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Universidade Católica de Brasília UCB Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação Curso de Letras Trabalho de Conclusão de Curso UM ESTUDO DA TRADUÇÃO DO HUMOR NA SÉRIE ESTADUNIDENSE “HOW I MET YOUR MOTHER” 1 Aluno 2 : Maicon Fabricio dos Santos Paiva Orientadora 3 : Profa. Dra. Alessandra Matias Querido Resumo: O objetivo deste trabalho foi descobrir as principais dificuldades na tradução (legendagem/dublagem) do humor no seriado How I Met Your Mother através da análise de trocadilhos e referências culturais coletadas no seriado. Também procuramos descobrir o motivo pelo qual certas expressões foram adaptadas e não traduzidas literalmente para a língua de chegada. O trabalho foi dividido em sete tópicos: a introdução, as teorias do humor, os elementos culturais e as nuances linguísticas que dificultam a tradução do humor, as definições e teorias acerca da tradução audiovisual, a metodologia usada no desenvolvimento deste artigo, a análise dos dados coletados no seriado e as considerações finais. Desta forma, concluímos que a dublagem e a legendagem apresentam inúmeros desafios. As escolhas lexicais, estilísticas e até filosóficas constituem, por si mesmas, grande parte da dificuldade da tradução. Palavras-chave: How I Met Your Mother. Tradução. Humor. Tradução Audiovisual. Referências Culturais. Trocadilhos. A STUDY OF THE HUMOR TRANSLATION IN THE AMERICAN TV SHOW “HOW I MET YOUR MOTHER” Abstract: The goal of this work was to discover the main difficulties in the translation (subtitling/dubbing) of humor in the TV Show How I Met Your Mother through the analysis of puns and cultural references gathered in the subject of analysis of this paper. We also tried to discover the reason why some expressions were adapted and not literally translated to the target language. This paper was divided into seven topics: The introduction, the theories of humor, the definitions and theories on audiovisual translation, the methodologies used in the development of this work, the analysis of the data gathered in the series and the conclusion. Consequently, we concluded that dubbing and subtitling present a number of challenges. The lexical, stylistics and even philosophic choices integrate alone a big portion of the difficulties found in translation. Keywords: How I Met Your Mother. Translation. Humor. Audiovisual Translation. Cultural References. Puns. 1 Artigo apresentado ao Curso de graduação em Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília UCB, como requisito parcial para obtenção do Título de Licenciado em Língua Inglesa e respectivas literaturas. 2 Graduando do Curso de Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília UCB 3 Professor do Curso de Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília UCB

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Universidade Católica de Brasília – UCB

Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação

Curso de Letras

Trabalho de Conclusão de Curso

UM ESTUDO DA TRADUÇÃO DO HUMOR NA SÉRIE ESTADUNIDENSE “HOW I

MET YOUR MOTHER”1

Aluno2: Maicon Fabricio dos Santos Paiva

Orientadora3: Profa. Dra. Alessandra Matias Querido

Resumo: O objetivo deste trabalho foi descobrir as principais dificuldades na tradução

(legendagem/dublagem) do humor no seriado How I Met Your Mother através da análise de

trocadilhos e referências culturais coletadas no seriado. Também procuramos descobrir o

motivo pelo qual certas expressões foram adaptadas e não traduzidas literalmente para a

língua de chegada. O trabalho foi dividido em sete tópicos: a introdução, as teorias do humor,

os elementos culturais e as nuances linguísticas que dificultam a tradução do humor, as

definições e teorias acerca da tradução audiovisual, a metodologia usada no desenvolvimento

deste artigo, a análise dos dados coletados no seriado e as considerações finais. Desta forma,

concluímos que a dublagem e a legendagem apresentam inúmeros desafios. As escolhas

lexicais, estilísticas e até filosóficas constituem, por si mesmas, grande parte da dificuldade da

tradução.

Palavras-chave: How I Met Your Mother. Tradução. Humor. Tradução Audiovisual.

Referências Culturais. Trocadilhos.

A STUDY OF THE HUMOR TRANSLATION IN THE AMERICAN TV SHOW

“HOW I MET YOUR MOTHER”

Abstract: The goal of this work was to discover the main difficulties in the translation

(subtitling/dubbing) of humor in the TV Show How I Met Your Mother through the analysis

of puns and cultural references gathered in the subject of analysis of this paper. We also tried

to discover the reason why some expressions were adapted and not literally translated to the

target language. This paper was divided into seven topics: The introduction, the theories of

humor, the definitions and theories on audiovisual translation, the methodologies used in the

development of this work, the analysis of the data gathered in the series and the conclusion. Consequently, we concluded that dubbing and subtitling present a number of challenges. The

lexical, stylistics and even philosophic choices integrate alone a big portion of the difficulties

found in translation.

Keywords: How I Met Your Mother. Translation. Humor. Audiovisual Translation. Cultural

References. Puns.

1 Artigo apresentado ao Curso de graduação em Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília – UCB, como

requisito parcial para obtenção do Título de Licenciado em Língua Inglesa e respectivas literaturas.

2 Graduando do Curso de Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília – UCB

3 Professor do Curso de Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília – UCB

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

1 INTRODUÇÃO

A habilidade para apreciar o humor é compartilhada por todos os seres humanos. No

entanto, o que muda é o tipo ou a forma através da qual cada um o aprecia, ou seja, a

percepção desse fenômeno pode variar bastante entre diferentes culturas. O humor pode ser

percebido de diferentes formas, dependendo do conhecimento e do contexto cultural de quem

o presencia. Quando falamos de produtos audiovisuais, isso se torna ainda mais complexo,

podendo representar um problema na hora de traduzir expressões humorísticas. Na

legendagem, por exemplo, existem algumas limitações no que diz respeito ao espaço e ao

número de caracteres que podem ser lidos durante o período da fala dos personagens do

seriado. Em vista disso, o tradutor, muitas vezes, deve tomar certas liberdades para adaptar e

tornar o texto traduzido em algo com o qual o público alvo possa se relacionar. Já a dublagem

possui outras limitações, entre elas a inabilidade para reproduzir variações linguísticas e

dialetais provenientes da língua fonte.

A hipótese investigativa do trabalho ora proposto é que as nuances linguísticas são um

fator complicador da tradução humorística no processo de legendagem e dublagem da série

estadunidense How I Met Your Mother. A série gira em torno de Ted Mosby, arquiteto, que

em 2030 decide contar aos seus dois filhos como ele conheceu a mãe deles. Os eventos

narrados por ele correspondem a tudo que ocorreu de 2005 a 2014. A série também foca na

vida dos 4 melhores amigos do protagonista: Robin Scherbatsky, Barney Stinson, Lily Aldrin

e Marshall Eriksen. Todos os cinco protagonistas são peças fundamentais para os eventos que

levaram Ted a conhecer a mãe dos seus filhos, Tracy, que apenas aparece no final da 8º

temporada. Ela torna-se uma personagem importante durante toda a 9º e última temporada.

A série anglófona supramencionada foi escolhida por ser carregada de referências

culturais e de trocadilhos usados em contextos de humor. Como falamos a língua inglesa

como língua estrangeira e não estamos inseridos no contexto cultural da série, muitas vezes

não somos capazes de entender a fundo todas as referências à cultura norte-americana e nem

todos os jogos de palavras que escutamos nos episódios que serão analisados. Por esses

motivos, as situações linguísticas analisadas neste trabalho serão momentos em que

referências culturais e trocadilhos são usados pelos personagens da trama. Essas expressões

foram escolhidas devido às já citadas nuances linguísticas e culturais presentes no seriado.

O objetivo deste trabalho foi analisar a legendagem/dublagem das expressões

coletadas e descobrir as principais dificuldades na tradução do humor e refletir como certas

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expressões foram adaptadas e não traduzidas literalmente para a língua de chegada. Terá o

tradutor se distanciado do texto de partida para poder se aproximar mais do espectador

brasileiro? Ou terá o profissional seguido o caminho inverso?

O artigo foi dividido em sete tópicos: a introdução, as teorias do humor, os elementos

culturais e as nuances linguísticas que dificultam a tradução do humor, as definições e teorias

acerca da tradução audiovisual, a metodologia usada no desenvolvimento deste trabalho, a

análise dos dados coletados no seriado e as considerações finais.

2 TEORIAS DO HUMOR

Em um primeiro momento, é fácil descrever o que é humor. Ele pode ser definido

como o que nos proporciona divertimento, distração e entretenimento de forma a nos fazer rir

espontaneamente. No entanto, o humor pode variar bastante dependendo do conhecimento, do

contexto cultural e também de cada indivíduo. De acordo com Salvatore Attardo (1994),

definir o que é humor pode ser muito mais difícil do que pensamos. Isso ocorre,

principalmente, devido à natureza abstrata desse fenômeno. Ou seja, o melhor a fazer seria

aceitar qualquer definição que um grupo social proponha.

Segundo Deacon (1997), o riso possui um importante papel na evolução humana,

sendo originalmente desenvolvido por nossos ancestrais como um meio de socialização. Desta

forma, o riso promovia o compartilhamento de experiências emocionais, aliviando o estresse e

diminuindo a agressividade. Deacon também teoriza que a mente abstrata dos seres-humanos

capturou o riso de tal forma a desenvolver o fenômeno que chamamos de humor.

Rod A. Martin (2007) diz que o riso, diferentemente do humor, não necessita de uma

mente humana, ou seja, que pensa de forma abstrata. Durante o desenvolvimento dos bebês

humanos, o riso é uma das primeiras vocalizações usadas para socialização depois do choro.

Deacon (1997) ainda acrescenta que existem evidências de que outros primatas também

desenvolveram formas de riso usadas igualmente para socialização, alívio de estresse e

redução de hostilidade.

Essas teorias nos mostram que o humor é uma característica específica da nossa

espécie, tendo ligações com as partes primitivas do cérebro humano associadas ao

compartilhamento de emoções e redução de hostilidade. No entanto, “humor” não é o mesmo

que “riso”. Na verdade, o riso foi usado como uma resposta eficaz para inseguranças,

surpresas e percepções criadas pela mente abstrata durante a evolução humana. Além das

hipóteses propostas por Deacon (1997) e Martin (2007) acerca das origens do humor e do

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

riso, iremos abordar a seguir, três das mais difundidas teorias do humor, que são as da

superioridade, da incoerência e do alívio.

Vandaele (2002) diz que a teoria da superioridade defende a ideia do riso malevolente,

ou seja, que ocorre quando alguém ri dos menos afortunados ou dos em desvantagem para

sentir superioridade. Nessa teoria, o riso sempre ocorre quando um alvo é diminuído por

quem está rindo. Isto é, sempre existirá uma vítima. Podemos encontrar muitos exemplos

desta teoria no seriado analisado nesta pesquisa. Em diversas ocasiões, Robin é caçoada por

ser canadense. Como exemplo, temos uma piada feita por Marshall na quarta temporada:

Marshall: Ei pessoal, quantos canadenses são necessários para trocar uma lâmpada? O que, oh

não, a lâmpada está apagada. Eu estou com medo (Tradução nossa)!

Marshall: Hey everyone, how many Canadians does it take to change a lightbulb? What, oh

no, the lightbulb is out. I’m scared! (TEMPORADA 4, EPISÓDIO 11).

Essa piada ilustra perfeitamente a teoria da superioridade, pois Marshall usa o

estereótipo de que os canadenses têm medo do escuro para diminuir Robin, e desta forma,

sentir superioridade em relação a eles. Isso não ocorre apenas em frente à diminuição do

outro, mas também através de piadas e trocadilhos que caçoam de regras sociais.

Já a teoria da incoerência, também de acordo com Vandaele (2002) tem como hipótese

que o humor dá-se quando somos surpreendidos com a mistura de duas ideias desconexas.

Partindo deste pressuposto, poderíamos dizer que o humor consiste no encontro do

inadequado com o apropriado. O riso seria apenas uma resposta cognitiva que desenvolvemos

quando nos deparamos com uma situação inesperada ou improvável. Diferentemente da teoria

da superioridade, é levado muito mais em consideração a parte cognitiva do humor do que a

questão social. Isto é, a teoria da incoerência explica como piadas são estruturadas do ponto

de vista cognitivo, mas não em como as questões sociais e culturais influenciam na

efetividade de uma piada.

Na quinta temporada de How I Met Your Mother, temos a seguinte situação: Marshall,

Ted, Lily e Barney estão no local de trabalho de Robin quando ela está prestes a fazer uma

entrevista ao vivo com Ted sobre um modelo arquitetônico do Empire State que ele fez. Na

cena, há um macaco no set de filmagens e um homem com bonecas. Antes que Robin consiga

começar a entrevista com Ted, o macaco foge da sua jaula, pula na mesa onde as bonecas

estão e pega uma delas. Após isso, o macaco escala até o topo do modelo do Empire State

com a pequena boneca na mão enquanto todos na sala olham para improvável situação.

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Quando o seu treinador tenta contê-lo, o cinegrafista começa a jogar aviõezinhos de papel no

macaco. Ted olha para situação e diz:

Ted: Isto está realmente acontecendo? (Tradução nossa)

Ted: Is this really heppening? (TEMPORADA 5, EPISÓDIO 19).

Seria difícil identificar e consequentemente rir da situação caso o telespectador não

tenha o conhecimento do material de origem de onde a cena foi inspirada. A situação trata-se

de uma reprodução cômica de uma cena cult do filme King Kong (1933, 2005) em que um

gorila gigante sequestra uma linda atriz de cinema e sobe até o topo do Empire State.

Pequenos aviões de guerra começam a circular e atirar no gorila para que ele saia do prédio

com a moça. A cena é tão absurda, que Ted percebe que as chances daquilo acontecer na vida

real são quase impossíveis. Mas é a improvável situação que faz a cena engraçada para os

personagens envolvidos. No entanto, são apenas os telespectadores que reconhecerem a

referência ao material original que serão capazes de apreciar completamente a imitação, pois

o humor demanda conhecimento partilhado, ou seja, quem assiste, precisa reconhecer a

referência para poder rir.

Deacon (1997) já havia indicado que não apenas surpresa, mas também conhecimento

são componentes importantes para que o humor aconteça. É necessário ter certo conhecimento

sobre a situação para que haja humor. Isso significa que apesar da percepção de uma

incoerência, o humor é entendível de formas diferentes.

Também temos a teoria do alívio, que argumenta que o humor é causado pela remoção

de barreiras impostas pela sociedade e não por uma sensação de superioridade ou pelo

conhecimento de uma incoerência. As pessoas fazem piadas de convenções sociais que

reprimimos, como sexo e religião para poderem remover tensões do dia a dia. Freud é um dos

principais teóricos a desenvolver esta hipótese com o seus estudos no campo da psicanálise.

Ele foca primeiramente na parte psicológica de como recebemos e entendemos uma piada.

Questionar tais regras que a sociedade nos impõe com humor pode ser considerado uma

forma de quebrar tabus, a vista disso, o humor resultante nos causa grande alívio, devido à

fuga de sentimentos que normalmente reprimimos no nosso dia a dia (FREUD, 2002).

Todas as três teorias do humor mencionadas aqui estão entrelaçadas. Por exemplo,

quando caçoamos de convenções sociais, fazemos isso porque nos achamos superiores a tais

regras que a sociedade nos impõe. Ou seja, na teoria do alívio, podemos encontrar elementos

da teoria da superioridade. Agora que já abordamos as teorias pertinentes ao humor, iremos

discutir a seguir, como as nuances linguísticas e culturais podem influenciar a forma como os

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

membros de uma sociedade percebem o humor e como isso pode significar um problema na

hora de traduzir expressões humorísticas.

3 TRADUÇÃO, HUMOR, LÍNGUA E CULTURA

Lefevere (1992) define tradução como sendo o processo no qual procuramos

reproduzir no texto alvo o equivalente mais próximo da mensagem que o texto fonte quis

transmitir para o seu público. Nesta definição, nós podemos ver claramente que o autor

reconhece que qualquer tradução está sujeita a passar por problemas de equivalência, tanto

culturais quanto linguísticas. Quando falamos da tradução de expressões humorísticas, isso se

torna ainda mais complicado devido ao humor ser um fenômeno altamente subjetivo e

consequentemente de difícil tradução.

A tradução do humor é considerada uma das modalidades tradutórias mais difíceis.

Isso ocorre principalmente devido a nuances linguísticas e culturais. Diante disso, o humor é

muitas vezes intangível e característico de cada grupo social, podendo vir a se tornar um

pesadelo para os tradutores profissionais. (CHIARO 2010).

Assim como dito por Deacon (1997), conhecimento é um dos fatores principais para

que o humor aconteça. E muitas vezes, esse conhecimento está relacionado com elementos

culturais únicos de cada grupo. Podemos dizer então, que uma tradução de humor falhou

quando ninguém rir, ou seja, quando o público não reconheceu a referência cultural da piada.

A título de exemplo, uma referência a um filme ou livro é apenas compreendida por aqueles

que possuem pelo menos um conhecimento vago do que está sendo referenciado. Para

entendermos melhor, é necessário revisitarmos as teorias apresentadas anteriormente. Em

outras palavras, precisamos ter o conhecimento da incoerência, das regras sociais ou dos

temas tabus envolvidos na situação. Do contrário, o tradutor não será capaz de adaptar certos

termos para a língua alvo.

Edward Tylor (1971) descreve cultura como sendo crenças, conhecimento e qualquer

outro costume adquirido pelo homem na condição de membro da sociedade. Ou seja, cultura

pode ser considerada como tudo que é produzido pela humanidade, seja isso material ou em

forma de crenças e costumes. Devido a isso, na tradução da língua alvo para a língua fonte

devem ser levados em consideração, não somente os aspectos linguísticos, mas também, as

diferenças culturais que existem entre as duas línguas sendo trabalhadas. Desta forma, a

mensagem poderá ser transmitida de forma mais clara. Ou seja, o tradutor precisa ter um vasto

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conhecimento não só das línguas sendo trabalhadas, mas também das culturas envolvidas. A

partir deste conhecimento o tradutor será capaz de fazer as adaptações necessárias no texto.

Adaptações e mudanças no texto alvo são muitas vezes necessárias para tornar a

tradução mais acessível para o público e preservar o humor na mensagem. Muitas vezes, isso

pode significar que algumas das referências encontradas no texto fonte podem vir a não existir

em ambas as línguas/culturas envolvidas, assim, podendo ser trocadas por outras referências

que proporcionem o máximo de equivalência na mensagem que o texto fonte quis transmitir.

Essa técnica é chamada de domesticação. O contrário da domesticação seria a

estrangeirização, que é quando o tradutor opta por manter a expressão original, sem se

preocupar com as diferenças culturais e linguísticas presentes nas duas línguas sendo

trabalhadas (VENUTI 1995).

A domesticação adapta o texto fonte de acordo com a realidade da cultura/língua alvo,

deste modo, a mensagem pode ser claramente entendida pelo público que consome a tradução.

Isso é normalmente feito através da remoção de expressões e referências que seriam

incompreensíveis ou de difícil compreensão caso fossem traduzidas literalmente.

Agora falaremos de trocadilhos e como esse recurso linguístico pode vir a dificultar a

vida dos tradutores tanto quanto as referências culturais. Os teóricos Helitzer e Shatz (2005)

definem trocadilhos, em termos gerais, como sendo um jogo de palavras com significados ou

formas semelhantes que são usadas intencionalmente com propósito de causar confusão e

diversão nas pessoas. Os autores ainda acrescentam que o ouvido transmite a mente a

interpretação mais familiar que temos de cada palavra que ouvimos. Devido a isso, os

trocadilhos são mais efetivos quando falados ou ouvidos do que quando os escrevemos. A

maioria dos trocadilhos são estruturados a partir de palavras homônimas ou quase

homônimas, que possuem sons bem parecidos e muitas vezes até grafias, mas não são

exatamente iguais e possuem significados diferentes. Devido à similaridade entre certas

expressões, elas se tornam perfeitas na formulação de piadas.

Trocadilhos criam uma série de dificuldades quando precisamos traduzi-los, pois,

muitas vezes não é possível reproduzir o mesmo jogo de palavras em ambas às línguas. Isso

faz com que o tradutor precise mudar toda a piada para que o público alvo possa apreciá-la.

Devido a isto, muitas vezes há muitas perdas de significado, porém, também há ganhos que

podem melhorar a piada já que sempre devemos pensar em como o público alvo irá reagir ao

humor traduzido. No tópico a seguir, falaremos de tradução audiovisual e suas principais

vertentes, entre elas, a dublagem e a legendagem que são os objetos de estudos desta pesquisa.

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

4 TRADUÇÃO AUDIOVISUAL

Segundo o teórico Jorge Díaz Cintas (2009), esse é o ramo dos estudos da tradução

que lida com a transferência de textos multimídia para outras línguas e culturas com o

propósito de facilitar a distribuição desses materiais em diferentes mercados. De outro modo,

podemos dizer que essa modalidade tradutória não se limita apenas a transferir o texto de uma

língua para outra, mas também é dependente de uma grande variedade de recursos semióticos.

O que significa que, não só o texto deve ser levado em consideração, mas também as imagens,

o som, as cores, perspectivas e qualquer outro recurso semiótico que possa ser usado pelos

personagens de uma série de TV ou filme deve ser analisado atentamente para que o resultado

final esteja semanticamente adequado com as falas originais.

Díaz Cintas e Ramael (2007), afirmam que a tradução audiovisual é a atividade

tradutória que mais cresce na atualidade. Isso se deve principalmente ao público que consome

produtos audiovisuais como cinema, TV e, mais recentemente, os serviços de streaming como

a Netflix e a Amazon Prime, ser numeroso. O valor da imagem é fundamental nas nossas

vidas, sem contar que estamos literalmente cercados por telas de todos os tamanhos e formas.

Televisores, cinemas, computadores e celulares são comuns e também características

recorrentes do nosso contexto social. Nós esbarramos neles em casa, no local de trabalho, no

transporte público, em bibliotecas, bares, restaurantes e cinemas todos os dias.

Quando falamos de tradução audiovisual, normalmente nos referimos a legendagem e

dublagem, que de fato são as duas principais e mais difundidas modalidades dentro dessa

especialidade e, com o crescimento cada vez maior desse ramo desde 1990, a necessidade de

tradutores e pesquisadores que trabalhem nessa área é também cada vez maior (DÍAS

CINTAZ; RAMAEL 2007).

No entanto, a tradução audiovisual vai muito além da legendagem e dublagem.

Também temos legendas especiais para surdos e a autodescrição. As legendas especiais para

surdos e deficientes auditivos, também chamadas de close caption, além de representarem a

parte escrita da fala, também descrevem os sons para que o público surdo possa ter noção dos

efeitos sonoros que são de suma importância em determinadas cenas (NEVES in DÍAS

CINTAZ AND ANDERMAN, 2009).

Já a autodescrição consiste em transformar imagens em sons, tendo como objetivo

principal tornar recursos audiovisuais como cinema e TV mais acessível para deficientes

visuais. Por essa razão, essa técnica vem ganhando maior visibilidade à medida que a

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comunidade com necessidades especiais têm os seus direitos reconhecidos (FRANCO e

SILVA em MOTTA E ROMEU FILHO, 2010).

Apesar de a tradução audiovisual ser muito mais ampla do que apenas dublagem e

legendagem, iremos focar apenas nessas duas modalidades, de forma a mostrar as principais

diferenças entre ambas. Os outros campos dos estudos da tradução audiovisual foram citados

apenas a título de informação, para que todos saibam o quão grande são os estudos e as

possibilidades nessa área.

Jorge Días Cintaz e Aline Ramael (2007) descrevem a legendagem como sendo um

texto escrito, geralmente presente na parte inferior da tela, que tem como função recontar os

diálogos originais, assim como os elementos discursivos que aparecem na imagem. Além

disso, Días Cintaz e Ramael também afirmam que a legendagem foi ignorada por acadêmicos

durante muitos anos, no entanto, devido à crescente proliferação e distribuição de materiais

audiovisuais na nossa sociedade, a legendagem tornou-se uma das áreas que mais crescem e

ganham visibilidade no mundo acadêmico. Junto a isto, as legendas ajudam o público a

entender a parte falada de um filme ou série de TV enquanto escutam os diálogos originais.

Mas, existe uma série de limitações no que tange o espaço que temos na tela, o tempo que

temos para ler as legendas, e entre outras limitações que discutiremos mais adiante.

Dados empíricos sugerem que legendas podem entregar até 43% menos texto do que a

fala original, dado as limitações provenientes da sincronia entre a fala e as legendas que a

indústria demanda. É esperado que os tradutores priorizem as intenções comunicativas da fala

acima da semântica dos constituintes lexicais individuais (PÉREZ GONZÁLEZ in BAKER

AND SALDANHA 2009).

Todo programa de legendagem é composto por três componentes principais: a fala, a

imagem e a legenda. Días Cintaz e Ramael (2007) dizem que a interação desses três

componentes, mais a habilidade do telespectador de ler tanto as legendas quanto o que está

acontecendo na imagem, levando em consideração as restrições de tempo, espaço na tela, o

número de caracteres permitidos, o sincronismo entre os diálogos e as imagens e o contexto,

que deve levar em consideração todos os elementos semióticos para que o resultado final

esteja adequado com o texto original, é o que determina as características básicas que fazem

da legendagem um material audiovisual.

O tempo que as legendas devem permanecer na tela vai depender do país de chegada.

Mas de modo geral, o tempo flutua entre 5 e 7 segundos para que o público possa lê-las. Deste

modo, podemos dizer que devido a todas as limitações citadas anteriormente, as legendas

podem não conseguir reproduzir todas as nuances que a fala conseguiria na mesma situação.

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

A título de exemplo, as legendas não conseguem reproduzir o que se expressa através de

acento, entonação e ritmo. Os tradutores não podem usar estruturas complexas, eles precisam

ser breves e concisos para aumentar a legibilidade para o público. Isso pode vir a resultar em

perdas de significado, tornando o trabalho do tradutor uma difícil tarefa, já que ele precisa

decidir o que deve ou não deve ser perdido, e muitas vezes, uma pequena perda de

significado, pode acarretar uma mudança significativa no resultado final. (TVEIT in DÍAS

CINTAZ AND ANDERMAN, 2009).

Luyken et al (1991), diz que a velocidade que um adulto ler os textos das legendas,

gira em torno de 150 até 180 palavras por minuto. No entanto, esses dados dependem bastante

da complexidade do texto e da informação sendo passada. Se o público não tem conhecimento

sobre a informação, a acessibilidade será baixa e consequentemente o tempo de exposição às

legendas será maior. Minchinton (1993) acrescenta que o tempo que levamos para ler as

legendas é também afetado pelo gênero do que estamos assistindo. Por exemplo, romances e

comédias são considerados fáceis, já ficção científica e histórias policiais representam um

desafio maior para o público, já que muitas das expressões presentes nesses gêneros podem

não ser reconhecidas por quem assiste (Apud TVEIT in DÍAS CINTAZ AND ANDERMAN,

2009).

A dublagem juntamente com a legendagem é uma das duas práticas mais comuns de

tradução audiovisual. Segundo Luyken et al (1991) a dublagem é o processo através do qual a

fala original de um ator/atriz é substituída pela de um dublador, esse processo tem como

intuito recriar a fala original em outra língua, sempre respeitando da melhor forma possível à

sincronia entre a fala, as imagens, os sons e o movimento labial para que o resultado final soe

o mais natural possível.

Rocha Farias (2014), em sua dissertação de mestrado, afirma que além da dublagem

que conhecemos de filmes e séries, também existe o voice-over que é quando a voz do

dublador sobrepõe a fala do ator, no entanto, o áudio original ainda pode ser ouvido no

background. Essa técnica é normalmente usada em transmissões ao vivo, programas de

auditório e documentários.

A dublagem é considerada uma das formas mais compreensíveis de tradução. No

entanto, é necessário um alto nível de conhecimento na língua, e não apenas conhecimento

gramatical, mas também da semântica e prosódia para que a dublagem possa respeitar o

máximo possível à sincronia entre a fala e os elementos visuais presentes na cena.

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(WHITMAN-LINSEN 1992 Apud PÉREZ GONZÁLEZ in BAKER AND SALDANHA

2009).

Além disso, Dias Cintaz (2007), afirma que a dublagem tem um custo muito maior se

comparado à legendagem. Isso se deve principalmente ao fato da legendagem necessitar de

um número menor de profissionais, enquanto a dublagem, além do tradutor, é necessária uma

equipe de direção, atores e entre uma série de elementos que tornam essa prática muito mais

demorada e cara. Também deve ser levada em consideração a inabilidade da dublagem de

reproduzir variações linguísticas e dialetais provenientes da língua fonte. Isso termina fazendo

com que essa técnica tenha uma tendência a neutralização cultural (PAVESI 2005 apud

PÉREZ GONZALEZ in BAKER AND SALDANHA 2009).

Em How I Met Your Mother, por exemplo, a maior parte dos personagens fazem

piadas relacionadas ao sotaque canadense de Robin, no entanto, quando escutamos a versão

dublada, essas piadas são quase que totalmente ignoradas e consequentemente são

substituídas em um processo de neutralização cultural. A dublagem, assim como a

legendagem, também possui uma série de restrições. Para começar, Tveit (2009) afirma que

as limitações presentes nessa modalidade são óbvias. Uma delas seria a perda de

autenticidade, já que boa parte das características de um personagem se encontra na voz do

ator que o interpreta. A voz está intimamente ligada com a linguagem corporal do ator, e isso

nem sempre e reproduzido tão bem pelo dublador.

Não apenas a autenticidade é perdida na dublagem, mas de acordo com Tveit (2009), a

credibilidade também é comprometida. Mesmo que não possamos compreender as palavras

sendo faladas, a voz e a linguagem corporal por si só, já são capazes de nos proporcionar um

grande número de informações. Mesmo a entonação variando de língua para língua, existem

características universais como as expressões de dor, perda e felicidade que não devem ser

ignoradas pelo dublador. A linguagem corporal estar intimamente ligada ao ritmo, a ênfase e

ao volume da voz. Essas características contribuem consideravelmente para que as

informações não só do falante, mas também do contexto da cena sejam passadas com sucesso

para o público. Esses detalhes podem ser consideravelmente perdidos na dublagem.

Mesmo que o público alvo não entenda o que está sendo dito na fala original, apenas o

fato de escutarmos a voz dos atores já nos transmite uma quantidade enorme de informações

de cunho linguístico e cultural que certamente seriam perdidos na dublagem ou voice-over.

Como consequência, a legendagem tende a preservar certas características culturais que a

dublagem não conseguiria.

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

Apesar de todas as limitações, essa é uma modalidade tradutória muito importante. A

importância da dublagem é mais acentuada quando pensamos no fato de que ainda existem

pessoas com dificuldade para leitura, e por essa razão, precisam da dublagem para poder

apreciar produções audiovisuais como TV e cinema (TVEIT in DÍAS CINTAZ AND

ANDERMAN 2009). Agora iremos partir para as metodologias usadas no desenvolvimento

do trabalho e a análise dos dados coletados no seriado.

5 METODOLOGIA

Primeiramente, fizemos uma pesquisa bibliográfica acerca da tradução audiovisual

(legendagem e dublagem), das teorias do humor, dos fatores culturais e linguísticos que fazem

da tradução do humor um trabalho árduo e uma coleta de dados no seriado estadunidense How

I Met Your Mother usando a dublagem e as legendas encontradas na plataforma de streaming

Netflix a fim de encontrar dados que sustentem a hipótese proposta.

A escolha dos episódios foi feita considerando a quantidade de termos que foram

adaptados devido a diferenças culturais ou linguísticas. Procuramos priorizar expressões que

apresentassem essa dificuldade de tradução, de modo a otimizar a capacidade analítica de

cada uma delas. Também investigamos como foram feitas as traduções do texto fonte para o

texto alvo, se o humor foi mantido de forma a preservar a mensagem original ou se

adaptações foram necessárias para que o público alvo possa relacionar-se com as situações

humorísticas presentes no seriado.

A análise das ocorrências da tradução (Legendagem e Dublagem) foi feita da seguinte

maneira: Primeiro assistimos ao episódio do seriado com áudio em inglês. Ao notarmos

qualquer ocorrência de referências culturais ou trocadilhos, a mesma cena foi vista com

legendas em português uma segunda vez e depois uma terceira vez dublada no episódio

correspondente. Em seguida, dividimos as a referências culturais e os trocadilhos a serem

analisados em tabelas com as expressões originais, episódios e temporada a qual pertencem e

suas respectivas versões dubladas e legendadas. Após isso, os diálogos foram transcritos com

um breve resumo das cenas para ajudar na contextualização e nos resultados obtidos.

6 ANÁLISE DOS DADOS

Baseado nas expressões analisadas nas tabelas abaixo, tentamos chegar a um consenso

do motivo de em algumas delas haver domesticação e em outras não. Na primeira expressão,

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temos uma referência a outro seriado chamado Tales from the Crypt/Contos da Cripta. Ou

seja, primeiramente o público precisa conhecer a série sendo referenciada para que a piada

funcione em sua totalidade, pois Deacon (1997) afirma que conhecimento é essencial para que

o humor aconteça. A situação em que a expressão ocorreu foi quando Ted ficou com ciúmes

de Robin por ela estar namorando um homem mais velho. Segue as falas transcritas abaixo:

Ted: Well, how come we’re all allowed to bust on Barney when he dates some skanktron, but

when you sleep with the Crypt Keeper’s dad, I’m not allowed to say a word?

Ted: Bem, como que todos podem zoar o Barney quando ele namora alguma baranga, mas

quando você dorme com o Pai guardião da cripta/velhote, eu não posso dizer nada?

(Tradução nossa).

EXEMPLO 1

ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO

Crypt Keeper's dad Velhote

Pai guardião da cripta Terceira 9 -Slapsgiving

Fonte: O autor.

A versão dublada parece assumir que o público entenderá a tradução literal, já a versão

legendada faz o oposto e opta pela domesticação citada por Venuti (1995), o que pode ser

uma forma de ajudar a quem ler as legendas, uma vez que as expressões usadas na versão

legendada são bem mais simples e rápidas para ler do que a versão vista na dublagem.

Também podemos relacionar a piada de Ted com a teoria da superioridade citada por

Vandaele (2002), pois Ted está tentando diminuir o namorado de Robin, para mostrar que é

superior.

Agora vamos ao segundo exemplo, onde temos uma situação bem parecida com a

primeira, onde Ted conhece Bob, o namorado de Robin, e o chama de “Orville Redenbacher”

para insulta-lo. Segue abaixo a transcrição das falas:

Robin: Oh, there's Bob! By the way, heads up, he's a little bit older than us.

Ted: Robin is dating Orville Readenbacher.

Robin: Oh, ali está o Bob! A propósito, ele é um pouco mais velho que a gente.

Ted: Robin está namorando o Orville Readenbacher/Matusalém (Tradução nossa).

EXEMPLO 2

ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO

Orville

Rendenbacher

Matusalém Orville Readenbacher Terceira 9 -Slapsgiving

Fonte: O autor.

Ted usou o nome de Orville para enfatizar o quão velho o namorado de Robin era. A

expressão é uma referência a Orville Clarence Readenbacher, um americano normalmente

associado a marca de pipocas com o seu nome. Orville nasceu em 16 de julho de 1907 e

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

morreu aos 93 anos em 1995 (TOPPING, 2011). O interessante é que temos o mesmo caso da

primeira expressão analisada. Eles mantiveram o texto original, assumindo que o público irá

reconhecer a expressão, enquanto que a versão legendada foi domesticada. Os tradutores

usaram uma referência bíblica muito mais comum. A domesticação, assim como na primeira

piada, provavelmente ocorreu devido aos tradutores terem assumido que é muito mais fácil

entender um input sonoro do que escrito, então eles optaram por uma referência mais comum

e consequentemente de fácil compreensão.

O terceiro exemplo trata-se da palavra “beaver/castor” que nos Estados Unidos da

América é também usada como uma gíria para “vagina”. Já no Canada é um animal símbolo

do país. A situação em si, acontece quando Barney descobre que Robin costumava apresentar

um programa infantil quando ainda morava no Canadá. Na cena, Robin está usando castores

fantoches e quando Barney e Ted veem isso, eles caem na gargalhada e Robin fica chateada,

alegando que os castores são um símbolo de amizade em seu país. Segue a transcrição de

parte das falas:

Robin: Hey Jessica, How’s your beaver?

Jessica: Great, How’s your beaver?

Robin: Busy as ever.

Robin: Ei Jessica, como tá a sua bichinha/castor?

Jessica: Maravilhosa, como tá a sua?

Robin: Ocupada como sempre (Tradução nossa).

EXEMPLO 3

ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO

Beaver Bichinha Castor Sexta 9 -Glitter

Fonte: O autor.

Assim como nos exemplos anteriores, a versão legendada foi adaptada e a dublada

traduzida literalmente. O problema aqui é que em ambas as versões houve perda de

significado, já que no Brasil não usamos a palavra castor com a mesma conotação que os

americanos e canadenses. Na versão legendada, podemos ver que eles tentaram de forma

frustrada manter o sentido de vagina. Se não fossem os castores fantoches, eles poderiam ter

usado qualquer outra analogia, como a palavra perereca por exemplo. No entanto, mesmo que

essa adaptação fosse possível, haveria a perda das referências culturais canadenses e

americanas. Ou seja, podemos assumir que algumas referências são simplesmente

intraduzíveis quando as imagens na tela nos limitam a esse ponto. A situação também pode

ser ligada a teoria do alívio de Freud (2002) por se tratar de uma expressão tabu. A teoria do

alívio afirma que usamos expressões tabus para nos aliviarmos do estresse do dia a dia.

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O trocadilho analisado a seguir, pertence a slap bet/aposta do tapa. Na segunda

temporada, Marshall e Barney apostam para descobrir o motivo pelo qual Robin tem receio de

ir a shoppings. O prêmio para o vencedor é ter o direito de dar cinco tapas na cara do outro em

qualquer momento da vida sem a chance de vingança. Segue parte das falas transcritas:

Lilly: All right, we have a turkey. Isn’t this exciting? Our first thanksgiving together as a

group?

Marshall: Oh yeah, this is gonna be the best slapsgiving together.

Lilly: Olhem isso, nos temos um peru. Isso não é ótimo? O nosso primeiro dia de ação de

graças juntos como um grupo?

Marshall: Sim, isso vai ser a melhor estapeação de graças/dia dos tapas juntos (Tradução

nossa).

EXEMPLO 4

ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO

Slapsgiving Dia dos tapas Estapeação de graças Terceira 9 -Slapsgiving

Fonte: O autor.

Neste trocadilho também temos uma referência cultural americana. Na legendagem,

podemos observar que a referência ao dia de ação de graças foi completamente perdida, já na

dublagem, foi mantida como em todos os casos anteriores. No caso desse exemplo, a

legendagem poderia facilmente ter ficado da mesma forma que a dublagem já que além de ter

mantido a referência, muitos também conhecem esta data comemorativa americana aqui no

Brasil através de filmes e séries.

Em nosso último exemplo, temos outro trocadilho, um bordão usado pelo personagem

Barney. A palavra “dairy” significa laticínio (produto derivado do leite), mas, também tem a

função de completar a palavra “legenDARY (legendário)”. A expressão “dairy” e “dary”

possuem a mesma pronúncia (homófonas), porém, com escritas diferentes.

EXEMPLO 5

ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO

“Legen” - wait for it

and I hope you’re

not lactose intolerant

because the next

word is “Dairy”

“Lend” - e espero que

não se oponha, pois a

palavra é “Lendário”

“Legen” – espera um

pouquinho, porque eu

acho que você não vai

gostar da segunda metade

da palavra ... “Dario”.

Primeira 3 - Sweet

Taste of

Liberty

Fonte: O autor.

A partir dessa observação, podemos perceber o quanto é difícil traduzir essa

brincadeira com as palavras “dary” e “dairy”. Tanto na dublagem quanto na legendagem a

mensagem original foi perdida completamente. Não apenas expressões como a do exemplo

três, em que os tradutores se depararam com uma barreira imposta pelas imagens audiovisuais

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Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”

na tela, tornam um texto difícil para traduzir . Jogo de palavras, como visto neste exemplo,

também podem ser intraduzíveis, já que raramente é possível reproduzir o mesmo jogo de

palavras em línguas diferentes.

Ao analisarmos as expressões coletadas na série How I Met Your Mother, podemos

notar que houve domesticação das referências culturais na versão legendada, apesar do

mesmo não ter ocorrido na versão dublada. Isso acontece quando a referência é também

conhecida na cultura do texto de chegada.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, tivemos como objetivo analisar a dublagem e a legendagem do humor

na série estadunidense How I Met Your Mother. Nossa principal preocupação foi identificar

ocasiões que trocadilhos e referências culturais específicas à cultura norte-americana foram

usados. Em tais ocasiões, procuramos verificar que abordagem foi tomada pelo tradutor para

que ele pudesse chegar às soluções encontradas durante a coleta de dados deste trabalho.

O que pudemos verificar foi que na maioria dos casos, houve algum tipo de

domesticação nas referências culturais e trocadilhos analisados, seja motivada por aspectos

linguísticos, culturais ou técnicos. O tradutor preferiu ora referências conhecidas do público,

ora mudar o referente, adotando outro, de identificação considerada mais fácil. Nesses casos,

também percebemos que a domesticação ocorreu apenas nas versões legendadas, enquanto

que na dublagem, eles sempre optaram por manter o texto traduzido literalmente.

Houve ocasiões, contudo, em que a mensagem original não foi apenas perdida, no

caso das legendadas e dos trocadilhos, mas também substituídas por termos ou expressões que

não reservam qualquer associação com o texto de partida. Esse foi o caso nas seguintes

ocasiões: “beaver” que ficou como “bichinha” e o trocadilho com as palavras “dary/dairy”

que foi totalmente perdido, tanto na legendagem quanto na dublagem. No entanto, temos que

considerar a dificuldade em traduzir as expressões do texto de partida, pois “beaver” tinha as

imagens que não permitiam muitas adaptações, já “dary/dairy” é um jogo de palavras

complicado para reproduzir da mesma forma no português. Outro exemplo de domesticação

foi a troca de elementos culturais por outros elementos que conhecemos no Brasil, que foi o

caso de “Orville Redenbacher” que ficou “matusalém”.

Podemos concluir, enfim, que a legendagem e a dublagem, na tentativa de retratar a

cultura de partida e o humor das cenas para o público alvo de maneira mais simples, acabou

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por perder algumas referências, fazendo que os elementos culturais estrangeiros e muitas

vezes o humor também fossem perdidos. Não estamos dizendo que a tradução não possui

momentos tão engraçados quanto o original, mas que muito se perde do humor quando este é

traduzido de uma língua para outra.

No entanto, devemos estar cientes que o processo de dublagem sofre influência de

vários profissionais, desde o tradutor, passando pelo roteirista, diretor de dublagem e os

atores. Portanto é um processo muito mais demorado e caro do que a legendagem.

Recomenda-se bom senso e precaução ao se avaliar uma tradução. Devemos ter em mente

todo o processo e não apenas o produto final.

Reconhecemos, finalmente, que a dublagem e a legendagem, pelo simples fato de

serem modalidades tradutórias, apresentam inúmeros desafios. As escolhas lexicais,

estilísticas e até filosóficas constituem, por si mesmas, grande parte da dificuldade da

tradução. Além desses, comuns às outras modalidades, outros desafios se apresentam

especificamente na dublagem. Como, vimos o primor pelos aspectos técnicos, à necessidade

da sincronia e entre outros já mencionados anteriormente. Cabe ao tradutor, estar ciente de

suas atribuições e encarar estes desafios como estímulo em busca da excelência.

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