tÚlio espanca - contributos para uma biografia

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TÚLIO ESPANCA - CONTRIBUTOS PARA UMA BIOGRAFIA Rui Arimateia Túlio Alberto da Rocha Espanca nasceu no dia 8 de Maio de 1913. pelas 22,00 horas, na antiga Rua do Angerino, freguesia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz) em Vila Viçosa. Filho de José de Jesus da Rocha Espanca, natural de Vila Viçosa, e de Maria Rosa Alberto, natural da freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora. Em Vila-Viçosa viveu até à idade de 7 anos, altura em que veio para Évora acompanhado de seus pais e irmãos. Túlio Espanca teve cinco irmãos: Natal - nascido em Évora a 27 de Setembro de 1903; Demóstenes Apeles - nascido em Évora a 1 de Abril de 1908: Otelo - nascido em Vila Viçosa a 1 de Novembro de 1910; Sócrates - nascido em Vila Viçosa a 25 de Abril de 1916; e Joana - nascida em Évora em 1919 (faleceu prematuramente, também em Évora, com 19 anos de idade). Todos os rapazes foram baptizados, por registo, pelo seu tio, pai de Florbela, José Maria Espanca, homem de natureza agnóstica e bastante culto, que escolheu nomes clássicos para os sobrinhos. A sobrinha Joana, por sua vez, foi-lhe posto o nome da avó paterna. Numa madrugada do final da segunda década deste século, Túlio e seus irmãos partiram de Vila Viçosa com destino a Évora, numa carroça que igualmente transportava os móveis da família. Os pais tinham vindo de combóio para Évora. No Rossio de S. Brás, onde chegaram já noite feita, tanto Túlio como os irmãos ficaram surpresos e deslumbrados com a forte luminosidade dos candeeiros de iluminação pública. Foi o seu primeiro contacto com aquela Évora de que já ouvira falar a seus pais. Nessa noite ficaram instalados numa estalagem ao lado da igreja do Senhor Jesus da Pobreza, onde outrora funcionara um colégio de recolhimento de meninas, sob o protectorado do Prelado Eborense. Por alturas de 1919-20 a família Espanca encontrava- se alojada na Praça do Sertório - a antiga Praça do Peixe. Foi este o segundo local de residência temporária, em quartos alugados, nesta cidade de Évora, num 2 o andar do n° 2 actual da referida Praça. Também nesta Praça estava sediada a Câmara Municipal assim como, em edifício que posteriormente foi derrubado, o Quartel do Regimento de Cavalaria de Montanha N°1, ao cimo da actual Rua de Olivença, ligando o edifício dos Paços do Concelho e o Convento do Salvador, [ver fotografia n°l] A Família Espanca passou, posteriormente, por inúmeras casas alugadas no centro histórico de Évora, mudando de residência consoante a disponibilidade monetária do momento e o montante das rendas a pagar. Uma das primeiras situava-se na Rua das Alcaçarias, actual n°7, junto ao antigo Largo de S. Mamede, ao lado da Igreja com o mesmo nome; outra ficava no início da Travessa dos Cogominhos onde, em 6 de Junho de 1927, Túlio teve conhecimento da trágica morte de Apeles Espanca, seu primo e irmão de Florbela Espanca.

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Page 1: TÚLIO ESPANCA - CONTRIBUTOS PARA UMA BIOGRAFIA

TÚLIO ESPANCA - CONTRIBUTOS PARA UMA BIOGRAFIARui Arimateia

Túlio Alberto da Rocha Espanca nasceu no dia 8 de Maio de 1913. pelas 22,00 horas, na antiga Rua do Angerino, freguesia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz) em Vila Viçosa. Filho de José de Jesus da Rocha Espanca, natural de Vila Viçosa, e de Maria Rosa Alberto, natural da freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora. Em Vila-Viçosa viveu até à idade de 7 anos, altura em que veio para Évora acompanhado de seus pais e irmãos.

Túlio Espanca teve cinco irmãos: Natal - nascido em Évora a 27 de Setembro de 1903; Demóstenes Apeles - nascido em Évora a 1 de Abril de 1908: Otelo - nascido em Vila Viçosa a 1 de Novembro de 1910; Sócrates - nascido em Vila Viçosa a 25 de Abril de 1916; e Joana - nascida em Évora em 1919 (faleceu prematuramente, também em Évora, com 19 anos de idade). Todos os rapazes foram baptizados, por registo, pelo seu tio, pai de Florbela, José Maria Espanca, homem de natureza agnóstica e bastante culto, que escolheu nomes clássicos para os sobrinhos. A sobrinha Joana, por sua vez, foi-lhe posto o nome da avó paterna.

Numa madrugada do final da segunda década deste século, Túlio e seus irmãos partiram de Vila Viçosa com destino a Évora, numa carroça que igualmente transportava os móveis da família. Os pais tinham vindo de combóio para Évora.

No Rossio de S. Brás, onde chegaram já noite feita, tanto Túlio como os irmãos ficaram surpresos e deslumbrados com a forte luminosidade dos candeeiros de iluminação pública. Foi o seu primeiro contacto com aquela Évora de que já ouvira falar a seus pais. Nessa noite ficaram instalados numa estalagem ao lado da igreja do Senhor Jesus da Pobreza, onde outrora funcionara um colégio de recolhimento de meninas, sob o protectorado do Prelado Eborense. Por alturas de 1919-20 a família Espanca encontrava- se alojada na Praça do Sertório - a antiga Praça do Peixe. Foi este o segundo local de residência temporária, em quartos alugados, nesta cidade de Évora, num 2o andar do n° 2 actual da referida Praça. Também nesta Praça estava sediada a Câmara Municipal assim como, em edifício que posteriormente foi derrubado, o Quartel do Regimento de Cavalaria de Montanha N°1, ao cimo da actual Rua de Olivença, ligando o edifício dos Paços do Concelho e o Convento do Salvador, [ver fotografia n°l]

A Família Espanca passou, posteriormente, por inúmeras casas alugadas no centro histórico de Évora, mudando de residência consoante a disponibilidade monetária do momento e o montante das rendas a pagar. Uma das primeiras situava-se na Rua das Alcaçarias, actual n°7, junto ao antigo Largo de S. Mamede, ao lado da Igreja com o mesmo nome; outra ficava no início da Travessa dos Cogominhos onde, em 6 de Junho de 1927, Túlio teve conhecimento da trágica morte de Apeles Espanca, seu primo e irmão de Florbela Espanca.

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Foto 1 - Évora - Câmara Municipal de Évora

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O facto provocou enorme consternação em toda a família: surpreso, Túlio viu seu pai chorar copiosas lágrimas. Outra residência familiar foi na Travessa dos Portugais, n° 13, também no bairro de S. Mamede; e uma outra, ainda, no Pátio do Machado, na actual Avenida de S. Sebastião.O antigo bairro de S. Mamede foi o local privilegiado para as brincadeiras e aventuras dos irmãos Espanca, na sua meninice.Neste bairro, frequentou Túlio a instrução primária na Escola de S. Mamede, onde, em 1925, concluiu a 4a classe.Aqui brincavam aos Circos, encarregando-se o mais velho dos irmãos da caracterização e assumindo o papel de palhaço-rico\ Otelo era o palhaço-pobre. As representações tinham lugar num quintal da casa do sr. Poeta sita na Rua dos Cogominhos.Aqui brincavam com fantoches (marionetas de luva e de suspensão)', chegaram, inclusivamente, a organizar um pequeno teatrinho, primeiramente numa pequena divisão, abandonada e escusa, nos baixos da igreja de S. Mamede; depois, junto ao Largo do Amauriz, fundaram outro teatrinho de marionetas em casa do sr. Percheiro (residente na antiga Rua de S. Mamede n°19A, actual Rua Tenente Raul d’Andrade), na altura com funções de Comissário da Polícia nesta cidade. Por volta dos anos de 1926-27, por convite do filho deste, companheiro de brincadeiras dos irmãos Espanca, chegaram a armar uma pequena casa de espectáculos - e note-se que estamos a referir-nos a brincadeiras de jovens de 13,14 e 15 anos de idade - onde, para além dos fantoches organizavam sessões de cantares e bailaricos. Também nesta actividade as tarefas se encontravam divididas: Otelo, que na altura era aprendiz de marceneiro na antiga carpintaria e marcenaria «Sociedade de Mobílias Limitada» (com porta aberta na Rua da República n°38 e onde hoje se encontra o edifício da Caixa Geral de Depósitos), estava encarregado de tornear as cabeças dos bonecos; Demóstenes, que desde muito novo se dedicou à pintura e ao desenho, assumia as funções de cenógrafo e pintava as cabeças dos bonecos; e Joana, a irmã mais nova, encarregava-se de fazer os fatinhos dos bonecos. Todos manipulavam os bonecos, todos participavam na produção e na realização dos espectáculos: faziam a publicidade, com tambor, pelas redondezas (sempre com atenção especial não fosse aparecer a polícia...), vendiam bilhetes de entrada. Assim, naquela Évora com tantas tradições de teatro de amadores, mais um grupo de natureza cultural surgia espontaneamente... Ainda em Setembro de 1929, Túlio e Sócrates Espanca apareciam como proprietários de um Teatro Risota, onde eram apresentados ao público tres enormes actos repletos de gargalhada, conforme se pode ver na reprodução do cartaz-programa de apresentação [Ver fotografia n°2],Otelo e Túlio, aprenderam música na Escola de Amadores de Música Eborense, fundada em 11 de Novembro de 1887. No princípio dos anos 20 esta colectividade de cultura e recreio tinha a sua sede social no edifício do extinto Convento das Mónicas, onde se instalara em 2 de Julho de 1896,

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depois de beneficiado por algumas obras de adaptação. Muito depois este edifício viria a alojar a Escola do Magistério Primário Évora, nela funcionando, hoje, os Cursos de Professores do Io Ciclo da Universidade de Évora. Entusiasmados ao ouvirem os frequentes ensaios noturnos da Filarmónica, muito perto de sua casa, resolveram ir aprender música. Ensinava solfejo e instrumentos o professor José Dionísio. Escolheram o clarinete, instrumento que aprenderam com facilidade, chegando mesmo a sair com a Banda, isto por volta de 1928-29, pouco antes do ingresso de ambos na tropa.Túlio Espanca começou a trabalhar muito cedo. Com 14 anos teve o seu primeiro trabalho braçal, como gostava de dizer: foi empregado numa fábrica de transformação de cortiça existente no Bairro de S. Mamede, mais concretamente na Rua das Alcaçarias, (onde hoje funcionam os Serviços Sociais da Universidade de Évora). Foi de seguida aprendiz de chapeleiro, em loja situada na Praça Luis de Camões, actual n°38, pertença de um sr. Lima, de Lisboa. Até ir para o serviço militar, foi ainda aprendiz de barbeiro, numa barbearia que ficava no cimo da Rua de Aviz, aos n°s.l4-18, estabelecimento hoje desaparecido e transformado em loja de fanqueiro. Assentou praça no Regimento de Artilharia Ligeira n° 1, em Évora (aquartelamento junto à Praça Io de Maio), como voluntário, em 25 de Fevereiro de 1931, tendo saído da vida militar em 1933. Durante a permanência nas fileiras, além de desenvolver a profissão de barbeiro, tornando-se oficial na arte, desenvolveu uma vocação muito particular, a do desenho. Tendo sido notada esta habilidade por oficiais seus superiores, foi convidado a decorar com pinturas e desenhos as paredes da Bateria n°l, com acontecimentos guerreiros dos portugueses na Grande Guerra de 1914- 1918.Um dos últimos acontecimentos que viveu na tropa, e que marcou a vida de Évora, foi a visita do Presidente da República, General António Óscar de Fragoso Carmona, nos dias 4,5 e 6 de Junho de 1933, que procedeu a diversas inaugurações que melhoraram consideravelmente as condições de vida da cidade: redes de distribuição de águas e de esgotos, Matadouro Municipal, Monumento aos Mortos da Grande Guerra (construído por subscrição pública, no Rossio de S. Brás), Museu de Arte Sacra, instalado na Casa do Capítulo do Cabido da Sé. Era Presidente da Câmara Municipal o capitão Luiz de Camões. Túlio Espanca, como cabo, fez a guarda de honra ao Presi dente que pernoitou no Edifício dos Paços do Concelho, em quarto armado propositadamente para o efeito, no actual Salão Nobre.A partir 1 de Junho de 1934, licenciado da vida militar, exerceu, até 1940, a profissão de oficial debarbeiro, na Barbearia A. Marques e Irmão situada na Praça do Giraldo n° 60 em Évora, [ver fotografias n°3e n"4]Casou com D. Engrácia Maria de Oliveira Espanca, a 6 de Setembro de 1936, em Évora [ver fotografia n°5]. Como testemunhas e padrinhos do casamento foram convidados o sr. Demóstenes Apeles Espanca (irmão do noivo), a sra. Celeste Teixeira Alves e o sr. Mário Jacinto Machado. Conhecera em 1934 ou 1935 aquela que viria a ser a sua companheira durante sessenta anos, no

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Foto 4 - Évora, 13 de Julho de 1940 no primeiro plano: Túlio Espanca, Francisco Cid da Silva; entre os dois, Agrícola Lusitano Fragoso de Lima e Albano José Rosado. Barbearia A. Marques e

Irmão. Praça do Giraldo, 60.

Foto 3 - Túlio Espanca na Barbearia Marques - Évora, Março, 1935

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Foto 5 - Évora - Jardim de Diana - 6 de Setembro de 1936

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dia de Santo António, num arraial popular que costumava realizar-se anualmente, durante os Santos Populares, ao Largo da Graça. O casamento, por registo, teve lugar em casa dos pais de Túlio, sita na Travessa dos Peneireiros, n° 2, onde os recém casados viveram durante algum tempo. Anos mais tarde, no dia 9 de Setembro de 1952, e por insistência do Presidente da Câmara da altura, Eng° Henrique Chaves, viria a baptizar-se e a casar-se religiosamente na igreja de Na Sa do Carmo, tendo por padrinhos das cerimónias o acima referido Eng° Henrique da Fonseca Chaves e sua mulher D. Maria Inácia Vilardebó Chaves. Não esqueçamos que se estava em pleno Estado Novo onde muita gente foi perseguida politicamente somente por não ser casada por igreja e que Túlio Espanca era, então, funcionário municipal. Morava, nesta altura, em casas hoje já demolidas e existentes ao cimo da Rua José Estevão Cordovil, no n° 1.Foi desde sempre muito dado à leitura, sendo durante muitos e muitos anos o mais assíduo ieitor da Biblioteca Pública de Évora.Lia muito, trabalhava e escrevia. E conversava muito, tinha o dom da conversação, era um comunicador nato. Tinha uma predilecção muito especial por se passear pelas ruas de Évora e de conversar com pessoas suas conhecidas - e quantos eram os seus conhecidos!...Para onde quer que fosse levava sempre um livro. O gosto pelos livros e pelas velharias provinha-lhe, talvez, de seu tio João Maria Espanca, antiquário em Vila Viçosa, pai de Flor- bela Espanca sua prima direita e madrinha de baptismo. Acompanhou com imensa ternura a obra de Florbeia; considerava-a como um dos grandes vultos da Literatura Portuguesa contemporânea.Esse seu tio, João Maria, possuía uma pequena biblioteca; emprestava-lhe livros que Túlio devorava, estudando principalmente os temas ligados à História e à Arte. Era, de facto, a seu tio que atribuía toda a sua apetência para a escrita e para a História da Arte. Dele disse Túlio Espanca: «Era um homem ímpar, um erudito. Foi ele que introduziu o cinema no Alentejo, montando a primeira sala de projecções. Foi um grande fotógrafo dos fins do século passado, o padroeiro da banda de Vila Viçosa, e ainda pintor “naif"...»Desde a mais tenra juventude que lia o que lhe vinha parar às mãos, indistintamente a princípio, pois que não possuía uma formação académica, criteriosamente, uns anos mais tarde. Assim, foi a pulso que constituiu um leque muito variado de conhecimentos, a sua enciclopédica formação de autodidacta nas áreas da História, da Arte e da Cultura. Possuidor de uma memória prodigiosa, Túlio Espanca foi organizando a matéria prima que, em estado bruto, tinha à sua volta e que esteve na origem de uma obra única e imprescindível para todo o estudioso da História de Évora e do Alentejo. Foi na Biblioteca Pública que ele leu os clássicos de Évora: André de Resende, Garcia de Resende, Gaspar Barreiros, Manuel Severim de Faria, Manuel de Vasconcellos, Pe. Manuel Fialho, Pe. António Franco, D. Frei Manuel do Cenáculo, Martim Cardoso de Azevedo, Cunha Rivara, Augusto Filipe Simões, Gabriel Pereira, António Francisco Barata. Ali se encontrou com outros seus contemporâneos que o auxiliaram na investigação e nas metodologias de trabalho;

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citem-se o Dr. Celestino David, o Dr. Mário Tavares Chicó, o Pe. Júlio César Baptista e o Pe . Henrique da Silva Louro. Possuía na sua colecção de Arte, como gostava de dizer, um retrato de D. Frei Manuel do Cenáculo, fundador da Biblioteca Pública de Évora em 1805 e figura do maior prestígio na galeria dos Prelados eborenses. Tinha uma profunda admiração por esta eminente personalidade, considerando-o como o seu patrono das Artes, da História e das Letras.Túlio Espanca considerava-se ele próprio um Caminheiro, no sentido mais literal da palavra caminhar. Ele percorreu Roma a pé, aquando da sua estadia naquela cidade... Tinha uma predilecção muito particular por percorrer as cidades que visitava, calmamente, pelo seu pé, olhando, observando, aprendendo com os monumentos, com as pessoas, com as obras de arte. Durante a sua juventude chegou a deslocar-se ao Algarve e a Espanha, a partir de Évora, sempre a pé, acompanhado por amigos e companheiros de caminhadas.Aos domingos, ainda mestre-barbeiro, fazia pequenas visitas para amigos a monumentos da cidade. Por outro lado, também escrevia e mostrava uma atenção especial a desaparecimentos, por demolição, de edifícios e de outros elementos arquitectónicos da cidade.Será relevante e de sobejo interesse publicar neste enquadramento, talvez a primeira ou uma das primeiras tentativas de Túlio Espanca em passar para o papel, com alguma sistematização, os estudos que começava a empreender e alguns factos que testemunhava nos seu tempos de rapaz. Curiosamente, por volta de 1930 - teria a idade de 17 anos organizou num caderno, manuscrito em folhas quadriculadas e a lápis, um conjunto de textos a que daria o nome de ARTE E HISTÓRIA /ÉVORA/CURIOSIDADES ANTIGAS QUE DESAPARECEM/TÚLIO ESPANCA. São algumas notícias da cidade referentes aos anos de 1929-30 e onde inclui um pequeno estudo sobre a Mui Nobre e Leal Família Espanca, [ver fotografias n°6, n°7 e Anexo I]Considerava-se a si próprio «um medíocre barbeiro»', contudo, foi criando uma clientela própria, constituída essencialmente por professores do Liceu que se deliciavam a ouvi-lo falar de História e dos monumentos de Évora. Assim, as apaixonadas conversas sobre o património artístico e histórico eborense que protagonizava, durante os anos 30, naquela tertúlia da barbearia onde exercia o seu mister, foram notadas por homens como o Dr. Celestino David e o Dr. António Bartolomeu Gromicho. A instâncias destes, associou-se no Grupo Pro-Évora e inscreveu-se, em 1939 no I Curso de Cicerones, organizado por esta Associação, para dar resposta às inúmeras solicitações que chegavam ao Grupo para mostrar as riquezas patrimoniais de Évora a visitantes nacionais e estrangeiros.Relata-nos o Dr. António Bartolomeu Gromicho, Presidente da Direcção do Grupo Pró-Évora, em notícia publicada no Boletim da Comissão Municipal de Turismo de Évora, A Cidade de Évora, N°2, datada de Março de 1943, «Os Cursos de Cicerones do Grupo Pro-Évora»: A iniciativa do curso de cicerones deve-se ao Exmo. snr. dr. Celestino David, e foi presente, discutida e aceite pela direcção do Grupo em sessão de 6 de Março de 1939. O fim aparente do

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curso era de industriar várias pessoas no conhecimento tão completo quão possível dos monumentos citadinos, de molde a poderem acompanhar visitantes isolados ou excursões. Assim, se dividia o encargo voluntário que alguns membros do Grupo têem tido durante muitos anos em receber visitantes, sem outro fim que não fosse o de valorizar a cidade a olhos de estranhos. Embora com alguma relutância, devida à timidez e modéstia que o iriam acompanhar ao longo da sua vida, Túlio Espanca inscreveu-se juntamente com outros 19 interessados para frequentarem o referido Curso. Ele possuia, tão só, como habilitação literária a 4a classe da instrução primária, possuindo os outros participantes formação superior à sua, por frequentarem o Liceu ou até mesmo a Universidade. No final foram seleccionados 11 dos inscritos; após prova de exame, Túlio Espanca foi o primeiro classificado, o que lhe valeu receber o prémio pecuniário de 150$00, gentilmente oferecido pelo conferencista convidado Dr. Alberto Mac-Bride. Esta classificação e este Prémio foram a confirmação de um valor que ao longo dos anos foi crescendo transformando-se numa estrela de primeira grandeza da Cultura Eborense e Alentejana. [ver fotografia n°8] Veja-se em Anexo II de que constou o ponto de exame deste Curso de Cicerones e quais as respostas de Túlio Espanca.Esta brilhante classificação no Curso de Cicerones teve como consequência imediata o convite para colaborar com um trabalho de sua autoria no jornal O Arraiolense. Aceitou e fez publicar em quinze números no referido jornal, no decorrer do ano de 1939, um extenso artigo sobre a História de Vila Viçosa. Por outro lado o vereador da Câmara Municipal de Évora e Presidente da Comissão Municipal de Turismo, Dr. António Bartolomeu Gromicho, convidou-o, no ano seguinte (1940) para o lugar de Guia-Intérprete, cargo que se encontrava livre devido à anterior demissão de Joaquim Augusto Pereira do Carmo Câmara Manuel, que tinha assumido as funções de guia-intérprete da Comissão Municipal de Turismo entre 1 de Outubro de 1939 e 30 de Junho de 1940.Em ofício datado de 30 de Outubro de 1942, dirigido ao Exmo. Senhor Director Geral de Administração Política e Civil, o Presidente da Câmara Municipal de Évora, Dr. Miguel Rodrigues Bastos procura regularizar a situação do funcionário guia-intérprete Túlio Espanca. Aí refere:A Câmara Municipal de Évora ha muito necessitava ter nos seus serviços de turismo uma pessoa que aliasse a uma bôa apresentação um certo grau de cultura, afim de poder desempenhar as funções de guia interprete. Numa cidade como Évora a existencia de um funcionário desta categoria foi julgada imprescindível e procedeu-se á escolha da pessoa que poderia, com agrado, desempenhar-se do logar em que ia ser investido. Essa escolha recaiu no primeiro classificado no curso de cicerones - iniciativa que com brilho vem sendo mantida pelo valorozo grupo Pró-Évora.Desde sempre Túlio Espanca se sentiu honrado com o convite, que prontamente aceitou, deixando para trás a sua profissão de oficial de barbearia, não obstante monetariamente não fosse assim tão compensadora a troca... Contudo outras possibilidades de realização pessoal e profissional se

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abriam, com aquela oportunidade. Vêmo-lo já em 1942 como editor do primeiro número do Boletim da Comissão Municipal de Turismo, A Cidade de Évora, que durante os cinquenta anos seguintes ele acompanharia e assumiria ininterruptamente, zelando pela sua regularidade e alta qualidade, e que prontamente alcançou um prestígio de primeira grandeza no panorama das letras, artes e história nacionais, pelos estudos nele publicados. Logo no segundo número deste Boletim de Cultura, Túlio Espanca publica um dos seus primeiros grandes trabalhos: O Retábulo Flamengo da Antiga Capela-Mor da Sé de Évora.Sobre este trabalho de Túlio Espanca, refere o Dr. Celestino David, a dado passo de um seu artigo publicado no diário Notícias d’Évora de 22 de Outubro de 1944 e intitulado Um Novo Prometedor - Efeitos da acção Pro-Évora:«Aí pinturas da catedral de Évora em 1537 e o Retábulo flamengo da capela do Esporão», plaquette devida a Túlio Espanca, é a revelação dum trabalhador paciente e de um estudioso animado de boa vontade, que muito nos promete e em quem ha que saudar um daqueles que, compreendendo a iniciativa do «Curso de cicerones», em boa hora creado e felizmente mantido pelo grupo Pro-Évora, fizeram êsse curso com brilho próprio e indiscutível proveito da cidade. Não são, nem poderiam ser de lisonja, as palavras que a oferta da separata a que me refiro me levou a escrever. Aí linhas que atraz deixei representam unicamente: os meus cumprimentos para o autor da bem traçada monografia, incitamento a que persista no trabalho e justifique, com o tempo, a esperança, que todos nós temos, de que prossiga nos seus estudos e jamais deixe de ser o valioso elemento, que já é, na obra que a todos nós interessa: amar Évora e defendê-la sempre.E de que maneira ele a amou!... A partir de então nunca mais parou de trabalhar em prol da Cultura, da Arte e da História de Évora. De 1944 a 1987 faz publicar, da sua autoria, trinta e sete Cadernos de História e Arte Eborense, separatas dos seus estudos aparecidos nas páginas de A Cidade de Évora.No decorrer do primeiro semestre de 1949 e por iniciativa do Presidente da Câmara Municipal de Évora, Eng° Henrique da Fonseca Chaves, Túlio Espanca foi nomeado Conservador dos Monumentos Nacionais do Distrito de Évora, ao abrigo do Decreto-Lei n° 36.698 de 29 de Dezembro de 1947, feito publicar no Diário do Governo pela Direcção Geral da Fazenda Pública. Ao abrigo desta nomeação, a Câmara Municipal de Évora poderia legalmente justificar uma gratificação mensal extra ao ordenado de guia-intérprete que considerava muito inferior para remunerar com justiça o trabalho de grande qualidade desenvolvido por Túlio Espanca.A partir de 1949, Túlio Espanca publica diversos Guias sobre a cidade e a região; é solicitado para colaborar em dezenas de jornais e revistas regionais; promove visitas guiadas para milhares de turistas visitantes da cidade; organiza as tão saudosas Visitas Guiadas [ver fotografia n°9] aos monumentos, primeiro da Cidade e logo após do Distrito de Évora; é ele o guia privilegiado que acompanha monarcas, presidentes de República e outras altas individualidades que visitam Évora;

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fjoi ele que concebeu e organizou dezenas de Exposições histórico-artísticas; é a ele que estudantes, investigadores e curiosos se dirigem quando pretendem informações sobre qualquer assunto de Arte e História de Évora e do Alentejo. É um nunca mais acabar de situações que este homem notável acompanhou durante mais de meio século, com uma total e desinteressada dedicação à cidade e ao Alentejo.Pode ler-se em Acta de sessão da Câmara Municipal de Évora, relativa à reunião ordinária realizada a 21 de Abril de 1950:Em seguida, o senhor Presidente apresentou à consideração da Câmara o trabalho de catalogação e sistematização do antigo arquivo municipal que vai ser publicado no Boletim do Turismo e que tem dado grande trabalho ao funcionário daqueles serviços de Turismo senhor Túlio Espanca. A Câmara apreciou-o demoradamente e deliberou que ficasse exarado nesta acta um voto de louvor ao senhor Túlio Espanca pelo modelar e valioso serviço que prestou.Incansável pesquisador em tombos esquecidos da Biblioteca Pública de Évora, dedicou uma especial atenção aos Arquivos Municipais Eborenses, publicando em A Cidade de Évora colecções de documentos com grande valor histórico para a compreensão da evolução do concelho de Évora e das suas gentes ao longo de séculos de municipalismo. Será interessante referir aqui que Túlio Espanca gostava de apresentar o edifício dos Paços do Concelho, a Câmara, dizendo com aquele acento ternurento que muitos de nós tiveram o privilégio de conhecer: «esta é a nossa casa»... Em 1953 foi-lhe concedida «uma bolsa de estudo fora do País» pelo Instituto de Alta Cultura (Ministério de Educação Nacional). Eram os primeiros indícios do reconhecimento oficial e nacional da obra de Túlio Espanca. A bolsa, com a duração de seis meses - de Maio a Outubro de 1953 - foi-lhe atribuída «afim de ir a França e Itália proceder a identificação de documentos e obras de arte portugueses, ou que interessem à história de Portugal, nomeadamente de Évora». À atribuição desta bolsa de estudos, cuja importância monetária andava à volta dos trinta e seis mil escudos, não estaria alheia a visita à cidade que em 29 de Junho de 1952 fez o então Presidente da República Portuguesa, General Francisco Higino Craveiro Lopes, tendo sido Túlio Espanca recomendado elogiosamente pelo Presidente da Câmara Municipal de Évora, Eng° Henrique da Fonseca Chaves, grande protector e amigo de Túlio Espanca, pois que, na abertura da Recepção Pública que teve lugar no Palácio de D. Manuel, o Chefe do Estado pediu para conhecer pessoalmente o historiografo e monografista eborense, que lhe ofereceu uma colecção completa da sua obra Cadernos de História e Arte Eborense, em dois volumes luxuosamente encadernados em carneira inteira com ferros próprios, dourados.Como reconhecimento da valia da sua obra, Túlio Espanca foi em 1959 nomeado membro da Academia Nacional de Belas-Artes, em 1979 eleito Vogal Efectivo e em 1982 Académico Honorário, tendo sido agraciado com a Medalha de Mérito, «por deliberação concordante desta Academia, reunida em sessão ordinária de 10 de Dezembro de 1982, onde foram realçados os merecimentos que levaram à respectiva concessão.» [ver Fotografia n°10]

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Em 1976, entrou como sócio-correspondente na Academia Portuguesa da História. Esta instituição, a propósito do Doutoramento Honoris Causa atribuído a Túlio Espanca peia Universidade de Évora em 1990, declarou, através do seu Presidente, Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, tratar-se de «uma justa homenagem a quem pela sua valiosa obra e pela dedicação de uma vida, tanto tem prestigiado a Arte portuguesa e as tradições culturais da sua província natal...».Em 29 de Maio de 1982 foi Túlio Espanca contemplado com o Prémio Europeu da Conservação dos Monumentos Históricos, da Fundação F.V.S. de Hamburgo, pela actividade desenvolvida durante quarenta anos em favor da preservação dos monumentos e cidades do Alentejo. Quando o informaram da atribuição do Prémio, Túlio Espanca considerou-o mais como uma homenagem à Cidade de Évora do que à sua própria pessoa, revelando a sua modéstia e o seu amor pela terra adoptiva.A concessão deste Prémio Europeu para a Defesa dos Monumentos Históricos foi considerada como uma prova de que a nível internacional Túlio Espanca era tido como um entre os melhores no seu campo de investigação e de intervenção. O Prémio foi entregue em sessão solene, realizada no Palácio de D. Manuel, em 29 de Maio de 1982, pelo Presidente do Juri Internacional, Senhor Harald Laugbey.A 27 de Novembro de 1982 foi atribuída a Túlio Espanca a Medalha de Ouro da Cidade, pela Câmara Municipal de Évora presidida pelo Dr. Abílio Fernandes, homenageando o historiador, a sua obra e a sua vida de intenso labor em prol da Cultura e da História, de Évora e do Alentejo, [ver fotografia n°ll]E logo a 29 de Novembro, o Presidente da República Portuguesa, General Ramalho Eanes, Grão- Mestre das Ordens Portuguesas, conferiu a Túlio Espanca o grau de Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, condecoração que distingue personalidades que se evidenciem nas Ciências, Letras e Artes, [ver fotografia n°12]A 1 de Novembro de 1990 foi atribuído a Túlio Espanca o grau académico de Doutor «Honoris Causa» pela Universidade de Évora, [ver fotografia n°13] Foi o reconhecimento universitário do mérito cultural de Túlio Espanca, que dedicou toda a sua vida a ler nas bibliotecas e arquivos a história artística e cultural da cidade de Évora e do Alentejo. Doutoramento, esse, conferido pelo Senado da Universidade eborense na área científica de História da Cultura Portuguesa. Apadrinhou o Doutoramento de Túlio Espanca o Professor Doutor Joaquim Chorão Lavajo, que no início da sua Laudatio refere:«Por designação do Conselho Científico e superior decisão do Senado e do Magnífico Reitor desta Universidade, impende sobre mim o ónus, que é subida honra, de patrocinar o Doutoramento Honoris Causa de Túlio Espanca e, nessa qualidade, de testemunhar pública, solene e oficialmente as grandes razões que levam a Universidade de Évora, num acto de coragem académica e institucional, a atribuir o mais alto grau honorífico a uma personalidade que, não possuindo embora qualquer grau académico, é exuberantemente detentor da competência científico-peda- gógica que aquele pressupõe.

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Este acto ficará gravado a letras de oiro na história desta instituição como um acto de justiça científica e académica que a dignificará em relação aos nossos vindouros. Digo aos nossos vindouros porque a obra de Túlio Espanca, quer se queira, quer não, há-de perpassar de geração em geração, iluminando e instruindo todos aqueles que desejarem conhecer a história de Évora e do Alentejo. A obra e o nome de Túlio Espanca ficarão indelevelmente marcados nos contornos culturais da cidade de Évora, tal como as grandes pedras graníticas, incrustadas na sua muralha multi-secular, marcaram e continuam a marcar os contornos físicos do burgo, sucessivamente romano, visigótico, árabe e cristão.A obra de Túlio Espanca, transmitida oralmente e por escrito, já não é pertença exclusiva sua. Pertence à história e, com a cidade, cuja grandeza canta, é património mundial. A preservação do património cultural e artístico tem que ver com o estudo e divulgação que dele se faz. Évora não teria sido classificada como Património Mundial da Humanidade, pela Unesco, em 25 de Novembro de 1986, se historiadores e críticos de arte, desde o século XVI para cá, não tivessem inventariado, proclamado e defendido a riqueza da sua história e o valor dos seus monumentos e obras de arte.Entre esses historiadores e críticos, sobressai o nome de Túlio Alberto da Rocha Espanca ou, mais simplesmente, Túlio Espanca. (...)»Poder-se-á, com toda a justiça, perguntar quem teria ficado mais prestigiado com este Doutoramento, se Túlio Espanca que o recebeu, se a Universidade de Évora, que fez incorporar nas seus fileiras de Doutores este Mestre, reconhecido como tal há muitos e muitos anos por instituições culturais de índole nacional como a Academia Portuguesa da História entre outras. Mestre da História e da Cultura de mérito nacional e internacional.Em 1957 publicou um livro que constituiu um importante marco da sua carreira, que foi o Património Artístico do Concelho de Évora - Arrolamento das Freguesias Rurais. Esta obra, entre outros factores, esteve na origem do convite que lhe foi endereçado pela Academia Nacional de Belas-Artes para que se tomasse membro dessa importante instituição cultural. Após a nomeação como sócio académico, surgiu o convite, em 1959, para assumir a realização dos Inventários Artísticos do Concelho e do Distrito de Évora, obras fundamentais para todo o estudioso de Arte e de História desta região. Este convite surgiu na sequência da impossibilidade, por doença, do Dr. Mário Tavares Chicó assumir a tarefa, recomendando vivamente à Academia a nomeação de Túlio Espanca para a realização do trabalho.Em 1966 aconteceu a edição do Tomo VII do Inventário Artístico de Portugal, respeitante ao Concelho de Évora. Obra que, nas palavras que Reinaldo dos Santos, Presidente da Academia Nacional de Belas-Artes, fez publicar no Preâmbulo, contribui de maneira notória «para o cadastro do património artístico dum dos focos mais notáveis e originais da arte portuguesa através dos séculos.

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Dada a sua importância, a Academia Nacional de Belas-Artes confiou ao académico correspondente Senhor Túlio Espanca a sua realização, pela confiança que lhe merecia a sua obra de investigador, um dos mais dedicados à história da nobre cidade.», justificou o Presidente da Academia.Em 1975 publicou-se o Tomo VIII do Inventário Artístico de Portugal, respeitante ao Distrito de Évora - Zona Norte. Refere, no Preâmbulo da edição, Luís Cristino da Silva, então Presidente da Academia Nacional de Belas-Artes: «É seu autor, em continuação do magnífico trabalho por si já anteriormente elaborado, relativo ao inventário da monumental cidade de Évora e seu concelho, o ilustre académico correspondente senhor Túlio Espanca, notável investigador de compro-vada competência testemunhada através da sua já vastíssima obra sobre a arte eborense e a sua história.».Em 1978 é editado o Tomo IX do Inventário Artístico de Portugal respeitante ao Distrito de Évora - Zona Sul. No Preâmbulo desta edição refere-nos, por sua vez, o então, Presidente da Academia, José-Augusto França: «Aí qualidades de seriedade, informação erudita e método do autor são sobejamente conhecidas e o elogio que aqui se lhes faria nada certamente poderia acrescentar aos que foram feitos pelos anteriores Presidentes, em acertado louvor pela inexcedível dedicação com que ele tem levado a cabo as saucessivas etapas do trabalho que lhe foi cometido.». Em 1992 edita-se, finalmente, o Tomo XII do Inventário Artístico de Portugal respeitante ao Distrito de Beja (Concelhos de Alvito, Beja, Cuba, Ferreira do Alentejo e Vidigueira). Foi esta a última grande obra publicada em vida por Túlio Espanca, chegando-lhe às mãos uns dias antes da sua morte. Igualmente no Preâmbulo, o Presidente da Academia Nacional de Belas-Artes, Ayres de Carvalho, refere-se à figura ímpar de Túlio Espanca: «Modestamente e sem alardes de sapiência mas com um entusiasmo invulgar pela Arte e pelos monumentos da sua terra, o grande Alentejo, depois de ter devorado quantos folhetos, descrições, livros que poucos têm a curiosidade de ler, ou até de folhear, desde André de Resende a Gabriel Pereira e a outros de somenos importância, temos finalmente um moço estudioso que encontrou a sua razão de viver e de ser feliz. Com a sua palavra fácil e o seu entusiasmo pela Arte e pelas Letras, embora com poucos ou nenhuns apoios materiais, será um puro autodidacta, um escritor nato e invulgar, um artista por sentimento mas também um erudito e um poeta. Será o «cicerone» de todos os que querem conhecer Évora, Vila-Viçosa, Beja e de quantos recantos escondidos do Alentejo ...É Túlio Espanca, (...) figura ímpar capaz de, sem desfalecimentos ou hesitações, calcorrear, a pé ou de comboio, «caminhos ásperos sob bátegas de água e soalheiras caniculares» e com certeza «com mais despesas que proventos»(...).»Ao darmos por terminado este pequeno trabalho sobre aspectos significativos da vida e da obra de Túlio Espanca, estamos conscientes de que tão só o iniciámos. Muita matéria inédita e importante se encontra nas nossas memórias de cidadãos de Évora e de amigos e conhecidos de Túlio Espanca.

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Aproveito para agradecer o apoio de familiares e amigos de Túlio Espanca que tiveram a amabi lidade de me facultarem elementos biográficos, ou críticos, que foram preciosos para a concretização deste trabalho: D. Engrácia Maria de Oliveira Espanca, D. Joana Espanca Bacelar, Sr. Otelo Espanca, Sr. Domiciano Poeiras (autor de video com uma série de entrevistas com Túlio Espanca, em Vila-Viçosa e Évora), Dr. Manuel Branco, Dr. Celestino David, Dra. Ludovina Grilo, Sr. Joaquim Pascoal Duarte, Pe. Lourenço Lavajo.A pouco e pouco, tal como ele fazia, vamos desenterrando essas memórias, contribuindo assim para uma compreensão mais profunda dessa personalidade verdadeiramente extraordinária que foi Túlio Espanca. Em cada pedra de Évora que admiremos, em cada livro de história e de arte sobre a nossa terra que estudemos, estaremos, verdadeiramente, a homenagear a Obra e a Memória deste TULIUS EBORENS1S.

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ANEXO I

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ARTE E HISTÓRIA

ÉVORA

CURIOSIDADES ANTIGAS QUE DESAPARECEM

por Túlio Espanca

Algumas Notícias de 1929:

CHAMINÉ ANTIGAEm Novembro de 1929 foi deitada a baixo uma velha fábrica de fundição, situada no Largo de S. Domingos,

para a travessa do Calvário, onde se elevava uma altissima chaminé de tijolo com a data de 1764, ao centro.

PÓRTICO DERRUBADOEm Março de 1929, passou por algumas reformas uma casa na quina da Rua dos Lagares, ao lado do mosteiro

do Calvário sendo demolidas duas janelas antigas e o pórtico de igual formato ao do Largo Luís de Camões.

CERCA DO PALÁCIO SOURENos meses de Abril ou Maio, por ameaçar ruína, a Câmara de Évora, mandou derrubar a velha cerca do

Palácio dos Condes de Soure, situada na Carreira do Menino Jesus, passando pelo mesmo tempo o Palácio por grandes reformas, instalando-se aí o comissariado da polícia.

Em Julho de 1930, foi demolida uma formosa casa do século dezoito, situada no Pátio Salema, que colava com a elegante arcada.AS CATACUMBAS

Existiam umas velhas casas no Largo de Alconchel, que nos princípios de 1930, foram demolidas, ficando soterrada a entrada das remotíssimas catacumbas subterrâneas eborenses, assim como um poço também comunicando com os buracos trágicos.

Em Maio de 1930, uma faísca caiu no campanário do mosteiro da Cartucha, caindo o campa nário pequeno, com uma comprida cruz de ferro, ficando defeituoso.

PÁTEO DO SALEMANos meses de Setembro e Outubro de 1930, no velho Largo do Salema, desenturparam-se dois arcos com

varanda em cima e rodeado de colunas jónicas, dando um aspecto interessante e digno da antiguidade, merecendo a Câmara sinceros louvores pelas grandes obras de reedificação em vários monumentos e egrejas eborenses.

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EGREJA DA MISERICÓRDIANos meados de Outubro deliberou-se a colocação do brasão de Portugal na fachada deteriorada da egreja da

Misericórdia, onde antigamente estava, e fora arremeçada abaixo em 1927, durante uma revolução militar em Lisboa, estourando uma bomba, ali posta por anarquistas ou vandalisadores.

PORTA D’AVISEm começos de 1930, a centenária Porta Fernandina d’Avis, a única ainda existente dessa época, e a ermida

colada de Nossa Senhora do Ó, foi bastante restaurada, por ameaçar ruína.

[SOBRE O APELIDO ESPANCA]Espanca era o apelido duma família burguesa já existente no tempo de D João I. No ano de 1578, Jaime e

Cristovão Espanca, respectivamente pae e filho, pertenciam ao exército colossal do jovem rei D. Sebastião. Morreram ambos na terrível batalha de Alcácer Quivir, sem deixarem descendência. Na época da dominação castelhana, Filipe II, deu em benesse a Nuno Passinha o apelido de Espanca, por este auxiliar o monarca em várias coisas desconhecidas.

Mui Nobre e Leal Família

Segundo afirmava o Padre Joaquim da Rocha, a nobre família dos Espancas foi creada no ano de 1604. Quando morreu, em 1896 deixou por dizer o nascimento da família, herdando importantes documentos sua mãe, que ainda vivia, juntamente a uma «harvore» com todas as biografias dos nossos antepassados, figurando também já João Maria e José da Rocha Espanca. O Padre Joaquim foi autor de vários livros históricos tais como: A Porta dos Nós de Vila Viçosa, História de Vila Viçosa, etc., e mais que eu não tenho conhecimento.

Joaquim da Rocha Espanca nasceu em Vila Viçosa, desconheço a data, e faleceu na mesma Vila em 1896. Só dito meus avôs porque para trás nada mais posso indicar, se não tivesse sucumbido tão depressa o primo do meu pae talvez que a «harvore» dos Espancas nos pertencesse a nós, portanto começo pelo tio do padre Joaquim, meu avô.

José Maria Espanca nasceu em 1830, morreu a 11 de Abril de 1883. Tendo por mulher Joana Fortunata Pires que nasceu na Ourada em 11 de Novembro de 1830 e faleceu em Vila Viçosa no dia 5 de Dezembro de 1917. Tiveram dois filhos: João Maria, nasceu em 2 de Fevereiro do ano de 1866; José da Rocha, nasce no dia 12 de Dezembro de 1863.

João Espanca casou com D. Mariana Inglesa, de quem não teve filhos. Florbela, filha de Antónia Lobo, nascida a 8 de Dezembro de 1895, com enorme aptidão para os sonetos do qual conheço um de gram apreço (Soror Saudade). Apeles Demóstenes nascido na povoação dos seus maiores a 10 de Março de 1897. Com enorme jeito para o desenho, este malogrado mancebo, quando tirava o «brevet» de piloto aviador, foi-se despenhar com o seu hidroavião no Tejo, defronte da admirável jóia portuguesa, Torre de Belém. Morte desastrosa como a do heróico Sacadura Cabral, pois por mais buscas que se efectuassem no local do sinistro, não foi possível encontrar- se o corpo do meu primo. Infeliz rapaz que se matou tão jovem apenas com 30 anos, amargurados pelos infelizes

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amores que concentrou ,a uma formosa creatura riquíssima, que faleceu de indisível e sarcástica doença em Lisboa. Desapareceu Apeles aos 6 de Junho de 1927. Em 1900, João Maria, que era divorciado da primeira mulher, juntou-se com Henriqueta Almeida, com quem casou, mais tarde. Nesse mesmo ano José da Rocha Espanca, juntou-se com Maria Rosa,de Santa Maria de Maxede. Em 27 de Setembro de 1903 nasceu Natal na cidade de Évora. Demóstenes Apeles nascido também em Évora a 1 de Abril do ano de 1908. Exímio desenhador, talvez venha a ter um futuro prometedor. A 1 de Novembro de 1920, nasceu Otelo em Vila Viçosa. A 8 de Maio do ano de 1913, nasceu na mesma habitação de Apeles Espanca, Túlio, também artista para desenho, história e-arte monumental. Sócrates nascido na mesma casa na igual vila a 27 de Abril do ano de 1916. Na idade de 8 anos já este moço fazia engraçadissimas caricaturas podendo aos treze anos, competir com muitos desenhistas do país.

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ANEXO II

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