomava

conta das casas e não tinha jeito de parar, de a gente impedir. Ela vinha mesmo e não

tinha jeito. Entrava nas casas e com aquela imundície, vinha rato e tudo quanto era

sujeira.

Enchente aqui foi terrível. Então era assim: aqui quando dava enchente, ali

onde é escola hoje, ali o pessoal andava de barco, onde é o Frontim, o povo andava de

barco, porque a enchente quando vinha deixava aquilo lá alagado, então a turma

andava de barco, atravessava o Jardim São Vicente, atravessava de barco, que virava

um rio só.

Cheguei a ver, cheguei a atravessar de barco. Nós aqui não tínhamos água, a

água que nós tínhamos era uma bica, aqui no Jardim São Vicente, acho que na Rua

Mário Dalari, tinha uma bica, uma torneirinha, para o povo pegar água para tomar,

porque não tinha posto. Então a enchente aqui era terrível. Cobria casa. O povo

precisava uns se abrigar dentro da escola, outros se não dava tempo de sair, ficava em

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cima do teto, por cima da casa do lado de fora.

Teve uma enchente aqui, parece que em 63 ou 62. Eu sei que nós tivemos três

enchentes, uma atrás da outra, em 62. Essa enchente foi até a Rosaria, essa enchente

foi terrível. Morreu muita gente, deu muita leptospirose, muitas casas caíram. E foi um

transtorno essa enchente.

Perdi bastante coisa, morava em outra casa e me mudei de lá por causa disso,

mas, no entanto, a enchente veio atrás de mim. Entrou água até no vitrô.

Então, mas quando eu morava lá, eu perdi tudo. A única coisa que salvou na

minha casa foram os documentos. Que estavam e cima do guarda-roupa, dentro de

dois sacos. Eu sempre ponho dentro de dois ou três saquinhos plásticos. A água

alcançou, mas não molhou.

Mas eu perdi, naquela época eu perdi tudo, cama, guarda-roupa, na cozinha eu

perdi tudo, nos quartos, tudo. A gente, para dormir, a prefeitura trouxe aqueles

colchãozinhos ruins, aqueles cobertorzinhos bem vagabundos, que era para dar para o

povo, não esqueço até hoje do descaso da prefeitura, porque o povo não tinha onde

ficar e vinham com aquelas cobertinhas muito chulé, para dar para o povo. Então o

Jardim São Vicente sofreu muita enchente, morreu muita gente, muitos se salvaram da

leptospirose, outros não tiveram jeito.

Quando dava enchente, quando enchia aqui, bastava chover em Itaquera, a

água vinha toda para nós, aqui, então, quando começava a chover, muitas vezes era

madrugada, o povo tava dormindo; e havia uma firma na rua Jorge Moreira de Sousa e

Pino, que o dono era , Ajuri Alencar. Ele ligava a sirene, para avisar que estava

chegando a enchente. Quando ele ligava aquela sirene, todo mundo podia levantar,

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que a água já estava chegando, entendeu? Ele era presidente da Sociedade Amigos de

Jd.São Vicente, uma pessoa boa, uma pessoa que quis ajudar, mas não teve força,

como agora a Sociedade, nós estamos tendo uma força, um pouquinho política, agora

é época de política, nós formamos a sociedade numa boa época.

Os vizinhos eram mais amáveis. Eu acho que existia mais amor. Um ajudava o

outro, como por exemplo, quando vinha enchente, um ajudava o outro. Meu filho

mesmo salvou diversas pessoas quase morrendo afogado e salvando. Ele me ajudava a

tirar tudo, limpar, levantar tudo, por tudo no alto e ajudar o vizinho, o vizinho ajudava

o outro. Aquele que terminava primeiro dava a mão pro outro. Existia mais

humanidade.

Mudou muito, o progresso também trouxe o orgulho. O progresso trouxe,

assim, cada um prá si e Deus por todos.

COTIDIANO DE ONTEM

A relação com os vizinhos era muito melhor do que é hoje. Porque hoje a

televisão tirou todo. Antigamente a gente sentava na calçada, contava história,

contava história dos antepassados, o que acontecia lá no sítio, na fazenda, estourava

pipoca: “Oi, vem hoje aqui para a casa, comer uma pipoca, a gente senta aqui fora.”

Ou então: “ vem aqui de tarde para a gente fazer uma fogueirinha para a gente fazer

uma fogueira — se era tempo de frio a gente fazia uma fogueira, a gente ficava ali em

volta com as cadeiras, as crianças brincando de roda e os adultos contando história.

Era assim. Muito gostoso. BAIRRO ATUAL

Olha, vou falar a verdade: quanto à educação, eu estou muito satisfeita com a

escola, a Escola Municipal Almirante Pedro Frontin, trabalhei nela quase trinta anos,

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acho maravilhosa essa escola, uma escola muito boa mesmo, que daqui da Zona Leste

eu acho que é a melhor escola que tem. O nosso bairro agora é um bairro agora

maravilhoso, onde não mais temos enchente, agora são duas pistas, nós temos o CDC,

escola, nós temos a EMEI Maria Helena de Paula Marin, que é outra coisa maravilhosa,

temos o balneário; então, o que nós queremos aqui no bairro? Um mini hospital

conseguido, assim, um Qualis, o que está faltando aqui é um Qualis, nós estamos no

meio, a Vila Operária tem um posto de saúde, Cidade Nova tem, Curuçá tem e nós não

temos.

Quando uma pessoa fica doente, nesses dias um senhor passou mal, não tem

onde socorrer, não tem, se vai ao posto eles falam: “ah, vai ao Sítio da Casa Pintada”,

então, a única coisa que está faltando aqui para nós é um Qualis, isso aí vai ser muito

importante para completar o Jardim São Vicente. No complemento de tudo o que está

tendo de bom aqui.

Eu acho que o Jd São Vicente vai ser o melhor bairro de São Miguel, uma é que

sou fã daqui. Eu moro aqui há quarenta e poucos anos, sou fã, foi aqui que eu vivi, foi

aqui que meus filhos cresceram, nasceram, cresceram, quer dizer, uns nasceram na

Nitroperária, mas vieram para cá pequenininhos.

Então eu vejo, assim, Jardim São Vicente o ponto mais maravilhoso de São

Miguel, por ser duas avenidas amplas, não tem subida, não tem descida, um povo

maravilhoso, e aqui tem tudo para ser o melhor lugar de São Miguel; ta faltando aqui,

assim, armazém, um mercado. Um mercado bom para nós, uma boa farmácia, um

açougue, essas coisas que nós estamos sem, mas no mais, Jardim São Vicente é o

melhor bairro de São Miguel, em minha opinião.

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Nós temos também o bloco, a escola de samba Vamo q Vamo, e nós temos o

grupo de Samba, o Papel Principal que é daqui, um grupo maravilhoso, uns meninos

que tocam muito bem, a transcontinental hoje mesmo já falou deles. Então é assim, Jd.

São Vicente tem tudo pra ser o melhor bairro de São Miguel!

Agora eu faço parte da Sociedade Amigos do Jd São Vicente, mas antes era um

sociedade mais afastada, não tinha ajuda de nada.

CDC

O Ozem era um prédio muito derrubado, muito feio, aonde o pessoal ia lá com

descaso, ninguém fazia nada, até que chegou essa turma aí, trabalharam e hoje está

esse CDC maravilhoso, onde as crianças estão aprendendo.

A molecada ia lá jogar bola, mas era muito invadido por marginal, essas coisas,

porque era tudo pichado os muros, horrível, horrível mesmo, era um lixo, davam leite,

acontecia às vezes da pessoa falar assim: “Luzia, nós vamos fazer um churrasquinho lá

na Ozem, o Bloco Vamo que Vamo vai tocar e o Papel Principal”. A gente ia, mas

parede feia, lugar sujo, lugar feio, você entrava, chovendo, você se molhava,havia

lama.

Eu freqüentava na época do OSEM, ás vezes tinha bingo, às vezes tinha alguma

festinha e a gente vinha. Não tinha onde ficar muito era meio desconfortável, mas a

gente vinha.

No Ozem, há uns anos atrás, davam sopa, as crianças iam lá jogar bola, então

eles davam o café da manhã e o almoço da tarde, isso já tem assim, uns 12, 13 anos

atrás. Tinha uma entidade que trazia as mulheres, fazia sopa, comprava carne, fazia

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sopa, era gostoso, era o que as crianças tinham de melhor no Ozem, que eles batiam

uma bola, depois iam lá, tomar um café, os que iam cedo, os que iam à tarde, iam lá e

almoçavam; era o que tinha de bom aí no Ozem.

O pessoal ia lá, ensaiar, o pessoal do Vamo que Vamo ia ensaiar, a molecada

que ia desfilar partia de lá, o barracão, assim para eles era lá; e lá também que dava o

leite para a Terceira Idade. Geralmente era pagode, Vamos que vamos. Quando o

grupo Papel Principal estava começando eles davam uma força e tinha outros grupos

de pagode também que vinha dar uma força.

Hoje nós temos aí um clube, isso para mim é um clube, porque nós não

tínhamos nada aqui, para mim, eu sinto como um clube. Está muito bom, nós temos

muita coisa boa ali, e tem muita coisa que ainda virá, ainda.

Ali onde hoje é cantina, a sala de convivência com a cantina, e tem uma parte

onde é o futebol dos meninos, que fizeram aquela mureta, todo aquele espaço ali era

um prédio, um barracão, com uns bancos, e no fundo tinha uma parte onde era

cozinha, que é onde o pessoal cozinhava, tinha a mesa, um mesão com uns bancão

onde as crianças comiam, mas era tudo quebrado, tudo ruim. Eu dizia: “vocês são tudo

uma senzala” era o que eu falava; não tinha quem cuidava; eu cheguei a comer lá

também, porque o pessoal me chamava lá para comer: “vamo lá, vamo lá”, eu cheguei

a comer uma comida gostosa, mas só que eu ficava lá junto com a minha turminha e a

molecada sentava na mesa, subia nos bancos e ia comer a alimentação que eles

davam.

Com a reforma foi mudança total. É como se fosse da água pro vinho. Tenho

muita recordação. Quando tinha política a gente vinha receber os políticos aqui, eu

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mesmo nunca me esqueço que eu trouxe um buquê de flores para dar pro doutor

Olavo Setúbal. Foi eu que trouxe as flores para ele e a esposa dele.

NITRO QUIMICA

O pessoal vinha do norte, chegavam caminhões e caminhões de nordestinos.

Chegavam de pau de arara. E eles chegavam e arrumava abrigo, a minha família

mesmo já abrigou muita gente na Missa Operária, eles chegava já iam tudo trabalhar

na Nitro. A Nitro Química foi o pai e a mãe de São Miguel.

A tradição de São Miguel era a Nitroquímica, Eu não trabalhei na Nitro, quem

trabalhou foi o meu esposo e a família dele. A Nitro Química foi quem fez São Miguel,

o doutor Antonio Ermírio de Moraes pai. Ele foi maravilhoso. Essa Nitro foi o que fez

São Miguel. Quando dava 7 horas da manhã, se você olhava da Nitro até parecia

formigueiro o pessoal, tudo indo trabalhar. Quando dava 11 horas, que a Nitro apitava,

que o pessoal vinham almoçar, a mesma coisa, você só via aquela multidão, todo o

mundo se atropelando, saindo prá ir almoçar. Às 5 horas, a mesma coisa, o pessoal

vinha para casa.

A Nitro é que fez São Miguel. A Nitro é que fez todo o progresso de São Miguel.

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POESIA

Foi aqui que os nordestinos aos poucos vieram chegando.

Com seu jeitinho urgente o progresso foi se levantando.

Chegando de pau de arara, chegando aqui prá ficar, fazendo aqui o progresso pra São

Miguel levantar.

São Miguel Paulista hoje é à flor da zona leste.

Vem desfilar na avenida, vem mostrar a esta gente que a força nordestina é a união do

nordeste é à força de um cabra da peste.

Luzia Trindade Araujo

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ZULU DE ARREBATÁ

Morador de São Miguel,é cantor,compositor e produtor cultural,profissionalmente desde 1965, fez parte

do Movimento Popular de Arte - M.P.A, participou de festivais estudantis em 1962.

O depoimento foi realizada durante o Projeto São Miguel Paulista e Brasileiro, no CDC Tide Setubal

durante a Festa Junina, 02/07/2006 pelos jovens Camila Tavares Brazão e Vanderson Souza Atalaia

da Silva.

INFLUENCIA DO BAIRRO NA MUSICA

A gente vive uma realidade no nosso bairro, que é São Miguel Paulista, na zona

leste, que eu considero um país, com quase 5 milhões de habitantes, e o Brasil existe

uma diversidade cultural, mas a gente tenta trabalhar em perspectiva. Que o meu

trabalho, ele pode ser assim, tradução dos meus anseios enquanto cidadão e assim,

sempre tentando, através desse trabalho contribuir com a melhor qualidade de vida

para as pessoas.

Eu acho que é importante você falar da sua comunidade, da sua aldeia, do seu

lugar de origem, porque a partir desse momento que você se identifica com o lugar,

você tem mais vontade de participação para resolver as questões que são problemas

do bairro, melhorar o seu bairro para que esse seja um lugar onde você tenha

realmente vontade de morar. A minha vivencia em São Miguel me ajudou a compor

musicas, disso eu não tenho dúvida, tanto que a minha experiência assim, da minha

vivência de adolescente, pelo menos o que eu lembro das coisas de São Miguel como a

Paixão de Cristo, que era filmada pela TV Record, pela TV Tupi, tinha gincanas

automobilísticas aqui na área, quer dizer, tinha uma série de coisas, os filmes, 2 filmes

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que foram feitos aqui em São Miguel, então tudo isso me faz lembrar coisas

importantes aqui na nossa região.

Olha tem uma música que faz parte do meu CD, chamado Amor Urbano, que é

Pro mundo ver São Miguel. Então, eu falo dessas minhas lembranças, falo do

Macumbinha, que foi um músico, falo do cine Lapena, do cine São Miguel, falo dos

meninos, quando eu falo, donos da noite, são morcegos coloridos, são olhos bandidos

para sobreviver, é essa criançada que fica na rua sem muita perspectiva de vida e tal,

mas que faz alguma coisa pra poder sobreviver diante desse cenário maluco que é o

nosso país, é violência, é discriminação, essa falta de inclusão social. Então assim, eu

acho que todos nós, nós seres humanos que somos pensantes é que tem que começar

a despertar para essas coisas. Por que é que as coisas acontecem dessa maneira? Por

que é que essas pessoas são tão miseráveis, outras tão cheias de dinheiro ou coisa que

o valha? Pra começar a tomar atitude e contribuir para ver um Brasil diferente, pra ver

um São Miguel Paulista diferente.

Essa semana mesmo eu toquei sábado passado na Escola Capistrano de Abreu

que fica lá no Jardim Romano, que tem por direção Josafá Rhem e que são professores

educadores que têm a sensibilidade para essa questão da cultura e acha que é

importante essa questão da educação e cultura estarem juntos. E foi muito

interessante porque a gente acaba cantando e contando um pouco da história da

produção cultural de São Miguel Paulista, fala do patrimônio histórico que é essa igreja

com quem eu tenho, assim, uma ligação muito forte, essa igreja que foi fundada,

oficialmente em 1622, mas que há estudos hoje que apontam, documentos do

Vaticano que apontam que essa igreja foi fundada em 1580. E isso é motivo de

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orgulho, porque a gente tem um patrimônio histórico que tem quase a mesma idade

do descobrimento do Brasil.

MPA – MOVIMENTO POPULAR DE ARTE

O MPA era um grupo de artistas que viviam de uma forma solta, aqui em São

Miguel, pós Antônio Marcos, que foi um cantor de sucesso que morou, nasceu aqui em

São Miguel Paulista, e isso foi mais ou menos em 65. O Movimento Popular de Arte,

ele veio em 1978, foi fundado em dezembro de 1978. Mas já existia toda uma

movimentação, por exemplo, o Matéria Prima.

O Movimento Popular de Arte, um grupo de artistas que tinha uma

preocupação de montar em São Miguel Paulista, ou pelo menos discutir, um Centro

Cultural, a construção de um Centro Cultural pra que fosse um espaço de formação e

de discussão dessa produção local. Nós trabalhávamos fazendo passeatas culturais,

vários shows, várias atividades em prol da construção desse Centro Cultural. E aí foram

feitas várias coisas, mas infelizmente a gente não conseguiu por questões políticas da

época e tal, mas de qualquer forma veio uma escola que foi o Darcy Ribeiro, veio um

Centro Municipal de Capacitação Técnica, que de alguma forma veio contribuir para a

formação, para a educação das pessoas nessa região. Ainda hoje, nesse mesmo

espaço, que a gente reivindicava a construção desse Centro ele está lá e a gente tem o

sonho ainda de que isto venha a ser um Centro Cultural de fato. Então, os artistas

tinham isso como objetivo também, contribuíam para vários movimentos, ou seja,

Movimento da Habitação, Movimento de Moradia, e tantos outros, da Saúde; e o

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Movimento tinha esse papel de estar contribuindo e estar sendo solidário para que

esses movimentos outros também atingissem os seus objetivos.

Naquela época não se falava muito nessa questão da cidadania ainda, mas

refletindo nos dias de hoje, eu sentia assim, uma pessoa exercendo o papel de

cidadão, reivindicando os nossos direitos, e fazendo valer. E a gente fazia uma zoada

danada em que às vezes, muitas vezes isso aparecia em jornal como Folha de S.Paulo,

Estado de S.Paulo, o Movimento Popular de Arte de São Miguel Paulista, alguma coisa

do gênero. Conseguia chegar a ecoar. Então, isso pra gente era motivo de felicidade

porque a nossa movimentação, a nossa contribuição criava eco e era isso mesmo que a

gente queria.

A gente faz um trabalho desde 1978 com a fundação do Movimento Popular de

Arte, um trabalho com as escolas, Cultura e educação aqui sempre andaram juntas,

tanto que um bom número de professores hoje que estão aí na faixa de uns 40 anos,

eram pessoas que assistiam, por exemplo, os shows aqui no circo, no MPA Circo, que

era instalado no antigo terreno do cemitério velho ali do lado da Escola Darci Ribeiro.

Isto pra gente é motivo de bastante alegria porque é um trabalho que a gente

desenvolveu lá atrás e reflete de uma forma extremamente positiva, transformadora

de opinião que estão reproduzindo isso em sala de aula.

Os espetáculos por volta de 78 era mais coletivo, porque era o Movimento

Popular de Arte, o MPA, ele tinha um show que se chamava o Show da Casa. E nesse

show colocava poetas, músicos, atores, artistas plásticos. Então, a gente fazia um

trabalho no coletivo. Hoje, esse trabalho é assim, existe uma discussão mais pro

coletivo, mas a atuação, não sei exatamente porque razão, ela tem se dado mais numa

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forma individual. No máximo um ou outro músico que a gente senta pra conversar e

consegue fazer um trabalho juntos. Mas normalmente é um trabalho mais individual

hoje.

Eu tento valorizar a minha música da seguinte maneira, existe uma coisa

chamada indústria cultural, indústria fonográfica, esses meios de comunicação de

massa que é assim, corre exatamente aquilo que eles determinam que tem que ter

sucesso e se o meu trabalho, ele não está enquadrado nesse padrão de sucesso, eu

fico à margem disso. Agora, eu, conhecedor dessa situação, o que é que eu faço? Eu

tento arrumar outras formas de veicular o meu trabalho. Não só eu como outros

artistas do MPA, que hoje em dia não existe mais como movimento, mas os artistas

estão por aí, atuando e buscando novas formas de projetar esse nosso trabalho e levar

o nome de São Miguel Paulista para os 4 cantos do mundo. Isso a gente faz de uma

forma extremamente visceral. Falar da nossa região, do que acontece por aqui e

projetar. Porque assim, se eu não tocar a minha música para vocês, se ela não toca no

rádio, quem é que vai tocar? Então, a minha arma é o meu instrumento, a minha voz e

a minha música. Então, eu tenho que cantar, porque à medida que você vai ouvindo

várias vezes você vai criando uma situação, um impacto e isso vai mexer com as

pessoas que estão ouvindo. E isso pra gente é o que interessa. À medida que ela é

impactante, ela cria uma situação e uma reflexão, uma discussão. Isso pra gente é

bastante interessante.

Tem um monte de músicos que moram ou já moraram em São Miguel, tem

Edvaldo Santana, Sacha Arcanjo, Raberuan, Cecílio Cordeiro que era o pessoal, assim,

que sempre foi o time, que vivia, convivia dentro do Movimento Popular de Arte,

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outros chegando, como Pedro Osmar, que é um paraibano, parceiro do Lenine, Chico

César, Zeca Baleiro, e tantos outros e é um artista multimídia, que andou circulando

aqui por São Miguel e que deixou a sua referência, a sua marca por aqui num processo

de discussão muito mais amplo, inovador, essa coisa toda. Passaram outras pessoas

também, mas que eu estou lembrando agora no momento são essas pessoas.

Eu sinto que o meu trabalho, de alguma maneira aqui, é reflexo do Movimento

Popular de Arte também, ligado às minhas andanças pelo mundo, realidade que é uma

coisa assim, bastante positiva para São Miguel Paulista, para o futuro, ou no médio, ou

de longo prazo, todo esse trabalho que a gente desenvolveu ou vem vindo

desenvolvendo esses anos, eu acho que ele reflete de uma forma extremamente

positiva.

MATÉRIA PRIMA

Matéria prima é o grupo do qual eu saí junto com o Edvaldo Santana, já existia

desde 1965, profissionalmente. Participamos de vários programas de televisão, como o

Fantástico, Clube dos Artistas, Bolinha e tantos outros, só que é o seguinte, o grupo fez

um certo sucesso e depois não foi bem aquilo que a gente imaginou, tivemos que

retornar para o nosso lugar de origem que era o bairro.

CARREIRA

Eu acho que a carreira artística, não só para os músicos de São Miguel, mas de

uma maneira geral, ela é difícil para todos, em vários segmentos, seja o ator, seja o

poeta, o músico principalmente porque há uma disputa muito acirrada. E pelo que a

gente percebe, parece que as artes foram feitas para as pessoas que têm muito

dinheiro e eu discordo disso. À medida que há uma sensibilização, uma educação

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artística de fato, eu acho que assim, as pessoas, elas podem ser educadas

artisticamente, mas não para ser um profissional, mas sim, para melhorar como seres

humanos. Podem optar num segundo momento por ser profissional. Então assim,

acaba sendo extremamente difícil, mas o desafio, ele é bastante interessante. Eu acho

que quem pretende alguma coisa com a carreira artística, tem que lutar, mas lutar

muito como lutar normal um cidadão comum luta pelo seu dia-a-dia, ele não é um

trabalho diferente dos outros porque ele é artista. Muito mais difícil inclusive.

Por onde a gente tem passado, à medida que a gente apresenta as nossas

músicas, sempre tem um tom de otimismo no meu trabalho, às vezes ela provoca uma

certa discussão política, falo dos meus amores, dos meus anseios. Então, eu acho que

todo o mundo tem isso, essa questão do amor, os seus anseios, as suas angústia, e

perspectiva de vida. Então, eu acho que a minha música traduz um pouco isso, e por

onde a gente tem passado, seja nas escolas, na rua, em qualquer lugar, eu acho que a

gente consegue deixar uma semente. E que isso possa ser germinado, regado ali da

melhor maneira, que isso possa dar frutos um dia.

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Equipe Técnica do Projeto SMPB 2006 Coordenação Geral: Maria Alice Setubal Coordenação Técnica: Mauro Bonfim Assistente de Coordenação: Simone Ciraque

Jovens participantes do projeto SMPB Edição 2006 Alan José de Oliveira Bruna Aparecida Pereira da Silva dos Reis Camila Tavares Brazão Cristilene Alves da Silva Daniel da Silva Gomes Diego Albino Figueiredo Douglas de Almeida Carvalho Driyelly Tuanny Cirelli de Souza Ederson Santos Xavier Elenita Ribeiro da Silva Emerson Bezerra Alves Moreira Felipe da Silva Notes Hamitis Nunes Melo Janaína Jane da Silva Jaqueline Pereira de Godoy João Sousa Freire Karolina Lima Bueno Mirella Malagutti Santos Natasha Trudes Carvalho Rafaela Ferreira da Silva Rerisson Oliveira da Silva Carvalho Rodolfo Marques dos Anjos Rosemeiry da Silva Florêncio Sergio da Silva Figueiredo Talita Santos Calkavicius Vanderson Souza Atalaia da Silva Wallace Nunes Soares Neto Wesley Di Giuseppe Silva Windsor Fernandes de Aquino Martins

Moradores do Bairro Entrevistados Anna Loconiela Pizzitola Antonio Xavier dos Santos

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Heitor Theodoro Jesuino Braga José Cecilho Irmão José Luiz Suono (Zé da Balança) Julia Cicchini Luzia Trindade Araújo Zulu de Arrebatá

CPDOC

COORDENAÇÃO Mauro Bonfim ESTAGIÁRIOS Camila Tavares Brazão Diego Albino Figueiredo