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    ANDREW PATRICK TRAUMANN

    A DIPLOMACIA DOS PETRODLARES:RELAES DO BRASIL COM O MUNDO RABE (1973-1985)

    ASSIS2007

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    ANDREW PATRICK TRAUMANN

    A DIPLOMACIA DOS PETRODLARES:RELAES DO BRASIL COM O MUNDO RABE (1973-1985)

    Dissertao apresentada Faculdade de Cincias e Letras deAssis UNESP - Universidade Estadual Paulista, para obteno

    do ttulo de Mestre em Histria. rea de Conhecimento: Histriae Sociedade.

    Orientador: Prof. Dr. Clodoaldo Bueno

    Assis2007

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    Dedico este trabalho primeiramente aDeus, e tambm a meus pais, irmos, aomeu excelente orientador ClodoaldoBueno, ao professor e amigo FranciscoFerraz e, por ultimo, mas no menosimportante, Andra e Murillo por todoo apoio que me foi dado desde o iniciodesta dissertao.

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    RESUMO

    Este trabalho trata das relaes entre o Brasil e o Mundo rabe, especialmente depois daprimeira crise do petrleo, em 1973. Diante da disparada do preo do petrleo, o Brasilpassou a intensificar o seu intercambio diplomtico e comercial com os pases rabes nointuito de suavizar os efeitos da crise. De forma indita e adotando uma poltica externapragmtica baseada no interesse comercial do pas, o governo Geisel incrementou as relaesdo Brasil com o Oriente Mdio e norte da frica. Nesta busca por novos aliados, destacou-seo Iraque. A amizade Brasil-Iraque comeou com a prospeco de petrleo e a descoberta pelaPetrobrs do poo iraquiano de Majnoon, um dos maiores do mundo, e tambm pelaconstruo de estradas e ferrovias.

    PALAVRAS CHAVE: Brasil, Geisel, Poltica Externa, Mundo rabe, Crise doPetrleo, Iraque.

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    ABSTRACT

    This work deals with the relations between Brazil and the Arab World, especially after theFirst Oil Crisis of 1973. To face the fast rise of the oil prices, Brazil started to intensifydiplomatic and commercial affairs with the Arab countries in intention to reduce the effects ofthe crisis. Adopting a new and more pragmatic foreign politics, based in the commercialinterest of the country, the Geisel government developed the relations of Brazil with theMiddle East and North of Africa. In this search for new allies, Iraq was distinguished. TheBrazil-Iraq friendship started with the prospection of oil and the discovery by Petrobras, ofthe Iraqi well of Majnoon, one of the greatest of the world, and also the building of roads andrailroads in that country..

    KEY WORDS: Brazil, Geisel, Foreign Affairs, Arab World, Oil Crisis, Iraq.

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    SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................... .9

    1 O BRASIL E O MUNDO RABE1.1OS PRIMEIROS CONTATOS .................................................................................171.2ACRISE DO PETRLEO:ANTECEDENTES HISTRICOS.............................................261.3BLOCOS ECONMICOS RABES..................................................................................371.4OBRASIL E A ARBIA SAUDITA.................................................................................47

    2 POLTICA EXTERNA BRASILEIRA (1973-1985)2.1 ANTECESSORES DE GEISEL..............................................................................522.2 GEISEL E O PRAGMATISMO RESPONSVEL...........................................642.3 FIGUEIREDO E O UNIVERSALISMO............................................................81

    3 BRASIL E IRAQUE: UMA RELAO NTIMA......................................................89

    CONSIDERAES FINAIS..........................................................................................107

    FONTES E BIBLIOGRAFIA.........................................................................................109

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    LISTA DE SIGLASAAEM: Acordo de Associao Euro-MediterrneaABRAS: Associao Brasileira de SupermercadosAEB: Associao de Comrcio Exterior do Brasil

    AIEA: Agncia Internacional de Energia AtmicaALBRS: Alumnio Brasileiro S/AALCA: rea de Livre Comrcio das AmricasANBA: Agncia de Notcias Brasil - rabeARAMCO: Arab American CompanyAVIBRS: Aviao BrasileiraBRASPETRO: Petrleo Brasileiro S/ACACEX: Consultoria e Acessoria de Comrcio ExteriorCCA: Conselho de Cooperao rabeCCAB: Cmara de Comercio rabe BrasileiraCCG: Conselho de Cooperao do Golfo

    CEPAL: Comisso Econmica para a Amrica LatinaCIEF: Centro de Investigao Sobre Economia FinanceiraCNEN: Conselho Nacional de Energia NuclearCSN: Conselho de Segurana NacionalDOP: Departamento de Oriente PrximoDSN: Doutrina de Segurana NacionalEMBRAER: Empresa Brasileira de Aeronutica S/AENGESA: Engenheiros Especializados S/AESG: Escola Superior de GuerraUE: Unio EuropiaEUA: Estados Unidos da AmricaFMI: Fundo Monetrio InternacionalFNLA: Frente Nacional de Libertao de Angola)GAFTA: Zona rabe Ampliada de Livre ComrcioGATT: Acordo Geral sobre Tarifas e ComrcioICAO: Conselho da Organizao da Aviao Civil InternacionalIMBEL: Indstria de Material BlicoIMO: Organizao Martima InternacionalINTERBRS: Petrobrs Comercio Internacional S/AIPC: Iraq Petroleum Company ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros

    ISO: International Organization for StandardizationMCTR: Regime de Controle de Tecnologia de MsseisMERCOSUL: Mercado Comum do SulMPLA: Movimento Popular de Libertao de AngolaMRE: Ministrio das Relaes ExterioresNIOC: National Iranian Oil CompanyNSG: Grupo de Supridores NacionaisOAPEP: Organizao rabe dos Pases Exportadores de PetrleoOEA: Organizao dos Estados AmericanosOLP: Organizao para Libertao da PalestinaONU: Organizao das Naes Unidas

    OPEP: Organizao dos Pases Produtores de PetrleoPETROBRS: Petrleo Brasileiro S/APIB: Produto Interno Bruto

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    PNB: Produto Nacional BrutoPND: Plano Nacional de DesenvolvimentoPNEMEM: Polticas Nacionais de Material de Emprego MilitarSECEX: Secretaria do Comercio Exterior

    TNP: Tratado de No-Proliferao NuclearUFPE: Universidade Federal de PernambucoUMA: Unio do Maghreb rabeUNITA: Unio Nacional pela Total Independncia de AngolaURSS: Unio das Repblicas Socialistas SoviticasZLC: Zona de Livre Comrcio

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    INTRODUO

    Segundo Jean-Baptiste Duroselle1, a poltica externa de um pas

    sempre reflexo de sua poltica interna. Existem atos de poltica interna pura que no

    interferem de forma alguma na relao de um pas com seus vizinhos, mas h, via

    de regra, uma supremacia do mbito interno sobre o externo, ou seja, a maneira de

    lidar com as demais naes depende sobremaneira de seus interesses e

    necessidades naquele momento histrico.

    As relaes entre o Brasil e os pases rabes, so um bom exemplo

    disso. O perodo militar no Brasil marcou uma guinada na poltica externa brasileira.

    Os primeiros presidentes, Castelo Branco e Costa e Silva, insatisfeitos com a poltica

    de seus antecessores Jnio Quadros e Joo Goulart, vista pelos militares como

    governos demasiado abertos a causas terceiro-mundistas e socialistas, retomam a

    tradicional posio brasileira de alinhamento com os EUA. Contudo, no final de

    1973, a economia mundial sofreria um duro golpe, que foraria o Brasil a mudar sua

    estratgia.

    A OPEP (Organizao dos Pases Produtores de Petrleo)

    aumentou o preo do produto em 28%, eliminou os privilgios das grandes

    companhias ao utilizar um sistema de preo nico e condicionou a venda de petrleo

    ao pas consumidor ao seu apoio s causas rabes, em especial questo

    palestina, sob pena de embargo. Imediatamente, EUA, Europa e Japo procuram

    solues internas para a crise, enquanto aos pases subdesenvolvidos restavasangrar suas divisas para pagar pelo produto e tentar incrementar seu comrcio com

    os principais centros mundiais, medida praticamente invivel devido as medidas

    protecionistas dos pases mais avanados.

    Neste novo contexto, o Brasil, atravs do Ministro das Relaes

    Exteriores Antonio Francisco Azeredo da Silveira, redefine as premissas da insero

    do pas no sistema mundial, abandonando o alinhamento com os norte-americanos

    e aproximando-se do Terceiro Mundo. Os dois ltimos presidentes militares, Ernesto

    1 DUROSELLE, 2000, p.57

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    Geisel e Joo Figueiredo, adotam uma poltica externa marcada pelo pragmatismo,

    identificando-a principalmente com o comrcio e com o interesse imediato do Brasil,

    aproximando-se assim de pases atraentes do ponto de vista econmico. A partir

    da, o Brasil passa a dividir suas relaes bilaterais em setores: havia o grupo da

    Amrica Latina, o das naes africanas de lngua portuguesa e os pases rabes

    produtores de petrleo.

    Seguindo a poltica do ento Ministro do Planejamento Delfim Netto,

    de que era preciso exportar para importar, o pas acreditava ter encontrado uma

    sada para atravessar esta crise sem maiores danos: vender produtos brasileiros as

    naes rabes, subitamente enriquecidas com petrodlares. As relaes

    diplomticas intensificam-se: entre 1974 e 1977, dez embaixadas rabes foramabertas no pas. O Brasil enviou ao mundo rabe igual nmero de embaixadores,

    estabelecendo ainda relaes diplomticas com o Sultanato de Om, em carter

    cumulativo com a embaixada brasileira na Arbia Saudita. No perodo de 1969 a

    1984, o Brasil interage como nunca com os pases rabes, firmando acordos

    culturais com o Egito e Arbia Saudita, comerciais com o Iraque, de trfego areo

    com o Marrocos, e martimo com a Arglia, o que barateava bastante os custos de

    transportes para ambos os lados.A importncia dada regio foi tamanha, que o Itamaraty

    desmembrou o DOP, (Departamento de Oriente Prximo, sia e Oceania), em DOP

    I e DOP II, e um intenso intercmbio diplomtico entre os pases.

    Os principais produtos brasileiros exportados eram frangos

    congelados, gros, carros e eletrodomsticos. O governo criou interlocutores como a

    Interbrs, que esclarecia ao investidor interessado nas caractersticas do mercado

    rabe, especialmente sobre os problemas de burocracia. Alm disso, o Itamaraty,juntamente com o Ministrio de Minas e Energia e o de Indstria e Comrcio, passou

    a promover produtos nacionais nas principais feiras rabes2.

    A idia era passar a imagem de que o Brasil teria tudo o que se precisasse,

    no apenas manufaturados, mas tambm implementos agrcolas, insumos e cereais.

    Porm, as empresas brasileiras de uma forma geral, no se encontravam

    preparadas para vencer a concorrncia internacional nem estavam familiarizadas

    2 SILVA, 1988, p.45

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    com as peculiaridades do mercado rabe, sendo que apenas a Construtora Mendes

    Jnior e a Volkswagen conseguiram consolidar sua presena no mundo rabe.

    Entre os pases rabes com os quais o Brasil estabeleceu relaes

    comerciais destacava-se o Iraque. Durante muitos anos, este foi um dos principais

    parceiros do Brasil, tanto em termos comerciais, quanto em polticos e militares. Em

    1980, as compras brasileiras em Bagd representavam 17,45% do total das

    compras brasileiras no exterior, e sempre esteve entre o primeiro e o terceiro maior

    fornecedor externo do pas. No perodo de 1979 a 1989 o Brasil importou, em mdia,

    dois bilhes de dlares por ano, o que demonstra a extrema dependncia do Brasil

    em relao ao fornecimento de petrleo e a importncia do Iraque na garantia deste

    fornecimento3. O Iraque vendeu milhes de barris de petrleo ao Brasil sem exigirmaiores garantias, e muitas vezes preferindo o Brasil em detrimento de pases

    desenvolvidos4. Esta era a forma de o governo de Bagd retribuir o fato do pas ter

    sido um dos primeiros pases do mundo a reconhecer a nacionalizao do petrleo

    iraquiano num perodo em que o pas encontrava-se sob ameaa de embargo.

    Outro motivo que levou a tal favorecimento foi o fato do governo de

    Saddam Hussein apreciar a postura brasileira de no-interferncia nos assuntos

    internos do Iraque, o que geralmente no ocorria quando Bagd negociava com ochamado Primeiro Mundo. Em contrapartida, o Brasil vendeu ao Iraque alimentos

    congelados, automveis e armamentos pesados como lana-foguetes, msseis e

    tanques. No campo poltico, os dois pases trilharam caminhos semelhantes,

    especialmente nas dcadas de 1970 e 80. Buscaram alternativas ao alinhamento

    com as duas superpotncias (EUA e URSS) e tinham planos de tornarem-se pases

    hegemnicos em suas respectivas regies.

    Este episdio ilustra a idia de que as necessidades de um pas nocontexto interno refletem-se no externo, ou seja, a necessidade brasileira por

    petrleo fez com que toda uma poltica tradicional fosse modificada para atender a

    interesses imediatos do pas. Este conceito origina-se na raison dtat. Idealizada

    na Frana, a razo de Estado privilegia os interesses do Estado Nacional,

    independentemente dos meios aplicados para tal objetivo, ou seja, descarta-se

    qualquer tipo de freio moral ou tico, como j aconselhara Nicolau Maquiavel. No

    3 MONTENEGRO, 1992, p.284 ATTUCH, 2003, p.04

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    sculo XIX, Bismarck batizou essa prtica como realpolitik, ou a prtica poltica a

    partir de clculos individuais e egostas de cada Estado.

    O pragmatismo do governo brasileiro tambm serve para ilustrar o

    pensamento de outro historiador, o francs Pierre Milza5. Segundo ele, em seu texto

    intitulado Poltica interna e Poltica Externa, a ideologia nem sempre posta em

    prtica no plano externo. Justificativas de longo prazo podem avalizar decises das

    mais contraditrias, como no exemplo que o autor usa acerca da venda de carvo

    da URSS para a Espanha de Franco.

    No caso do Brasil, percebe-se claramente que a ideologia militar de

    alinhamento aos norte-americanos em nome da chamada Segurana Nacional foi

    abandonada devido a necessidades urgentes do pas, mudando sua linha de polticaexterna, aproximando-se de pases rabes, inimigos polticos e, por vezes militares,

    de Israel, um dos maiores aliados dos EUA. Assim sendo, a relao bilateral com o

    Iraque, pode ser traduzida como uma reao de ordem prtica, em que o Brasil,

    tentando compensar sua carncia de poder resultante da falta de petrleo define

    uma estratgia de acordos de longo prazo. Claro que esta mudana em relao ao

    Oriente Mdio foi apenas uma parte de um projeto maior que era o pragmatismo

    responsvel.A poltica exterior de um pas representa a viso de mundo de seu

    governante, seus interesses e prioridades. Segundo Paulo Fagundes Vizentini a

    interao, conflitiva ou cooperativa, entre naes que chamamos de poltica

    internacional. clssica pergunta: quem formula a poltica externa?, a resposta

    mltipla: depende da conjuntura e dos interesses que esto em jogo6.

    No caso especfico do nosso trabalho, a escassez de antecedentes

    dificulta a escolha de um modelo mais apropriado ao tipo de anlise proposto, pois muito mais comum entre os interessados nas relaes internacionais, o estudo da

    atuao dos pases hegemnicos, e, eventualmente sua interao com Estados

    perifricos. Mas poucos so os que se dedicam anlise das relaes entre dois

    pases perifricos, no mbito denominado relaes Sul-Sul. Por isso o realismo

    clssico, elaborado no sculo XX, por E.H. Carr (Vinte anos de Crise) e Hans

    Morgenthau (A Poltica entre as Naes)7, no ser predominante em nossa

    5 MILZA, 1996,p.1306 VIZENTINI, 2005,p.157 PECEQUILO, C. S., 2004,p.115

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    abordagem, pois este privilegia a questo da potncia hegemnica, que no est no

    mago do nosso trabalho.

    Esta escolha, no entanto, no significa que pretendemos ignorar

    modelos mais abrangentes de estudos das relaes bilaterais entre Estados.

    Pretendemos incorporar elementos do realismo estrutural ou neo-realismo, surgido

    na dcada de 1970, quando se prope que as relaes entre diversos Estados

    soberanos sugerem uma interdependncia, especialmente na busca por recursos

    naturais valiosos.

    As caractersticas geogrficas e fsicas de cada pas o fariam mais

    ou menos sensvel e vulnervel escassez de determinados recursos, o que guiaria

    sua poltica externa. Diante do cenrio atual de globalizao em que o mundo cadavez mais se divide em blocos econmicos regionais, o fortalecimento das relaes

    Sul-Sul surge como uma alternativa, objetivando a sobrevivncia no mercado

    frente s polticas protecionistas dos pases desenvolvidos. Mais do que uma reviso

    do realismo clssico, trata-se de uma alternativa s abordagens liberais que

    ganhavam cada vez mais espao. Um dos grandes tericos do neo-realismo

    Kenneth Waltz8, que compara a estrutura e a motivao dos Estados com o mercado

    econmico. Segundo Waltz9

    , assim como no livre mercado diferentes empresascompetem entre si pela sobrevivncia, os Estados tambm se constituiriam em

    unidades autnomas que interagem entre si buscando unicamente a defesa de seus

    interesses, e sem poder contar com ningum a no ser com si mesmos. Contudo,

    nesta disputa individual, h um fator que faz com que os Estados no se agridam

    indiscriminadamente: o controle da tecnologia nuclear para fins blicos. O chamado

    equilbrio do terror, apesar de levar conteno mtua, devido s catastrficas

    conseqncias advindas de um ataque nuclear leva tambm a embates entre aspotncias nucleares por zonas de influncia, e eventuais intervenes militares em

    pontos estrategicamente importantes do globo.

    Outro aspecto importante nas relaes externas lembrado por

    Milza10 o ambiente domstico, ou seja, a maneira como o cidado mdio v a si

    mesmo e aos outros, seus valores, ideologia, estruturas econmicas e sociais, etc.

    Contudo, muitas vezes na Histria, sobretudo em regimes autoritrios o imaginrio

    8 Idem,p. 132.9 Ibidem,p.133.10MILZA, 1996,p.137.

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    cultural de um povo e suas impresses do outro so manipulados para fins polticos.

    Segundo Duroselle11, muitas vezes os governantes apelam para simplificaes

    grosseiras para serem mais bem compreendidos pelas massas. Tais simplificaes

    podem criar ou aumentar o grau de perigo que podem oferecer supostos ou

    declarados inimigos, utilizando-se a propaganda para a prtica de perseguies

    polticas, religiosas, tnicas ou at mesmo a guerra.

    Todavia, com a popularizao da mdia nas ltimas dcadas do

    sculo XX, a populao fica mais bem informada sobre o que acontece no mundo e

    toma conscincia de que os atos de seu governante no mbito externo influenciaro

    seu dia a dia. Nos EUA foi a vinculao pela mdia das pesadas baixas sofridas

    pelos norte-americanos no Vietn que levou a opinio pblica norte-americana apressionar o governo pelo fim da guerra.

    Contudo, no caso do nosso trabalho, a mdia, devido principalmente

    censura vigente no perodo militar no podia discordar abertamente da poltica

    governamental. Nem tampouco poderia tentar promover um debate sobre

    determinado tema e, portanto, o ambiente, ou apoio interno apontado por Milza

    como um dos fatores preponderantes na conduo das relaes internacionais de

    um pas, surgia mais dos efeitos da propaganda do governo do que de umadiscusso mais ampla na sociedade da poca.

    De acordo com Cristina Pecequilo12, as Relaes Internacionais so,

    por definio, uma mescla do conhecimento de diversas reas do saber,

    destacando-se a Cincia Poltica, a Economia, a Histria e o Direito. uma

    disciplina que empresta seus conceitos de outras, sendo formada por uma variedade

    complexa e abrangente de matrias. Segundo Pecequilo, os detratores da disciplina

    a acusam de ser apenas uma colcha de retalhos, devido sua inevitvelfragmentao. Contudo, esta falta de unidade deve ser entendida como um trunfo da

    disciplina uma vez que permite a compreenso do objeto de estudo segundo

    diferentes prismas, de uma forma abrangente. O conhecimento construdo e

    sustentado por diversas dimenses, no se focando em uma s rea. H tambm

    um diferencial raramente visto em outros ramos do conhecimento. As Relaes

    Internacionais possuem um pluralismo terico que possibilita a construo de

    conceitos adequados a produzir interpretaes cientficas da realidade internacional.

    11DUROSELLE, 2000,p.8412 PECEQUILO, 2004,p.19

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    Discursos diferentes do predominante no so invalidados, pelo contrrio, coexistem

    com ele, no gerando necessariamente uma substituio de paradigmas.

    Como definida pelos acontecimentos que procura explicar, a

    disciplina mantm-se em permanente processo de questionamentos e busca de

    respostas. A despeito dos avanos tecnolgicos dos pases desenvolvidos, boa

    parte do mundo passa por grande instabilidade social, envolvida em disputas

    territoriais, por recursos naturais e at a prpria sobrevivncia de determinados

    grupos sociais. Neste quadro, o intercmbio entre profissionais das Relaes

    Internacionais e da Histria passa a ser cada vez mais importante, pois os primeiros,

    ao analisarem conjunturas dinmicas e cenrios mundiais passveis de modificar-se

    em apenas um dia, fornecem subsdios para que os historiadores possam,futuramente, fazer suas anlises com o distanciamento que o tempo permite.

    Em suma, o que se pretende aqui fazer uma sntese explicativa

    das relaes entre o Brasil e o Mundo rabe, como essas relaes se

    desenvolveram, quais foram suas intenes iniciais, suas vantagens e

    desvantagens. Analisaremos os reflexos da aproximao com pases no-ocidentais

    e muitas vezes aliados da ento URSS, ou ento inimigos declarados de Israel,

    principal parceiro dos EUA no Oriente Mdio. Pretendemos analisar tambm seessas relaes justificaram-se para o Brasil do ponto de vista econmico e

    diplomtico. Escolhemos o recorte temporal que vai de 1973 a 1985 por dois

    motivos: o perodo inicial explica-se pela ecloso da Crise do Petrleo e o final pelo

    fim do regime militar e pelas semelhanas entre a poltica de Figueiredo e de seu

    antecessor Ernesto Geisel em relao ao Oriente Mdio. No caso especfico do

    Iraque, em alguns momentos a pesquisa extrapola o recorte temporal proposto, pois

    o comrcio com este importante produtor de petrleo permaneceu relevante at1989.

    Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliogrfico, em que foram

    pesquisadas as fontes possveis dentro da escassa bibliografia sobre as relaes do

    Brasil com o Oriente Mdio. Isso nos levou a consultar obras de jornalistas como

    Leonardo Attuch. Mesmo sabedor das limitaes das fontes jornalsticas, e no

    endossando muitas das opinies do autor, muitas vezes o pesquisador se v

    obrigado a recorrer s mesmas, obviamente com as devidas ressalvas. Todavia,

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    importante ressaltar que este autor j tem certa experincia de pesquisa nas

    relaes entre mdia e noticirio do Oriente Mdio13.

    Na primeira parte deste trabalho analisaremos o contexto histrico

    que levou Crise do Petrleo no Oriente Mdio e as relaes do Brasil com o

    Mundo rabe, de uma forma geral. A segunda parte dedicada poltica externa

    brasileira e o debate dentro do regime diante da mudana de rumo adotada com o

    pragmatismo responsvel. J no capitulo final feita uma anlise da relao do

    Brasil com seu mais importante parceiro rabe, o Iraque.

    13 Disponvel na Internet em: http://www.uem.br/~urutagua/005/17pol_traumann.pdf Acessado em:12/11/2006.

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    1 O BRASIL E O MUNDO RABE

    1.1 OS PRIMEIROS CONTATOS

    Na segunda metade do sculo XIX, o Imprio Otomano que, alm de

    outros, incorporava os estados rabes do Oriente Mdio e parte da frica,

    encontrava-se em estado de desintegrao. O chamado Gigante Enfermo

    agonizava, e seu colapso total ocorreu ao final da Primeira Guerra Mundial.

    Obviamente, toda a regio dominada pelos turcos sentiu os efeitos de tantasmudanas. Entre 1859 e 1869 foi construdo o Canal de Suez, dando fim ao controle

    do comrcio de caravanas entre srios e libaneses que levavam seda e especiarias

    para a Europa14. A prpria indstria da seda encontrava-se em crise j h algum

    tempo, devido a pragas e a competio com transportes mais rpidos que

    barateavam os produtos chineses e japoneses. Concomitantemente, uma exploso

    demogrfica entre a populao crist do atual Lbano, que tradicionalmente habitava

    as montanhas fez com que estes descessem s plancies em busca de espao etrabalho, entrando em atritos com os drusos. Os cristos, em sua maioria, grego-

    ortodoxos e maronitas, logo se organizaram politicamente, o que desagradou de

    sobremaneira os drusos. O drusos ento se aliam aos otomanos, obtendo armas

    para combater os invasores. Os otomanos j se encontravam em dificuldades

    desde que a Grcia, ento provncia otomana, no s tornou-se independente, mas

    incentivou levantes em todo o Imprio, especialmente nas reas gregas da Tesslia,

    Trcia e Macednia, o que colocava os otomanos sempre em luta, e em diferentesfronts, ora na Palestina, ora nos Blcs ou ainda no norte da frica. Esta aliana

    com os drusos dava aos otomanos um auxiliar, pelo menos em uma parte do

    imprio. No entanto, j estava claro que o declnio definitivo do gigante era uma

    questo de tempo.

    J naquela poca havia na regio onde hoje o Lbano, grande

    nmero de missionrios cristos, na sua maioria norte-americanos, que trabalhavam

    14 AL-SAFI, 1993, p.158

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    com a populao crist rabe, informando-os sobre a vida na Europa e na Amrica.

    Todavia, ainda no eram muitos os que tentavam a imigrao. Apenas em 1860, um

    ano de represso particularmente brutal por parte dos otomanos, que o fluxo

    imigratrio se torna mais intenso15. Os destinos principais sempre foram, primeiro os

    EUA, e depois, caso o candidato no obtivesse o visto, Argentina, Brasil e demais

    pases latino-americanos. Os libaneses j tinham um apreo especial pelo Brasil,

    devido viagem que D. Pedro II realizara ao Lbano em 1876. O imperador era um

    grande admirador da cultura rabe, chegando inclusive a aprender o idioma, e a

    fundar uma igreja ortodoxa em Alexandria, no Egito.

    O pesquisador norte-americano Clark Knowltown, em estudo sobre a

    imigrao rabe no Brasil, fez levantamento estatstico indicando que em 1871, doisimigrantes com passaporte turco entraram no pas seguido por outros oito em 1872,

    vinte e um em 1874, quinze em 1877, seis em 1880 e trinta e oito em 1881. Porm,

    segundo o diplomata saudita Mansour Saleh Al-Safi, que cita tal pesquisa em seu

    livro Arbia Saudita: Poltica Externa e Aspectos de sua Relao com o Brasil,

    Apenas em 1892 as autoridades brasileiras comearam a registrarcorretamente as nacionalidades, Aparecendo naquele ano 93 srios comoimigrantes e 196 outros em 1895. At o final do sculo, 2.110 imigrantes doOriente Mdio tinham chegado ao Brasil, quer fossem eles registrados como

    turcos, ou srios, libaneses, armnios, egpcios, marroquinos e argelinos,chegando aquele autor ao total de 106.184 imigrantes de 1871 a 1942. 16

    Contudo, no devemos depositar confiana absoluta nestes dados,

    pois fato bem conhecido que no s rabes viviam sob domnio turco e, portanto,

    outras etnias tambm portavam o passaporte turco. Muitos judeus vieram para o

    Brasil com tal documento, o que fez com que o povo os confundisse, e que a

    comunidade rabe tivesse que sofrer com a pecha muitas vezes imputada aos

    judeus de assassinos de Jesus.A propsito, o elemento religioso muito importante para

    entendermos a imigrao rabe. No final do sculo XIX, ela era quase toda crist.

    Vivendo em pases onde eram minorias, sentiam-se atrados por pases que

    unissem o Cristianismo como religio majoritria e a possibilidade de

    enriquecimento. Por volta de 1890, o nmero de cristos j era grande o suficiente

    para que se fizesse necessria a presena de padres do rito maronita e da Igreja

    15 AL-SAFI, 1993, p.15916 Ibidem, p.160.

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    Ortodoxa. E em 1896, um rabino srio viria para fundar a primeira sinagoga carioca.

    Os muulmanos rabes s fundariam a primeira mesquita quase cinco dcadas

    depois, embora o Isl j tivesse chegado ao Brasil no final do sculo XVII, atravs

    dos escravos mals.

    Com o colapso do Imprio Otomano, e a regio ficando sob o

    mandato oficial da Liga das Naes, a imigrao deixa de ter carter provisrio.

    Abandonam o sonho de retornar ricos sua terra e passam a buscar um lar

    definitivo na Amrica. Os novos imigrantes encontravam os pioneiros j

    estabelecidos no comrcio atacadista. Estes forneciam-lhes mercadoria e know-how

    para trabalhar na nova terra.

    Alm de srios e libaneses, houve outra imigrao, bem maisrecente, a dos palestinos, ocorrida a partir da dcada de 1970, portanto pouco aps

    a ocupao dos territrios palestinos por foras israelenses, e de distrbios

    ocorridos na Sria e no Lbano. Embora este movimento de refugiados palestinos j

    existisse desde a criao de Israel, em 1948, depois da Guerra dos Seis Dias,em

    1967, que se intensifica. Muitos desses palestinos fixaram-se em So Paulo, Porto

    Alegre e especialmente no Distrito Federal.

    Entre os imigrantes do sculo XX, estavam professores, jornalistas,escritores, etc. Durante o Estado Novo, surgiu uma associao de escritores rabes

    chamada Nova Andaluzia, que teve que ser extinta devido poltica de carter

    xenfobo do governo Vargas. Tambm na vida pblica os rabes destacaram-se.

    Nomes como o de Francisco Rezek, Antonio Kandir, Espiridio Amin, Jos Richa,

    dentre outros, surgiram na poltica nacional e demonstram a mobilidade social que o

    imigrante rabe obteve no Brasil. Com um segmento populacional to significativo,

    composto por imigrantes bem sucedidos nos negcios e na poltica, naturalobservar que o Brasil mantm relaes comerciais com o mundo rabe desde o

    aparecimento das naes rabes modernas. Segundo Al-Safi17

    No sc. XIX o Brasil j havia instalado um consulado honorrio no Egito.Mesmo antes do aparecimento do petrleo como produto exportado porpases rabes, o mundo rabe como um todo, s pela sua dimensogeogrfica e pela sua populao, mereceu atenes especiais do Brasildesde 1924, quando este estabeleceu relaes diplomticas com o Egito.

    O mundo rabe ocupa um territrio de 12.911,94 milhes de

    quilmetros quadrados, e cerca de trezentos milhes de habitantes estendendo-se

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    por 85% da faixa entre o Mediterrneo, Golfo Prsico, Mar Vermelho e Mar da

    Arbia (os outros 15% so ocupados por Ir e Israel). Divide-se em duas subreas:

    a primeira, chamada Maghreb (Ocidente), compreende o norte da frica, ou seja:

    Marrocos, Tunsia, Lbia e Arglia. A segunda, denominada Macharek, (Oriente),

    inclui Egito, Kuwait, Iraque, Jordnia, Lbano, Sria, Imen, Emirados rabes Unidos,

    Sudo e Arbia Saudita. 18

    Aps o estabelecimento de relaes diplomticas com o Egito, os

    prximos pases com quem o Brasil estreitou os laos foram Lbano (1946), e Sria

    (1952). Estas eram justificadas pela grande colnia srio-libanesa presente no pas,

    a qual tinha estabelecido canais de comrcio e exportao com seus pases de

    origem, atravs de contatos de parentesco e amizade. Para se ter uma idia, em1968, cerca de 60% das exportaes brasileiras ao mundo rabe eram dirigidas ao

    Lbano.

    Em 1961, o Brasil estabelece relaes com Marrocos, Tunsia e

    Arglia. Esta deciso foi muito criticada na poca, devido sua falta de sentido

    prtico. E realmente, aps seis anos, no havia sido constatada nenhuma relao

    comercial entre o Brasil e estes pases norte africanos. O Brasil importava

    relativamente muito (5% de suas importaes, basicamente fosfato, petrleo epotassa), e exportava pouco, criando assim um dficit em sua balana comercial.

    Dentro da tica comercial brasileira, no entanto, o Iraque era

    considerado comercialmente mais interessante do que o grupo formado por Sria,

    Lbano e pases do Maghreb. A Arbia Saudita tambm foi encarada como parceira

    em potencial, tendo o Brasil iniciado contatos preliminares com os sauditas em 1967.

    As primeiras tentativas de ingresso do Brasil nos mercados rabes

    no foram bem-sucedidas, devido ao desconhecimento mtuo entre economias eculturas to distintas19 . Ambos os lados demonstravam interesse em incrementar o

    comrcio, mas a conexo entre os setores tcnicos e produtivos no era eficiente.

    Segundo Al-Safi20, na dcada de 1970,havia trs boas razes para o Brasil querer

    ingressar no mercado rabe:

    a) Ter acesso a um mercado maior que o brasileiro tanto em

    populao quanto em poder aquisitivo.

    17AL-SAFI, 1993, p.17118 AL-SAFI, 1993, p.174.19 MAJZOUB, 2001, p. 61-62

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    b) Por ser um mercado supridor dos minerais que o Brasil precisava

    como petrleo, potassa e fosfato a preos que eram de trs a cinco vezes inferiores

    ao mercado interno brasileiro.

    c) Acesso direto ao mercado de capitais dos pases produtores de

    petrleo.

    Obviamente que antes da dcada de 1970,j era importante

    preencher este ltimo quesito.No entanto,a crise o transformou numa

    necessidade.Foi proposto um programa para criar incentivos que rompessem aquele

    imobilismo: a criao de transaes diretas tanto de venda quanto de compra,

    evitando intermedrios e com a finalidade de estimular a criao de escritrios

    brasileiros naqueles pases, assim como a criao de firmas locais brasileiras; oestabelecimento de empresas brasileiras em zonas francas rabes, como: Tanger,

    Bizerta, Port Said e Beirute, e a criao de linhas de crdito para importao e

    exportao.

    Mas j era consenso a idia de que o conhecimento mtuo por meio

    da diplomacia era a melhor ttica. A princpio, o Brasil estabeleceu representao

    em Tunis, que respondia tambm pelo Marrocos, Arglia, Lbia e obviamente a

    prpria Tunsia; Cairo que alcanava Egito, Sudo, Kuwait e Imen; Beirute queabrangia Lbano, Chipre, Jordnia, Sria, Arbia Saudita e Iraque; e Karach, que

    abrangia os Emirados rabes Unidos, Catar, Bahrein, Om e Paquisto. Na poca

    foram propostos tambm cursos de comrcio exterior a serem ministrados no

    Itamaraty voltados para o mercado rabe, similares a outros j existentes nos EUA e

    Europa.

    Em 1968, o Brasil deu incio s relaes diplomticas com a Arbia

    Saudita, ficando a embaixada brasileira no Lbano encarregada de responder pelasligaes com Riad. Em contrapartida, as relaes diplomticas sauditas com o Brasil

    e Amrica Latina eram administradas desde sua embaixada em Washington (EUA).

    No entanto, em 1973, foi decidido que os dois pases trocariam embaixadores, tendo

    o Brasil enviado como seu primeiro representante o embaixador Murilo Gurgel

    Valente nesse mesmo ano. Em 1974, o governo saudita enviou a Braslia o

    embaixador Mamoun Kabbani. No final de 1973, seria instalada em Bagd a

    embaixada brasileira, que daria novo dinamismo nas relaes Brasil-Iraque. No ano

    20AL-SAFI, 1993, p.175.

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    seguinte desenvolver-se-iam as relaes entre Brasil e Arglia, com a entrada da

    Braspetro no pas e o inicio da explorao do petrleo argelino, alm do incremento

    das relaes na rea dos transportes. No ano de 1974, os maiores movimentos

    comerciais foram atingidos no intercambio com a Arglia e a Lbia, cujo montante

    chegou a cerca de US$325 milhes, no entanto a balana comercial com este ltimo

    era muito desequilibrada a favor do pas africano. Este dficit cresceu nos anos

    seguintes e chegou em 1977, a quase trs bilhes de dlares em favor dos rabes.

    Portanto, a aproximao com os pases rabes, ao contrrio do que muitos pensam,

    teve seu inicio com Mdici e no com Geisel.Tal aproximao encaixava-se

    perfeitamente no tipo de relao Sul-Sul pretendido por Mdici.

    Mas obviamente foi Geisel que, devido crise do petrleo, estreitouos laos comerciais com os pases da regio. Na poca,a OPEP dividiu os pases

    em amigos ou no da causa palestina, para no sofrer os efeitos do embargo o pas

    precisava estar no primeiro grupo. Enquanto Mdici posicionava-se de forma no

    mnimo ambgua em relao resoluo 242 da ONU que ordenava a retirada

    israelense dos territrios palestinos ocupados, o ministro Azeredo da Silveira, numa

    recepo ao ministro de negcios estrangeiros saudita Omar Al-Sakkaf, posicionou-

    se de forma inequvoca a favor da causa palestina e, em 1974, chegaria a fazer umdiscurso pr-palestino na XXIX Assemblia Geral da ONU. Em seu pronunciamento,

    Azeredo da Silveira afirmou que21

    [...]A objeo guerra de conquista uma constante na Histria do Brasil eum preceito em nossa Lei Fundamental. Consideramos absoluto o direito integridade territorial e obrigao de respeito soberania. Emconseqncia, acreditamos que a desocupao doa territrios ocupados ,insofismavelmente, parte integrante da soluo do conflito.

    Assim, o governo brasileiro aceitava os direitos do povo palestino a

    autodeterminao e soberania como nico caminho para uma paz duradoura na

    regio. Na XXXI Assemblia Geral da ONU, o Brasil votou a favor de uma soluo

    negociada entre rabes e israelenses, tendo como base a carta da ONU22.

    No entanto, em outubro de 1975, o Brasil causou desconforto entre

    norte-americanos e sionistas em geral ao votar na ONU condenando o sionismo

    como uma forma de racismo. De acordo com o presidente Ernesto Geisel,

    No aceitei uma forma evasiva que a diplomacia usa. O Itamaraty, quandoestava convicto do voto que devia proferir, mas sentia que com ele iria

    21 Apud. PASSOS, 1988, p.87.22 MIYAMOTO, 1985, p.193.

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    desagradar aos Estados Unidos ou a outro pas importante, adotava apoltica de absteno, se abstinha de votar. No aceitei isso, dizendo queera uma covardia. Se o Brasil tem uma opinio, ele tem que defender o seuponto de vista e votar de acordo com a sua convico. Estou convencidoat hoje de que o sionismo racista. No sou inimigo dos judeus, at

    porque em matria religiosa sou muito tolerante. Mas como que sequalifica o judeu, quando que o indivduo judeu? Quando a me judia.O judasmo se transmite pela me. O que isso? No racismo? No uma raa que assim se perpetua? Por que eu no posso declarar isso aomundo? O que tem isso de mau? Contudo nosso voto provocou umaceleuma danada. 23

    Apesar desta forte declarao pessoal de Geisel, segundo Miyamoto

    e Gonalves24, naquela conjuntura, do ponto de vista estritamente poltico, o Brasil

    no poderia ter se posicionado de outra forma, devido crise do petrleo e ao fato

    de que o Brasil chegava ao final do milagre econmico, necessitando, portanto,

    implementar suas relaes com os pases rabes. Da mesma forma, o Itamaraty

    desaconselhou o governo a adquirir o mssil israelense Gabriel. Contudo, de acordo

    com Walder de Ges25, a deciso de votar favoravelmente a tal resoluo foi

    precipitada. Azeredo consultara Geisel sobre qual posio tomar e o presidente

    recomendara o voto favorvel. Quando se deu conta do equvoco poltico que tal

    atitude representava tentou recuar, mas a forte reao do Departamento de Estado

    Norte-americano mexeu com os brios do governo brasileiro, que optou por manter ovoto.

    Na Resenha de Poltica Exterior do Brasil o chefe da delegao

    brasileira viu a necessidade de se explicar. Justificou que o Brasil nada tinha contra

    os judeus ou o judasmo e reconhecia Israel como estado independente. No entanto,

    no admite que este reconhecimento esteja baseado na aceitao de idias

    sionistas e como, mesmo o sionismo no unanimidade entre os judeus, no se

    pode confundir anti-sionismo com anti-judasmo26

    . Em relao aos palestinos,apesar da permisso de abertura de um escritrio da OLP em Braslia, no foi

    conferido a este o status diplomtico, por no se tratar de pas independente e

    mesmo com a interveno do vice-presidente iraquiano, este era um pedido que

    no podia ser atendido27.

    23Apud. DARAJO. e CASTRO, 1997, p.341-342.24 MIYAMOTO e GONALVES, 1993.p.3425 GES, 1978 p.30.26 VIZENTINI, 2002, p.24827 MIYAMOTO, p.271

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    No aspecto comercial, o intercambio continuou intenso. Em 1979, o

    ministro do petrleo do Iraque Tayej Abdul Karim solicitou uma intensificao nas

    relaes e garantia o fornecimento de petrleo em qualquer circunstncia. No ano

    seguinte, seria criada a Comisso Mista Brasil-Iraque e um acordo de cooperao

    nuclear28. Neste mesmo ano, o embaixador iraquiano Faid Maki Ahmed anunciou

    que o Iraque daria preferncia importao de produtos brasileiros, desde que de

    qualidade comprovada, mesmo que o preo estivesse um pouco acima do da

    concorrncia.

    Em 1982, o ministro Saraiva Guerreiro foi Arbia Saudita

    realizando a primeira visita oficial de um chanceler brasileiro aquele pas. Alguns

    meses antes o ministro do petrleo saudita, sheikhYamani, havia sido condecoradocom a Gr-Ordem do Cruzeiro do Sul demonstrando a importncia que os rabes

    tinham na poca j que esta a principal condecorao nacional, sendo outorgada

    apenas a Chefes de Estado e na despedida de embaixadores que serviram no Brasil29. Contudo, o dficit na balana continuou, at porque, obviamente, gritante a

    diferena de valores entre os produtos que o Brasil exportava notadamente gros

    e manufaturados e o petrleo e fosfato importados. Alm disso, os rabes preferiam

    investir seu dinheiro em mercados mais seguros e de retorno mais rpido, comoEUA e Europa.

    Na sua busca por petrleo, o Brasil tentou tambm obter o

    fornecimento por parte do Ir. Em outubro de 1977, o general Araken de Oliveira foi

    a Teer visando a um acordo sobre a rea que a Braspetro explorava na fronteira

    com o Iraque em regime de contrato de risco. As negociaes j corriam h algum

    tempo entre a Mobil Oil (associada Braspetro) e a National Iranian Oil Company

    (NIOC). Porm, no meio do contrato, o Ir simplesmente decidiu aumentar osimpostos e royalties a serem pagos. Por isso, em 1978, a Braspetro decidiu por

    desativar prematuramente suas exploraes no Ir e concentrar esforos no Iraque,

    alis, o nico pas que garantiu ao Brasil o suprimento de petrleo30.

    Em 1978, a exemplo do que aconteceu com o Iraque, a Volkswagen

    vendeu 15 mil automveis Arglia em troca de fosfato. No mesmo ano mais 17 mil

    veculos seriam trocados por petrleo. A Braspetro iniciou seus trabalhos em

    28 Ibidem, p.21329 Ibidem, p.21430 VIZENTINI, 2002. p. 254.

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    territrio argelino no mesmo ano produzindo cerca de 2000 barris/dia no campo de

    Ras Tounb. Com relao vizinha Lbia, o enorme dficit na balana comercial fez

    com que o Brasil tentasse incrementar seu comrcio com aquele pas vendendo-lhes

    carros de combate. A Lbia adquiriu quatrocentos carros em 1976,mas dois anos

    depois novas negociaes chegaram a um impasse devido recusa do Itamaraty

    em abrir um Centro Cultural Lbio no Brasil e um similar brasileiro no pas liderado

    por Muammar Kadafi.

    Em 1979, comea o conflito Ir-Iraque, o que leva o Brasil a nova

    crise devido importncia iraquiana no fornecimento de petrleo. O Brasil ento

    recorre ao FMI, para renegociar sua dvida, fazendo com que a poltica externa

    brasileira estivesse mais nas mos do ministro da fazenda Delfim Netto que noItamaraty. Contudo, desta vez o abalo no tenha sido to forte devido a uma poltica

    de diversificao dos fornecedores no mbito externo e de um programa de reduo

    do consumo e de busca de fontes alternativas no interno.

    Embora as intensificaes dos contatos tenham aumentado a

    balana comercial durante o perodo 1968-1978, esta sempre foi desfavorvel ao

    Brasil, na ordem de 900 milhes a US$ 1,30 bilhes de dlares. Todavia, logo

    ambos os pases encontraram o produto que muito interessava aos sauditas e quepodia equilibrar a balana comercial: armas e equipamentos militares.

    Segundo Al Safi31

    Entre as armas brasileiras que os sauditas buscavam, estavam os blindadosfabricados pela ENGESA, como o Cascavel e o anfbio Urutu, j vendidospara mais de 30 pases. [...] No entanto, o astro maior do arsenal brasileiroera o tanque de guerra pesado Osrio, que estava sendo oferecido paratestes no deserto saudita, e que eventualmente venceria uma concorrnciainternacional com ampla vantagem frente de todos os seus concorrentes.

    Fazia parte do acordo tambm, a venda de avies de treinamento eobservao. A imprensa brasileira previa uma venda no valor de US$4,5 bilhes. Foi

    a primeira negociao desse tipo entre pases do terceiro mundo, e representou o

    auge das relaes entre os dois pases.

    31 AL-SAFI, 1993, p.209

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    1.2ACRISE DO PETRLEO:ANTECEDENTES HISTRICOS

    Aps a queda do Imprio Turco32 ocorrida no final da Primeira

    Guerra Mundial (1914-1918), os rabes, liderados por Lawrence da Arbia, lutaram

    ao lado dos britnicos para livrarem-se do jugo turco, acalentando sonhos de

    independncia. Porm, a decepo foi grande. Ao final da Primeira Guerra, a regio

    ficou oficialmente sob mandato da Liga das Naes, embora sob forte influncia do

    colonialismo anglo-francs. A Frana dominou Sria, Lbano e norte da frica,

    enquanto a Inglaterra dominou o Iraque, a Jordnia (ento chamada Transjordnia)e a Palestina. Os rabes,ao contrrio do que imaginavam, no estavam livres, mas

    apenas submetidos a um novo senhor.

    Aps a Segunda Guerra (1939-1945), o colonialismo perde flego, e

    muitos pases, especialmente os da frica e Oriente Mdio tornam-se

    independentes. Como nestes ltimos haviam-se descoberto imensas reservas de

    petrleo, esta regio torna-se importantssima para o abastecimento mundial,

    fazendo com que as ex-metrpoles mantivessem um controle econmico destesnovos pases por meio do monoplio da explorao de seu petrleo. Os pases

    produtores da regio, com pouco conhecimento tcnico, capital, e, sobretudo

    carentes de uma consolidao de sua independncia nada podiam fazer.

    Conseguem, contudo, chegar a um razovel estgio de autodeterminao na

    dcada de 1950.

    Anteriormente, mais precisamente no ano seguinte fundao da

    Arbia Saudita em 1932, a Standard Oil Company of Califrnia fez proposta para aexplorao de seu territrio. Porm, somente aps o trmino da II Guerra Mundial

    que as atividades de prospeo puderam ser realizadas com fora total. Em 1947,

    surgiu a ARAMCO (Arab American Company), consrcio da britnica Socony

    Vacuum Oil Company, da Standard, da Texase da New Jersey Oil Company. Esta

    concesso que vigorar at 2012, abrange uma rea de 600.000 quilmetros

    quadrados33. Em 1949, novos poos foram descobertos, aumentando a produo de

    20.000 para 500.000 barris por dia.

    32 HOURANI, 1994, p.318-31933 HOURANI, 1994, p.43

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    Contudo as relaes entre o governo e a Aramco estavam

    estremecidas, pois Riad ganhava somente vinte e um centavos de dlar por barril,

    enquanto o lucro da Companhia era de US$1,1034. Em 1950, contudo foi firmado um

    acordo em que o governo e a companhia dividiam os lucros pela metade. Este

    acordo transformar-se-ia num padro no mundo todo dali por diante. Este novo

    contrato no prejudicou a ARAMCO, pois as taxas pagas aos sauditas foram

    denominadas impostos internos e eram deduzidos dos impostos norte-americanos,

    fazendo com que a empresa praticamente no pagasse mais taxas aos EUA. O

    apoio do governo norte-americano a essas negociaes, no entanto, demonstrou

    vontade poltica de Washington para que as companhias petrolferas fossem bem

    sucedidas.Em 1953, o recm-empossado rei Saud tentou tomar o controle

    sobre o transporte do petrleo, criando a Saudi Arabia Tankers Company, em

    conjunto com o armador grego Aristteles Onassis. No entanto, a ARAMCO recorreu

    no Tribunal Internacional de Arbitragem de Genebra e venceu.

    Estas derrotas, contudo, no abalaram o sentimento nacional e

    tornou importante na regio o conceito de Terceiro Mundo: um bloco de pases em

    desenvolvimento que no desejava se submeter a influncia norte-americana ousovitica. Porm, mesmo sem apoiar explicitamente a URSS, muitos pases rabes

    adotaram ideais socialistas, como o controle dos recursos pelo governo e no

    interesse da sociedade, comandado pelo Estado, que seria tambm um grande

    provedor de servios sociais. O principal centro dessa atividade foi o Egito 35.

    Historiadores egpcios passaram a analisar a histria do pas sob um vis marxista,

    baseado na luta de classes. No Oriente Mdio de uma forma geral, a descolonizao

    fez com que o poder flusse para as mos das elites locais, mais preocupadas emmanter a estrutura social vigente do que em diminuir o fosso de desigualdade entre

    as classes.

    Grupos que misturavam religio, nacionalismo e ideais de justia

    social surgiram no Egito, Sria e Sudo. Grupos socialistas passaram a

    desempenhar um papel significativo na oposio aos governantes, especialmente no

    Iraque, no Sudo e no Egito, que mobilizaram a classe operria. Na Sria surge o

    Bath (Ressurreio), cujo discurso intelectualizado era dirigido principalmente aos

    34 LACKNER, 1982, p.3935 LACKNER, 1982, p.407

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    cristos das classes mais elevadas. O principal terico do Bathfoi Michel Afleq, um

    cristo srio que acreditava numa nica nao rabe, vivendo num nico pas.

    Apesar de no ser muulmano, costumava usar o exemplo do profeta Muhammad

    na unificao dos rabes como uma prova da exeqibilidade do projeto.

    Porm, foi uma conferncia internacional que mudou a forma de os

    pases em desenvolvimento se relacionarem com o Primeiro Mundo. A Conferncia

    de Bandung na Indonsia procurou colocar em prtica a idia de uma aliana Sul-

    Sul. Convocada por cinco pases e contando com a participao de outros vinte e

    quatro, marcaram presena na conferncia nomes importantes e polmicos do

    sculo XX, como o primeiro-ministro chins Chou En Lai, o lder egpcio Gamal

    Abdel Nasser, o primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru, entre outros.Em Bandung surge o embrio do Movimento dos No-Alinhados,

    formalizado em 1961 e o Grupo dos 77 criado dois anos depois36. Nesta conferncia,

    conhecida como o lugar em que nasceu o Terceiro Mundo, foram debatidas e

    aprovadas as seguintes idias publicadas posteriormente em seu relatrio final:

    a) A importncia da cooperao econmica e da implementao de

    programas de desenvolvimento econmico, a proposta de um fundo das Naes

    Unidas para as economias em desenvolvimento, a necessidade de estabilizao nopreo das commoditiese das moedas de pagamento, a idia de polticas comuns

    referentes ao petrleo, apontado como embrio do que viria a ser a OPEP.

    b) A importncia da cooperao cultural e do respeito s culturas

    dos pases subdesenvolvidos.

    c) A defesa dos Direitos Humanos e da autodeterminao dos

    povos.

    d) Exigncia do fim do colonialismo.e) Defesa da implementao de Resolues da ONU sobre a

    questo Palestina37.

    A partir da dcada de 1950, o Bathassumiu feies mais prximas

    ao socialismo e espalhou-se alm das fronteiras srias, tendo suas idias

    influenciado o Lbano, a Jordnia e principalmente o Iraque, onde um brao do

    partido foi fundado, embora depois uma dissidncia tenha tomado o poder e este se

    manteve como Bath apenas nominalmente. Segundo Tarek Aziz, ex-ministro das

    36 Disponvel na Internet em: www.vermelho.org.br, acesso em 02/05/2006.37 Idem.

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    Relaes Exteriores do Iraque, o golpe na Sria em 1966 fez com que o Bathlocal

    se tornasse um partido militar, diferente do seu homnimo iraquiano, fundado por

    Michael Afleq e cuja ala civil, inclua o prprio Aziz e Saddam Hussein. Esta

    circunstncia tornaria qualquer plano de reunificao do partido particularmente

    difcil38.

    O partido tambm foi decisivo na fundao da Repblica rabe

    Unida, criada em 1958 e dissolvida trs anos depois. Mas, o maior idelogo da unio

    rabe foi sem dvida o lder egpcio Gamal Abdel Nasser. Antes dele, os lderes

    daquele pas viam-se como oriundos de outra herana cultural. Nasser no apenas

    inseriu o Egito no mundo rabe, como se auto-intitulou seu lder natural39

    .O presidente egpcio acreditava na fora do Estado no controle da

    economia e numa distribuio de renda mais justa. Buscava-se um socialismo

    rabe, definido como um sistema em que a sociedade gravitasse em torno do

    governo que, por sua vez, defenderia os interesses de todos. Nasser promoveu

    maior igualdade de oportunidades para homens e mulheres, limitou a jornada de

    trabalho, criou o salrio mnimo e ampliou os servios de sade. Mas fracassou na

    tentativa de unificar as foras polticas do mundo rabe, pois no havia um canal decomunicao para as massas. Seu discurso era de mo-nica, assumindo uma

    postura paternalista frente ao povo, como se conhecesse exatamente suas

    reivindicaes e no precisasse ouvir seus anseios.

    Mesmo com as reformas j citadas, Nasser no conseguiu escapar

    de uma saraivada de crticas, principalmente dos marxistas, que repudiavam a no

    aceitao das diferenas de classe e pelos membros da Irmandade muulmana, que

    acusavam o lder egpcio de utilizar o discurso islmico apenas para manipular as

    massas. Entre alguns pases islmicos, entretanto, Nasser era a voz dissonante.

    Pases como Arbia Saudita, Turquia, Ir e Paquisto posicionaram-se francamente

    em favor do status quo e contra a sua proposta independente e pan-arabista.

    Quando Nasser passou da teoria prtica e nacionalizou o Canal de Suez, Frana e

    Gr-Bretanha, contando com o auxilio de Israel tomaram Gaza e a Pennsula do

    Sinai. A guerra de 1956, s terminou com o envio de foras da ONU e com a

    interveno sovitica, que ameaava entrar no conflito do lado rabe. Mesmo com o

    38 DENAUD, 2003, p.24-28.39 DE CHANCIE, 1988, p.71

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    fracasso, o Egito de Nasser se tornaria o lder do mundo rabe com o apoio

    sovitico, enquanto os EUA ficariam do lado israelense. O Oriente Mdio entrava na

    esfera da Guerra Fria,definitivamente40.

    Durante toda a dcada seguinte, o nasserismo, como ficou

    conhecido, guiou as polticas do mundo rabe, alimentando o sonho de uma nao

    rabe com a auto-estima restabelecida e tomando um lugar de destaque no mundo.

    Passaram a integrar a ONU e a participar de diversos organismos internacionais, o

    que levou a um amadurecimento da identidade nacional de cada pas e de seu papel

    no novo cenrio que se descortinava.

    Esta conscientizao poltica e econmica dos pases produtores de

    petrleo coincidiu com um revigoramento do nacionalismo na estrutura da indstriainternacional de petrleo, abalada pelas recentes intervenes no Oriente Mdio,

    que visavam a garantir o controle do suprimento de petrleo, como a incurso anglo-

    franco-israelense contra o Egito em 1956, numa represlia nacionalizao do

    Canal de Suez, promovida por Nasser41.

    Devido sua liderana, Nasser sofreu tambm toda sorte de

    presses em relao a seu papel na causa palestina. O Mundo rabe acreditava

    que se algum podia fazer algo pelos palestinos, este algum era Nasser. E eletentou, fechando o Golfo de caba aos israelenses. O contra-ataque do estado

    judeu, porm, foi devastador. No que ficou conhecida como a Guerra dos Seis Dias,

    Israel no s destruiu a frota de avies egpcios ainda no cho como ocupou o

    Monte Sinai, as Colinas de Gol e Jerusalm Oriental42.Como se no bastasse o

    impacto psicolgico de ver os locais sagrados islmicos ser ocupados por Israel,

    tudo o que restava da Palestina rabe (faixa de Gaza e Cisjordnia) encontrava-se

    sob ocupao.Da em diante, o cenrio do conflito mudou: cresceu entre os

    palestinos a crena de que s podiam contar consigo prprios e que, portanto, no

    deveriam mais esperar pela ajuda de algum pas rabe salvador. Tal expectativa se

    confirmou quando o sucessor de Nasser, Anwar Sadat, selou um acordo de paz com

    Israel e os pases do golfo passaram a silenciar sobre a questo43.

    40 Disponvel na Internet em www.historia.uff.br/nec, acessado em 02/05/2006.41 MARINHO, p.8142 HOURANI, 1994, p.41443 Ibidem, 414

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    A ONU aprovou, em 1967, a resoluo 242 que ordena a retirada

    dos territrios ocupados, jamais obedecida por Israel e fonte de acalorados debates

    j que praticamente consenso entre os moderados de ambas as partes que a

    eventual criao de um estado palestino dar-se- nestes territrios atualmente sob

    ocupao. A auto-estima rabe ficou ainda mais abalada e aps serem derrotados

    militarmente por Israel quatro vezes, surgiu entre os rabes a conscincia de que a

    Idade de Ouro do Isl s poderia ser restabelecida se estes desistissem de imitar as

    ideologias ocidentais, e se voltassem para a sua prpria que, afinal, teria origem

    divina: o Isl. Seria o inicio de um movimento mundialmente conhecido como

    fundamentalismo islmico44.

    Outra interveno marcante do Ocidente foi a invaso anglo-americana no Lbano e na Jordnia logo aps a Revoluo Iraquiana de julho de

    1958, liderada por Abdul Karim Al-Qasim, que derrubou uma monarquia fantoche

    pr-ocidental. O novo governo republicano, no entanto, herdou uma burocracia

    pesada e uma economia completamente estagnada. Pelo menos 85% da populao

    era iletrada, os tcnicos eram poucos e raros e a educao superior apenas

    comeava a surgir45. Todavia, as potncias ocidentais consideravam o Iraque o mais

    estvel aliado do ocidente na regio. Tal estabilidade, contudo, no era natural, masmantida por mais de 18.000 policiais que patrulhavam Bagd, pela censura e

    perseguio poltica46.

    A ditadura local s era considerada progressista porque desde sua

    instalao sempre atendeu os interesses das grandes multinacionais petrolferas da

    regio. A massa iraquiana, que comeava a clamar pela nacionalizao da principal

    riqueza do Pas, percebia como o mesmo processo ocorrido no Ir cinco anos antes

    havia beneficiado seu vizinho e desejava usufruir o desenvolvimento econmico queos royalties do petrleo poderiam trazer. Nasce uma conscientizao de que os

    pases produtores possuam anseios em comum e que, se trabalhassem unidos,

    poderiam, obter resultados melhores do que assumir uma atitude de confronto com

    as potncias.

    Na Amrica Latina,a Venezuela passa a exigir maior participao do

    governo no lucro das concessionrias estrangeiras, baixando um imposto adicional,

    44 HOURANI, 1994, loc. cit.45 OCONNOR, p.340.46 OCONNOR, loc. cit.

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    introduzindo na indstria petrolfera um conceito que transformaria as relaes entre

    ambos: a diviso igualitria do governo no lucro das companhias. A aceitao

    dessas novas condies veio, no entanto, devido a vantajosas compensaes como

    a revalidao das concesses por mais quarenta anos.

    O primeiro pas a realmente utilizar o sistema 50-50 foi a Arbia

    Saudita. O acordo foi vantajoso para a ARAMCO norte-americana, pois ficou

    estabelecido que a parte paga ao rei Ibn Saud fosse dedutvel do imposto de renda,

    fazendo com que o fisco norte-americano deixasse de recolher mais de US$ 44

    milhes de dlares, ficando para o consumidor final o nus da negociao. Em

    seguida, Iraque, Kuwait, Bahrein e Catar adotaram a diviso igualitria dos lucros,

    que, em pouco tempo foi instituda como frmula padro para negociaes. Todavia,o acordo mais vantajoso para os pases produtores ainda estaria por vir. A Agip,

    estatal italiana, que esteve perto de fechar suas portas em meados da dcada de

    1940 por no conseguir encontrar petrleo em solo italiano nem no exterior,

    convocou, numa ltima tentativa, o comissrio Enrico Mattei, que fez ento

    propostas de associao com pases como Egito e Ir, mas em vez de propor o j

    institudo acordo 50-50, idealizou um esquema de 75-25 em favor do pas produtor.

    As condies eram inditas para os pases produtores (para se ter uma idia noinicio do sculo XX, o Ir recebia apenas 16% dos lucros47).

    A proposta consistia no seguinte: o presidente do Conselho de

    Administrao seria italiano, enquanto os cargos diretivos seriam divididos

    igualmente entre iranianos e italianos. Os cargos tcnicos seriam preenchidos

    prioritariamente por iranianos, enquanto a mo de obra braal seria totalmente

    iraniana48.Estes acordos geraram uma verdadeira revoluo nas relaes entre

    pases produtores e as principais empresas do ramo petrolfero, conhecidas como asSete Irms: a) Socal.

    b)Texaco.

    c) Esso.

    d)Mobil (membros da ARAMCO, na Arbia Saudita).

    e) Gulf Oil, no Kuwait.

    f) British Petroleum, no Ir, Iraque e Kuwait.

    g)Royal Dutch Shell, em Om, no Ir e no Iraque.

    47 KINZER, 2004.48 MARINHO, p. 107

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    A partir de ento os prazos de explorao passaram a ser menores,

    as reas menos extensas, prioridade no emprego de nativos, participao

    obrigatria do governo hospedeiro em todas as fases de produo, enfim, criava-se

    uma relao menos inspirada em resqucios do colonialismo e mais em um sistema

    de parcerias.

    A conscientizao dos pases produtores da importncia de seu

    produto para a economia mundial levou criao, em outubro de 1960, da OPEP, a

    Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo. Seus membros fundadores

    foram a Arbia Saudita, Ir, Kuwait, Iraque e Venezuela. Nos anos seguintes

    ingressaram na organizao o Catar, a Indonsia, a Lbia, Abu Dhabi (um dos atuais

    Emirados rabes Unidos), Bahrein, Arglia, Nigria, Equador e Gabo. Para seradmitido como membro-fundador ou membro integral (os que ingressaram depois) o

    pas em questo deveria exportar mais de 150 mil barris por dia e possuir interesses

    semelhantes aos dos demais membros49.

    Os principais objetivos da OPEP eram defender de forma

    coordenada e unificada os interesses dos pases produtores, garantir a estabilizao

    dos preos do petrleo, assegurar receitas estveis aos pases produtores assim

    como a garantir o suprimento regular aos pases consumidores e garantir aosprodutores um justo retorno do capital investido50.

    A princpio, as companhias petrolferas simplesmente no

    reconheceram a autoridade da OPEP como representante dos pases produtores e

    resistiram o quanto puderam para aceitar suas resolues como base para

    negociaes. Porm, em 1965,ao transferir sua sede de Genebra para Viena, a

    organizao obteve do governo austraco o reconhecimento oficial da OPEP como

    entidade internacional, assim como o Conselho Econmico da ONU, o que forou asgrandes companhias a considerarem a organizao.

    A indstria petrolfera passava naquele momento por um momento

    crucial. As necessidades energticas aumentavam continuamente devido a um

    grande crescimento industrial, ocorrido em nveis acima dos esperados, da escassez

    de gs natural nos EUA e do relativo abandono das minas de carvo na Europa.

    Pelo lado da oferta a crescente onda de nacionalizao na Arglia e no Iraque, a

    ruptura do oleoduto Transarbico na Sria, que prejudicou enormemente as

    49 MARINHO, p.116.50 Ibidem, p.117.

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    exportaes sauditas e o fechamento contnuo do Canal de Suez, levou a uma

    reduo das quantidades disponveis.

    No Iraque, Qasim, que genuinamente pretendia melhorar as

    condies de vida de seu povo, mas que no conseguiu cumprir as promessas de

    desenvolvimento social, tentou demagogicamente a ltima cartada atravs da

    nacionalizao do petrleo, eliminando qualquer trao da existncia da IPC, a Iraq

    Petroleum Company, smbolo maior das prticas imperialistas inglesas.

    Segundo Marinho51,nem o assassinato de Qassim,nem as

    retaliaes das companhias expropriadas desviariam o Iraque da politizao do uso

    de seu petrleo.Em 1967, o governo iraquiano promulgava a lei que expropriava da

    IPC as reas antes exploradas por esta e repassando estes direitos recm-criadaCompanhia Nacional Iraquiana de leo (INOC). Assim, estava aberto o caminho

    para que o Iraque negociasse contratos com a ELF francesa e a Braspetro, o brao

    internacional da Petrobrs. A partir de 1970, a torneira do petrleo que flua no

    mercado internacional estava finalmente sob o controle real de um governo rabe.

    Naquele mesmo ano, na XXI Conferncia da OPEP, foi formulada a

    resoluo XXI/120 um marco no relacionamento entre a entidade e as companhias

    internacionais. Os principais pontos desta resoluo foram:a) A uniformidade nos preos de referncia de todos os pases

    membros a partir do preo mais alto vigente, no caso o da Lbia, levando em conta a

    qualidade e localizao geogrfica de cada pas.

    b) A eliminao de qualquer tipo de desconto.

    c) A elevao do percentual do imposto sobre a renda de 50% para

    55%.

    d) O aumento geral dos preos de referncia e a indexao destesaos preos industriais mundiais, para que o poder de compra de equipamentos dos

    pases produtores fosse estabilizado.

    Aps alguma resistncia, as majors, com apoio do governo norte-

    americano, concordaram em elevar os preos assinando em fevereiro de 1971, o

    Acordo de Teer. Aps a concluso deste acordo, que englobava apenas os pases

    do golfo, as atenes se voltaram para a Lbia e seu lder Muammar Kadafi, que

    51 MARINHO, p.131.

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    recusou um acordo global e preferiu negociar separadamente com cada companhia

    interessada.

    Depois do Acordo de Trpoli foram negociados acordos separados

    com Arbia Saudita e Iraque, relativos produo destes pases que seria

    exportada a partir do Mediterrneo oriental. O ministro do petrleo saudita, sheikh

    Yamani, negociando em nome do Golfo, criou o conceito de participao e

    conseguiu em 1972 um acordo, que lhes dava imediatamente controle sobre 25% da

    ARAMCO, que, aumentando 5% ao ano, chegaria em 1983 aos 51% almejados52. O

    acordo mantinha o controle operacional e a parte burocrtica nas mos das

    companhias o que claramente demonstra que o pas queria apenas aumentar sua

    participao nos lucros e no realmente se envolver em todo o trabalho deprospeo e venda. O Kuwait recusou-se a assinar o acordo alegando que este no

    representava uma mudana estrutural entre o pas produtor e a companhia

    petrolfera.

    Em contrapartida a todos esses exaustivos acordos as companhias

    petrolferas obtiveram a garantia de que no haveria modificaes substanciais nos

    mesmos pelos cinco anos seguintes. Contudo, a estabilidade almejada por ambos

    os lados no duraria muito.Em 1968, foi criada a OAPEP (Organizao rabe dos Pases

    Exportadores de Petrleo). Esta mini-OPEP fundada pela Arbia Saudita, pela

    Lbia pr-Kadafi e pelo Kuwait tinha como simples objetivo maximizar suas receitas

    petrolferas, sem nenhuma conotao poltica. O Iraque havia recusado a ingressar

    no grupo, por consider-lo uma coligao de reacionrios53.

    A ascenso ao poder de Kadafi, no entanto, afrouxaria as condies

    de entrada no clube, o que permitiu o ingresso da Arglia, Abu Dhabi, Catar, Bahreine Dubai (atualmente parte dos Emirados rabes Unidos).Em 1971,sob presso de

    lbios e argelinos so admitidos Sria e Iraque. O ingresso deste ltimo levaria a

    definitiva politizao do petrleo rabe. Mas o estopim para a crise foi a aprovao,

    pelo congresso norte-americano do envio de US$2,2 bilhes de dlares em ajuda

    financeira Israel na guerra do Yom Kippur, em 1973.Para os rabes,

    especialmente os sauditas, que sempre se esforaram para ter as melhores relaes

    possveis com os Estados Unidos, o ato foi um ultraje.

    52 MARINHO, p.4753 MARINHO, p.152

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    O desgaste entre rabes e norte-americanos j vinha desde

    1971,quando o presidente Nixon suspendeu a conversibilidade do dlar em ouro,

    desvalorizando a moeda, o que prejudicaria de sobremaneira os pases membros da

    OPEP, cujos preos eram cotados em dlar. Uma ajuda militar de tal monta ao maior

    inimigo dos rabes, que ainda no haviam digerido a derrota em 1967 foi a gota

    dgua.

    A 17 de outubro de 1973 era declarado embargo contra os pases

    que apoiassem Israel na ocupao de territrios palestinos. Os produtores

    comprometeram-se a reduzir sua produo em um milho de barris por dia todos os

    meses, at que o exrcito israelense se retirasse da Cisjordnia e da Faixa de Gaza.

    O embargo era atenuado ou agravado de acordo com sua posio poltica: o pasconsumidor poderia ser considerado amigo, neutro ou inimigo.

    Na ocasio, houve uma massiva campanha anti-rabe na mdia

    norte-americana para mostrar os rabes como milionrios chantagistas que sequer

    sabiam o que fazer com tanto dinheiro e, gananciosos, queriam ainda mais, gerando

    aumento nos preos que prejudicava o trabalhador mdio norte-americano54.Dcadas de explorao do mundo rabe, lucros estratosfricos das companhias

    s custas da mo de obra local que trabalhava em regime de semi-escravido foramsolenemente omitidos, assim como os lucros das companhias norte-americanas com

    o aumento dos preos.

    As companhias petrolferas no demonstraram muita resistncia ao

    embargo, repassando os aumentos (que chegaram a 70%) ao consumidor final,

    obtendo assim lucros exorbitantes55.Em novembro, 25% da produo havia sido

    cortada, levando o Japo e grande parte da Europa a um acelerado processo

    recessivo. Segundo Marinho, o sistema de iseno dos paises amigos,foimanipulado pelas companhias petrolferas,que garantiam o suprimento com a

    condio que estes reajustassem os preos a nveis estratosfricos.Tal dado

    demonstra, claramente,que os cortes no estavam surtindo o efeito poltico

    esperado56.Diante destes efeitos no desejados, a OPEP, por recomendao

    saudita, decidiu no realizar o corte de 5% para europeus e japoneses que estava

    54 MARINHO, p.5255 Ibidem, p.15456 MARINHO, p.155

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    programado para o ms de dezembro. No final daquele ms, a OPEP decidiu, num

    gesto simptico, incluir Japo e Blgica na lista dos pases amigos.

    Entretanto, o uso do petrleo como arma poltica foi perdendo a

    fora com o cessar fogo entre egpcios e israelenses mediado pelo Secretrio de

    Estado norte-americano Henry Kissinger. Contudo, se o embargo no atingiu seu

    objetivo principal, que era a retirada das tropas israelenses dos territrios palestinos,

    ao menos teve o inegvel mrito de chamar a ateno da opinio pblica mundial

    para a questo palestina e as condies em que estes vivem sob ocupao

    israelense.

    Numa breve concluso, pode-se afirmar que crise de 1973

    dificilmente teria ocorrido sem a existncia de alguns fatores: o fervor nacionalista deIraque, Arglia e Lbia, encabeados por Kadafi, a decidida liderana da Arbia

    Saudita, maior produtora mundial de petrleo em colocar o embargo em prtica e

    obviamente, a extraordinria capacidade da OPEP de abarcar dentro de sua

    organizao as mais dspares tendncias ideolgicas sem perder, contudo a

    uniformidade em suas decises. Estes elementos fizeram daquele ano um marco na

    relao entre pases produtores e companhias petrolferas, sepultando

    definitivamente a relao servil em que os pases rabes eram colocados frente spotncias ocidentais numa espcie de resqucio do colonialismo. Isto evidenciou o

    surgimento de um novo e importante ator no cenrio das relaes internacionais, a

    OPEP, que, em plena guerra fria conseguiu com que reivindicaes de um grupo de

    pases do chamado terceiro mundo fossem atendidas.

    1.3 BLOCOS ECONMICOS RABES

    No atual estgio da globalizao, muitos pases em desenvolvimento formaram

    blocos regionais com o intuito de, unidos, fortalecerem-se nas negociaes, e com

    os pases rabes no foi diferente. A Liga dos Estados rabes composta de 22

    pases, entre eles a Palestina, que considerada pas independente pelos demais

    integrantes da entidade. Os pases da Liga, somados possuem cerca de 270

    milhes de habitantes e uma renda per capita mdia de US$2.182 dlares.

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    Apesar de compartilharem a mesma cultura, idioma, e muitas vezes,

    religio, h uma disparidade econmica muito grande entre os pases de idioma

    rabe, cuja renda per capita pode variar de US$ 260 (Sudo), a US$17.400

    (Emirados rabes, a nona maior renda per capita do mundo). H pases com mais

    de 60 milhes de habitantes (Egito), e outros com menos de um milho (Catar). A

    associao foi criada em 1945, para estreitar os vnculos existentes entre seus

    membros e coordenar polticas e atividades, o que fazem atravs de agncias

    especializadas como a de defesa e cooperao econmica, cincia e tecnologia,

    desenvolvimento agrcola, etc. Conta com escritrios de representao em pases

    europeus, China e Estados Unidos.

    O PIB dos 22 pases, em 2000, de acordo com a publicao Worldin Figures 2003 somava US$ 655 bilhes57. Suas exportaes, em 2003, foram

    estimadas em US$ 235 bilhes, das quais US$ 2,36 bilhes absorvidas pelo Brasil.

    Nesse mesmo ano, as importaes de US$ 173 bilhes, contaram com US$ 2,75

    bilhes de origem brasileira. Em termos de Brasil, o comrcio com os 22

    correspondeu a 3,76 % do total que exportou, e a 5,60 % do que importou. Do ponto

    de vista dos 22 mercados, o Brasil constitui, quer como comprador, quer como

    vendedor, um cliente que atua na periferia das transaes, sendo que, na qualidadedo primeiro, as operaes no foram alm de 1,15 % do que exportaram para o

    mundo. Na qualidade do segundo, suprimos no mais do que 1,59 % do que

    adquiriram. A balana comercial com tais parceiros gerou em 2003 um saldo de

    US$ 45 milhes a favor do Brasil. No ano anterior, havia sido US$ 240 milhes 58 .

    Segundo classificao do Frum de Pesquisa Econmica para os

    Pases rabes e norte da frica, os pases destas regies podem ser divididos em

    quatro categorias: Produtores de Petrleo Misto; Conselho de Cooperao do Golfo(CCG); Economias Diversas (ED), e Produtores Primrios (PP). Um exemplo da

    diversidade econmica da regio que, enquanto os produtores primrios da regio

    respondem por 12% da populao e 2% do PIB, o Conselho de Cooperao do

    Golfo responde por 7% da populao e 29% do PIB; as Economias Diversificadas,

    por 48% da populao e 28% do PIB; e os Produtores de Petrleo Misto por 21% da

    populao e 24% do PIB. J h algum tempo, os pases rabes vem tentando

    unirem-se em blocos para se fortalecerem no mercado internacional.

    57 Cf. FERREIRA-LOPES, p.2258 Ibidem, p.23

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    A primeira tentativa nesse sentido foi a assinatura do Tratado para

    Defesa e Cooperao Econmica Conjunta, em 1950, por Egito, Jordnia, Lbano,

    Sria, Arbia Saudita e Imen. Seus principais objetivos eram liberar o mercado (por

    meio da reduo tarifria), o capital e a mo de obra entre os pases participantes.

    Em 1964, houve uma segunda tentativa de integrao regional, com a criao do

    Mercado Comum rabe, composto por Egito, Jordnia, Marrocos, Sria e Kuwait. Os

    principais objetivos deste acordo eram abolir as restries tarifrias e no-tarifrias

    por um perodo de dez anos, estabelece uma tarifa interna comum e unificar as

    polticas e a legislao econmica. Em 1981 foi estabelecido o j citado Conselho de

    Cooperao do Golfo (CCG), formado por Arbia Saudita, Catar, Kuwait, Bahrein,

    Om e Emirados rabes Unidos, com o objetivo de unificar as foras polticas,econmicas e militares da regio.

    Este bloco surgiu de uma necessidade real: a auto-proteo, j que

    estes pases possuem, em conjunto, a maior parte das reservas petrolferas

    mundiais, mas so militarmente muito fracos. Outras organizaes como a UMA

    (Unio do Maghreb rabe), formada pelos pases islmicos do norte da frica e a

    CCA (Conselho de Cooperao rabe), formado por Egito, Jordnia, Iraque e

    Imen, resultaram em redundantes fracassos, alis, como todas as organizaescitadas com exceo do CCG 59. Constituem mercados de tima liquidez, sendo

    amplas as possibilidades de negcios que oferecem no setor de compras e no de

    servios, como construo civil. Exportaram US$ 163 bilhes, em 2002, e

    importaram US$ 89 bilhes. Apesar de o Brasil, a exemplo do que se verifica na

    Liga rabe, ser superavitrio nas transaes com o grupo: US$ 1,44 bilho de

    exportaes, em 2003, e US$ 988 milhes de importaes, saldo, portanto, de US$

    456 milhes, ainda marginal a posio brasileira, no intercmbio. Em relao scorrentes brasileiras de comrcio, com efeito, as vendas correspondem a algo em

    torno de 2 % do que o Brasil exporta para todo o mundo e a menos do que isso do

    que dele importa.

    Vrios fatores so considerados essenciais para o xito da

    associao que se formou entre os seis. So pases de lngua comum, o rabe,

    uma religio,o islamismo, protagonizam as mesmas condies histricas e

    geogrficas que lhes deram origem, possuem um bem comum, o petrleo, a fonte de

    59 Cf. FERREIRA-LOPES (indito), p.26

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    energia por excelncia do mundo, sobretudo a partir da Segunda Guerra,

    estruturam-se, na poltica, como governos unitrios fortes, com o propsito de

    reduzirem o nvel de dependncia do petrleo e, na economia, aplicando um sistema

    baseado na liberdade de ao da empresa privada, sem mecanismos restritivos

    concorrncia, ao investimento, ao comrcio e ao consumo. Tem, por outro lado, a

    conscincia de que o petrleo s se torna riqueza a partir do momento em que

    extrado das entranhas da terra e, portanto precisam da ajuda externa para a

    prospeo do produto.

    Na dcada de 1990, foi celebrado um acordo entre pases europeus

    e rabes, e depois entre os prprios rabes. O primeiro tipo conhecido como

    Aaems (Acordo de Associao Euro-Mediterrnea). So acordos recprocos decriao de Zonas de Livre Comrcio entre europeus e rabes de forma individual.

    At 2001, Arglia, Tunsia, Egito, Marrocos e Jordnia e Autoridade Palestina j

    haviam concludo tais acordos. Lbano e Sria esto em processo adiantado para o

    estabelecimento de acordos similares60.Estes acordos, porm, cobrem apenas

    produtos industriais. Os instrumentos de liberalizao incluem a reduo geral de

    tarifas e a adoo de regras bsicas de competio da UE. Os pases rabes

    fizeram estes acordos por temerem a excluso da parceria com a Unio Europiaque vem se aproximando dos pases que faziam parte do bloco comunista. Como

    fatores positivos aos pases rabes podemos citar a transferncia de tecnologia,

    know-how, alianas comerciais e investimentos estrangeiros diretos. Como

    negativos, a desigualdade entre os mercados, j que as empresas europias de

    exportao podem facilmente assumir o comando de suas similares nos pases

    rabes. O segundo tipo o GAFTA (Zona rabe Ampliada de Livre Comrcio),

    criado por iniciativa da Liga rabe, tem por objetivo criar uma ZLC (Zona de LivreComrcio) at 2007.

    Nesse estgio de integrao regional, os pases-membros

    concordariam em remover todas as barreiras tarifrias e no-tarifrias no mercado

    mtuo, mas cada pas livre para manter suas tarifas externas para outros pases.

    Estabelecido em 1998, o GAFTA menos ambicioso e mais prtico que seus

    predecessores, por incorporar compromissos especficos, e um calendrio para uma

    60 OMAR, 2001, p.128

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    reduo da tarifa linear progressiva e automtica no prazo de dez anos, a 10% ao

    ano.

    Alm disso, os pases-membros puderam retirar alguns produtos da

    reduo tarifria pelo prazo de trs anos. O estabelecimento de relaes bilaterais e

    a formao de grupos econmicos rabes, visa fortalec-los, possibilitando maior

    poder de negociao no mercado, ainda mais levando-se em considerao que

    estes so os principais produtores da mais valiosa commoditydo mundo, ou seja, o

    petrleo. Os rabes possuem as maiores reservas de petrleo e ocupam uma das

    reas mais estratgicas do mundo no que diz respeito a riquezas naturais, e, por

    isso, foram por diversas vezes alvo de potncias hegemnicas.

    Segundo Jeffery Schott, em seu artigo Blocos Comerciais e oSistema de Mercado Mundial, publicado em The World Economy, em 1991, h seis

    condies bsicas para a sobrevivncia de qualquer bloco comercial. 61

    a) Os Estados-Membros devem ter nveis quase equivalentes de

    PIB per capita, e as normas de consumo devem ser da mesma ordem. Se assim no

    ocorrer, os vendedores de mercadorias baratas podem prejudicar os mercados

    locais de pases com melhor poder aquisitivo.

    b) Devem compartilhar uma situao geogrfica comum e de umainterligao entre as redes de transporte e comunicao.

    c) Deve haver o compromisso mtuo de supresso de barreiras

    no-tarifrias e outras polticas estatais.

    d) Os pases-membros devem possuir indstrias capazes de

    participar ativamente do mercado interno do parceiro, e deve levar benefcios a

    todas as partes envolvidas.

    e) preciso haver um compromisso poltico com a organizaoregional do mercado, ou seja, acordos peculiares ao grupo para que este realmente

    funcione.

    f) Deve haver um Estado dirigente do bloco que, com o poder de

    suas instituies financeiras, controle suas polticas fiscais e monetrias.

    Para que estas condies se apliquem ao mundo rabe, no entanto,

    seria necessrio que os vinte e um pases, to heterogneos poltica e

    economicamente, se subdividissem em pequenos blocos mais semelhantes entre si.

    61 Apud OMAR, 2001, p.130

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    Segundo o embaixador Jos Ferreira-Lopes, um caminho seria a criao de um

    bloco com pases do Golfo (como j existe), um com o Maghrebmenos Egito, um

    com o Cham(Sria, Lbano, Palestina, Iraque e Jordnia), e um com Egito, Sudo e

    Somlia. Grupos assim atenderiam a todas as condies colocadas e teriam

    melhores chances de serem bem-sucedidos.

    Na situao atual da GAFTA, a moeda de cada um dos pases

    membros foi vinculada ao dlar norte-americano, cuja desvalorizao era

    desconhecida, o que, em princpio, fortalecendo a moeda local, desencorajava o

    surgimento de outros produtos nacionais na pauta de exportao. O problema foi

    solucionado com a concesso de subsdios que eram alimentados pelos saldos dos

    respectivos balanos de pagamentos e no por meios inflacionrios. Essa polticapermitia a concorrncia com produtos estrangeiros em outros mercados e no prprio

    pas, que no desejava criar barreiras alfandegrias, para no s evitar a inflao via

    importao, como possibilitar reexportaes para outros mercados da rea. As

    guerras Ir-Iraque, a primeira do Golfo e a iniciada em 2003, no tm impedido que

    sejam alcanados os objetivos de integrao embutidos no GCC, como idealizados

    em 1981.

    No perodo ureo da cotao do petrleo, os seis constituramfundos de investimentos, para o aproveitamento de oportunidades de lucros no

    exterior. Esses fundos so administrados, via de regra, por ex-operadores de

    grandes bancos europeus, sobretudo britnicos, normalmente aposentados, que, em

    troca de remunerao vantajosa e de um sem nmero de fringe benefits, aceitam a

    tarefa de criar fontes de recursos independentes da renda gerada no segmento

    petrolfero.

    O Kuwait, antes de sofrer a invaso iraquiana, contava com umfundo de US$ 100 bilhes para aplicao externa, que lhe rendia algo em torno de

    US$ 10 bilhes, anualmente. O mesmo se verifica com o fundo dos Emirados, de

    US$ 150 bilhes, relevante fonte de recursos, paralela das vendas de seu principal

    produto de exportao. Estimam-se em US$ 300 bilhes o criado pela Arbia

    Saudita. Esses trs fundos podem explicar os ndices relativamente baixos de

    expanso, registrados pelos trs pases, respectivamente, 2,5 %, 2,0 % e 2,0%, no

    perodo 1980-2001, que se fez antes referncia. A exemplo do que ocorreria com

    pases latino-americanos, depara-se com uma portentosa massa de recursos

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    nacionais, cuja aplicao tem destino extra fronteira e no nas prprias economias

    que os geraram. 62

    No caso rabe, os referidos fundos so muito bem administrados,

    com princpios rgidos de gerenciamento, que impedem, por exemplo, inverses,

    numa empresa estrangeira, superiores a 5% de seu capital registrado, por melhor

    que seja o ndice de lucratividade que oferea.

    Como os preos do petrleo no ofereciam perspectivas favorveis

    a seus produtores, verificou-se uma mudana de diretrizes, no que tange poltica

    destinada a diversificar a economia do grupo. O emprego de tarifas, no s como

    barreira protetora, mas tambm como fonte geradora de recursos, passou a ser

    considerado o elemento preferencial para a expanso domstica do GCC, deproteo a suas indstrias nascentes.

    Todos os seis membros so muito bem dotados de sistemas de

    comunicaes e rodovirios modernos. As estradas contam com pista dupla entre

    as principais cidades, que so bem traadas, seguindo normas urbanistas

    prevalecentes nos pases do primeiro mundo.

    Os planos relacionados com a criao de uma indstria blica

    regional no estabelecem a adoo de equipamentos padronizados. Cada paspode adquirir ou fabricar aquilo que considere mais adequado defesa de seu

    prprio territrio.

    Outra instituio importante a Organizao dos Pases rabes

    Expor