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audiencia publica guerrilha do araguaiaTRANSCRIPT
DEPOENTE: CRIMÉIA SCHMIDT DE ALMEIDA, DANILO CARNEIRO, MARIA ELIANE DE CATRO E ELIZABETH SILVEIRA E SILVA
Categoria do depoente: Vítimas civis e familiares
Tipo de arquivo: Vídeo
Duração: 03:20:00
Ocasião: Audiência Pública Guerrilha do Araguaia
Data: 12/08/2014
Local: Brasília
Responsáveis pela
tomada de depoimento:
Maria Rita Kehl, José Paulo Cavalcanti Filho, Rosa Cardoso, Pedro Dallari,
José Carlos Dias, Paulo Sérgio Pinheiro, André Sabóia
NUP: 00092.001866/2014-60
Nomes citados:
Lício Augusto Ribeiro Maciel, Thaumaturgo Sotero Vaz, Álvaro de Souza
Pinheiro, José Conegundes do Nascimento, Sebastião Curió Rodrigues de
Moura, Epaminondas Gomes de Oliveira, Antônio Bandeira, João Carlos Haas
Sobrinho (Juca), Odílio Cruz Rosa (Cabo Rosa), Emilio Garrastazu Médici,
Orlando Beckmann Geisel, Milton Tavares de Souza, Darcy Jardim de Matos,
“general Junqueira”, Gilberto Airton Zenkner, Alair de Almeida Pitta, Aluízio
Madruga de Moura e Souza, João Santa Cruz Sacramento, “cabo Carvalho”,
TOMADA DE TESTEMUNHO
(transcrição)
Criméia Schmidt de Almeida, Danilo Carneiro,
Maria Eliane de Castro e Elizabeth Silveira e Silva
12/08/2014 – Completo
Idyno Sardenberg Filho, Carlos Alberto Di Primio, Hugo de Andrade Abreu,
Paulo Malhães, Uriburu Lobo da Cruz, José Brant Teixeira, Pedro Correa
Cabral, Confúcio Danton de Paula Avelino, Wilson Brandi Romão, Flávio de
Marco, “major Loureiro”, “major Caldas”, Léo Frederico Cinelli, Nilton de
Albuquerque Cerqueira, Carlos Nicolau Danielli, Carlos Alberto Brilhante
Ustra, Pedro Antônio Mira Grancieri, Benoni de Arruda Albernaz, Aparecido
Laertes Calandra, Maurício Lopes Lima, José Duarte, Wagner da Silva Macedo,
“Dr. Tulio”, “tenente Moraes”, “dr. Ricardi”, “major Otto”, Virgílio Lopes
Eney, Rosa Cardoso, Paulo Evaristo Arns, Joaquim Arthur Lopes de Souza,
Antônio Teodoro de Castro (Raul), José Genoino Guimarães Neto, Cilon Cunha
Brum (Simão), Antônio Ermírio de Moraes, “Sitônio”, “Baiano”, Sérgio
Fernando Paranhos Fleury, Paulo César Fontelles de Lima, Antônio Carlos
Vasconcelos, Harry Egon Prass, Jamiro Francisco de Paula, Joaquim Calegário
Filho, Joel Rodrigues de Vasconcelos, Luís Henrique Nazareno, “Martins”,
Olavo Vianna Moog, Oswaldo Puglia, Otto Denis Gomes Porto, “sargento
Ribeiro”, “cabo Torrezan”, Túlio Pinaud Madruga (“Meirelles”), Luiz René
Silveira e Silva (Duda), Micheas Gomes de Almeida (“Zezinho”), Maria Lúcia
Petit da Silva, Hélio Luiz Navarro de Magalhães, Antônio de Pádua Costa.
Locais citados:
Araguaia, base do CIE (Marabá), Casa Azul, base Xambioá, Gabinete do
Exército, CISA, Cenimar, São Geraldo do Araguaia, Serra das Andorinhas,
INCRA, Bico do Papagaio, DOI-CODI de São Paulo, Ibíuna, Serra das Araras,
Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército, OBAN, Fazenda
Fortaleza, Fazenda Rainha do Araguaia, Rede Globo, Grupo Bandeirante, Folha
de São Paulo, Jornal do Brasil, Estadão, Transamazônica, 22º Batalhão de
Infantaria Oficial (Belém), Carolina do Maranhão, PIC (Centro Militar de
Brasília).
Organizações citadas:
PCdoB, AP, PRT, Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-
Palmares), Ação Libertadora Nacional (ALN), Partido Comunista Brasileiro
(PCB).
00092_001866_2014_60 1 - Abertura 01.2 Abertura: 1
Pedro Dallari (Comissão Nacional da Verdade) – Em nome da Comissão Nacional da 2
Verdade que está hoje com sua composição integral nessa Audiência Pública, 3
demonstrando a relevância que o tema tem para a Comissão. Quero saudar a presença de 4
todos e agradecer a presença deste auditório da Confederação Nacional dos Trabalhadores 5
do Comércio, o auditório do Centro Cultural do Banco do Brasil, hoje funcionam as 6
atividades da Comissão Nacional da Verdade, está em reforma, por isso é que nós temos 7
que fazer as nossas atividades fora do de lá, e agradecemos então a possibilidade de usar 8
esse auditório e a disponibilidade das pessoas de se deslocarem até aqui. Então estamos 9
presentes aqui o professor Paulo Sérgio; Dr. José Carlos Dias; Dra. Rosa Cardoso; Dr. 10
José Paulo Cavalcante; e a nossa querida Dra. Maria Rita Kehl. Ah, está aqui na ponta, 11
logo atrás do José Paulo. Portanto, todos presentes. Então participar dessa audiência, que 12
tem como objetivo fazer uma apresentação do andamento das investigações que vêm 13
sendo conduzidas pela Comissão Nacional da Verdade, acerca dos mortos e 14
desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. A ideia dentro do planejamento de audiências 15
públicas da Comissão, tiveram início em fevereiro desse ano, nós agora no dia 18 vamos 16
completar seis meses da sequência de audiências públicas. A ideia original é que essa 17
Audiência Pública tivesse lugar em maio, mas a pedido dos familiares dos familiares, ela 18
foi adiada pelo imprevisto justamente a ocorrência do mês de maio de uma audiência de 19
acompanhamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos de São José da Costa 20
Rica da execução da sentença em que aquela Corte deliberou justamente sobre o caso da 21
Guerrilha do Araguaia e a matéria que é objeto dessa Comissão. Portanto, com o apoio 22
houve então a transferência dessa audiência para a data de hoje e ela, na verdade, se insere 23
no contexto do conjunto de atividades de investigação referente a essa situação que vem 24
crescendo de toda atenção da Comissão Nacional da Verdade. Nós temos clareza da 25
importância, a metade, talvez até mais dos desaparecidos que estão associados aos 26
eventos do Araguaia e, portanto, a Comissão não poderia deixar de dar uma importância 27
bastante relevante para esse tema. Conforme já vem sendo trabalhado com os 28
colaboradores da Comissão, no relatório final da Comissão, os membros da Comissão 29
determinaram a existência de um capítulo especialmente dedicado a esse tipo, a essa 30
situação do Araguaia, ou seja, nós temos um capítulo que trata de maneira geral, de alguns 31
eventos que tiveram uma repercussão maior, uns são mais emblemáticos, mas no caso do 32
Araguaia houve a deliberação da Comissão de criar capítulo especialmente para este caso 33
pela relevância que ele tem. Além disso, no relatório da Comissão que consistirá de dois 34
volumes, o primeiro volume será então de estruturação destes capítulos temáticos, e 35
haverá um segundo volume o congrega os perfis das vítimas mortos e desaparecidos. E 36
que está sendo preparado com muito cuidado pela Comissão Nacional da Verdade com a 37
colaboração de várias Comissões Estaduais e Municipais da Verdade que estão dando 38
colaboração no preenchimento de fichas para que haja a consolidação de informações de 39
uma maneira que seja mais completa possível e evidentemente os perfis das vítimas do 40
Araguaia, farão parte individualizadamente do Tomo 2, do Volume II do Relatório da 41
Comissão. Ainda no tocante ao Araguaia, nós, a Comissão deliberou por fazer nesses 42
meses remanescentes algumas diligências, algumas visitas ainda ou inspeções a centros 43
de graves violações de direitos humanos, assim como nós já fizemos, por exemplo, à Base 44
Aérea do Galeão. E está prevista uma diligência da Comissão à Casa Azul de Marabá, a 45
data inicialmente prevista é 19 de agosto, mas provavelmente ela ficará um pouco mais 46
para frente dada à necessidade de acertar a logística de deslocamento da Comissão, das 47
assessorias, até da imprensa para Marabá. A Casa Azul de Marabá já foi objeto de enfoque 48
em uma audiência pública realizada em São Paulo, que tratou dos centros clandestinos de 49
tortura e agora a Comissão irá in loco fazer uma vistoria na Casa Azul de Marabá. Temos 50
ainda prevista oitiva de depoimentos em agosto e setembro de agentes da repressão que 51
tiveram relação direta com os eventos do Araguaia, Lício Augusto Maciel vai ser ouvido 52
no Rio de Janeiro, Thaumaturgo Sotero Vaz, Álvaro de Souza Pinheiro aqui em Brasília 53
agora ao longo de mês de agosto eventualmente em setembro. Para audiência de hoje, nós 54
vamos, então, fazer uma apresentação, a cargo do Secretário-Executivo André Saboia que 55
irá então retratar o estágio das investigações sobre situação do Araguaia aqui no âmbito 56
da Comissão Nacional da Verdade. Vamos ouvir também Dr. Fernando Bruno de Souza, 57
da Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos da 58
Presidência da República, que vai falar sobre o andamento das investigações naquele 59
âmbito. Na sequência vamos colher depoimentos de familiares, vítimas e sobreviventes e 60
temos para... está previsto dois depoimentos de agentes que seria, José Conegundes do 61
Nascimento, que ainda está prevista a participação, ele não confirmou a presença, nem 62
ausência. Então, ainda nós estamos aguardando e vamos ouvir mais tarde caso venha e 63
Sebastião Curió. Nós fomos informados na tarde de ontem, estava convocado para vir 64
aqui, pela imprensa havia anunciado já a sua disponibilidade de vir prestar depoimento 65
da Comissão. Nós fomos informados pelo seu advogado na tarde de ontem que ele estava 66
se internando no Hospital das Forças Armadas aqui de Brasília para realização de exames, 67
isso foi nos comunicado às 15h de ontem. Ontem, às 20h, fomos informados pelo 68
advogado que ele havia ficado internado no Hospital das Forças Armadas em função dos 69
exames que realizou. A Comissão através dos seus advogados, nós já fizemos em outros 70
casos, inclusive a ouvi-lo nas instalações do Hospital das Forças Armadas, e a visita... 71
Estamos aguardando o contato, se isso for possível dois dos membros da Comissão vão 72
se deslocar então para colher o depoimento dele como nós já fizemos em outras 73
oportunidades com outros depoentes. Mas, enfim, ainda não temos a confirmação e no 74
final vamos ter os comentários finais dos membros da Comissão. Então, esta é a sequência 75
de nosso trabalho, que não se esgota, evidentemente, na data de hoje, mais que, na data 76
de hoje, vai ser muito importante porque permite que nós estamos trabalhando de maneira 77
concentrada neste que é um dos temas de maior relevância sem dúvida nenhuma da 78
agenda da Comissão. Antes de passar então à apresentação pelo Secretário-Executivo 79
André Saboia, do Estado da Pesquisa e do Trabalho da Comissão, eu pergunto aos 80
membros da Comissão se alguns colegas quer fazer uso da palavra? Então passo a palavra 81
ao André para que faça sua apresentação e vou sugerir a nós mesmos, que nós nos 82
sentemos ali para poder acompanhar a apresentação. 83
00092_001866_2014_60 1 - Abertura 01.3 Abertura: 84
André Saboia (Secretário Executivo da Comissão Nacional da Verdade) – Bom dia a 85
todos e a todas aqui presentes. Como o próprio Coordenador aqui falou, nós estamos nesse 86
momento elaborando um relatório final da CNV no qual está previsto entre outras 87
menções um capítulo específico, que é um relato, uma reconstrução histórica desses 88
acontecimentos. E a intenção da Comissão, os pesquisadores que vêm trabalhando com 89
esse tema é aproveitar essa oportunidade para construir juntamente com a sociedade civil, 90
com os familiares, com os sobreviventes, o que será esse relato. Então, faremos aqui uma 91
breve apresentação com o objetivo de contextualizar os acontecimentos, a gente não tem 92
a pretensão de esgotar os fatos, mas simplesmente apresentar algumas de nossas pautas e 93
algumas das atividades que a Comissão da Verdade vem realizando principalmente no 94
cumprimento do seu papel de identificação das sepulturas, dos locais, das instituições 95
relacionadas às graves violações dos direitos humanos, das autorias dessas graves 96
violações e de seus esclarecimentos das inúmeras circunstâncias das mortes, das torturas, 97
das prisões arbitrárias, dos desaparecimentos. Bom, como vocês sabem, a Guerrilha do 98
Araguaia foi um movimento armado desenvolvido pelo PCdoB, na região da divisa região 99
Bico do Papagaio, região dos Estados Pará, Maranhão e Goiás, hoje Tocantins. Os 100
primeiros militantes do PCdoB começaram a chegar na região em 1966 e 67, no Sudeste 101
do Pará e proximidades com o objetivo estratégico baseado na experiência da Revolução 102
Chinesa, de promover uma guerra popular rural, com o apoio da população camponesa 103
local que vivia conflitos diários graves. Os combates do Araguaia só foram iniciados seis 104
anos depois da chegada dos primeiros militantes, quando o Exército Brasileiro, junto às 105
Forças Armadas iniciaram o ataque aos destacamentos de guerrilheiros. As Forças 106
Armadas, como vocês sabem, realizaram três operações, três grandes campanhas 107
militares e várias operações de inteligência na região. Mobilizando cerca de 10 mil 108
homens, foi a maior mobilização de tropas desde a Força Expedicionária Brasileira da 109
Segunda Guerra Mundial. Na primeira campanha, em 1972, primeira e segunda campanha 110
não foram feitos prisioneiros, na terceira campanha o Exército Brasileiro, a Marinha e a 111
Aeronáutica, aplicando as técnicas dos exércitos dos Estados Unidos e da França haviam 112
usado contra suas guerras coloniais no Vietnã e na Argélia, usou contra a população 113
brasileira essas técnicas que resultaram o extermínio de todos os prisioneiros, todos os 114
insurgentes, quer sejam camponeses ou militantes do PCdoB. Há vários registros, sejam 115
testemunhais, alguns documentais de guerrilheiros e camponeses que foram presos e 116
levados com vida para bases militares nos casos principais a base do CIE em Marabá, a 117
Casa Azul, para a base Xambioá e para outros campos de concentração de prisioneiros 118
que ainda são menos conhecidos de toda a região. O saldo, até onde se sabe, o saldo dos 119
desaparecidos foi cerca de 70 pessoas entre militantes do PCdoB e camponeses. Pode ser 120
esse número e pode ser maior. Há uma dificuldade nos bancos de dados do Estado para 121
identificar, qualificar as vítimas entre a população local, a população pela falta de 122
registros. As baixas militares dessas campanhas de operações foram significativamente 123
menores. As investigações da Comissão da Verdade até o momento identificaram oito 124
baixas militares, sejam em confrontos ou em acidentes ou fogo amigo. O que mostra 125
desde o início a desproporcionalidade das forças da operação justamente de extermínio, 126
de acerto ou aniquilamento. Aqui nós temos o mapa da região, que é um pouco um mapa 127
mais didático, que é o que nós encontramos que mostra o diário de operações, as 128
principais cidades, o acampamento de guerrilheiros, as principais localidades. O combate 129
à Guerrilha do Araguaia teve um papel muito grande com a ação dos serviços de 130
informações. Que foi o Exército Brasileiro, a Aeronáutica, a Marinha que ainda não 131
tinham experiência na guerrilha rural por meio de operações de infiltração da população 132
local até o interior, entre a descoberta da Guerrilha do Araguaia, colhendo informações 133
sobre a Guerrilha que foram fundamentais para a sua terceira campanha, e resultou na 134
derrota militar da Guerrilha. As principais operações que aí estão listadas, não é? A 135
Operação Carajás, a Mesopotâmia, a Axixá e a Peixes. A Comissão da Verdade ela se 136
debruçou em um trabalho coordenado pelo assessor Daniel Lerner, se debruçou bastante 137
na pesquisa sobre a Operação Mesopotâmia, que foi desencadeada pelo Exército em 138
agosto de 1971, comandada pelo general de Brigada Antônio Bandeira de Melo que então 139
atuou com o objetivo de, na região na divisa entre Pará, Maranhão e Goiás, para buscar 140
militantes da AP, do PRT, da VAR-Palmares e da ALN. Nessas investigações foi 141
realizada a exumação aqui em Brasília do Epaminondas, líder camponês Epaminondas 142
Gomes de Oliveira, militante do PRT, foi preso em sua casa no Maranhão e trazido para 143
Brasília e morto sob tortura, sob tutela do Exército. Já os documentos da Operação 144
Mesopotâmia a gente vê como era, como estava na ordem do dia da ditadura a 145
possibilidade da inclusão de uma guerrilha rural, ou de uma Revolução Camponesa que 146
a Operação Mesopotâmia foi vista como uma espécie de uma experiência, primeira 147
experiência nessa varredura da região e nós vamos ver por esse documento qual é a visão 148
do Exército, que aquela região uma fronteira agrícola no interior do Brasil com um terreno 149
muito fértil para semear toda essa tensão, nas palavras do general Bandeira. Nós temos 150
aqui um outro documento da Operação Mesopotâmia que fala sobre as prisões, instruções 151
para que as prisões sejam realizadas de madrugada. Já a prática de prisões ilegais, nós 152
temos também os documentos do relatório que faz referência ao militante Juca, o apelido 153
de João Carlos Haas Sobrinho, depois irá ter uma importante na região do Araguaia e 154
então desaparecerá. Aqui nós temos algumas informações sobre a primeira campanha 155
iniciada em abril de 1972. Há uma certa incerteza sobre a data precisa. Foi composta por 156
dois homens pertencentes a várias unidades militares. Aí já nessa primeira campanha os 157
militares instalaram seus quartéis generais em Marabá, em Xambioá, e de lá comandaram 158
as operações. O primeiro ataque acontece em abril/maio de 1972, o resultado é a morte 159
de Bergson Gurjão Farias e dois camponeses suspeitos de colaborar com a Guerrilha que 160
morrem nas delegacias de Xambioá, casos de falsos suicídios, simulação de suicídio. 161
Foram presos também alguns guerrilheiros nessa operação e, no primeiro confronto entre 162
guerrilheiros e militares, foi morto o cabo Odílio Cruz Rosa. Essa primeira campanha, 163
esse primeiro ataque resulta fracasso das Forças Armadas, como já foi dito aqui sem 164
experiência no combate à Guerrilha. Aqui nós temos, esse é um trabalho que foi feito pela 165
Assessoria da Comissão, pela historiadora, Heloísa Starling, que é de identificação das 166
cadeias de comando das campanhas e operações de inteligência do Araguaia. O 167
presidente, a campanha inicia sob a presidência de Emílio Médici, do ministro do Exército 168
Orlando Geisel e já na primeira campanha uma importância muito grande dos Centros de 169
Informação. Onde aparece o nome de Milton Tavares de Souza, chefe do CIE, vai 170
permanecer à frente do CIE de 1969 a 1974 que, ao fim das contas, era um grande 171
estrategista das campanhas militares, baseada na subordinação direta ao Gabinete do 172
Exército e das informações. Temos aqui o subchefe do CISA e do Cenimar também 173
envolvidos. Vários chefes internacionais ligados à CIE, em Brasília e Comandos de 174
Tropas ligados à estrutura militar formal. Aí está o general Bandeira, general Darcy 175
Jardim de Matos, em Belém, general Junqueira. Comandantes também da área de 176
informações: Gilberto Zenkner, Alair Pitta, já nessa primeira campanha, o encarregado 177
de interrogatório de militares, foram convocados ou ouvidos pela CNV, Lício Maciel, 178
Aluízio Madruga e João Sacramento. Aqui nós temos umas fotos dos principais 179
comandantes militares: Tavares e Antônio Bandeira. Aqui nós temos a ficha das 180
movimentações na carreira do Antônio Bandeira. Isso é importante para dar uma 181
contextualizada, uma prova documental, mas esse tipo de informação é no máximo 182
informação que as Forças Armadas têm fornecido para a Comissão pelos seus agentes. 183
São documentos de conotação formal, não indica mais detalhes, em razão disso, nós 184
estamos reiterando solicitações para ter acesso às folhas das operações dos militares onde 185
você tem informações mais específicas, todas as missões realizadas, os elogios que 186
receberam dos seus superiores, as condecorações que receberam, as viagens que 187
realizaram. Tendo acesso a essa documentação mais detalhada, não são os arquivos 188
secretos da Ditadura, são os arquivos burocráticos da área de pessoal das Forças Armadas 189
nós podemos alcançar um esclarecimento das estruturas da repressão e ação dos seus 190
agentes. Aí do general Bandeira, nós sabemos apenas que ele era o comandante da 191
Terceira Brigada de Infantaria em Brasília, de 7 de fevereiro de 1972 a 29 de março, pela 192
documentação formal. Não sabemos da atuação dele em outros documentos entregues ao 193
Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica, CISA. Aqui nós temos um dos 194
comandantes de tropa da primeira campanha que também vai atuar na Operação Sucuri, 195
que é uma pessoa, agente importante na repressão da Guerrilha do Araguaia, que é o 196
Gilberto Airton Zenkner, está vivendo em Brasília gozando de boa saúde, mas foi ouvido 197
pela CNV sob o amparo de um habeas corpus. Ele apenas reconheceu que atuou na sessão 198
de informações da Terceira Brigada de Infantaria. Quase nada mais, mas é uma figura 199
muito importante, nós temos a intenção de convocá-lo novamente, porque realmente ele 200
aparece em vários documentos. Já confessou que o CIE, da área de informações, que na 201
verdade foi quem teve o comando de fato dessas operações. Enquanto você tem essa 202
figura formal do general Bandeira fazendo um certo ritual, digamos assim, militar, um 203
comando a cadeia de comando paralelo ideal é da área de informações. Isso fica mais 204
acentuado a partir da terceira campanha. Nós temos aqui um novo agente já está desde o 205
início que é importantíssimo ele mesmo já rompeu o silêncio dos militares sobre a 206
campanha no Araguaia, Lício Augusto Maciel, que foi convocado pela CNV, não 207
compareceu, primeiro apresentou uma justificativa. A audiência foi marcada para o dia 208
seguinte, novamente não compareceu sem apresentar qualquer justificativa e como já 209
ficou combinado será convocado em breve porque tem muito que esclarecer. Aqui nós 210
temos a ficha funcional do Lício Maciel, cheio de movimentações, mas vemos que todo 211
o período, praticamente todo o período de atuação no Araguaia, ele era um efetivo do 212
Gabinete do Ministro do Exército, que foi de 1966 a 1974. Nós também solicitamos mais 213
documentação sobre ele para poder esclarecer. Mais um agente que foi ouvido pela CNV, 214
falou um pouco mais do que o Gilberto Airton Zenkner, mas não falou muita coisa. 215
Reconheceu que ele atuou na Terceira Brigada de Infantaria Motorizada e como 216
informação na Operação Sucuri durante seis meses em 1973. Nós vamos falar depois da 217
Operação Sucuri, mas a Operação Sucuri da qual a CNV ouviu outros agentes é um pouco 218
a parada estratégica e um pouco da virada da estratégica militar onde os militares, de uma 219
certa maneira, descobrem a ação guerrilheira e fazem infiltrações, uma longa infiltração 220
na população local para colher certas informações que vão subsidiar a sua terceira 221
campanha. Aqui nós temos também a ficha do Aluízio Madruga, que também só apenas 222
confirma que ele estava na Terceira Brigada de Infantaria Motorizada em Brasília de abril 223
de 1972 a janeiro de 1974. E aqui nós temos um depoimento importante, um sargento que 224
reside em Belém, prestou depoimento à CNV em novembro de 2013, e reconheceu ter 225
atuado no Araguaia durante todas as fases do combate à Guerrilha. E, em 1972, foi 226
comandante do Destacamento do São Geraldo do Araguaia. Aí ele descreve a Casa Azul 227
e testemunha a captura de vários prisioneiros que depois desapareceram. A gente... acho 228
que vamos mostrar um pouco o áudio dessa oitiva para vocês terem uma ideia do que ele 229
disse à Comissão da Verdade. 230
[Apresentação de áudio]. 231
João Santa Cruz Sacramento – [Trecho incompreensível]. 232
Leonardo Hidaka (Comissão Nacional da Verdade) – Havia [trecho incompreensível] 233
também, mais militar preso, morto, morto em combate, exterminado. O senhor acredita 234
que as famílias dessas pessoas tinham o direito de sepultá-las? 235
João Santa Cruz Sacramento – Eu acredito que sim. Eu acredito que sim. [Trecho 236
incompreensível]. Porque, vou dizer a verdade, a única chave de tudo isso é o Curió. É 237
o Curió é o único, é o único que podia monitorar aqui, acolá, até porque ele tinha acesso 238
em tudo, ele era meu chefe. Ele tinha acesso a tudo. E já dava motivos, entendeu? Sim. 239
Agora me lembrei o cabo que era com ele... O cabo Carvalho, se tivesse como encontrar 240
e pudesse prender, ele ia prender, ele não ia matar. Entendeu? Ele ia prender. Mas muito 241
mesmo que foram presos e eram entregues na Casa Azul. 242
André Saboia (Secretário Executivo da Comissão Nacional da Verdade) – Bom, aí 243
nós vemos o depoimento... a informação que aparece também nos depoimentos de presos 244
levados para a Casa Azul são mortos, não era uma opção, como diz o militar, mantê-los 245
presos direta ou indiretamente em outros depoimentos de militares que nós vamos mostrar 246
aqui. Nós passamos aqui para a primeira campanha, no segundo ataque onde aparecem 247
alguns novos personagens que foram ouvidos pela CNV e também são relevantes pelo 248
que expressam em termos de ideologia e doutrina das Forças Armadas nesses combates. 249
Aí nós temos o major Idyno Sardenberg, que eu vou falar sobre ele depois, o major Carlos 250
Alberto Di Primio, está vivo, mas ainda não foi ouvido, deverá ser ouvido. O major 251
Thaumaturgo Sotero Vaz, hoje general, e foi convocado para essa audiência manifestou 252
dificuldades, por residir em Manaus, foi novamente convocado para a próxima semana, 253
aqui em Brasília. Na equipe direta do combate, aparece o então tenente Álvaro de Souza 254
Pinheiro, hoje também general do Exército Brasileiro. O Idyno Sardenberg foi ouvido 255
pela CNV em novembro de 2013 e atribuiu a ele próprio a ideia de combater em trajes 256
civis, militares à paisana, uma guerra clandestina. Isso que aparece em documentos, que 257
aparecem em outros depoimentos, aparece até mesmo no artigo publicado na revista 258
norte-americana do general Álvaro de Souza Pinheiro. Ele era braço direito do general 259
Hugo Abreu e também no depoimento dele, ainda que indiretamente, aparece a menção 260
de que: “a nossa missão é combater a Guerrilha, se prendesse era para entregar ao CIE.” 261
Então entregava os guerrilheiros lá, era simplesmente entregar sem dar maiores 262
informações sobre o que acontecia. E aqui nós temos a ficha dele, foi recebida também 263
pelo Ministério da Defesa, tem uma coisa muito curiosa, o andamento da informação que 264
é justamente no período de 1965, de março de 1965 a julho de 1974, eles não nos 265
forneceram informações de onde ele estava lotado. Quer dizer, tem vários asteriscos, a 266
gente sabe que ele sai do comando da 1ª Região Militar em janeiro de 1965 e, em 1974, 267
está no Estado Maior do Exército. Segundo o depoimento dele, ele atuou como 268
paraquedista nessa época toda em vários episódios da repressão, mas não recebemos 269
nenhuma informação oficial sobre a lotação desse senhor que prestou depoimento à CNV. 270
Aqui nós temos outro personagem importante também, general, vivo, vive em Manaus é 271
assessor parlamentar do Comando Militar da Amazônia. É uma figura importante, é um 272
instrutor do Exército Brasileiro, fez curso de guerra na selva, no Panamá, foi instrutor no 273
Panamá. Fez um curso de chefe de Inteligência no Panamá, atuou como paraquedista, foi 274
laureado com a Medalha de Pacificador em 1969, recebeu condecorações do Exército 275
Norte-Americano. Depois de receber a sua instrução e atuar como instrutor na Escola das 276
Américas no Panamá, ele foi instrutor no Forte do Leme, no Centro de Estudos de Pessoal 277
no Leme onde foi adestrado entre outros militares, como o Paulo Malhães. Ele foi 278
instrutor no Centro de Treinamento na Selva, em Manaus. Centro que ele dirigiu nos anos 279
1980 e integrou o GBT representante das Forças Armadas, em 2008 e 2009. Participou 280
da repressão à Guerrilha, esteve junto com Álvaro de Souza Pinheiro, e outros no resgate 281
do Cabo Rosa, é acusado de torturar presos políticos e prisioneiros durante a repressão. 282
Aqui nós temos a ficha de movimentação do Thaumaturgo, durante a época da Guerrilha, 283
ele estava no Centro de Instrução de Paraquedistas, da Terra Brasil, na Vila Militar no 284
Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo que era instrutor, estava em plena atividade no 285
Araguaia. Isso então é uma informação importante até para no futuro a gente desconstruir 286
certos álibis, é bastante incompatível atuar como missão ou fazer algum curso de 287
aperfeiçoamento e estar também atuando em combate. Depois, ao final da Guerrilha, ele 288
foi para o Estado Maior do Exército, aqui em Brasília. Aqui a gente tem, no currículo 289
dele, a atuação dele como instrutor na Escola do Exército Americano do Panamá em 1962, 290
ainda antes do golpe de julho de 1964. O general Thaumaturgo não pôde estar presente 291
hoje a gente tem esperança de ouvi-lo, mas nós recolhemos aqui uma informação que ele 292
deu em uma entrevista ao Jornal do Norte, hoje nós temos o original desse jornal onde ele 293
expressa a visão dele sobre a tortura, onde ele diz que deve ser aproveitado o momento 294
psicológico na prisão para ser arrancada a informação do prisioneiro. Aí é uma declaração 295
bastante reveladora da inspiração doutrinária dessas operações no Araguaia. Aqui nós 296
temos o outro general Álvaro de Souza Pinheiro que combateu como tenente no Araguaia, 297
foi ouvido pela CNV em novembro de 2013, exaltou a atuação do Exército, demonstrou 298
muito orgulho quando mostrou a sua carreira, a sua atuação nas Forças Especiais do 299
Exército. Reconheceu ter atuado em 1972 na Guerrilha que foi ferido. Confirmou haver 300
estado no Araguaia por 247 dias inclusive na fase decisiva dos combates. Não fez 301
referência a mortes, esclarecimentos. Fez algumas declarações sobre rendições de 302
prisioneiros onde foi até objeto de artigo de Hélio Castro, da imprensa brasileira. 303
Reconheceu sua participação no resgate no corpo do Cabo Rosa, e referiu-se ao 304
Thaumaturgo Sotero Vaz como: “meu irmão mais velho.” São dois instrutores, dois 305
profissionais das chamadas Forças Especiais do Grupo de Elite do Exército Brasileiro. 306
Aqui nós temos a ficha de Álvaro de Souza Pinheiro, era também paraquedista no mesmo 307
centro do Thaumaturgo, no Rio de Janeiro, na época que atuou na Guerrilha. E aqui nós 308
temos uma foto que o próprio Álvaro Pinheiro colocou na página do Comando Militar do 309
Sudeste, um exercício de tiro e tem uma parte do Álvaro no depoimento que também é 310
reveladora que é esse elo assim do Exército Brasileiro. Apesar desses senhores não 311
revelarem informações sobre mortos e desaparecidos, em um último momento, suas falas 312
são sintomáticas, deixam transparecer até um certo orgulho de ter atuado na campanha de 313
extrema violência e extermínio. 314
[Apresentação de áudio] 315
Álvaro de Souza Pinheiro – Porque eu fui ferido nesse dia, sabia? Eu não vou dizer 316
nunca em que condições foi isso, agora eu posso lhe garantir uma coisa, isso foi combate. 317
Não pense você que foi trancado em um lugar, não. Eu com 10, um ou dois, não foi assim 318
não, entendeu? Eu não sei se vocês têm conhecimento de como é um combate na selva, 319
não é? Curta distância. Você quando atira, atira, não existe tiro para ferir, não é isso? 320
Os tiros que quando são frações, o mato cai. Você estava escondido, deixa de estar. Isso 321
é altamente, isso é uma coisa maravilhosa. É ou não é? Eu fico muito feliz em ter tido 322
essa oportunidade. 323
André Saboia (Secretário Executivo da Comissão Nacional da Verdade – Ainda que 324
não tenha dado informações muito detalhadas, mas sob a circunstância da própria fala é 325
muito reveladora. Ele será ouvido novamente pela CNV, porque uma questão que não foi 326
trabalhada no depoimento, ele foi o primeiro e talvez o único militar brasileiro que 327
reconheceu em um artigo escrito, o uso do Napalm, na Serra das Andorinhas. Então a 328
gente quer ter mais informações sobre que uso foi esse, mais detalhes sobre esse 329
ferimento, esses documentos. Seguindo um pouco para a segunda campanha, aí começam 330
a atuar mais diretamente o Comando Militar do Planalto, Comando Militar da Amazônia, 331
Tropa de Guarda do Exército, Fuzileiros Navais da Aeronáutica e as campanhas militares 332
começam a ter um componente mais forte que é o chamado Ação Civil Social. Um 333
componente das doutrinas contra insurgentes, que é ensinado nas Escola das Américas, 334
também nas doutrinas francesas. Nessa operação houve baixas militares, também baixas 335
de guerrilheiros, aqui nós temos algumas informações complementares como o nome de 336
um capitão de corveta Uriburu Lobo da Cruz, comandante da Força de Fuzileiros Navais. 337
Ele também prestou depoimento à CNV, está sendo analisado o depoimento dele. Não 338
trouxe, realmente ele está muito idoso e tem dificuldades de memória sobre vários fatos. 339
Mas nós temos documentos aqui da Operação Papagaio, já na Operação Papagaio já se 340
falava da operação de limpeza da área. Limpeza da área de combate. Já era um jargão 341
utilizado e vai aparecer com mais força em outros momentos. Podem ver. Nós temos aqui 342
também outro documento, na Operação Papagaio, isso já é antes da terceira campanha e 343
já se fala em eliminar os terroristas que atuam naquela região, eliminando-os ou 344
aprisionando-os. Ali já a primeira opção é eliminar, a segunda opção aprisionando. Esse 345
é um documento dos Fuzileiros Navais, o documento conhecido. Então depois desses 346
reveses há algumas normas militares à Operação Sucuri, a operação de inteligência, vários 347
militares disfarçados de funcionários do INCRA, de posseiros da região, eles fazem esses 348
trabalhos de infiltração na população local, um trabalho muito amplo, recolhendo as 349
informações que serão utilizadas na terceira campanha. Nós vemos aqui já aparece o 350
Curió, o Brant Teixeira, na Operação Sucuri. Esse comandante já vem de antes e, no mês 351
passado, a Comissão da Verdade ouviu quatro agentes da Operação Sucuri, nós 352
convocamos seis, mas só quatro compareceram. Todos confirmaram sua atuação, que 353
usavam identidades falsas, periodicamente iam a São Geraldo fazer relatório das 354
informações que haviam levantado. Todos eles receberam Medalha do Pacificador com 355
Palma, das mais altas distinções do Exército Brasileiro e vários deles, na sua trajetória, 356
depois de atuar no Araguaia, onde estavam na Brigada de Infantaria em Brasília. Na volta 357
do Araguaia iam para o CIE e para o SNI. Todos fizeram esse trajeto. Gabinete, depois 358
para o Exército e, então, Presidência da República. Que mostrou que a sua atuação no 359
Araguaia foi recompensada dentro de carreira militar. Isso é uma coisa que se observa 360
tendo até mais ênfase do que militares que combateram à guerrilha urbana. Alguns deles 361
sofreram algum tipo de estigmatização dentro das Forças, mas, no caso do Araguaia, pode 362
ir até lá e chegar à presidência. Bom, aqui nós vamos para a terceira campanha que já foi 363
falada. O Comando de fato quem fez foi o Milton Tavares de Souza, do Gabinete do 364
Ministro do Exército em Brasília, aplicando todas as técnicas das guerras coloniais, 365
citadas pelos franceses, pelos norte-americanos. E aqui nós escolhemos uma frase do livro 366
Dos Filhos deste solo, de Mario Miranda e Carlos Tibúrcio, que eu acho que ilustra bem 367
o que foi a terceira campanha: “a terceira campanha das Forças Armadas contra a 368
Guerrilha foi uma verdadeira caçada. Nenhuma lei, nenhum princípio, nada foi 369
respeitado. Todos os guerrilheiros presos no decorrer da terceira campanha foram mortos 370
sob tortura ou simplesmente fuzilados.” Sobre essa terceira campanha, tem um 371
depoimento importante que é do coronel aviador Pedro Correia Cabral que relata que 372
havia ordem, de Brasília, para que não ficasse ninguém vivo e mais do que isso que a 373
gente padece até hoje, é a orientação de que não se deixassem vestígios de que o conflito 374
do Araguaia um dia tivesse existido. Eles queriam varrer da história, o exemplo da 375
guerrilha rural e do Bico do Papagaio. Nós temos aqui algumas informações da terceira 376
campanha, quando no segundo semestre de 1974, Milton Tavares, as operações já 377
estavam praticamente finalizadas, foi substituído por Confúcio de Paula Avelino, do CIE. 378
Aqui nós temos alguns chefes operacionais, alguns se repetem. Aparecem nomes novos, 379
Wilson Brandi Romão, que foi Diretor Geral da Polícia Federal, em 1990, o tenente-380
coronel Flávio de Marco, o major Loureiro, do CIE, o major Caldas, o Frederico Cinelli 381
que foi convocado para esta audiência, mas não foi localizado. Ele vive entre Brasília e 382
Rio de Janeiro, não estava em Brasília. Já é a segunda convocação, não é localizado. O 383
tenente Brant Teixeira, outros nomes aparecem aqui Nilton Cerqueira, que foi ouvido 384
duas vezes pela CNV. Aqui nós temos algumas fotos desses personagens. Personagens 385
de hierarquia inferior na época é o Cinelli, Idyno Sardenberg, Lício, José Brant Teixeira, 386
Sebastião Curió, estão todos vivos. José Brant Teixeira foi convocado já duas vezes pela 387
Comissão da Verdade, mas apresentou atestado que estaria muito doente. Mas nós 388
tentaremos uma oitiva domiciliar com ele. Tem mais um documento da Operação 389
Marajoara, que confirma orientação para usar trajes civis. E, por fim o depoimento de 390
Nilton Cerqueira, onde também indiretamente diz que permaneceu na região do Araguaia 391
até resolver a situação. Ele disse isso, segundo os assessores que o ouviram ele disse isso 392
com certa malicia. Aí a gente tem um áudio, uma fala também reveladora de hoje, também 393
general reformado, Nilton Cerqueira. Vai ser mostrada depois. Nós estamos esperando 394
receber o arquivo em áudio recortado, a gente exibe depois o áudio dele. Problema 395
técnico. Bom, esses são os elementos que a gente quer trazer para cumprir com a 396
contextualização da questão do trabalho da CNV, da identificação das sepulturas, das 397
autorias, contexto das operações militares, e operações de campo também operações onde 398
já tem um trabalho prestes a ser finalizado. As vítimas de cada operação militar. Até eu 399
gostaria de chamar os colegas da Secretaria de Direitos Humanos que vão fazer uma 400
apresentação também sobre a sistematização de informações sobre mortes e 401
circunstâncias de mortes e desaparecimentos no Araguaia, que estão trabalhando em 402
parceria com a Comissão Nacional da Verdade para o Relatório, e para compor o 403
Relatório perfeito das vítimas. 404
00092_001866_2014_60 1 - 2 – Criméia e Maria Eliane - 04 Criméia Schmidt 405
Criméia Schmidt de Almeida – Eu anotei alguns pontos para eu não me perder, pelo 406
menos nos pontos mais importantes. A minha saída do Araguaia foi 20 de agosto de 1972, 407
ou seja, a Guerrilha tinha começado em abril, já há alguns meses a Guerrilha. Antes eu 408
fiquei lá durante quatro anos, eu cheguei em janeiro de 1969. A minha saída teve como 409
motivo principal restabelecer o contato dos dirigentes do partido na Guerrilha e do Comitê 410
Central do partido. Tanto que, depois de chegar em São Paulo, ainda voltei mais duas 411
vezes à Guerrilha do Araguaia, quando finalmente, em dezembro de 1972, eu fui presa. 412
O outro motivo também que eu vim é que eu estava grávida, início de uma gravidez, então 413
tanto que eu vinha fazer os contatos, mas voltava para São Paulo, para aqueles que ficam 414
em São Paulo. No dia 28 de dezembro de 1972, minha irmã, meu cunhado e um dirigente 415
do partido, Carlos Nicolau Danielli, foram presos pela operação DOI-CODI ou 416
Bandeirantes. No dia seguinte, eu fui presa com meus dois sobrinhos de quase cinco anos. 417
Nesse momento eu me identifiquei com um nome falso que eu usava, que era Alice 418
Pereira, e como empregada, como babá de meus dois sobrinhos. E como tal não fui 419
torturada, eu fiquei num alojamento que tinha lá no OBAN que era um alojamento de 420
soldados. Mas quando teve, e nesse meio tempo eles interrogavam minha irmã e meu 421
cunhado para saber onde estava a Criméia. E, quando descobriram a minha identidade 422
verdadeira, aí começou a tortura, porque na verdade isso teria sido meu disfarce, eu acho 423
que foi muita incompetência deles, porque eu havia sido presa em 1968, no Congresso de 424
Ibíuna, então eles tinham fotos, fichas, tudo bem que a gente trocava os presos uns com 425
os outros, os presos, mas tinha fotos. E aí quando eles me identificaram que começam as 426
torturas e os interrogatórios sobre a militância política, que até então eles queriam saber 427
de mim onde estava Criméia e quem era o Carlos Nicolau Danielli. E eu não reconhecia 428
nenhum dos dois pelas fotos, e então eles me levaram a ver o Carlos Nicolau Danielli já 429
moribundo na sala de tortura que ficava no andar térreo, debaixo da escada do DOI-CODI. 430
Quando eu fui vê-lo, ele estava consciente e saía uma espuma sanguinolenta pelo nariz, 431
pela boca, e logo em seguida, uma outra presa me disse que havia saído morto. Eu creio 432
que esse dia foi no dia 30 por aí, eu ainda não havia sido identificada. Quando eles me 433
identificaram como Criméia, aí eu passei a ser isolada mesmo dos presos, e nesse período 434
em que eu ainda era empregada doméstica eu ficava em cela separada da minha irmã, mas 435
na delegacia. Quando eles me identificaram, eu passei a ficar nesse alojamento, só, nunca 436
mais fiquei com ninguém na cela. E todos, porque o primeiro que me espancou foi o major 437
Carlos Alberto Brilhante Ustra, no dia que eu fui identificada. E a partir daí, todos os 438
policiais, todos os militares, inclusive o carcereiro me torturava. Um espancamento com 439
murro, com qualquer coisa, sem interrogar, interrogando. O que é que aconteceu quando 440
eu percebi que tinha sido identificada, um militar chamado Grancieri, qualquer coisa 441
assim que identificou depois, a gente chamava ele de marujo, qualquer coisa, porque ele 442
tinha uma âncora tatuada no braço, ele me perguntou o que eu sabia do ME, no 443
Movimento Estudantil de Ibíuna. E aí de madrugada minha irmã foi torturada e eles só 444
me espancaram um pouco, mas quando amanheceu e o Ustra chegou, ele já veio xingando 445
no portão e ele entrou onde eu estava e agarrou-me pelos cabelos e começou a me 446
espancar até a salinha de baixo da tortura, no andar térreo. Pouco depois eu perdi a 447
consciência. 448
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – E quem fez isso? O Ustra? 449
Criméia Schmidt de Almeida – Major Carlos Alberto. Naquela época para mim, ele era 450
só um comandante, depois que eu fiquei sabendo o nome dele. Quando eu cheguei nessa 451
sala de tortura, que eu acordei nessa sala de tortura, eu estava urinada, evacuada, e tinha 452
um militar do meu lado se fazendo papel de bonzinho, se chamava Albernaz, dizendo que 453
se eu falasse tudo, tudo bem, porque o comandante estava com muita raiva de mim. Esse 454
Albernaz também me torturou depois, ele era bonzinho naquele dia, mas depois era o 455
diabo. Eu não me lembro se foi nesse mesmo dia, porque a partir daí as coisas ficam 456
confusas para mim. 457
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – O Calandra estava lá nessa 458
oportunidade? 459
Criméia Schmidt de Almeida – Olha, devia estar, mas eu não consegui identificar, eu 460
vi poucos. 461
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – E o capitão Maurício? 462
Criméia Schmidt de Almeida – Pois é, não sei quem é quem, eu tenho dificuldade, 463
minha memória não é boa. E depois dessa época eu passei a andar encapuzada. 464
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Quanto tempo você permaneceu 465
no DOI-CODI? 466
Criméia Schmidt de Almeida – Até final de janeiro de 1973. 467
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – E você foi presa em agosto de 468
1972? 469
Criméia Schmidt de Almeida – Não, não, 29 de dezembro de 1972, fiquei 22, 23 de 470
janeiro de 1973, um mês. Mas depois que eles descobriram quem eu era, eu passei a andar 471
encapuzada. Bem, nessa altura eu já estava no sétimo mês de gravidez. 472
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Que idade você tinha? Qual era a 473
sua idade? 474
Criméia Schmidt de Almeida – 26 anos. 475
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Você estava em que mês de 476
gravidez? 477
Criméia Schmidt de Almeida – Sétimo. Sexto para o sétimo. 478
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Então eles sabiam que você estava 479
grávida? 480
Criméia Schmidt de Almeida – Visivelmente barriguda. E eles me davam, logo que eles 481
me identificaram como Criméia, eu passei dia, noite, dia e parte da noite direto em 482
interrogatório. E é óbvio me dava cansaço e eu dormia, cochilava e era acordada com 483
choques elétricos, com espancamento. Nunca me penduraram num pau de arara, porque 484
acho que a barriga não permitia. Depois desses interrogatórios consecutivos, disseram 485
que eu ia morrer num acidente na Serra das Araras, num acidente com um carro do meu 486
cunhado, que ele teria sido apreendido, e que ele pegaria fogo. Então todas as noites eu 487
era levada para esse carro e desligava os motores, e de manhã dizia que tinha tido um 488
imprevisto, não pode provocar acidente, no entanto que eu fosse para a serra e aguardasse 489
que seria na noite seguinte, e assim era. Às vezes eram as roletas russas, só que eu acho 490
que eles me menosprezavam muito, faziam roleta russa com arma automática, eles só me 491
assustaram com o primeiro tiro, depois não assustavam mais. 492
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Essa questão do carro, e você saía 493
do carro? 494
Criméia Schmidt de Almeida – Não, eu ficava dentro do pátio da OBAN, dentro do 495
carro, passava à noite aguardando o carro sair para eu sofrer o acidente. Nesse alojamento, 496
que eu acho que era um alojamento para soldados, não tinha banheiro individual, então 497
três vezes ao dia eu era levada para o banheiro, e óbvio que grávida eu tinha necessidades 498
de ir mais vezes ao banheiro, e então eu fazia no próprio alojamento, até que eu consegui 499
duas latas de conserva, uma que era o meu depósito de água e outra que era o meu biombo. 500
Então nessas três vezes que eu podia sair, eu só vomitava. Esse alojamento era fechado 501
com carpetes, com uns furinhos e eu pude ver o pátio da OBAN, eu vi o pátio da OBAN. 502
Depois, em janeiro de 1973, eu fui levada para Base Aérea de Cumbica, isso eu fiquei 503
sabendo porque na estrada eles punham capuz, mas na estrada tiraram o capuz e eu vi 504
escrito na placa. Na primeira vez disseram que não tinham condições de voo e na segunda 505
eles me levaram para Brasília. Nesse voo para Brasília, iam dois outros presos, José 506
Duarte, que era do Partido Comunista do Brasil, e Paulo Wagner da Silva Macedo, que 507
era do PCB. 508
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Era avião da FAB? 509
Criméia Schmidt de Almeida – Avião da FAB, aqueles que tem o banco lateral, parece 510
que é de paraquedista. E iam os três presos, e a sensação que eu tinha é que estavam todos 511
os torturadores dentro do avião, é claro que não estavam, tinham uns que ficaram 512
trabalhando na OBAN. E inclusive o major Ustra também estava no avião. Inclusive teve 513
um incidente porque eu precisei ir ao banheiro, e o major Ustra disse que eu teria que usar 514
o banheiro com a porta aberta, para ir no banheiro do avião no ar. E eu disse: se eu vou 515
fazer, então eu me urinei no próprio banco do avião, você não pode usar o banheiro com 516
a porta aberta com os militares me olhando. Bem, Brasília, quem comandava o Pelotão 517
de Investigações Criminais da Polícia do Exército era o coronel Pita. Pessoalmente ele 518
não me torturou, mas ele queria ter conhecimento das torturas que ocorreram lá, porque 519
ele era o comandante daquilo. 520
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Pode repetir qual o local que você 521
foi? 522
Criméia Schmidt de Almeida – Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do 523
Exército, que tinha um apelido, acho que era “Forte Apache”. Enquanto eu estive lá antes 524
de ter meu filho, eu, as condições eram péssimas e etc., mas eu sempre ficava 525
reivindicando alguma coisa, então pedi para tomar banho de sol, aí me puseram para 526
tomar banho de sol por volta de meio dia num pátio de cimento muito quente, descalça, 527
meus pés, fez bolhas nos pés. E bem, aí o segundo banho de sol eu já levei umas toalhas 528
para ficar em cima da toalha, na cabeça e etc. Mas esse era o banho de sol, os dois banhos 529
de sol que eu tomei. E fui uma vez levada para, o que eu acho que é, o Ministério do 530
Exército para ser interrogada. Eu digo que é Ministério do Exército porque eu fui 531
encapuzada, e aí eu vi pelo capuz e tinha cheiro de gasolina, ele era encharcado na 532
gasolina e depois colocado na gente. E eu comecei a sentir mal dentro do carro, e como 533
eu achava que ia morrer mesmo, mais cedo ou mais tarde, tudo bem, aí eu falei assim, 534
não vou mais ficar com esse capuz e arranquei o capuz. E eu estava em frente ao 535
Ministério da Justiça, e o policial me abaixou no banco, e logo em seguida eu entrei num 536
daqueles Ministérios, por isso que eu acho que foi Ministério do Exército na época, 537
porque todas as pessoas, que eu só via as pernas, porque com o capuz as pessoas tinham 538
as fardas e as botas. Bem, no dia 11 de fevereiro, eu... quando estava no PIC, e rompeu a 539
bolsa, eu comecei a entrar em trabalho de parto, pedi ajuda aos carcereiros e etc., e essa 540
ajuda só veio por volta das 5h da manhã, e me levaram para o Hospital de Base de Brasília. 541
No Hospital de Base de Brasília quem me atendeu é o médico que se diz, professor de 542
obstetrícia da Universidade Nacional de Brasília, dizia que não era militar, mas que ele 543
não ia ficar comigo porque preso dava muito trabalho. Então, que o Exército podia me 544
levar de volta e me deixasse na enfermaria. Eu voltei e os militares não me puseram na 545
enfermaria, eu voltei para a cela, é importante dizer que essa cela, ela não tem ventilação 546
para fora, ventilação é só para um corredor interno, elas são todas fechadas e com muita 547
barata, então eu dormia todas as noites com baratas no corpo, e quando rompeu a bolsa 548
amniótica então esse número de baratas aumentou bastante. Aí eu fiquei até tarde e os 549
presos resolveram, que os meus vizinhos de cela eram militares, presos comuns, 550
traficantes, não eram presos políticos. E eles resolveram que eu não iria ficar aquela coisa, 551
que eles iam gritar bastante, e me ajudou bastante. Ou seja, esses bandidos de dentro das 552
grades eram mais humanos do que os bandidos que estavam do lado de fora. Bem, aí eu 553
fui para o hospital da guarnição, o Hospital do Exército e fui internada. E quem me 554
atendeu lá foi um psiquiatra, chamada “Dr. Túlio”. Não me maltratou, mas como ele era 555
psiquiatra, ele disse que ia chamar o obstetra, o obstetra é um médico oficial do Exército, 556
disse que eu estava em trabalho de parto, mas que ele não ia fazer o parto porque ele não 557
estava de plantão. E, na noite seguinte, ele estaria de plantão e faria o parto. Eu reclamei 558
que a criança não ia aguentar, que ia morrer, ele disse: “não tem importância, é um 559
comunista a menos”. E eu fiquei lá na porta do quarto da enfermaria com a Polícia do 560
Exército com a metralhadora na porta, todo o tempo que eu permaneci ali, inclusive na 561
sala de parto tinha uma metralhadora apontada para mim. Bem, na madrugada do dia 13 562
meu filho nasceu, esse obstetra veio fazer o parto, houve ruptura de períneo e ele fez a 563
sutura com fio que não é indicado, que o fio da sutura do períneo é o fio reabsorvível que 564
com alguns dias o corpo que absorve, e ele usou um fio, aí é uma questão bem técnica, 565
mas eu domino, eu sou enfermeira, ele usou um fio catgut cromado, provavelmente nº 2, 566
pela grossura. E então esses pontos não caíram, esses pontos secaram, pareciam arames 567
dentro da minha vagina, e por muito tempo isso ficou, e eu consegui ajuda de uma pessoa 568
muito simples que fazia faxina no hospital, e que escondido me trouxe um espelho e uma 569
gilete, eu tirei esses pontos. Nem todos eu consegui. Bem, como essa sutura foi feita sem 570
anestesia e sem nada, eu entrei num processo de choque, com dor. Então esse psiquiatra 571
mandou que me fizesse uma medicação que é morfina sintética, e eu não queria tomar 572
isso porque eu sabia que ia ficar chumbada, e briguei muito, você sair da mesa da sintética 573
e o cara com a metralhadora em cima de mim para me segurar, porque era uma cena bem 574
dantesca, eles me pegaram e fizeram cromatina e me chumbaram. Bem, o meu filho ficou 575
comigo no hospital por cerca de 50 dias até o dia 1º de abril. Em todo esse período, mesmo 576
na OBAN, os militares diziam que, se fosse homem, branco e saudável, eles iam ficar 577
com ele, iam ajudar. Meu filho nasceu homem, branco e saudável. Aqui também em 578
Brasília a mesma coisa, eles também diziam isso, inclusive o tenente Moraes, que era 579
responsável pela PE, ele havia acabado de ter a segunda filha. A primeira nasceu quando 580
nasceu o filho de uma outra presa política, que é o Paulo Fontelles Filho. A segunda filha 581
dele nasceu quando nasceu o meu, e ele me falou: “comunista que não faz distinção entre 582
homem e mulher, só tem filho homem, e eu que queria ter um filho homem para seguir a 583
carreira militar”. Ele disse assim: “mas tudo bem, eu vou trocar minha filha com o seu 584
filho”. E eu achava aquilo chocante, é uma coisa que é o seguinte, é uma coisa muito 585
grotesca. Bem, o meu filho ficou comigo assim, desses 50 dias, ele uma hora ia para 586
amamentar, outra hora ele não ia, eles usavam meu filho para me torturar. E às vezes eles 587
faziam ele ficar dois, três dias sem vim para mamar, e ele prometia ele para o juizado de 588
menores porque eu não colaborava, voltava vomitando, voltava, enfim, quando meu filho 589
com um mês, meu filho estava pesando 2,7 quilos, e tinha crescido, era bem desnutrido. 590
E chorava, chorava de fome no começo, chorava porque ficava sem amamentar. Então 591
esse pediatra, entre o pediatra e o obstetra, eu não sei, eu lembro de um nome que era o 592
Dr. Ricardi, eu não se era obstetra ou pediatra. Esse pediatra transcreveu um 593
tranquilizante para o meu filho que chamava Luminaleta, e eu percebi que meu filho 594
chegava sonolento e muito molinho. E tinha que brigar com o pediatra, eu falei: “doutor, 595
o meu filho não é paciente de vocês, nós estamos aqui na condição de preso, não estamos 596
na condição de paciente, não aceito que dê remédio para meu filho”. Bem, depois meu 597
filho foi levado para a casa de uma tia, eu voltei para o PIC, para a cela, e aí começaram 598
propriamente dito os interrogatórios que eram sistemáticos no Brasil. Porque em Brasília 599
o que houve foi aquele negócio lá estranho lá do Ministério do Exército que me levaram 600
para essa sala e me deixaram o dia inteiro sem beber e sem comer, e sem ter lugar também. 601
E no final um oficial sempre sem identificação, me pediu desculpas porque eles estavam 602
muito ocupados e não podiam me interrogar e que eu voltasse para o PIC. Aí eu disse: 603
“mas eu estou com sede”. Ele disse: “ah, nós não temos água”. Eu estava com sede, e 604
com o capuz. E aí quando volto para o PIC, volto, aí passo a ter interrogatórios regulares, 605
e aí sempre aquelas perguntas: “onde fica o rio tal, quem que você conhece”. Aquelas 606
perguntas que eu não respondia. E tinha uma chamada sessão de cinema, o que é que era 607
a sessão de cinema, eles passavam os slides que era indício de slide, com os corpos dos 608
guerrilheiros e as cabeças cortadas. Aparecia a foto de um militar da cintura para baixo 609
segurando pelos cabelos uma cabeça cortada com o sangue coagulado no pescoço. Então 610
essas cenas da cabeça cortadas vieram mostrar todos dias, e esse rolo ficava, eu acho que 611
eram as mesmas, mas eles ficavam mostrando, mostrando. Ficava um projetando os slides 612
e outro na minha frente olhando as minhas reações. Porque os que morreram eu não 613
reconheci ninguém, porque os que morreram na primeira campanha não eram do meu 614
destacamento, eram do destacamento C, então não conhecia. O único que eu identifiquei 615
que não era do meu destacamento, mas que eu conhecia, foi João Carlos Haas, não era 616
cabeça cortada, era o corpo inteiro, e tinha uma fratura, uma fratura completa na coxa 617
direita, esse foi o único que eu identifiquei pelos slides. Mas para eles não, não dava para 618
identificar. Outra coisa também, tinha um álbum de fotografias onde eles tinham assim, 619
a Comissão Militar, quais os destacamentos, quem era o comandante, quem era o chefe 620
de grupo, quem eram os guerrilheiros, e esse álbum tinha na capa escrito: álbum de 621
interesse do major Otto. Eu não vi esse major, mas tem um Otto aí nessa história, e o 622
álbum era de interesse dele. Esse álbum, em dezembro de 1973, eu fui liberada em 2 de 623
abril de 1973. Em dezembro de 1973, eu estava em Belo Horizonte e um dos militares 624
que me levou para Belo Horizonte em abril, foi lá, disse que queria me ver, foi à casa da 625
minha tia onde eu estava, queria me ver, e trouxe novamente esse álbum. E esse álbum 626
estava mais completo, tinha mais fotos. Em dezembro de 1973, já haviam matado outros 627
que não naquela época. Quando eu fui liberada, eu na verdade eu nunca fui presa, eu 628
nunca fui apresentada como presa a justiça, fui sequestrada esse tempo todo, e quando eu 629
fui liberada o general Bandeira fez uma série de ameaças de que eu iria morrer, então ele 630
falou: “pode ser suicídio, pode ser atropelamento, pode ser assalto, enfim, pode cair na 631
linha do metrô, pode ser acidente”. Ele fez várias alternativas de morte para mim, e para 632
minha tia ele disse que não deixasse eu sair de casa, porque os comunistas queriam me 633
matar. Então quando eu consegui informações sobre a minha irmã, acabei tendo 634
informações sobre a minha irmã através do Danilo que estava preso e foi solto, e passou 635
por Minas e me avisou onde minha irmã estava, etc. e tal. E quando eu consegui ter 636
contato com o advogado que era o Virgílio Eney, advogado da minha irmã, e a Rosa, mas 637
foi com o Virgílio. Eu escrevi uma carta para o Dom Paulo denunciando o general 638
Bandeira, disse que eu podia morrer. Eu dizia: “eu não tenho intenções de me suicidar, se 639
isso acontecer é obra deles”. Segundo o Hugo Stuart, esse militar que me levou o álbum 640
e me levou para Belo Horizonte é um tal de Joaquim Arthur Lopes de Souza, eu não sei 641
o nome dessa gente. Fiz a carta. Bem, é mais ou menos isso, estou à disposição para as 642
perguntas, mas é o seguinte, a perseguição que começou antes, que aliás, eu já fui para 643
Araguaia, já tinha sido presa, já tinha respondido IPM que era de 1964, continuou. Então 644
eu até, eu... se os senhores quiserem cópia, eu trouxe o meu habeas data, de 1991, que 645
não fala da minha prisão, não fala da minha estada na Guerrilha do Araguaia. Como eu 646
não consegui um único documento que fale que eu estive presa no DOI-CODI, no Vale 647
do Araguaia, eu escrevi novamente para a Subsecretaria de Inteligência e pedi uma 648
retificação do meu habeas data. E o agente lá, Davi, disse que lamentavelmente tinha 649
esquecido de citar minha prisão de 1972, tinha duas linhas. E depois eu consegui esse 650
negócio entrou do INFOSEG de 2001, que fala e, inclusive diz o seguinte, o lugar que 651
fala a última informação. A última informação que foi anexada a esse documento, a última 652
alteração na Unidade Federal da Bahia em 22 do 9 de 1997, quase 20 anos depois da 653
anistia. Ainda estavam anotando na minha ficha. É isso. 654
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – O seu filho foi registrado onde? 655
Criméia Schmidt de Almeida – Ele foi registrado em Brasília pela minha prima que 656
estava com minha tia, e com uma recomendação do médico do hospital de que eu estava 657
doente e não podia comparecer. 658
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – E as testemunhas? 659
Criméia Schmidt de Almeida – Minha tia, minha prima. E depois mais tarde foi feito 660
uma ação de reconhecimento de paternidade e foi acrescido o nome paterno. Porque ele 661
era desaparecido, e é confuso isso, porque é ação de paternidade contra o pai, eu não podia 662
fazer uma ação contra a vítima. Foi complexo. 663
Pedro Dallari (Comissão Nacional da Verdade) – Você falou sobre as condições 664
sanitárias precaríssimas que haviam, mas eu queria ouvir um pouco sobre as condições 665
de alimentação que você teve, tanto na OBAN, e depois em Brasília, porque quando você 666
foi presa, sequestrada, você já estava grávida, seu filho nasceu em Brasília. Como é que 667
era a sua alimentação, você recebia uma alimentação adequada? 668
Criméia Schmidt de Almeida – Olha, em São Paulo a comida não era boa, mas era 669
comida, porque no PIC era o seguinte: era arroz, feijão e legumes com casca, mal cozidos, 670
e uma vértebra de boi, que toda vez que o guarda passava aquilo pela gradinha que era 671
baixa, a minha vértebra caía no chão, e eu falei: “pega o meu ossinho que eu quero comer 672
o meu ossinho”. E vinha lá com cabelo, com terra, mas então era isso. Eu não me lembro 673
de ter comido outra coisa em Brasília que não tenha sido isso. É um caldo assim, arroz, 674
feijão e legumes com casca, abobora, chuchu. Agora no hospital era uma comida normal. 675
Pedro Dallari (Comissão Nacional da Verdade) – Em algum momento, a circunstância 676
de você estar grávida foi levada em consideração? Inclusive que você tivesse algum 677
atendimento compatível com esse quadro? 678
Criméia Schmidt de Almeida – Eu acho compatível me colocar no pau de arara, porque 679
era fisicamente possível. E quando eu fui para Brasília, veio um médico do Exército 680
fardado, mas sem a etiqueta, me examinar para ver se o bebê estava vivo. Foi a única vez. 681
Pedro Dallari (Comissão Nacional da Verdade) – Regalia vamos dizer assim que você 682
teve. 683
Criméia Schmidt de Almeida – É, eu não sei se é regalia, eu acho que ele queria livrar 684
a barra da turma aqui de São Paulo, estamos entregando vivo, depois, aliás, quando meu 685
filho nasceu foi feita a ficha dele lá no hospital, e como era difícil fazer os dedinhos, então 686
o pé e a foto, já nasceu fichado, devidamente fichado. 687
Rosa Cardoso (Comissão Nacional da Verdade) – Eu gostaria de saber, você falou aí 688
dessa degola que as pessoas ficavam penduradas como objetos. Nessas fotos que você 689
via, as pessoas degoladas, elas apareciam, após a morte elas apareciam desfiguradas já? 690
Seria mais um gesto, ou por que morreram nessa condição segundo a sua lembrança? 691
Criméia Schmidt de Almeida – Para mim eram cortes feitos, eu quero acreditar que 692
eram recém-mortas, espero que não tenham sido vivas. Era muito sangue, muito sangue, 693
sabe, é um negócio muito grotesco. 694
Rosa Cardoso (Comissão Nacional da Verdade) – Eu queria saber que ações você 695
moveu contra o estado, e contra especificamente esses torturadores, quais são as ações 696
que você tem hoje contra essas pessoas que você recorda que foi torturada? 697
Criméia Schmidt de Almeida – Olha, as ações são: o chamado processo que entrou 698
agora na justiça interna, que já foi transitado e julgado em 2007, mas até hoje não foi 699
executado. A ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que foi julgada em 700
novembro de 2010 e que até hoje também não foi cumprida. A ação cível contra Carlos 701
Alberto Brilhante Ustra, por uma ação reparatória de que ele era o torturador, que a gente 702
ganhou a primeira instância, mas ele recorreu, está parado. Porque na justiça é uma forma 703
de não fazer justiça, é não julgar também. Então fica, no caso do processo do Araguaia, 704
nós entramos na Corte Interamericana, porque a justiça brasileira não julgava, o processo 705
era de 82, foi julgado em 2007 com todos os recursos. Teve essa ação, a gente pediu ao 706
Ministério Público para investigar os crimes do Lício Maciel, do Sebastião Curió. Olha, 707
o que eu me lembro assim, os que a gente conseguiu saber, a morte de alguém está ligada 708
a essa pessoa, porque são tão poucas as informações que a gente tem. Por exemplo, uma 709
das coisas que eu sempre coloco aqui, é a questão da provável filha do Antônio Teodoro 710
de Castro, quer dizer, a família já batalhou, já fez o DNA, já conseguiu provar que há 711
grande possibilidade dele ser pai, e o Estado não faz a identificação do DNA para ser pelo 712
menos das guerrilheiras que morreram depois que essa menina nasceu. Quer dizer, eu 713
acho que a forma como o Estado tem tratado essa questão é muito cruel, no mínimo. 714
Maria Rita Kehl – Criméia, vou fazer uma pergunta diretamente a você. O seu filho deve 715
se lembrar desse começo de vida terrível, não conhecendo o pai. 716
Criméia Schmidt de Almeida – Olha, efeitos físicos, desnutrido, meu filho parecia, 717
naquela época era de África, o país da fome, ele parecia com aqueles menininhos da 718
África. Psíquica, é claro que todos nós tivemos, teve uma mãe neurótica, porque não dá 719
para ser outra coisa, certo, depois de tudo isso, você tem medo, e é claro, por exemplo, 720
meu filho detesta tudo que é governamental, desde a escola, tudo. Falou que é governo, 721
então, ele detesta. Não sei, mas a gente vive sob esse estado. 722
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Eu quero agradecer a você, pelo 723
seu depoimento, é um capítulo importante do nosso relatório, que você transmitiu com 724
sinceridade e emoção toda a sua história. Agradecemos muito a você. 725
Criméia Schmidt de Almeida – Eu que agradeço a oportunidade de estar denunciando. 726
727
00092_001866_2014_60 1 - 2 – Criméia e Maria Eliane – 06 Maria Eliane de Castro 728
Maria Eliane de Castro – Meu nome é Maria Eliane de Castro, sou irmã de Antônio 729
Teodoro de Castro, o Raul, da Guerrilha do Araguaia. Eu tinha uma diferença de idade 730
um pouco grande, eu sei hoje como ele desapareceu, como ele morreu, mas hoje eu busco 731
muito como ele viveu, porque ele saiu muito jovem de casa e hoje há uma dificuldade. 732
Quando eu encontro os amigos é que eu sei mais ou menos, não só eu, mas minha família 733
a forma que ele viveu. Bom, ele era um menino estudioso e tinha uma consciência política 734
que hoje é difícil de encontrar, não desprezando ninguém, pelo amor de Deus. Mas 735
realmente tinha uma capacidade incrível, falava vários idiomas, morava bem, comia bem. 736
E, por um ideal político, ele começou a militar no PCdoB, ele fazia Universidade Federal 737
do Ceará, e o reitor era amigo do meu pai, ele chamou meu pai e falou que ele estava 738
sendo perseguido, que era melhor tirar ele de Fortaleza. Aí ele falou para o meu pai que 739
queria ir para UFRJ que era uma Universidade muito boa e que ele queria terminar 740
Farmácia, ele fazia Farmácia e Bioquímica e foi para o Rio de Janeiro em 69. Lá ele foi 741
presidente da Casa Universitária e continua ingressando em todas as campanhas contra 742
ditadura, contra o regime rígido militar. E, como ficou com muita dificuldade, ele foi para 743
área rural. A família não sabia, o que ele contou para família era que tinha ganho uma 744
bolsa de estudo para Bélgica, e que ele ia fazer um aperfeiçoamento. Lógico que meus 745
pais ficaram muito felizes, ele era um menino muito capacitado não tinha como duvidar 746
disso. Para não ser tão contraditório chegava correspondência dele de fora com carimbos, 747
chegou um cartão do Porto Bona, Alemanha que era lindo, era maravilhoso, estou 748
passando por aqui, chegando em breve e tal. E com o tempo começou a escassez de 749
notícia, meu pai como sabia que ele gostava e tinha uma ideologia muito firme, e uma 750
consciência política muito forte imaginou que ele podia está na clandestinidade. Ou que 751
talvez ele tivesse saído do país e agora não pudesse mais. Quando foi em 77, Genoíno 752
Neto, sempre foi amigo dele em Fortaleza, embora fizesse Universidade de Filosofia e 753
ele de Farmácia. Em 77, ele foi transferido para o Presídio de Paulo Sarasate, em 754
Fortaleza. Aí meu pai chegou para mim e falou: “filha, um amigo do seu irmão foi preso, 755
não sabia onde estava nem nada, só sabia que ele tinha preso, e saiu que ele estava sendo 756
transferido para o Paulo Sarasate.” Não sei se foi os pais deles que falaram, mas falou 757
para o meu pai, mas Fortaleza a gente sempre termina sabendo das coisas mais fáceis. E 758
aí ele falou: “eu não posso ir, eu não vou contar para sua mãe.” Porque minha mãe 759
acreditava que ele estava fora, nem para os seus irmãos, na época eu era casada, e estava 760
grávida do meu primeiro filho, meu sobrenome eu tinha trocado. Então tinha um filho de 761
uma grande amiga da minha sogra que falou: “faz assim, vai visitar o Osvaldo, porque 762
ele é um jornalista e ele está preso por uma reportagem, e não é nada que vá te 763
comprometer.” Foi eu e meu ex-marido. Chegando lá conversamos com Osvaldo: “a 764
gente veio na realidade ver Genoíno porque a Eliana queria saber do irmão dela”. Só que 765
a gente já estava, isso foi mês de julho, meu filho nasceu em 27 de julho, e eu já estava 766
realmente muito grande e eu pareço muito com meu irmão. E aí ele veio bem e tudo e 767
conversando e ele olhava para mim e a gente não entrava na conversa de vez, aí meu ex-768
marido falou assim: “Genoíno, a gente está aqui na realidade para saber se o Antônio 769
Teodoro estava na Guerrilha ou se você tem notícia dele, os pais estão desesperados.” 770
Neste momento ele lembrou de mim e falou: “não vou falar nada, olha o estado na sua 771
mulher, vai para casa, eu vou sair daqui a ‘X’ tempo e a gente conversa, eu converso uma 772
semana se você quiser.” Eu falei: “eu só quero uma confirmação”. Eu disse,: “ele estava 773
lá”? “Estava”. “Qual a possibilidade dele está vivo”? “0,001, implodiram aquilo ali, no 774
Araguaia”. Eu só perguntei se ele estava na Guerrilha do Araguaia. [Trecho 775
incompreensível]. Não, eu nem falei Guerrilha, que eu não sabia que era Guerrilha, 776
perguntei se ele estava no Araguaia, “estava”. “Qual a possibilidade de estar vivo”? 777
“0,001, aquilo foi implodido”. “Possibilidade de ele ter fugido para Guianas”? “Zero”. 778
“Possibilidade de uma fuga”. “Zero”. Ele era muito determinado. Ele ia sair de um, dois, 779
três meses, foi o tempo que eu tive filho e tudo e ele foi para a casa de um grande amigo 780
da gente, o João de Paula que era um psiquiatra e esposo da Ruth, e ele foi ficar na casa 781
deles. Ali na praia de Iracema, na praia do Meireles. Aí a Ruth me ligou, e isso tudo sem 782
minha mãe saber de forma nenhuma, me ligou e falou: “Eliana, Genoíno falou que você 783
venha que ele falou que vai lhe contar tudo que ele sabe, ele não era do destacamento do 784
seu irmão, mas ele vai responder tudo que tiver de curiosidade de vocês”. Aí eu fui e falei: 785
“olha, primeiro, ele não pode falar só comigo e com meu pai? Porque a gente não falou 786
isso com ninguém”. Eu fui e fiquei um dia e meio conversando como ele e ele contou 787
como é que realmente tinha sido tudo aquilo, ele foi preso muito cedo. E o que ele pode 788
me contar, ele contou, olha, não vou dizer aqui nada que comprometa, nem nada porque 789
ele conversou comigo em caráter pessoal e quando eu cheguei em casa que eu comentei 790
com meu pai, meu pai só me fez duas observações: “não julgue, não crucifique”. E foi 791
isso que minha família fez a vida inteira. A gente sempre sabe que, para sua sobrevivência 792
você pode fazer qualquer coisa. Uma vez uma amiga me falou assim, “mas quem saiu 793
vivo entregou alguma coisa”. Pode não ser verdade, porque quem morreu também pode 794
ter entregue. Então, eu tenho respeito por todos aqueles que participaram, por aqueles que 795
conseguiram sobreviver, que eu acho que é muito difícil também. Minha família tem uma 796
mágoa profunda, agora eu estava ali um jornalista perguntou: “você pediu anistia do seu 797
irmão.” “Não”. “Por quê”? Ele não merece que eu faça isso, eu não perturbo este Estado 798
que fez isso com ele, eu não julgo nenhuma entidade, de ontem eu possa talvez não julgar, 799
mas talvez ter uma raiva muito profunda, mas entidade nenhuma eu consigo escrachar, 800
ou condenar ou fazer qualquer coisa. Porque primeiro, eu não perdoo o Estado que fez 801
esta dor tão profunda na minha família. São 43 anos. Em 93, minha mãe me chamou como 802
eu morava em Brasília, e pediu pra que eu assumisse a partir daí, me passou uma 803
procuração legal, cartório tudo, ainda assumi, estava muito jovem com filho pequeno, 804
mas nunca deixei de ir às reuniões, as coisas todas. Eu sei de que forma, não sou 805
testemunha ocular, mas ando na região, falo com as pessoas tudo. E contam em um livro 806
que foi escrito pelo Leonêncio Nossa, o Mata! que é escrito, que é posto neste livro que, 807
o major que eu não gosto de falar o nome, escreveu como se fosse verdade e a gente tem 808
que crer, afinal de contas é uma transposição. E então o que acontece. Ele fala nitidamente 809
que praticou um crime de guerra. O que é considerado um crime de guerra? O crime de 810
guerra é aquele quando o Estado está de posse do ser, quando o seu controle e sobre a sua 811
proteção, e o próprio Estado mata. E ele confessa nitidamente a morte dele com um tiro 812
no peito. Então ele descreve isso, e como um livro é uma transposição de um escrito, o 813
escrito na opinião, documento é uma fala escrito, a fala escrita que vira o documento 814
passa ser uma ponderada verdade. Se é uma verdade, poxa por que o Estado não está 815
tomando uma providência, seja ela qual for? Não me interessa saber se ele vai morrer, se 816
ele vai ficar preso, se ele vai apodrecer na cadeia, nada disso me interessa. Me interessa 817
que ele seja simplesmente dito como um assassino, isso para mim basta. Se parar em 818
todos os lugares que ele é um assassino, porque ele não matou só um, porque eu não luto 819
só pelo meu irmão. Quem me conhece sabe que eu luto por todos, porque eu não tenho a 820
mínima esperança do lugar onde ele matou meu irmão e deixou. Porque ele cita em uma 821
entrevista, de um Policarpo que é um outro jornalista também. Ele fala simplesmente que, 822
meu irmão estava famérico, todo rasgado, com malária, desordenado, andando pela OP3... 823
OP não sei quantos da vida, ali na Belém-Brasília, e a Polícia Rodoviária chegou para 824
falar alguma coisa com ele, ele estava totalmente desnorteado, eles pegaram e entregaram 825
para um PM. Que o PM levou para esta criatura. Não sei nem se é criatura. Aí 826
simplesmente ele chegou, o Simão já estava preso há 10 dias. Raul ficou preso com 827
Simão. Ele pega Simão, Raul leva no helicóptero e diz assim: “onde a gente vai”? “Vamos 828
fazer um reconhecimento.” Reconhecimento era a senha para a morte, para execução, mas 829
eles não estavam sabendo, pega o helicóptero vão para Matrinxã, era uma fazenda, para 830
o helicóptero a 150 metros. Fazenda Diva? É uma região, de Matrinxã, na Fazenda 831
Fortaleza. 832
José Carlos Dias – Maria Eliana. 833
Maria Eliane de Castro – Oi. 834
José Carlos Dias – Uma pergunta, porque você não pode dizer o nome? 835
Maria Eliane de Castro – Me enoja. 836
José Carlos Dias – Mas, nós precisamos, nós precisamos saber toda verdade. 837
Maria Eliane de Castro – É o infeliz do major Curió, eu não digo a patente dele hoje, 838
porque eu não considero esta patente dele. 839
José Carlos Dias – Tudo bem, mas é importante que você diga quem é. 840
Maria Eliane de Castro – Mas eu não considero esta patente dele atual, para mim ele 841
continua sendo aquele majorzinho. Então ele para, me desculpa a forma meio agressiva, 842
eu não costumo ser agressiva. Eles pararam a 150 metros da casa principal, Fazenda 843
Rainha do Araguaia, na região de Matrinxã. É um terreno de metal, de minério. Então, 844
eles pararam em uma média de 150 metros da casa grande, da casa principal. Andaram 845
uma hora e meia a leste e lá mandaram ajoelhar, ele estava amarrado pé com mão e ali 846
ele deu o primeiro tiro e o resto metralhou. Tentaram cavar para enterrar, não conseguiram 847
enterrar, que o chão era muito duro, largaram. Depois de uns três dias, Zezão que é um 848
cara da região que é da fazenda chega em uma mesa de bar e fala: “poxa, Curió, como é 849
que você mata dois subversivos e deixa lá para os bicho comer, eu mandei enterrar.” “Está 850
bom”. Aí ele e Simão são enterrados juntos nesta fazenda, que até hoje não foi aberto, 851
não foi mexido. Que eu espero, faço um pedido de clemência, que não custaria nada abrir 852
este lugar, e ver se dois pares de ossos, nem que fosse uma falange para que eu desse um 853
enterro digno para ele, e assim eu cumprir esta promessa que eu fiz para minha mãe. 854
Como se não bastasse tudo isso, Myrian Luiz é uma jornalista investigativa, que vai ao 855
Araguaia já há muito tempo. E uma época, em 2001, mais ou menos por aí, ela chegou 856
na minha casa. Eu a conheci em uma destas reuniões, ela chegou em minha casa e falou 857
assim: “Eliana você sabia que Raul deixou um filho.” E eu achando uma coisa tão 858
impossível, eu falei para ela traz que eu crio, eu tenho dois filhos, agora tenho um neto, 859
está chegando outro. A gente riu, brincou, ela ia muito ao Araguaia, quando sempre ela 860
voltava do Araguaia a primeira parada dela era na minha casa sempre. Aí ela me contava: 861
“fiz isso, falei aquilo, busquei”. “Busca lá, vê se você encontra”. Quando foi em 2009, eu 862
estou em uma ordem cronológica, se eu errar... Quando foi em 2009, saiu esta reportagem, 863
meu filho morava em Belo Horizonte, me ligou 7h eu levei um susto. “Mãe calma, pega 864
esta revista Veja e vê”, foi dia 1º de julho de 2009. “Veja que está tendo uma reportagem 865
do meu tio, você vai ficar muito chocada, é muito, é muito cruel o que está falando, se 866
minha avó fosse viva ela morria aí.” Aí está bem, eu tenho uma irmã que morava na época 867
em Curitiba, assim que ela viu a reportagem, ela arrumou as malas e falou para o marido 868
dela, estou indo buscar meu irmão, porque lá falava nitidamente como era tudo. E ela 869
começou uma busca incessante que foi quando começo o GPT, foi logo depois, ela um 870
tempo ficou sozinha procurando. Aí Diva a conheceu e conversou com Jobim, Jobim para 871
falar GPT e começaram a fazer um trabalho de busca, pesquisa e tudo. E nesta busca ela 872
passou a pôr nas rádios, nos jornais que um guerrilheiro tinha deixado uma filha, um filho 873
e se alguém soubesse por favor, tal. Neste mesmo entremeio, em Belém, tinha uma garota 874
que, na época, estava com 34 anos e, quando foi crescendo, os pais explicaram para ela 875
que ela tinha deixada no Lar de Maria, que era um lar espírita em Belém, por um delegado 876
e um guarda, que disseram que ela era filha de um guerrilheiro e que eles iam procurar 877
pela família, ela tinha uns dois meses. A irmã dela, a irmã adotiva dela mais nova tinha 878
16 anos, que conta que na época ela era muito branquinha, disse que na época não tinha 879
um lugar que não tivesse picada de mosquito, de fazer dó. Aí ela ficou nesta casa por 880
algum tempo, esperando esse delegado voltar com a família desse guerrilheiro. E essa 881
família desse guerrilheiro nunca apareceu. Os donos desta casa resolveram adotar, porque 882
ela precisava de assistência médica, precisavam estudar, tudo, fizeram adoção. E todo 883
mundo sabia desta história. Quando o jornalista recebeu esta mensagem do jornal, um 884
amigo chegou pra ela e falou: “Lia, parece muito com sua história”. Aí ela falou: “Quem 885
era o jornalista.” Aí ela falou, ela foi ao jornalista e o jornalista contatou minha irmã. E 886
aí minha irmã foi, contatou minha família toda e tal, e aí a gente entrou em contato com 887
ela, perguntou se ela toparia fazer um DNA, e mesmo que ela não toparia que ela fosse 888
conhecer a gente, que a gente queria conhecê-la. E ela falou que, enquanto o pai dela fosse 889
vivo, ela não fazia o DNA porque a mãe dela já tinha morrido, ela cuidava do pai tinha 890
consideração muito grande porque eles a criaram. Os filhos já eram muito grandes, ela 891
chegou e eles tiveram a maior consideração com ela e ela teve uma educação maravilhosa, 892
educação, mais humilde, sem muito crescimento, mas uma educação muito boa. Disse a 893
ela se ela não tivesse sido roubada de nós, da família, ela teria tido as mesmas condições 894
de estudo, mas mesmas condições financeiras e tudo, socioeconômica, e tudo. Então, uns 895
meses depois, o pai dela faleceu, aí ela ligou para minha irmã em Fortaleza e minha irmã 896
disse: “venha, fique aqui comigo”. E ela parece muito com minha irmã, mas muito 897
mesmo, de você bater o olho e estranhar como as duas parecem tanto. A Myrian acha ela 898
muito parecida comigo, mas eu sou bem diferente da minha irmã. E então ela ficou seis 899
meses com minha irmã, veio para Brasília ficou três meses comigo, foi para Curitiba ficou 900
com a minha outra irmã. E aí a gente encheu de amor, porque para a gente era indiferente 901
se fosse ou não, seria de algum. Então o amor já era grande e aí a gente deu toda 902
infraestrutura para ela e começamos a, e aí ela resolveu fazer o DNA, e a gente fez. Como 903
não tem mãe e a gente não sabe quem é a mãe, eu já pedi meu advogado, Dr. César Pinto. 904
Ele já pediu isso judicialmente à Secretaria de Direitos Humanos, o DNA já está lá, que 905
compare o DNA das famílias das guerrilheiras, são doze, algumas a gente tira. São 906
poucas, não são muitas e a maioria já deu autorização legal, Lorena, Diva, as irmãs das 907
guerrilheiras já deram autorização para que isso aconteça. Está tudo lá na Secretaria e até 908
agora não foi feito isso, que é uma dor enorme para a gente, porque é vida roubada. O 909
DNA da minha família, o DNA dela e agora tem o sangue, amostra de DNA de todas as 910
famílias, das guerrilheiras, pra comparar. 911
Pedro Dallari – Dr. Fernando está aí? Dr. Fernando, eu queria aproveitar esta 912
oportunidade, estas reuniões são tão importantes. O que está sendo formulado é um 913
pedido bem objetivo, e se estiverem corretas estas premissas, eu acho que é algo que de 914
repente a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, com esta informação 915
que está consolidada aqui nesta audiência pública. Poderia eventualmente dar um 916
encaminhamento rápido para este assunto de tal sorte que, nós pudéssemos ter uma 917
decorrência muito rápida desta iniciativa. Não sei se confere, se os elementos já haveria 918
esta possibilidade. 919
José Carlos Dias – Eu queria somar a pergunta, já foi feito o DNA afirmando a 920
paternidade? 921
Maria Eliane de Castro – Não, o seguinte. Como ela não tem mãe, o DNA da nossa 922
família foi feito por nós, sem a ajuda de ninguém, nossa família chegou e fez o DNA. 923
Não deu 99, porque não tem a parte materna e meu irmão é homem. Então o que acontece, 924
eu pedi uma... 925
José Carlos Dias – Qual é a conclusão do exame? 926
Maria Eliane de Castro – Deu 90%, o ser humano tem 21 par de alelos, 18 dão positivos, 927
os três que sobram não são negativos, a probabilidade é muito grande e isso é dito pelo 928
próprio laboratório. Agora existe o seguinte, deixa eu só concluir um pouquinho para você 929
entender. 930
José Carlos Dias – Comparação de feições. 931
Maria Eliane de Castro – Tudo, antropologicamente daria para ver sem nada. 932
José Carlos Dias – Existe um laudo? 933
Maria Eliane de Castro – Não, antropologicamente este laudo não foi feito, este laudo 934
foi feito pelo carinho nosso e pela fisionomia. 935
José Carlos Dias – Mas é importante que se faça isso. 936
Maria Eliane de Castro – Não fizemos. 937
Pedro Dallari – Vamos aproveitar para ouvir a Cristina, por favor. 938
Cristina – A Comissão através da Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com a 939
Polícia Federal, fez a coleta de DNA de todos os irmãos do Antônio Teodoro de Castro, 940
e fez a coleta de DNA da Lia. A Polícia Federal fez então a comparação do material 941
genético e obteve o resultado então ele não pode ser conclusivo. Resultado então bastante 942
semelhante com resultado particular da família. O resultado ele não é conclusivo pelas 943
mesmas razões do resultado particular, porque nós não temos o DNA da mãe. Então a 944
Secretaria de Direitos Humanos... ela está finalizando as autorizações das guerrilheiras, 945
porque nós não podemos comparar as amostras que nós temos em banco, sem autorização 946
da família. Então, nós ainda estamos finalizando o processo de solicitar as famílias que 947
autorizem para, então, fazer as comparações com as guerrilheiras e, então, poder então 948
ter a finalização do processo para ter a conclusão do processo de reconhecimento da Lia. 949
Maria Eliane de Castro – Mas isso poderia ser feito, e se bater com alguma pedir 950
autorização para aquela, eu não precisava saber nem minha família, que fosse feito só. 951
Pedro Dallari – A própria elaboração da checagem tem que ter autorização, mas pelo 952
que eu entendi já está sendo providenciado, não é isso? 953
Maria Eliane de Castro – Sim. 954
Pedro Dallari – Eu acho que a gente pode sair daqui, e aí eu peço então a colaboração 955
dos colegas que são uma parceria fundamental neste momento. A Comissão Nacional da 956
Verdade vive sobre a pressão do prazo, nosso problema dramático é que, no dia 16 de 957
dezembro nós deixamos de existir. Então nós temos uma urgência que obviamente órgãos 958
que tem uma vocação permanente não tem, mas nós saímos daqui com um 959
encaminhamento comum de dar uma atenção especial a este caso. Porque eu acho que, 960
de repente, nós podemos conseguir um resultado bastante objetivo rapidamente. 961
Cristina – É o que existe é a possibilidade de uma outra forma de DNA. 962
Maria Eliane de Castro – Eu ia fala agora, eu tenho um amigo que ele é Coordenador 963
de pós-doutorado na Inglaterra, e ele veio ao Brasil uns meses atrás, e a gente conversando 964
e eu conversando sobre isso. E ele falou que existe o DNA do cromossoma X. Que como 965
eu tenho cinco irmãs, seis comigo teria uma probabilidade muito grande. Aí nós fomos 966
procurar onde que fazia. Faz em Minas Gerais, em Belo Horizonte, mas é R$ 20.000,00, 967
infelizmente nós não podíamos alçar com isso, com esse ônus de imediato, então já 968
resolve uma boa parte. Então ele falou que iria ver, se baixaria o custo disso na Inglaterra, 969
que estou indo lá em novembro e a gente viria exatamente se faria algum milagre. Mas, 970
se não fizesse, eu entraria na justiça aqui, para que o Estado como a roubou, a sequestrou 971
que devolva ela de uma forma lícita e justa. Porque a luta do meu irmão era justa, porque 972
ele queria um povo livre, e um povo ordenado no sentido de igualdade. Então esta luta eu 973
tenho de alma, minha família inteira tem de alma, então sendo ou não sendo ela já é nossa 974
sobrinha, então isso não tem problema nenhum. Eu só queria que realmente, porque a 975
probabilidade de uma delas serem mãe, no meu ver é uma coisa até muito justa. Então eu 976
venho pedido isso já tem quando era ainda o Dipp. Mas eu espero que agora a gente confie 977
mais, e isso realmente aconteça, e que fique a contento para a gente, e para ela que teve 978
uma vida roubada, que papai do céu não foi tão benéfico com ela no sentido de que ela 979
teve uma filhinha e morreu de leucemia a um ano agora em novembro. Eu acho que isso 980
seria um alento, pode não ser nada para a maioria. Mas para ela e para nós seria grandioso. 981
00092_001866_2014_60 1 - 2 - 3 – Danilo Carneiro – 05 Danilo Carneiro 982
Danilo Carneiro – Boa tarde a todas e a todos. Meu nome é Danilo Carneiro, sou membro 983
do Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro. Sobrevivente da resistência contra o capital 984
monopolista nacional e internacional, que franqueou as ditaduras militares em todo 985
mundo, África, América, países da Europa, em todos os países. E para falar sobre esse 986
episódio específico do Araguaia, é preciso de colocar a minha posição de público, que 987
nós, marxista-leninistas, anti-stalinista, normalmente não mentimos para os trabalhadores 988
do povo. Nós achamos a anistia uma farsa, a Comissão da Anistia, uma farsa, a Comissão 989
da Verdade, uma farsa. Respeitamos pessoas que estão aqui, representando essa 990
comissão, na qualidade de indivíduos, de seres humanos. Eu sempre aprendi a respeitar, 991
desde criança. Agora, não respeitamos as ideias podres que as pessoas têm sobre a 992
sociedade, sobre os Estados, sobre os Governos, temos, nós próprios, as nossas próprias 993
opiniões. Aqui tem muitos familiares e companheiros de luta, várias organizações que 994
sobreviveram, e é preciso dizer, que não vai apurar nada, nunca. Só o dia que a correlação 995
de forças mudar, como agora está mudando no mundo, em função da crise, os tribunais, 996
da reprodução do capital, que é possível abrir uma janela na história, e que possamos 997
fazer a revolução. E podemos colocar todos esses senhores torturadores, que cometeram 998
crimes hediondos, serem punidos. Então, é preciso de colocar isso e contextualizar a 999
situação em que houve a resistência no Brasil. Sem isso, as pessoas jamais entenderão 1000
que nós vivemos numa sociedade de classe, que a luta é de classe, e que a luta de classe 1001
é isso mesmo. 1002
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Eu pediria que o senhor prestasse 1003
um depoimento sobre os fatos que o senhor foi vítima. Respeitando a sua, as suas 1004
posições, o direito que o senhor tem de se expressar, mas, o problema é que nós estamos 1005
em uma audiência pública para tomar depoimentos especificamente sobre as violações, 1006
as graves violações aos direitos humanos. 1007
Danilo Carneiro – Eu tenho muito respeito pela Presidência que o senhor está presidindo. 1008
Mas eu fiquei 15 anos na clandestinidade sem poder falar, eu fiquei muitos anos na prisão 1009
sem poder falar, sendo torturado durante 365 dias por ano, e chego aqui não posso falar? 1010
Porque é impossível você falar de um evento desses, sem contextualizá-lo historicamente, 1011
senão não sabe porque que não vai ter consequências, como é que eu posso afirmar, fazer 1012
uma afirmação que não vai ter purgação nenhuma, de verdade? Nós queremos, sim, 1013
construir uma Comissão da Verdade, independente do Estado da burguesia, independente 1014
da justiça da burguesia, independente do parlamento da burguesia, porque vivemos numa 1015
ditadura econômica, financeira, cuja forma de se expressar nessa ditadura econômica é 1016
parlamentária. Essa que é a realidade. Por isso que faz comissões e comissões que não se 1017
abrem os arquivos. Alguém aqui acha que o Estado vai abrir os arquivos dos crimes que 1018
eles mesmos cometeram? Eu não estou falando de vídeo de confronto, não, se você morre 1019
na luta, tudo bem. Eu estou falando é de pessoas algemadas, prisioneiros, que foram 1020
torturados e executados. Se não contextualizar isso, as pessoas que estão presentes aqui 1021
jamais vão entender esse processo. Não vão entender porque que o Estado não abre os 1022
arquivos, tem duas sentenças, como citou a companheira aí, transitado e julgado e 1023
chamam isso de Estado Democrático de Direito, que não cumpre a sentença. Como a da 1024
Solange Salgado, julgado em 2007, transitado e julgado, mas está cogitado entrar na 1025
justiça, porque não se cumpre. Então esse é que é o problema, mas, passarei a relatar, nós 1026
não somos vítimas, hein! Eu jamais fui vítima de regime militar, eu fui vítima de tortura, 1027
isso é outra coisa, prisioneiro algemado sem a mínima possibilidade de defesa, isso é 1028
crime hediondo. Aí, sim, nós fomos vítimas, mas não vítima de luta ou mesmo de prisão. 1029
Eu fui caçado, inicialmente, então, em 1964, ainda na universidade, na escola da 1030
Engenharia, na qual estudava e, a partir daí, fui para a clandestinidade. Nesse período tive 1031
todos os meus direitos de estágio proscritos. Não pude fazer estágio, sem estágio você 1032
não concluía o curso, tive que fazer o estágio na clandestinidade, recebi o diploma cinco 1033
anos depois, que eu já tinha sido caçado novamente no Rio de Janeiro, na Universidade 1034
Federal, onde estudava e fazia curso de jornalismo. E, em função das atrocidades, do 1035
golpe perpetrado pelo capital monopolista nacional e internacional, que implantou a 1036
ditadura, por isso que logo a ditadura militar era uma ditadura civil e militar financiada 1037
pelos banqueiros, pelo capital internacional, pelas multinacionais. Olha, para vocês terem 1038
uma ideia, das nossas avaliações, que fizemos, teve dois empresários que não 1039
participaram disso, que financiaram a tortura: Rede Globo, Grupo Bandeirante, Folha de 1040
São Paulo, Jornal do Brasil, o Estadão. Todas as cadeias de emissoras de rádio 1041
participaram do processo. Financiaram o processo, os únicos que nós não temos prova 1042
contundente, o Ermírio de Moraes, o Ueda, da metalúrgica. Os outros todos que foram, 1043
participaram, por isso que foi uma ditadura civil e militar. Então, a partir desse processo, 1044
que nós não tínhamos mais alternativa nas nossas militâncias, fomos obrigados a fazer 1045
uma resistência armada e fomos fazer a resistência no Araguaia. Bem, para ser conciso, 1046
não atrapalhar a ilustre Comissão da Verdade, vou ser mais objetivo. No dia 12 de abril... 1047
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Eu quero que o senhor nos faça 1048
um favor, nos respeite, porque nós estamos dizendo que somos absolutamente democratas 1049
permitindo que o senhor ficar, inclusive, criticando a Comissão. Tudo bem, agora, eu 1050
peço ao senhor que nos trate com o respeito que nós, que nós merecemos, como cidadãos. 1051
Danilo Carneiro – Não posso deixar de fazer a crítica. O senhor também pode me 1052
criticar. Então, no dia 12 de abril de 72, fomos detectados pelo aparelho repressor e o 1053
comandante supremo da Guerrilha, comandante Gabrois, decidiu fazer a resistência. À 1054
meia-noite daquele mesmo dia, recebemos os companheiros, um era o companheiro do 1055
grupamento que estava fora e o outro, o companheiro que era de outro destacamento, para 1056
nos avisar que nós teríamos que mandar, recebo uma incumbência do comandante 1057
supremo, que me deu um prazo para fazer uma reflexão. Recebi uma incumbência do 1058
comandante para avisar todos os camponeses da nossa área de atuação, para que 1059
fôssemos, então, fazer a retirada. Era mais ou menos à meia-noite, o companheiro tinha 1060
deslocado o pé e, no dia posterior, o camponês pediu para ele me transitar pra uma região 1061
que eu não conhecia, e saímos diretamente em cima da tropa, na Transamazônica, errou 1062
o caminho. E, a partir exatamente desse fato, que eu pedi para ele seguir, porque ele não 1063
tinha conhecimento dessa situação, nós não tínhamos revelado quem nós éramos, nossos 1064
objetivos e que o pessoal ia voltar. E, como ele tinha família, eu, preocupado, falei: “oh, 1065
você segue em frente.” E, tentei fugir da região porque tinha três cercos, eu consegui 1066
passar por três, fui preso no quarto, eu só fui preso porque esse camponês foi preso. Então, 1067
ele até, no momento da prisão, por ter trabalhado na roça dele durante vários meses, junto 1068
com eles, fazendo colheita, ele disse: “não, esse rapaz trabalhava comigo.” E, eu fiquei 1069
quieto, eles examinaram, eu tinha jogado a mochila fora, para não ser identificado. Bem, 1070
então, eles falaram: “não, esse cara conhece, conhece o pessoal, conhece o pessoal.” Aí, 1071
me prenderam, passei 15 dias como camponês, mas, no ato da minha prisão, 15 soldados 1072
do corpo da guarda, que fizeram cerco, que vieram de helicóptero e aí fui trucidado. 1073
Furaram de baioneta, rastejaram sete quilômetros e meio na Amazônia, isso porque eu 1074
era um camponês, como eles faziam. E eu já tinha detectado, quando foi esse cerco, que 1075
eles abriam os buracos, tipo lá do Vietnã, colocavam os camponeses lá e os torturavam. 1076
Mas, quando eu fui preso, estava todo arrebentado, me jogaram numa caminhonete e 1077
estava lá Sitônio, o camponês que tinha transladado comigo, todo arrebentado. Me 1078
levaram, fiquei preso na Transamazônica, chegaram a tropa de paraquedistas, me 1079
espancaram, colocaram algemado, colocavam uma bacia com água, sem alimento, sem 1080
comida, e me espancavam. Cada vez que passava uma tropa, me espancavam. E o 1081
rastejamento que eu tive, sete quilômetros e meio, em carne viva, e só com um calção, 1082
todo furado de baioneta, sangrava para todo lado, sete dentes quebrados, me fraturaram a 1083
mandíbula e isso porque eu era um camponês e faziam assim com os camponeses. Para 1084
ter informação. Me transportaram para Marabá, na Casa Azul, como foi citado aqui. 1085
Como éramos os primeiros a serem presos, o que eles queriam? Informação, eles 1086
buscavam informação com os camponeses, torturando os camponeses. Fiquei esse tempo 1087
todo em Marabá, três dias, não me deixaram comer. Porque o ódio que o capitão, que 1088
estava naquelas barreiras, que eu já tinha furado, ficou indignado, porque tinham me 1089
revistado três vezes, então, não permitia que eu comesse, comesse, ele não admitia que 1090
“um camponês” o tivesse ludibriado. Lá fui barbaramente torturado, para dar informação. 1091
A tortura era tão violenta que eles fecharam a porta do QG, porque os soldados estavam 1092
olhando, me enfiaram um cassetete deste tamanho assim, de aço, no rabo, com choque 1093
elétrico, eu já estava todo ferido. Não, tinha nenhuma condição. Me penduraram numa, 1094
numa trave, aquele sangue, aquele pus, eu desmaiado, aí eles desciam a corda e me 1095
colocavam lá. O Sargento Santa Cruz, que já apareceu aqui, que eu não sabia quem era, 1096
e resolveu nos transladar para Belém, fui junto com o Baiano. Que era o barqueiro do Rio 1097
Araguaia, que eles torturaram barbaramente, mas, no avião, não deu para conhecer, 1098
porque encapuzado. Quando eu fui colocado no 22º Batalhão de Infantaria Oficial, em 1099
Belém que eu ouvi a voz do Baiano, reconheci, ainda falei assim: “vão matá-lo.” Porque 1100
como nós usávamos o seu barco, fatalmente, se eles tivessem alguma informação, 1101
liquidavam. A partir desse momento, tinham outros prisioneiros, que eu não identifiquei 1102
quem eram. Nesse quartel, três dias depois, eles pegavam os arquivos da cidade e levavam 1103
para lá: “conhece? Conhece?” A Criméia foi identificada assim, porque levaram para lá: 1104
“quem é essa?” “É a Alice.” Aí, levaram para São Paulo e falaram: “não, você não é, você 1105
é Alice.” Entendeu? Foi uma das formas que identificaram a companheira Criméia. Bem, 1106
quando chega do Rio a minha ficha, antigamente usava aqueles papéis de computador, 1107
aquela listagem e o cara começou ler: “Atuava na fábrica tal, na fábrica tal.” Porque eu 1108
tinha tido um processo, entrei no Exército, ele nem sabiam quem eu era, porque meus 1109
pais já tinham morrido, meus irmãos, cada um morava num canto desse país, saí de casa 1110
com sete anos e meio para estudar. Nunca mais voltei, eles não tinham, eles processaram 1111
um nome. Tanto é que, na ficha, depois, que eu consegui, no DOPS, lá no Rio, quando a 1112
gente fez um acordo com o Nilo Batista para a gente consultar lá, estava lá, textualmente 1113
escrito apenas assim: “Estudante da escola de Jornalismo, caçado no Decreto 407.” Não 1114
tinha mais informação, nem podiam ter, não deixava rastro. Bem, nesse quartel, todas as 1115
noites, os caras com chicote de aço entravam na cela, uma cela de ladrilho, nu, jogavam 1116
água e me espancavam, me levavam para o fundo do quartel, amarravam pés e mãos e me 1117
arrebentaram os testículos com tanques. Eu estava numa situação tão deplorável que 1118
aquilo começou a entrar o corpo em decomposição, fedia, nem os oficiais, nem os 1119
soldados chegavam no fundo da cela, porque era um mal cheiro, estava apodrecendo, eu 1120
consegui, com um sargento assustado, que me jogasse uns chumaços de iodo. Que eu 1121
tirava o parro dos lugares onde estava ferido e colocava ali, aí dei uma melhora. 1122
Continuava torturando, o rosto todo queimado aqui, em frente, 20 oficiais-generais, que 1123
passavam filmes e fotos dia e noite para identificar as pessoas. Porque no início eles não 1124
tinham informação. Como, depois, eles sabiam que eu era um militante, que era da 1125
organização, não tinha alternativa. Dia e noite torturado para dar informação, como eu já 1126
tinha estudado no Crevinski, que é um general da contrainformação do Exército 1127
Vermelho, que fugiu na época de Stalin, eu sei o que é contrainformação, era coibir várias 1128
estratégias diante das minhas possibilidades e limitações como prisioneiro. Como eles 1129
não sabiam quais as organizações que estavam lá, eu reconheci uma porção de gente. Um 1130
companheiro que tinha conseguido fugir, que eu sabia, como por companheiros que 1131
tinham morrido. Durante um tempo isso foi suficiente para ganhar tempo, porque o 1132
objetivo da tortura são três, é preciso esclarecer para as pessoas. É tirar informação, como 1133
você tira informação? Vocês viram aí as palavras do Thaumaturgo Vaz, no primeiro 1134
momento, no primeiro impacto, que é desestruturar a pessoa. Depois, desmoralizar a 1135
pessoa e colocar ela num beco sem saída, se ela fala, ela está representando a morte de 1136
um companheiro, se não fala, ela não suporta, e isso é sistemático. Como lá em Belém 1137
não tinham equipe especializada em tortura, colocaram dentro do avião, levaram para 1138
Brasília. Eu cheguei em Brasília e, antes de chegar em Brasília, o terrorista do Estado, a 1139
Polícia Federal, que todos eles são, não admitem, mas são, porque o Estado é um Estado 1140
de classe, o maior Estado de paz sobre a sociedade. É preciso ter clareza disso, então, 1141
nessa época eu pesava 38 quilos, porque eu sou uma pessoa franzina, como o 1142
companheiro Zezinho ali. E, me deu, abriu a cela, pediu que eu me afastasse. Eu afastei, 1143
me deu um pontapé na boca do estômago, cai lá e desmaiei, de tanta violência do cara, aí 1144
me arrastei, voltei a si, me deram algo, colocaram no avião, capuz, avião. Nem sabia por 1145
onde era, fiquei três dias em Carolina do Maranhão, sem saber, porque lá tem campo de 1146
aviação, não sabia o que ia acontecer. Aí, depois cheguei a Brasília, um monte de 1147
prisioneiros, me jogaram. Ah, no avião, o cara me cotovelava na cara e saía sangue para 1148
todo lado, e não deixavam ir no banheiro. Não podia, porque tinha vários presos no avião, 1149
que eu nem sabia quem eram, de outras organizações. Chegaram em Brasília, me 1150
empurraram lá de cima da porta do avião, arrebentei lá em baixo, colocaram eu na 1151
caminhonete, encapuzado. Chegamos num lugar que não sabíamos quem era, chegamos 1152
em Brasília, um companheiro diz assim: “você está no PIC, o Centro Militar de Brasília 1153
e aqui do lado é o centro de tortura, a situação é essa e essa.” Me descreveu o presídio, eu 1154
fiquei um pouco apreensivo, porque eu já não estava aguentando mais a tortura, daí a 10 1155
minutos me tiraram da cela. Me levaram para baixo, quando me jogam numa sala, o 1156
capuz, sobe, eu pude enxergar as botinhas do Fleury, Fleury. Estavam no meio da sala, aí 1157
veio um outro prisioneiro: “conhece esse aí?” “Não.” Também não conhecia, era um 1158
companheiro de longe, de um outro grupamento, eu não sabia quem era, aí arrastaram, 1159
ele dizia assim: “agora você vai conversar com quem sabe conversar, até agora você 1160
conversou com gente que não sabe dialogar, aqui, nós temos um dia, não, eu aumento, 1161
nós não temos todo o dia, não, nós temos um minuto, uma hora.” E, na medida em que 1162
ele ia falando um minuto, uma hora, duas horas, um dia, três dias, um mês, ele ia 1163
aumentando o tom do da voz e aos urros, dizia assim: “aqui você vai falar, aqui você vai 1164
falar.” 20 torturadores dentro de uma sala. Me arrebentaram de pontapé, de cassetete, 1165
choque elétrico, eu já estava com a boca toda furada, eu não alimentava, porque o choque 1166
elétrico te produz um descontrole nervoso, os dentes furam a língua, que você não fala, o 1167
sangue jorrava, o capuz amarrado com copo de óleo que você não respira, você engolia o 1168
sangue e desmaiava. Esse dia desmaiei oito vezes nas torturas que sofri, de toda a equipe, 1169
me tiraram, levaram para a cela, sabe qual a estratégia que eles montaram? Para 1170
desestruturar o prisioneiro? De meia em meia hora eles te tiravam da cela, às vezes de 1171
uma em uma, às vezes de duas em duas, uma hora torturavam, outra hora colocavam 1172
numa mesa, um copo com água e um cafezinho para o prisioneiro e diziam assim: “mas, 1173
você tem que colaborar, nós somos contra a tortura, senão esse pessoal aí vai te torturar.” 1174
Um cinismo total, mas eu conhecia muito bem essas técnicas de tortura, que eu já tinha 1175
estudado sobre isso desde a guerra da Argélia. Então, eles desestruturavam de toda 1176
maneira, até você perder o sentido das coisas, que o prisioneiro... ele tem um ouvido muito 1177
aguçado, muito aguçado. Você ouve, qualquer coisa que paira no ar, qualquer 1178
movimentação você sente e se você tiver uma visão política, como que é a guerra, como 1179
eles se comportam, como ele me comporta, aquilo é valioso para você, como informação 1180
para você se defender. Então, para desestruturar o preso, aí você não sabe qual hora que 1181
vão torturar e qual hora que vai ser torturado. Uma hora eles servem cafezinho, dialogam 1182
com você e querem informação. E essa foi a primeira, as outras torturas que eu sofri, em 1183
relação a essa, era insignificante. A dor no peito, de explodir, porque eu tinha que me 1184
preparar, ideologicamente, cada vez para enfrentar essa situação, me tiram lá de cima, no 1185
outro dia, a mesma coisa, desmaiei umas duas, três vezes, aí o Bandeira, general Bandeira. 1186
Ele tinha um cão pastor e uma bengala, quando volto em si, o general estava lá, em pé, 1187
batendo na minha cabeça com a bengala: “tem que tirar informação desse cara nem que 1188
você tenha que trucidá-lo, eu quero informação.” Porque eles não tinham informação do 1189
que estava lá, não sabiam se eram 10 organizações, se era uma, a extensão, a dimensão 1190
das pessoas. Me levaram para a cela e não tive tempo de fazer quase nenhuma refeição, 1191
chegaram novamente e interrogatório e interrogatório. As pancadas eram tão grandes que 1192
eu fiquei dois meses sem enxergar absolutamente nada, me torturavam sem capuz, não 1193
enxergava, era tudo um cinza escuro. Não via nada. Fratura na mandíbula, na maxila, 10 1194
dentes eu perdi a coronhada de fuzil, esse osso da face afundou, estava desfigurado. 1195
Quando o general Bandeira disse que queria as informações e rápido, no outro dia, à tarde 1196
e não comia, como é que você faz para sobreviver? Por isso que eu pesei 37 quilos, os 1197
companheiros, sabendo da barra que eu estava enfrentando, não tomavam café da manhã. 1198
Aí deixavam o pão amolecido, porque eu tinha que tocar na garganta e enfiar com o dedo, 1199
senão morria de fome, não podia comer. Me tiraram 6h da tarde, estava escurecendo. Me 1200
levaram para algum lugar aqui na área militar, em Brasília, que eu não sei identificar, 1201
deve ser a 3ª Brigada, e aí começou. Primeiramente me colocaram em cima de uma 1202
caminhonete, dessas quatro por quatro, e eu ainda estava com a vista totalmente 1203
embaçada. Uma hora eu colocava capuz, mas eles já sabiam que eu não enxergava, andava 1204
com a caminhonete sobre toda velocidade, freiavam e eu caía lá de cima, no chão. Me 1205
arrebentava todo, outra vez, aí, me colocavam na mira de uma arma: “vamos fuzilar esse 1206
bandido.” Os caras se afastaram, metralhadora na mão, eu só vi clarão, desmaiei. Quando 1207
eu voltei a si, eu vi que eram tiros de festim, mas eu não sabia que eram tiros de festim, 1208
teve um impacto emocional assim: “até agora tudo bem.” Me tiraram dali, me levaram 1209
para uma sala, um tamborete de metal, as mãos, os pés algemados, testículos para fora, 1210
pelado. Um cão pastor abocanhava meus testículos e o cara dava um toque no cachorro e 1211
ele puxava, os urros que eu dava na tortura, se você colocar o ouvido aqui em Brasília, há 1212
40 anos atrás, você vai escutar até hoje, vai escutar até hoje. Talvez se a Dilma colocasse 1213
o ouvido aqui, Lula, ouvissem os gritos e os gemidos, abriam os arquivos da ditadura, 1214
mas não vão fazer isso. Bem, amarraram os pés no tamborete, para trás e começam a te 1215
torturar com choque elétrico. O pé bate ali, você não tem controle e arrebenta, tortura, 1216
choque elétrico, pau de arara, pau de arara, choque, tortura, sabe onde que eles aplicavam 1217
os choques elétricos? Naquelas feridas que eu tinha no calcanhar, aqui, furado com 1218
baioneta para todo lado, metiam o grampo assim, naquelas feridas, para dar choque 1219
elétrico. No nariz, no olho, na língua, nos testículos. Meus testículos estavam dilacerados, 1220
de tanta porrada que eu levei. Os urros que eu dava tremia. Vocês ficariam horrorizados: 1221
“você não quer colaborar.” Eu pergunto aos senhores: você colaboraria para matar seus 1222
companheiros? Hein? Para eles continuarem assassinando? Quando nós fomos para a luta, 1223
na resistência armada, nós tínhamos o compromisso com os companheiros, de lutar, ou a 1224
derrota ou a vitória. Então, esse processo continuou a noite inteira, chegou um momento 1225
que eu comecei a enlouquecer, disparei a falar, falar, falar, falar. Aí que eles perceberam 1226
que era o momento, lógico, está desestruturado o cara, é o momento, é o momento, tiraram 1227
as algemas, me colocaram lá, copo d’água, um café e eu inventando história, porque eles 1228
diziam: “se você não sabe, inventa.” O tempo todo: “se você não sabe, inventa.” Eu acho 1229
que eu tenho capacidade, eu sei inventar história, eu sei trabalhar psiquicamente as coisas. 1230
Então, fazia minha parte como prisioneiro, de ludibriar o inimigo, até onde desse, mas, 1231
acontece que eu comecei a enlouquecer, me levaram para a cela, eu só tinha um desejo: 1232
morrer. Porque era a saída que eu tinha, eu não tinha outra, eu sabia que ia continuar, não 1233
sabia o que estava acontecendo lá, embora soubesse que já tinha vários companheiros 1234
sido mortos. Porque eu sei, também, não tem informação, por isso que informação para o 1235
prisioneiro é importante para ele também poder se rearticular a cada momento. Fazer sua 1236
preparação ideológica. Então, eu fui para a cela, chegando na cela, eu só queria morrer, 1237
eu dava cabeçada nas grades. Mostrar para vocês como é que funciona uma cela em 1238
Brasília aqui, aqui tem a grade, tem um metro aqui e aqui tem uma parede, você só fica 1239
nessa parte de trás do cubículo, você não vê uma pessoa, nem ninguém, mas você ouve. 1240
Quando eu comecei a dar cabeçada na grade de ferro, dessa grossura assim, para 1241
arrebentar, o companheiro do lado percebeu e começou a gritar comigo, gritar, gritar e eu 1242
disse para ele: “estou enlouquecendo, não aguento mais a tortura.” Ele falou: “você tem 1243
que aguentar, aguenta mais um pouco.” Nesse momento, esse companheiro era o Paulo 1244
Fontelles, depois de ter minha prisão, militante já preso, que assassinaram, no Pará, depois 1245
como advogado de posseiros etc. e tal. Ele tinha sido muito torturado, mas naquele 1246
momento, ele conseguiu dialogar comigo. Quando ele passou informação para o resto do 1247
presídio... Vou pedir um tempo, porque é um momento muito complicado, é o ser 1248
humano, o ser ou não ser, quando você entra num processo de enlouquecimento. Você 1249
não tem mais controle da sua mente, do seu raciocínio, e esse companheiro... Tinha mais 1250
de trezentos presos aqui no PIC de Brasília. Os companheiros levantaram e começaram 1251
(choro), de repente, não é fácil... Os companheiros começaram a cantar pra mim. 1252
Belíssimas canções, canções revolucionárias (choro), mas, aquele segundo me salvou a 1253
vida. Porque me salvou da loucura, me permitiu recompor as minhas forças. Levantei, 1254
subi na cela, e fiz um vigoroso discurso pela nossa causa! (choro) Que é a causa da 1255
emancipação humana. Aquilo através do qual nós lutamos e deveremos lutar! Para superar 1256
o capitalismo que mata, que tortura, que assassina, mas é como os que vocês estavam 1257
ouvindo agora. Os bombardeios sem fim em cima de uma população que não pode lutar, 1258
na Palestina. Como fizeram no Iraque, na Líbia, na Síria. O capitalismo é um sistema 1259
assassino, o capitalismo está levando a humanidade a sua destruição, por isso que temos 1260
que resistir. Por isso que estamos organizando um partido revolucionário para fazer essa 1261
resistência, aproveitando toda experiência acumulada das lutas na América Latina e no 1262
mundo e vamos fazer o enfrentamento. Possivelmente vamos morrer, possivelmente vão 1263
nos torturar novamente. Mas eu, na minha idade, não vou aguentar mais 10 minutos, não 1264
tem importância, morro pela causa. Bem, vocês acham que terminaram aí? Não. Me 1265
levaram para a OBAN de São Paulo, a mesma atrocidade, estava lá o Fleury. Eu não vou 1266
citar aqui, eu vou ler para vocês, no final, alguns torturadores que a gente identificou. 1267
Quando eu estava preso nas margens do Rio Mucuri, em Belém, para aterrorizar uma 1268
companheira, eu nem sabia quem era, nem sabia se era preso político, um alto oficial da 1269
Marinha me leva a usá-la algemado, me coloca os punhos, assim, igual alicate, arrebenta 1270
dedo por dedo da minha mão, apenas para fazer terror à companheira que estava presa. 1271
Esse é o Estado terrorista da burguesia que continua lá, que é, continua aí. Pois os 1272
organismos de repressão estão intactos e continuam aí mesmo. Mas, não nos amedronta, 1273
e não nos assusta, os companheiros que tombaram, eu dizia para o companheiro do Rio, 1274
quando me jogaram arrebentado dentro da cela, eu falei: “nós estamos morrendo, eu estou 1275
morrendo, mas, muitos estão nascendo para continuar essa luta.” Que não é uma luta 1276
individual, é uma luta coletiva, é uma luta de classe, essa classe dominante está 1277
assassinando no Brasil desde que vieram aqui com 13 caravelas armadas até os dentes, 1278
mataram 4 milhões de escravos negros, 6 milhões de indígenas e eles chamam isso de 1279
civilização, nós somos os descobridores, o cinismo total continua até hoje. 1280
Pedro Dallari (Comissão Nacional da Verdade) – Danilo, eu peço licença, mas ainda 1281
temos mais duas companheiras para serem ouvidas e a previsão é que essa audiência 1282
pública se estenda até a uma e meia. Então, eu gostaria que você pudesse apresentar essa, 1283
por sinal muito interessante, que você mencionou, uma lista de torturadores que você tem, 1284
muita utilidade para a comissão se você pudesse, então, concluir com essa lista que, para 1285
nós será muito útil e que, na sequência, nós possamos ouvir a Maria Eliane de Castro e a 1286
Elizabeth Silveira. 1287
Maria Rita Kehl (Comissão Nacional da Verdade) – Gostaria assim, se puder 1288
identificar os camponeses que você viu sendo torturado lá, e o nome do que você viu na 1289
caminhonete. 1290
Danilo Carneiro – Esse, esse camponês, a princípio, ele morreu em concessões pela 1291
tortura, que é o Sitônio e que já foi identificado e os outros não, porque as outras regiões 1292
eu não conhecia, era uma vasta região. Mas, concluindo, no Rio a mesma coisa, não sabia 1293
aonde estavam chegando, mas como eu sou do Rio, quando vi aquele cheiro, conheço a 1294
minha terra. Desde jovem vivi ali, lá eu fui preso. Na Bahia, no Galeão, na Barão de 1295
Mesquita que é o centro de tortura do DOPS, no DOI, porque eles queriam conhecer onde 1296
era o nosso aparelho lá na Avenida Souto Maior. Chegando ao Rio a mesma coisa. No 1297
Rio é importante citar alguns fatos aqui para vocês verem como que essa classe 1298
dominante... 1299
Pedro Dallari (Comissão Nacional da Verdade) – Eu peço que você faça uma 1300
finalização, porque senão as outras companheiras vão ficar prejudicadas no tempo. Nós 1301
poderemos, em outro momento, novamente tomar o seu depoimento. Desculpa, nós 1302
podemos ouvir novamente o seu depoimento, podemos colhê-lo para complementá-lo. 1303
Nós teremos até novembro para fazer esse trabalho. O seu depoimento é muito útil, muito 1304
importante, é que nós não queremos perder esta oportunidade, para ouvir as pessoas que 1305
foram selecionadas e que bem se prepararam para vir aqui apresentar o seu depoimento. 1306
Danilo Carneiro – Tudo bem. Vou só mostrar aqui que eu falei que eles tinham uma 1307
farsa, na 27ª seção, quando apresentei meu requerimento, na 63ª, foi julgado, foi 1308
aprovado. O ministro farsante da justiça daquela época, Tarso Genro, mesmo eu dizendo 1309
que era ilegal, porque eles cumpriram o que estava determinado pela comissão, meteu a 1310
“caneta”, só vou mostrar para vocês que é uma farsa, impetrei mandato de segurança 1311
contra o ministro. A Eliana Calmon, hoje aposentada, candidata a senadora da Bahia, foi 1312
e jogou na lata do lixo o meu mandato de segurança contra o ministro, sabe para onde ela 1313
me mandou? Para uma ação ordinária, sabe quando foi julgada? Nunca, nem daqui a 50 1314
anos, essa é a farsa do Estado que está aí. 1315
Pedro Dallari (Comissão Nacional da Verdade) – Pois não, Danilo. 1316
Danilo Carneiro – Vou ler. Isso aqui é apenas uma parte dos torturadores, que eu cito 1317
aqui num relatório que eu entrei com uma ação na justiça, 20 anos, não julgam, nunca 1318
andam com a ação. Você sabe o que disse uma procuradora nesse processo? Que eu estava 1319
querendo enriquecer à custa do Estado, da burguesia. Eu gastei mais de 3 milhões do meu 1320
bolso em mais de 30 cirurgias que eu fiz, no rabo, intestino, no pênis, na boca, nos olhos, 1321
dez cirurgias na vista, transplante de ossos, fiz um monte, entendeu? Gastei isso e essa 1322
madame ou esse donzelo disse que eu estava querendo enriquecer à custa do Estado da 1323
burguesia. Nunca gastei um centavo para cuidar da minha saúde, companheiros e amigos 1324
que foram solidários comigo. Essa é a parte final que eu apresentei, agradecer ao Tortura 1325
Nunca Mais, no Rio de Janeiro, que eu tenho que me proporcionar atendimento e 1326
assistência médica, através do projeto para as vítimas de tortura. Me acolheram lá no Rio 1327
durante anos, para que eu pudesse fazer o tratamento, para as clínicas psiquiátricas, 1328
entendeu? Internei por várias vezes. Concluo esse relato, deixando aqui registrado nome 1329
e patente de todos aqueles que participaram diretamente, dentre os quais me foi possível 1330
identificar, do covarde e atroz crime de tortura, em nome da Segurança Nacional, com 1331
um prisioneiro indefeso ou que jamais cometera qualquer crime a não ser defender os 1332
trabalhadores e o povo brasileiro. Antônio Bandeira, general do Exército, como coronel 1333
de Infantaria, serviu no Recife na época do Golpe de 64, chefiou a censura federal, 1334
comandou a repressão no Araguaia, como comandante do terceiro DI, 71, 73, comandou 1335
o 3º Exército, depois foi para a reserva. Recebeu Medalha do Pacificador, como Caxias, 1336
“o grande pacificador”, com a espada e ele simulou aí os movimentos populares no Brasil; 1337
Antônio Carlos Vasconcelos, II sargento do Exército, em janeiro de 69, foi transferido 1338
para o MPE Brasília, sendo que em 71 atuava no PIC; Sérgio Fernando Paranhos Fleury, 1339
delegado de Polícia Civil, era do Esquadrão da Morte, conhecido como “comandante 1340
Barros”, pertencia ao esquadrão de São Paulo; Harry Egon Prass, segundo sargento do 1341
Exército, serviu no PIC Brasília; Jamiro Francisco de Paula, aquele que vocês viram a 1342
fotografia aí, só um detalhe, eu coloquei uma toalhinha, que uma companheira me 1343
mandou, para mim e para os companheiros lá, no canto da sala, eu coloquei a muleta: 1344
“tira essa muleta daí.” Aí fui tirar, ele abriu a cela, me algemou, me espancou até eu 1345
desmaiar. Um simples sargento. Porque eu coloquei uma toalhinha ali, para vocês verem 1346
o nível de barbaridade. Joaquim Calegário Filho, cabo do Exército, serviu no PIC e na 1347
BPE, recebeu Medalha do Pacificador; Joel Rodrigues de Vasconcelos, coronel da 1348
Infantaria do Exército, comandou o BPE Brasília até dezembro de 78, recebeu Medalha 1349
do Pacificador; Luís Henrique Nazareno, cabo do Exército, serviu no PIC Brasília, esse 1350
aqui era um criminoso, assassinou várias pessoas aqui em Brasília, ele era do S2, Serviço 1351
de Informação; “Martins”, cabo do Exército, serviu no PIC e no BPE; Olavo Vianna 1352
Moog, general de Divisão, tempo que serviu aí, 64, serviu no BPE, foi secretário de 1353
Segurança Pública de São Paulo, um dos organizadores do Esquadrão da Morte, em 27 1354
de dezembro de 1971 foi nomeado comandante militar do Planalto, comandando a 1355
repressão à Guerrilha do Araguaia, recebeu Medalha do Pacificador; Oswaldo Puglia, 1356
tenente-coronel do Exército, comandou o BPE Brasília a partir de dezembro de 72, 1357
recebeu Medalha do Pacificador; Otto Denis Gomes Porto, major de Infantaria do 1358
Exército, comandou o PIC do BPE Brasília; “sargento Ribeiro” do Exército, Brasília 1359
70/72; Sebastião Rodrigues de Moura, capitão de Infantaria do Exército, serviu no Rio de 1360
Janeiro 70, em dezembro de 72 foi transferido para o Comando Militar do Planalto, atuou 1361
no SNI e na repressão à Guerrilha, ganhou Medalha do Pacificador; Thaumaturgo Sotero 1362
Vaz, major da Infantaria do Exército, era paraquedista, possuía curso de guerrilha na 1363
selva, na Zona do Canal, formado pela School High States of America, The Army 1364
Commendation Medal, participou da repressão à Guerrilha do Araguaia; “cabo Torrezan”, 1365
cabo do Exército Civil, BPE Brasília; Túlio Pinaud Madruga, capitão do Quadro de 1366
Material Bélico do Exército, serviu no PIC Brasília, conhecido como “Meirelles”. Todos 1367
eles estavam [trecho incompreensível], era meio clássico, não vou me alongar, respeitar 1368
aí a decisão do pessoal. Obrigado. 1369
00092_001866_2014_60 1 – 2 – 4 – Elizabeth Silveira e Silva 1370
Pedro Dallari (comissão Nacional da Verdade) – Pois não, Elizabeth, o microfone é 1371
seu para que você faça então, o registro que julgue importante para ciência de todos nós. 1372
Elizabeth Silveira e Silva – Boa tarde a todos, eu sou irmão de desaparecido político, 1373
Luiz René Silveira e Silva. Obviamente não vou me ater aqui a falar sobre o 1374
desaparecimento dele. Porque primeiro que pouca coisa eu sei a respeito, e ainda aguardo 1375
que o Estado me responda o que aconteceu com ele realmente. E segundo porque eu estou 1376
aqui mais para falar sobre a questão da luta dos familiares nestes 40 anos de busca. Esta 1377
busca, e o que ela representa e como ela tem sido levada por nós todos familiares e 1378
entidades de direitos humanos, que, ao longo deste processo, vem levando esta luta. Até 1379
por que, é bom caracterizar um pouco que esta ditadura que se inicia em 64, além dela 1380
cometer estes crimes bárbaros todos, que a gente já sabe, pelo menos, todas as pessoas 1381
que estão aqui nesta sala tem conhecimento deles, não é mistério para ninguém. Acho que 1382
nem todos os brasileiros sabem, mas os que estão aqui com certeza sabem da crueldade 1383
que foi esta ditatura, absurda nos crimes que ela cometeu. E aí nós vimos o depoimento 1384
da Criméia e do Danilo para ativar um pouco mais nossa memória e, obviamente, nos 1385
fazer sofrer um pouco mais também. Mas, além disso, ela instaura um procedimento que 1386
é o desaparecimento forçado. Que é um procedimento que não aparece na ditadura 1387
anterior, na ditadura Vargas, e que é exportado desta ditadura brasileira para as ditaduras 1388
na América Latina. E este é um crime continuado, significa dizer que não tem anistia para 1389
eles. O Estado brasileiro e nenhum destes torturadores que foram citados aqui, que foram 1390
mostrados aqui. E outros tantos que a gente ainda não identificou, não são anistiados. 1391
Porque este crime perdura, nós ainda estamos aqui depois de 40 anos querendo saber, 1392
temos as mesmas perguntas de quando nós iniciamos este processo. E nós iniciamos 1393
organizadamente, a partir dos Comitês Brasileiros pela Anistia. A busca das famílias é 1394
individualmente elas têm, tiveram caminhos diferentes, até porque algumas famílias... 1395
Pois não. 1396
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – A interpretação, a meu ver, é que 1397
é crime permanente, não crime continuado, porque é mais forte ainda. 1398
Elizabeth Silveira e Silva – Sim, concordo, eu aceito, obrigada, mas voltando, as famílias 1399
elas iniciaram, obviamente de forma diferente, porque cada uma delas tinha uma 1400
informação ou não tinha nenhuma. Este que era o mais importante. Porque é diferente, 1401
quando um militante político era preso, e que se sabia e se tinha notícia da prisão dele, 1402
porque deveria ter tido encontro com um ponto, alguém, com alguém, e que não aparece. 1403
E que aí você já tem todo um esquema de que se não apareceu, não apareceu um segundo, 1404
provavelmente foi preso, obviamente que as famílias se mobilizavam, a família se 1405
mobilizava para procurar os procedimentos jurídicos que ela podia ter neste momento 1406
com ajuda dos advogados. E aí a gente teve inúmeros advogados que trabalharam neste 1407
sentido, muitos, muitos mesmo, e que ajudaram a tirar muita gente da cadeia, diminuiu o 1408
sofrimento de muita gente. E muitos casos até impedir a morte de desaparecimentos de 1409
muitos. Mas, no caso de desaparecimento de preso político, cria uma situação muito 1410
complicada. E no caso do Araguaia então que é mais característico porque estas pessoas 1411
estavam em uma região, estavam longe. Elas não estavam em contato direto com seus 1412
familiares como estariam, por exemplo, na cidade, não era assim. Então você tinha um 1413
contato muito esporádico através de cartas, que demoravam para chegar. E que você sabia 1414
que as pessoas, não sabiam onde elas se encontravam, porque acho que ninguém sabia, a 1415
não ser que fossem as pessoas muito militantes de direção que sabiam onde eles se 1416
encontravam, mas os familiares de modo geral não sabiam, sabiam que estavam em algum 1417
lugar fazendo uma atividade política. Muitos familiares sabiam disso, alguns, outros 1418
familiares sequer, isso sabiam, não sabiam nem da militância dos seus filhos, irmãos etc. 1419
Não tinha nem conhecimento de que ele estaria militando politicamente em algum lugar. 1420
Então, em um primeiro momento de falta de informação, e mesmo que tivesse saído uma 1421
reportagem na Folha de São Paulo, já levantando a questão que tinha o movimento no 1422
Araguaia, que teria se descoberto, e que depois logo é abafado porque nós vivíamos ainda 1423
em um período, 73, 74, este período ainda estava vendo a ditadura e a imprensa ainda 1424
estava sob censura. Então, neste período as famílias não se mexiam, elas não se mexiam 1425
com medo de que, ao começar a procurar, elas levantassem alguma suspeita de que estes 1426
companheiros estariam fazendo políticas, estariam participando de algo em algum lugar. 1427
Então, durante determinado período, as famílias se fecharam, isso é tão cruel, é tão cruel, 1428
porque te dá, inclusive, uma sensação não digo de culpa, mas uma coisa, um sentimento 1429
de que deveria ter feito logo algo. De alguma maneira, você se penitencia um pouco de 1430
não ter iniciado este processo antes, que talvez pudesse no sentimento das famílias talvez 1431
tivesse protegido, teria conseguido buscar. Isso era o discurso das mães e dos pais que 1432
eram, obviamente que esta busca de filhos é algo que todo mundo que é pai e mãe sabe o 1433
que é isso, é um sentimento que está acima de ideologia, qualquer coisa. Primeiro eu acho 1434
que tem a sensação de que você pode salvar, entre aspas, vai proteger. O seu filho pode 1435
estar velho, mas você sempre acha que você tem a capacidade de alguma maneira de 1436
protegê-lo e que, e esta, se tivesse podido buscá-lo logo poderia ter evitado esta, vamos 1437
dizer assim, esta desgraceira toda que foi. Mas o que também é uma ingenuidade, um 1438
romantismo nosso de achar, de acharmos que poderíamos ter feito, porque se tivéssemos 1439
ido para região também teríamos desaparecido também como eles. Isso é o romantismo 1440
do sentimental, do sentimentalismo, desta coisa que a gente na realidade tem a emoção. 1441
Quando a gente para pra pensar direito a gente vê que não é este processo. Demoramos 1442
para começar isso, e só vamos iniciar este processo de uma forma mais organizadas 1443
quando começam a se formar o Comitê Brasileiro pela Anistia. 1444
Maria Rita Kehl (Comissão Nacional da Verdade) – Elizabeth. 1445
Elizabeth Silveira e Silva – Oi. 1446
Maria Rita Kehl (Comissão Nacional da Verdade) – Só dizer o nome do seu irmão da 1447
Guerrilha, você disse o nome dele de família, não estou localizando. 1448
Elizabeth Silveira e Silva – Duda, é um bem novinho. Ele tinha 19 anos, era estudante 1449
de Medicina, segundo ano de Medicina, não era para ser preso, ele foi mesmo, foi porque 1450
acreditou que era para ir. Voltando. Então, no Comitê Brasileiro de Anistia, é que nós 1451
começamos a encontrar os familiares e se organizar, inclusive, e depois em 79 quando sai 1452
a anistia e que muitos militantes do PCdoB saem da clandestinidade, aparecem, vamos 1453
dizer assim, sobraram do massacre todo, que foi da direção do PCdoB. Os poucos que 1454
sobraram eles nos contataram, então confirmaram a presença destes rapazes, destas moças 1455
nesta região. Então é aí que a gente tem, alguma coisa mais concreta de que, onde é que 1456
estava, o meu filho estava onde, é ali, ali atuando com este nome, a gente descobre os 1457
codinomes que eles estão usando e se organiza uma primeira caravana ao Araguaia em 1458
1980. Esta caravana ainda saída da ditadura, aliás, dentro da ditadura que ela acaba em 1459
85. Mas já se fala em anistia, mas ainda sobre a pressão da repressão sobre este grupo de 1460
familiares que vai à região com apoio dos Comitês Brasileiros pela Anistia, com apoio da 1461
OAB Federal, e com apoio da igreja e de diversos parlamentares de vários Estados e a 1462
imprensa também. E esta caravana, eu caracterizo como a época e o momento em todo 1463
este processo até hoje, até chegada hoje. Onde a gente encontra as informações que nos 1464
embasaram, inclusive, tanto para o processo interno aqui que leva ao processo 1465
internacional da OEA. Quer dizer, estas informações com depois o depoimento dos 1466
companheiros que sobreviveram, como o Danilo, a Criméia, quer dizer, atestando, 1467
testemunhando a presença do nosso companheiro também, o Zezinho, atestando a 1468
presença destes militantes na região, fazendo este trabalho e que desaparece, que não se 1469
tem notícia, de prisão, nada disso. Então você tem uma coisa concreta para apresentar, é 1470
neste e como depoimento dos moradores. Porque como se faziam poucos anos de que, os 1471
acontecimentos da Guerrilha, e a repressão à Guerrilha, tinham acontecido na região esta 1472
memória ainda estava muito viva e estes moradores ainda estavam vivos e agora não 1473
acontece mais. Então neste momento, apesar deles estarem intimidados, e por que não 1474
tinha contingente de mães grande, de mães grandes na caravana. O que dá um respaldo 1475
muito grande. Falar com mãe é muito diferente do que falar com autoridade, do que com 1476
qualquer outra pessoa, então estas pessoas se sensibilizavam a falar com as mães, e para 1477
as mães elas contavam os fatos de do que eles faziam, de como eles foram presos, enfim, 1478
contaram o que a gente tem hoje de substancial. Tudo que a gente tem de importante da 1479
Guerrilha é o que está ali ainda, porque depois de todas as Guerrilhas, depois as outras 1480
idas não trazem, esta mesma informação de uma forma tão mais clara, tão mais elaborada, 1481
como naquele momento a gente encontra, apesar de ser informações poucas e não 1482
informação do Estado. São informações dos moradores. Estas informações servem então, 1483
para que se inicie o processo contra o Estado brasileiro no sentido de obter o 1484
esclarecimento daquelas pessoas. O que tinha acontecido com elas, se fosse presas onde 1485
estariam presas, se mortas onde enterradas e etc. Este processo ficou anos parado, anos, 1486
a justiça simplesmente não fez nada e levou algumas vezes, depois volta e recurso. Enfim, 1487
é um processo se eu não sei dizer todos os fatos, porque é muito demorado. E em 91, em 1488
outra caravana, também se consegue dados também mais importantes que foi exatamente 1489
a descoberta de duas ossadas que é uma da Maria Lúcia, que depois leva cinco anos para 1490
ser identificada, que é tudo. O que eu gostaria de passar para os senhores aqui é o seguinte, 1491
é este sentimento que nos move, da demora de tudo, da dificuldade de tudo, é tudo tão 1492
longo. Outro dia, agora mesmo, hoje, eu estava vendo as fotos que a Iara trouxe, só um 1493
adendo assim, de um encontro que nós tivemos com ministro José Dirceu, quando da 1494
sentença interna, quando houve o recurso pela união da sentença que a gente procurou 1495
um bando de gente aqui. E eu olhando as fotos, a gente estava rindo de ver como a gente 1496
era mais moço na época, descobrir como os anos passam, e nós continuamos na mesma 1497
aflição, que é aflição de não ter uma resposta oficial do Estado do que aconteceu com 1498
estas pessoas. Com estes militantes políticos. E gostaria, não vou me alongar muito, e 1499
gostaria de colocar outra situação, é uma das consequências da demora destas respostas 1500
para os familiares é o quanto de contrainformação se foi produzida neste período, no 1501
sentido de desqualificar a luta destes companheiros, e desqualificar a luta dos familiares. 1502
Porque as informações são as mais absurdas possíveis. E são de uma crueldade muito 1503
grande. Não só isso que você via em diversas reportagens de jornais. Em um jornal, um 1504
morreu assim, cortou a cabeça, outro as mãos. Enfim, são tantas as informações que você 1505
se defronta, assim, sem preparo, de repente você abre, passa na banca de jornal e tem uma 1506
reportagem de uma revista Isto É, ou Época ou de um jornal com revelações, que você 1507
nunca teve estas revelações. Alguém que tem posse de documentos, e documentos 1508
apresenta nas fotos, os documentos são documentos do Estado, são documentos das 1509
Forças Armadas, estão em poder de outros e que usam estes documentos para realizar 1510
reportagens, publicar livros. E você que é o principal interessado nessas revelações é 1511
praticamente o último a saber. E o que é o mais importante, nem todas, a maioria destas 1512
informações não tem fundamento, não tem uma fonte, não é revelado a fonte para que 1513
você possa confiar nestas informações. E aí eu vou citar uma situação vivida por mim, 1514
que eu considero da maior crueldade que deveriam ter feito com um familiar, além do 1515
fato de nunca ter revelado como estes desaparecimentos ocorreram, como estas pessoas 1516
foram presas, quando, como, quem prendeu, onde estão enterradas, enfim. Além disso, 1517
tudo não ser revelado é o fato de notícias que saem em jornal dizendo que alguns 1518
guerrilheiros, alguns militantes, saíram vivos da Guerrilha, receberam documentos falsos 1519
e que foram trabalhar e órgãos do governo. Como dizem que três guerrilheiros, o Hélio 1520
Navarro, o Antônio de Pádua e o meu irmão, Luiz Renê Silva. Foi dito pelo jornalista, eu 1521
estou falando primeiro, a primeira notícia que se tem a primeira notícia deste tipo que é 1522
colocada na mídia. São estes três guerrilheiros, este artigo foi publicado no jornal Folha 1523
de São Paulo em julho de 2007. Eu não me lembro exatamente o dia, 26, sei lá, tem até o 1524
artigo dele, Hugo Studart, e rebatendo informações que foi publicada no jornal Estado de 1525
São Paulo, em uma reportagem. 1526
José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Quem era o autor do artigo? 1527
Elizabeth Silveira e Silva – Hugo Studart. Que foi, inclusive, que eu acho que isso é 1528
mais grave, muito mais grave. Eu nem gostaria de falar que isso foi duvidoso, ele foi 1529
ouvidor do GTA, isso é uma coisa absurda. Como é que alguém que faz alguma coisa 1530
deste tipo pode ser ouvidor de um grupo de trabalho que busca informação sobre 1531
desaparecido, quer dizer, você está colocando a raposa no galinheiro, está colocando ele 1532
lá para quê? Para produzir contrainformação é isso, é isso que eu vou ter depois de 40 1533
anos? Eu acho sinceramente, eu me sinto assim aviltada com isso. É um aviltamento já 1534
falei com vários companheiros da Comissão aqui. A Rosa sabe disso, eu já falei com ela, 1535
sei sua posição perfeitamente e é por isso também que hoje eu aceitei vir aqui. E é por 1536
isso que estou vindo aqui hoje, exatamente por isso que eu acho que estas coisas precisam 1537
ser ditas, se esta Comissão Nacional da Verdade que não é de justiça, que é de verdade e 1538
memória, a gente tem que contar a verdade e tem que produzir uma memória que é a 1539
memória correta. Porque, o que me indigna, eu fico muito, muito preocupada com que 1540
tipo de memória a gente vai produzir neste país se todas estas informações que estão 1541
sendo dadas assim, fielmente desta forma no sentido de deliberadamente são 1542
contrainformações. Se estas não são desmentidas publicamente, não veio ninguém em 1543
nenhum momento, que aquelas informações que foram dadas pelo Hugo Studart, não 1544
tinham cabimento, não tinha absolutamente nenhuma possibilidade daquilo estar, como 1545
que eu vou dizer, ser passível de ser dita, que era absolutamente caluniosa. Porque a 1546
primeira vez que eu ouvi que o meu irmão, eu estou falando agora pelo irmão porque, 1547
vamos dizer assim, são as informações que eu acompanho mais de perto. De que ele teria 1548
saído vivo da Guerrilha e teria de posse de documentos falsos e que teria ido trabalhar no 1549
Mato Grosso, se eu não me engano. Diziam até o local de Mato Grosso. E que jamais 1550
tivesse procurando a família. Ele tinha a família, ele tem uma família, tem irmãos, não 1551
sou eu só, na época ele tinha a minha mãe ainda viva, e ele não saiu de casa, brigado com 1552
ninguém, ele era um filho amado, um irmão querido. Tanto querido que eu estou até hoje, 1553
buscando informações dele. Então é inadmissível que ele não estivesse procurado por 1554
mais que ele tivesse medo, tivesse, como disse minha mãe, ficou sem memória, está 1555
perdido por aí. Todas estas fantasias todas ela tinha, de falta de memória, eu ouvi várias 1556
histórias deste tipo. Todo mundo ficou desmemoriado e perdido para elas e que por um 1557
dia elas podiam achar. É o esperado, até eu, eu acho que eu ia pensar nisso. Então isso 1558
não é verdade, esta afirmação nunca foi apresentada. Quem é a fonte? Quem disse isso? 1559
Surgiu como? Cadê esta fonte? Então é esta preocupação que eu tenho e este processo 1560
todo nosso é para mostrar para sociedade civil que não só as mortes, as torturas foram tão 1561
cruéis que, o depois é cruel. “O querer encobrir” esta história. Porque a própria figura do 1562
desaparecido político no sentido do total esquecimento é de apagarem todas as histórias 1563
dele, de se apagar todos os vestígios que levaram a este massacre, que isso nunca exista, 1564
que nunca tenha acontecido este episódio na vida brasileira. Mas, esquecemos que esse 1565
procedimento ainda exige, na medida em que o tempo de espera para esta história 1566
possibilita que você tenha a produção de todas estas informações, que são informações 1567
sem fonte, informações sem um trabalho aprimorado, para você poder bater estas 1568
informações sem certeza que ela tem. Porque estes que cometeram estas barbaridades, 1569
vocês viram aí, hoje nas falas deles. Eles se vangloriam do que fizeram, não tem 1570
arrependimento. Não existe esta coisa, não existe sequer a vergonha de ter feito o que fez. 1571
Por que dizer para mim que houve combate, combate como, gente? Se aqui mesmo foi 1572
dito pelo próprio companheiro da Comissão, que foram 70 mortos de um lado e oito do 1573
outro. Isso aí parece essa coisa e Israel e Palestina, que guerra é esta, mil e tantos de outro 1574
e oito soldadinho do outro lado, isso é massacre, isso é massacre. Então, não vem me 1575
dizer que é crime de guerra porque não teve crime de guerra, não era guerra. A 1576
desproporção era tão grande que não existe esta possibilidade. 1577
Maria Rita Kehl (Comissão Nacional da Verdade) – E nem chegou a haver Guerrilha, 1578
Guerrilha não tinha começado. 1579
Elizabeth Silveira e Silva – Lógico, evidente, e você ver eles se colocando, a maneira 1580
como ele se coloca, hoje, foram depoimentos que foram colhidos o quê? Ano passado, 1581
este ano, dois anos atrás, estes que a gente viu hoje que deixa a gente chocado, com a 1582
capacidade... Esta crueldade, a forma como eles se reportam, o que eles fizeram no 1583
passado. Então, estas pessoas... elas não tem o menor escrúpulo de inventar toda sorte de 1584
mentira e sordidez para poder confundir mais ainda a busca pela verdade que nós e que, 1585
inclusive, a Comissão e que todos o que se empenhá-lo em fazê-lo, estão aí, porque eles 1586
produzem toda forma de dificuldade para que a gente possa chegar a esta conclusão, a 1587
estas informações. Nós, neste processo todo, nós chegamos a Corte Interamericana, 1588
tivemos uma vitória, se é que a gente pode considerar vitória, porque nós conseguimos 1589
uma sentença que condena o Brasil há uma série de procedimentos, um deles é isso. 1590
Revelar a verdade. Desconsidera a Lei de Anistia porque afirma que Lei de Anistia 1591
nenhuma é empecilho para que se julgue os violadores de direitos humanos, esta que é a 1592
verdade, até porque é uma auto anistia ela foi feita no período para isso e por eles mesmo. 1593
Então, não reconhece isso e nós estamos aqui e vamos continuar neste processo. No 1594
processo de busca da verdade para construir na memória deste país e fundamentalmente, 1595
para responsabilizar estas pessoas que cometeram estes crimes de violação gravíssimos 1596
de direitos humanos, e que continuam cometendo. Até porque nós vimos aí na discrição 1597
no currículo do Sotero, como é o nome dele? Thaumaturgo Sotero Vaz, como o professor 1598
é um cara que é instrutor. Instrutor é uma coisa muito séria que é quem treina o outro para 1599
uma prática abusiva. Para uma prática de desrespeito aos direitos humanos. Então se eu 1600
busco nunca mais, eu não estou aqui só para saber a verdade do meu irmão porque a 1601
verdade do meu irmão é um processo que inclui a verdade de muitas coisas. A minha 1602
militância neste campo é que isso não repita. Eu tenho uma filha, eu tenho sobrinhos, eu 1603
sou professora de centenas de alunos, eu não posso permitir estas pessoas passem por 1604
aquilo que nós passamos, porque é muito triste. Eu não sou vítima, agora eu me considero 1605
uma sobrevivente, agora profundamente indignada. É isso que eu sou. E tomara que eu 1606
continue sendo, porque esta minha indignação é que me dá esta coisa de continuar 1607
buscando a verdade, por mais que a gente em alguns momentos fique tão, vamos dizer 1608
assim, meio descrente. Como eu acho que pouca coisa a Comissão vai fazer, porque, 1609
obviamente, ela não tem poder de justiça. Mas pelo menos, nos dizer a verdade, e faça 1610
com que a gente possa ter uma memória verdadeira destes acontecimentos. 1611