tres aberturas em ontologia

Upload: alexnodari

Post on 19-Feb-2018

248 views

Category:

Documents


6 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    1/148

    Trs Aberturas em Ontologia:Frege, Twardowski e Meinong.

    Organizao, traduo e apresentaode Celso R. Braida

    2005

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    2/148

    Trs Aberturas em Ontologia: Frege, Twardowski e Meinong.Organizao, traduo e apresentao de Celso R. Braida.Verso DigitalRocca Brayde, Florianpolis, 2005.

    2

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    3/148

    CELSO R BRAIDA

    Trs Aberturas em Ontologia:Frege, Twardowski e Meinong

    Textos traduzidos:

    G. FregeLeis bsicas da Aritmtica, Prlogo

    K. TwardowskiSobre a doutrina do contedo e do objeto das representaes ( 1-7)

    A. MeinongSobre a teoria do objeto

    Rocca Brayde - 2005

    3

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    4/148

    4

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    5/148

    SumrioUma apresentao enviesada . . . . 7

    Friedrich Ludwig Gottlob Frege . . 11-Prlogo s Leis bsicas da Aritmtica . . . 13

    Kasimir Twardowski . . . . 43-Para a doutrina do contedo e do objeto das representaes 45 1. Ato, contedo e objeto de representao . . . 45 2. Ato, contedo e objeto do juzo . . . 47 3. Nomes e representaes . . . . 53 4. O representado . . . . . 55 5. As assim chamadas representaes sem objeto . 65 6. A diferena do contedo e do objeto de representao 76 7. Descrio do objeto de representao . . 82

    Alexius Meinong . . . . 91

    -Sobre a teoria do objeto . . . . 931. A questo . . . . . . 932. O pr-juzo a favor do efetivo . . . 953. Ser-tal e no-ser . . . . . 994. O extra-ser do objeto puro . . . . 1015. Teoria do objeto como Psicologia . . . 1066 Teoria do objeto como teoria dos objetos do conhecimento . . . . . 110

    7 Teoria do objeto como lgica pura . . . 1138 Teoria do objeto como Teoria do conhecimento . 1159 Teoria do objeto como cincia especial . . 11910 A teoria do objeto nas outras cincias. Teoria geral e teoria especial do objeto . . . . 12211 Filosofia e teoria do objeto . . . . 12712 Concluso . . . . . . 139

    5

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    6/148

    6

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    7/148

    Uma apresentao enviesada[Celso R. Braida]

    O conceito de objeto foi esvaziado pelas principaisdoutrinas filosficas recentes sob a alegao de que a cons-cincia e ou a linguagem constituem a objetividade dosobjetos. A tese da relatividade ontolgica, nas verses fenome-nolgicas e lgico-semnticas, tornou-se consensual e pr-domina o pensamento filosfico e cientfico. Que esta predo-

    minncia tenha de ser repensada poucos percebem, embora jse perceba que esse consenso est fundado em basesinfundadas. Na origem desse esvaziamento est a eleio daanlise da conscincia e da linguagem, enquanto disciplinainaugural do pensamento, a partir da qual todos os contedosdignos de serem pensados deviam ser abordados, e a con-seqente eliminao de conceitos metafsicos tais como os deser, substncia, essncia, etc., do discurso filosfico. Entre-

    tanto, com esse mesmo gesto tambm acreditou-se poder des-cartar os conceitos ontolgicos de entidade, objeto, proprie-dade, relao, etc., enquanto relativos, por conseguinte, elimi-nveis. Todavia, a prpria formulao da tese da relatividadeontolgica supeobjetos e propriedades como relativos a algoe,nesse sentido, no pode ser usada para eliminar os conceitosontolgicos, sob pena de jogar este algo em relao a que tudo relativo para o domnio do impensado e do no-relativo.

    Agora, se a noo de objeto ocupa nas filosofias met-dicas ps-kantianas o lugar antes reservado noo de ente(on, esse, seiende), uma teoria do objeto pode ser vista, ento,como uma aberturaontolgica. Abertura no sentido dos enxa-dristas, a saber, enquanto tomadas de decises e aes iniciais.Eu penso, a partir desse vis, que os textos aqui traduzidos, deFrege, Twardowski e Meinong, apresentam trs aberturas depossveis ontologias. E, assim como no Xadrez, embora umaabertura seja em larga medida decisiva para a partida, ela no

    7

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    8/148

    suficiente para a finalizao. Esses trs exemplos de recome-os no-metafsicos em ontologia constituem ainda hoje desa-

    fios a serem realizados. Jogar em conformidade com suasdecises e regras, penso eu, ainda interessante e frutfero.Russell, Whitehead, Wittgenstein, Carnap, Hartmann, Husserl,Heidegger, Quine, entre outros, se apropriaram e usaram demodo particular essas aberturas, e ao menos trs grandesmovimentos filosficos do sculo XX da receberam influxosdecisivos: a filosofia analtica da linguagem, a fenomenologia ea escola polonesa. Todavia, como bem sabemos, os usos deuma abertura, mesmo quando vencedores, no esgotam nemexcluem outros e melhores usos, alm de justamente poderemser apontados, do ponto de vista instaurado pela abertura,como fracassos e desvios a serem evitados.

    Nas trs aberturas aqui consideradas est claramenteestabelecida como fundante e indispensvel a relao com algodistinto e no imanente conscincia e linguagem. O ser-consciente pensado como um estado de remisso a algo queno na e nem daconscincia, do mesmo modo que o ser-

    significativo. Na formulao dos trs autores essa tese aparecena afirmao da exterioridade do objeto em relao representao e conscincia. Com esse lance, abandona-se oprincpio segundo o qual ser e pensar so o mesmo e, tambm,o princpio da imanncia segundo o qual somente podemospensar o que est em nossa mente. Frege era explcito quanto aesse ponto, ao dizer: existe algo que no minha idia e que,ainda assim, pode ser objeto de minha considerao, de meu pensar.O cerne do debate, portanto, no obstante girar em torno danoo de entidade e de objeto, implica uma reviso da teoria do

    juzo (e da proposio) e da compreenso mesma do que pensar. As diferenas entre os trs autores aqui reunidossurgem justamente da maneira distinta pela qual respondems perguntas o que expresso por uma sentena?, O quesignifica julgar? e O que significa pensar?. Frege abandonacompletamente a teoria tradicional do juzo e do pensamento,modificando inclusive os fundamentos da lgica, enquanto

    8

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    9/148

    que Twardowski e Meinong reformulam a teoria do juzo e daconscincia, herdadas de Kant e Mill.

    Os trs textos apresentam aberturas para uma novaontologia sem propriedades transcendentais e sem formassubstanciais. Dito francamente, a relatividade ontolgica jest ali formulada de modo explcito. Todavia, ao dizer isso, euna verdade pretendo sugerir que esses textos podem serusados, ex contrario, como antdotos contra o consenso gene-ralizado em torno do relativismo ontolgico e do subjetivismometdico que permeiam quase toda a filosofia e reflexo cultahodiernas, que tm por bvio que a realidade umaconstruo e que todo pensamento, por estar referido apenasaos seus construtos, sempre relativizvel. Os trs autores, emalgum momento de sua reflexo, fazem uso da noo de algodistinto de nosso pensamento e discurso, da noo de algo queno construto nosso e ao qual nos referimos ao pensar e falar,e pelo qual pensamentos e discursos podem ser aferidos ereferendados. A minha leitura desses textos, e nisso eu voucontra o consenso acima citado, os toma como fundando a

    posio de que os conceitos ontolgicos (entidade, objeto,propriedade, relao, etc.) no so redutveis aos conceitosnoemticos (pensamento, conscincia, conceito) e nem aosconceitos semnticos (linguagem, gramtica, sentido). A noode algo a que o pensamento, e ou a linguagem, se dirigeenquanto seu real, implica, a meu ver, que nenhuma teoriafilosfica da conscincia (e do pensamento) e nenhuma teoriada linguagem (e da gramtica) pode substituir a ontologia (ea lgica). Por esse vis, os trs textos podem servir de basepara distinguir entre os objetos ditos e pensados dos objetosreais ou efetivos e, desse modo, serem lidos como aberturaslegitimadoras da necessidade das noes ontolgicas.

    A ontologia foi, ao longo do sculo XX, subsumida esubstituda por procedimentos de anlises semnticas, grama-ticais e fenomenolgicas, e explicitamente o conceito forte deobjeto, e de entidade, foi definido em termos gramaticais,fenomenolgicos e psicolgicos. Os trs textos aqui selecio-

    9

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    10/148

    nados, em geral, so mencionados por aqueles que defendemestes procedimentos. Todavia, eu penso poder encontrar nes-

    ses textos justamente a crtica antecipada, e correta, s tendn-cias relativizantes e esvaziadoras da ontologia. O ponto dessaresistncia o conceito de algo independente e diferente dequalquer contedo mental ou lingstico, relativamente aoqual pensamentos e enunciaes so, ao contrrio do enun-ciado da tese da relatividade ontolgica, relativos.

    Florianpolis, Abril de 2005.

    10

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    11/148

    Friedrich Ludwig Gottlob Frege

    Nascido em 8 de Novembrode 1848, em Wismar, Frege foi mate-mtico, lgico e filsofo, consideradoo fundador da lgica matemticamoderna e tambm o fundador daassim chamada filosofia analtica dalinguagem, tendo influenciado deci-sivamente a Filosofia do sculo XXpor sua recusa do empirismo, dopsicologismo e do formalismo. O seuestilo lcido e conciso, e sua preocu-pao em explicitar todos os passosdo pensamento, rapidamente fizeramseus textos clssicos filosficos.Entre asprincipais obras esto: Begriffsschrift (Conceitografia), eine der arithme-tischen nachgebildete Formelsprache des reinen Denkens , Halle a. S., 1879;

    Die Grundlagen der Arithmetik (Os fundamentos da Aritmtica): einelogisch-mathematische Untersuchung ber den Begriff der Zahl, Breslau,1884; Funktion und Begriff: Vortrag, gehalten in der Sitzung vom 9. Januar1891 der Jenaischen Gesellschaft fr Medizin und Naturwissenschaft, Jena,1891; ber Sinn und Bedeutung, in Zeitschrift fr Philosophie undphilosophische Kritik, C (1892): 25-50; ber Begriff und Gegenstand,in Vierteljahresschrift fr wissenschaftliche Philosophie, XVI (1892): 192-205; Grundgesetze der Arithmetik (Leis bsicas da Aritmtica), Jena:Verlag Hermann Pohle, Band I (1893), Band II (1903); Was ist eine

    Funktion?, in Festschrift Ludwig Boltzmann gewidmet zum sechzigstenGeburtstage, 20. Februar 1904, S. Meyer (ed.), Leipzig, 1904, pp. 656-666; Der Gedanke. Eine logische Untersuchung, in Beitrge zurPhilosophie des deutschen IdealismusI (1918): 58-77.

    11

    (1848-1925)

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    12/148

    12

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    13/148

    Prlogo sLeis bsicas da Aritmtica

    Friedrich Ludwig Gottlob Frege

    [Grundgesetze der Arithmetik, Begriffsschriftlich abgeleitet; Zweite unvernderteAuflage; Hildesheim, Georg Olms, 1962;pp. v-xxvi.]

    Neste livro encontram-se axiomas nos quais se baseia a

    aritmtica, demonstrados com sinais especiais, cujo conjuntoeu chamo conceitografia. Os mais importantes teoremas (Stze)foram reunidos em parte no final juntamente com suatraduo. Porm, como se poder ver, no foram consideradosaqui os nmeros negativos, fracionais, irracionais, nem oscomplexos, como tampouco a adio, a multiplicao, etc.Nem sequer os teoremas sobre os nmeros naturais foramapresentados com a completude projetada no incio. Emparticular, falta ainda o teorema de que o nmero dos objetosque caem sob um conceito finito, se finito o nmero deobjetos que caem sob um conceito a que o primeiro estsubordinado. Razes externas levaram-me a reservar aprosecuo desses estudos, assim como o tratamento dosdemais nmeros e das operaes de clculo; a publicaodesses resultados depender da aceitao que encontre esteprimeiro tomo. O que ofereo aqui suficiente para dar umaidia de meu procedimento. Pode ser que se julgue como

    desnecessrios os teoremas sobre o nmero infinito1

    . Para afundamentao da aritmtica em sua extenso habitual eles defato no so necessrios; mas, a sua deduo mais simplesque a dos teoremas correspondentes para nmeros finitos epode servir como preparao para estes. Ainda aparecemteoremas que no tratam de nmeros, mas que so utilizadosnas demonstraes. Eles tratam, por exemplo, da sucesso em

    1A cardinalidade de um conjunto infinito enumervel.

    13

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    14/148

    uma srie, da univocidade das relaes, das relaes compos-tas e acopladas, da figurao mediante relaes e semelhantes.

    Esses teoremas poderiam ser atribudos, talvez, a uma teoriacombinatria ampliada.As demonstraes esto contidas unicamente nos

    pargrafos intitulados Construo (Aufbau), enquanto que osintitulados Anlise (Zerlegung) facilitam a compreenso, aodescrever provisoriamente em esboos toscos a marcha dademonstrao. As demonstraes mesmas no contm nenhu-ma palavra (Worte),mas se realizam apenas com meus sinais(Zeichen). Estes apresentam-se visualmente como uma srie defrmulas, separadas por traos contnuos ou descontnuos, oupor outros sinais. Cada uma dessas frmulas um enunciadocompleto, com todas as condies que so necessrias para suavalidade (Gltigkeit). Essa completude, que no permitepressupostos tcitos subentendidos, parece-me indispensvelpara o rigor da demonstrao.

    A passagem de um enunciado para o seguinte procedesegundo as regras que se encontram reunidas no 48, e no se

    d nenhum passo que no cumpra estas regras. Como esegundo que regras se faz a inferncia indicado pelo sinalque se encontra entre as frmulas, enquanto que conclui uma cadeia dedutiva. Aqui deve haver enunciados queno podem ser deduzidos de outros. Estes so em parte as leisfundamentais que reuni no 47, e em parte as definies quese encontram juntas no final numa tabela com a indicao daspassagens em que aparecem pela primeira vez. Numa conti-nuao desta tarefa aparecer sempre de novo a necessidadede definies. Os princpios que se deve seguir para introduziras definies esto expostos no 33. As definies no sopropriamente criadoras e, conforme creio, no podem ser; elasapenas introduzem designaes (nomes) abreviadas que pode-riam ser evitadas se o tamanho no produzisse nesse casodificuldades externas insuperveis.

    O ideal de um mtodo estritamente cientfico da mate-mtica que procurei realizar aqui e que bem poderia ser

    14

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    15/148

    denominado euclidiano, vou descrever da seguinte maneira.Que tudo seja demonstrado, isto certamente no se pode

    exigir, porque impossvel; mas, pode-se exigir que todos osenunciados utilizados sem demonstrao sejam declaradosexplicitamente como tais, para que se veja claramente sobre oque descansa a construo inteira. Por isso h que se esforarpara reduzir ao mximo o nmero de leis primitivas,demonstrando tudo o que seja demonstrvel. Alm disso, eassim vou mais alm de Euclides, exijo que se mencionempreviamente todos os modos de deduo e de infernciaempregados. Do contrrio no se pode assegurar o cumpri-mento da primeira exigncia. No essencial, eu acredito haveralcanado este ideal. Apenas em alguns poucos pontos poder-se-ia levantar exigncias de maior rigor. Para alcanar maiorrapidez e no cair numa extenso desmedida, eu me permitifazer uso da intersubstituibilidade dos membros inferiores(condies) e da fuso de membros inferiores iguais, e noreduzi os modos de deduo e de inferncia ao menor nmero.Quem conhece meu livrinho Begriffschrift (Conceitografia)

    poder deduzir do que se diz ali como se poderia satisfazertambm aqui exigncias mais rigorosas, mas ao mesmo temposaber que isto traria consigo um aumento considervel deextenso.

    No geral, creio eu, as correes que com razo podemser feitas a este livro no se referiro ao rigor, mas apenas aescolha das inferncias e dos passos intermedirios. Freqente-mente se apresentam vrios caminhos possveis para se levar acabo uma demonstrao; eu no procurei explorar todos eles epor isso possvel, inclusive provvel, que nem sempre eutenha escolhido o mais curto. Quem tiver algo a objetar nessesentido que o faa melhor. Outras coisas tambm serodiscutveis. Alguns teriam preferido estender mais o conjuntode modos de deduo e inferncias admitidos, para conseguirassim uma maior mobilidade e brevidade. Mas, nisto devemosnos deter em algum ponto, se que se admite o ideal quepropus, e seja qual for o ponto em que nos detemos, sempre

    15

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    16/148

    haver algum que pode dizer: teria sido melhor admitir aindamais modos de deduo.

    Pela ausncia de lacunas nas cadeias dedutivas conse-gue-se explicitar cada axioma, pressuposio, hiptese, oucomo se queira chamar, sobre as quais transcorre a demonstra-o; e assim obtemos um fundamento para o julgamento danatureza epistemolgica da lei demonstrada. Certamente afir-mou-se repetidas vezes que a aritmtica no mais do quelgica desenvolvida; mas, isto permanece discutvel enquantoaparecerem nas demonstraes passos no dados segundo asleis lgicas reconhecidas, mas que paream descansar em umconhecimento intuitivo. Somente a partir do momento em queestes passos se decomponham em passos lgicos simples,poderemos estar convencidos de que na base no h nadaseno lgica. Reuni tudo o que pode facilitar o julgamento dese uma cadeia dedutiva concludente ou de se suas premissasso slidas. Se algum encontrasse algo errado deveria poderindicar exatamente onde se acha o erro segundo sua opinio:nas leis fundamentais, nas definies, nas regras ou em sua

    aplicao num determinado lugar. Se tudo se encontra emordem, ento se conhece exatamente os fundamentos sobre osquais se baseia cada teorema em particular. Somente podehaver discusso, pelo que posso ver, a respeito de minha leifundamental do curso de valores (V), que talvez os lgicos noa considerem apropriada, ainda que se pense nela quando sefala, por exemplo, de extenses de conceito. Eu a tomo comopuramente lgica. Em todo caso, aqui indicado o lugar ondea diferena pode se dar.

    O meu objetivo exige muitos afastamentos em relaoao que comum em matemtica. As exigncias de rigor nasdemonstraes tm como conseqncia inevitvel um maiorcomprimento das demonstraes. Quem no leve em conside-rao este fato, ficar surpreendido com a complicao resul-tante aqui na demonstrao de um enunciado que ele acreditacompreender imediatamente num nico ato cognitivo. Istoser especialmente surpreendente se se compara com o escrito

    16

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    17/148

    do Sr. Dedekind Was sind und was sollen die Zahlen?(O que soe o que devem ser os nmeros?), o mais profundo que conheci

    nos ltimos tempos sobre a fundamentao da aritmtica. Emum espao muito menor, examina as leis da aritmtica at umnvel muito superior do que se considera aqui. Esta brevidade,naturalmente, apenas se consegue deixando que muito fiquepropriamente sem demonstrar. O Sr. Dedekind diz freqen-temente apenas que a demonstrao procede a partir de tais etais enunciados; utiliza pontos, como em m(A, B, C, ...); emnenhuma parte encontramos uma compilao das leis lgicasou de outro tipo postas como base, e se estas tivessem sidopostas, no haveria nenhuma maneira de controlar se real-mente no foram utilizadas outras; pois, para isso as demons-traes deveriam aparecer no apenas indicadas, mas condu-zidas sem lacunas. O Sr. Dedekind tambm da opinio deque a teoria dos nmeros uma parte da lgica; mas, seuescrito apenas contribui para dificultar esta opinio, porque asexpresses empregadas por ele, como sistema, uma coisapertence a uma coisa, no so usuais em lgica e no podem

    ser reduzidas a nada reconhecidamente lgico. No digo issocomo reprovao; pois, seu mtodo pode ter sido o mais tilpara ele tendo em vista seu objetivo; apenas o digo para tornarpor contraste mais claro meu propsito. O comprimento deuma demonstrao no deve ser medido com a rgua. Pode-sefazer com que uma demonstrao parea breve sobre o papelfacilmente, pulando membros intermedirios da cadeia dedu-tiva e deixando passos apenas indicados. Geralmente noscontentamos com que cada passo da demonstrao nos pareaevidentemente correto, e isto lcito se apenas queremosconvencer da verdade do enunciado por demonstrar. Mas,quando se trata de proporcionar uma compreenso da nature-za desta evidncia, este procedimento no suficiente, mas hque escrever todos os estgios intermedirios, para jogar sobreeles toda a luz de nossa conscincia. Os matemticos costu-mam estar interessados apenas no contedo do enunciado eem que seja provado. Aqui o novo no o contedo do

    17

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    18/148

    enunciado, mas como a demonstrao realizada, sobre quaisfundamentos ela se apia. No se deve estranhar que este

    ponto de vista essencialmente distinto exija tambm outro tipode tratamento. Se se demonstra da maneira usual um dosnossos enunciados, facilmente se passar por alto algumenunciado que parece desnecessrio para a demonstrao.Porm, sob um exame mais detalhado de minha demonstraose ver, segundo creio, que esse enunciado indispensvel, ano ser que se queira tomar um caminho completamentediferente. Por isso, talvez, encontrem-se aqui e ali em nossosenunciados condies que a primeira vista paream desneces-srias, mas que logo mostram-se necessrias, ou que pelomenos somente podem ser abandonadas com algum outroenunciado por demonstrar.

    Eu realizo aqui um projeto que j havia tido em vistano meuBegriffschriftdo ano de 1879 e que anunciei em meusFundamentos da aritmticado ano de 1884.1Eu quero demons-trar com a prtica minha concepo sobre o nmero que expusno ltimo dos livros citados. O fundamental de meus resulta-

    dos expressei ali, no 46, dizendo que a atribuio de nmerocontm uma assero (Ausage) sobre um conceito (Begriffe); enisto se baseia a presente exposio. Se algum tem umaconcepo diferente, que tente fundamentar sobre ela median-te sinais uma exposio conseqente e til, e ver como no sepode. Na linguagem natural, a situao no obviamente totransparente; mas, se se examina cuidadosamente, se acharque tambm aqui ao atribuir-se um nmero emprega-sesempre um conceito, e no um grupo, um agregado ou algo dotipo e que, inclusive se isto ocorre alguma vez, o grupo ou oagregado sempre est determinado por um conceito, querdizer, pelas propriedades que deve ter um objeto para per-tencer ao grupo, enquanto que para o nmero comple-tamente indiferente o que torna grupo o grupo, sistema osistema, ou as relaes que tm as partes entre si.

    1Compare-se com a Introduo e os 90 e 91 de Fundamentos da Aritmtica;Breslau, edio de Wilhelm Koeber, 1884.

    18

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    19/148

    A razo de porque a realizao atrasou tanto depois deseu anncio em parte se deve a transformaes internas da

    conceitografia, que me obrigaram a abandonar o manuscritoque estava j quase terminado. Explicarei aqui brevementeestes melhoramentos. Os sinais primitivos empregados nomeu Begriffschrift aparecem aqui de novo com uma nicaexceo. Em vez de trs traos paralelos empreguei o sinal deigualdade usual, posto que me convenci que na aritmtica estetambm se refere ao mesmo que eu quero designar. Comefeito, uso a palavra igual com a mesma referncia quecoincidente com ou idntico a, e realmente assim comose usa tambm na aritmtica o sinal de igualdade. O paradoxoque aparentemente surge da provm, sem dvida, da ausn-cia da distino entre sinal e designado. Claramente na equa-o 22=2+2 o sinal da esquerda diferente do que est direita; mas, ambos designam ou se referem ao mesmonmero.1Aos sinais primitivos antigos adicionei somente dois:o esprito suave para designar o curso de valores de umafuno e um sinal que deve substituir o artigo definido da

    linguagem natural. A introduo do curso de valores dasfunes um progresso essencial, a que se deve uma mobi-lidade muito maior. Os sinais derivados anteriores podem sersubstitudos agora por outros sinais, mais simples, se bem queas definies da univocidade de uma relao, da sucesso emuma srie, da figurao sejam as mesmas que eu havia fornecidoem parte no Begriffschrift e em parte nos Fundamentos da

    Aritmtica. Mas, os cursos tm alm disso uma grande impor-tncia fundamental; pois, eu defino o nmero mesmo comouma extenso de conceito, e as extenses de conceito so,segundo minha concepo, cursos de valores. Sem estes, por-tanto, no se poderia chegar a nenhuma parte. Os antigossinais primitivos que reaparecem externamente no-alteradose cujo algoritmo apenas foi modificado, foram providos,

    1Naturalmente, tambm posso dizer: o sentido do sinal que est direita diferente do sinal que est esquerda; mas, a referncia a mesma. Veja-semeu ensaio Sobre o sentido e a referncia, supra, pp. 49 e ss..

    19

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    20/148

    todavia, de esclarecimentos diferentes. O anterior trao decontedo torna a aparecer como horizontal. Estas so conse-

    qncias da evoluo de minhas concepes lgicas. Anteshavia distinguido, no que por sua forma externa um enun-ciado afirmativo (Behauptungssatz),duas coisas: 1) o reconheci-mento da verdade, 2) o contedo que reconhecido comoverdadeiro. Ao contedo eu chamava contedo judicvel(beurtheilbaren Inhalt). Este agora analisado no que eu chamopensamento (Gedanken) e valor de verdade (Wahrheistwerth).Isso conseqncia da distino entre sentido (Sinn) e refe-rncia (Bedeutung) de um sinal (Zeichen). Nesse caso, o sentidoda frase ( Satzes ) o pensamento e sua referncia o valorde verdade. A isto se soma ainda o reconhecimento de que ovalor de verdade o verdadeiro. Com efeito, eu distingo doisvalores de verdade: o verdadeiro e o falso. Isto justifiqueidetalhadamente em meu ensaio antes citado sobre o sentido ea referncia. Aqui direi somente que unicamente deste modopode-se conceber corretamente o estilo indireto. Com efeito, opensamento, que nos demais casos o sentido do enunciado

    no estilo indireto passa a ser sua referncia. At que pontotudo se faz mais simples e rigoroso mediante a introduo devalores de verdade, apenas se poder ver com um estudodetalhado deste livro. Estas vantagens sozinhas representam jum grande peso no prato a favor de minha concepo, quenaturalmente a primeira vista pode parecer estranha. Tambmcaracterizei mais claramente que no Begriffschrifta essncia dafuno (Function) em contraposio ao objeto (Gegenstande).Disto resulta adicionalmente a distino entre as funes deprimeira e segunda ordem. Tal como expus em minha confe-rncia sobre Funo e conceito,1 os conceitos e as relaesso funes, no sentido ampliado por mim desta palavra, edesse modo devemos distinguir tambm conceitos de primeirae segunda ordem, relaes da mesma ordem e de ordensdistintas.

    1Jena, ed. Hermann Pohle, 1891. (cf. Supra, pp. 17 e ss).

    20

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    21/148

    Como se v, no transcorreram em vo os anos desde apublicao do meu Begriffschrift e de meu Fundamentos: fize-

    ram amadurecer a obra. Mas, precisamente isto que eu consi-dero como progresso essencial, no posso ocultar-me, repre-senta tambm um grande obstculo no caminho da difuso edo efeito de meu livro. E aquilo que constitui uma parte nopequena de seu valor, a saber, a rigorosa ausncia de lacunasnas cadeias dedutivas, temo que no ser bem recebida.Distanciei-me demais das concepes usuais, imprimindo comisso certo carter paradoxal s minhas idias. fcil tropearaqui e ali, ao folhear o livro rapidamente, com alguma expres-so que parece estranha e que provoca um prejuzo desfa-vorvel. Eu mesmo posso compreender em certa medida estaresistncia com a qual se defrontaro minhas inovaes, j queeu mesmo, para alcan-las, tive que superar primeiro algosemelhante. Pois, cheguei a essas expresses no por acaso oupor nsias de novidade, mas constrangido pela coisa mesma(durch die Sache selbst gedrngt).

    Com isto chego ao segundo motivo do atraso: a deses-

    perana que s vezes me atacava ante fria recepo, oumelhor dizendo, ante falta de recepo feita s minhas obrasantes mencionadas por parte dos matemticos1e a m vontadedas correntes cientficas contra as quais meu livro ter quelutar. J a primeira impresso tem que produzir espanto: sinaisdesconhecidos, pginas inteiras de frmulas extravagantes.Desse modo, durante anos dediquei-me a outras questes.Mas, no podia deixar por muito tempo na gaveta osresultados de meus pensamentos, que me pareciam valiosos, eo esforo empregado exigia sempre novos esforos para que otrabalho no fosse em vo. Por isso no me livrava do assunto.Num caso como esse, em que o valor do livro no pode

    1 Em vo se procuraria meus Fundamentos da Aritmtica no Jahrb. ber dieFortschritte der Math. (Anurio dos progressos da Matemtica). Outrosinvestigadores no mesmo campo, os senhores Dedekind, Otto stolz, v.Helmholtz parecem desconhecer meus trabalhos. Tampouco Kronecker osmenciona em seu ensaio sobre o conceito de nmero.

    21

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    22/148

    determinar-se mediante uma leitura rpida, a crtica deveriapropiciar o comeo. Mas, em geral, a crtica se paga muito mal.

    Um crtico nunca poder esperar ser compensado em dinheiropelo esforo que representa um estudo profundo deste livro.Apenas me resta esperar que algum acredite de antemomuito no tema e que espere interiormente uma recompensasuficiente, e que transmita logo ao pblico o resultado de seuexame consciencioso. No se trata de que a mim apenas possasatisfazer um comentrio elogioso. Pelo contrrio! No possoseno preferir um ataque apoiado num conhecimento profun-do do que um elogio em termos gerais que no toca no ncleoda questo. Ao leitor que queira se adentrar no livro com taispropsitos, gostaria aqui de facilitar-lhe o trabalho com algu-mas advertncias.

    Antes de tudo, para se obter uma idia aproximada decomo expresso pensamentos com meus sinais, ser til exami-nar detalhadamente na tbua dos axiomas mais importantesalguns dos mais simples, ao lado dos quais est uma traduo.Desse modo, pode-se descobrir o que os demais, para os quais

    no h traduo, querem dizer. Depois, pode-se comear coma introduo e enfrentar a apresentao da conceitografia.Contudo, aconselho que no incio faa-se apenas uma leiturarpida e no se detenha muito diante de dvidas particulares.Algumas consideraes seriam necessrias para poder respon-der a todas as objees, mas no so essenciais para a compre-enso dos enunciados ideogrficos. Para isso eu indico asegunda parte do 8, que na pgina 12, comea com as pa-lavras Se definimos agora ...; alm disso, a segunda parte do 9, que na pgina 15 comea com as palavras Quando digoem geral ..., e finalmente todo o 10. Em uma primeiraleitura, estas passagens podem ser deixadas de lado. O mesmovale para os 26 e 28 at o 32. Ao contrrio, gostaria deobservar que so especialmente importantes para a compre-enso a primeira parte do 8 e alm disso os 12 e 13. Umaleitura mais detalhada pode comear com o 34 e chegar at ofinal. Ento, ocasionalmente o leitor dever retroceder aos

    22

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    23/148

    lidos com pouca ateno. Isso facilitado pelo ndice determos no final e pelo ndice de contedos. As dedues dos

    49 at o 52 podem servir como preparao para a compreensodas demonstraes mesmas. Todos os modos de inferncia ede deduo e quase todas as aplicaes de nossas leis fun-damentais aparecem j neste ponto. Depois que se tenhachegado at o fim procedendo desse modo, se poder ler aapresentao da conceitografia uma vez mais em seu contextoe completamente, tendo em vista ento que as estipulaes queno se utilizam de pronto, e que por isso parecem desne-cessrias, servem para o cumprimento do princpio funda-mental de que todos os sinais formados regularmente devemreferir-se a algo, princpio este que essencial para se alcanarum rigor absoluto. Desta maneira creio que desaparecer aospoucos a desconfiana que minhas inovaes podem despertarno comeo. O leitor ver que meus princpios nunca conduzema conseqncias que ele mesmo no deva reconhecer comocorretas. Talvez, tambm dever admitir ento que antes haviasuperestimado o esforo necessrio, que meu proceder sem

    saltos na realidade facilita a compreenso, uma vez que sesuperaram os obstculos que se originam na novidade dossinais. Possa eu ter a felicidade de encontrar um semelhanteleitor e crtico! Pois, um comentrio baseado numa olhadasuperficial seguramente seria mais prejudicial do que benfico.

    Por isso, seguramente as perspectivas de meu livro sopequenas. Em todo caso h que se descontar todos os matem-ticos que ao topar com expresses lgicas, como conceito,relao, juzo, pensam: methaphysica sunt, non leguntur! Etambm os filsofos que ao ver uma frmula exclamam:mathematica sunt, non leguntur!, e sero muito poucos os queno so de um ou de outro tipo. Talvez no seja grande onmero de matemticos que se interessam pela fundamen-tao de sua cincia, e tambm esses freqentemente parecemter muita pressa para logo deixar para trs de si as basesiniciais. E apenas me atrevo a esperar que minhas razes parao penoso rigor e para a extenso que a ele est conectada

    23

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    24/148

    convenam a muitos deles. O que se tornou habitual temgrande poder sobre as faculdades. Se comparo a aritmtica a

    uma rvore que em cima desdobra-se numa multiplicidade demtodos e teoremas, enquanto que suas razes penetram naprofundidade, ento, parece-me que o impulso de buscar asrazes, na Alemanha pelo menos, demasiado fraco. Mesmonuma obra que se poderia contar nessa direo, a lgebra daLgica, do Sr. Schrder, impe-se de incio o impulso emdireo copa e, antes de se ter alcanado uma profundidademaior, efetua um giro para o alto e parao desenvolvimento demtodos e teoremas.

    Tambm desfavorvel para meu livro a inclinaoto difundida de admitir-se como disponvel (vorhand) apenaso sensvel (sinnliche). O que no pode ser percebido com ossentidos, pretende-se negar ou passar por cima. Agora, osobjetos da aritmtica, os nmeros, so de natureza no-sens-vel. Ento, como se resolve? Muito facilmente! Tomam-se ossinais numricos pelos nmeros. Nos sinais se tem algo visvel,e isto obviamente o principal. Seguramente os sinais tm

    propriedades totalmente distintas das dos nmeros; mas, queimporta? Simplesmente imputa-se a eles as propriedades dese-jadas mediante supostas definies. Seguramente um enigmacomo pode dar-se uma definio quando no entra em questoqualquer conexo entre sinal e designado. Fundem-se o sinal eo designado tornando-os o mais indistinguveis possvel;ento, conforme seja necessrio, pode-se afirmar a existnciaindicando a tangibilidade dos signos1, ou das propriedadeslegtimas dos nmeros. s vezes parece que se consideram ossinais numricos como figuras de xadrez e as chamadas defi-nies como regras do jogo. O sinal no designa nada, ento,mas a coisa mesma (die Sache selbst). Claramente, assim se

    1V. E. Heine: Die Elemente der Functionslehre (Os elementos da teoria dasfunes), noCrelles Journal, n74, p. 173: Com respeito definio coloco-meno ponto de vista puramente formalista, ao denominar nmeros certos sinaisperceptveis, de modo que no se pe em questo a existncia destesnmeros.

    24

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    25/148

    passa por cima de um detalhe, a saber, que com 3 2+42=52expressamos um pensamento (Gedanken), enquanto que uma

    disposio de figuras de xadrez no afirma nada (nichts besagt).Quando algum se contenta com tais superficialidades no hlugar, naturalmente, para uma considerao mais profunda.

    Aqui importante ter uma idia clara do que definire do que se pode conseguir mediante definies. Com freqn-cia parece que se atribui definio uma fora criadora,enquanto que na realidade no ocorre outra coisa seno que sefaz ressaltar algo delimitando-o e atribuindo-lhe um nome.Assim como o gegrafo no cria nenhum mar quando traafronteiras e diz: a poro de superfcie ocenica limitada porestas linhas eu denominarei Mar Amarelo, assim tampouco omatemtico pode criar nada propriamente mediante suasdefinies. No se pode atribuir a uma coisa magicamente, porsimples definio, uma propriedade que j no tenha antes, ano ser a de chamar-se com o nome que lhe foi atribudo. Mas,que uma figura em forma de ovo, que se cria sobre o papelcom tinta, tenha que receber mediante definio a propriedade

    de que somada a um d um, isto somente posso consideraruma superstio cientfica. Do mesmo modo poderia fazer-se,por simples definio, de um acadmico preguioso umaplicado. A confuso nasce aqui facilmente por falta de distin-o entre conceito e objeto. Se se diz: Um quadrado umretngulo em que os lados que se tocam so iguais, define-seo conceito quadrado, ao indicar as propriedades que algo deveter para cair sob este conceito. A estas propriedades eu chamocaractersticas do conceito. Mas, observe-se que estas caracte-rsticas do conceito no so suas propriedades. O conceitoquadradono um retngulo; apenas os objetos que caem sobeste conceito so retngulos, do mesmo modo como o conceito

    pano negrono negro nem pano. Que exista tais objetos aindano sabemos diretamente por meio da definio. Suponhamosagora que se queira definir o nmero zero, por exemplo,dizendo: algo que somado a um d um. Com isto definiu-seum conceito, ao indicar a propriedade que deve ter um objeto

    25

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    26/148

    que caia sob o conceito. Mas, esta propriedade no proprie-dade do conceito definido. Pelo que parece, as pessoas imagi-

    nam seguidamente que, mediante a definio, cria-se algo que,somado a um, d um. Erro grave! Nem o conceito definido temesta propriedade, nem a definio garante que o conceito noseja vazio. Isto demanda primeiro uma investigao. Somentequando se provou que existe um objeto e apenas um objetocom a propriedade requerida, que se est em condies dedar a este objeto o nome prprio zero. Criar o zero , pois,impossvel. Repetidas vezes eu expus esta opinio, mas, peloque parece, sem xito.1

    Tampouco por parte da lgica dominante pode seesperar compreenso da diferena que fao entre a caracte-rstica (Merkmal) de um conceito e a propriedade (Eigenschaft)de um objeto;2pois, a lgica atual parece estar completamenteinfectada de psicologia. Quando, em vez da coisa mesma, seconsideram somente suas imagens subjetivas (subjectiven

    Abbilder), as representaes (Vorstellungen), perdem-se natural-mente todas as diferenas reais mais finas e, ao contrrio,

    aparecem outras que para a lgica carecem totalmente devalor. E com isso passo a falar do que dificulta o influxo demeu livro sobre os lgicos. Se trata da perniciosa ingerncia dapsicologia na lgica. Para o tratamento dessa ltima cinciadeve ser decisiva a concepo das leis lgicas, e isso por suavez depende de como se entende a palavra verdadeiro. Queas leis lgicas devem ser normas para o pensamento alcanar averdade, algo reconhecido certamente por todo o mundo; sque se esquece isso muito facilmente. Aqui o duplo sentido dapalavra lei enganador. Em um sentido ela diz o que , emoutro ela prescreve o que deve ser. Apenas nestes sentidos asleis lgicas podem ser chamadas leis do pensamento, aoestabelecerem o modo como se h de pensar. Toda lei que diz

    1Pede-se aos matemticos que no gostam de extraviar-se pelos caminhos dafilosofia que interrompam aqui a leitura do Prlogo.

    2Na Lgicado Sr. B. Erdmann no encontro nenhum indcio dessa importantediferena.

    26

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    27/148

    o que pode conceber-se tambm como uma prescrio, postoque h que se pensar de acordo com ela, e neste sentido

    portanto uma lei do pensamento. Isto vale para as leis geo-mtricas e fsicas no menos do que para as lgicas. Estasmerecem com maior direito o nome de leis do pensamento,apenas se com isto queremosdizer que so mais gerais, quesempre prescrevem como se h de pensar sempre que sepense. Porm, o termo lei do pensamento induz opinioerrnea de que estas leis regem o pensamento do mesmomodo que as leis naturais os acontecimentos do mundo exte-rior. Nesse caso, no podem ser outra coisa que leis psico-lgicas; pois, o pensamento um processo mental (seelischerVorgang). E se a lgica tivesse alguma coisa a ver com estas leispsicolgicas, ento, ela seria parte da psicologia. E assim concebida de fato. Estas leis do pensamento so consideradas,ento, como normas no sentido de que representam o padromdio, do mesmo modo que se pode dizer como ocorre adigesto sadia no homem, ou como se fala de maneira grama-ticalmente correta, ou como algum veste-se modernamente.

    Em tal caso, somente se pode dizer: segundo estas leis se regeo padro mdio que os homens tomam por verdadeiro,atualmente e na medida em que se conhecem os homens;assim, pois, se algum quer concordar com o padro mdio,deve seguir estas leis. Mas, assim como o que hoje modernodentro de certo tempo j no ser mais, e entre os chinesesagora no , assim tambm somente de maneira limitada sepode propor as leis lgicas como determinantes. Certamente,se que na lgica se trata do que se toma por verdadeiro e nodo que verdadeiro! E isto o que confunde os lgicospsicologistas. Assim por exemplo, o Sr. Erdmann equipara, noprimeiro tomo de sua Lgica,1pp. 272-75, a verdade (Wahrheit)com a validade geral (Allgemeingltigkeit) e fundamenta esta nacerteza geral sobre o objeto acerca do qual se julga, e estacerteza por sua vez se baseia no acordo geral dos emissores de

    1Halle a. S., Max Niemayer, 1892.

    27

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    28/148

    juizos (allgemeine bereinstimmung der Urtheillenden). Defini-tivamente, portanto, reduziu-se assim a verdade ao tomar por

    verdadeiro (Frwahrhalten) dos indivduos. Contra isto euapenas posso replicar: ser verdadeiro (Wahrsein) algo distintode ser tomado por verdadeiro, seja por parte de um indivduo,seja por muitos, ou todos; e o primeiro no pode ser reduzidoao segundo em nenhum caso. No h contradio em que sejaverdadeiro algo que todos tm por falso. Por leis lgicas noentendo leis psicolgicas do tomar por verdadeiro, mas as leisdo ser verdade (Gesetze des Wahrseins). Se verdade que euescrevo isto em minha casa em 18 de julho de 1893, enquantol fora sopra o vento, seguir sendo verdade ainda que todosos homens considerem isto falso. E como o ser verdade independente de que algum o reconhea como tal, resulta queas leis da verdade no so leis psicolgicas, mas antes marcoscravados em um solo eterno, que certamente podem serrenegados por nosso pensamento, mas nunca removidos. Eposto que o so, so determinantes para o nosso pensamento,se este quer alcanar a verdade. Estas leis no esto para nosso

    pensamento na mesma relao que as leis gramaticais para alinguagem, de modo que fossem a expresso da natureza denosso pensamento humano e se modificassem com ela. Com-pletamente diferente , naturalmente, a concepo de lei lgicado Sr. Erdmann. Ele duvida de sua validade incondicionada,eterna, e pretende limit-la ao nosso pensamento, tal como este agora (p. 375e s.). Nosso pensamento sem dvida somentepode significar o pensamento da humanidade conhecida atagora. Conforme isso, ficaria aberta a possibilidade de que sedescobrissem homens ou outros seres que pudessem emitir

    juizos contraditrios com nossas leis lgicas. E, se isso ocor-resse realmente? O Sr. Erdmann diria: vemos, pois, que estesprincpios no valem universalmente. Sem dvida! Se devemser leis psicolgicas, sua expresso verbal deve dar a conhecera espcie de ser cujo pensamento est empiricamente deter-minado por elas. Eu diria: existem seres, portanto, que noconhecem certas verdades diretamente como ns, mas que

    28

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    29/148

    talvez estejam obrigados a trilhar pelo longo caminho dainduo. Mas, o que ocorreria se tambm se encontrassem

    seres cujas leis de pensamento contradissessem totalmente asnossas e, portanto, tambm sua aplicao conduzisse aresultados opostos? O lgico psicologista no poderia fazermais do que reconhecer isso e dizer: para estes seres valemessas leis, para ns aquelas. Eu diria: aqui ns temos um tipode loucura at agora desconhecido. Quem entende por leislgicas aquelas que prescrevem como se h de pensar, ou leisdo ser verdade, no leis naturais do assentimento humano,esse perguntar: Quem tem razo? Quais leis do tomar porverdadeiro esto de acordo com as leis da verdade? O lgicopsicologista no pode fazer estas perguntas; pois, com elasadmitiria leis do ser verdade que no seriam psicolgicas. Hpior maneira de falsear o sentido da palavra verdadeiro doque quando se pretende incluir uma relao com o emissor do

    juzo? Que no se me objete que o enunciado Eu estou comfome pode ser verdadeiro para um e falso para outro! Oenunciado bem pode ser, mas o pensamento no; pois, a

    palavra eu se refere na boca de outro a outro homem, e porisso o enunciado emitido pelo outro expressa outro pensamen-to. Todas as determinaes de lugar, de tempo, etc. pertencemao pensamento cuja verdade est em questo; o ser verdadeiromesmo no espacial e nem temporal. O que realmente diz oprincpio de identidade? Algo assim: No ano 1893 imps-svel para os homens admitir que um objeto distinto delemesmo?, ou isso: Todo objeto idntico a si mesmo? Aprimeira lei trata de homens e contm uma determinaotemporal; na segunda no se fala nem de homens nem detempo. Esta uma lei do ser verdadeiro, aquela uma lei doassentimento humano. O contedo de ambas completamentedistinto, e so independentes entre si, de modo que nenhumadas duas segue-se da outra. Por isso, muito confuso designarambas com o mesmo nome de princpio de identidade. Taisconfuses de coisas radicalmente distintas so as responsveispela terrvel falta de claridade que encontramos nos lgicos

    29

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    30/148

    psicologistas.Agora, a pergunta de por que e com que direito ns

    reconhecemos como verdadeira uma lei lgica, apenas podeser respondida pela lgica reconduzindo-a a outras leis lgi-cas. Onde isto no possvel, a resposta fica em aberto. Saindoda lgica podemos dizer: por nossa natureza e pelas circuns-tncias externas estamos obrigados a emitir juzos, e quandoemitimos juzos no podemos prescindir desta lei a da iden-tidade, por exemplo ; devemos admiti-la se no queremosfazer cair nosso pensamento em confuso e renunciar, definiti-vamente, a qualquer juzo. No vou discutir nem apoiar estaopinio, e apenas observar que aqui no temos nenhumaconseqncia lgica. No se d nenhuma razo do ser verda-deiro, seno de nosso assentimento. E mais: esta nossa impos-sibilidade de prescindir da lei no nos impede de supor seresque prescindam dela; mas, nos impede sim de supor que estesseres tm razo; tambm nos impede de duvidar se so eles ouns que temos razo. Pelo menos isso vale para mim. Se outrosnum s respiro se atrevem a reconhecer e duvidar de uma lei,

    isso me parece como a tentativa de sair da prpria pele, do queno posso seno prevenir veementemente. Quem admitiu umavez uma lei do ser verdade, ter admitido com isso uma leique prescreve como se h de julgar sempre, onde, quando epor quem quer que seja julgado.

    Olhando o conjunto, parece-me que a origem dapolmica a distinta concepo da verdade. Para mim, ela algo objetivo, independente do emissor de juzos, para os lgi-cos psicologistas, no. O que o Sr. B. Erdmann chama certezaobjetiva somente o reconhecimento geral por parte dosemissores de juzos, que, portanto, no independente destes,seno que pode modificar-se com sua natureza mental.

    Podemos conceber a diferena com maior generali-dade ainda: eu reconheo um domnio do objetivo no-efetivo(Objectiven Nichtwirklichen), enquanto que os lgicos psicolo-gistas consideram o no-efetivo como o subjetivo (Subjectiv)sem mais. E, obviamente, no se v claramente por que aquilo

    30

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    31/148

    que tem uma existncia (Bestand) independente do emissor dejuzos deva ser efetivo, isto , deva poder atuar diretamente ou

    indiretamente sobre os sentidos. No se pode descobrir umatal relao entre os conceitos. Inclusive podem dar-se exem-plos que mostram o contrrio. O nmero um, por exemplo,no facilmente considerado como efetivo (wirklich), se no se seguidor de J. S. Mill. Por outra parte, impossvel atribuir acada homem o seu prprio um; pois, primeiro haveria que seinvestigar at que ponto coincidem as propriedades destesuns. E se algum dissesse um vezes um um e outrodissesse um vezes um dois, apenas se poderia constatar adiferena e dizer: o teu um tem esta propriedade, o meu estaoutra. No teria nenhum sentido uma discusso acerca dequem tem razo nem tambm a tentativa de ensinar; pois, paraisto faltaria uma comunidade de objeto. Evidentemente, isto totalmente contrrio ao sentido da palavra um e ao sentidodo enunciado um vezes um um. Dado que o um, enquantoque o mesmo para todos, apresenta-se a todos do mesmomodo, to impossvel investig-lo por meio da observao

    psicolgica quanto a Lua. Se bem que existem representaesdo um nas mentes individuais, estas devem ser distinguidasdo um, do mesmo modo que as representaes da Lua devemser distinguidas da Lua mesma. Como os lgicos psicologistasignoram a possibilidade do no-efetivo objetivo, tomam osconceitos por representaes, com o que atribuem o seu estudo psicologia. Mas, a verdadeira situao impe-se fortementepara que isto se realize. E assim se chega a uma oscilao nouso da palavra representao: por um lado, ela parece sereferir a algo que pertence vida mental do indivduo e sefunde com outras representaes, e se associa a elas segundoleis psicolgicas; por outro lado parece se referir a algo que seapresenta a todos do mesmo modo, sem que se nomeie ousequer se pressuponha um sujeito de representao. Estes doisusos so inconciliveis; pois, estas associaes ou fuses ocor-rem somente no sujeito de representao e ocorrem somenteem um estado que to absolutamente peculiar a este sujeito

    31

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    32/148

    de representao como sua alegria ou dor. No se deve esque-cer que nunca as representaes de homens diferentes, por

    mais parecidas que possam ser, o que, por outro lado, ns nopodemos comprovar exatamente, no coincidem em nenhumponto, e devem ser diferenciadas. Cada um tem as suas repre-sentaes, que no so por sua vez as do outro. Naturalmente,entendo aqui representaes no sentido psicolgico. O usovacilante desta palavra provoca confuso e ajuda aos lgicospsicologistas a ocultar sua debilidade. Quando se por fim aisto! Desse modo tudo arrastado definitivamente para odomnio da psicologia; desaparece cada vez mais a fronteiraentre o objetivo e o subjetivo, e inclusive os objetos efetivos sotratados psicologicamente como representaes. Pois, o que oefetivoseno um predicado? E, que so os predicados lgicosseno representaes? Assim desemboca tudo no idealismo e,sendo mais conseqentes, no solipsismo. Se cada um desig-nasse com a palavra Lua algo distinto, a saber, uma de suasrepresentaes, do mesmo como a exclamao Ai! expressasua dor, ento, estaria justificado o modo de considerao

    psicologista; mas, uma discusso sobre as propriedades da Luacareceria de objeto: algum poderia muito bem afirmar de suaLua o contrrio do que outro diria da sua, com a mesma razo.Se no pudssemos conceber mais do que est em ns mes-mos, seria impossvel uma disputa de opinies, uma compre-enso mtua, porque faltaria o terreno comum, e este nopode ser nenhuma representao no sentido da psicologia.No haveria nada parecido com a lgica, que estivesse encar-regado de arbitrar a disputa de opinies.

    Mas, para no dar a impresso de que estou lutandocontra moinhos de vento, vou mostrar em um livro deter-minado o afundamento incontornvel no idealismo. Escolhopara isto a antes mencionada Lgicado Sr. B. Erdmann comouma das obras mais recentes da orientao psicologista, a queningum negar certa importncia. Consideremos o seguinteenunciado (I, p85):

    Assim, a psicologia ensina com certeza que os objetos

    32

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    33/148

    da memria e da imaginao so, tal como os da representaopatolgica alucinatria e ilusria, de natureza ideal.... Ideal

    tambm todo o domnio das representaes propriamentematemticas, desde a srie dos nmeros at os objetos daMecnica.

    Que comparao! O nmero dez deve tambm estarno mesmo nvel que o das alucinaes! Aqui se confunde,evidentemente, o no-efetivo objetivo com o subjetivo. Algu-mas coisas objetivas so efetivas, outras no.Efetivo somenteum dos tantos predicados, e lgica no lhe interessa mais queo predicadoalgbricoaplicado a uma curva. Naturalmente, porcausa dessa confuso, o Sr. Erdmann se perde na metafsica,por mais que tente manter-se livre dela. Considero um sintomaseguro de erro que a lgica necessite da metafsica e da psico-logia, cincias estas que precisam dos princpios da lgica.Qual aqui a verdadeira base originria sobre a qual tudorepousa? Ou como no conto de Mnchausen, que ele mesmosaia do pntano puxando-se pelos cabelos? Duvido muitodessa possibilidade e suspeito que o Sr. Erdmann ficar atola-

    do em seu pntano psicolgico-metafsico.No existe uma verdadeira objetividade para o Sr.Erdmann, pois tudo representao. Nos convenceremosdisso por meio de suas prprias afirmaes. Na pgina 187 doprimeiro volume, lemos:

    Na medida em que uma relao entre coisas repre-sentadas, o juzo pressupe dois pontos relacionais, entre osquais tem lugar. Como assero(Aussage) sobre o representado,exige que um destes pontos relacionais defina-se como objetodo qual se assere algo, o sujeito ..., o segundo como objeto quese assere, o predicado.... Antes de tudo, vemos aqui que tantoo sujeito, do qual se assere algo, como o predicado, so quali-ficados de objeto ou representado. Em vez de o objeto,poderia ter dito tambm o representado; com efeito, lemos(I, p.81): Pois os objetos so o representado. Mas, ao inverso,tambm todo o representado deve ser objeto. Na pgina 38diz-se:

    33

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    34/148

    Por sua origem, o representado divide-se, por umlado, em objetos da percepo sensorial e da conscincia de si

    mesmo, e por outro, em primitivos e derivados.O que nasce da percepo sensorial e da conscincia desi , sem dvida, de natureza mental. Os objetos, o repre-sentado e com isso tambm sujeito e predicado so atribudos psicologia. Isto confirmado pela seguinte passagem (I, pp.147 e 148):

    o representado ou a representao como tal. Pois,ambos so uma e a mesma coisa: o representado represen-tao, a representao o representado.

    A palavra representao geralmente tomada emsentido psicolgico; que este tambm seja o uso dado pelo Sr.Erdmann vemos pelas passagens:

    Conscincia, por conseguinte, sentir, representar,querer o geral (p. 35), e O representar compe-se das repre-sentaes... e pelo fluxo de representaes (p. 36).

    Por isso no deveramos estranhar que um objeto surjapela via psicolgica:

    Na medida em que uma massa de percepes ...apresenta algo anlogo a estmulos anteriores e s excitaesprovocadas por eles, reproduz os resduos da memria queprocediam do anlogo nos estmulos anteriores efunde-secomeles para formar o objeto da representao apercebida (I,p.42).

    Na pgina 43, mostra-se, por exemplo, como se criapor meios puramente psicolgicos, sem prancheta, tinta,prensa e sem papel, um relevo de cera da Madonna sixtina deRafael. Depois disso, ningum pode duvidar de que o objeto,do qual se afirma algo, h-de ser, segundo a opinio do Sr.Erdmann, o sujeito de uma representao no sentido psicolgi-co, o mesmo que o predicado, o objeto que afirmado. Se istofosse correto, de nenhum sujeito poder-se-ia afirmar comverdade que verde; pois, no h representaes verdes. Eutampouco poderia afirmar de um objeto (Subjecte) a indepen-dncia em relao ao ser representado ou em relao a mim, o

    34

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    35/148

    representador, como tampouco minhas decises so indepen-dentes de minha vontade nem de mim, o querente, e seriam

    aniquiladas comigo caso eu fosse aniquilado. Para o Sr.Erdmann no h, pois, uma objetividade autntica, comotambm se deduz do fato de que pe o representado ou arepresentao em geral, o objeto no sentido mais geral da pala-vra, como gnero supremo (genus summum) (p. 147). Ele ,portanto, um idealista. Se os idealistas pensassem de modoconsequente, no considerariam o enunciado Carlos Magnoconquistou os saxes nem verdadeiro nem falso, seno comopoesia, tal como estamos acostumados a conceber, porexemplo, o enunciado Nessus levou Deanira para o outrolado do rio Euenus, pois tambm o enunciado Nessus levouDeanira para o outro lado do rio Euenus apenas poderia serverdadeiro ou falso se o nome Nessus tivesse um portador.Desse ponto de vista, certamente no seria fcil demover osidealistas. Mas, no temos porque admitir isso, que falsifiquemo sentido do enunciado como se eu quisera afirmar algo acercade minha representao quando falo de Carlos Magno; eu

    quero designar um homem independente de mim e de minharepresentao e afirmar algo sobre ele. Pode-se conceder aosidealistas que a execuo desse propsito no totalmentesegura, que talvez sem querer eu abandone a verdade para cairna poesia. Mas, com isso nada alterado no sentido. Com oenunciado esta ramagem verde no expresso nada sobreminha representao; com as palavras esta ramagem nodesigno nenhuma de minhas representaes, e, se assim ofizesse, o enunciado seria falso. Aqui aparece uma segundafalsificao, a saber, que minha representao do verde sejaafirmada de minha representao desta ramagem. Eu repito:neste enunciado no se trata absolutamente de minhas repre-sentaes; desse modo seria atribudo a ele um sentido com-pletamente diferente. Diga-se de passagem, absolutamente noentendo como uma representao pode ser afirmada de algo.Assim mesmo seria uma falsificao se se quisesse dizer que,no enunciado a Lua independente de mim e do meu repre-

    35

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    36/148

    sentar, minha representao do ser independente de mim ede meu representar sejam afirmados de minha representao

    da Lua. Desse modo se abandonaria a objetividade no sentidoprprio da palavra e posto algo muito diferente no seu lugar.Certamente possvel que ao emitir um juzo ocorra tal jogode representaes; mas, no este o sentido do enunciado.Tambm pode-se observar que no mesmo enunciado, e com omesmo sentido do enunciado, o jogo de representaes podeser completamente diferente. E esta manifestao logicamenteindiferente tomada por nossos lgicos como o real objeto desua investigao.

    Como compreensvel, a natureza do tema evita umafundamento no idealismo, e o Sr. Erdmann no estariadisposto a admitir que para ele no h objetividade autntica;mas, igualmente compreensvel a vanidade desse esforo.Pois, se todos os sujeitos e todos os predicados so represen-taes, e se todo pensamento no seno a produo, conexoe modificao de representaes, no se compreende como sepode alcanar algo objetivo. Uma indicao desse vo esforo

    j o uso das palavras representado e objeto, que primeiravista parecem querer designar algo objetivo em contraposio representao, mas apenas parecem; pois, est claro que sereferem a mesma coisa. Para que, ento, esta profuso deexpresses? Isto no difcil de advinhar. Note-se tambm quese fala de um objeto da representao, embora o objeto mesmotenha de ser uma representao. Este seria, logo, uma repre-sentao da representao. A que relao de representaesnos referimos aqui? Por mais obscuro que isto seja, tambm compreensvel, sem dvida, como o conflito da natureza daquesto com o idealismo pode dar origem a semelhante emba-rao. Por todos os lados vemos como aqui se confundem oobjeto, do qual fao uma representao, com esta representa-o, e depois volta a aparecer a diferenciao. Este conflito nso detectamos tambm no seguinte enunciado:

    Pois uma representao cujo objeto geral nem porisso , como tal, como evento da conscincia, geral, como

    36

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    37/148

    tampouco real uma representao porque seu objeto postocomo real, nem um objeto que sentimos como doce... dado

    por representaes que em si mesmas sejam doces (I, p. 86).Aqui predomina a verdadeira situao com toda suafora. Eu quase poderia estar de acordo; mas, observemos que,segundo os princpios erdmannianos, o objeto de uma repre-sentao e o objeto que dado por representaes so tambmrepresentaes, de modo que toda defesa em vo. Peo quese retenha na memria as palavras como tal, que aparecemsimilarmente na seguinte passagem, tambm na pgina 83:

    Quando se afirma a realidade de um objeto, o sujeitomaterial deste juzo no o objeto ou o representado como tal,mas o transcendente, que se pressupe como fundamentontico (Seinsgrundlage) desse representado, que se manifestapor meio do representado. Nesse caso no se deve supor que otranscendente seja o incognoscvel..., mas que sua transcen-dncia consiste apenas na sua independncia em relao ao serrepresentado.

    Outra v tentativa de sair do pntano! Se tomamos

    estas palavras a srio, ento dito que nesse caso o sujeito no uma representao. Mas, se isso possvel, ento, no secompreende por que no caso de outros predicados, que indi-cam modos especiais de atuao ou efetividade, o sujeitomaterial deva ser absolutamente uma representao, porexemplo, no juzo a Terra magntica. E assim chegaramosao resultado de que somente em alguns poucos juzos o sujeitomaterial deveria ser uma representao. Mas, uma vez que seadmitiu no ser essencial nem para o sujeito nem para opredicado que seja uma representao, ento, retira-se o solode apoio dos ps da lgica psicologista. Todas as conside-raes psicolgicas de que esto cheios atualmente nossoslivros de lgica aparecem ento como carentes de finalidade.

    Porm, certamente no devemos levar to a srio atranscendncia do Sr. Erdmann. Basta apenas recordar uma desuas afirmaes (I, p. 148): Ao gnero supremo est subordi-nado tambm o limite metafsico de nossa representao, o

    37

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    38/148

    transcendente, e ele se afunda; pois, este gnero supremo(genus summum), segundo ele, precisamente o representado

    ou a representao como tal. Ou ser que a palavra transcen-dente anterior deve ser empregada noutro sentido diferentedesse? Em todo caso, teria que se pensar o transcendente comoestando subordinado ao gnero supremo.

    Todavia, detenhamo-nos um pouco na expresso co-mo tal! Considere-se o caso em que algum quisesse fazer-meacreditar que todos os objetos no so nada mais do queimagens sobre a retina de meu olho. Tudo bem, eu ainda norespondo nada. Mas, ele prossegue afirmando que a torre maior do que a janela pela qual eu penso ver a primeira.Obviamente, diante disso eu diria: ou bem no so nem a torrenem a janela imagens retinianas em meu olho, e nesse caso a tor-re pode ser maior que a janela; ou bem a torre e a janela, comotu dizes, so imagens em minha retina, e ento a torre no maior, mas menor que a janela. Agora, ele quer escapar doembarao com o como tal e diz: com certeza a imagem reti-niana da torre como tal no maior do que a da janela. Diante

    disso, eu quase poderia sair da pele e gritar para ele: pois entoa imagem retiniana da torre no maior que a da janela, e se atorre fosse a imagem retiniana da torre e a janela a imagemretiniana da janela, ento, a torre no seria maior que a janela,e se tua lgica te ensina algo diferente porque no serve paranada. Esse como tal uma inveno excelente para autoresconfusos que no querem dizer nem sim nem no. Mas, eu notolero esta vacilao entre ambos, e pergunto: se de um objetose afirma a efetividade, ento o sujeito material do juzo arepresentao, sim ou no? Se no , o sem dvida o trans-cendente que se pressupe como fundamento ntico dessa re-presentao. Mas, esse transcendente, por sua vez, represen-tado ou representao. Assim somos conduzidos suposioulterior de que o sujeito do juzo no o transcendente repre-sentado, mas o transcendente pressuposto como fundamentontico desse transcendente representado. Desse modo, sempreteramos de ir adiante; porm, por mais longe que fssemos,

    38

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    39/148

    nunca sairamos do subjetivo. Do mesmo modo, poderamoscomear o mesmo jogo com o predicado, e no apenas com o

    predicado efetivo, mas igualmente com doce. Neste caso, dira-mos primeiro: se de um objeto se afirma a efetividade ou adoura, o predicado material no a efetividade ou a dourarepresentadas, mas o transcendente pressuposto como funda-mento do representado. Mas, desse modo no descansaramosnunca, e sempre teramos de ir mais alm. O que se apreendede tudo isso? Que a lgica psicologista est numa vereda semsada ao conceber sujeito e predicado dos juzos como repre-sentaes no sentido da psicologia, que as consideraes psico-lgicas so to pouco adequadas em lgica como em astrono-mia ou geologia. Se queremos sair do subjetivo, devemos con-ceber o conhecimento como uma atividade que no produz oconhecido, mas que agarra (ergreift) algo que j existe. Aimagem do agarrar muito adequada para explicar a questo.Se eu agarro um lpis, ocorrem em meu corpo certos proces-sos: excitaes nervosas, alteraes na tenso e na presso dosmsculos, tendes e ossos, modificaes na circulao sangu-

    nea. Mas, o conjunto desses processos no o lpis, nem oproduz. Este subsiste (besteht) independente de tais processos.E essencial para o agarrar que haja a algo que seja agarrado;as modificaes internas por si s no so o agarrar. Assim,tambm, o que apreendemos mentalmente (geistig erfassen)subsiste independentemente dessa atividade, das representa-es e suas modificaes, que pertencem ou acompanham essaapreenso; no nem a totalidade desses processos, nem produzido por eles como parte de nossa vida mental.

    Vemos agora como os lgicos psicologistas borramdistines reais mais finas. A confuso entre caracterstica epropriedade j foi mencionada. Com ela est relacionada adiferena acentuada por mim entre objeto e conceito, comotambm a que h entre conceitos de primeira e de segundaordem. Estas distines, naturalmente, so irreconhecveis pa-ra os lgicos psicologistas; pois, para eles tudo representao.Por isso tambm carecem de uma concepo correta do tipo de

    39

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    40/148

    juzos que em Portugus fazemos com h*. Esta existncia confundida pelo Sr. Erdmann (Lgica, I, p. 311) com a efetivi-

    dade, que, como vimos no diferenciada claramente da obje-tividade. De que coisas afirmamos propriamente que efetivoquando dizemos que h razes quadradas de quatro? Seria do2 ou do 2? Mas, absolutamente nem um nem outro so aqui nomeados. E se eu quisesse dizer que o nmero dois atua, ouque atuante ou efetivo, isto seria falso e totalmente diferentedo que quero dizer com o enunciado h razes quadradas dequatro. A confuso que ocorre aqui quase a mais grosseirapossvel; pois, no ocorre entre conceitos da mesma ordem,mas so mesclados um conceito de primeira ordem e um desegunda. Isto caracterstico da grosseria da lgica psicolo-gista. Se, em geral, se alcanou um ponto de vista mais livre,espanta-se de que tal erro possa ser cometido por um lgicoprofissional; porm, naturalmente, primeiro h que se ter com-preendido a diferena entre conceitos de primeira e segundaordem, antes que se possa medir a magnitude desse erro edisso a lgica psicologista sem dvida incapaz. O obstculo

    com que quase sempre esta choca-se que seus representantesesperam milagres do aprofundamento psicolgico, quandoeste no mais do que uma falsificao psicolgica da lgica. Eassim aparecem nossos grossos livros de lgica nas estantes,inchados de insana gordura psicolgica que oculta todas asformas mais finas. Desse modo faz-se impossvel uma colabo-rao frutfera entre matemticos e lgicos. Enquanto que omatemtico define objetos, conceitos e relaes, o lgico psico-logista espreita o acontecer e a transformao das represen-taes e, no fundo, as definies do matemtico apenas podemparecer-lhe insensatas, porque no refletem a essncia darepresentao. Ele olha dentro de sua cmara psicolgica e dizpara o matemtico: no vejo nada de tudo isso que tu defines.E o outro apenas pode responder: no me admira, pois noest ali onde procuras.

    *N. T. Tomei a liberdade de substituir aqui im Deutschen e es gibt porem Portugus e h.

    40

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    41/148

    Isso basta para tornar claro, por contraposio, meuponto de vista lgico. A distncia com respeito lgica psico-

    logista me parece to grande que no h perspectivas de quemeu livro influa agora j sobre ela. Parece-me como se a rvoreplantada por mim devesse levantar um peso descomunal paraprocurar espao e luz. E, contudo, no quisera abandonar aesperana de que mais tarde meu livro possa contribuir paraderrubar a lgica psicologista. Para isso no dever faltar-lhecerto reconhecimento por parte dos matemticos, o qual osforar a enfrentar-se com ele. E creio poder esperar certoapoio dessa parte; pois, obviamente, os matemticos tm quefazer causa comum contra os lgicos psicologistas. Logo queestes se dignem a estudar seriamente meu livro, ainda que ape-nas para atac-lo, creio terei vencido. Pois, toda a Parte II narealidade uma prova de minhas concepes lgicas. De ante-mo improvvel que semelhante construo pudesse estaralicerada sobre uma base insegura e errada. Qualquer um quetenha outras concepes pode tentar montar sobre elas umaconstruo semelhante e acabar por ver, segundo creio, que

    no funciona ou pelo menos que no funciona to bem. Ecomo refutao, eu apenas poderia admitir que algum mos-trasse na prtica que com outras concepes bsicas diferentesse pode construir um edifcio melhor e mais slido, ou quealgum me mostrasse que meus princpios conduzem a conse-quncias manifestadamente falsas. Mas, isso ningum conse-guir. E assim pode ser que este livro contribua, ainda quetarde, para uma renovao da lgica.

    Jena, julho de 1893.

    41

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    42/148

    42

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    43/148

    Kasimir Twardowski

    (1866 1938)

    Nascido em 20 de Outubro de1866, em Viena, Kasimir Twardowski foialuno de Franz Brentano e doutourou-seem 1891, sob a orientao de R. Zimmer-man, sendo considerado um dos co-

    fundadores da assim chamada teoriados objetos, juntamente com Meinong.Trans-feriu-se para a Polnia, onde foi oprin-cipal responsvel pela fundao,em 1897, do primeiro Seminrio Polonsde Filosofia, da Sociedade Polonesa dePsicologia Experimental, em 1901, e daSociedade Filosfica Polonesa, em 1904.Nas palavras de Alfred Tarski, A maioria dos pesquisadores queseguiram a filosofia das cincias exatas na Polnia foram indireta-

    mente ou diretamente discpulos de Twardowski, embora sua prpriaobra dificilmente possa ser posta dentro desse domnio. As suasprincipais obras so: ber den Unterschied zwischen der klaren unddeutlichen Peception und der klaren und deutlichen Idee bei Descartes(1892); Zur Lehre vom Inhalt und Gegenstand der Vorstellungen. Einepsychologische Untersuchung, 1894; Wybrane pisma filozoficzne, PWN,Warszawa 1965; Rozprawy i artykuly filozoficzne, PWN, Lww 1927;"Actions and Products. Comments on the Border Area of Psychology,Grammar and Logic" (1912), in J. Pelc (ed.), Semiotics in Poland 1894-

    1969, Reidel-PWN, Dordrecht-Warszawa 1979; "Remarks on theClassification of Views on the Relation between the Soul and theBody", Axiomathes, vol. VI, n.1, 1995, pp.25-30; "Imageries",Axiomathes,vol. VI, n.1, 1995, pp. 79-104

    43

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    44/148

    44

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    45/148

    Para a doutrina do contedo e do objeto das

    representaesUma investigao psicolgica de

    Kazimir Twardowski

    [Zur Lehre vom Inhalt und Gegenstand der Vorstellungen, Eine psychologischeUntersuchung. Wien, A. Hlder, 1894. 1- 7, s. 3-40.]

    1. Ato, contedo e objeto de representao.Uma das mais conhecidas proposies da Psicologia

    que a cada fenmeno psquico relaciona-se um objeto ima-nente (immanenten Gegenstand). O estar dado de tal relao uma marca caracterstica dos fenmenos psquicos, que sediferenciam por ela dos fenmenos fsicos. Aos fenmenospsquicos do representar, do julgar, do desejar e do detestarcorresponde um representado, julgado, desejado e detestado, eos primeiros sem os ltimos seriam absurdos. Esta circuns-tncia, mencionada pelos escolsticos e j antes por Aristteles,foi recentemente considerada em toda a sua importncia porBrentano que, entre outras coisas, fundamentou a classificaodos fenmenos psquicos no tipo de relao, como a que ocorreentre representar e representado, etc.1

    Com base nessa relao a um objeto imanente pr-pria dos fenmenos psquicos costuma-se distinguir entre ato

    (Act) e contedo (Inhalt) em todos os fenmenos psquicos, osquais so representados sob um duplo ponto de vista. Quandose fala de representaes (Vorstellungen) tanto se pode enten-der o ato de representao (Vorstellungacte), a atividade derepresentar, quanto tambm significar com esta expresso orepresentado, o contedo da representao (Vorstellungsinhalt).

    1 Franz Brentano, Psychologie vom empirischen Standpunkte, Leipzig 1874. II.Buch, 1. Cap. 5 und 6. Cap. 2.

    45

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    46/148

    E assim se tornou comum, onde poderia haver a menorpossibilidade de mal-entendido, em vez da expresso repre-

    sentao, usar uma das duas expresses ato de represen-tao e contedo de representao.Mesmo evitando-se assim a confuso do ato psquico

    com seu contedo, resta ainda por ser superada uma ambi-gidade sobre a qual Hfler chamou a ateno. Aps elepronunciar-se sobre a relao com um contedo, prpria dosfenmeno psquicos, ele continua: 1. O que ns chamamos'contedo da representao e do juzo' encontra-se inteira-mente no interior do sujeito, tal como o ato de representao ede juzo. 2. As palavras 'Gegenstand' e 'Object' so usadas emdois sentidos: por um lado, para aquele existente em si(an sichBestehende), ... para o qual nosso representar e julgarigualmente se dirigem, por outro, pela 'imagem' (Bild) psquicaem ns existente mais ou menos aproximada daquele real(Realen), aquela quase-imagem (mais precisamente: signo)idntica ao que em (1.) denominou-se contedo. Em contra-posio ao Gegenstandou objeto, suposto como independente

    do pensamento, denomina-se o contedo de um representar ejulgar (igualmente, sentir e querer) tambm oobjeto imanenteou intencional desses fenmenos psquicos.1

    A partir disso diferencia-se o objeto (Gegenstand), parao qual nosso representar igualmente se dirige, do objetoimanente (immanenten Object) ou do contedo (Inhalt) de repre-sentao. Esta distino nem sempre feita e, entre outros,tambm Sigwart no a percebe.2A linguagem facilita, comoto seguidamente, tambm aqui a confuso de coisas dife-rentes, na medida em que permite que tanto o contedo quan-to o objeto sejam o representado. Mostrar-se- que tambm aexpresso representado ambgua do mesmo modo que aexpresso representao. Esta serve para designar o ato e o

    1 Logik, Unter Mitwirkung von Dr. Alexius Meinong, verfasst von Dr. AloisHfler, Wien, 1890; 6.

    2Vergl.. Hillebrand, Die neuen Theorien der kategorischen Schlsse, Wien, 1891, 23.

    46

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    47/148

    contedo, tanto quanto aquela para designar o contedo, oobjeto imanente, e para designar o objeto no imanente, o que

    est diante da representao.Esta investigao tratar da separao entre o repre-sentado no primeiro sentido, onde isso significa o contedo, eo representado no outro sentido, onde serve para designar oobjeto; em suma, considerar o contedo de representao(Vorstellungsinhaltes) e o objeto de representao (Vorstellungs-

    gegenstande) separadamente e a relao mtua entre os dois.

    2. Ato, contedo e objeto do juzo.

    A suposio que os juzos (Urteile) demonstram, rela-tivamente distino entre contedo e objeto, algo semelhantes representaes. Se tivermos sucesso em descobrir no dom-nio do julgar tambm uma distino entre contedo e objetodo fenmeno, ento isto poderia ser vantajoso para o esclare-cimento da relao anloga no caso das representaes.

    O que diferencia um do outro representaes e juzos eos constitui como classes de fenmenos psquicos claramente

    separadas o tipo especial de relao intencional ao objeto. Emque consiste esta relao no se deixa descrever, mas apenasesclarecer por meio da indicao daquilo que a experinciainterna oferece. E a se mostra de modo claro a diferena entreos tipos pelos quais um ato psquico pode se relacionar comseu objeto. Pois no resta escondido para ningum que se tratade uma relao diferente, a cada vez, se algum meramenterepresenta algo, ou se o reconhece, repudia. Entre esses doistipos de relao intencional no h passagem, nem gradualnem descontnua. Trata-se de um equvoco acerca dos fatosacreditar que entre representar e julgar haveria alguma formade passagem que estaria entre os dois. B. Erdmann apresentauma dessas formas de passagem. Quando lembramos de umobjeto, diz ele, fazemos um representao abstrata, ou pro-curamos nos esclarecer sobre as caractersticas de algum objetocomposto, ns unimos ao objeto as sucessivas marcas distin-tivas involuntariamente e quase sem exceo com a ajuda de

    47

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    48/148

    representaes de palavras. E isto de tal modo que elas soditas, predicadas do objeto, portanto, este pensado como

    sujeito, aquelas como predicados de um juzo. Assim asrepresentaes passam para o juzo; elas aparecem num des-dobramento de representao predicativa. E mais: Tambma partir do lado oposto a diferena entre representao e juzotorna-se algo fluda... Ns podemos com efeito tambm sinte-tizar um juzo por meio de uma palavra. Palavras comoimperativo categrico, estado, direito, polcia, religio, valor(em sentido de economia nacional), mercadoria, lei natural,no tm seu significado tanto nas representaes, mas antesnos juzos que, segundo o tipo de representao, so sinte-tizados atravs de uma palavra; todavia, na conscincia inter-vem apenas nos juzos. Onde o seu significado claro, ele dado por juzos, por sua definio, ali o processo de abstraono qual eles se formam se completa por meio da linguagem.1Estes os argumentos de Erdmann para a existncia de umapassagem, tambm afirmada em outros lugares, da repre-sentao ao juzo e vice-versa.2 Fcil mostrar o erro do

    desenvolvimento de Erdmann.No que concerne ao primeiro argumento de Erdmann,que afirma que ns sempre relacionamos do mesmo modo,involuntariamente, as caractersticas de um objeto compostoao mesmo objeto, de maneira que ele pensado como sujeito eas caractersticas como predicados de um juzo, trata-se de umargumento no congente. Pois, mesmo se fosse admitido que ofato de se representar um objeto composto ocorresse do modoproposto por Erdmann, a interveno de juzos, ou de uma

    1B. Erdmann, Logique, Halle sur S., 1892, Tome I, 34.

    2Cf. Bosanquet, Logic, Oxford, 1888, Tome I, p. 41: An idea or concept is not animage, though it may make use of images. It is a habit of judging withreference to a certain identity ... The purpose ... was to show, that the acts setin motion by the name and by the proposition are the same, and therefore thelogical function of these forms would not be generally different. -- Do modosemelhante Schmitz-Dumont: O direito de estado significa a mesma coisa quequando se diz explicitamente: o estado possui certos direitos. Vierteljahrs-schrift fr wissenschaftliche PhilosophieX, Jhrg., S. 205.

    48

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    49/148

    forma de passagem entre representaes e juzos, no estariademonstrada por isso. Se ns pensamos um objeto como um

    sujeito, e suas caractersticas como predicados de um juzo,representamos um sujeito de juzo, predicados de juzos e osprprios juzos, pois sujeito e predicado no podem serrepresentados enquanto tais seno numa reflexo simultneasobre um juzo. Mas h obviamente uma grande diferenaentre o fato de se representar um juzo e o fato de ter lugar um

    juzo (Fllen eines Urteils). Um juzo representado tampoucoum juzo quanto cem tleres representados so uma posse.Embora, em vista disso, um objeto composto no possa serrepresentado sem a ajuda de desdobramentos de represen-tao predicativa, este enunciado (Aussagen) das caracters-ticas de um objeto como sujeito no , pois, seno um enun-ciado representado, ao qual, para passar ao estado de umenunciado efetivo, de um juzo, falta exatamente tudo o queum castelo pintado precisa para se tornar um castelo real. Se serepresenta o objeto composto ouro, se representa o ourocomo amarelo, metlico, pesado, etc.. Isto quer dizer que os

    juzos o ouro amarelo, o ouro brilha como um metal, oouro pesado, etc., so representados em conjunto; mas,justamente, estes juzos vm apenas representados, no reali-zados (gefllt). Se esse fosse o caso, como sustenta Erdmann,no se poderia nunca representar-se um objeto composto,analisado em suas caractersticas, sem afirmar qualquer coisade verdadeiro ou de falso sobre este objeto. Esta conseqncia,posta em todas as direes, daria como resultado que nohaveria seno representaes, no verdadeiro sentido da pala-vra, simples; e, por isso, Erdmann no se faria compreender.

    O segundo argumento de Erdmann para a presena depassagens entre a classe das representaes e a dos juzos tosomente, visto de perto, uma inverso do primeiro e to poucocogente quanto este. Deve-se admitir certamente que se podesintetizar os juzos por uma palavra. E isto possvel de duasmaneiras. Um juzo cujo modo de expresso habitual na lin-guagem o que se faz por uma frase (Satz) pode muito bem

    49

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    50/148

    ser expresso numa frase que se compe apenas de uma nicapalavra (Wort), ou bem ser proferido sem que haja uma sen-

    tena presente. O primeiro caso acontece em inmeras lnguascom o que se denomina frases sem sujeito, como em grego,latim, e todas as lnguas eslavas. Nesses casos, o juzo sin-tetizado por uma palavra, pois a frase significando o juzoaparece expressa por uma nica palavra. Mas os juzos podemser tambm resumidos por uma palavra sem que, por estamesma palavra, uma frase no sentido gramatical seja represen-tada. Quem faz o alerta Fogo!, ou outros do mesmo tipo,sintetiza numa s palavra a frase Isto queima e o juzo que significado por esta frase.

    Diferente desses casos aquele considerado porErdmann. Verdade que onde a significao das palavrascomo estado, direito, etc., claro, ela dada por definies.Ora, as definies so, sem dvida alguma, frases. Porm,Erdmann esqueceu que s frases podem corresponder, en-quanto correlatos psquicos, no apenas juzos, mas aindamuitas outras coisas, por exemplo, desejos, etc.. Alm dos

    juzos efetivos, os juzos representados so tambm comuni-cados por frases. Quando algum descreve o objeto de suarepresentao, serve-se para isso de frases. Ele diz: A pea deouro que eu me represento amarela, etc.. Mas isso que dado pela informao no um outro juzo diferente daqueleque o falante que tem uma representao determinada; sobre oobjeto de representao nenhum juzo feito; antes, apenas

    juzos sobre a constituio da pea de ouro representada. Eestes juzos representados, por sua vez, so revestidos com aforma de uma ou vrias frases. Se a definio, como pensaErdmann, no tem outra funo que indicar a significaoclara de uma palavra, o nico juzo que ela contm entoaquele sobre a unio vlida para aqueles que falam de umnome determinado com uma significao determinada. Sealgum diz: O estado uma comunidade pblica que une umpovo residente sobre um certo domnio na reunio de gover-nantes e governados, no enuncia assim um juzo sobre o

    50

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    51/148

    estado, mas somente sustenta que ele designa com a palavraestado um objeto cuja representao composta da maneira

    indicada. E a descrio dessa representao faz-se com a ajudade frases que consistem de sujeito e predicado, mas cujoscorrelatos psquicos, longe de serem juzos, apresentam-secomo representaes de juzos. V-se o quanto o segundoargumento de Erdmann est ligado por conexo ao primeiro e,com ele, se eleva e cai.

    A partir disso, ns vamos estabelecer firmemente querepresentao e juzo so duas classes claramente distintas defenmenos psquicos, sem que se d entre eles qualquer formade passagem.

    No que agora concerne ao objeto de juzo, o mesmoobjeto que num caso simplesmente representado, podenoutro vir a ser julgado, reconhecido ou recusado. Que aessncia do juzo encontra-se precisamente no fato de reco-nhecer ou rejeitar foi mostrado por Brentano.1O que reco-nhecido ou rejeitado o objeto do juzo. Com esta operaopsquica dirigida a um objeto se entrelaa de uma maneira

    particular a existncia ou a no-existncia do objeto. Pois o que julgado o objeto; mas, na medida em que ele reconhecidoa sua existncia parece ser reconhecida ao mesmo tempo; se ele denegado, a sua existncia tambm parece ser denegada.Quem acredita que no reconhecimento ou na denegao deum objeto que se d o reconhecimento ou denegao daligao da caracterstica existncia ao objeto esquece que noreconhecimento de uma ligao as partes ligadas so elasmesmas reconhecidas de uma maneira implcita, mas que, pelanegao de uma ligao, as partes singulares no so negadas.Na afirmao da existncia de A, A j reconhecido; atravsda negao da existncia de A, A tambm negado, o que nopoderia ser o caso se se tratasse de uma ligao de A com acaracterstica existncia.2E entretanto, pelo reconhecimento

    1Op. Cit., livro 2, Cap. 7, 4 e s.

    2Ibid., 5.

    51

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    52/148

    de A, a sua existncia parece ser reconhecida e, pela negaoda existncia de A, A tambm parece ser negado.

    Esta situao remete funo do ato de juzo queoferece o anlogo da funo do ato de representao, peloqual, alm do objeto, o seu contedo tambm represen-tado. Do mesmo modo que no representar um objeto sobre oqual este representar se dirige no sentido prprio, um segundoelemento vem luz ainda, a saber, o contedo da represen-tao que, ele tambm, mas num outro sentido, tal como oobjeto representado, igualmente o que afirmado ou nega-do por um juzo, sem ser o objeto do ato de julgar, o conte-do do juzo. Pelo contedo do juzo deve-se compreender aexistncia de um objeto, aquele que se trata em cada juzo.Pois, quem faz um juzo afirma alguma coisa sobre a existnciade um objeto. Quando ele reconhece ou rejeita este objeto, elereconhece ou rejeita tambm a sua existncia. O que no sentidoprprio julgado o objeto mesmo; e, na medida em o objeto

    julgado, tambm a sua existncia parece ser julgada, mas numoutro sentido.

    A analogia com as relaes que se encontram nodomnio do representar perfeita. Aqui como l tem-se um atopsquico; aqui, o julgar, l, o representar. Este como aquele seligam a um objeto suposto como independente do pensar.Assim como quando o objeto representado, quando ele

    julgado, vem luz alm do ato psquico e de seu objeto umterceiro elemento que por assim dizer um signo (Zeichen) doobjeto: sua imagem psquica, na medida em que ele repre-sentado, e sua existncia, na medida em que julgado. Assimtanto se diz da imagem psquica de um objeto que ela representada, se diz de sua existncia que ela julgada; mas oobjeto prprio do representar e do julgar no nem a imagempsquica do objeto nem sua existncia, mas o objeto mesmo.Entretanto, assim como a imagem psquica ou a existncia deum objeto no so idnticas a este, tampouco so semelhantesos sentido dos verbos relativos quando se denomina repre-sentado o contedo e o objeto de uma representao, e julga-

    52

  • 7/23/2019 Tres Aberturas Em Ontologia

    53/148

    do o contedo e o objeto de um juzo.

    3. Nomes e representaes.Mesmo se falar e pensar no estejam relacionados umcom o outro numa relao de paralelismo completo, existe to-davia uma analogia entre os fenmenos psquicos e as formasda linguagem que os designam que pode servir para clarear aspropriedades dominantes sobre o primeiro domnio, ao semencionar as particularidades que so prprias s manifes-taes do outro domnio. A respeito da distino em consi-derao entre o contedo de representao e o objeto de repre-sentao, a considerao do nome (Namen) como o signolingstico de uma representao que propiciar a tarefa.

    Uma questo seguidamente j levantada em relaoaos nomes fornece a prova de que sobre uma representaouma trplice distino deve ser feita. Mill, ao tratar dos nomes,levantou a questo de se eles devem ser considerados comonomes das coisas (Dinge) ou de nossas representaes das coi-sas. Por coisas ele compreende aqui o mesmo que ns designa-

    mos como objetos de representao; mas, com representa-es ele apenas pode significar os contedos de representa-es e no os atos de representao. A resposta que Mill d questo citada, referindo-se a Hobbes, pressupe de maneiranada ambgua uma distino entre o contedo e o objeto deuma representao.1A palavra sol, pensa Mill, o nome dosol e no o nome de nossa representao do sol; entretanto, eleno quer negar que u