“tirano ao tibre! estereótipos de tirania nas “vidas dos césares” de suetónio
DESCRIPTION
“Tirano Ao Tibre! Estereótipos de Tirania Nas “Vidas Dos Césares” de SuetónioTRANSCRIPT
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
1/26
A navegao consulta e descarregamento dos ttulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis,
UC Pombalina e UC Impactum, pressupem a aceitao plena e sem reservas dos Termos e
Condies de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos.
Conforme exposto nos referidos Termos e Condies de Uso, o descarregamento de ttulos de
acesso restrito requer uma licena vlida de autorizao devendo o utilizador aceder ao(s)
documento(s) a partir de um endereo de IP da instituio detentora da supramencionada licena.
Ao utilizador apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s)
ttulo(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorizao do
respetivo autor ou editor da obra.
Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Cdigo do Direito
de Autor e Direitos Conexos e demais legislao aplicvel, toda a cpia, parcial ou total, deste
documento, nos casos em que legalmente admitida, dever conter ou fazer-se acompanhar por
este aviso.
Tirano ao Tibre! Esteretipos de tirania nas Vidas dos Csares de Suetnio
Autor(es): Brando, Jos Lus Lopes
Publicado por:Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de EstudosClssicos
URLpersistente:
URI:http://hdl.handle.net/10316.2/27934
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/2183-1718_60_9
Accessed : 22-Dec-2015 00:53:16
digitalis.uc.pt
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
2/26
Vol. LX
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
COIMBRA UNIVERSITY PRESS
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
3/26
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
4/26
TIRANO AO
TIBRE
E S T E R E T I P O S D E T I R A N I A
N A S VIDAS DO S CSARES D E S U E T N I O *
JOS LUS LOPES BRANDO
Universidade de Coimbra
R e s u m o
Neste estudo, procura-se explorar a aplicao aos imperadores, por
parte de Suetnio ou das suas fontes, dos
topoi
habituais da descrio dos
tiranos, como arrogncia, crueldade, sumptuosidade, devassido, avidez de
dinheiro ou propenso para a espoliao dos sbditos. Por conseguinte, a
preocupao em assimilar a vida de imperadores como Tibr io , Cal gula ou
Nero s caractersticas dos tiranos pode estar na origem de relatos extrava
gantes, baseados em boatos infundados.
Palavras chave : biografia, Imprio Romano, Csares, Suetnio, tirania.
A b s t r a c t
In this article we try to explore
topoi
used (by Suetonius or his sources)
in the characterization of tyrants and the way vices, such as arrogance,
cruelty, luxury, debauchery, greediness or propensity to
spoil
citizens, fix into
the shape o f R om an emperor s . So the
aim
to assimilate the
life
o f
emperor s
like Tib eriu s, Calgula or N er o to th e tyrants' features can explain the orig in
of some extravagant tales based upo n unfo unde d rum ours .
K e y w o r d s :
biography, Roman Empire, Caesars, Suetonius, tyranny.
*
U m a verso abreviada deste artigo foi apresentada no VI C ongre sso Int er
nac ional da APEC "Ident idade e Cidadania , da Ant iguidade aos nossos dias"
(Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 18-21
de Outubro de 2006) .
Humanitas
60 (2008) 1 15-13 7
mailto:[email protected]:[email protected] -
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
5/26
1 1 6 Jos Lus Lopes Bran do
O s e x e m p l o s u s a d o s p o r S u e t n i o n a s
Vidas dos Csares
p a ra d o c u m e n
t a r d e t e r m i n a d o s v c i o s , b e m c o m o o s t e r m o s e m q u e e st es s o e x p r e s s o s ,
p a r e c e m i n s c r e v e r - s e n o d i s c u r s o t r a d i c i o n a l c o n t r a a t i r a n ia . S o m o s c o n
f r o n t a d o s c o m a e v i d n c i a d e q u e , n a d e s c r i o d i r e c t a o u i n d i r e c t a d o s
p i o r e s i m p e r a d o r e s , s o u s a d o s
lugares-comuns
n o r m a l m e n t e c o n o t a do s
c o m a ide i a de t i r ano , t a l c om o ap re sen tado n o t ea t ro , na f ilo so fi a, na
h i s t r i a , nos d i scu rsos fo renses , na s e sco l a s de re t r i ca . Es t a co inc idnc i a
l e v a n t a a s u s p e i t a d e q u e m u i t o s exempla q u e i l u s t r a m a s species das Vidas
p o d e r o s e r d e c a l c a d o s d a s a t i t u d e s q u e s e s u p e m e x i s t i r n u m m o n a r c a
m a n e i r a o r i e n t a l , m a i s p o r a s s o c i a o d e id e i as o u d e c a r a c t e r e s d o q u e
p o r e v i d n c i a h i s t r i c a .
A d e s c r i o t r a d i c i o n a l d o s t i r a n o s h e l e n s t i c o s a p o n t a p a r a u m a
r i q u e z a p r o v e r b i a l , a s s o c i a d a a s u m p t u o s i d a d e , r a p a c i d a d e e u m a f e l i c i d a d e
d e c o r r e n t e d o f a c t o d e p o d e r f a z e r i m p u n e m e n t e o q u e d e s e j a
1
. A fu ga
no rma man i fe s t a - se na a r rognc i a e a sp i raes a um cu l to d iv ino , exage rada
c r u e l d a d e n o c a s t i g o d o s s b d i t o s e n a
ehminao
de poss ve i s r i va i s , pa r -
r i c d i o e a s sa s s ni o d e fa m i l ia r e s p r x i m o s , p r e p o t n c i a n o d o m n i o s e x u a l ,
m a n i f e s t a a t r a v s d o a b u s o d e m u l h e r e s e h o m e n s l i v r e s .
Superbia, crudelitas, auarita, libido t o r n a m - s e e l e m e n t o s c o n v e n c io n a i s
2
,
d o g n e r o d o s u s a d o s , p o r e x e m p l o , p o r T i t o L v i o n a d e s c r i o d o f a m o s o
T a r q u n i o - o - S o b e r b o ( 1 . 4 9 s s) , p o r d e m a i s a r r o g a n t e e c r u e l , o u d e
J e r n i m o , t i r a n o d e S i r a c u s a ( 2 4 . 5 . 3 - 6 ) , d e q u e m s e r e f e r e , a l m d e a r r o
g n c i a e c r u e l d a d e , o u t r o s e l e m e n t o s s i g n i f i c a t i v o s , c o m o o u s o d e t r a j e s
s u m p t u o s o s , a o s t e n t a o d e u m c o r p o d e g u a r d a - c o s t a s e a p r o p e n s o
p a r a u m a libido s e m p r e c e d e n t e s
3
. S o t e r m o s i g u a l m e n t e u s a d o s p o r
Cc e ro , pa ra c la ssi fi car a s ac t i v idades de Ver re s , C l d io , P i so , G ab n io ou
A n t n i o
4
, e t a m b m p o r u m a d a s f o n t e s d e S u e t n i o , o n a t u r a l i s t a P l n i o ,
n o s e l e m e n t o s b i o g r f i c o s q u e s o b r e o s i m p e r a d o r e s t r a n s m i t e
5
.
1
Vide J .F.M cG lew 1993: 26 ss .
2
Crueldade, avidez e violncia sexual so elencados, como traos t picos do
t i rano , em Quint .Decl.329 .V ide
R.Tabacco
1985: 87 e 131.
3
Vide
J . R . Dun k le 197 1 :16 - 17 .
4
C o m o
demonstra
J . R . D u n k l e 1 9 67 : 151-17 1 .
3
C om o dem onst ra F. Ol ive ira 1995: 67-84 . Vide tam bm F. Ol ive ira 1997:
119-138 .
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
6/26
Tirano ao Tibre
117
E nt re a s ca rac t e r s t i ca s dos t i r an os d es t aca -se , po i s , a crudelitas o u
saeuitia
6
.
O
fa c to de , em Csa r , o e sp r i t o t i r n i co no apa r ece r a s soc i ado
saeuitia, m a s m i t i g a d o p o r u m a a s s i n a l v e l
clementia
1
,
t o r n a o j u l g a m e n t o d e
S u e t n i o s o b r e o d i t a d o r m a i s e q u i l i b r a d o . J e m T i b r i o , C a l g u l a , N e r o e
D o m i c i a n o o e s p r i t o t i r n i c o a g r a v a d o p e l a c r u e l d a d e
8
. A atrodtas, t e r m o
r e f e r i d o n a s Vidas d e T i b r i o , C a l g u la , N e r o e D o m i c i a n o
9
, i n d i c a s i t u a
es assaz adversas da for tuna
1 0
, m a s t a m b m a c e s e p a l a v r a s h e d i o n d a s
d o s b i o g r a f a d o s
1 1
. A fa lt a de mo de ra o a inda expressa pe l a immanitas
d o s a c t o s d e C a l g u l a e d o c o m p o r t a m e n t o e d a p r p r i a natura d e N e r o
1 2
.
Os s i na i s da t i r an i a e s t o i n sc r i t o s na na tu reza e no ca rc t e r , pe lo que se
6
J .R .
Dunkle
1971: 14-15 nota que, a part ir dos lt imos anos de Ccero, o
t e r m o crudelitascom ea a ser subst i tu do po r saeuitia na descr io popu lar do
t i rano . Acrescenta que o l t imo im pl ica conotaes de h is ter i smo e sadismo m a
naco, uma vez que primariamente se refere ferocidade dos animais selvagens.
Em Suetnio , prevalecesaeuitia.Vide R. Tabacco 1985: 89-116.
7
Jul.
7 5 . 1 :Moderationem ueroclementiamque cum in administratione tum in
uictoriabelli ciuilisamirabilemexhibuit. As ci taes de Sue tnio sero fei tas co m
indicao da abreviatura da
Vida
em causa , sem meno do nome do autor , v i s to
ser ele o principal objecto de anlise neste estudo.
8
Tib. 57 -62 ; Cal. 2 7 - 3 3 ; Nero 3 3 - 3 8 ;Dom. 10 -11 .Vide J . Cascou 1984: 723
e 7 2 5 .
9
Nas suas variantes de nome, adjectivo e advrbios: vide Index de A. A.
Howard
/ C .
N . J a ck s o n
1922.
10
A atrodtas aparece referida m fortuna que fez com que Ti b rio fosse o
herdei ro de Augusto (Tib. 23) , condio dos tempos de Tibrio e Cal gula (Tib.
48.1;
Cal. 6.2).
11
Tib. 58 :atrossime exercuit; Tib. 5 9 . 1 :ita saeue etatrociterfactitauit; Tib.75 .1 :
(...) exacerbatisupermemoriam pristinae cruelitatis etiam recenti atrocitate; Cal. 12 .2 : (...)
liberto,qu ob atrocitatem facinoris exclamauerat, confestim in crucemacto; Cal.
2 9 . 1 :
mmanssimaJacta augebatatrocitate uerborum;
Cal.
4 8 . 1 :Prius quamprouincia ecederet,
consiliuminiit nefandaeatrocitatis legion es (...) co ntrucidand i; Nero 34 .4 : Adduntur hs
atrociora ne cincertisauctoribus; Dom. 1 1 . 1 : (...) ut non aliud iam certiusatroeis exitus
signum esset quam principii lenitas; Dom. 11 .3 : deindeatrocitate poena conterritus, ad
leniendam nuidiam intercessit his uerbis.
12
Cal.2 9 . 1 :mmanissimafacta; Nero 7.2:etfidem somniobreuiNerofecitprodita
immanitate naturae;
4 3 . 1 :
Initiostatim tumultus multa et immania,uerumn onabhorrentia
anatura su acreditur destinasse.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
7/26
Jos Lus Lopes Brando
mani fe s t am nas aces e nas pa l av ra s e spon tneas , o p r inc ipa l ob jec to de
e s t u d o d a b i o g r a f i a s e g u n d o P l u t a r c o (Alex. 1).
A s m a n i f e s ta e s d e c r u e l d a d e d o t i r a n o c o m e a m d e n t r o d o c r c u lo
fami l i a r pa l a c i ano e a l a rgam -se , dep o i s , n u m a e sp i ral de p rog r ess iva a rb i t ra
r i e d a d e . e s ta a g r a d a o q u e S u e t n i o e s t a b e l e c e n o h o r r o r d o s c r i m e s
d e T i b r i o
1 3
, Ca l gu l a
1 4
e N e r o . N o c a s o d o l t i m o , o s parridia et caedes
c o m e a m c o m o pater a d o p t i v o (Nero 3 3 . 1 ) , c o n t i n u a m c o m B r i t n i c o (Nero
3 3 . 2 - 3 ) , a m e (Nero 3 4 . 1 - 4 ) , a t i a (Nero 34.5) , as esposas (Nero 3 5 . 1 - 3 ) ,
e s t e n d e m - s e , d e s e g u i d a , m o r t e d e o u t r o s f a m i l i a r e s
1 5
e p r x i m o s
1 6
,
d epo i s , ao s
crimes
con t ra pessoas de fo ra da ca sa imper i a l
1 7
, mais f ren te a
u m l e q u e a r b i t r r i o d e v t i m a s e d e p r e t e x t o s
1 8
e , d e p o i s d e u m a n o t v e l
p r o g r e s s o , v o c u l m i n a r n o a t e n t a d o c o n t r a o p o v o e c o n t r a o s m u r o s d a
ptria
(Nero
3 8 )
1 9
t e r m o r a r o e m S u e t n i o q u e r e t o m a a n o o d e
parricida, c o m q u e o b i g r a f o i n i c i a o r e l a t o , c o m o o b s e r v a B r a d l e y
2 0
.
A n a r r a t i v a d o d e s a st r e a s s e nt a e m r u m o r e s t e n d e n c i o s o s , p o i s n o s
a p r e s e n ta c o m o i n q u e s t i o n v e l a c u l p a d o i m p e r a d o r n o i n c n d i o d e 6 4 ,
s u s p ei ta q u e T c i t o p e e m d v i d a (Ann. 1 5 . 3 8 . 1 . ) , c o m o vi sa a i n d a
a c e n t u a r o h o r r o r d o c r i m e c o m a i n d i c a o d e q u e N e r o , e m t ra je d e
cena , a s si s ti u ca s t s t ro fe a can ta r u m p o e m a sob re a qu ed a de Tr i a
e p i s d i o q u e o h i s t o r i a d o r c o n s i d e r a a p e n a s u m d o s b o a t o s q u e c o r r i a m
(Nero 3 8 . 2 .
C f . T a c . y 4 n w .
1 5 . 3 9 . 3 ) .
13
Sobre quem esta rubrica comea oodium aduersum necessitudines
(Tib.
50.1).
14
A descrio da cruelda de co m ea c om manifestaes de leviandad e e frieza
em relao apropinqui amicque (Cal.26) .
1=
Nero35 .4 :Nullurn adeo necessitudinisgenus
est,
quod non
scelereperculerit.
16
Nero 35.4: (...) similiter [inter]ceteros au t qffinitate aliqua au tpropinquitate
coniunctos; in quibusAulum Plautium iuuenem, quem cum ante mortemper uimcons-
purcasset.
17
Nero3 6 . 1 :Necminore saeuitiaforset inexteros grassatus est.
18
Nero 3 7 . 1 :Nullus posthac adhibitus dilectus au tmodus interimeni quoscumque
libuisset quacumque decausa.
19
Vide J. Gascou 1984: 697-70 0.
20
Nero 3 8 . 1 :Se nec populo au t moen ibus patriaepepercit.Yide K . R. Bradley
1978:
227 -228 ; B .
H .
Warmington 1999: 72 . Sobre a mesma associao em Qu int .
Decl.322, v ide R . Tabacco 1985:125-126
n .351.
21
Cf. Quin t .Decl. 322.Vide R. Tabacco 1 9 8 5 : 1 1 1 .
http://cf.tac.y4nw/http://cf.tac.y4nw/ -
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
8/26
Tirano ao
Tibre \\9
Os crimes contra a famlia denotam uma total falta de
petas.
A crue l
dade levada at ao parr icdio, quando est em jogo a conquista do poder ,
ocorre nas declamaes das escolas de retrica latinas
21
. Suetnio procura
tornar Nero cmpl ice na mor te de Cludio
22
, ao passo que, no relato da
mor te des te imperador
(Cl.
44) , no fora insinuada a cumplicidade do
sucessor, mas somente a aco de Agripina. A ideia de que o tirano , por
na tureza , par r ic ida tem um modelo t rgico em dipo, mas tambm em
Altmenes, f i lho de Catreu, que, no que toca fuga a um orculo e
morte do pai , cumpre um dest ino semelhante ao do f i lho de Laio
23
.
De resto, outras conexes mticas e trgicas so evocadas pelo bigrafo
para caracter izar o com po rtam ento de N ero a prop si to do matr icdio :
divulgam-se escritos que o associam a Orestes e A lcm o n (Nero 39.2), e
ele prprio se diz perseguido pelas Frias
(Nero
34.4).
R. Mayer encontra na narrat iva do assassnio de Popeia, com um
pontap, quando ela se encontrava grvida (Nero 35.3) , uma tentat iva de
assimilar Nero a um t i rano, nomeadamente a Periandro. Este, que apresen
tava no seu
curriculum
outras semelhanas com Nero (como o incesto e o
projecto de abertura de um canal no Istmo de Corinto) , ter matado,
segundo Digenes Larcio (1.94) , a esposa grvida, num momento de
clera, com um pontap. Mas a comparao do passo de Suetnio com a
verso de Tci to
(Ann.
16.6) e de Don Cssio (62.27) indicia um acidente
e no uma inteno del iberada de Nero
2 4
.
A crueldade dos tiranos manifesta-se no requinte das torturas, de que
exemplo o facto de Tibrio,
post longa et exquisita
tormenta, fazer preci
pi tar os condenados do al to de um rochedo em Cpreas ( local que se
tornou tur s t ico, como mostra o bigrafo)
25
; ou o castigo exemplar, de
modo a dissuadir as aproximaes furtivas ao refgio do tirano, do pesca
do r de Cpreas qu e sobe as escarpas para oferecer a Ti b rio o m elh or
peixe que pescara (Tib. 60); ou a inveno de um novo t ipo de supl cio,
que consistia em mandar ligar os rgos genitais das vtimas depois de as
t e r f e i t o bebe r g r ande q uan t i dade de v i nho (Tib. 6 2 . 2 ) . T a m b m
22
Cuius necis nonauctor,at consciusfut(Nero33.1).
23
Cf.Apol lod. 3.2.1-2;D.S. 5.59.
24
R . Mayer 1982: 248-249.
25
Tib.62.2:Carnificinae eius ostenditur locus Capreis.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
9/26
12 0
J
os
Lus Lopes Brando
D o m i c i a n o , q u e p a r e c e t e r u m a a d m i r a o e s p ec i al p o r T i b r i o (Dom. 2 0 ) ,
i n v e n t a u m t i p o d e t o r t u r a s e m e l h a n t e , q u e c o n s i s t e e m c h e g a r f o g o a o s
r g o s s e x u a i s
(Dom.
1 0 . 5 ) .
C o m o e v i d n c i a d o g r a u d a c r u e l d a d e d e G a i o n a r r a d o o f a ct o d e
o b r i g a r o s p r p r i o s p a i s a a s s i s t i r e m m o r t e d o s f i l h o s o u d e m a n d a r
c o r t a r a l n g u a a u m c a v a l e i ro p a r a q u e , l a n a d o s f e ra s , n o p r o c l a m e a
s u a i n o c n c i a
(Cal. 27.4) .Tambm
a a c u s a o d e q u e C a l g u l a c o s t u m a v a ,
d u r a n t e o s b a n q u e t e s , a s s i s t i r a p r o c e s s o s q u e i m p l i c a v a m t o r t u r a , o u
d e c a p i t a o d e c o n d e n a d o s
(Cal.
3 2 . 1 ) c o i n c i d e c o m u m d o s t e m a s
r e t r i c o s f a v o r i t o s d o s d e c l a m a d o r e s
2 6
. V i t l i o , c u j o s v c i o s p r e d o m i n a n t e s
so a gu la e a c ru e ldade (Vit. 1 3 . 1 ) , m a n d a e x e c u t a r u m c o n d e n a d o s ua
frente
(Vit.
1 4 . 2 .) p o r q u e
'uelle se' dicens 'pascere culos'
( q u er ia da r a l im en t o
a o s o lh o s ) e c o n t e m p l a a l u t a c o n t r a o s p a r t i d r i o s d e V e s p a s i a n o e o
i n c n d i o d o C a p i t l i o n o m e i o d e u m b a n q u e t e
(Vit.
1 5 . 3 ) , o q u e p a r e c e
c o n o t a r e s t e i m p e r a d o r t a m b m c o m o g o s to s d e N e r o . D e r e s t o , V i t l i o
a s s o c i a d o p e l o b i g r a f o a o s p i o r e s d o s
Jlio-Cludios
e aos seus vc ios
(Vit.
4 ) . A t e n d n c i a d e N e r o p a r a t r a n s f o r m a r a c r u e l d a d e e m e s p e c t c u l o
m a n i f e s ta - s e t a m b m n o fa c to d e c o r r e r o b o a t o d e q u e q u e r e r i a d a r
h o m e n s v i v o s a c o m e r a u m
polyphagus
e g p c i o , h a b i t u a d o a d e v o r a r t u d o
o q u e s e lh e dava
(Nero
3 7 . 2 ) .
P a r a s a l i e n t a r a l i g a o d o s i m p e r a d o r e s v i s a d o s a o s v c i o s t i r n i c o s ,
S u e t n i o a d o p t a a e s t r a t g i a d e e s t a b e l e c e r u m a g r a d a o n a c r u e l d a d e , d e
m o d o a d e m o n s t r a r q u e , n o fin al d o p r o ce s s o , n i n g u m s e p o d i a s e n t ir
s e g u r o s o b o d o m n i o d e t i r a n o s d e u m a c r u e l d a d e a s t u t a e i m p r e v i s v e l ,
c o m o s e d i z a p r o p s i t o d e D o m i c i a n o
2 7
, m a s t a m b m c o m p l e t a m e n t e
a r b i t r r i a e i m p l a c v e l n a a p l i c a o d a s e x e c u e s , c o m o s e d i z d e N e r o ,
Galba e
V i t l io
2 8
.
C a r a c t e r s t i c a f r e q u e n t e d o s t i r a n o s , e m u i t a s v e z e s m o t i v a d o r a d e
a c t o s d e c r u e l d a d e , a
auarita.
A a v a r e z a d e T i b r i o a p r e s e n t a d a e m
26
Cf. Sen.
Con.
9.2; Liv. 39.42ss; Cie .
Sen.
42.
27
Erat
autem
no n
solum
magnae, sed
etiam callidae
inopinataeque saeuitia (D om.
11.1).
28
Nullus posthac adhibitus dilectus aut modus interimendi quoscumque libuisset
quacumque de causa (Nero
37.1) ;
quosdam claros ex utroque ordine uiros suspicione
mnima inauditos conemnau it (Gal.
14.3);
Pronus uero adcuiuscumque etquacumque de
causa necem
atque
supplcium
(Vit.
14.1).
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
10/26
Tirano ao Tibre \1\
g r a d a o : d e
pecunae parcus ac tenax (Tib.
4 6 ) , a n t e s d e c h e g a r a o p r i n c i
p a d o , p r o g r i d e , d e p o i s , p a r a a e x t o r s o
2 9
. E s t e m o d e l o d e e v o l u o n o
sen t ido das rapinae a d a p t a - s e t a m b m a C a l g u l a , N e r o e Domic iano (Cal.
3 8 . 1 ;
N e r o 3 2 . 1 ;Dom. 1 2 . 1 ) , a o p o n t o d e c h e g a r e m a e x t r e m o s d e r i d c u l o .
E n t r e o s d i v e r s o s e x e m p l o s d a s rapinae d e N e r o , c o n t a - s e q u e , e n q u a n t o o
i m p e r a d o r c a n t a v a , r e p a r o u q u e n a a ss i st nc i a e s ta v a u m a m a t r o n a v e s t id a
d e p r p u r a , c o n t r a a l e i; p r o n t a m e n t e a m a n d o u d e s p o j a r d o v e s t i d o e d o s
b e n s
3 0
. C o m o p o n t o c u l m i n a n t e d e s ta p r t ic a d e e x t o r s o d e D o m i c i a n o ,
S u e t n i o a t e s t a o e x c e s s o d e r i g o r p o s t o n a c o l e c t a d o ludaicus fiscus c o m
o t e s t e m u n h o p e s s o a l
(nterfuisse me adulescentulum
memin) da impresso
q u e l h e c a u sa r a a i n s p e c o d e u m j u d e u n o n a g e n r i o , n a p r e s e n a d e
frequentissimum consilium, p a r a a v e r i g u a r s e e r a c i r c u n c i d a d o (Dom. 1 2 . 2 )
3 1
.
O l u p a n a r q u e C a l g u l a mandara s u p o s t a m e n t e i n s t a l a r n o p a l c i o , o n d e s e
p r o s t i t u a m m a t r o n a s e j o v e n s l iv r e s p a r a b e n e f c i o d o c o f r e i m p e r i a l (Cal.
4 1 . 1 ) , p a r e c e s er v ir d e m o d e l o p a r a o m e s m o a t r e v i m e n t o a t r i b u d o a
C m o d o n a Histria Augus ta
32
.
T a l v c i o a s s o c i a - s e t a m b m impietas q u a n d o e s t e m c a u s a o r o u b o
d o s t e m p l o s , o u t r o c r i m e t p i c o d o t i r a n o r e t r i c o
3 3
p e r p e t r a d o p o r N e r o
e , j an t e s , po r Csa r
3 4
. D e re s to , a impietas, m a n i f e s t a n o d e s p r e z o p e l a
r e l i g i o t r a d i c i o n a l , u m a c o n s t a n t e n o s m a u s i m p e r a d o r e s
3 5
. A des c r i o
29
procedente mox
in
tempore etiam
ad
rapinas conuertit animum
(Tib. 49.1) .
30
Nero 3 2 . 3 : Quin etiam intercanendumanimaduersam matronam in spectaculis
uestitapurpuracultam demonstrasse procuratoribus suis diciturdetractamque iliconon ueste
modo, sed et bonis exuit. ]. Gascou 1984: 706 faz notar, neste exemplo, a passagem
sub-rept c ia do rumor, ind icado por dicitur, ao facto indiscutvel (comea por usar o
infinitivo demonstrasse, para terminar com o perfei to do indicativo exuit).
31
Suetnio faz referncia taxa da
d id racma ,
que os Judeus pagavam para o
templo de Jerusalm e que, depois da destruio deste, no ano 70, passaram a pagar
para o temp lo de Jp iter Ca pitol ino , o que lhes dava o direi to de pra ticarem
livrem ente a sua rel igio: cf.J.
BJ
7.6.6; D.C. 66.7.2.
32
Mulierculas formae scitioris ut prostibula mancipia per speciem lupanarium et
ludbrium pudicitiae contraxt(Hist.Aug. Com. 2 .8) .Vide G. Porta 1 975 :166 -16 8.
33
Cf. Quin t .Decl.329; Sen .
Con.
5 .8 ; 9.4; Quin t .Inst.3.6.78.
34
Nero 32 .4 .Cf.Jul 54.3 .
35
Sobre o desprezo ou negligncia dos deuses e dos auspcios:Jul. 59;
Jul 81 .4; Tib. 6 9 . 1 ;Cal.5 1 . 1 ;Nero 56; Vit. 11.2 e 15 .3 . Ati tudes mpias:Nero 32 .4;
Tib.
61.5.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
11/26
122 Jos Lus Lopes Brando
retrica do tipo tirnico que delapida o patrimnio para satisfazer os seus
apetites desmedidos e depois progride para a espoliao dos cidados e dos
templos encontra fundamento em Plato
36
.
Se em Tibrio, e, de modo semelhante, em Galba
(Gal.
12.1), as
rapinae
so consequncia da avareza, em Calgula, Nero e
Domiciano
so
resultado do esbanjamento
37
. Em oposio mesqu inhez de Ti b ri o, Cal
gula, em apenas um ano, desbarata as imensas riquezas acumuladas pela
avareza do velho imperador
(Cal.
37.3). Po r esta atit ude de Calgula , Ne r o
apresenta-se como seu admirador
38
. Estes dois impera dore s to rna m-s e
arautos da inverso de valores, quando elogiam a sumptuosidade e o des
baratamento de recursos como as atitudes mais recomendveis num prn
cipe
39
. A sumpt uosid ade , assim, mais um trao tpico dos ti rano s.
O
cmulo da extravagncia de Nero a dispendiosa construo da
Domus urea
40
,
cuja descrio parece assentar nos tpicos da diatribe con
tra a sumptuosidade
41
. N o vestbulo, foi erig ido u m colosso d e 120 ps
co m o rosto do imperador , po ste rio rme nte dedicado ao Sol po r Ves-
36
PI.
R.
9.573 d-575; cf. Arist.
Pol.
1305 b 39 ss.Vide R. Tabacco 1985:
28-29, 118 n. 327.
37
Cal.
38.1:Exhaustus
igitur
atque egens
ad
rapinas conuertit
animum; Nero
32.1:
iam exhaustus et egens... calumniis rapinisqueintendtanimum; Dom. 12.1: Exhaustus
operum
ac munerum inpensis stipendioque, quod adiecerat...
nih.il
pensi habuit quin
praedaretur omni
modo.
38
Nero
30.1:
Laudabat mirabaturque auunculum Gaium nullo magis nomine, quam
quod ingents a Tibrio relidas opes in breui spatio
prodegisset.
39
Cal.
37.1:
Nepotatus sumptibus omnium prodigorum ingenia superauit... 'autfrug
homnem esse oportere' dictitans 'aut Caesarem';
37.2:...
nihil tam efficere concupiscebat
quam quod posse effici negaretur; Nero
30.1:
Diutarum et pecuniae Jructum non alium
putabat quam profusionem, 'srdidos ac deparcos esse quibus impensarum ratio constarei,
praelautos uereque magnficos qui abuterentur ac perderent';
30.2:
Quare nec largendi nec
absumendi modum tenuit.
40
Nero31.1:Non in alia re tamen damnosior quam in aedificando domum a Palato
Esquilinas usquefecit.
41
Nero
31.2. Cf. Tac.Ann. 15.42-43. . P.
M o r f o r d
1968: 158179 v nas
descries da
Domus
urea, em Suetnio e Tcito
(Ann.
15.42-43), distores
resultantes da linguagem retrica das declamationes a diatribe contra a
luxuria.
M.
Blaison 1998: 617-624 mostra que a descrio de Suetnio no corresponde
realidade, mas uma
ekphrasis
de uma morada sumptuosa, de acordo com uma
tradio fixada desde os poemas homricos.
http://nih.il/http://nih.il/http://nih.il/ -
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
12/26
Tirano ao Tibre
V23
p a s i a n o , e q u e e r a r e p r o v v e l , s e g u n d o P l n i o , p o r s e r f e i t o n o a p e t
e c i d o b r o n z e d e C o r i n t o
4 2
. N o e r a a i n d a a r e p r e s e n t a o d e u m a d i v i n
d a d e
4 3
,
m as o fac to d e se r a p r im e i r a de v r ia s e s t tuas co lo ssa i s de im pe ra
do res sa l i en t ava a a r rognc i a dos
inuidiosa atua
regisa qu e se re fe re M arc i a l
(Spect. 2 . 3 ) .
O
e x c e s s o n o s e m a n i f e s ta v a s n o l u x o d o p a l c i o . T c i t o
(Ann. 1 5 . 4 2 .1 ) c o n s i d e r a a t q u e a o r n a m e n t a o n o r m a l p a r a u m a
m o r a d a l u x u o s a ; o q u e o i m p r e s s i o n a a a m p l i d o e d i v e r s i d a d e d o s
e s p a o s a b e r t o s . A a r i s t o c r a c i a r o m a n a t i n h a e s p l n d i d a s c as as d e c a m p o
f o r a d e R o m a . M a s a Domus urea e ra a rea l i zao da fan t a s i a de u m
t i r a n o : u m a uilla n o c e n t r o d a c id a d e , m o t i v a d o r a d e i n d i g n a o . A p a r e c e m
i n s c r i e s a c e n s u r a r o e x a g e r o n a r c i s i s t a d e s t e p a l c i o , c o m o m a i s t a r d e
a c o n t e c e r c o m a p r o f u s o d e ar c os c o n s t r u d o s p o r D o m i c i a n o
4 4
. N o s e
p o d e d i z e r q u e p r e t e n d e s s e s e r m o r a d a d e u m d e u s
4 5
; o p r p r i o i m p e r a d o r
a f ir m a v a q u e f in a l m e n t e c o m e a v a a h a b i t a r c o m o u m h o m e m , ta l ve z
p a r a e v i t a r u m a i n s i n u a o d e i n s o l n c i a , q u e o t o r n a r i a m a i s o d i o s o
p e r a n t e a m o r a l i d a d e s e n a to r i al
4 6
. Mas o pa lcio es tava amald ioado pela
l embrana do recen te desas t re o i n c n d i o d e 6 4 e p e l as e x p r o p r i a e s
q u e o superbus ager t e r i a i m p l i c a d o , c o m o a s si na la M a r c i a l (Spect. 2 .8 ) ,
f a z e n d o t a l v e z e c o d a p r o p a g a n d a
f laviana
4 7
.
P a r a o b i g r a f o , a c o n s t r u o
42
Pl in .
Nat.
34.45; 34.48; 34.82 . Cf. Mart .
Spect
2 .1 .
Vide F. Oliveira 1992 :
124; 18 1; 183.
43
Ao contrr io da opin io de M . Levi 1973: 22 1 , para quem o colosso u m a
esttua do Sol com o rosto de Ne ro , Pl n io e Suet nio apresentam -no com o um
simples retrato de Nero, sem referncia a raios. Plnio
(Nat.
34.45) diz que foi
dedicado ao Sol depois que os crimes (scelera) do imperador foram condenados.
N o te m po do s Flvios, Ma rcial (1.70.7) refere miri raiata colossi;H e r o d i a n o
(1 .15 .9) refere-se representao d o Sol , mas j no tem po de C m od o. Vide K.
Bradley
1978 : 289-29 0 .
44
Roma domus fiet: Veiosm igrate, Qurites, / si non et Veiosoccupat ista domus
(Nero
39.2) .
Ianosarcusque cumquadrigis etinsignibus triumphomm pe r regiones urbis
tantos ac totextruxit, ut cuidam Graece inscriptum sit:arei jogo de palavras comarei
no sentido de 'arcos' (lat im vulgar, em vez de arcus) ou de 'basta ' (em grego).
45
C o m o p r e t e n d e H . - P .LOrange 1942: 68-100.
46
Nero 31 .2 :Eiusmodi domum eumabsolutamdedicarei, hactenus comprobauit, ut
se diceret 'quasi hominem tandemhabitare coepisse'.
47
Abstulerat miseris tecta superbus
ager.Vie
A .Aiardi 1978: 99. Segundo M.
Morford 1968: 158-167, a const ruo no ter impl icado tan tas expropriaes
como as fontes sugerem.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
13/26
124 J
os
LusLopes Brando
da
Domus urea
apresentada com o um a motivao para o mai or crim e
impu tad o a Nero : o i n cn d io d e Ro m a (Nero38.1) .Al m disso, as iniciati
vas deste imperador em retirar gratuitamente os cadveres e os escombros
e de no permitir que ningum se acercasse dos restos dos seus bens
medida compreensvel , dado o perigo de derrocadas
distorcida e trans
formada numa estratgia para lhe facilitar a pilhagem
48
.
Ta mb m a Aug usto era apontad o o gosto por mveis de luxo e vasos
corntios
(Aug.
70.2). Mas, neste caso, Suetnio procura absolv-lo da
culpa, com o argumento de que ele afastou a lautitarum inuidia co m a
ati tude posterior {Aug. 71.1), onde predominava a continentia
49
. Percebe-se
uma defesa do fundador do principado face aos
topoi
da diatribe contr a os
tiranos: ao invs de construes luxuosas, a sbria habitao de Augusto
(Aug.
72.1); ao invs da profuso de esttuas e pinturas, o ornamento
simples das casas de campo com leas,jardins e objectos de antiqu ria,
como ossos gigantescos (Aug. 72.3); ao invs das mesas caras, leitos requin
tados,
vesturio e calado exticos, aparsimonia do mobilirio e das roupas
de fabrico caseiro (Aug.73) .Tam bm Tito sabe mode rar-se e transforma as
prolongadas orgias em banquetes mais agradveis que dispendiosos
50
.
Outro trao dos t i ranos uma libido exacerbada que leva ao abuso de
mulheres e homens
livres.
A invectiva de t ipo sexual era um lug ar- com um ,
como demonstram os ataques de que Csar foi alvo da parte dos seus
inimigos pol t icos (Jul. 49-52) . A impuditia e as lihidinesde Cs ar so
expostas nos versos dos soldados no triunfo da Glia (Jul.49
A;
51). Marco
Antnio acusa Augusto de abuso de mulheres l ivres (Aug.69).
48
Nero
3 8 . 3 :
Ac ne non hinc quoque quantum posset praedae et manubiarum
inuaderet, pollictus caauemmetruderum gratuitam egestionem nemini a relquias rerum
suarum aire
permisit.T&c.
Ann.
15.43.2 coloca a promessa de remo ver escom bros e
cadveres entre as med idas louvveis de Ne ro, o que sugere que tanto Tc ito com o
Sue tn io usaram a me sm a fonte, que era favorvel. Mas Sue tnio man ipula o
mater ial d e m od o a reforar o retrato n egativo; vide K.
R.Bradley
19 78 : 235 ;
. H.
W a r m i n g t o n
1999: 73.
49
Aug 7 2 . 1 :Inceteris
partibus
uitae
continentissimus constai acsine
suspicione ullius
uitii.
5
Tit 7 . 1 : ad mediam
noctem
comissationes; 7.2: Conuiuia
instituit
iucunda magis
quamprofusa.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
14/26
Tirano ao
Tibre J25
As virgens so as vtimas preferenciais do tirano retrico
51
, como
demo nstra a con heci da histria de Virgnia, que o prp rio pai ma to u para,
assim, a livrar da concupiscncia do decnviro pio Cludio
53
. Tambm
Aug us to no se livra desta pecha, pois diz-se que gostava de desflorar
virgens que a prpria esposa lhe forneceria
54
. No mesmo plano se inclui a
alegada violao da vestal Rbria por Nero
5 5
.
Suetni o, que desde o prin cpi o apresenta Ti br io det er min ad o pelos
genes dos Cludios
55
e recorda at o crime de
pio
Cludio (Tib. 2.2),
explora os rumores, segundo os quais, este imperador, depois de se retirar
par a a ilha de Cpreas , se entr ega , sem peias, aos vcios que antes dis simu
lara
56
. O secretismo da ilha favorece a criao de mitos picantes:
Secessu uero Caprensi
etiam sellaria
excogitauit, sedem
arcanarum
libidinum,
in
quam undque conqust puellarum
et
exoletorum
greges
monstrosique concubitus
repertores, quos spintrias
appellabat, triplici
serie conexi, in uicem
incestarent
coram
ipso,
ut aspectu
deficentis
libidines excitarei. Cubicula
plurifariam
disposita
tabellis
ac
sigillis lasciuissimarum
picturarum et figuraram
adornauit librisque Elephantidis
instruxit, ne cui in opera
eenda
exemplar impetratae schemae deesset. In siluis
quoque ac nemoribus passim Venerios locos commentus est prostantisque per antra et
cauas rupes ex utriusque sexus pube Paniscorum et Nympharum
habitu,
quae
palam iam etuulgo nomine insulae abutentes Caprineum dictitabant."
7
No seu retiro em Cpreas, inve ntou t am b m u m quar to co m divs,
sede das suas lascvias secretas, no qual, bandos de moas e rapazes perver-
51
Cf. Quint.
Decl.345;
Sen. Con.2.5; 9.4.Vide R. Tabacco
1985:118
ss.
52
Liv. 3.48.
53
Aug
71 .1 .
Cf.
D.C. 2.5.
54
Vestali uirgini Rubriae uim intulit (Nero28.1).
O
episdio da vestal Rbria
no aparece em outras fontes, excepo de Aurlio Victor (Ces. 5.11), o que
suspeito, dada a gravidade de tal acto.Vide R.Verdire 1975: 7; R. Mart in 1991:
144;
.
H .
W a r m i n g to n
1999: 54.
55
Ex hacstirpeTiberiusCaesargenus trahit e
qudem
utrumque (Tib. 3.1).
D6
Ceterum secreti licentiam
nanctus et
quasi ciuitatis oculis
remotis,
cuncta simul
uitia
male iu issimulata tandem profudit:de quibus singillatim abexrdio referam (Tib.42.1).
37
Tib. 43. A referncia aos Ps e ninfas bem como alcunha de 'c aprino'
sugere que a sexualidade de Tibrio inspirada na dos Stiros. Mas Tibrio parece
criar sua volta um teatro pornogrf ico e mitolgico, consonante com o gosto da
poca, como sugerem
F.
Dupont
et loi
2001: 293-304. Vide J. L.Brando 2005:
92-94.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
15/26
1 2 6 Jos Lus Lopes Bran do
t i d o s , r e c o l h i d o s d e t o d a a p a r t e , e os i n v e n t o r e s d e m o n s t r u o s a s u n i e s ,
aos qua i s chamava spintrae, e n c a d e a d o s e m g r u p o s d e t r s , s e p u d e s s e m
pros t i t u i r a l t e rnadamen te sua f ren t e , pa ra que , ao o lha r , e l e exc i t a s se o s
seus dese jo s e m dec l n io . A d o rn o u a l covas , d i spos t as em v r io s s ti o s , de
quad ros e e s t a tue t a s com p in tu ra s e e scu l tu ra s de ex t rema devass ido e
g u a r n e c e u - o s d e l i v r o s d e E l e f a n t i s , p a r a q u e a n i n g u m f a l t a s s e , a o e x e
c u t a r o s e r v i o , o m o d e l o d a a t i t u d e e x i g i d a . T a m b m , n a s m a t a s e n o s
bosques , t eve a i de i a de d i s t r i bu i r , po r aqu i e po r a l i , s t i o s pa ra o s p raze re s
d e V n u s e , p o r a n t r o s e g r u t a s , o s q u e s e p r o s t i t u a m , d e e n t r e a j u v e n t u d e
de u m e ou t ro s exo , e m t ra j e de pe qu en os Ps e N in fa s . Po r e s t a razo , s
c la r as e j o g a n d o d e f o r m a v u l g a r c o m o n o m e d a i l h a , r e p e t i d a s v e z e s l h e
c h a m a v a m ' c a p r i n o '
T c i t o (Ann. 6 .1 ) l em bra que se t ra t a de c r im es t i r n i cos (morergio)
s o b r e a j u v e n t u d e d e n a s c i m e n t o l iv r e . P e r a n t e a m o n s t r u o s i d a d e d o s
f a c t o s , o p r p r i o b i g r a f o p a r e c e m a n i f e s t a r a l g u m a i n c r e d u l i d a d e : Maiore
adhuc ac turpiore infmia flagrauit, uix ut referri audiriue, nedum credi fas sit
( U m a m f a m a a i n d a m a i o r e m a i s t o r p e a l a s t r o u a t a l p o n t o q u e a c u s t o
l c i t o c o n t a r o u o u v i r , e m u i t o m e n o s
dar-lhe
c r d i to ) . Tra t a - se de
p r o s t i t u i o d e m e n i n o s d e t e n r a i d a d e
os pisciculi q u e n a d a v a m v o l t a
d o i m p e r a d o r , p a r a l h e e x c i t a r e m o s s e n t i d o s
(Tib.
4 4 . 1 ) . M a s o e r o t i s m o
n a p i s c i n a i n s c r e v e - s e n u m
topos
d a p o e s i a e p i g r a m t i c a e n a d i a t r i b e
c o n t r a o s t i r a n o s , t a m b m r e g i s t a d o e m r e l a o a
D o m i c i a n o
5 8
e, m ais
t a rde , aHeliogbalo (Hst.Aug. Hei. 3 1 . 7 ) .
A s e d u o d e m u l h e r e s n o b r e s c a s a d a s p o r p a r t e d e C s a r e
A u g u s t o
5 9
n o a s s u m e o s t o n s n e g r o s d o u lt r a je s m a t r o n a s il u s tr e s p e r p e
t r a d o p o r T i b r i o
6 0
, d o h u m i l h a n t e e s c r u t n i o l e v a d o a c a b o p o r C a l g u l a
n o t r i c l n i o (Cal. 36 .2 ) , ou das o rg i a s a t r i bu das a Nero
6 1
.
O
abuso de
58
Cf .
Dom.
2 2 .
O
mesmo mot ivo f igura , de forma galante , em Mart . 4 .22 .
V ide P.D u p o n t
e t T .loi
200 1 : 304-306 .
39
Jul.
5 0 . 1 :
Pronum et sumptuosum in libiinesfuisse constans opinio est,
plurmasqueetillustresfeminas corruptsse;Aug. 6 9 . 1 :condiciones quaesitas pe ramicos qui
matres
famlias et adultas aetate
uirgnes
denudarent atqueperspicerent, tanquam
Toranio
mangone uenente.
60
Tib.4 5 :Femnarumquoque, etquiemillustrium,capitibusquantoopere solitus sit
inludere(...).
61
Quotiens Ostiam Tiberideflueret aut Baianum sinum praeternauigaret, dispositae
pe r
litora
et ripas
deuersoriae tabernae parabantur insignes ganeae
et matronarum institorio
copas
imitantium atque hinc inde
hortantium
ut
appelleret
(Nero
27.3).
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
16/26
Tirano ao
Tibre
127
Tibrio para com as mulheres da aristocracia ilustrado com o assdio a
Malnia (Tib. 45), facto no mencionado por outras fontes. A infeliz
perseguida pela concupiscncia do imperador, at que se refugia em casa e
se trespassa com um punhal, depois de denunciar abertamente as prefe
rncias do velho, expostas depois no teatro: Vnde mora
in
Atellanico
exhodio
proximis ludis adsensu mximo excepta percrebuit, 'hircum uetulum capreis
naturam ligurire'(Da que, por altura dos jogos seguintes, um exdio de
atelana se divulgou com a aprovao geral: velho bode lambe o sexo s
cabras'. Mas o episdio pode ter sido moldado sobre o de Lucrcia,
igualmente vtima da tirania sexual de Sexto Tarqunio
62
.
O fundamento para certos boatos estava nas atitudes de governantes
do passado histrico ou mtico. Depois de arrebatar uma matrona ao
marido, Calgula ter dito que procurara apenas um matrimnio segundo
o exemplo de Rmulo e de Augusto
63
. Mas o acto abusivo de Augusto de
retirar a mulher de um cnsul do triclnio, em presena do marido, lev-la
para o quarto e reconduzi-la depois ao lugar, ainda com as orelhas verme
lhas e o cabelo em desalinho (Aug. 69.1), considerado mais gravoso
quando atribudo a Calgula (Cal. 36.2).
Outra particularidade o incesto, que mancha Calgula, Nero (Cal.
24;
Nero 28.2) e tambm
Domiciano,
que provoca a morte da sobrinha
Jlia, ao obrig-la a abortar
64
. O suposto incesto de Calgula com todas as
irms, e de modo especial com Drusila (a quem ele violentara na juven
tude e, mais tarde, tratava publicamente como esposa), parece sugerir,
segundo alguns crticos, uma tentativa de identificao com uma monar
quia teocrtica maneira egpcia
60
. Mas o boato poder tambm encontrar
fundamento na histria de Cambises, filho de Ciro, que segundo
62
Cf. Liv.
1.58.Vide
R.Martin 1991:133.
63
Cal.
25.1.
Cf. D.C. 59.8.7 que lhe chama Cornlia Orestila (ou Orestina).
64
Dom. 22 .Tal relao era considerada incestuosa, pelo que tambm o casa
mento de Cludio com a sobrinha Agripina teve de ser ratificado pelo senado:(...)
talium coniugiorum, quae ad id tempus incesta habebantur (Cl.26.3);Ducturus contra fas
Agrippinam uxorem (Cl.39.2).
65
Cal.24.1. Cf. J.AJ 19.204; D.C. 59.22.6; Aur.Vict. Ces. 3.10. Vide R.
Martin 1991: 331;J.CoHn 1954: 408;P.Lambrechts 1953: 226-228 e n.2 .A ideia
do incesto pode ser uma deformao das fontes a partir da importncia que
Calgula atribua s irms.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
17/26
128 Jos Lus Lopes Brando
H e r d o t o ( 3 . 3 1 ) d e s p o s o u a i r m . U m a v e z q u e t al u n i o n o e r a c o s t u m e
e n t r e o s P e rs a s , C a m b i s e s t e r p e r g u n t a d o a o s j u z e s s e e n c o n t r a v a m a l
g u m a le i q u e p e r m i t i s s e a u m i r m o d e s p o s a r u m a i r m , a o q u e l h e f oi
r e s p o n d i d o q u e n o , m a s q u e , p o r o u t r o l a d o , h a v i a u m a l e i q u e p e r m i t i a
ao re i do s Pe rsa s faze r o q ue dese ja sse . A re s pos t a dos ju z e s c o n t m , po i s , a
e s s n c i a d o p o d e r d o t i r a n o . O m o d e l o p r e v a l e c e n a h i s t r i a q u e s e c o n t a
de Ca raca l a e da be l s s ima J l i a
D o m n a ,
a p r e s e n t a d a n a Historia Augusta
c o m o m a d r a s t a d o i m p e r a d o r : c e r t o d i a e m q u e e l a s e d e s n u d o u s u a
frente , e le te r d i to que querer ia despos-la , se lhe fosse l c i to, ao que e la
re sp on de u qu e se e l e que r i a , e ra l c i t o , ou e l e se e squ ec i a qu e , send o
imperador , d i tava as le i s , no as recebia?
(Hist.Aug. Carac. 1 0 . 1 - 3 . )
6 6
.
T o r n o u - s e f a m o s o o a le g a d o i n c e s to d e N e r o c o m A g r i p i n a (Nero
2 8 . 2 ) d o q u a l S u e t n i o s e g u e a v e r s o m a i s h o s t i l , e n q u a n t o T c i t o p e n d e
pa ra a op in i o de C lv io Rufo , pa ra quem o i nces to fo i i n i c i a t i va de l a , na
m i r a d e c o n s e r v a r o p o d e r
6 7
. Pa r ece have r um a a ss imi lao dos c r im es de
N e r o a m o d e l o s m i t o l g i c o s q u e e l e p r p r i o i n c a r n a v a n o p a l c o , e n t re
ou t ro s , o s pap i s de Orestes matricda e o de dipo cego (Nero 2 1 . 3 ) . A t r a
d i o s o b r e N e r o e x p l o r a , p o i s , a h g a o d e d o i s c r i m e s r e a is a f o r t u n a d o s
na t rad i o t rg i ca : o ma t r i c d io e o i nces to .
A l i c e n c i o s i d a d e i n c l u i a h o m o s s e x u a l i d a d e p a s s i v a , d e s i g n a d a p o r
impudicitia,
a m i d e i n v o c a d a n a i n v e c ti v a p o l t i c a . J C c e r o a c u s a v a M a r c o
A n t n i o d e s e p r o s t i t u i r (Phil. 2 . 4 4 ) . T a is a c u s a e s p a r e c e m d e n o t a r , e m
S u e t n i o , u m e x p e d i e n t e i m p l c i t o n a a s c e n s o d a c a r r e i r a d o f u t u r o
t i r a n o : C s a r t e m a f a m a d e t e r s i d o catamito d e Nicomedes da Bi t n i a
(Jul.2; 4 9 . 1 ; 4 9 . 4 ) ; A u g u s t o a c u s a d o d e s e t e r p r o s t i t u d o a C s a r e a
H r c i o (Aug. 68) e Domiciano a N e r v a (Dom. l . l ) ; V i t l i o , e n t r e o s p r o s
t i t u t o s d e T i b r i o e m C p r e a s , t e r , d e s t e m o d o , f a v o r e c i d o a c a r r e i r a d o
p a i (Vit.
3 .2 )
6 S
;
O t o
liga-se
d e m o d o s e m e l h a n t e a N e r o (Otho 2 .2 )
6 9
.
66
Cf. Hist.Aug. Seu
21.7;
Eutr. 8.20; Aur.Vict . Ces. 21 .1 -3 e Epit.21.5; Jer.
Chron.
P. 213 Helm (2
a
ed.); Oros. 7.18.2. A ser verdade, o caso de Caracala seria
ainda mais gravoso, uma vez que Jlia Domna no era madrasta, mas me dele.
Segundo Herod i ano
(4.9.3;
4.13.8; 5.3.2), os Alexandrinos, conhecedores do grau
de parentesco,chamavam-lheJocasta.
67
Ann. 14.2. Su etn io ter seguido a verso de Fbio Rs tico .
6 8
T ac .
Hst.
3 . 86 . 1 ,
pelo contrrio, afirma queVitlio devia a sua ascenso aos
mritos do pai .
69
D.C. 64.8.3 confirma a homossexualidade de Oto, mas com os favori tos
de N ero ; v ide R . Ma rt in 1991 : 166 . Segund o T. F. Carn ey 1968: 11-12 , Sue tnio
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
18/26
Tirano ao Tibre
^29
A t r a n s g r e s s o m o r a l d e c o r r e n t e d a a b s o l u t a l i b e r d a d e d o t i r a n o p o d e
resumir-se
e m d o i s p e q u e n o s c a p t u l o s d a
Vida
d e N e r o
(Nero
2 8 - 2 9 ) :
c o m r c i o c a r n a l c o m r a pa z e s d e n a s c i m e n t o li v re ; c o n c u b i n a t o c o m
m u l h e r e s c a s ad a s ; v i o l a o d e u m v i r g e m v e st a l; p r o j e c t o d e c a s a m e n t o
c o m u m a l ib e r t a A c t e ; t r a n s f o r m a o d e u m e u n u c o e m e s p o sa ; i n c e s t o ;
en t rega sexua l pass iva a uma pessoa de ca t ego r i a i n fe r i o r , no ca so , um
l i b e r t o .
O u t r o a s p e c t o d a q u e b r a d a s c o n v e n e s o v e s t u r i o e o a s p e c t o d o
r o s t o
7 0
.
E x e m p l o p a r a d i g m t i c o o d e C a l g u l a , c u ja i n d u m e n t r i a a p a r e c e
c l a ss i f i cada em suges t i va g radao :
V estitu calciatuque et cetero habitu neque
ptrio neque ciuili, ac ne uirili quidem ac denique huma no semper usus est
{Cal. 52 ) (Nas roupas e no ca l ado e no re s t an t e t ra j a r no usou o
t r a d i c i o n a l d o s e u p a s , n e m o h a b i t u a l d o s c i d a d o s , n e m s e q u e r m a s
c u l i n o e , e m s u m a , n e m h u m a n o ) . T r a t a - s e a q u i d a c e n s u r a d a inciuilitas
a t ravs do ves tu r io : o t ra j e patrius e ciuilis a t o g a , c u j o u s o A u g u s t o
p r o c u r a r a i n c e n t i v a r [Aug. 4 0 . 5 ) . A e n u m e r a o d as r o u p a s e a d o r n o s d e
C a l g u l a d e n u n c i a g o s t o s o r i e n t a l i z a n t e s , e f e m i n a d o s e m o n r q u i c o s , d e
q u e e x e m p l o o u s o d a s e d a , p r o i b i d a p o r T i b r i o
7 1
. F a z e n d o j u s s u a
a l c u n h a , C a l g u l a p a r e c e i n t e r e s s a r - s e p o r c a l a d o e x t i c o . U s a p e a s o r i
e n t a i s , q u e , e m R o m a , s t m l u g a r n o p a l c o : a s s a n d l ia s e s o c o s
(crepidae,
socci),
o c o t u r no (usado pe lo s re i s he l en s t i co s ) , s i na l de t i r an i a . A l m d i s so ,
e n v e r g a a c o u r a a d e A l e x a n d r e M a g n o .
O travestismo
o b j e c t o d e c o n
d e n a o
7 2
, b e m c o m o o u s o d e r o u p a s d a s d i v i n d a d e s , p o i s a i m i t a o d o s
d e u s e s s i n a l i n e q u v o c o d e inciuilitas. A o o s t e n t a r a t r i b u t o s d i v i n o s , C a l
g u l a p a r e c e e s t a r a i m i t a r o s e u b i s a v M a r c o A n t n i o q u e , n o O r i e n t e ,
s e a p r e s e n t o u c o m o D i o n i s o
7 3
; a o e m p u n h a r o r a io , i m i t a n d o J p i t e r ,
pa rece segu i r o s passos de A lexand re
7 4
e o u t r o s m o n a r c a s . M o t i v o d e m u i t o s
parece querer l igar, de modo especial , a homossexualidade aos t i ranos. Mas o
processo de caracterizao no parece ser assim to simples.
7 0
VideJ.R.Dunkle 1 9 6 7 : 1 7 0 ; J .R. D u n k l e l 9 7 1 : 1 8 - 1 9 .
71
Cf. TacAnn.
2 . 33 . 1 ;
D . C .
57 .15 .1 .
72
Sen .
E p.
122.7 :
non uidentur tibi
contra
natura
uiuere
qui commutant
cum
feminis
uestem?
73
Cf.Vell . 2.82.4; D.C. 48.39.2;
Plu.
Ant. 24.3 .
74
Que assim foi representado por Apeles (Plu. De Iside24) e em cunhagen s
na Babilnia.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
19/26
130
J
os
Lus Lopes Brando
com entr io s foi o cham ado "ban que te dos doze deuses" n o palcio de
Augusto, em que o prprio imperador se disfarou de Apolo
(Aug.
70.1) .
O
carcter efeminado de Csar
revelava-se
no uso da tnica no cintada
(Jul.
45.3) , hbi to part i lhado por Nero, cuja forma de vest i r era considera
da indec ente. Al m disso, o est ilo do cabelo deste, imitao d o pe nte ado de
Alexandre ou moda entre os aurigas
75
, tornava-se escandaloso (Nero51) .
Tambm explorada em exerccios retricos era a expresso facial
aterradora do tirano, acaso uma influncia da expresso sanhuda da ms
cara dos tiranos na tragdia
76
.
O
motivo parece estar presente na notcia de
que Calgula trabalhava o rosto, natura
horrdus
ac taeter,e m frente ao
espelho, de forma a provocar terror
acformido (Cal.
50.1) , e na nota sobre o
impressionante olhar r gido de Nero ao morrer , que incute igualmente
horror eformido
aos presentes
77
.
A substncia doutr inal sobre o t i rano moda grega poder ter s ido
introduzida na sociedade romana atravs da t ragdia
78
. Referncias trgicas
so por vezes usadas nas
Vidas dos Csares
co m o forma de expressar a
propenso para a t i rania.
O
carcter de Cal gula aparece denunciado na
repet io de uma exclamao do Atreu de cio 'oderint, dum metuant'
19
( tenham-me dio , desde que tenh am medo) que se tornara num a
espcie de emblema da crueldade t i rnica
80
e que tambm a t r ibudo,
com variao, a Tibrio
8 1
. Observa o bigrafo,
louvando-se
em Ccero
(Off. 3.82) , que o facto de Csar repet i r continuamente uns versos das
Fencias
de Eurpides, que correspondem a uma fala de Etocles, em que a
ambio d e pod er colocada frente da just ia e do respei to pelos
75
Vide K.R.Bradley
1978:
284-285.
76
Cf. Sen.
Con.
2.5.4.Vide
J.
R. D unkle 1967:170.
77
Nero
49.4:
Atque in eauoce defecit, extantibus rigentibusque oculis usque ad
horwrem formidinemque
uisentium.
78
Vide
J.
R. Dunkle
1967:153-154;
J. R. Dunkle 1971:12-13.
79
Cal.30.1.
tambm o
Atreu
de
cio
que regista o mais antigo emprego
em latim do termo
tyrannus.
A aspirao monrquica de Calgula tambm ex
pressa (Cal.22.1) pela citao hom rica haja um s chefe, haja um s rei
(21. 2.204-205); e o primeiro hemistquio do mesmo verso 204 no bom
que o poder esteja distribudo por muitos
colocado na boca de
Domiciano
(Dom.
12.3).
80
Cf. Cie. Ses.48.102;P/w7.1.14.34;Off.1.28.97;Sen.Ira1.20.4.
81
Tib59.2:oderint,
dum
probent.Vide D.W. Hurley 1993: 122.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
20/26
Tiranoao Tbre
131
deuses
82
, indcio de aspirao dominado.
N e r o
agrava o verso trgico
annimo (Nero
38.1)
Q u a n d o eu
tiver m o r r i d o ,
seja a
t e r r a
a m a l g a m a d a p e l o fogo) j de si ne fa ndo,
segundo Ccero e Sneca
83
, c o m a var iao da sua auto ria :
E n q u a n t o
e u estiver vivo ). Qu e os
r o m a n o s
associavam o que se
dizia no p a l c o realidade mostra-o o facto de um poeta ter sido executa
do, porque injuriou
Agammnon
nu ma tragdia e Ti br io se sentiu atin gi
do (Tib.
61.3)
84
.
O
cidado romano, cioso da sua libertas,abomin ava a dominatio: no
aceitava submeter-se a um rex.
O
castigo para quem desejasse tomar para si
o poder era a morte; e diversas dedamationes tratavam o tema do praemium
a conceder ao tiranicida
85
. Entre as vrias explicaes para a travessia do
Rubico, vem a suspeita de que Csar acalentava o desejo calculado da
dominatio
56
; e, mais tarde, vrias aces e ditos so, em conso nn cia com os
critrios biogrficos de anlise caracterolgica
87
, reveladores de abuso de
poder, pelo qu e justificavam a mo rt e do ditador
88
: este tornar a-se culpa do
de hybris ao aceitar, em vida, honr as que ultrapassam a co ndi o hu ma na
(Jul. 76. 1). A mesm a insol ncia se censura s obr etudo a Calgul a, que se
arroga atributos divinos (Cal. 22), e a Domiciano, por se declarar dominus
82
Jul. 30.5. Eur. Ph. 524. Ccero o autor da verso para latim: Nam si
uiolandum est ius, gratia I uiolandum est: aliis rebus pietatem colas.Em
conformidade com o lxico poltico republicano, o Arpinate traduz tyrannis por
regnumeeusebeiaporpietas.Vide L.Cnfora 2000:153.
83
Cie. Fin. 3.19.64: vox inhumana etscelerata. Sen. Cl. 2.2.2 coloca o dito a
par da referida citao doAtreu de cio:considero multasvocs
magnas,
seddetestabiles,
in vitamhumanam pervenissecelebresque volgo ferri, ut illam:'oderint, dum metuant,' cui
Graecusversus similis est, qui semortuo terram misceriignibus iubet, et alia huius notae.
DC . 58.23.4 diz que Tib rio repetia frequentemente este verso quando tratava da
sua sucesso em favor de Calgula.
84
O
poeta ser Mamerco Escauro, autor de um
Atreu.
Cf. Tac.
Ann.
6.29.3;
D.C. 58.24.3-5 . Mas, segundo Tac.Ann. 6.29.6, a acusao efectiva foi de adultrio
com Lvia Jlia, esposa de Druso, e prtica de magia.
85
Vide R.Tabacco 1985:14ss.
86
Jul. 30.5: Quidam putant captum imperii consuetuine pensitastisque suis et
inimicorumuiribususum occasione rapenae ominationis quam aetateprimaconcupisset.
87
Cf.
Plu.Alex. 1.
88
Jul. 76.1:Praegrauant tamencetera jactadictaqueeius, ut et abusus ominatione et
iure caesusexistimetur.
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
21/26
1 3 2
J
o s
Lus Lopes Brando
et deus
(Do m. 13.2). Tais compo rta men tos eram designados pela tradio
como inpotentia ou arrogantiaou superbia, termos que
definiam
o compor
tamento tirnico
89
.
Para no inco rr er na acusao de tirania, Augu sto rejeita ostensiva
mente o apelido de domnus
90
e proc ura demo nstrar a sua ciulitas
91
. Tibrio
ostenta manifestaes dessa virtude no incio do imprio
92
. U m a vez que
alguns principados acabam por degenerar numa total falta de respeito pelas
leis e pelas instituies do Estado, de modo especial o senado, e sendo o
carcter para os antigos algo de inato, o comedimento do perodo inicial
dos governos daqueles Csares explicado como uma notvel capacidade
de dissimulao. O bigrafo procura demonstrar que o carcter de Tibrio
, em grand e parte, dete rmin ado pela herana gentica contrad itri a dos
Cludios (Tib. 3.1) e que Nero herdou os vcios e degenerou as virtudes
dos
Domcios
(Nero 1.2).
O
pai deste ltimo confirma que dele e de
Agripina s podia nascer algo de mau para o Estado (Nero 6.1).
O c om po rt am en to tir nico gera a inveja pela situao de excepo,
que se tornara
topos
literrio co mo valor oposto da urea
mediocritas
93
,
e o
dio natural contra quem detm o poder pela fora
94
. Tib ri o, Calgula,
Nero,
Galba.Vitlio
e Domiciano, segundo nos diz o bigrafo, tornam-se
odiosos aos olhos dos sbditos e, con sequ ent eme nte, vivem sob um a espa
da de Dmocles
95
. O topos do medo
9 6
par ticu larm ente aplicado Tib ri o e
89
Vide
Oliveira 1986: 25.
9
Aug.
5 3 . 1 :
Domini
appellationem
ut maledictum etobprobrium semperexhorruit.
91
Aug.
5 1 . 1 :
Clementiae ciuilitatisqueeius multa et magna documenta sunt.
92
Tib. 26.1:
Verum
liberatusmetu ciuilem admodum inter initia acpaulo minus
quam priuatum egit.Ex plurimis
maximisque
honoribus praeter paucos et mdicos non
recepit;57.1:(...) etiam inter initia cum adhuc fauorem hominum moderationis simulatione
captarei.
93
Cf. Archil. fr. 23.19-21 W;
fr.
19.1-4 W; Anacreont . 8.1-4 Pr. Vide ainda
Anacr. fr 361 PMG.
94
Tito
a excepo que confirma a regra: Tit. 1:(...) tantum illad promeren-
dam omnium uoluntatem uel ingeniiuel artis uel fortunae superfuit, etquo difficillimum
est, in imprio...
93
Quam inter haec non modo inuisus ac
detestabilis
{Tib. 63.1);Per haec
terribilis
cunctis et inuisus, tandem oppressus est {Dom. 14.2); Nullis tamen
infensor
quam
uernaculis et mathematicis (Vt. 14.4); Per haec prope uniuersis ordinibusoffensisuel
praecipua
lagrabat
nuidia apud milites(Gal.16.1);Ita bacchantem atque grassantem non
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
22/26
Tirano ao Tibre
133
D o m i c i a n o
9 7
, q u e s e t o r n a m d e s c o n f i a d o s e se i s o l a m : o p r i m e i r o e s c o l h e
C p r e a s c o m o r e f g i o p e l a s u a i n a c e s s i b i l i d a d e , a f i r m a S u e t n i o
9 8
; o se
g u n d o , d e q u e m s e d i z q u e s e t o r n o u c r u e l p o r c a u s a d o m e d o " , o r n a a s
p a r e d e s d o s p r t i c o s c o m p l a c a s d e f e n g i t e , q u e l h e p e r m i t e m v i s l u m b r a r
o qu e se passa at rs das costas , in ter rog a os pr i s ione i ros a ss , em lug ar secre to
e segurando nas mos a s cade i a s
1 0 0
, e c o n d e n a E p a f r o d it o , q u e a j u d a r a N e r o
a s u ic i d a r - s e ( N e r o 4 9 . 3 ) , p a r a d e s e n c o r a j a r t a l p r o c e d i m e n t o (Dom 14 .4 ) .
O
d i o a o t i r a n o f r e q u e n t e m e n t e e x p r e s s o e m p a n f le t o s o u
graftos
a n n i m o s q u e p a r e c e m f u n c i o n a r c o m o u m a e s p c i e d e c a t a r s e p a r a a
f rus t rao dos c idados
(Jul.
8 0 . 2 - 3 ; Tib. 5 9 ; Nero 3 9 . 2 ; Dom. 1 3 . 3 ; 1 4 . 2 ) .
A e s p o n t a n e i d a d e d a s r e a c e s m o r t e d o s i m p e r a d o r e s r e v e l a d o r a .
Recorde-se
o q u e S u e t n i o n o s d i z s o b r e o c o n t e n t a m e n t o d o p o v o ,
d e p o i s d e T i b r i o m o r r e r : u m a p a r t e g r i t a v a ' T i b r i o a o T i b r e , o u t r a
p a r t e r o g a v a T e r r a m e e a o s d e u s e s M a n e s q u e l h e n o c o n c e d e s s e m
a s s e n t o s e n o e n t r e o s m p i o s ; o u t r o s a m e a a v a m o c a d v e r c o m o g a n c h o
e a s G e m n i a s , e x a s p e r a d o s p e l a r e c o r d a o d a a n t i g a c r u e l d a d e e d a
r e c e n t e a t r o c i d a d e (Tib. 7 5 . 1 )
reclama-se
o c a s t i g o r e s e r v a d o a o s i n i m i
g o s d o E s t a d o e a o s p i o r e s ti r a n o s . O u t r o s h o u v e q u e p r o p u s e r a m q u e o
c r e m a s s e m p e l a m e t a d e e m A t e i a (Tib. 75 .3 ) , segu indo , t a lvez , a c rena
d e q u e o c o r p o d o t i r a n o n o a r d i a p o r c o m p l e t o
1 0 1
. V i t l i o , depo i s de
defuit plerisque animus adoriri(Cal. 56 .1); Talem principempaulo minus quattuordecim
annos perpessus terrarum orbis
tandem destituit (Nero40.1).
96
Sobre o medo e desconfiana de Dioniso, o velho, cf. Cie.Off. 2 .7 .24-25 e
Tusc. 5.20.58 ss.VideR.Tabacco 1985: 33 ss.
97
...
sedpraetrepidus
quoque atque etiam
contumeliis
obnoxius uixerit, multa indicia
sunt (Tib. 63.1); ... Quare pauidus semper atque anxius minimis
etiam suspicionibus
praeter modum commouebatur
(Dom.
14.2).
98
.. . quo d uno paruoque litore adiretur, saepta und ique praemptis mmensae
altitudinis rupibuset profundo mari[s] (Tib. 40) .
Ao passo
queTac.Ann.
4.67.2 acres
centa o cl ima temperado e a beleza do lugar.
99
.. . quantum coniectare licet, super ingenii naturam inpia, rapax, metu saeuus
(Dom. 3.2).
100
D.C. 67.12.5 conta o mesmo facto e acrescenta que os interrogava sozi
nho para evitar que outros conhecessem o contedo da conversa.
101
Cf. Cie.PUI.2 . 8 9 - 9 1 ;
P lu .Sull.
38 .3 .Vide H . Lindsay 1995: 187 .
O
co rpo
de Tibrio no fo i lanado ao Tibre , como sugerem F.D u p o n t e t T .
Eloi
2001 :3 0 3 ,
mas teve exquias pblicas, em Roma, e Calgula fez o elogio fnebre (D.C. 58.28.5).
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
23/26
134 J
os
Lus Lopes Brando
l inchado , fo i a r ra s t ado pa ra o r i o
(Vit.
17 .2 ) ; e e ra e sse o de s t i n o q ue o s
c e s a r ic i d a s p l a n e a v a m d a r a o c o r p o d e J l i o C s a r
(Jul.
8 2 . 4 ) . M a i s t a r d e , o
s e n a d o e o p o v o h o - d e e x p r e s s a r o d e s e j o d e q u e o c a d v e r d e C m o d o
s ej a a r r a s t a d o c o m u m g a n c h o e l a n a d o a o T i b r e
1 0 2
. H e l i o g b a l o s e r
o b j e c t o d e u m u l t r a j e a i n d a m a i o r , u m a v e z q u e s e r l a n a d o c l o a c a e
d e p o i s a o r i o , ne umquam sepeliri posset (Hei. 1 7 . 1 - 3 ) .
O
m t o d o b i o g r f i c o
d e S u e t n i o e o s m e s m o s e s t e r e t i p o s d e c a r a c t e r i z a o d o s m a u s g o v e r
n a n t e s s e r o a m i d e e m p r e g u e s p e l o a u t o r d a Histria Augusta n o r e t r a t o
d a q u e l e s d o i s A n t o n i n o s , a p r o x i m a d o s , e m v r i o s a s p e c t o s , d o s m a i s m a l -
- a f a m a d o s i m p e r a d o r e s d o s c u l o I , e s p e c i a l m e n t e C a l g u l a e d e N e r o
1 0 3
.
A r e a c o m o r t e d e N e r o p a r a d o x a l e m o s t r a e m q u e m e d i d a e s t e
i m p e r a d o r e r a, a o m e s m o t e m p o , o d i a d o e a m a d o . P o r u m l a d o , o gaudium
p b l i c o , p e l a l i b e r t a o d o d o m n i o d o t i r a n o : a p l e b e c o r r e pilleata (Nero
5 7 . 1 ) ,
i s to , c o m o ba r re t e ca rac t e r s t i co da l i be r t a o dos e sc ravos e das
Sa tu rna i s e s mbo lo da abo l i o da t i r an i a
1 0 4
. P o r o u t r o l a d o , h , p o r l o n g o
te m po , d ive rsa s ma n i fe s t a es sec re t a s de pesa r , t an to qu e , passados v in t e
a n o s ,
u m f a ls o N e r o a i n d a te v e g r a n d e a c o l h i m e n t o , s o b r e t u d o e n t r e o s
P a r t o s , o q u e r e v e l a a a d m i r a o q u e o O r i e n t e l h e c o n s a g r a v a (Nero 5 7 . 2 ) .
A s r e a c e s m o r t e d e D o m i c i a n o c o n t r a s t a m c o m a s m a n i f e s t a e s u n i
ve rsa i s de pesa r pe lo t re spasse ante diem d e T i t o (Tit. 11): a inevi tvel
c o m p a r a o d o s d o i s i r m o s p r e j u d i c a o m a i s n o v o .
O
p o v o a c o l h e u c o m
i n d i f e r e n a a n o t c i a d a m o r t e d o l t i m o d o s F l v io s ; o s s o l d a d o s , c o m
a g r a v o ( q u i s e r a m i n c l u s iv e v i n g - l o ) ; o s s e n a d o r e s c o m t a n t a a l e g r i a q u e
c o r r e r a m p a r a a C r i a , c r i v a r a m - n o d e i n j r i a s e t r a t a r a m d e p r o p o r a
damnatio memoriae (Dom.
2 3 . 1 ) .
E m s u m a , r e t o m a d a s p e l o b i g r a f o , a s c a r a c t e r s t i c a s d o s t i r a n o s f a v o
r e c e m u m a d e s c r i o v e r o s m i l p a r a o s s e u s
c o n t e m p o r n e o s
1 0 5
a s s e n t a m
c e r t a m e n t e n u m f u n d o d e v e r d a d e , e n q u a d r a d o p o r u m v o c a b u l r i o
102
Corpus eius ut unco
traheretur
atque
in Tiberim
mitteretur, senatus et
popuius
postulauit
(Hist.Aug. Com.17.4).
103
J . L. Bran do 2007 : 133-146; C.Teixeira 2007 : 229 -242 ;R. Furtado 2007:
187-228.
104
Os cesar ic idas Bruto e Cssio cunharam moedas com opileus ladeado por
dois punhais.Vide B. Poul le 199 7: 243 -25 2.
105
V ide F. D u p o n t e t T .loi 2001 : 263 -323 .
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
24/26
Tirano ao Tibre
135
tipificado e ilustrado com exemplos por vezes decalcados de situaes
anlogas, com exageros ou distores da realidade, operadas pelo autor ou
pelas suas fontes. Suetnio inclui, nas
Vidas dos doze Csares,
relatos de
vrias provenincias e, de modo geral, no estabelece uma clara distino
entre fontes credveis e fontes duvidosas, designadas a maior parte das
vezes genericamente, por recurso a expresses como sunt qui putent, multi,
alii, quidam, nonnulli.
Alm das fontes, tambm o bigrafo deixa o seu cunho pessoal ,
qu an to mais no seja pelos seus critrios de anlise. Ao descartar a aco
de Sejano ou Tigel ino (retratados por Tci to com termos prprios da
tirania
106
) , Sue tnio imp uta a Tib rio e a N er o a total responsabi l idade dos
actos ocorr idos nestes pr incipados: deste modo, os caracteres so apresen
tados de forma m ais uni tr ia . Ta m bm no pro cura hierarquizar o s factos
segundo o seu relevo histr ico; antes tende a ceder s verses mais roma
nescas, muitas vezes resultantes da calnia
10 7
.
O
principal objectivo do autor, na linha da tradio biogrfica,
fazer uma caracter izao completa das personagens: factos anedticos, di
tos de espr i to e meros boatos contr ibuem para del inear o carcter e
revelam-se to ou mais importantes do que os grandes fei tos hericos (Plu.
Alex
1). O ra S uet nio , ao op tar pelas verses mais intensas, apresen ta
nar ra t ivas que podem no passar de rumores , mas que acentuam os
caracteres descritos. A c onsta nte g eneralizao e a gradao dos vcios e
dos exempla,em vez da ord ena o cron olg ica, fazem ressaltar aind a mais
os t raos t i rnicos. Para tornar o relato consonante com a caracter izao
dominante do imperador em causa, o bigrafo recorre frequentemente a
associaes e ao emprego de expresses do tipo non
abhorret
a
ueritate
109
.
D o pon to de v i s t a dou t r i na l , t omando como exempl o os mona r cas
helenst icos, todo o t i rano evidenciar ia part ida
inciuilitas, saeu itia
ou
crudelitas,
luxuria,
rapacitas,
libido exacerbada e
impietas
con tra os deu ses,
contra a ptria e contra a famlia. E, se no apresentava estes traos,
conclui
se que os dissimulava: uma forma hbil de explicar, sem entrar em contra
dio,
o t radic ional per odo bom de pr ncipes como Cal gula ou Nero .
106
Cf., para Sejano,
Anti.
4.1;paraTigelino,Hist.1.72.
107
Vide
J.Gascou 1984:438;
R..
Martin 1991: 153-157.
108
Cal.
12.3;
necabhorret a uero(Tib.
62.3);
non abhorrenta a natura sua
{Nero
43.1).
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
25/26
136 J
os
Lus Lopes Brando
ibliografia
A.AIARDI (1978), Per uninterpretazione deliaDomusurea",
PP33:
90-103.
B. BAIXWIN
(1979), Nero and his mothers corpse ,Mnemosyne32: 3 8 0 - 3 8 1 .
S. BARTSCH (1994),
Acors
in the
audience. Theatricality
and
doublespeak from
Nero to
Hadrian.Cambridge (Mass.).
M.
BLAISON
(1998), Sutone et Yekphrasis de la Domus urea", Latomus 57:
617-624.
K. R. BRADLEY (1978),Suetonus' Life of Nero. An
historcal commentary.
Bruxelles.
J. L.
BRANDO
(2005), Suetnio e o fascnio do Oriente in F. Oliveira (coord.),
Gnese e
Consolidao
da
Ideia
da Europa.Vol. III:
O
Mundo Romano. Coimbra,
81-102.
J. L. B R A N D O (2007), Cmodo: outro Calgula, outro Nero , Humanitas 59:
133-146.
L.C N F O R A
(
s
2000),
Giulio
Cesare.
dittatoredemocrtico.Roma/Bari.
T. F. CARNEY (1968), How Suetonius' lives reflect on Hadrian , PACA 11 : 7-24.
P. CEAUSESCU
(1973), Calgula et le legs d'Auguste ,Historia22: 269-283.
J. R.
DUNKLE
(1967), The Greek tyrant and Roma n politicai invective of the late
Republic , TAPhA
96:151-171.
J. R.
DUNKLE
(1971), The rethorical tyrant in Ro ma n Histo riography: Sallust,
Livy andTacitus , CW
65 :
12-20.
F. DUPONT et T.ELOI (2001), L'
rotisme masculin
dans la
Rome antque.
Paris.
R.
FURTADO
(2007) Vinho novo em velhos odres? Porque foi assassinado Marco
Aurlio Antonino? , Cadmo17:187-228.
J. GASCOU (1984),Sutone historien.Paris.
A. A. HOWARD & O
N . JACKSON
(1922), Index uerborum C. Suetoni Tranquili stilique
eius proprietatum
nonnullarum.Cambridge.
D.W. HURLEY (1993),An historcal and historiographical commentary on Suetonius'Life
of C. Calgula.Atlanta.
RLAMBRECHTS (1953), Calgula dictateur littraire ,
BIBR
28: 219-232.
M. LEVI (1973),Nerone e suoi tempi.Milano.
H.
LINDSAY
(1995),Suetonius, Tiberius.London.
R. MARTIN (1991),
Les
douze Csars: du
mythe
la
ralit.
Paris.
R. MAYER (1982), What caused Poppaea's death? ,Historia31 : 248-249.
J.
M C G L E W
(1993),
Tyranny and
politicai culture
in
ancient
Greece.
Ithaca and
L o n d o n .
-
7/21/2019 Tirano Ao Tibre! Esteretipos de Tirania Nas Vidas Dos Csares de Suetnio
26/26