trichuris trichiura - cap. 34

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e Outros Trichuridas i Entre os nematódeos pertencentes a ordem Trichurida, três gêneros apresentam grande importância médica e vete- rinária: Trichuris. Trichinella e Caoillaria. Estes nemató- deos, como outra; ordens da classe Âdenophorea (=Aphas- mida, =Enoplea), não apresentam órgãos sensoriais denomi- nados fasmídes, além da ausência de canais laterais do sis- tema excretor. Na superficie ventral da região esofagiana de Trichurida pode-se observar uma série de glândulas unice- lulares com pequenos poros denominada camada bacilar, que, provavelmente, estão relacionadas com a regulação osmótica destes vermes. Nos representantes da ordem Trichurida, a abertura bucal, localizada na extremidade ante- rior do parasito, é desprovida de lábios e a cápsula bucal é muito reduzida ou ausente. O esôfaeo constitui um tubo w delgado, com musculatura pouco desenvolvida, e na porção posterior é marginado por uma coluna de células glandula- res denominadas esticócitos. TRICHURIS TRICHIURA A infecção de T trichiura tem distribuição cosmopoli- ta, sendo estimado cerca de 1 bilhão de pessoas infectadas no mundo, das quais, aproximadamente 350 milhões apre- - sentam idade inferior a 15 anos e, geralmente, estão expos- '?ás a infecções com alta carga parasitária, apresentando os quadros mais graves desta helmintose. Apesar de ampla- mente distribuída, a tricuríase é mais prevalente em regiões de climaquente e ÚEdo e condições sanitárias precárias, - que favorecem a contaminãção ambienta1 e a sobrevivência bos ovos do parasito. Os vermes adultos apresentam uma -fõiatípica semelhante a um chicote (whipworms, como são conhecidos na língua inglesa). Esta aparência é conse- qüência do afilamento da região esofagiana, que compreen- de cerca de 213 do comprimento total do corpo, e do alarga- mento posterior, na região do intestino e órgãos genitais. Portanto, a denominação do gênero Trichuris (cauda em for- ma de cabelo), proposta por Roederer, em 1761, morfologi- camente representa um engano. Em 1782, Goeze propõe a designação de Trichocephalos (cabeça em forma de cabe- lo) para o gênero, e Schrank, em 1788, conige para Tricho- cephalus, que apesar de morfologicamente correto e ampla- mente utilizado por laboratórios de análises clínicas, não foi aprovado pelo Comitê de Nomenclatura da Sociedade Ame- ricana de Parasitologia. Dados arqueológicos sugerem que a associação Tri- churis - Humanos é bastante antiga.,. tendo o parasito, provavelmente, se adaptado ao parasitismo ainda no an- cestral primata. Relatos da presença de ovos no solo, em cnp_rriJos gu no intestino de múmias sugerem que a tricuríase era endêmica por toda a Eurásia, mesmo em re- giões de clima temperado. O fato de atualmente se obser- var uma alta prevalência desta parasitose somente em re- giões tropicais e subtropicais é, provavelmente, conse- qüência da melhoria das condições sanitárias das popula- ções humanas residentes em regiões temperadas. Na Amé- rica, ovos de Trichuris foram identificados no intestino de um menino inca da região do Chile, que viveu no ano 500, indicando que a infecção por T trichiura na população da América do Sul se estabeleceu antes da chegada dos co- lonizadores europeus. Apesar de humanos serem o principal hospedeiro de T trichiura e o único relevante para a transmissão desta infec- ção, existem relatos da infecção de porcos e macacos com esta espécie de Trichuris. Por outro lado, também existem al- guns relatos de diarréia em crianças da Índia causada pela infecção por T vulpis, espécie de tricurídeo que utiliza canídeos como hospedeiro. Adultos: T trichiura medem de 3 a 5cm de comprimen- to, sendo os machos menores que as fêmeas. A boca, loca- lizada na extremidade anterior, é uma abertura simples e sem lábios, seguida por um esôfago bastante longo e delgado, que ocupa aproximadamente 213 do comprimento total do verme (Figs 34.1 e 34.2A). Na porção final, o esôfago apre- senta-se como um tubo de parede delgada, circundado por uma camada unicelular de grandes esticócitos (Fig 34.2C). A parte posterior do corpo de T trichiura, cerca de 113 do comprimento total, compreende a porção alargada, onde se localiza o sistema reprodutor simples e o intestino que termina Capitulo 34

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Page 1: Trichuris trichiura - cap. 34

e Outros Trichuridas

i

Entre os nematódeos pertencentes a ordem Trichurida, três gêneros apresentam grande importância médica e vete- rinária: Trichuris. Trichinella e Caoillaria. Estes nemató- deos, como outra; ordens da classe Âdenophorea (=Aphas- mida, =Enoplea), não apresentam órgãos sensoriais denomi- nados fasmídes, além da ausência de canais laterais do sis- tema excretor. Na superficie ventral da região esofagiana de Trichurida pode-se observar uma série de glândulas unice- lulares com pequenos poros denominada camada bacilar, que, provavelmente, estão relacionadas com a regulação osmótica destes vermes. Nos representantes da ordem Trichurida, a abertura bucal, localizada na extremidade ante- rior do parasito, é desprovida de lábios e a cápsula bucal é muito reduzida ou ausente. O esôfaeo constitui um tubo w

delgado, com musculatura pouco desenvolvida, e na porção posterior é marginado por uma coluna de células glandula- res denominadas esticócitos.

TRICHURIS TRICHIURA A infecção de T trichiura tem distribuição cosmopoli-

ta, sendo estimado cerca de 1 bilhão de pessoas infectadas no mundo, das quais, aproximadamente 350 milhões apre- - sentam idade inferior a 15 anos e, geralmente, estão expos-

'?ás a infecções com alta carga parasitária, apresentando os quadros mais graves desta helmintose. Apesar de ampla- mente distribuída, a tricuríase é mais prevalente em regiões de climaquente e ÚEdo e condições sanitárias precárias, - que favorecem a contaminãção ambienta1 e a sobrevivência bos ovos do parasito. Os vermes adultos apresentam uma

-fõiat ípica semelhante a um chicote (whipworms, como são conhecidos na língua inglesa). Esta aparência é conse- qüência do afilamento da região esofagiana, que compreen- de cerca de 213 do comprimento total do corpo, e do alarga- mento posterior, na região do intestino e órgãos genitais. Portanto, a denominação do gênero Trichuris (cauda em for- ma de cabelo), proposta por Roederer, em 1761, morfologi- camente representa um engano. Em 1782, Goeze propõe a designação de Trichocephalos (cabeça em forma de cabe- lo) para o gênero, e Schrank, em 1788, conige para Tricho-

cephalus, que apesar de morfologicamente correto e ampla- mente utilizado por laboratórios de análises clínicas, não foi aprovado pelo Comitê de Nomenclatura da Sociedade Ame- ricana de Parasitologia.

Dados arqueológicos sugerem que a associação Tri- churis - Humanos é bastante antiga.,. tendo o parasito, provavelmente, se adaptado ao parasitismo ainda no an- cestral primata. Relatos da presença de ovos no solo, em cnp_rriJos gu no intestino de múmias sugerem que a tricuríase era endêmica por toda a Eurásia, mesmo em re- giões de clima temperado. O fato de atualmente se obser- var uma alta prevalência desta parasitose somente em re- giões tropicais e subtropicais é, provavelmente, conse- qüência da melhoria das condições sanitárias das popula- ções humanas residentes em regiões temperadas. Na Amé- rica, ovos de Trichuris foram identificados no intestino de um menino inca da região do Chile, que viveu no ano 500, indicando que a infecção por T trichiura na população da América do Sul se estabeleceu antes da chegada dos co- lonizadores europeus.

Apesar de humanos serem o principal hospedeiro de T trichiura e o único relevante para a transmissão desta infec- ção, existem relatos da infecção de porcos e macacos com esta espécie de Trichuris. Por outro lado, também existem al- guns relatos de diarréia em crianças da Índia causada pela infecção por T vulpis, espécie de tricurídeo que utiliza canídeos como hospedeiro.

Adultos: T trichiura medem de 3 a 5cm de comprimen- to, sendo os machos menores que as fêmeas. A boca, loca- lizada na extremidade anterior, é uma abertura simples e sem lábios, seguida por um esôfago bastante longo e delgado, que ocupa aproximadamente 213 do comprimento total do verme (Figs 34.1 e 34.2A). Na porção final, o esôfago apre- senta-se como um tubo de parede delgada, circundado por uma camada unicelular de grandes esticócitos (Fig 34.2C). A parte posterior do corpo de T trichiura, cerca de 113 do comprimento total, compreende a porção alargada, onde se localiza o sistema reprodutor simples e o intestino que termina

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Fig. 34.1 - Trichuris trichiura; A - fêmea; B - macho; C - ovo; a - ânus; b - utero; c - ovário; d - vagina; e - faringe filiforme; f - canal deferente; g - espículo; h - cloaca; i - testículo (adaptado de Rey, 1973).

no ânus, localizado próximo a extremidade da cauda. Os vermes adultos são dióicos e com dimorfismo sexual. O macho é menor, possui testículo único seguido por canal deferente, canal ejaculador que termina com um espículo. A extremidade posterior é fortemente curvada ventralmen- te, apresentando o espículo protegido por uma bainha, recoberta por pequenos espinhos (Fig. 34.1). Na fêmea pode-se observar ovário e útero únicos, que se abrem na vulva, localizada na proximidade da junção entre esôfago e intestino (Fig. 34.3).

Ovos: Medem de 50-55pn de comprimento por 22pn de largura, apresentam um formato elíptico característico com poros salientes e transparentes em ambas extremidades, pre- enchidos por material lipídico (Fig. 34.2B). A casca do ovo de Trichuris é formada por três camadas distintas, uma ca- mada lipídica externa, uma camada quitinosa intermediária e uma camada vitelínica interna, que favorece a resistência destes ovos a fatores ambientais.

Hábitat

Os adultos de 7: trichiura são parasitos de intestino grosso de humanos, e em infecções leves ou moderadas, estes vermes habitam principalmente o ceco e cólon ascen- dente do hospedeiro. Nas infecções intensas ocupam tam- bém cólon distal, reto e porção distal do ileo. 7: trichiura é considerado por muitos autores um parasito tissular, pois toda a região esofagiana do parasito penetra na camada epitelial da mucosa intestinal do hospedeiro, onde se alimen- ta principalmente de restos dos enterócitos lisados pela ação de enzimas proteolíticas secretadas pelas glândulas esofagianas do parasito (esticócitos). Alguns autores de- monstram a presença de sangue no esôfago de vermes adul- tos, sugerindo a utilização de sangue do hospedeiro como fonte alimentar. A porção posterior de 7: trichiura permane- ce exposta no lúmen intestinal, facilitando a reprodução e a eliminação dos ovos.

Ciclo Biológico

fiÉ . do tipo monoxeno; fêmeas e machos que habitam o in- testino grosso se reproduzem sexuadamente e os ovos são eliminados para o meio externo com as fezes3iferentes es- tudos relatam que a relação de vermes fêmeas para cada macho é próxima de 1 (1 ,O1 -1,28). A sobrevivência dos ver- mes adultos no homem é estimada em cerca de três a qua- tro anos, cm base no período de eliminação da infecção de populações que migram de uma área endêmica para outra área sem transmissão. Entretanto, esses dados podem repre- sentar uma estimativa de sobrevida exagerada, uma vez que considera a sobrevivência máxima do parasito. Estimativas indiretas, com base na intensidade da infecção em diferen- tes faixas etárias da população de áreas endêmicas, indicam uma sobrevida de um a dois anos para os vermes adultos de 7: trichiura.

A fêmea fecundada elimina de 3.000 a 20.000 ovos por dia, sugerindo uma reposição diária de 5% a 30% dos cerca de 60.000 ovos encontrados no útero. O embrião contido no ovo recém-eliminado se desenvolve no ambiente para se tomar infectante. O período de desenvolvimento do ovo de- pende das condições ambientais; a temperatura de 25"C, o processo de embriogênese ocorre em cerca de 21 dias, en- quanto a 34°C a embriogênese ocorre em 13 dias. Em tempe- raturas abaixo de 20°C este processo pode ser bastante re- tardado; por exemplo, 7: suis, parasito de suínos, cujos ovos embrionam em cerca de 37 dias a 25"C, levam de 434 a 630 dias para completar sua embriogênese no sudeste da Inglaterra, onde a temperatura do solo varia de 4 a 20°C. Temperaturas muito elevadas (acima de 52°C) ou muito bai- xas (- 9 "C) não permitem o desenvolvimento dos ovos de 7: trichiura, apesar de não necessariamente matar o embrião. Da mesma maneira que Ascaris lumbricoides, os ovos de i? trichiura são muito sensíveis a dessecação, não sobreviven- do por mais de 15 dias quando a umidade relativa é menor que 77%. Entretanto, em condições ambientais favoráveis, os ovos de 7: trichiura contendo as larvas infectantes po- dem permanecer viáveis por longo período de tempo. Em um

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Fig. 34.2 - Caracterlsticas gerais de Trichuris: A) vermes adultos (macho e fêmea); B) ovo de T. trichiura; C) porção anterior do verme adulto, na região do esbfago, evidenciando células glandulares denominadas uestic6citos" (seta). Fotos da autora.

estudo realizado com solo recolhido da área do pátio de um hospital psiquiátrico da Inglaterra, foi demonstrado que após 12 meses, sem nova contaminação, cerca de 50% dos ovos de T trichiura permaneciam viáveis (Fig. 34.2).

Os ovos infectantes podem contaminar alimentos sóli- dos e líquidos, podendo, assim, serem ingeridos pelo ho- mem. As larvas de T trichiura eclodem através de um dos poros presentes nas extremidades do ovo, no intestino del- gado do hospedeiro. Estudos in vitro indicam que o proces- so de eclosão das larvas do parasito é estimulado pela ex- posição sequencial dos ovos aos componentes do suco gástrico e do suco pancreático.

O desenvolvimento das larvas de Trichuris em huma- nos nos primeiros dias após a eclosão ainda é bastante controverso. A maioria dos autores relata que as larvas ini- cialmente penetram no epitélio da mucosa intestinal na re- gião duodenal, pela base das criptas de Lieberkühn, per- manecendo nesta localidade por cinco a dez dias, e poste- riormente estas larvas ganham a luz intestinal e migram para região cecal onde completam seu desenvolvimento. A

permanência das larvas no duodeno do hospedeiro foi ini- cialmente descrita em infecção experimental de T vuípis em cães, utilizando-se uma grande quantidade de ovos para a infecção dos animais; portanto, alguns autores discutem a relevância fisiologia da presença das larvas no duodeno e sua existência em infecções humanas. Estudos histológi- cos revelam que as larvas de Trichuris sp. podem penetrar na mucosa em várias regiões do intestino, mas esta pene- tração ocorre principalmente no intestino grosso, e não foram encontradas evidências de que as larvas que pene- tram no duodeno completam seu desenvolvimento, ou mesmo que ocorra uma posterior migração das larvas do duodeno para o intestino grosso. Na região do ceco, as lar- vas migram por dentro das células epiteliais, em direção do lúmen intestinal, formando túneis sinuosos na superfície epitelial da mucosa. Durante este período as larvas se de- senvolvem em vermes adultos, passando pelos quatro es- tágios larvais típicos do desenvolvimento dos nemató- deos; ocorre a diferenciação dos esticócitos na região esofãgiana, e do órgão genital na porção posterior para a junção

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Fig. 34.3 - A e B - FBmea de Trichuris sp. mostrando o oviduto (o) contendo ovos e a abertura da vulva (v) prbxima da separação do esofago com intestino (seta); C e D - Porção posterior do macho de Trichuris sp., mostrando o esp6culo envolto em uma bainha com espinhos (seta). Fotos da autora.

do esôfago com o intestino. O crescimento e desenvolvi- mento dos vermes levam ao rompimento das células epite- liais e a exposição da porção posterior do corpo de í? trichiura à luz intestinal do hospedeiro.

Apenas uma pequena parte (5-22 %) dos ovos infectan- tes de 7: trichiura ingeridos completa o desenvolvimento até vermes adultos. Estima-se que o período pré-patente da tricuríase no homem, tempo entre a infecção até a elimina- ção dos ovos pelas fezes do hospedeiro, é de aproximada- mente 60-90 dias.

Transmissão

Os ovos de trichiura eliminados com as fezes do hospedeiro infectado contaminam o ambiente, em locais sem saneamento básico. Como os ovos são extremamen- te resistentes as condições ambientais, podem serdisse: m i n a d o s e l ~ e g t o ou pela água-emntaminar os alimen- t o s s á l i d o s ~ s , send-~tão, ingeridõs pelo hospedeiro. Ovos de trichiura Qrnbém podem ser d k ~ m - i n a d ~ s c a - d o ~ t i c & q u e transportam os- ovos na superfície extemadocoypo, do-local-onde as-fe:_. s s - f o g m depõs7tdas até o alimento. Em algumas áreas de alta F e v ã i c i a cie tricuríase tem sido demonstrada que a prática de geofagia é muito frequente, principal- mente entre crianças e mulheres grávidas, sendo esta uma importante pn t e de infecção, especialmente em algumas regiões da Africa, Índia e América Latina.

Apesar do grande número de pessoas infectadas por II: trichiura, a tricuríase não tem sido tratada com a devida atenção pelas autoridades de saúde pública das regiões de alta prevalência da infecção. Provavelmente, o descaso seja devido a grande proporção de casos assintomáticos da doença e da falta de informações quanto a real consequên- cia da infecção crônica, especialmente em crianças.

Agravidade da-tricuríase depende da carga parasitáAa, mas também temimpor&ite infh&.ncia d , omo ida-. h-haspédeiro, estado n u t r i c i o e m s vermes a d u i t ~ s l l ~ t e s t i n o . Com relação a carga parasítá- nã;ãÕrganização Mundiãrde Saúde recomenda que os pro- gramas de controle de helmintos considerem como infec- ções leves, os pacientes cujo exame de fezes revela núme- ro menor de 1 .O00 ovoslg fezes, infecções moderadas as que os pacientes eliminam entre 1 .O00 e 9.999 ovos/ g fezes, e in- fecções graves quando um número superior a 10.000 ovos/ g fezes é quantificado nas fezes dos pacientes. Em geral, observa-se uma_correlação positiva entre intensdidGdeK 7--

fecção e g r a v i d a d è ~ s i n t o m a t o l o g i a ~ o r t a n t ~ dos pacientes com infecções leves-é assintomáticaQuaprer_ senta sintõmatolo~a intestinal discreta,_enqiiantoospacien= tes com infecção moderada apresentam-grausuariados de- sintomas, como dores de cabeça, dor epigástrica e no-bai= xo abdômen, diarréia, náusea e vômitos. A síndrome \ disentérica crônica é, em geral, relatada em crianças com , infecções intensas, e nestes casos pode-se observar uma \

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Fig. 34.4 - Ciclo do Trichuris trichiura. A) Machos e fêmeas no ceco. 1) Eliminaçáo de ovos nas fezes; 2) ovos tornando-se embrionados; 3) ovo infectante contaminando alimentos: ovo segue esõfago e atinge estômago, onde é semidigerido; larva eclode no duodeno e migra para o ceco; durante a migração, sofre quatro mudas; cerca de um més após a infecção, as fémeas inicam a postura.

diarréia intermitente com presença abundante de muco e, al- gumas vezes, sangue, dor abdominal com tenesmo, anemia, desnutrição grave caracterizada por peso e altura abaixo do nível aceitável para a idade e, algumas vezes, prolapso retal. * importante relembrar que, além da intensidade da infecção, a idade do hospedeiro e o estado nutricional também influ- enciam o desenvolvimento da sintomatologia, com relatos na literatura de crianças desnutridas com sintomatologia grave sem necessariamente ter uma infecção intensa (ou seja, estar eliminando mais de 10.000 ovoslg fezes) ou de adultos bem nutridos com infecção intensa, mas sem sintomatologia correspondente.

Para entender a sintomatologia associada a tricunase é necessário ressaltar as alterações imunopatológicas induzi- das por esses parasitos.

Como não existe migração sistêmica das larvas de í? trichiura, as lesões provocadas pelo verme estão confina- das ao intestino. As alterações histopatológicas, induzidas pela presença do verme na mucosa intestinal, apresentam- se restritas ao epitélio e lâmina própria, na proximidade do verme, podendo ser observado um aumento na produção de

muco pela mucosa intestinal, áreas de descamação da cama- da epitelial e infiltração de células mononucleares na lâmi- na própria. Eosinófilos são também encontrados associados a região dos esticossomos (conjunto de células glandulares da região esofagiana) dos vermes. Portanto, infecções com pequena quantidade de vermes adultos (infecções leves ou mesmo na maioria das infecções moderadas), que compre- endem a grande maioria dos casos, os vermes encontram-se restritos a região do ceco e cólon ascendente, consequen- temente a inflamação se apresenta discreta e localizada, não interferindo significativamente nos processos fisiológicos do hospedeiro e, portanto, não produzindo sintomatologia expressiva.

Entretanto, em infecções intensas e crônicas, o parasi- to se distribui por todo o intestino grosso, atingindo tam- bém a porção dista1 do íleo e reto. Desta maneira, os sinto- mas relatados estão associados a distúrbios locais, como dor abdominal, disenteria, sangramento e prolapso retal, bem como alterações sistêmicas, como perda do apetite, vômito, eosinofilia, anemia, desnutrição, retadamento no desen- volvimento físico e comprometimento cognitivo. As alterações

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- com infecção grave. A relação entre tricuríase e desnutrição também é difícil de ser estabelecida, pois as infecções inten- sas em geral ocorrem em populações pobres sujeitas A de- ficiência nutricional que independem da helrnintíase. Apesar desta dificuldade, alguns trabalhos demonstram que crian- ças com tricuríase grave (síndrome disentérica crônica) apre- sentam uma melhora significativa nos índices nutricionais, estimados pela relação peso e altura por idade, após o uso de tratamento anti-helmíntico. Esta melhora no estado nutricional é observada, sem que ocorram alterações em ou- tros parâmetros socioeconômicos a que esta população esta sujeita, sugerindo a participação direta de í? trichiura no desenvolvimento do quadro de desnutrição.

Apesar de modelos experimentais, como a infecção de T muris em camundongos, mostrarem uma intensa resposta inflamatória resultante em infecções crônicas com um gran- de número .de vermes, em crianças com tricuríase grave, a análise histopatológica de biopsia do ceco nem sempre re- vela um processo inflamatório compatível com a gravidade da doença. Por esta razão, trabalhos recentes têm procura- do outras alterações, locais e sistêmicas, além da intensidade da resposta inflamatória, que poderiam participar da patoge- nia da tricuríase. Um detalhamento do estudo histopatoló- gico do intestino de crianças com parasitismo intenso de-

' f monstrou que, apesar do número total de macrófagos pre- 1 9, . ,. . k / ' sentes na lâmina própria do intestino de crianças com tricuríase grave ser semelhante ao número observado em

Fig. 34.5 - Prolapso retal provocado por alta infecção do Trichuris trichiura; c~anças-controle, a quantidade de células contendo T N F - ~ lesão relativamente frequente no norte do país (segundo Beck, J.W. & Davis, J. E. Medica1 Parasitology, 1981).

(tumor necrose factor alpha) é muito maior nas crianças com tricuríase, e estas também apresentam níveis significa- tivamente elevados de TNF-a no soro. Níveis elevados de

locais estão, provavelmente, associadas ao aumento da ex- tensão e da intensidade da reação inflamatória intestinal, com relatos de ulcerações e sangramentos na mucosa. O processo inflamatório pode ser particularmente intenso quando os vermes atingem o reto, sendo observados edema e intenso sangramento da mucosa retal, que provavelmen- te é responsável por iniciar o reflexo de defecação, mesmo na ausência de fezes no reto. O esforço continuado de de- fecação associado a possíveis alterações nas terminações nervosas locais, gerando aumento do peristaltismo, pode re- sultar em prolapso retal. O prolapso retal devido à tricuríase é relatado com maior freqüência em crianças da Região Norte (Fig. 34.5), onde o clima quente e úmido e as precárias con- dições sanitárias favorecem o estabelecimento de infecções intensas. Como não ocorre comprometimento da musculatu- ra pélvica, o prolapso retal produzido na tricuríase é rever- sível após a eliminação dos vermes e resolução da reação inflamatória local.

A indução das alterações sistêmicas, como anemia, des- nutrição e retardamento do crescimento, observadas em pa- cientes com tricuríase grave ainda é assunto de grande dis- cussão. Embora muitos autores tenham demonstrado que os vermes adultos podem ingerir sangue do hospedeiro, es- tima-se que o volume de sangue perdido por este mecanis- mo é bem pequeno, ao contrário do que ocorre para ancilostomíase, dificilmente justificando os casos de anemia. Por outro lado, a presença de sangue nas fezes detectado em alguns pacientes com tricuríase grave, pode produzir perdas significativas de sangue que justificam o quadro de anemia, embora isto não aconteça em todos os pacientes

TNF-a são responsáveis pela falta de apetite observada com freqüência nas pessoas com infecção intensa, que podem le- var a um quadro de caquexia. A influência da infecção por Trichuris no consumo de alimentos foi experimentalmente demonstrada em porcos infectados por í? suis, que ingerem uma quantidade significativamente menor de alimentos e apresentam um menor ganho de peso. Além dos elevados níveis de TNF-a, crianças com tricuríase grave também apre- sentam redução dos níveis séricos do hormônio IGF-1 (in- sulina-like growth factor) e da síntese de colágeno, que pode ser parcialmente responsável pelos casos de baixa es- tatura observado nestas crianças.

Pacientes com tricuríase grave também apresentam um aumento significativo na permeabilidade intestinal, que s6 foi recuperada após o tratamento com mebendazol. Alguns autores sugerem que a alteração de permeabilidade intesti- nal, importante elemento no desenvolvimento do quadro disentérico, pode ser conseqüência da produção de IgE e desgranulação de mastócitos que geralmente é observada na mucosa de pacientes com tricuríase crônica.

Desta maneira, a diminuição do consumo de nutrientes, devido a falta de apetite induzida pelo aumento de TNF-a, e o aumento das perdas alimentares, conseqüência da disen- teria e vômitos, bem como do prejuízo na absorção de a11 guns alimentos, como sais minerais, especialmente zinco e ferro, podem ser fatores essenciais ao aparecimento das al- terações sistêmicas, como anemia, desnutrição e comprome- timento no desenvolvimento físico e cognitivo.

Estudos realizados em áreas submetidas à quimioterapia em massa mostram que a redução da prevalência de

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tricuríase após uma única dose de anti-helmíntico não é mui- to relevante; entretanto, a intensidade da infecção reduz-se drasticamente, diminuindo a morbidade associada a esta helmintose. Desta maneira, o tratamento da tricuríase grave realizado em crianças, especialmente com idade inferior a 10 anos, resulta em melhora da anemia e da desnutrição. As crianças tratadas apresentam um aumento significativo de peso e altura com relação as que receberam placebo, e este crescimento é mais expressivo em crianças mais jovens (abaixo de 10 anos) e acontece mais rapidamente quando as crianças apresentam infecção leve e moderada, enquanto as crianças com infecções intensas demoram mais tempo, após o tratamento anti-helmíntico, para retomar o crescimento. A melhora no padrão cognitivo de crianças com tricuríase gra- ve e submetidas ao tratamento anti-helmíntico ainda é bas- tante discutida e dificil de ser avaliada, pois alguns estudos não revelam diferenças significativas, sugerindo que os pre- juízos produzidos pela infecção seriam irreversíveis; entre- tanto, outros mostram alguma melhoria em alguns testes cognitivos, mas não todos, realizados pelas crianças após o tratamento.

Finalmente, existem relatos de infecções muito intensas resultarem na obstmção do cólon e perfuração intestinal; entretanto. estes casos são extremamente raros.

Clínico

O quadro clínico associado a tricuríase não é especifi- co, portanto deve ser confirmado com o diagnóstico labo- ratorial.

Laboratorial

O diagnóstico específico da iricuríase é geralmente rea- lizado pela demonstração dos ovos do parasito nas fezes. Conforme foi discutido, ovos de 7: trichiura apresentam morfologia bastante característica (Fig. 34.2B) e são produ- zidos e eliminados nas fezes do hospedeiro em quantidades relativamente elevadas, facilitando o diagnóstico parasito- lógico pelos métodos de exame de fezes de rotina. Para es- tudos epidemiológicos em áreas endêmicas, o método mais utilizado para o diagnóstico é o método de Kat+Katz, que permite uma avaliação qualitativa e quantitativa da infecção Recentemente, tem sido relatada na literatura a possibilida- de de visualizar vermes adultos de 7: trichiura em exames de colonoscopia ou anoscopia.

7: trichiura tem se mostrado menos susceptível a ação de anti-helmínticos que A. lumbricoides, provavelmente de- vido a sua localização no intestino grosso e reto que dificul- ta o acesso da medicação. Benzoilmidazóis, como alben- dazol e mebendazol, são as drogas mais efícientes no trata- mento da tricuríase humana. Dados epidemiológicos indicam que estes medicamentos são igualmente eficientes na expul- são do parasito. Para o tratamento de pacientes sintomáti- cos, em geral recomenda-se o uso de mebendazol 100mg, duas vezes ao dia por três dias consecutivos ou albendazol, 400mg em dose única.

Horton (2000) mostra que os efeitos colaterais associa- dos ao uso de albendazol são pouco frequentes, ocorrendo em cerca de 1 % dos casos, além disto, a maioria dos efeitos colaterais relatados, como tonturas, dores abdominais, vô- mitos, náuseas, também são frequentes na população infectada. Por outro lado, a eficácia do albendazol na cura dos pacientes com tricuríase foi muito baixa, comparada com outros helmintos. De um total de 4.301 pacientes avaliados, nos 57 estudos que foram revistos pelo autor, somente 47,7% ficaram livres da infecção. A porcentagem de cura foi ainda menor (27,9%) quando somente crianças (5-15 anos) foram avaliadas. Entretanto, a redução no número de ovos do parasito eliminados nas fezes dos pacientes não-curados foi de 75,4%. Estudos epidemiológicos em área de alta prevalência de tricuríase têm indicado que esta redução na intensidade da infecção produz uma significante melhoria na sintomatologia associada as infecções intensas, justifican- do o uso de quimioterapia em massa para tratamento de cri- anças que vivem em áreas de alta prevalência.

Mais recentemente foi testada a eficácia de dietilcar- bamazina (6mglkg de peso corpóreo), albendazole (400mg) ou de ivermectina 200mg/kg), isoladamente ou em combina- ções, para o controle de Ascaris e Trichuris em crianças. Os estudos demonstraram que a associação de albendazol com ivermectina foi mais eficaz na cura dos pacientes infecta- dos por 7: trichiura (65,1%) que cada droga isoladamen- te (3 1,5 e 35,1% para albendazol e ivermectina, respectiva- mente). A combinação dessas drogas também foi mais efi- ciente na redução da intensidade da infecção nos pacien- tes não curados.

Em 1947, foi publicada a primeira estimativa da prevalên- cia mundial de infecções humanas por helmintos. Nessa época, estimou-se que cerca de 355 milhões de pessoas (1 6% da população) estariam infectadas por 7: trichiura. Vá- rias estimativas da prevalência de nematódeos intestinais em humanos têm sido publicadas nos últimos anos. A mais re- cente revisão publicada por Crompton (1999) est&a ---A que 1

.b&ãã_q e 49 milhões de pessoas estão infectadas par T.. trichiura, que corresponde a cerca de 17% da população mundial. Estes dados confirmam que nos últimos 50 anos, apesar dos avanços científicos no conhecimento da asso- -L ciaçao parasito-hospedeiro e no desenvolvimento de drogas anti-helmínticas mais eficazes, a prevalência da infecção por este nematódeo intestinal não foi alterada. Na realidade, houve mudanças regionais significativas, principalmente em paísés ou regiões desenvolvidos que investiram em saneamento básico e edzação. ALnfecgão por nemató- deos intestinais comotJ?? trichiura apresenta uma baixa prevalência em vários países da Europa, América-da - Norte e no Japão, que nos levantamentos de 1947 apre- sentavam índices de prevalência bastante elevados. En-

--r' tretanto, países subdesenvolvidos ou em desenvolvi- mento, que apresentaram uma elevada taxa de cresci- mento populacional mas sem os investimentos necessá- rios em saneamento e educação, as taxas de prevalência de nematódeos intestinais ainda são extremamente ele- vadas. Para tricuríase, estudos recentes demonstram prevalência superior a 90% em crianças de idade esco- lar que vivem em subúrbios na Indonésia, áreas rurais

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do Kênia, em Zimbábue, Uganda, Nigéria, nas províncias equa- tonais de Camarões, na Malásia e no Vietnã. A prevalência tam- bém é bastante elevada na Chuta, Índia, América Latina e Caribe, com relatos de regiões com 60-80 % da população infectada.

No Brasil, inquéritos epidemiológicos com base em amos- tras recolhidas de cerca de 2 milhões de pessoas de diferentes estados foram realizados no final dos anos 60 pelo Departamen- to de Endemias Rurais. Os dados mostraram que a prevalência de tricuríase no país variava entre 35% e 39%, entretanto a va- riação entre diferentes regiões foi bastante grande, com taxas muito elevadas nos Estados do Norte, Nordeste e região lito- rânea, como Pará (68, I%), Alagoas (72%), enquanto que Goiás e Mato Grosso a prevalência foi de 2,5 e 8,9%, respectivamen- te. Em Minas Gerais, os dados mostram uma prevalência de 13,8%. Não temos inquéritos recentes com uma amostragem tão significativa, mas estudos regionais indicam que não houve al- terações significativas no quadro apresentado. No Estado do Rio de Janeiro, um estudo realizado com crianças matriculadas em creches de Niterói mostrou 26,6% de prevalência de tricuríase, enquanto entre moradores de rua da cidade do Rio de Janeiro a prevalência foi de 32,9 %. Em São Paulo, alguns estudos realizados no interior do estado e na cidade de São Paulo, mostram uma prevalência de 1 % de tricuríase em crian- ças, demonstrando uma diminuição significativa na prevalên- cia de vários helmintos intestinais nos últimos 20 anos. E em Minas Gerais, Carvalho et al. (2002) realizaram um estudo com cerca de 19.000 crianças em idade escolar de vários municípi- os da Região SuVSudoeste, Triângulo Mineiro e Região Noro- este do Estado, encontrando uma prevalência de 4,7% para tricuríase. Entretanto, uma grande variação regional foi cons- tatada, e a infecção por 7: trichiura foi mais prevalente nos municípios da Região Sul e sudoeste do Estado, especialmen- te em São Lourenço (24,2%), Itajubá, Andrelândia (ambos com 15%) e Santa Rita do Sapucaí (12,6%). A prevalência de infec- ções por geo-helmintos tem sido superior em alguns municípios da Zona da Mata e do nordeste de Minas Gerais, segundo re- sultados preliminares do Projeto Piloto de Controle das Geo- helmintoies (Carneiro, comunicação pessoal), e a prevalência média de tricuríase, na população geral, foi de 13,2 %, e atin- giu mais de 30% na cidade de Poté. As variações observadas na prevalência da tricuríase confirmam as de outras parasitoses intestinais, comprovando a idéia que a grande maiõria dessas doenças não pode ser, pejorativamente, denominada "doenças tropicais", pois em uma mesma cidade ou região só acometem a população pobre, carente de serviços médicos, sanitários e educacionais. A população de melhor nível social, sanitário e educacional, na mesma cidade ou região, está livre da parasitose. Mas tem que conviver com esse grande problema, pois o desnível social afeta toda uma região!

A intensidade da infecção por 7: trichiura varia com a idade do hospedeiro. Criançasae infectam a partir de 18 a 24 meses de idade. A intensidade da infecção atinge os ní- veis máximos em crianças com 4 a 10 anos (especialmente entre 6 e 7 anos) e diminui em jovens, permanecendo baixa em adultos. A queda na intensidade da infecção em adultos é maior em locais onde a prevalência não apresenta-se tão elevada. A importância da tricuríase em crianças pode ser confirmada pela elevada prevalência da infecção neste gru- po e cerca de 113 dos 1.049 milhões de infectados são cri- anças, 114 milhões em idade pré-escolar e 233 milhões em idade escolar, bem como na intensidade da infecção. Uma análise recente indica que 78% dos 45,5 milhões de casos de

tricunase grave estão presentes em crianças e também é nes- te grupo que se encontra 98% dos casos de anemia associ- ados a tricuríase.

Também existem dados que sugerem que alguns indiví- duos da população apresentam uina predisposição genéti- ca para adquirir infecções intensas. A melhor caracterização da resposta imune desses indivíduos poderá ser de grande valia para o entendimento dos mecanismos protetores de- senvolvidos pelo hospedeiro contra 7: trichiura. Como os vermes adultos de 7: trichiura sobrevivem cerca de um a dois anos no hospedeiro, a diminuição na intensidade da in- fecção observada em adultos residentes em áreas endêmicas sugere que estas pessoas estejam menos expostas a infec- ção elou sejam mais resistentes a reinfecção pelo parasito

Infecções experimentais, com 7: muris em camundongos, demonstraram que a maioria das linhagens de camundongos é capaz de desenvolver uma resposta protetora que elimina o parasito, porém, em algumas linhagens, 7: muris produz uma infecção crônica com desenvolvimento de colite. Vári- os autores demonstraram que a resposta protetora em ca- mundongos está associada ao estabelecimento precoce de uma resposta imune denominada Th-2, que é regulada por interleucinas (IL-) 4, IL-5, IL-9 e IL- 13. Assim, camundongos resistentes a infecção por 7: muris que foram geneticamente manipulados e não expressam o gene de IL-4 ou IL- 13 tomarn- se suscetíveis, e camundongos susceptíveis tratados com IL- 4 adquirem a capacidade de eliminar o parasito. A resposta imune tipo Th-2, que é protetora na infeção experimental por 7: muris, é caracterizada por desenvolvimento de mastocitose intestinal, eosinofilia, aumentos dos níveis de imuno- globulinas E (IgE) e IgG I (em camundongos) ou IgG4 (em humanos); entretanto, o mecanismo responsável pela elimina- ção do parasito ainda não foi esclarecido.

Pouco se conhece da resposta imunológica humana a in- fecção por 7: trichiura. A gravidade da tricuríase varia gran- demente em humanos, e a maior parte da população infectada não desenvolve sintomatologia. Esta variação pode refletir diferenças na resposta imune apresentada pelo hospedeiro, além das diferenças de idade e estado nutricional, já discuti- das. Estudos que avaliam a taxa de reinfecção de adultos após o tratamento sugerem que o desenvolvimento de uma imuni- dade protetora esteja envolvida na diminuição da intensida- de da infecção observada em adultos.

Estudos realizados em duas áreas endêmicas para tricuríase indicam que a produção de IgA sérica e secreto- ra específica contra o parasito esta associada a diminuição da intensidade da infecção, podendo ser um importante fa- tor no desenvolvimento da imunidade protetora. Conforme já discutimos, pacientes com infecção grave também apre- sentam um elevado número de células com IgE na superfi- cie celular e de mastócitos em desgranulação, entretanto o papel destas células na imunidade protetora elou na imuno- patologia não fica bem estabelecido.

Os humanos são a única fonte epidemiologicamente re- levante da infecção por 7: trichiura. O sucesso da transmis- i

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são da tricuríase depende de condições ambientais, que fa- voreçam o desenvolvimento e sobrevivência dos ovos no ambiente, e da inexistência de saneamento básico adequa- do, que permite a contaminação ambiental. Desta maneira, as medidas profil5ticas para o controle da tricuríase são bastan- te semelhantes as discutidas para controle da infecção por A. lumbricoides.

TRICHINELLA SPIRALIS Trichinella spiralis é outro nematódeo que pertence a

ordem Trichurida que parasita os seres humanos. Os vermes adultos machos medem de 1,4 a 1,6 mm de comprimento, e mais da metade da região anterior do verme é ocupado pelo esôfago. Como em outros membros da ordem Trichurida, a parte posterior do esôfago apresenta as células glandulares denominadas esticócitos. Na extremidade posterior, os ver- mes machos apresentam duas prolongações laterais deno- minadas pseudobolsa copulatória. As fêmeas medem cerca do dobro do tamanho dos machos e a abertura vaginal é lo- calizada na região mediana do esôfago. As fêmeas são vivíparas, ou seja, larvas (denominadas larvas recém-nasci- das) são eliminadas pelas fêmeas e migram através da circu- lação para a musculatura, onde encistam e desenvolvem-se até a fase infectante.

A biologia de 7: spiralis apresenta muitos aspectos par- ticulares. O parasito foi primeiramente descrito por Owen (1835) em músculo humano e é o nematódeo com menor es- pecificidade parasitária, sendo capaz de infectar a maioria das espécies de mamíferos. Hoje, os pesquisadores reco- nhecem espécies-irmãs ou subespécies deste parasito, que apesar de morfologicamente idènticas, apresentam algumas diferenças biológicas confirmadas por diferenças na anali- se do DNA ribossomal. Este nematódeo completa seu de- senvolvimento em um único hospedeiro, apresentando uma fase intestinal, onde as larvas infectantes (Ll) se desenvol- vem em vermes adultos e uma fase sistêmica, com as larvas recém-nascidas do parasito se estabelecendo na musculatu- ra. Exceto durante a migração do intestino para a muscula- tura, este nematódeo é um parasito intracelular.

A infecção de humanos por 7: spiralis acontece com a ingestão de carne contendo a larva L1 do parasito encistada na musculatura. Após a passagem pelo estômago do hos- pedeiro, as larvas são liberadas do cisto e penetram no epi- télio da mucosa duodenal. Trabalhos de microscopia eletrô- nica demonstraram que essas larvas vivem e se desenvol- vem dentro dos enterócitos, formando túneis por onde mi- gram. Neste ambiente, as larvas L1 sofrem quatro mudas e amadurecem sexualmente em machos e fêmeas. A reprodu- ção sexuada também ocorre neste túneis intracelulares e provavelmente a atração entre machos e fêmeas é mediada por feromônios. As fêmeas fertilizadas eliminam larvas, que migram para lâmina própria intestinal e são carreadas para circulação sanguinea, principalmente pela veia porta hepá- tica. Através da circulação sanguínea, estas larvas atingem os tecidos e podem causar infecção transitória em vários ti- pos celulares; entretanto; a formação do cisto, que mantém o desenvolvimento da fase infectante do parasito, só ocor- re em células da musculatura estriada esquelética. Na reali- dade, a estrutura denominada larvas encistadas consiste de uma fibra muscular do hospedeiro, que teve toda sua expressão ge- nética alt& pelo parasito para se transformar em um sistema

que suporta nutricionalmente o desenvolvimento do para- sito. Os vermes adultos presentes no intestino são espon- taneamente eliminados após algumas semanas da infecção, enquanto as larvas encistadas na musculatura podem per- manecer viáveis e infectantes por vários anos.

A patogenia da triquinelose está relacionada com os di- ferentes estágios do ciclo deste parasito e a carga parasitá- ria. Durante a fase intestinal, o parasito raramente produz sintomatologia. Em infecções intensas a migração do verme através das células epiteliais e a secreção de produtos me- tabolizados por este parasito podem induzir uma forte rea- ção inflamatória, que pode causar sintomas, como náusea, vomito e diarréia. Na migração das larvas recém-nascidas pela circulação sanguínea pode ocorrer o rompimento de vênulas, além de ocasionar edemas locais. Apesar do desen- volvimento das larvas ocorrer somente na musculatura es- quelética, durante a migração sistêmica algumas larvas pe- netram em células de vários tecidos do hospedeiro, poden- do causar pneumonia, nefrite, meningite, encefalite e miocar- dite, que podem ocasionar a morte do paciente. O encista- mento das larvas na musculatura produz intensa dor mus- cular, e em infecções intensas pode ocorrer dificuldades res- piratórias e danos cardíacos, que podem ser fatais.

O diagnóstico desta parasitose é bastante dificultado, pois as larvas do parasito não estão rotineiramente presen- tes nas fezes, no sangue ou em outras secreções do hospe- deiro. A maioria dos casos de triquinelose assintomática não é diagnosticada. A presença de sintomatologia típica facilita o diagnóstico, que geralmente é confirmado por biópsia muscular ou testes imunológicos. Até o momento não existe uma droga eficiente para o tratamento da triquinelose. Tiabendazol, que se mostra efetivo em infec- ções experimentais, produz resultados variados em tratamen- to de humanos. Geralmente, o tratamento é associado a uti- lização de corticosteróides e analgésicos para aliviar a sin- tomatologia.

A triquinelose é considerada urna zoonose, cuja transmis- são depende do camivorismo exercido pelo seus hospedei- ros. A triquinelose envolve dois tipos de ciclos epidemioló- gicos: o doméstico e o silvestre. No ciclo doméstico, a infec- ção envolve roedores, suínos e os humanos, e a principal fon- te de infecção humana é a ingestão de carne de porco malcozida, especialmente na forma de embutidos. No ciclo sil- vestre os humanos se contaminam com a ingestão de carne de caça, sendo o parasito encontrado em vários mamíferos carnívoros, como ursos, porcos selvagens e hienas. A infec- ção humana ocorre principalmente nas regiões temperadas. Em áreas tropicais a triquinelose não é frequentemente encontra- da, mas vários casos têm sido relatado no México, parte da América do Sul, África e sul da Asia. Na América do Sul, ca- sos de triquinelose têm sido relatados na Argentina, Chile e Uruguai, mas até o momento não existe relatos da infecção no Brasil. Com o maior intercâmbio entre os países do Cone Sul, toma-se necessário o maior conhecimento da triquinelose pelas autoridades médicas e sanitárias do país.

CAPILLARIA HEPATICA O gênero Capillaria inclui muitas espécies parasitas

de órgãos e tecidos de praticamente todas as classes de mamíferos. Em humanos, foram relatadas infecções por

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C. hepatica, que parasita o parênquima hepático, e C. philippinensis, parasito intestinal que infecta populações humanas nas Filipinas, Tailândia, Japão e Egito. Morfologi- carnente, C. hepatica é muito semelhante a í? trichiura, e a transição do esôfago para o intestino é mais gradual. São vermes pequenos (20mm para fêmea e IOmm para macho) e delgados. Os adultos vivem no parênquima hepático de rato, esquilo, porco, cão e, as vezes, do homem. As fêmeas depositam os ovos no parênquima do figado, onde eles fi- cam agrupados. Esses ovos também são semelhantes aos de í? trichiura. Para a infecção ser transmitida de um animal para outro (ou para o homem) é necessário que os ovos do parasito embnonem no meio ambiente. A liberação dos ovos para o ambiente ocorre quando o hospedeiro morre e é de- composto ou quando há ingestão do figado contendo ovos

por outro animal. Assim, os ovos passam pelo trato diges- tivo deste animal e são liberados com as fezes contaminan- do o ambiente e alimentos. No ambiente a embnogênese dos ovos de C. hepatica ocorre em quatro a oito semanas. Ao serem ingeridos pelo hospedeiro, as larvas eclodem dos ovos embrionados no intestino, migram para o figado e se desenvolvem em vermes adultos. A presença de vermes adultos e ovos no figado produz uma intensa infiltração eo- sinofilica e perda de tecido e função hepatica. Existem pou- cos casos de infecção humana registrados (cerca de 26 ca- sos), um deles ocorreu em São Paulo. Na maioria dos casos o diagnóstico ocorreu post-mortem. A evolução da infecção geralmente é grave, e, as vezes, fatal. Não há tratamento es- pecífico. O diagnóstico é feito pela biópsia hepática e en- contro de ovos.

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