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    Traduo & ComunicaoRevista Brasileira de Tradutores

    N. 19, Ano 2009

    Silvana Polchlopek

    Universidade Federal de Santa Catarina

    UFSC/PGET

    [email protected]

    Michelle de Abreu Aio

    Universidade Federal de Santa Catarina

    UFSC/PGET

    [email protected]

    TRADUO TCNICA: ARMADILHAS E DESAFIOS

    Technical translation: snares and challenges

    RESUMO

    A traduo da modalidade de textos considerados tcnicos representa um dosmaiores segmentos dentro do mercado de traduo, gerando, portanto, discusses noque se refere conceituao dessa modalidade textual. A tendncia atual, no entanto, considerar tcnicos no s manuais de instruo, artigos cientficos e bulas deremdio, por exemplo, como tambm textos literrios, jornalsticos e at mesmo umacarta de amor. Com isso, perde-se a dicotomia existente entre textos literrios etcnicos, e, por conseguinte, as classificaes atribudas aos tradutores desses textos.Nesse sentido, propomos discutir a traduo chamada de tcnica atravs do papeldo tradutor; da terminologia (AUBERT, 2001); e dos marcadores culturais (AZENHA,1999), utilizando exemplos reais que representam, muitas vezes, desafios e armadilhas

    para o tradutor, bem como estratgias e caminhos empregados para chegar traduodos termos apresentados. O objetivo abandonar a concepo equivocada de quetextos tcnicos so rpidos e fceis de traduzir visto que necessitam somente doconhecimento bsico da terminologia especfica, exigindo do tradutor apenas odomnio do assunto e a reviso sinttica para torn-lo legvel e com sentido.

    Palavras-Chave: traduo tcnica; tradutor; armadilhas de traduo.

    ABSTRACT

    The translation of texts regarded as technical represents one of the largest segments

    in the translation market, generating, therefore, discussions concerning theconceptualization of this text modality. The current tendency is, though, to consider astechnical not only instructions manuals, scientific papers and medicine directions, butalso literary, journalistic texts and even love letters. Thus, the dichotomy existingbetween literary and technical texts is lost, as well as the classifications attributed tothe translators of those texts. In this sense, we aim to discuss the translation named astechnical through the translator role; terminology (AUBERT, 2001); cultural markers(AZENHA, 1999), using real examples that many times represent challenges and trapsto the translator, as well as strategies and paths taken to get to the translation of thepresented terms. The focus is to abandon the mistaken concept that technical texts asquick and easy to be translated, for to translate them it is necessary to have only thebasic knowledge of the specific terminology, requiring from the translator just thedomain of the issue and the syntactic review in order to make it readable and

    meaningful.Keywords: technical translation; translator; translation tricks.

    Anhanguera Educacional S.A.

    Correspondncia/ContatoAlameda Maria Tereza, 2000Valinhos, So PauloCEP [email protected]

    Coordenao

    Instituto de Pesquisas Aplicadas eDesenvolvimento Educacional - IPADE

    Artigo OriginalRecebido em: 17/12/2009

    Avaliado em: 28/12/2009

    Publicao: 27 de abril de 2010

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    1. INTRODUO

    Falar sobre os estudos da traduo implica, atualmente, compreend-la como uma

    disciplina autnoma. As reflexes acerca da prxis tradutria no partem mais de campos

    de conhecimento j institucionalizados como os estudos literrios ou lingsticos, razo

    pela qual os estudos da traduo representam hoje, per se, um campo de conhecimento

    extremamente diversificado. Um resultado direto dessas mudanas relaciona-se com as

    prprias modalidades tradutrias, antes aparentemente distintas e que hoje acabam se

    diluindo entre as fronteiras dos gneros textuais. Este o caso do campo da traduo

    chamada tcnica e de suas especificidades.

    Pouco explorada, mesmo na rea acadmica, a traduo tcnica, ao contrrio do

    que comumente se imagina, no um terreno rido, sem vida, no qual suficiente o

    domnio dos idiomas, bem como a terminologia da rea da traduo. Incorrer em tal idia

    um erro crasso e, no entanto, mais comum do que se imagina. Essa modalidade de

    traduo tematiza, igualmente, a questo maior da linguagem, do processo de traduo,

    de nveis de equivalncia textual e do papel dos agentes envolvidos nessa tarefa, no

    sentido de se perceber e construir uma prtica que envolve, tambm, condicionantes

    culturais (AZENHA JR., 1999), ou seja, a necessidade de uma interferncia mais direta por

    parte do tradutor sobre o texto, caso as diferenas culturais entre emissor e receptor sejam

    sensveis. No entanto e, apesar de ser um entroncamento significativo dentro da prpriarea tradutolgica, a prtica da traduo tcnica no tem merecido a importncia devida

    ou recebido muita ateno de pesquisadores da rea.

    Com base nestas consideraes, este artigo pretende discutir os pressupostos que

    envolvem a modalidade da traduo de textos tcnicos, tais como a rigidez terminolgica

    e sinttica, ressaltando que mesmo sendo tcnicos os textos exigem sensibilidade e

    criatividade por parte do tradutor, o que demanda uma reavaliao imediata tanto do

    conceito do termo tcnico, como tambm da valorizao do tradutor que se especializanessa modalidade. Essas reflexes so ainda pautadas pela anlise de exemplos aleatrios

    de textos tcnicos representativos da realidade profissional das autoras, selecionados

    devido ao grau de especificidade de anlise e funcionalidade exigidas durante o processo

    tradutrio, para alm do simples domnio dos idiomas envolvidos. Tais reflexes so

    articuladas a partir de tericos como Nord (1991); Azenha Jr. (1999); Barbosa (2005);

    Aubert (2001); Cabr, (1999) e Emmel (1998).

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    2. O QUE A TRADUO CHAMADA TCNICA?

    Uma pesquisa, ainda de carter informal, para coleta de dados de cunho acadmico

    realizada pelas autoras entrevistou 71 pessoas de um grupo denominado pblico-leitor.

    A contagem preliminar das respostas revelou que o material mais requisitado para

    tradues so os textos tcnicos, caracterizados como artigos cientficos, manuais, abstractscitados por 49,2% dos respondentes. Dos 71 entrevistados, 53,5% traduziram o texto por

    conta prpria, enquanto apenas 32,3% recorreram ao tradutor profissional quando os

    textos eram jurdicos e precisava-se de um tradutor juramentado. Questionados sobre os

    critrios de escolha dos profissionais tradutores, independente do tipo de texto para

    traduo, 35,2% consideraram o domnio do idioma e 21,1% a rapidez e a agilidade.

    Outras 31% responderam que traduziram direto porque dominam o idioma e/ou a rea

    da traduo.Para 42,2% traduo basicamente reescrita de um texto em outra lngua,

    permitindo a total compreenso do texto fonte; transcrio de um texto de uma lngua para

    outra e/ou transpor o texto de uma lngua para outra, preservando integralmente o seu sentido

    original. 29,5% no responderam a essa pergunta e os 28% restantes associaram a

    traduo com expresso de idias; interpretao de informaes ou ponte para o entendimento

    entre culturas, afastando-se, ainda que pouco, do rigor do conceito de

    transposio/transcrio lexical e sinttica.

    O que se percebe que, apesar de fundamental para os campos do saber

    tecnolgico, empresarial, cientfico, e, at mesmo, quando nos defrontamos com manuais

    de aparelhos e equipamentos eletro-eletrnicos, a traduo tcnica marginalizada por

    inmeros fatores que se acredita serem inerentes a essa modalidade, a saber:

    i)

    tem menor valor estilstico se comparada traduo literria, por exemplo;

    ii)

    sua aridez no permite a interao de concepes que revolucionamaspectos e pressupostos da rea;

    iii)

    no apresenta variaes lexicais devido especificidade de cunhoterminolgico, ou seja, tendo conhecimento da rea tcnica que se esttraduzindo, o processo tradutrio no v obstculos;

    iv)

    tem como ponto central de discusso a questo da equivalncia textual, nosentido um-pra-um, em relao ao contedo temtico.

    Esses fatores esto em consonncia com o que os entrevistados entendem por

    competncia tradutria. Para 94,3% competncia sinnimo de domnio das lnguas de

    partida e de chegada; 70,4% respeito aos prazos; 63,3% conhecimento do assunto da

    traduo; 60,5% muita leitura e, 56,3% conhecimento de gneros textuais. Ressalta-se que

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    havia mais itens para esta pergunta e que os entrevistados poderiam marcar quantos itens

    quisessem.

    Sabe-se, por outro lado, que os textos tcnicos no permitem muitas variaes

    estilsticas, o que, no entanto, no lhes diminui o valor, visto que atuam diretamente no

    processo de disseminao de dados e experincias tecnolgicas e cientficas. Seu terrenono rido simplesmente por ser tcnico. O que h a reduo da instabilidade ou

    ambigidade pelo uso da terminologia. Se traduzir , parte os termos tericos, transpor

    um texto de uma lngua para outra, no se pode esquecer de que a lngua parte

    integrante da cultura, ou seja, os textos tcnicos tambm esto expostos a variantes

    culturais estilsticas, lexicais, sintticas ou mesmo variantes internas prpria rea tcnica

    em que se est traduzido devido a diferenas no grau de desenvolvimento tecnolgico

    entre uma cultura e outra, por exemplo. Conhecer tais especificidades deve fazer parte do

    processo de traduo tanto quanto o domnio da terminologia em questo, no sentido de

    buscar um texto funcionalmente adequado para o leitor-destinatrio ou grupo.

    No entanto, isso representa trabalho extra para o tradutor, e tempo, conforme os

    dados acima, nem sempre uma variante que o tradutor tem a seu favor. Por outro lado,

    essa atitude de investigao pode resultar em um termo que represente melhor as nuances

    do texto e, conseqentemente, alcance o grau de objetividade necessrio para a traduo.

    Alm disso, existem questes de ordem ideolgica, como sigilos tecnolgicos ou insero

    de produtos no mercado industrial, que podem influenciar escolhas lexicais, estratgias e

    decises do tradutor - no isentando o trabalho, portanto, dos mesmos obstculos

    encontrados em outras modalidades tradutrias.

    3. ALGUMAS CARACTERSTICAS DOS TEXTOS TCNICOS

    O mercado da traduo tcnica no Brasil tem se tornado altamente especializado desde a

    dcada de 90, em funo do prprio cenrio nacional: abertura do MERCOSUL; nmerocrescente de importaes aumentando a demanda da traduo de caractersticas e

    funcionamento dos produtos; privatizaes de empresas; desenvolvimento da

    globalizao e terceirizao de publicaes tcnicas na rea industrial. No entanto, o

    cenrio que poderia ser mais promissor considerando-se negociaes de prazos e

    remunerao adequada, parece no ter se alterado. O que se observa que o servio se

    tornou altamente especializado, rigoroso e, em sua grande maioria, realizado por agncias

    que valorizam mais o great work load capacity do que propriamente a formao mais

    acadmica do tradutor.

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    O termo tcnico polariza, de um lado, os textos chamados literrios ou poticos

    e, de outro, todos aqueles que tenham carter de manual, documento, artigo e que

    empreguem uma terminologia representativa de uma determinada rea de especialidade.

    Essa distino nos leva a compreender, portanto, todo o material passvel de traduo

    como em oposio aos textos literrios que ocupariam um nvel maior na hierarquia de

    material mais valorizado, mesmo com os textos tcnicos ditando uma boa parcela das

    leituras presentes no universo discursivo cotidiano: manuais de eletrnicos, contratos de

    assinatura de servios ou bulas de remdio, manuais de instruo; relatrios; descrio,

    operao e montagem de maquinrios; documentos judiciais, econmicos, mdicos, por

    exemplo. Essa distino, no entanto, conforme apontado por Heloisa Barbosa (2005) no

    mais se sustenta, visto que, por sugesto do SINTRA foi retirado o termo tcnica da

    modalidade antes chamada de traduo tcnica, conhecida agora somente por

    traduo. A autora considera esse um passo adiante para dar condies melhores de lutarpelos seus direitos a uma categoria profissional [tradutores] que mal comeou no Brasil, a tentar

    cobrar, das editoras, os direitos autorais relativos s suas tradues (BARBOSA, 2005, p.10).

    Nesse sentido, a nossa definio de cunho emprico, no-conceitual, voltada s

    caractersticas estilsticas do texto, dentre as quais observam-se o predomnio de: tempo

    presente com a funo de atingir a objetividade, o factual; uso de asseres, frases curtas e

    oraes simples; pretenso a uma ausncia de ambigidade; pouco uso de adjetivao

    valorativa; emprego de voz passiva e auxiliares modais; pargrafos curtos e itemizados;dados estatsticos; nominalizaes (substantivos e adjetivos derivados de verbos);

    concluses parciais para cada item abordado, alm claro, da terminologia tcnica.

    Segundo Azenha (1999, p. 70) essa linguagem tcnica pode e deve ser considerada de um

    ponto de vista lingstico-estrutural e funcional-comunicativo, como base para propor

    diversas possibilidades de investigao e pesquisa. Ainda de acordo com Azenha (op. cit.,

    p. 11), o que talvez constitua um elemento diferencial no caso das tradues tcnicas so as

    condies (no intrnsecas aos textos) em que a comunicao tcnica ocorre. Dessa maneira os

    problemas de traduo decorrentes dessas condies so diferentes apenas em graue no

    em essncia. Ao considerar o texto tcnico como um texto hbrido e exposto a variaes

    culturais, a exemplo de outras modalidades tradutrias, Azenha abre caminho para uma

    mudana de paradigma em relao s pesquisas sobre traduo tcnica. Isso significa

    compreender um texto tcnico como uma estrutura multidimensional capaz de introduzir

    novos elementos de anlise para dentro do texto, como questes de ordem ideolgica,

    defesa de interesses, estratgias de persuaso para o consumidor ou, ainda, a questo de

    reserva de direitos tecnolgicos.

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    4. TERMO E TERMINOLOGIA CONCEITOS E CARACTERSTICAS

    Segundo Azenha (1999, p.10) costuma-se admitir para a traduo tcnica uma

    caracterstica veemente condenada para a traduo como um todo: a noo de sentidos

    estveis [...] uma operao de transcodificao [...] margem de um enquadramento

    cultural. No entanto, como o prprio autor discute em seguida, a terminologia dinmica e admite uma margem de subjetividade no tratamento de seu objeto (idem).

    Porm, e independente desse fato, a consulta a bancos terminolgicos deve ser uma

    atividade paralela quela da tarefa de traduo, seja o tradutor especialista ou no numa

    determinada rea. Pode-se comparar tal consulta procura de quaisquer termos em

    dicionrios durante atividades tradutrias formalmente classificadas como no-tcnicas.

    Poucas so as pesquisas sobre terminologia na rea dos estudos da traduo,

    sendo a maioria delas mais vinculadas lexicografia. Defini-la, portanto, implica algumasconsideraes de ordem metalingstica como a prpria compreenso acerca de

    conceitos e definies. Emmel (1998, p.49) menciona o fato de a idia de conceito ser

    pertinente a um sistema que extrapola a dimenso lingstica da palavra, nesse caso, o

    termo tcnico. Isso significa dizer que o conceito de um termo engloba o seu contedo, e

    essa matria que lhe confere significado dentro da sua rea de aplicao (Laurn e Picht

    apud EMMEL, 1998, p.4). Dessa maneira a definio de um termo motiva a sua incluso

    em um determinado sistema de estudo, ou seja, fora desse sistema o termo pouco ou nada

    significa. Algumas das caractersticas atribudas ao termo, como forma de defini-lo, so

    listadas por Fluck; Filipec; Arntz e Hoffmann (apudEMMEL, 1998, p. 13-5):

    componente da linguagemetiqueta para uma determinada rea;

    unidade verbal especifica que designa um conceito j definido no sistemada rea tcnica;

    no esttico e nem isolado; significado conceitual dominante;

    de carter relacional, operacionalpermite entendimento geral do fato;

    tem funo textual e lxica bem abrangentes;

    unidade lexical definida na rea de especialidade;

    qualidade que a palavra tcnica adquire no mbito terico no qual definida e institucionalizada.

    Parece-nos que a idia central dos autores o fato de o termo tcnico ser,

    necessariamente, conciso, exato, abranger e ao mesmo tempo delimitar o contedo

    descrito conceitualmente, estabelecendo uma relao: conceito signo lingstico

    (AUBERT, 2001; HOFFMANN, apudEMMEL, 1998). Podemos dizer, ento, que o termo

    tcnico formado por dois constituintes: a noo de conceito, como um contedo

    independente da lngua utilizado em acepes tcnico-cientficas, somada de

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    designao, como uma espcie de etiqueta para o objeto que designa, conforme Fluck

    (apudEMMEL, 1998, p.13).

    Tal considerao vincula, entretanto, a materialidade do termo a um outro

    matiz relevante para a traduo tcnica: a linguagem de especialidade, isto , o discurso

    tcnico-cientfico. Esta pode ser compreendida como um conjunto de marcas sintticas,lexicais, estilsticas e discursivas que tipificam o cdigo lingstico dentro de um ambiente

    de interao social especifico (AUBERT, 2001, p. 24-5). Isso significa que a situao

    extralingstica, isto , as condies de produo do texto, fator dominante no sentido

    de identificar o contedo nocional e conceitual do emprego de um determinado termo,

    bem como o seu grau de preciso semntica, de forma distinta de outros itens lexicais.

    Dessa maneira e, segundo Wster (apud EMMEL, 1998), fundador da terminologia

    moderna, o termo no tem nenhuma existncia fora do seu sistema terminolgico, visto

    que resulta de um sistema de denominao fundamentado num sistema conceitual

    especfico. Nesse sentido, a linguagem de especialidade mdica ou da engenharia

    qumica, por exemplo, torna-se compreensvel e ideal dentro do meio social que a

    constitui, podendo ou no ser absorvida pela linguagem comum caso o termo se

    institucionalize como significante. Como conseqncia, o termo pode, inclusive, ser

    atualizado conforme as evolues tecnolgicas da rea que o caracteriza. Vejamos alguns

    exemplos pertencentes a rea das engenharias1:

    Disconnectorsecionadora (rea eltrica). A mudana, neste caso, se dao nvel morfolgico, visto que o termo costumava ser escrito com um ca mais;

    O-ring sealings selamento O-ring ou selo tipo anel (rea mecnica).Artigos recentes da rea utilizam somente a segunda opo;

    Recycabilityreciclabilidade (rea ambiental). O crescimento de ONGsrelacionadas a questes ambientais e a prpria conscincia da populaoem geral sobre noes de reciclagem, favorecem a produtividade dotermo;

    Gas Insulated Switchgear (GIS)

    subestao blindada isolada a gs(rea eltrica). Artigos recentes utilizam a sigla correspondente emportugus SIG.

    dentro dessa linguagem de especialidade que a terminologia, segundo Aubert

    (2001, p. 24-5), se constitui de duas maneiras distintas:

    i) como um conjunto de termos caractersticos de uma rea especfica;ii) como o estudo desses termos, um conjunto de pressupostos, mtodos e

    representaes que descrevem uma linguagem de especialidade ( language for specialpurposes).

    1Estes exemplos foram retirados do Guia de Reciclagem do SF6, documento normativo que visa normalizar o manuseiocorreto do gs SF6 (agente causador do efeito estufa) em projetos de equipamentos eltricos, facilitando sua reciclagem etransporte. Ver referncias bibliogrficas.

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    Por extenso ao termo tcnico, a terminologia no apresenta ambigidade,

    estilisticamente objetiva e tambm auto-explicativa, embora no-autnoma, visto que se

    desenvolve a partir da linguagem comum das prticas de comunicao dirias. Segundo o

    autor, a situao extralingstica, isto , as condies de produo do texto, representam

    um fator dominante no sentido de identificar os contedos - nocional e conceitual -

    referentes escolha de um determinado termo.

    Ronai (apud OTTONI, 2005, p.119) mostra alguns exemplos da polissemia

    terminolgica presente em textos literrios como Harry Potter2: o emprego do termo raio

    distinto nas reas da geometria, tica, zoologia, fsica, meteorologia, j o termo raiz

    pode ser utilizado: lingstica, esttica, botnica, anatomia, matemtica e medicina. Nesse

    sentido, nos permitimos discordar do autor (ibid) quando afirma ser a fidelidade o grau

    artstico mais elevado da traduo tcnica pelo fato de o autor desconsiderar o texto

    como realidade maior em que os termos esto inseridos. Ronai, no entanto, aponta o

    conhecimento lingstico associado ao conhecimento especfico tanto emprico (no

    necessariamente tcnico) quanto terico para a formao do tradutor. Este seria um

    caminho para solucionar o que Maillot indicou como um problema da traduo tcnica, a

    exemplo da literria: a questo do estilo, maneira de exprimir o pensamento por meio

    dos [com o auxilio dos] recursos da lngua (apudOTTONI, 2005, p.122).

    5. O PAPEL DO TRADUTOR DE TEXTOS TCNICOS

    O papel do tradutor em qualquer modalidade de textos uma questo que suscita

    inmeros debates, visto que envolve no somente a figura do profissional quanto

    competncia e habilidades tradutrias (ou terminolgicas e gramaticais), mas tambm

    outros elementos vinculados ao processo: questes de equivalncia textual, fidelidade,

    funcionalidade do texto e, at mesmo, o prprio conceito de traduo. Na teoria

    funcionalista (NORD, 1991), o tradutor ocupa lugar central e sua leitura obedece a

    condies peculiares, sendo determinadas pelas necessidades comunicativas de um

    Iniciador (quem solicita o servio) ou do receptor e voltada s intenes e funes do

    autor referentes ao contexto de produo do TF e aquelas a serem alcanadas no contexto

    de recepo. Para 18 pessoas do pblico-leitor entrevistado, o tradutor a pessoa capaz

    de redigir numa lngua o que entende em outra, com coeso e sentido, sem alterar o

    original, enquanto que outras 12 dizem que o profissional habilitado a traduzir. Para

    Azenha (1999, p.12), o tradutor quem define,

    2Autora: J.K.Rowling. Traduo para o portugus: Lya Wiler, Editora: Rocco

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    a partir das caractersticas especficas das culturas envolvidas e das instrues da tarefade traduo, uma estratgia de trabalho que, ao mesmo tempo, (1) preserve a referncia instncia que transfere o saber especifico (...) e (2) possa ser eficaz na cultura para aqual o texto transportado.

    Apesar da sua importncia, especialmente no que diz respeito aos textos tcnicos,

    como o caso do corpusdeste artigo, a responsabilidade maior do tradutor vincula-se

    definio de estratgias, escolhas e gerenciamento variveis que vo desde a suacompetncia lingstica e cultural at a avaliao da funo (skopos3) que ao TT pretende

    alcanar na cultura alvo. Tais consideraes, segundo Azenha (1999, p.13) nos convidam a

    redefinir o papel e a tarefa do tradutor tcnico cujas habilidades, alm, do mero domnio

    de cdigos e contextos de produo e recepo, tem a ver tambm com percepo

    aguada, criatividade, sensibilidade e experincia de traduo, alm de, eventualmente,

    do assunto que traduz. Nesse sentido, defende-se a idia de que a traduo seja feita por

    profissionais tradutores, ainda que no especialistas nas suas reas de trabalho, em razodessa maior capacidade de leitura apurada. Caberia, ento, ao tcnico (engenheiro,

    mdico, economista) a tarefa de reviso terminolgica e questes de ordem estilstico-

    discursivas. Mesmo que esta seja uma viso idealista e time consuming quando se trata

    do trabalho costumeiro via agncias, esta deveria ser uma prtica real que poderia, quem

    sabe, contribuir para a maior valorizao do tradutor no mercado de trabalho, visto que

    para o tradutor profissional ingressar na traduo tcnica no sendo tcnico-especialista

    os desafios so muitos e as armadilhas tambm.

    6. O TRADUTOR NA PRTICA

    Muito se engana quem assume a tarefa de traduzir um texto tcnico com a crena de que

    apenas o conhecimento da terminologia e da lngua estrangeira sero ferramentas

    suficientes para que se tenha um bom texto final. Se um trabalho de traduo assim

    assumido, ser o revisor, tambm inserido dentro da cadeia do processo tradutrio, quem

    geralmente se debruar em tal texto com a tarefa de dar sentido ao texto traduzido.Revisor este muitas vezes designado de acordo com seu grau de conhecimento na rea

    especfica da traduo em questo. O prprio Azenha (1996), em trabalho realizado para

    editoras, afirma ter sido incumbido da tarefa de apenas rever a sintaxe visto que a

    terminologia estava 100% correta. por isso que, em algumas reas, mesmo os termos

    denominados tcnicos, quando no reestruturados de forma adequada na lngua alvo,

    chegam a se tornar verdadeiros enigmas para o leitor.

    3skopos propsito (NORD3, 1991, p.1)

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    Traduo & Comunicao - Revista Brasileira de TradutoresN. 19, Ano 2009 p. 101-113

    Em tradues da rea mdica, por exemplo, os deslizes podem ser confusos e,

    muitas vezes, desastrosos. Como citado por Azenha (1996, p.137), Em se tratando de

    tradues tcnicas, no pequeno o anedotrio sobre os desastres provocados por erros. Quando

    perguntado a um grupo de tradutores profissionais como traduziriam a expresso

    presente em um artigo tcnico de medicina: agressive pulmonary toilet, referente ao

    tipo de limpeza pulmonar, conseguimos as seguintes opes:

    tratamento agressivo de congestionamento dos pulmes;

    limpeza pulmonar agressiva;

    toalete pulmonar agressivo;

    ambiente agressivo aos pulmes.

    Como constatado na ltima sugesto dada por um tradutor, o erro de

    interpretao pode conduzir o leitor a caminhos muitas vezes bastante diversos daqueles

    pretendidos pelo artigo original. Muitas vezes, o termo a ser traduzido possui, se no

    traduo cristalizada, caractersticas que determinaro a escolha do termo alvo. Ao

    traduzirmos para grandes instituies internacionais, como a OTAN, por exemplo,

    devemos estar atentos para o fato de que a instituio j possui algumas publicaes em

    portugus de Portugal. Por isso, ao depararmo-nos com a palavra summit, to

    corriqueira nos textos da OTAN, precisamos ter em mente qual ser o pblico alvo deste

    texto que determinar se a traduo ser cpula ou cimeira, esta ltima mais

    comum em Portugal.

    Nas tradues da rea do turismo, permanece o problema da construo frasal de

    acordo com a interpretao do texto de partida. Em um folheto destinado aos turistas em

    Santa Catarina, deparamos com a expresso prazeres da mesa, referente s iguarias

    encontradas no estado. Quando novamente perguntado a um grupo de tradutores

    profissionais qual seria a melhor traduo em ingls para a expresso, obtivemos as

    seguintes opes:

    pleasures of the table; the pleasure of food;

    table pleasures;

    food pleasure;

    gastronomic delights.

    Mais uma vez vemos que a construo do termo alvo crucial para evitar que o

    texto se torne empobrecido, ou mesmo hilrio, se pensarmos no desvio de interpretao

    que algumas sugestes acima poderiam causar.

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    Como vimos, a interpretao do texto de partida igualmente importante tanto

    na traduo literria quanto na tcnica. Em termos de construo frasal, a traduo tcnica

    em nada perde para a literria. Afinal, para uma boa traduo seja ela de que tipo for

    ainda de suma importncia que o tradutor seja um exmio leitor, tanto de literatura

    quanto de rtulos de embalagens.

    A escolha de palavras, longe de ser determinada de modo aleatrio, torna-se

    essencial quando o texto original fornece apenas um termo ao qual podemos atribuir

    diversos significantes na lngua-alvo. Na traduo, essa escolha fundamental para que o

    leitor compreenda o texto da maneira mais prxima possvel da (questionvel) inteno

    do autor. Em uma traduo da rea de engenharia, por exemplo, a frase original

    stabilizzatori retrattili idraulici foi vertida como estabilizadores telescpicos hidrulicos.

    Havendo, em lngua portuguesa, j dicionarizada, a palavra retrtil, curioso

    pensarmos nos longnquos caminhos tomados por esse tradutor at chegar a

    telescpico, embora ambos adjetivos remontem a movimentos semelhantes.

    por esses e outros deslizes que atribumos importncia equivalente para

    tradues literrias e tcnicas. Talvez o descaso com o qual a traduo tcnica tratada

    em livros de teoria da traduo seja pressuposto para que classifiquemos esta atividade

    como secundria diante do glamouratribudo s tradues literrias. Embora o mercado

    favorea economicamente as tradues tcnicas, estas permanecem quase sempre em

    segundo plano nos debates sobre a atividade tradutria.

    Contudo, em termos de construo textual, tanto o texto tcnico quanto o literrio

    so objetos desta ourivesaria que a escrita de textos. S quem j traduziu textos tcnicos

    sabe o desafio que se encara ao tentar fazer com que a traduo parea to natural e to

    tcnica quanto o texto de partida. preciso diminuir as distncias, amenizar as

    categorizaes. Em um mundo onde tudo se reinventa dentro de outros moldes, no

    difcil encontrarmos literatura escrita em caixas de fsforo.

    7. CONSIDERAES FINAIS

    Para concluir as reflexes desenvolvidas neste artigo, acreditamos ser necessrio mudar a

    dimenso da traduo de textos considerados tcnicos, do papel do tradutor e das

    condies em que o trabalho realizado. Conforme os dados da pesquisa com o pblico

    leitor, traduzir textos tcnicos , alm de uma tarefa fcil e rpida dadas as condies

    facilitadoras que o simples domnio de lnguas e conhecimento terminolgico impe ,uma tarefa reconhecidamente desvalorizada no mercado de traduo em termos de

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    processo de trabalho por essas mesmas razes. necessrio um processo maior de

    entendimento e negociao por parte de tradutores e contratantes do servio, a fim de

    ambos discutirem juntos alternativas, melhores opes, para caracterizar, conforme nos

    diz Azenha, um trabalho conjunto, de equipe. Afinal, esse mesmo pblico contratante

    que reconhece que o tradutor deve ter um amplo leque de conhecimentos gerais, mas no,

    necessariamente, ser especialista na rea de que traduz, ainda que isto seja um elemento

    facilitador do servio de traduo.

    Propor discusses como esta permitem compreender que o cenrio da traduo

    precisa mudar no sentido de valorizar no s a profisso em si, como tambm o

    profissional tradutor, seu processo de trabalho e, conseqentemente, sua remunerao. A

    traduo tcnica no , definitivamente, um terreno rido, pois est integrada, como

    qualquer outra modalidade textual, numa realidade tecnolgica culturalmente condicionada

    e contextualizada, segundo Azenha (1996). Nesse sentido, este artigo discutiu os

    pressupostos que envolvem a modalidade da traduo de textos tcnicos; caractersticas

    dessa modalidade textual, o papel do tradutor tcnico, alm de questes terminolgicas

    e exemplos que ilustram a sensibilidade e a criatividade por parte do tradutor em relao

    ao processo tradutrio.

    REFERNCIAS

    AUBERT, Francis Henrik. Introduo a Metodologia da Pesquisa Terminolgica Bilnge. 2. ed.Cadernos de Terminologia, FFLCH/USP, Humanitas, n. 2, 2001.

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    Silvana Polchlopek

    Mestre e doutoranda em Estudos da Traduo pelaUFSC. Pesquisa os temas: traduo-jornalstica, discursojornalstico, cultura e ensino de lnguas. membro dogrupo de pesquisa TRAC - Traduo e Cultura (UFSC).

    Michelle de Abreu Aio

    Mestranda em Estudos da Traduo pela UFSC.Pesquisa os temas: traduo jornalstica, traduo ecultura, portugus brasileiro e europeu. Tradutoracredenciada pelo SINTRA Sindicato Nacional dosTradutores, filiado FIT Federao Internacional deTradutores. membro do grupo de pesquisa TRAC -Traduo e Cultura (UFSC).

    http://www.proz.com/profile/879107;http://translatiocultural.blogspot.com