tese raphael lima 2011
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A “Reinvenção” de uma Cidade Industrial:
Volta Redonda e o pós-privatização da Companhia Siderúrgica Nacional
Raphael Jonathas da Costa Lima
Rio de Janeiro
Dezembro de 2010
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A “Reinvenção” de uma Cidade Industrial: Volta Redonda e o pós-privatização da Companhia Siderúrgica Nacional
Raphael Jonathas da Costa Lima
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).
Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Garcia Pereira Ramalho
Rio de Janeiro
Dezembro de 2010
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A “Reinvenção” de uma Cidade Industrial: Volta Redonda e o pós-privatização da Companhia Siderúrgica Nacional
Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Garcia Pereira Ramalho
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).
Banca examinadora:
_______________________________________ Prof. José Ricardo Garcia Pereira Ramalho (orientador) - UFRJ Dr. Universidade de São Paulo - USP _______________________________________ Profa. Elina Gonçalves da Fonte Pessanha - UFRJ Dr. Universidade de São Paulo - USP _______________________________________ Profa. Rosangela Nair de Carvalho Barbosa - UERJ Dr. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - USP _______________________________________ Prof. Alexandre Fortes - UFRRJ Dr. Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP _______________________________________ Prof. Cristiano Fonseca Monteiro - UFF Dr. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Rio de Janeiro
Dezembro de 2010
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LIMA, Raphael Jonathas da Costa
A “Reinvenção” de uma Cidade Industrial: Volta Redonda e o pós-privatização da Companhia Siderúrgica Nacional / Raphael Jonathas da Costa Lima. – Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2010.
XVII, 260 f., il., 31cm.
Orientador: José Ricardo Garcia Pereira Ramalho
Tese (doutorado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, 2010.
Referências bibliográficas: f. 231-249
1. Desenvolvimento Regional. 2. Pós-Privatização. 3. Movimentos Sociais 4. Volta Redonda. I. Ramalho, José Ricardo Garcia Pereira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. III. A “Reinvenção” de uma Cidade Industrial: Volta Redonda e o pós-privatização da Companhia Siderúrgica Nacional.
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Resumo
A tese discorre sobre a capacidade de recuperação econômica e sociopolítica de Volta Redonda,
cidade industrial fragilizada pelo divórcio do mais importante símbolo de sua trajetória. Nossa análise
se concentra nos efeitos da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), empresa erguida a
partir de 1941 e oficialmente inaugurada em 1946, procurando descrever o cenário municipal das duas
últimas décadas e destacar as estratégias locais de reorganização confeccionadas naquela que
classificaremos como a fase pós-privatização, onde a discussão colocada tem a ver com a possibilidade
de aceleração do rompimento da relação de dependência entre cidade e empresa. É uma prerrogativa
importante da nossa análise identificar os mecanismos e instrumentos constituídos e utilizados pelo
poder público e por algumas entidades políticas locais a fim de promover a recuperação e a
conseqüente revitalização do que classificaremos como uma “quase rust-belt community”. O trabalho
explora o argumento segundo o qual regiões de tradição industrial em situações de crise provocadas
por desaceleração na produção, saída de unidades produtivas e aumento do desemprego podem se
repensar e mesmo se reinventar contanto que haja uma certa propensão à concertação manifestada na
presença de uma “vibrante vida associativa”. O reconhecimento da capilaridade das organizações
locais e regionais bem como sua capacidade em promover modelos específicos de solidariedade social
e política nos permite desvincular a discussão sobre crise e recuperação da simples constatação acerca
da ação nociva da Globalização e nos faz aceitar que certos aspectos histórico-institucionais são, de
fato, capazes de influenciar a economia e o próprio desenvolvimento. Com isso, julgamos que, nos
últimos anos, o enfrentamento das heranças negativas da privatização em Volta Redonda tem contado
com uma crescente aproximação entre segmentos e setores sociais da cidade e da própria região do
Médio Paraíba Fluminense. Isso nos obrigando a reservar, ao longo da análise, um importante espaço
analítico e descritivo para ações coletivas progressivamente preocupadas em exercer um papel mais
ativo no cumprimento de uma agenda de desenvolvimento cada vez mais regional.
Palavras-chave: desenvolvimento regional, movimentos sociais, pós-privatização e Volta Redonda.
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Abstract
The present work focuses on the capacity of economic and sociopolitical recovery of Volta Redonda,
an industrialized city weakened by the divorce of the most important symbol of its trajectory. Our
analysis concentrates on the effects of the privatization of Companhia Siderúrgica Nacional (CSN),
founded in 1941 and inaugurated officially in 1946, describing the municipal scenery of the last two
decades, emphasizing local reorganization strategies of the post-privatization phase, discussing the
acceleration of the rupture of the dependency relationship between the city and the company. We
identified the mechanisms and instruments constituted and used by the government and some local
political entities to promote the recovery, and consequent revitalization, of what we will classify as an
“almost rust-belt community”. This work explores the argument that traditional industrial regions in
situations of crisis provoked by deceleration of production, closure of productive units, and increase
unemployment can rethink and even reinvent themselves as long as there is an inclination to mending
manifested by a “vibrant associative life”. The recognition of the capillarity of local and regional
associations, as well as their capacity to promote specific social and political solidarity models, allows
us to disentail the discussion on the crises and recovery from the simple evidence of the noxious action
of Globalization, and it leads us to accept that certain historical-institutional aspects are, in fact,
capable of influencing economy and development. Therefore, we think that, in the last several years,
the confrontation of the negative inheritance of privatization in Volta Redonda has been helped by a
growing approximation among social segments and sectors of the city and the Médio Paraíba
Fluminense region. This forced us to reserve, along this analysis, an important analytical and
descriptive space for collective actions growingly concerned in playing a more active role to fulfill a
regional development agenda.
Key words: post-privatization, regional development, social movements and Volta Redonda.
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AGRADECIMENTOS
Inicialmente, gostaria de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), o qual durante quatro anos me concedeu uma bolsa de doutorado. Sem o
suporte financeiro dessa agência, o trabalho de campo e a elaboração da tese teriam se tornado tarefas
mais difíceis. Coloco no mesmo grau de importância a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), responsável pelo aporte financeiro através de uma bolsa-sanduíche
(PDEE) de seis meses, entre os meses de setembro de 2008 e março de 2009, no Departamento de
História da Duke University, Estados Unidos. Igualmente, saliento a importância do financiamento
concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), que custeou
a execução da pesquisa de campo através dos programas “Pensa Rio” e “Cientistas do Nosso Estado”.
Sou muito grato ao professor José Ricardo Ramalho, responsável por me orientar desde o
quarto período da graduação em Ciências Sociais, quando fui seu bolsista de iniciação científica. Na
época, ingressei em seu grupo pesquisa quando frutificava um projeto de acompanhamento dos novos
parques industriais construídos em Resende e Porto Real e muito me orgulho de ter contribuído para
consolidar a pesquisa sobre a região do Médio Paraíba Fluminense. Sou muito agradecido ao
professor José Ricardo pelos conselhos e pela confiança depositada no meu trabalho. Valores por ele
defendidos como o espírito de equipe, a divisão dos frutos do nosso trabalho com os companheiros de
pesquisa e o reconhecimento daqueles que nos ajudam sempre estarão comigo.
Agradeço também ao professor John D. French e à Duke University por me acolherem por
seis meses como estudante visitante junto ao Departamento de História e por me disponibilizarem o
melhor da universidade, em especial o acervo das suas bibliotecas. O professor John fez importantes
reflexões sobre o meu trabalho e usou muito da sua experiência e do seu conhecimento para que eu
pudesse solucionar minhas dúvidas. Também esteve sempre pronto para me ajudar, apesar da sua
extensa agenda de compromissos. Suas excelentes aulas e seu incrível conhecimento sobre América
Latina definitivamente marcaram meu estágio nos EUA. Além do professor French, devo sinceros
agradecimentos aos funcionários do Departamento de História, em geral, e mais especificamente à
Cynthia Hoglen, responsável por agilizar toda a minha documentação para ingressar no país e
prolongar por mais alguns dias a minha permanência. Não posso deixar de mencionar ainda o nome
daquelas pessoas que me ajudaram na difícil adaptação a Durham, Carolina do Norte, como Bryan
Pitts Junior, com quem troquei muitas conversas sobre História do Brasil, Rivalino Mathias Júnior,
Janaína Pantoja e mister Clayton, sem dúvida uma das pessoas mais gentis que conheci em toda a
minha vida.
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Os outros professores do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e, mais
especificamente, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), também
foram muito importantes pelas lições e pelo valioso conhecimento transmitido durante os cursos,
seminários e palestras que assisti ao longo de todos esses anos. Em especial, gostaria de mencionar os
nomes dos professores Elina Pessanha, Gian Mario Giuliani, Marco Aurélio Santana, Miriam
Goldenberg e Paola Cappellin, bem como das secretárias do PPGSA, Claudinha e Denise, sempre
solícitas a esclarecer minhas dúvidas e resolver problemas burocráticos que, inevitavelmente, fazem
parte do processo. Estendo os meus agradecimentos aos professores e colegas da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), com os quais tive o prazer de conviver em duas viagens de pesquisa
ao sul do estado, região marcada pela presença da atividade siderúrgica. Destaco os nomes dos
professores Marcelo Carneiro e Horácio Antunes associados a nós pelo Programa de Cooperação
Acadêmica (PROCAD – UFMA-UFRJ) e dos colegas Rafael Moscoso, Leonardo Nunes Evangelista
e Antonio Marcos Gomes.
No IFCS, outras pessoas foram marcantes em minha trajetória acadêmica, a começar por
Angela Maria Dias da Rocha, secretária do professor José Ricardo e pessoa que me acolheu e muito
me aconselhou. Sem dúvida, minha mãe na universidade e que entendeu perfeitamente as
dificuldades de quem mora no subúrbio e estuda ou trabalha no Centro do Rio de Janeiro. Além dela,
agradeço aos amigos que fiz durante a participação no grupo de pesquisa, entre eles Aline de Oliveira
Gonçalves, Carla Regina Assunção Pereira, Gabriela Kloh Muller Neves, Marina Cordeiro, Júlia
Polessa Maçaira, Sérgio Eduardo Martins Pereira, Tatiana Antunes de Andrade, Tiago Coutinho
Cavalcante e Rodrigo Salles Pereira dos Santos. Aproveito para incluir os amigos que fiz na
graduação e na pós-graduação, como Cristiano Fonseca Monteiro, Jonas Henrique de Oliveira,
Gabriela de Souza Honorato, Julio Naves Ribeiro, Gika Makeba, Luciana Alves Barbio e Alexandre
Ribeiro.
Devo ainda citar os meus colegas do Departamento de Administração da Escola de Ciências
Humanas e Sociais de Volta Redonda (ECHS-UFF), que me incentivaram a finalizar a redação desta
tese e compreenderam as dificuldades impostas pela mesma. Agora, terei mais condições de ajudá-los
na construção desse bonito projeto em Volta Redonda. Os professores Ana Paula Poll, Marcelo
Amaral, Maria Alice Chaves, Ricardo Thielmann, entre outros, muito me ensinaram com suas
experiências de vida. Ainda em se tratando de Volta Redonda, devo reconhecer as contribuições dos
entrevistados e fazer menção àqueles que ajudaram diretamente disponibilizando seus arquivos
pessoais, especialmente José Maria da Silva, José Tadeu Dacol, Letícia Baptista e Luís Henrique
Castro.
ix
Por fim, um agradecimento muito especial cabe aos meus familiares, principalmente os
primos e amigos Edda, Bayard, Modesto e Tito, que ao longo de toda a minha vida têm contribuído
com a minha formação. Os meus tios Glacy, Geralcy e Solange, além de todos os outros amigos e
familiares, cada um ao seu modo, deram grande contribuição para que eu chegasse a este momento
tão importante. Sabem que eu e minha mãe, sozinhos, passamos por momentos muito difíceis e que
ingressar na universidade foi o início da verdadeira volta por cima.
Mas eu gostaria de dedicar este trabalho e tudo mais que fiz, faço e farei à minha amada
Marcela Sayumi, à minha mãe, Gelcy, e ao meu pai, João. Marcela sempre esteve comigo, nas
derrotas e nas vitórias, na escassez e na fartura. Essa é a grande demonstração de amor que alguém
pode receber. João e Gelcy acompanharam de perto minha luta e me transmitiram valores que prezo,
como a honestidade, a educação, o respeito e a ética em tudo o que faço. Com essas três pessoas pude
compartilhar minhas angústias, minha insegurança e meu medo acerca do futuro. Por isso, são os
alicerces da minha vida.
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Lista de Ilustrações
Figuras
Figura 1 Noticiário sobre os empregados acionistas da CSN --------------------------------------- 126
Figura 2 Campanha de Antonio Francisco Neto (1997) --------------------------------------------- 131
Figura 3 Entrevista com Benjamin Steinbruch ------------------------------------------------------- 153
Figura 4 Noticiário sobre a demissão de trabalhadores ---------------------------------------------- 158
Figura 5 Independência – Artigo do empresário José Tadeu Dacol ------------------------------- 249
Figura 6 Conjunto de sugestões encaminhadas pelo prefeito Neto a Benjamin Steinbruch – 250
Figura 7 Encontro de lideranças (1997) --------------------------------------------------------------- 251
Figura 8 Passeata do Movimento “Demissão Zero” ------------------------------------------------- 251
Figura 9 Encontro de lideranças na Cúria Diocesana 1 (2009) ------------------------------------- 252
Figura 10 Encontro de lideranças na Cúria Diocesana 2 (2009) ----------------------------------- 257
Figura 11 Protesto de metalúrgicos da CSN ---------------------------------------------------------- 258
Tabelas
Tabela 1 Número de trabalhadores diretos da CSN (1989-1997) ---------------------------------- 152
Tabela 2 Dados gerais de pessoal ocupado ------------------------------------------------------------ 155
Tabela 3 PIB municipal, em milhares de Reais, por grandes setores produtivos (1996-2004)- 255
Quadros
Quadro 1 Perfil da CSN e da Corus -------------------------------------------------------------------- 162
Quadro 2 Movimento Resgate da Paz – Estatística de Mortes Violentas em Volta Redonda
(1999-2009) ------------------------------------------------------------------------------------------------ 250
Documentos
Documento 1 Lançamento do Movimento Vamos Repensar Volta Redonda ------------------ 247
Documento 2 Movimento Vamos Repensar Volta Redonda (Regimento) --------------------- 248
Documento 3 MEP-VR – Comentário sintético – Relatório Mercovale (1997) --------------- 252
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Abreviaturas e siglas
AAP-VR – Associação de Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda ABI – Associação Brasileira de Imprensa ACIAP-VR – Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Volta Redonda ACO – Ação Católica Operária ADEMP – Agência de Desenvolvimento do Médio Paraíba AIARSUFLU – Associação dos Industriários Aposentados do Sul Fluminense AI – Ato Institucional ALERJ – Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro ANAP – Associação Nacional dos Anistiados Políticos ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores ARENA – Aliança Renovadora Nacional ASIMEC – Associação Sul Fluminense das Indústrias Metal-Mecânicas BA – Bahia BANERJ – Banco do Estado do Rio de Janeiro BIMTZ – Batalhão de Infantaria Motorizada BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNH – Banco Nacional de Habitação CA - Comitê de Apoio e Divulgação CBJP – Comissão Brasileira de Justiça e Paz CBS – Caixa Beneficente dos Empregados da Companhia Siderúrgica Nacional CD - Comitê de Desenvolvimento Econômico CDH – Comissão de Direitos Humanos CDL – Câmara dos Dirigentes Logistas CEB – Comunidade Eclesial de Base CECA – Conselho Estadual de Controle Ambiental CECISA – Imobiliária Santa Cecília CECOR – Centro de Comércio e Serviços de Caráter Regional CEF – Caixa Econômica Federal CEIVAP – Comitê para a Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul CET - Conselho de Ética CEX - Conselho Executivo CGT – Central Geral dos Trabalhadores CIDE – Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro CIMPOR – Cimentos de Portugal CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CMDU – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano CNA – Companhia Nacional de Alcális COFAVI – Companhia Ferro e Aço de Vitória CNAE – Classificação Nacional das Atividades Econômicas CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNTM – Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos COBRAPI – Companhia Brasileira de Projetos Industriais CODIN – Companhia de Desenvolvimento
xii
CODIVAP – Conselho para o Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraíba, Mantiqueira e Litoral Norte COHAB-VR – Companhia de Habitação de Volta Redonda CONAM – Conselho das Associações de Moradores CONCLAT – Congresso Nacional da Classe Trabalhadora CONCUT – Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores COORDEMA – Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente COSIGUA – Companhia Siderúrgica da Guanabara COSINOR – Companhia Siderúrgica do Nordeste COSIPA – Companhia Siderúrgica Paulista CQ - Comitê de Qualidade de Vida CS - Comitê de Segurança CSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico CSN – Companhia Siderúrgica Nacional CST – Companhia Siderúrgica de Tubarão CUT – Central Única dos Trabalhadores CVRD – Companhia Vale do Rio Doce DEM – Democratas DI/VR – Distrito Industrial de Volta Redonda DOI – Destacamento de Operações de Informações CODI – Centro de Operações de Defesa Interna DOPS – Departamento de Ordem Política e Social EEIMVR – Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda EFCB – Estrada de Ferro Central do Brasil ENSUR – Escola Nacional de Serviços Urbanos ERSA – Estanho de Rondônia S.A. EXIMBANK – Export and Import Bank FAM – Federação das Associações de Moradores FAMERJ – Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos FECOMÉRCIO-RJ – Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro FEM – Fábrica de Estruturas Metálicas FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGV – Fundação Getúlio Vargas FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro FMI – Fundo Monetário Internacional FNM – Fábrica Nacional de Motores FUGEMSS – Fundação Edmundo Macedo Soares e Silva FURBAN – Fundo Urbano Comunitário GM – General Motors Corporation IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano ICMS – Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDE – Investimento Direto Estrangeiro IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Indústrias Elétricas do Paraná LTDA (INEPAR)
xiii
IPM – Índice de Participação dos Municípios IPPU – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano IPUC- Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba IQM – Índice de Qualidade dos Municípios ISS – Imposto Sobre Serviço JEC – Juventude Estudantil Católica JOC – Juventude Operária Católica JUC – Juventude Universitária Católica JUDICA – Juventude Diocesana Católica KPMG – KPMG Consultoria LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias MAN - Maschinenfabrik Augsburg-Nürnberg MCR – Movimento Comunista Revolucionário MDB – Movimento Democrático Brasileiro MEP – Movimento de Emancipação do Proletariado MEP-VR – Movimento Ética na Política de Volta Redonda MERCOVALE – Mercado Comum do Vale do Paraíba METALSUL - Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas, Automotivas, de Informática e de Material Eletro-Eletrônico do Médio Paraíba e Sul Fluminense MFC - Movimento Constituinte Fluminense MIT - Massachusetts Institute of Technology MG – Minas Gerais MPF - Ministério Público Federal MTE – Ministério do Trabalho e Emprego MCCV – Movimento Comunitário Contra a Violência NAMISA – Nacional Minérios S.A. OAB – Ordem dos Advogados do Brasil ONGs – Organizações Não-Governamentais PAC – Programa Ambiental Compensatório PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PADEM – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Econômico PAN – Partido dos Aposentados da Nação PCB – Partido Comunista Brasileiro PC do B – Partido Comunista do Brasil PDES – Plano de Desenvolvimento Econômico e Social PDI – Plano de Demissão Incentivada PDT – Partido Democrático Trabalhista PEA – População Economicamente Ativa PEDI – Plano Estrutural de Desenvolvimento Integrado PES – Plano Estratégico Situacional PFL – Partido da Frente Liberal PHS – Partido Humanista da Solidariedade PIB – Produto Interno Bruto PL – Partido Liberal PLR – Participação nos Lucros e Resultados PM – Polícia Militar PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMN – Partido da Mobilização Nacional PMVR – Prefeitura Municipal de Volta Redonda
xiv
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PND – Programa Nacional de Desestatização PNDR – Política Nacional de Desenvolvimento Regional POLIN-VR – Pólo Industrial de Volta Redonda PP – Partido Progressista PPB – Partido Progressista Brasileiro PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia PPP – Projeto Político-Pedagógico PPS – Partido Popular Socialista PREVI – Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil PRN – Partido da Renovação Nacional PRONA – Partido da Reedificação da ordem Nacional PRP – Partido Republicano Progressista PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PSB – Partido Socialista Brasileiro PSD – Partido Social Democrata PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira PSDC – Partido Social Democrata Cristão PSOL – Partido Socialismo e Liberdade PST – Programa Saúde do Trabalhador PST – Partido Social Trabalhista PSTU – Partido Socialistas dos Trabalhadores Unificado PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro PTC – Partido Trabalhista Cristão PTN – Partido Trabalhista Nacional PUVR – Pólo Universitário de Volta Redonda PV – Partido Verde PVC – Pré-vestibular Cidadão RFFSA - Rede Ferroviária Federal RJ – Rio de Janeiro RS – Rio Grande do Sul SAAE – Serviço de Águas e Esgotos SC – Santa Catarina SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENGE-VR – Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda SEPE – Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação SESC – Serviço Social do Comércio SESI – Serviço Social da Indústria SFPMVR – Sindicato dos Funcionários Públicos do Município de Volta Redonda SGPD – Superintendência Geral de Pesquisa e Desenvolvimento SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática SINDUSCON – Sindicato da Construção Civil SOM – Superintendência de Oficinas Mecânicas SP – São Paulo SPE – Setor Produtivo Estatal SUSER – Superintendência de Serviços Rodoviários TAC – Termo de Ajustamento de Conduta
xv
TCE-RJ – Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro TQC – Total Quality Control TST – Tribunal superior do Trabalho UFF – Universidade Federal Fluminense UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UNAPEN – União dos Aposentados e Pensionistas UNB – Universidade de Brasília UNE – União Nacional dos Estudantes UNIFOA – Centro Universitário de Volta Redonda URP – Unidade de Referência de Preços USIBA – Usina Siderúrgica da Bahia USIMINAS – Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais ZAR – Zona de Ambiência Relevante ZCV – Zona de Conservação do Verde ZEU – Zona de Expansão Urbana ZPA – Zona de Preservação Ambiental ZR – Zona Rural ZUC – Zona Urbana Consolidada
xvi
Sumário
Apresentação ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 1
Capítulo I – A “Mãe Grande” e a Estruturação de uma Cidade Experimental
Polarizada ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 16
1.1 – Experiências de governança e a recuperação de áreas industriais degradadas -------------- 17
1.2 – CSN-Trabalho-Sindicato: uma revisão dos pilares distintivos de uma cidade
monoindustrial exemplar --------------------------------------------------------------------------- 30
1.3 – Contribuições de uma Igreja Católica Progressista ----------------------------------------------- 54
1.4 - “Planejamento”, movimento popular e os primeiros conflitos urbanos em uma cidade de
neurose industrial ------------------------------------------------------------------------------------ 58
1.5 – Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------------- 75
Capítulo II – Década de 1990: delineando o cenário da privatização ---------------- 78
2.1 – “Volta Redonda, Cidade Bonita”: Paulo Baltazar e o governo da Frente Popular (1993-
1996) ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 79
2.2 – Os padrões de eficiência do “Lee Iacocca brasileiro” e a recuperação econômica da CSN ---
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 100
2.3 - O debate sobre a quantificação do passivo ambiental na “Cubatão da Década de 1990” ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 109
2.4 – Eleição sindical de 1992: da CUT à Força Sindical passando pelo Formigueiro ----------- 112
2.5 - Uma proposta para Volta Redonda: a estadualização da CSN --------------------------------- 123
2.6 - Revendo os paradigmas da dependência? ---------------------------------------------------------- 127
2.7 – “Eu acredito em Volta Redonda”: o governo de Antonio Francisco Neto (1997-2004) --- 129
2.8 – Conclusão ------------------------------------------------------------------------------------------------- 134
Capítulo III – Desemprego, Crise e Divórcio entre Comunidade e Companhia ------
---------------------------------------------------------------------------------------------------- 138
xvii
3.1 – Planejamento estratégico, reestruturação produtiva e a concepção de uma “aristocracia do
aço” ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 139
3.2 – “O futuro é crescer”: os contornos da política de racionalização, eficiência e
competitividade da Companhia ------------------------------------------------------------------ 144
3.3 – Mudanças no perfil econômico: a “cidade que não é mais do aço” --------------------------- 153
3.4 – A estratégia de internacionalização e o fracasso da fusão com a Corus ---------------------- 160
3.5 – Conclusão ------------------------------------------------------------------------------------------------- 163
Capítulo IV – Coalizões pela recuperação de uma quase Rust-Belt Community: as
estratégias locais de reorganização no cenário do pós-privatização ------------------ 166
4.1 – Primeiras inquietações numa cidade “a caminho do caos” ------------------------------------ 167
4.2 – Mobilização governamental: o refluxo de uma proposta de concertação regional -------- 169
4.3 – Mobilização Empresarial: Vamos Repensar Volta Redonda ------------------------------------ 178
4.4 – Mobilização Popular: expressões de uma Igreja Católica renovada, novos movimentos
sociais e um Sindicato em crise ----------------------------------------------------------------------------- 181
4.5 – O desafio de se reinventar “a cidade que não é mais do aço”: o governo de Gotardo Lopes
Netto (2005-2008) ----------------------------------------------------------------------------------- 200
4.6 – Uma nova proposta para Volta Redonda: a estratégia sociopolítica de articulação do
Fórum Demissão Zero ------------------------------------------------------------------------------ 205
4.7 – Conclusão ------------------------------------------------------------------------------------------------- 219
Considerações Finais ------------------------------------------------------------------------------------ 222
Referências Bibliográficas ------------------------------------------------------------------------------- ANEXOS ---------------------------------------------------------------------------------------------------
1
Apresentação
O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a capacidade de recuperação econômica e
sociopolítica de Volta Redonda, cidade industrial fragilizada pelo divórcio do mais importante símbolo
de sua trajetória. Nossa análise se concentra mais exatamente nos efeitos políticos, econômicos e
sociais decorridos da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), empresa erguida a
partir de 1941 e oficialmente inaugurada em 1946. E procura apresentar uma descrição do cenário
municipal nas últimas duas décadas, destacando as estratégias locais de reorganização confeccionadas
naquela que classificaremos como a fase pós-privatização, onde a discussão colocada tem a ver com a
possibilidade de aceleração do rompimento da relação de dependência entre cidade e empresa. A tese
busca contribuir com a discussão sobre a capacidade de recuperação – via experiências de mobilização
política – demonstrada por regiões de tradição industrial em crises provocadas pela desaceleração na
produção industrial, aumento do desemprego e saída de unidades fabris. Com base em uma relação
mais complementar e em ações mais propositivas e menos reativas por parte dos principais atores
econômicos, como empresários e sindicalistas, mas também por parte de lideranças comunitárias e
religiosas, certas regiões conseguiram se reerguer após a estagnação provocada pelo esgotamento do
padrão de produção fordista. Outras, ainda buscam alternativas de recuperação.
Localizada no Médio Paraíba Fluminense – uma das três microrregiões do sul do estado do
Rio de Janeiro – região de perfil industrial cujo crescimento foi escorado até o início do século XIX na
cultura do café, Volta Redonda é, indiscutivelmente, uma das mais emblemáticas cidades industriais
do país, alvo de uma extensa produção intelectual que, em mais de vinte anos, ajudou a constituir os
campos acadêmicos da Sociologia e da História do Trabalho no Brasil. Com base nessa afirmação,
optamos por construir um trabalho dedicado não a rediscutir de forma historiográfica a centralidade
das suas marcas distintivas, algo que acreditamos estar mais do que confirmado pelo volume
bibliográfico existente, mas a apontar questões ainda não abordadas e a sugerir uma reorientação da
agenda de pesquisa sobre o tema. Embora façamos uma breve recuperação da origem dessas marcas,
como a própria usina, o combativo Sindicato, o planejamento da cidade e a presença de uma Igreja
Católica engajada e comprometida com a formação de lideranças comunitárias, nossa proposta não é
reforçar a argumentação de uma literatura que tem na fase da privatização, ocorrida em 1993, o auge
da sua discussão.
Assim, o objetivo deixa de ser o de apresentar uma síntese do que já foi produzido, embora
em parte o façamos, para reforçar a perspectiva de que a cidade deve ser enxergada de forma
processual, assumindo os fenômenos ocorridos depois de 1993 não como sendo mais ou menos
2
significativos, mas apenas orientados por outros encadeamentos. Sob o nosso prisma, os últimos
quinze anos de Volta Redonda ainda não foram devidamente explorados pelas principais áreas de
estudo das Ciências Sociais. Assumimos assim, com a realização desta pesquisa, a tarefa de auxiliar na
abertura desse campo de investigação, tendo como única pretensão contribuir com a continuidade de
uma agenda de trabalho que tem no estudo de Morel (1989), provavelmente, uma de suas reflexões
centrais. E para isso, objetivamos pontuar possíveis novos temas e demonstrar que essa agenda não se
encerrou com a privatização, avançando e inserindo outras questões e dilemas para a população de
Volta Redonda. Entre as questões que orientaram esta pesquisa está saber qual o tipo de relação
construída entre cidade, CSN e poder público nos últimos anos, que personagens passam a dominar a
arena política municipal e quais os reais efeitos da privatização. Caso esses efeitos tenham sido mais
negativos do que positivos, o trabalho precisava identificar que mecanismos e instrumentos foram
constituídos e utilizados pelo conjunto da sua sociedade civil e pelo poder público a fim de promover a
sua recuperação, o sucesso ou fracasso dos mesmos e o grau de colaboração das entidades políticas
locais a favor da revitalização do que chamaremos de uma quase rust-belt community.
Se a intenção não é apresentar os pressupostos dos aspectos mais debatidos da sua história,
algo já empreendido por inúmeros outros trabalhos, a proposta passa a ser a de reforçar a condição da
“cidade do aço” como um locus inesgotável de questões e possibilidades de investigação empírica
justificadas pelo vínculo de submissão e intimidação erigido há mais de cinqüenta anos com sua usina.
O projeto siderúrgico que originou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) começou a ter
sua construção delineada ainda na década de 1930, mais especificamente durante o Estado Novo,
motivada pela necessidade de estruturação de uma indústria de base forte com condições de subsidiar a
incipiente indústria nacional, se converteu em símbolo da emancipação econômica do país e viabilizou
a elaboração de um novo pacto entre o Estado e a classe operária (Piquet, 1998). No início do século
XX, a atividade siderúrgica brasileira realizava-se de maneira amadorística, basicamente se
concentrando em uma centena de forjas espalhadas pelo interior do estado de Minas Gerais,
responsáveis estas por uma produção ínfima de aço. Esse estado começou a assumir a dianteira da
siderurgia nacional quando o engenheiro francês João Monlevade montou um alto-forno em Caeté, no
ano de 1817, e uma forja, em 1825, no município de São Miguel de Piracicaba, no Vale do Rio Doce,
local onde se instalou, anos depois, a maior das usinas da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira
(Soares e Silva, 1945). A organização da Escola de Minas de Ouro Preto com a contratação de
especialistas estrangeiros e a formação de técnicos brasileiros, a atuação de uma série de
empreendedores, a interiorização da malha ferroviária com os entroncamentos da Estrada de Ferro
Central do Brasil (E.F.C.B.) e o propósito de construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas
3
possibilitaram um ligeiro incremento da atividade siderúrgica e metalúrgica, nas três primeiras décadas
do século XX, com uma produção de cerca de 36 mil toneladas de ferro-gusa (Idem).
Até o final da década de 1930, o município de Barra Mansa, ao qual Volta Redonda se
manteve vinculada por décadas sob a condição de 8º distrito, ocupava a condição de principal base de
produção siderúrgica no estado do Rio de Janeiro, sendo inclusive, como apontou o jornalista José
Botelho de Athayde (2005), apelidada de Pittsburgh brasileira, em alusão à tradicional cidade
siderúrgica norte-americana. Mas a implantação da usina, na década de 1940, provocou de uma só vez
o desenvolvimento de um distrito onde a pecuária era a atividade econômica central, a mobilização
política a favor da sua autonomia e a construção de uma cidade operária planejada e estratificada, uma
novidade a nível nacional, reconhecendo-se a primazia da usina à área urbana.
A singularidade, a originalidade e a riqueza da cidade foram aspectos acentuados pela
presença de uma Igreja Católica engajada, de um movimento sindical reconhecidamente relevante em
escala nacional e por eventos que reorientaram os rumos do município, como a greve de novembro de
1988, quando três operários padeceram durante a invasão do Exército à usina, e a longa e conturbada
discussão a favor da desestatização conduzida sob a justificativa da falência do modelo de
desenvolvimento conduzido pelo Estado. Sexta siderúrgica impactada pelo Programa Nacional de
Desestatização (PND), inicialmente conduzido pelo governo de Fernando Affonso Collor de Mello, no
início da década de 1990, a CSN foi oficialmente privatizada no início do mês de abril de 1993 em
leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Antes, a Usinas Siderúrgicas Minas Gerais
(USIMINAS), a Cosinor, a Piratini, a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) e a Acesita já haviam
sido desestatizadas, em um processo iniciado em outubro de 1991 e encerrado em setembro de 1993
(Pereira, 2007).
O episódio da privatização, no nosso entender, encerra não apenas um período de atuação do
Estado brasileiro no setor produtivo sob a justificativa – como expôs em artigo1 a executiva Maria
Sílvia Bastos Marques, presidente da Companhia entre 1996 e 2002 – de deixar de subsidiar empresas
deficitárias, inadimplentes com o fisco e pré-falimentares para liberar recursos para atividades
realmente públicas, como segurança, saúde e educação. Ele ajuda também a concluir um ciclo de
produção intelectual que recorreu à díade Volta Redonda/CSN a fim de examinar alguns dos temas
que ajudaram a compor o panorama das Ciências Sociais no país, entre eles a relação capital-trabalho;
a ideologia modernizadora varguista e as implicações da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); a
construção do espaço urbano; a proeminência do Sindicato dos Metalúrgicos enquanto referência para
1 Privatização – a verdade dos números – O Estado de São Paulo, 25/10/06.
4
as sucessivas transformações dentro do sindicalismo brasileiro; e a própria condução da abertura
econômica, bem como do neoliberalismo. Surge a partir daí um novo ciclo de discussões, incluindo o
nosso trabalho, mais orientado pela perspectiva de redefinição econômica e política de Volta Redonda
com base na substituição do tradicional conflito entre trabalhadores, empresários, movimentos sociais
e o Estado pela cooperação como saída para os dilemas coletivos impostos tanto pela globalização
quanto pela postura mais racional que a empresa assumiu desde 1993. Nossa pesquisa, portanto, não
visa reforçar o histórico antagonismo entre os seus setores sociais, mas a lenta construção de um
diálogo e da cooperação a favor da sobrevivência de uma cidade cada vez menos identificada com a
produção siderúrgica.
Entendidos esses marcos e aspectos distintivos, nossa preocupação passa a se centrar na
apresentação da conjuntura local do pós-privatização da CSN caracterizada por um cenário de
desemprego, disputa política, crise sindical, estreitamento da relação entre comunidade e Prefeitura e
distanciamento entre esta e a Companhia. Certos aspectos, especialmente essa relação comunidade-
Prefeitura-CSN são centrais para a compreensão dessas duas últimas décadas, muito embora já tenham
sido trabalhados por discussões dedicadas a compreender os anos anteriores (Morel, 1989; Piquet,
1998; Souza, 1992; etc.). E é justamente com base na percepção das alterações no padrão de
relacionamento entre esses três vértices que se sustenta um de nossos argumentos segundo o qual antes
mesmo da conclusão do processo de privatização ao qual se seguiram anos de instabilidade (não
chegando a constituir um cenário propriamente de decadência), Volta Redonda já iniciava uma tímida
revitalização, sobretudo em termos urbanos, tomando como base a chegada ao poder de um prefeito
forjado pelo movimento popular-sindical, bem como pela ocupação de cargos na prefeitura por
representantes desse mesmo movimento. O governo da “Frente Popular”, conduzido pelo médico
Paulo Baltazar, até aqui mais reconhecido pelos esforços empenhados em impedir o leilão da
Companhia ou em agregar custos como o Passivo Ambiental Compensatório (PAC), estruturou alguns
instrumentos e iniciativas, como o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) que, a
despeito do seu fracasso, integraram parte dos esforços de se repensar a cidade e superar divergências
entre setores sociais historicamente rompidos, a exemplo do movimento popular e do empresariado.
A importância do CMDU para Volta Redonda se deve à sua proposição em elaborar um novo
plano diretor, o que seria um marco tanto por escorar o crescimento do município quanto pela
possibilidade de encerrar, em termos, um histórico de dependência identificado ora no controle do
espaço urbano, ora na influência exercida pela CSN sobre a administração municipal com a indicação
de seus funcionários de nível de gerência para cargos-chave na prefeitura, inclusive prefeitos, situação
corriqueira enquanto Volta Redonda permaneceu sob a condição de Área de Segurança Nacional.
5
Entre os anos de 1973 e 1985, o governo federal interferiu indicando prefeitos, alguns deles
funcionários de carreira da Companhia, com o intuito de assegurar a condução dos estágios de
expansão da usina já planejados e pelo temor de uma desordem ocasionada pela inflexão dos
movimentos sindical e popular orientados por lutas e questões como a crescente carência de habitações
na cidade. Inaugurado na gestão de Baltazar, o CMDU foi uma elaboração do movimento popular já
vitorioso pela aprovação na Câmara Municipal da Lei dos Posseiros Urbanos e revelou-se uma
iniciativa (fracassada) de ruptura com a condição simbolicamente opressora exercida pela usina sobre
a cidade.
Um dos nossos argumentos, em parte inspirado na experiência do CMDU, é que iniciativas
de regeneração do tecido urbano e social segundo mecanismos do tipo bottom-up seriam mais
consistentes que as estratégias ou políticas top-down, que alienam a população da discussão e da
construção do futuro do território (Pike et al., 2006). Para reforçar esse argumento, recorremos a
autores que defendem a revitalização pela incorporação de dimensões de cidadania, demonstrando que
cidades e regiões podem se repensar desde que existam instituições cívicas acompanhadas de uma
propensão à concertação (Cooke, 1995). Resumidamente, a “vibrante vida associativa” e a
capilaridade das organizações locais seriam fatores importantes para a promoção de diferentes
modelos de solidariedade social e política locais e não limitariam nossa discussão sobre crise e
recuperação à ação nociva e muitas vezes irreparável da globalização. Uma segunda hipótese,
portanto, é que existem aspectos histórico-institucionais de ordem local a influenciar a economia e o
desenvolvimento. Trataremos deles ao longo da discussão, mas de antemão devemos assinalar a aposta
de autores como Markusen (2005) e Scott (2004), provenientes do campo da geografia econômica, os
quais argumentam a favor da inversão de cenários de decadência em certas localidades pelo
estabelecimento de coalizões e pela “valorização do raciocínio decisório dos atores políticos locais”,
reservando espaço analítico e descritivo para a ação coletiva e a ordem institucional. Scott, em
particular, se questiona sobre como se construir arranjos institucionais locais que promovam tanto o
sucesso econômico quanto a justiça social e Markusen assinala o potencial das organizações de âmbito
regional, incluindo grupos de interesse – trabalhadores, empresários, grupos comunitários e ambientais
– em desempenhar um papel ativo no cumprimento da agenda de organização regional.
Uma importante questão é saber se e como cidades monoindustriais edificadas segundo um
“modelo autárquico” (Mangabeira, 1993) com um arranjo sociopolítico do tipo polarizado (Locke,
1995), isto é, com a hegemonia de uma grande empresa sobre governo local, associações de negócio e
culturais locais, podem reorientar o seu próprio desenvolvimento (Locke, 1995). No Brasil, a
perseverança do modelo monoindustrial com arranjo sociopolítico polarizado pôde ser constatada na
6
origem de inúmeras cidades industriais planejadas na primeira parte do século XX, sendo Volta
Redonda, possivelmente, o exemplo por excelência de uma visão extremamente hierárquica e
autoritária de uma empresa, combinada à repressão e ao seu paternalismo. Assim, mesmo sendo
indiscutível que sua história está “intimamente relacionada ao conflito” (Souza, 1992, p.193), diante
dos grandes desafios que precisou enfrentar nas duas últimas décadas, como a expansão do
desemprego industrial e a crise sindical motivada pela disputa interna pelo poder, nós defendemos que
a cidade caminha para a criação de algum nível de concertação local balizado pela adesão política a
projetos de revitalização. O enfrentamento das heranças negativas da privatização passa a contar com a
aproximação entre os vários segmentos e setores sociais da cidade e da região, e assim como Ramalho
(2005), identificamos um novo perfil de movimento (popular) em atuação na região, mais disposto a
interferir na construção de mecanismos de governança a nível municipal ou mesmo regional.
Uma dessas propostas de reorientação da cidade foi articulada por empresários representados
pela Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Volta Redonda (ACIAP-VR), outrora
favorável à privatização. A associação coordenou uma série de discussões conhecida como Movimento
Vamos Repensar Volta Redonda disposta a oferecer um diagnóstico da situação e a elaborar
alternativas de desenvolvimento econômico para a cidade. O Repensar teve pouca repercussão,
ficando quase restrito ao círculo empresarial local, mas o esforço empenhado na sua constituição
demonstra um pouco da capacidade do município em elaborar novas situações através da capilaridade
das suas associações e movimentos políticos, sociais e empresariais.
Outras estratégias e mobilizações seguiram-se, desenhadas em geral por um movimento
popular, nas palavras de um entrevistado, ávido por participação, muito radicalizado e insatisfeito com
a venda da Companhia a um grupo de investidores, incluindo bancos, alguns fundos de pensão, um
grupo empresarial das famílias Steinbruch e Rabinovich ligado à indústria têxtil e sem qualquer
passagem pelo setor siderúrgico, além de um Clube de Investimentos com 28 mil funcionários da
empresa criado por incentivo do Sindicato dos Metalúrgicos e do ex-presidente da Companhia,
Roberto Procópio de Lima Netto. São mobilizações como o Movimento Ética na Política de Volta
Redonda (MEP-VR) e o Movimento Resgate da Paz, ambos tendo à frente ex-metalúrgicos ligados à
Igreja Católica e nascidos em resposta aos efeitos sociais, políticos e econômicos do saneamento da
antiga estatal.
Surgido em 1997 por iniciativa de metalúrgicos católicos aposentados e coordenado pelo
técnico em química José Maria da Silva, o MEP-VR foi uma iniciativa inicialmente pensada para
contornar a crise política entre prefeito e Câmara Municipal instalada no final da década de 1990 e
com sérios reflexos na votação orçamentária do município. Referenciado no Movimento Democrático
7
pelo Fim da Impunidade, depois rebatizado de Movimento pela Ética na Política (MEP), surgido no
auge da mobilização pró-impeachment do presidente Collor sob a proposta de assumir aspectos
ecumênicos e suprapartidários2, o MEP-VR é um movimento que de certa forma demarca uma
reformulação da conjuntura política municipal, pelo menos nos últimos quinze anos. Já o Resgate,
liderado pelo padre Juarez Sampaio, ex-operário da extinta Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM),
procurou responder, desde o seu início em 1999, mais diretamente aos efeitos de uma crise econômica
instalada pela privatização, bastando mencionar as demissões e o aumento da criminalidade.
Acreditamos que os dois movimentos revelam mais uma vez o potencial de frutificação de novas ações
coletivas em Volta Redonda, ao contrário da possibilidade existente de fragmentação dessa estrutura
como decorrência da falência sindical observada nos anos 1990, época em que a entidade
representante da categoria dos metalúrgicos se encontrava mergulhada num racha político entre Luiz
de Oliveira Rodrigues, o Luizinho, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense
estigmatizado pela aliança que elencou a favor da privatização, e Carlos Henrique Perrut, mantido
ininterruptamente como presidente da entidade por cerca de dez anos.
A apresentação dessas e de outras mobilizações como o Mercovale (nesse caso, uma ação
tipicamente governamental executada em 1997) são, segundo o nosso argumento, indícios da
possibilidade de regeneração em certos mosaicos locais, particularmente naqueles onde se desfruta da
presença de agentes e instituições sociais dispondo de recursos políticos acumulados. Muitas vezes, o
próprio movimento popular, entendido como vítima de uma fragmentação pós-crise, se “revitaliza” e
adere a um novo tipo de fenômeno associativo, geralmente ajudando a elaborar novas configurações
institucionais. Sugerindo que cenários de crise possam ser revertidos com a colaboração da
multiplicidade de agentes afetados, a questão é saber como essas forças confirmam ou não a existência
de uma infraestrutura social capaz de redefinir o futuro e o papel econômico e político de uma cidade
ou região. E também saber se haveria possibilidade de construção dessa mesma infraestrutura em
cenários onde ela inexista. Com base nesses pressupostos, ordenamos as principais hipóteses que
serviram de fio condutor para a nossa análise:
1) No curso dos anos 1990, a crise instalada em Volta Redonda por conta da privatização da CSN, das transformações no sindicalismo brasileiro, do neoliberalismo e da reestruturação
2O estopim para o movimento que teve em Herbert de Souza um de seus organizadores e se difundiu por inúmeros municípios do país aconteceu em 1992, quando representantes de entidades da sociedade civil leram os 12 artigos da Constituição que lembram os princípios fundamentais da ética na política, dos direitos sociais, da democracia e das responsabilidades do presidente da República, em manifestação de apoio ao impeachment de Collor. (Fonte: Com a palavra, Betinho - http://www.ibase.br/betinho_especial/com_a_palavra/o_novo_esta_nas_ruas.htm).
8
produtiva abriu a possibilidade do estabelecimento de outra postura por parte das entidades locais e do poder público no sentido de confeccionar estratégias em resposta aos muitos efeitos nocivos e degradantes desencadeados, sobretudo pela globalização. A cidade, em particular, passou a vislumbrar a estruturação de mecanismos de governança mediante a crescente articulação e coordenação entre atores sociais, políticos e produtivos, conduzindo à rediscussão da sua relação de dependência com a Companhia instituída na origem do seu desenvolvimento; 2) É necessário considerar a relevância dos elementos histórico-institucionais e destacar a capacidade demonstrada pela cidade em criar novas situações e experiências coletivas. Apesar de jovem, Volta Redonda amadureceu com a intensa atividade sindical e popular verificada dos anos 1970 até o início da década de 1990, ajudando a constituir um legado de participação, organização e associativismo. Essa evidência é atestada através da série de movimentos não exclusivamente populares constituídos nos últimos anos e não suprimidos pela profunda crise atravessada pelo atuante Sindicato dos Metalúrgicos durante as duas últimas décadas; 3) Eleita em 1992, a “Frente Popular” inaugurou os primeiros instrumentos de gestão participativa da cidade, tendo como principal resultado a construção do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) para discutir a elaboração de um novo plano diretor para a cidade. A Frente foi uma vitória do movimento popular sobre a própria CSN, a qual fracassou ao tentar eleger seu candidato, e marcou o início de um inacabado processo de renovação de Volta Redonda. Acreditamos que desde 1993, quando foi “inaugurado” o governo Baltazar, iniciou-se uma nova relação entre Companhia, Prefeitura e sociedade civil, de forte interação, sobretudo entre esses dois últimos agentes. E devemos acentuar que a incapacidade demonstrada pela Prefeitura em efetivar e operacionalizar instrumentos de planejamento e gestão como o próprio CMDU e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU) – criado oficialmente, na década de 1970, para repensar a cidade – revela-se um entrave ao desenvolvimento mais autônomo do município;
4) Por fim, sugerimos que o município atravessa um novo processo de amadurecimento institucional comprovado pelo sucesso do Fórum Demissão Zero, realizado ao longo de 2009, e capaz de, pela primeira vez, provocar uma aproximação entre atores historicamente divergentes, especialmente o empresariado e o movimento popular. Em conjunto com os municípios vizinhos, Volta Redonda vem, embora lentamente, aprofundando a discussão sobre a criação de uma nova institucionalidade regional.
Estrutura da tese
A opção por investigar Volta Redonda surgiu após estudarmos o município vizinho de Porto
Real, emancipado em 1995 por conta da chegada da indústria automobilística ao estado do Rio de
Janeiro e onde observamos a mesma questão das relações de poder e dominação entre empresa e
cidade existentes em Volta Redonda, com a diferença de em Porto Real não existir um histórico de
9
mobilização popular semelhante3. A despeito da acentuada produção existente, surgiu-nos a
possibilidade de estruturar outro tipo de reflexão dessa vez disposta a recuperar o significado de se
viver numa cidade construída ao redor de uma usina siderúrgica. Colaborou para isso a leitura da obra
da antropóloga Judith Modell (1998) que, entre os anos de 1986 e 1992, buscou descrever o que
chamou de “reações, percepções e interpretações das pessoas acerca das mudanças sociais e culturais
que compuseram o auto-retrato de uma rust-belt town” (Modell, 1998, p.3), nomenclatura atribuída a
antigas cidades industriais que sofreram com o desaparecimento ou falência da siderurgia. A
antropóloga realizou uma série de entrevistas com empresários, comerciantes e líderes comunitários,
além de membros de três gerações de moradores, que construíram suas trajetórias pessoais de maneira
direta ou indiretamente relacionada à produção do aço, e procurou reconstruir certos aspectos da
sociabilidade de Homestead, histórica cidade industrial norte-americana, por quase cem anos
dependente da atividade siderúrgica e depois mergulhada numa luta para sobreviver à crise econômica.
Reconhecendo ser inviável relatar os eventos do pós-privatização sem assinalar outros
acontecimentos, procuramos tecer este trabalho partindo da revisão de parte significativa da produção
dos últimos vinte anos. Justamente por isso, o primeiro capítulo tem por objetivo reconstituir a
trajetória do município, procurando considerar alguns momentos-chave na história da cidade: a
transferência pela Companhia de suas “obrigações” para a prefeitura municipal; a greve de 1988 e o
início do fim de um ciclo de sindicalismo de enfrentamento relativamente vitorioso; e a privatização,
que supostamente marcaria também o colapso do Sindicato, dos movimentos sociais capitaneados pela
Igreja e da própria cidade. Com base nessa constatação, nossa revisão bibliográfica teve a preocupação
de recuperar as antigas questões produzidas desde a década de 1980 com o suporte de trabalhos que
poderíamos julgar como seminais para o entendimento das interrogações que cercam o seu momento
atual. Dentro desse conjunto, poderíamos destacar as reflexões produzidas por Morel (1989, 1995),
Mangabeira & Morel (1992), Mangabeira (1993), Pereira (2007), Graciolli (1997, 2007), Monteiro
(1995), Piquet (1998) e Fontes & Lamarão (1986) por objetivamente revelarem aspectos singulares
que fazem de Volta Redonda um caso diferenciado na realidade sociopolítica e na historiografia
brasileiras. O aspecto sociopolítico, por sinal, é debatido na primeira parte do capitulo, quando
descrevemos os casos de concertação constituídas em regiões de falência econômica. Nessa parte da
discussão, mais teórica, procuramos traçar um paralelo entre modelos de arranjo sociopolítico
verificado em diferentes cidades originalmente concebidas como monoindustriais.
3 Lima, R. J. Da C. Açúcar, Coca-Cola e Automóveis: ação político-empresarial na construção de um município-modelo em Porto Real. Dissertação de mestrado em Sociologia. Dissertação de mestrado em Sociologia. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2005.
10
O capítulo subseqüente versa mais especificamente sobre os anos 1990 e 2000 e tem por
finalidade descrever as mudanças no padrão de relacionamento entre Companhia, cidade e
comunidade, durante três gestões municipais entre os anos de 1992 e 2004. Nessa parte, recuperamos a
descrição dos bastidores da privatização, tomando como pano de fundo o governo da “Frente
Popular”, conduzido pelo médico Paulo Baltazar, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), em aliança
com o Partido dos Trabalhadores (PT). Consideramos, além da sua preocupação em impedir ou
dificultar o leilão da Companhia, os instrumentos e iniciativas implementados sob a forma de
governança municipal, como o Fundo Comunitário de Volta Redonda (FURBAN) e o Conselho
Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU). Essas foram duas reivindicações de um movimento
popular que ajudou a elegê-lo e podem ser consideradas como tentativas frustradas de reprodução de
um modelo de administração pública mais interessado em incorporar o elemento “participativo” sob
um lema que nos fez recordar o “modo petista de governar” característico das administrações do
partido em cidades como Porto Alegre.
Em seguida, a prefeitura foi “ocupada” por Antonio Francisco Neto, o primeiro “filho” de
Volta Redonda a chegar à condição de prefeito, mas sem ligação direta com o movimento popular-
sindical da década precedente. Descrevemos os dois governos de Neto, prefeito que incorporou a
proposta de recuperação da auto-estima da população e de reorientação da cidade em termos
econômicos, urbanísticos e políticos. Especialmente o seu primeiro mandato, entre os anos de 1997 e
2000, foi sob o nosso ponto de vista esclarecedor por coincidir com o aumento do desemprego e a
dificuldade de atração de novos investimentos, aspectos complementados pela difícil relação mantida
com a Câmara Municipal com repercussões no atraso da votação orçamentária do município e pela sua
estratégia em acelerar o rompimento dos laços com a siderúrgica. Contudo, como será exposto ao
longo do trabalho, a cidade não rompeu com essa dependência, apenas redefiniu gradualmente sua
submissão, observada menos em termos de empregos e mais em contribuições fiscais. E também não
ocorreu o fechamento ou falência da siderúrgica por questões de endividamento e sucateamento, como
muitos temiam no final dos anos 1980, quando a situação atingiu um grau crítico a ponto de fazer da
privatização a alternativa mais pragmática. Veremos que o agravamento da relação entre prefeitura e
Companhia teve reflexos diretos na cidade, a qual sofreu com a extinção dos traços remanescentes do
paternalismo da Companhia, a exemplo do fechamento e venda de áreas de lazer, escolas e de um
hospital dedicado ao atendimento da comunidade. A população sentiu o rompimento não apenas em
termos da redução dos empregos na usina que ajudaram a consolidar o lema da “família siderúrgica”
anunciado pelo trabalho de Morel (1989), mas também pelo corte nos programas sociais e pela
11
limitação do acesso a todo um conjunto de recursos incluídos no “pacote” da privatização. Todas essas
alterações serão descritas ainda no capítulo 2.
O capítulo 3, por seu turno, apresenta os contornos mais imediatos da privatização,
especialmente aqueles em termos de enxugamento do número de empregados diretos e de mudança no
perfil do seu mercado de trabalho. Nesse capítulo, iremos descrever a consolidação do poder do
empresário Benjamin Steinbruch dentro da CSN, os primeiros indícios da sua briga com o prefeito
Neto e a reestruturação gerencial conduzida a partir da criação do Centro Corporativo, possivelmente o
maior exemplo da racionalização imaginada e imposta pelo conselho de acionistas. Esse Centro criado
com a preocupação de incutir na empresa uma mentalidade de negócios, estritamente empresarial e
pouco afeita a laços afetivos, foi presidido e estruturado pela economista Maria Sílvia Bastos Marques,
cujas medidas priorizaram o distanciamento em relação à comunidade, inaugurando um prolongado
período de crise e de redução da auto-estima da população.
É também durante o governo Neto que despontam as mobilizações políticas como o MEP-
VR, o Resgate da Paz e o Repensar Volta Redonda, abordadas no último capítulo, o qual ainda se
ocupa em recordar estratégias como o Mercado Comum do Vale do Paraíba (Mercovale) e o Grita
Volta Redonda. Finalizamos o último capítulo descrevendo os eventos que se seguiram aos efeitos da
crise financeira mundial, no final de 2008. Tomando como referência o cenário caótico instalado pelas
cerca de 1.200 demissões na CSN, entre o final de 2008 e o início de 2009, percebemos o
fortalecimento de um novo desenho institucional de caráter regional através da maior articulação entre
prefeitos, secretários e lideranças. Em contraste com a fase final dos anos 1990, quando o radicalismo
do movimento popular ainda influenciado pelo bispado de Dom Waldyr Calheiros resistiu a
praticamente todas as possibilidades de diálogo com o empresariado, a década atual parece indicar que
sindicalistas, empresários e líderes comunitários estão mais inclinados a um “pacto pelo
desenvolvimento” (Locke, 1995) a favor da indústria e economia local e da geração de empregos na
cidade. A repercussão do episódio gerou críticas e reações da sociedade civil, motivou a intervenção
do ministro do trabalho, Carlos Lupi, e estimulou lideranças locais a constituírem o Fórum Demissão
Zero. O fórum correspondeu a uma série de encontros informais realizados no espaço da Cúria
Diocesana, articulando politicamente diversos setores da região a fim de discutir saídas para a crise
instalada, bem como alternativas de crescimento para o Médio Paraíba Fluminense, nos próximos
anos.
***
12
Tivemos uma primeira oportunidade de conhecer Volta Redonda em 2006, quando
acompanhamos outros estudantes de graduação e pós-graduação liderados por pesquisadores do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) em visita à usina Presidente
Vargas, unidade de produção de aços da CSN no município. Na ocasião, pudemos conhecer algumas
etapas do processo siderúrgico e constatamos in loco a complexidade da produção do aço, bem como
as dificuldades cotidianamente enfrentadas por um operário. A visita também nos possibilitou
conhecer outros pontos históricos, como o memorial Getúlio Vargas e o monumento planejado pelo
arquiteto Oscar Niemayer em homenagem aos operários mortos em confronto com o Exército durante
a greve de 1988, destruído em um atentado à bomba logo após ser inaugurado. Passamos ainda pela
Cúria Diocesana, palco de aglutinação e organização de militantes sindicais e de movimentos
populares nos anos 1980, e pela Vila Santa Cecília, bairro central que concentra as principais
atividades comerciais de Volta Redonda e maior exemplo de uma concepção de planejamento urbano
estatal que deixou marcas na paisagem de uma cidade nascida há apenas cinqüenta e seis anos. Antes
de encerrar nossa viagem, conhecemos a antiga Igreja de Santo Antônio, tradicional reduto de
formação política de militantes, no bairro Niterói. Mencionada outras vezes ao longo deste trabalho, a
Igreja localizada na parte “velha” da cidade – classificação atribuída por conta de seu desenvolvimento
em paralelo aos investimentos da Companhia na parte planejada, a chamada cidade “nova” –, abriga,
nos últimos anos, o atuante Movimento Ética na Política de Volta Redonda (MEP-VR), ação coletiva
de maior envergadura nesses dezessete anos passados da privatização. Tivemos a oportunidade de
conhecer o militante José Maria da Silva e, meses depois, em fevereiro de 2007, fomos convidados
para assistir a um evento de comemoração pelos dez anos de atividade do movimento.
O MEP-VR, portanto, foi nossa porta de acesso ao campo. E, durante o evento, que contou
com a participação de jornalistas, representantes do poder público, da Igreja e de ONGs com as quais o
movimento desenvolve projetos em parceria, iniciamos a construção da nossa rede de contatos, depois
transformados em entrevistas, algumas ajudando a compor o corpo deste trabalho de metodologia
predominantemente qualitativa. O contato com o MEP-VR facilitou em parte a execução da pesquisa,
pois nos permitiu chegar a nomes importantes da década de 1980, alguns deles já aposentados da vida
política de Volta Redonda. Integrantes da Igreja Católica, do Sindicato dos Metalúrgicos, das
associações de moradores e dos movimentos populares foram, em sua maioria, entrevistados entre o
início de 2007 e meados de 2008.
Trabalhos que abordam a relação empresa/cidade em geral enfrentam uma série de
complicações como pôde nos comprovar o estudo de Mangabeira (1993), também dedicado a
13
investigar essa relação no contexto de Volta Redonda. Realizada em duas fases, em anos diferentes,
sua pesquisa precisou lidar, especialmente na primeira “entrada em campo” (Mangabeira, 1993, p.41),
ocorrida em abril de 1988, com um cenário explosivo marcado pelo acirramento do conflito entre a
gerência da Companhia e os operários. Precisou enfrentar também a natural desconfiança de seus
entrevistados, operários e gerentes, adotando uma postura de “dupla identidade” (idem, p. 45), não
revelando à gerência seus contatos com os operários a fim de não inviabilizar o acesso à usina. A
relação com a gerência, favorável enquanto permitiu visitas às instalações fabris e pesquisas no
Departamento de Relações Industriais, fragilizou-se com a desconfiança da empresa até o ponto de
praticamente cerceá-la de acessar a usina, obrigando a pesquisadora a concentrar a investigação quase
que totalmente no Sindicato, nas redes construídas pelos operários nos seus bairros e na convivência
no espaço da Igreja4. Pelo fato de priorizarmos um olhar mais direcionado para a cidade, evitamos
surpresas com alguns desses contratempos. A intenção não foi desenvolver uma pesquisa focada
especificamente na CSN, nem nas condições de trabalho e vida dos seus operários e menos ainda no
conjunto do universo da ação sindical. Empreendendo uma investigação que procurou dar conta de
atores com diversos posicionamentos, fossem eles contrários ou favoráveis à privatização, acreditamos
ter conseguido apreender o sentido de se viver numa cidade sob uma conjuntura de pós-privatização
sem o risco e as dificuldades de se fazer uma pesquisa no espaço industrial. E, embora alguns
depoimentos expostos reforcem o sentimento anti-empresa privatizada, nossa intenção foi tão somente
apresentar os novos dilemas e desafios de Volta Redonda, ainda que se equilibrando na tensa relação
entre empresa e comunidade. Assim, a entrada em campo através do MEP-VR aliada à conjuntura
relativamente pacífica que encontramos na cidade nesses quatro últimos anos contribuiu para a
realização do trabalho sem os percalços enfrentados pela autora acima mencionada.
Realizadas ao longo dos anos de 2007, 2008 e 2009, as entrevistas procuraram abranger
descrições acerca do clima que cercou a privatização, da histórica greve de 1988, da origem dos
primeiros movimentos sociais e dos eventos mais relevantes do pós-1993. Em geral, esses
depoimentos nos fizeram constatar que moradores e autoridades políticas locais ainda tentam aprender
a se relacionar com a postura mais empresarial e global da Companhia ao passo que se esforçam para
apontar alternativas frente aos desafios colocados nos últimos anos. Além disso, nessas descrições o
4 Essa situação de tensão provocada pelas diferentes origens dos informantes, embora comum, não vigorou de maneira absoluta nos estudos sobre relações de poder entre empresa e cidade. Leite Lopes (1976), por exemplo, em seu estudo antropológico sobre a cultura de classe de um grupo operário constitutivo de usinas de açúcar da Zona da Mata pernambucana, conseguiu excepcionalmente empreender um trabalho de campo em condições absolutamente favoráveis pela inexistência de conflitos explícitos entre gerência e operários na usina onde realizou seu estudo de caso, contando com a colaboração de delegados sindicais, administradores da usina e operários dispostos a serem entrevistados.
14
ano de 1993 é interpretado como o grande marco da trajetória do município. Contudo, identificamos
nesses depoimentos olhares muito engessados da situação política do município, em geral nos
oferecendo análises bem consistentes sobre o período que se estende até o leilão de privatização e
muito próximas àquelas apresentadas por grande parte da literatura acadêmica especializada no “tema
Volta Redonda”. Já o período posterior ao ano de 1993 possui poucas reflexões por parte desses
personagens, possivelmente pelo seu desligamento da vida pública local e pelo desânimo ocasionado
pelo processo. Muitos nos revelaram um certo descrédito quanto ao atual movimento popular-sindical,
segundo eles desmobilizado, inerte e opaco.
Outra limitação identificada na leitura oferecida por militantes saídos dos nos 1980 é a pouca
consideração dada às mudanças experimentadas pela Prefeitura, um dos agentes centrais na análise que
nos dedicamos a empreender. Isso ocorreu porque os olhares tradicionalmente se concentraram em
analisar a polarização entre Sindicato e empresa, cabendo pouco espaço para reflexões que buscassem
compreender a atuação das autarquias municipais e das secretarias, sua relação com a sociedade civil,
além do seu domínio por uma nova elite de dirigentes desligados e opositores da Companhia. E assim,
o desejo de ouvir relatos sob outro viés e menos presos a uma conjuntura já muito discutida nos levou
a executar uma segunda parte da pesquisa, em 2009. Nessa fase, recolhemos novos depoimentos de
representantes do empresariado local – um segmento pouco considerado nos estudos sobre Volta
Redonda – e de integrantes do poder público municipal, incluindo ex-prefeitos, ex-secretários e
membros do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU), que também participaram da
construção do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) e do Fundo Comunitário
(FURBAN).
O conjunto de entrevistas foi complementado por uma pesquisa no arquivo dos jornais
Diário do Vale, Foco Regional e O Globo, na Prefeitura Municipal de Volta Redonda e nos arquivos
do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU), da Biblioteca Pública Municipal Raul de
Leoni, da Câmara Municipal, da Cúria Diocesana, do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda
(SENGE-VR), do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) e do MEP-VR, este
concentrado em uma sala adjacente à Igreja de Santo Antonio. Nesses locais, obtivemos parte
considerável das fontes secundárias utilizadas no trabalho, especialmente jornais, estudos técnicos e
documentos, depois completados por outros materiais cedidos por moradores ou encontrados na
Internet. Por fim, também contamos com o recurso do rico acervo bibliográfico da Perkins/Bostock
Library da Duke University, onde realizamos o estágio de doutorado junto ao Departamento de
História, entre setembro de 2008 e março de 2009. Todos esses dados foram fundamentais para
recompor a trajetória de canais como o CMDU, descrever os governos municipais de 1992 a 2008,
15
bem como apresentar os efeitos sentidos com a crise e manifestados através da mídia local. As
diversas matérias publicadas pelos veículos de comunicação, alguns deles assumidamente favoráveis à
privatização (Lannes, 2001), e retiradas desses arquivos nos ajudaram a dimensionar um pouco da
situação de abandono experimentada pela cidade durante os últimos anos. E é exatamente isso que
procuramos apresentar ao longo do texto, além de propor que, apesar da interferência da Companhia
em todas as etapas do seu desenvolvimento, Volta Redonda continua a ser reduto de uma comunidade
organizada e participativa, embora em menor escala.
16
Capítulo I
A “Mãe Grande” e a Estruturação de uma Cidade Experimental
Polarizada
“Volta Redonda pode ser considerada, do ponto-de-vista sociológico, uma cidade experimental. Foi planejada e construída para servir a uma grande empresa – a Companhia
Siderúrgica Nacional – onde a valorização do homem – sua assistência integral e proteção à sua família – gerou vantagens e muitos problemas, que, depois de 20 anos, identificados, começam a ser eliminados. O paternalismo é apontado como um drama social, numa cidade de 200 mil habitantes,
direta ou indiretamente ligados à CSN, conhecida pela população como a “mãe grande.” – (Jornal do Brasil - 13/04/1974).
Este capítulo se dispõe a apresentar a base teórica que orientou a construção do trabalho e a
recuperar os principais marcos distintivos da história de Volta Redonda, procurando relacionar uma
discussão acerca de diferentes tipos-ideais de arranjo sociopolítico característico de cidades industriais
à descrição da trajetória do desenvolvimento do que chamamos de uma cidade monoindustrial
exemplar.
Em parte, o nosso objetivo é descrever as iniciativas de rearranjo institucional de caráter
regional e local confeccionadas nas últimas décadas em contextos impactados pela desindustrialização
e pelos efeitos negativos da globalização. Destacaremos assim as experiências de cooperação que
orientaram a revitalização de antigas áreas industriais degradadas e uma vez caracterizadas pela
presença de setores economicamente significativos, como a siderurgia e a indústria automobilística.
Para isso, recorreremos a exemplos nos quais parcerias e coalizões bem sucedidas agiram
positivamente na recuperação de um território. A finalidade é discutir o papel e a contribuição das
redes sociopolíticas e dos mecanismos de governança regional formulados em contextos de crise com
a contribuição de atores sociais por vezes tão diversos quanto antagônico, entre eles empresários,
trabalhadores e lideranças comunitárias. Serão citadas as experiências de cidades norte-americanas que
repensaram sua base econômica e produtiva a partir do rompimento com a siderurgia e das cidades
constitutivas do ABC paulista, uma das mais industrializadas do Brasil e onde a governança regional
foi implantada de maneira exitosa nos anos 1990. Em um certo sentido, a finalidade é indagar sobre a
possibilidade do estabelecimento da cooperação em contextos onde há pouco tempo atrás predominou
17
um acirrado conflito político e ideológico entre uma grande empresa, empresários locais,
trabalhadores, lideranças comunitárias, religiosas e políticas.
Como o objetivo é discorrer sobre a elaboração dessas estratégias no caso específico de Volta
Redonda, utilizamos a segunda parte do capítulo para tratar mais especificamente dos aspectos
característicos da sua história e que merecem ser recuperados antes de ensaiarmos qualquer
aproximação nesse sentido. Fizemos, por isso, uma recuperação dos pilares distintivos de sua
trajetória, entre eles a origem dos propósitos da fundação da Companhia e da cidade, a atuação do
Sindicato dos Metalúrgicos e da Igreja Católica influenciada pela gestão progressista comprometida
com a formação política de militantes conduzida por Dom Waldyr Calheiros de Novaes, hoje bispo
emérito da diocese local. O capítulo é encerrado com a apresentação do promissor Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU), concebido no final dos anos 1970 a fim de se repensar a
cidade, e das primeiras mobilizações populares urbanas, como o Movimento dos Posseiros Urbanos,
fundamentais para um pleno entendimento de alguns acontecimentos que marcaram as décadas de
1980 e 1990 na cidade.
1.1 – Experiências de governança e a recuperação de áreas industriais degradadas
Em 2005, o jornal norte-americano The New York Times publicou uma matéria5 descrevendo
o desgaste no relacionamento empresa/cidade, recuperando a tensão pré-privatização da Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), quando ocorreram milhares de demissões, e caracterizando o
agravamento da crise nesse relacionamento, já nos primeiros anos da presente década, tendo na
tentativa pela Companhia de reintegração de suas terras por toda a cidade um dos seus acontecimentos
mais marcantes. A disputa por terras citada na matéria depois reproduzida pelo jornal Folha de São
Paulo (“uma operação enxuta com um foco estreito: produzir aço e manter os custos baixos.” –,
17/05/2005) acabou inspirando a elaboração do livro A Usina da Injustiça – como um homem só está
destruindo uma cidade inteira (2005) publicado pelo jornalista Ricardo Tiezzi, este um manifesto de
repúdio acusatório contra a Companhia. Mas o impasse serviu também para confirmar, por um lado,
que o grupo controlador definitivamente havia assumido outras prioridades e estratégias de ação,
estreitando seu diálogo com o global à medida que recusava qualquer responsabilidade pelos efeitos
locais das suas decisões, assim praticamente selando a ruptura da relação empresa/cidade. E, por outro
5 “CSN vive tensão com a cidade de Volta Redonda, diz New York Times” – reproduzida pela Folha de São Paulo, 17/05/2005.
18
lado, tornou evidente a incapacidade ou atraso de Volta Redonda em se libertar da dependência sob a
qual se mantinha há mais de cinqüenta anos e repensar o seu desenvolvimento, levando-se em
consideração especialmente a grande contribuição fiscal prestada pela CSN.
Além do vínculo econômico hoje mais perceptível através dos impostos pagos pela
Companhia, parece existir uma dificuldade em se pensar cidade e usina sob uma relação mais
autônoma, ainda mais considerando-se, como afirmou Morel (1989) há mais de duas décadas, que a
construção de ambas tenha representado para o país, na década de 1940, um marco de dimensões só
igualadas pela construção de Brasília, na segunda metade da década de 1950. E, como procuraremos
expor mais adiante, essa distinção dada sobretudo em termos de planejamento urbano e estratificação
fez Volta Redonda ocupar a importante condição de uma das cidades industriais mais estudadas no
campo das Ciências Sociais no Brasil, possivelmente encontrando apenas em São Bernardo do Campo
uma referência à altura, justamente pela sua relevância na composição do movimento sindical
brasileiro no correr do século XX, como foi descrito em pesquisas sobre a construção de uma cultura
de classe operária na cidade paulista (French, 1995).
Como o ex-presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, salientou no prefácio do
livro de Tiezzi, é fundamental reconhecermos o caráter emblemático da CSN e o seu compromisso
com o progresso e o desenvolvimento do país, pois isso nos ajudaria muito “a entender os caminhos,
os acertos, os erros e os desvios percorridos pelo capitalismo tupiniquim” (Tiezzi, 2005, p.14).
Recorrendo ao que classificou como metáfora do “efeito espelho”, o sindicalista sintetiza a sua
condição de marco “divisor de águas” na história do capitalismo brasileiro na primeira metade do
último século. Afirma também que a siderúrgica é um símbolo da emancipação do Brasil e,
indiferentemente de ser tratada como questão de “segurança nacional” – tipo de consideração a ela
atribuída pelos militares, nos anos 1970 – ou como uma “unidade de negócios” – essa definição
resume perfeitamente o tratamento atualmente adotado, especialmente com relação à usina Presidente
Vargas –, as conseqüências das suas decisões precisam ser medidas em termos nacionais, não se
restringindo à cidade constituída a reboque do seu crescimento, embora esta, de fato, tenha sentido de
forma mais intensa os seus efeitos.
Na matéria publicada pelo The New York Times e apresentada na parte conclusiva do trabalho
de Tiezzi, faz-se também menção a uma entrevista com o economista Germano Mendes de Paula,
especialista brasileiro em siderurgia, acerca do esforço de antigas cidades industriais por todo o mundo
por se reinventar, ponto em que gostaríamos de nos concentrar. Algumas, como assinala o economista,
definitivamente entraram em decadência, enquanto outras conseguiram se redefinir com sucesso (...).
Um exemplo bem-sucedido dessa reinvenção salientada e citada pelo autor é a cidade de Pittsburgh,
19
integrante do chamado cinturão do ferrugem ou Rust-Belt Community, uma denominação atribuída a
regiões compostas por cidades monoindustriais que testemunharam o fechamento de usinas
siderúrgicas, na segunda metade do último século, seguido de um forte esvaziamento econômico. A
tradicional atividade siderúrgica norte-americana sofreu uma forte redução a partir do início da década
de 1970 e, em 1985, cidades como Monessen, Braddock e Mckeesport, no Mon Valley, região no
sudoeste da Pensilvânia banhada pelo rio Monongahela, perderam a base industrial da qual
dependeram ao longo de quase todo o século com o fechamento das plantas de propriedade da United
States Steel Corporation, companhia fundada em 1901 por Andrew Carnegie, J.P Morgan, Charles
Schwab e Elbert H. Gary, e controladora de 67% da produção de aço dos Estados Unidos, nas décadas
posteriores.
Deitrick & Beauregard (2004) mencionam que até o final da Segunda Guerra Mundial, o
estado vinha mantendo um acelerado crescimento através de uma economia pautada nas indústrias do
aço, têxtil, de vestuário, na mineração etc., e que a profunda desindustrialização iniciou-se com a
decomposição dos seus principais setores, especialmente as indústrias têxtil e de vestuário, depois a
mineração (sendo importante considerar que a Pensilvânia era responsável por 80% da produção do
país) até chegar ao colapso da indústria siderúrgica. E, em poucas décadas, perdeu um terço dos seus
empregos industriais. À crise, seguiu-se uma significativa redução populacional nas quatro cidades
(Allentown, Philadelphia, Pittsburgh e Scranton) onde essas atividades econômicas concentravam-se
majoritariamente. Somente Pittsburgh perdeu 7% da sua população, durante a segunda metade do
século. Em 1986, o quadro se tornou definitivamente crônico quando a United States Steel
Corporation, dessa vez com o nome alterado para USX, anunciou o fechamento da Homestead Works,
a mais proeminente de todas as usinas siderúrgicas da região do rio Monongahela, localizada na
homônima e histórica cidade, também palco de uma das mais conhecidas greves sindicais da história
americana, ocorrida em 1892 e descrita em livro pelo jornalista William Serbin6 (Modell, 1998) 7. A
usina de Homestead alcançou um grande peso simbólico em sua história em termos pelo misticismo da
greve, em termos por ter sido uma das primeiras unidades da primeira companhia norte-americana a
atingir o valor de US$ 1 bilhão e originada da aquisição pelo escocês Andrew Carnegie da Pittsburgh
Steel Company, em 1883, depois convertida em Carnegie Steel Company (idem). Segundo Modell,
apesar de todas as cidades siderúrgicas da região praticamente terem se desenvolvido a partir de um
mesmo padrão de usinas, margeando o rio e definindo a localização das habitações segundo a
hierarquia fabril, Homestead distinguiu-se pelo que chamou de senso de esperança da sua população.
6 Homestead – The Glory and Tragedy of an American Steel Town. – William Serbin (1992). 7 Fonte: http://www.uss.com/corp/company/profile/history.asp.
20
Na sua descrição das interpretações pessoais dos efeitos da decadência industrial, a autora valoriza a
elevada auto-estima de uma população ciente da crise, embora não da ruína, expondo também a
importância do legado de organização atribuída, em grande parte, à memória da greve, cujo centenário
foi comemorado em 1992, e a despeito da militância erguida contra a diretoria da empresa ter sido um
dos principais fatores a contribuir para o seu fechamento.
The background to the closing reflects the personal lessons residents learned as I heard them in the interviews, and there was no mistaking the merging of public and private histories; the threads of the two are so closely intertwined that it would be inaccurate to separate them. Individuals combined the well-known features of Homestead, available in almost any American history textbook, with the knowledge accumulated over generations of the significance of living in a town built around steel. What this kind of history implies for the future evolution of Homestead is a major question throughout this book. A Town Without Steel is not the story of men of steel or even of steel work, but rather of individuals who see their lives against the backdrop of a mill (Modell, 1998, p.3 e 4).
Importa considerar que essas cidades conduzidas por Pittsburgh8, a “cidade do aço” norte-
americana, se revitalizaram por completo durante a década de 1990 apostando numa economia
regional mais diversificada, substituindo um perfil altamente especializado e focado na manufatura por
atividades ligadas à administração pública, ao comércio e à prestação de serviços como educação e
saúde. Deitrick & Beauregard (2004) argumentam que a revitalização dessas antigas áreas industriais
em franco e acelerado processo de desindustrialização obedeceu a uma variedade de políticas e
programas que agentes públicos e privados se encarregaram de implementar, mas passando sempre
pela estratégia de se estruturar coalizões, prática percebida em outras cidades norte-americanas e até
européias vitimadas pela degradação urbana e industrial. Os autores se referem ao fato de Pittsburgh,
bem como outras localidades do estado da Pensilvânia, ter alavancado iniciativas de regeneração do
seu tecido urbano e social a partir de iniciativas de governança municipal, como conselhos e
experiências de public-private partnership. Desde a década de 1960, agentes locais e organizações
desenvolvem políticas conjuntas para encorajar o crescimento e revitalizar a região, e Pittsburgh
revelou-se um exemplo de como municipalidades são capazes, quando querem, de implementar
iniciativas para repor uma cidade e uma região numa trajetória de desenvolvimento. Utilizando
recursos governamentais e do setor privado, os líderes comunitários se organizaram para limpar a
“Smoky City” e diversificar a economia com esforços focados no desenvolvimento do centro da
8 No documentário “My Tale of Two Cities” (2009), o roteirista Karl Kurlander retorna à sua cidade natal num cenário pós-crise disposto a entrevistar vizinhos e personalidades (como Franco Harris, jogador do time de futebol americano Pittsburgh Steelers) sobre como a outrora cidade do aço se reinventou nos novos tempos. Fonte: http://www.mytaleoftwocities.com/about/index.php - página oficial do filme.
21
cidade e na revitalização da vizinhança, na elaboração de iniciativas de desenvolvimento econômico
regional, na melhoria da infraestrutura (rodovias regionais e aeroportos) e no combate à poluição do
ar, legado deixado pelas companhias siderúrgicas (Deitrick & Beauregard, 2004, p.63).
Por outro lado, Bourdin (2001) – autor mais interessado em discutir a fiscalização de
organizações e grupos de pressão ao trabalho de políticos e técnicos ocupados de exercer a gestão
metropolitana em cidades norte-americanas e francesas – sustenta que coalizões do tipo manifestado
em Pittsburgh devem se resumir a alguns grandes princípios de ação, como conhecer a situação
demográfica, econômica e social da região; criar uma rede de indivíduos persuadidos da necessidade
de difusão dessas idéias em diferentes meios; construir coalizões abertas (não partidárias ou setoriais)
e mobilizadas por objetivos em longo prazo; ganhar o apoio das cidades-centro na base da
complementaridade; mobilizar comunidades religiosas etc.
Já autores como Klink (2001) enxergam na descentralização uma oportunidade de promoção
de iniciativas bottom-up, voltadas para a revitalização e também incorporando dimensões de cidadania.
O autor sugere que caso alguma estratégia cooperativa seja adotada, o mais provável é que ela reúna
agente locais e regionais que não reconhecem no comportamento competitivo necessariamente uma
vantagem para a região. Klink e outros autores (Arbix, 2000; Bresciani et al., 2007; Leite, 2003 etc.),
os quais se ocuparam em descrever a repercussão positiva da articulação entre poder público e
sociedade civil no ABC paulista, nos anos 1990, argumentam que as inúmeras articulações
promovidas na região, nos últimos anos, reunindo público e privado, demonstram o virtuosismo dos
esforços coletivos realizados para se defender do declínio industrial.
Outros autores (Ramalho et al., 2009) compartilham da mesma opinião e argumentam que as
experiências recentes dessa região serviram tanto para abrir um debate sobre as situações de crise de
distritos industriais tradicionais de base fordista confrontados com as mudanças trazidas pela
reestruturação e flexibilização do processo produtivo quanto para valorizar a relevância das práticas de
articulação política estruturadas em função das necessidades colocadas pelo e no território, sem com
isso rejeitar a participação de agentes e representantes de órgãos públicos nessa conjuntura de
revitalização local, decisiva para o êxito de programas e estratégias de recuperação e revitalização
como o marketing regional, a internalização de serviços industriais avançados, o processamento de
dados, a logística etc. Tamanha preocupação e interesse acadêmico pelo ABC se justifica pelo choque
econômico sofrido por essa região quando, nos anos 1990, o setor automobilístico nacional,
provavelmente o carro-chefe do seu desenvolvimento industrial, foi altamente impactado pela
incorporação de uma “reestruturação sistêmica sob o paradigma da produção enxuta” (Cardoso, 2000,
p.30). A alteração completa na estrutura da cadeia automotiva brasileira a partir da adesão a técnicas
22
japonesas de produção e organização do trabalho com a redefinição da relação entre os diversos elos
da cadeia produtiva, redesenho das plantas industriais, uso de novas tecnologias e mudança no padrão
dos produtos levou ao corte de milhares de postos de trabalho em plantas industriais como a da
Volkswagen, em São Bernardo do Campo, na década de 1970 responsável por empregar até 35 mil
trabalhadores (Cardoso, 2000).
A crise observada a partir do início dos anos 1990, em parte das regiões industriais
brasileiras, também foi indiscutivelmente provocada pelo processo de globalização, segundo a
definição oferecida por Garcia (2009b), um processo não homogêneo e com conseqüências
paradoxais: grande parcela da população localizada e confinada; capital móvel; trabalhador
nacionalmente localizado e estático; riqueza e renda não exatamente globais, mas nacional e
regionalmente distribuídas entre os Estados. Segundo esse autor, a globalização criou uma nova
realidade econômica e social marcada por novas regras, obrigando atores individuais e coletivos a
orientarem suas ações segundo referências competitivas, tecnológicas, políticas e culturais globais.
Porém, tomando como base o trabalho no qual descreve a constituição do complexo automotivo da
General Motors (GM), na cidade de Gravataí (RS), em 2000, nos surge a possibilidade de
contestarmos a explicação simplista de que o vendaval da globalização fragmenta as estruturas locais,
argumento corriqueiro entre a literatura preocupada com os efeitos danosos do processo sobre regiões
inteiras, como o próprio ABC. Sob o seu ponto de vista, falar da globalização requer, ao menos,
considerar três tipos de princípios:
a) o princípio da transitoriedade, determina que a globalização seria um processo marcado pela combinação entre permanência, descontinuidade e mudança, e estaria transformando a realidade social. Novas e contingentes relações sociais e estruturas institucionais estariam emergindo. O desafio estaria em identificar as respostas dos agentes aos desafios impostos pela nova situação e a convivência e ajuste entre novas e antigas estruturas e práticas sociais. A globalização seria um processo impositivo decorrendo daí importantes descontinuidades históricas. b) o da multiformidade. O processo teria efeitos heterogêneos sobre os diferentes atores sociais, criando riscos e oportunidades variados. Ações em diferentes conjunturas e com variados níveis de recursos equivaleriam a respostas, vantagens e prejuízos diferentes para esses atores. Novas oportunidades seriam oferecidas aos atores, porém acompanhadas de riscos e desafios para a esfera local. Além disso, retornos como a justiça social, a prosperidade e o desenvolvimento local seriam contingentes. c) o princípio da multidimensionalidade, segundo o qual as diferentes dimensões da realidade social são condicionantes do processo de globalização. Referências globais (padrões competitivos etc.) demandariam ajustes dos agentes sociais (empresas, empresários, sindicatos, governos etc.) que, por sua vez, dependeriam da conjugação de certos fatores como conjuntura política, instituições locais, recursos econômicos, políticos e sociais etc. Por esse princípio, a globalização não seria basicamente um processo orientado pelas forças incontroláveis do mercado, mas também condicionada pelas estratégias dos atores locais. Particularmente, este princípio realça o caráter dialético e conflitivo das
23
relações entre agente globais e locais. À assimetria de poder entres as duas esferas equivaleria a elaboração de estratégias de resistência e à inevitabilidade das decisões unilaterais se imporia a possibilidade de existência de uma certa “margem de manobra” para os atores locais (Garcia, 2009b, p.41).
Como assinalam Guimarães & Martin (2001), a problemática da reestruturação produtiva e
da integração competitiva de empresas e outros atores econômicos em contextos globalizados, em
paralelo à defesa de uma economia mais integrada e flexível, talvez tenha contribuído também para
introduzir outro debate acerca da constituição de novas instituições, arenas e espaços públicos (às
vezes, informais) em nível subnacional de articulação e coordenação entre atores políticos e sociais a
fim de enfrentar os desafios impostos por esse mesmo processo. Distritos industriais, pólos de
desenvolvimento antigos ou em declínio constituir-se-iam assim em cenários privilegiados para
experiências de canais de governança em âmbito regional e local mediante um modelo de
“desenvolvimento localmente imbricado e embebido nas iniciativas de coordenação dos atores locais”
(Guimarães & Martin, 2001, p. 16) em reação à economia globalizada que sucede uma antiga
variedade de capitalismo mais fundada num modelo de gestão genuinamente paternalista marcado pela
presença de um Estado regulador, nacionalista e intervencionista acompanhada também por um perfil
de trabalhador assalariado com vínculo formal de emprego. Além da desverticalização marcada pelo
enfraquecimento do Estado-nação regulador, esse modelo de governança tende a ser aprimorado pelo
fortalecimento da escala subnacional e pelo aperfeiçoamento de coletividades territoriais compostas
por um grande número de associações e movimentos diversas vezes instáveis e transitórios, mas que
passam a constituir redes políticas de coordenação horizontal, a despeito da redução do ímpeto de
organizações e ações coletivas emblemáticas como os sindicatos (Bourdin, 2001).
Nesse sentido, a possibilidade de elaboração de estratégias de resistência e redesenho
institucional regional e local, dando uma “margem de manobra” aos atores locais, segundo o princípio
da multidimensionalidade (Garcia, 2009b), a despeito da evidente assimetria e das relações de poder
entre os muitos atores e interesses envolvidos (como procurou frisar Bourdin, sempre existirá um custo
político quando microgrupos de interesses sem referências comuns como trabalhadores e militantes de
movimentos pela moradia, por exemplo, precisarem agir coletivamente, só reduzidos pela constituição
de coalizões capazes de articular um encadeamento de compromissos mesmo que sob uma forma
contratual) estaria contida no debate acerca da dinâmica da regionalização que se estabelece a partir da
relação “global x local”. Com o discurso oficial vigente sinalizando para os efeitos drásticos sobre a
economia e o nível de emprego de muitas regiões de tradição industrial e a subordinação econômica de
populações aos interesses e à ingovernabilidade das forças de mercado, as práticas sociais (locais)
24
passam a ser justificadas e orientadas pelo avanço da globalização e nesse sentido deve-se pensar a
respeito da capacidade de regeneração de certos mosaicos locais, mais propriamente daqueles que
desfrutem da presença de agentes e instituições sociais dispondo de recursos políticos acumulados.
Certas cidades e regiões, e este é o nosso argumento, poderiam se repensar desde que existindo
instituições cívicas e um histórico de organização manifestado numa certa “propensão à associação, à
concertação e à voluntariedade em se engajar mesmo a favor de interesses divergentes” (Cooke, 1995,
p.239).
Em certo sentido, poderíamos lançar mão da constatação da ineficiência de estratégias
universais que desconsiderem os contextos locais. Segundo Pike et al. (2006), a reprodução dessas
estratégias nos mais variados contextos tem tido pouco resultado no sentido de garantir um
desenvolvimento prolongado dessas localidades (Pike et al., 2006, p.13). Os autores criticam as
estratégias ou políticas top-down e defendem mecanismos que não alienem a população da discussão e
da construção do futuro do território (Pike et al., 2006, p.16). Em consonância com este argumento,
quatro seriam os aspectos que constituiriam uma estratégia consistente de desenvolvimento regional:
participação e diálogo, territorialidade, mobilização dos recursos locais e das vantagens competitivas,
além de uma propriedade e administração local desse processo (White and Gasser, 20019 apud Pike et
al., 2006, p.16). Por isso, apoiados nesse argumento e recusando as explicações simplistas e
unilineares de uma derrota para as forças globais, não seria o caso de enxergarmos ou nos
questionarmos apenas acerca dos efeitos negativos que a globalização pode expressar sobre
localidades, usando-as para a obtenção de vantagens (baixos salários, isenção de impostos, novas
formas de controle etc.), mas de perguntar se e como surgem “chances de prosperidade econômica,
ampliação de capacidades e qualificações, mudanças na cultura organizacional e sindical, expansão da
densidade institucional e política” (Garcia, 2009b, p.42) e outros efeitos positivos para essas regiões
atingidas. A configuração de relações sociopolíticas no território e a estrutura de oportunidades
políticas e econômicas criada em conjunção com a globalização facilitariam processos desse tipo,
ainda que essas relações tendam a se configurar diferentemente nas mais distintas regiões e contextos
industriais, impossibilitando qualquer tipo de previsão sobre os seus efeitos (Garcia, 2009b). O
exemplo mais concreto da via de mão dupla em que se constituiu a globalização, segundo o autor,
seria submissão dos trabalhadores industriais e dos seus sindicatos a uma mudança de conduta com a
9 White, S. and Gasser, M. (2001) Local Economic Development: a tool for supporting locally owned and managed development processes that foster the global promotion of decent work. Geneva: Job Creation and Enterprise Development Department, ILO.
25
formação de novos interesses e valores, e a identificação e apropriação de novas oportunidades
econômicas e políticas nas suas regiões.
(...) a despeito do caráter impositivo, da distribuição desigual de recursos pelas regras econômicas e
sociais em decorrência da assimetria de poder entre as escalas, os agentes sociais também tendem a elaborar estratégias que visam ao aproveitamento de oportunidades e à realização de práticas de resistência, influindo, em maior ou menor medida, na moldura do processo de globalização (Garcia, 2009b, p. 41).
O fato é que há um importante, mas ainda marginalizado debate acerca da valorização e
incorporação da presença, sobretudo, da sociedade civil em assuntos de ordem pública, inclusive na
agenda sobre desenvolvimento regional, introduzida por certos autores (Bandeira, 1999; Heller, 1996;
Locke, 1995; Locke, 2001; Locke & Jacoby, 1997; Putnam, 1996; Tendler, 1997) há anos preocupados
em interpretar certos dilemas regionais em países com grandes disparidades internas, como a Itália e a
Alemanha. Putnam, por exemplo, recorrendo ao vocábulo da “comunidade cívica” – “disposição
pragmática para cooperar com outros indivíduos de igual condição a fim de enfrentar os riscos de uma
sociedade em rápida transformação” (Putnam, 1996, p.150) – justificou o envolvimento das
associações voluntárias usualmente em localidades já caracterizadas por um histórico de solidariedade
coletiva. Ao introduzir esse vocábulo, originado apenas em contextos sociais favoráveis, o autor teve
como intenção conformá-lo em variável explicativa para a diferença de desempenho econômico e
institucional entre regiões, utilizando a “sociabilidade cívica” (mensurada por mecanismos como o
número de associações locais e a leitura de jornais) para demarcar a possibilidade de criação de
“identidades regionais” em variados contextos e conjunturas.
Segue-se a essa as indicações de outros autores a respeito da “capacidade de auto-
organização da sociedade”, espontânea e de baixo-para-cima que pode funcionar como um recurso
para o desenvolvimento (Bagnasco, 2001), destacando que em algumas regiões a influência de
organizações locais na mobilização e uso de recursos e na maneira como os bens públicos são
produzidos pode ser decisiva. As associações, movimentos políticos e sociais, além de outras redes
informais, podem, inclusive, substituir o Estado na construção de bases e estratégias para enfrentar as
adversidades (Abramovay, 2001). Resumidamente, a “vibrante vida associativa” e a capilaridade das
organizações locais podem ser fatores importantes para a promoção de diferentes modelos de
solidariedade social e política locais, devendo, contudo, ser reconhecido que, a despeito de certos
legados históricos que as localidades possam apresentar, elas não estão impedidas de criar novas e
positivas situações constitutivas de um processo virtuoso (Locke, 1995). Esse princípio não apenas
inspirou a argumentação teórica a favor da constituição de agências e mercados regionais em regiões
26
como o ABC paulista – onde se implantou uma Câmara Setorial da Indústria Automobilística, um
consórcio intermunicipal (1990), uma Câmara Regional (1996) 10 e uma agência de desenvolvimento
econômico (1998) acompanhadas por outras iniciativas como o “Fórum da Cidadania do Grande
ABC” e a campanha “Vote no Grande ABC” (1994) – como apontou para a possibilidade de
integração inspirada no entendimento e valorização de uma “tipologia da cooperação” (Coelho, 2000)
suportada na construção de uma infraestrutura social antes inexistente.
O cientista político Richard Locke (1995), por sua vez, ao esclarecer a posição paradigmática
do modelo de desenvolvimento italiano inspirado na presença de empresas especializadas e flexíveis,
em sua grande maioria exitosas ao competirem no mercado mundial nos anos 1970, caracterizou as
regiões de acordo com a preexistência de recursos sociopolíticos e de redes modelando as escolhas dos
atores econômicos locais, estreitando os canais de comunicação com os policymakers centrais e,
principalmente, aproximando empresas e sindicatos. Segundo o autor, o desempenho e o
comportamento econômico também são moldados pelas redes sociopolíticas locais, associações
secundárias (empresariais e sindicais) e demais grupos de interesse quando estes passam a constituir
uma vibrante vida associativa com coordenação e cooperação. A fim de justificar o seu argumento, ele
confecciona – sob uma perspectiva granovetteriana11 acerca do fluxo de informações entre os atores –
três modelos típico-ideais de estruturas em rede capazes de interpretar os diferentes arranjos
subnacionais, relações intergrupo e padrões de associativismo existentes no país e ressalta que as
associações diferem tanto em termos dos seus aspectos qualitativos quando na forma como agregam
interesses. Isso ressoa nos comportamentos políticos e econômicos e na forma segundo a qual os
interesses locais se conectam aos policymakers centrais. Diferentes contextos industriais supostamente
gozariam de tipos variados de redes e arranjos sociopolíticos que criariam misturas alternativas de
recursos e constrangimentos para os atores econômicos locais mais relevantes, sobretudo managers,
sindicalistas e empresários de empresas locais, que teriam suas escolhas estratégicas diferentemente
modeladas. Assim, defende que há “implicações das diferentes estruturas ou modelos de interação para
a habilidade dos atores em diferentes localidades em compartilhar informação, recursos e formar
alianças em momentos críticos” (Locke, 1995, p.125). Sob o seu ponto de vista, a economia italiana se
10 Tratou-se da oficialização de uma resposta articulada dos atores da região. Como sugeriu Márcia de Paula Leite, “indicava a formação de um arranjo societal plasmado sobre um novo equilíbrio entre os princípios de Estado, sociedade e mercado” (Leite, 2003, p. 199). Já nas palavras de Conceição (1998), esta representava um espaço de debate no qual seus componentes tinham consciência de que, além de discutir políticas nacionais, precisavam discutir seus problemas. Assim, poderiam enfrentar coletivamente os fatores que limitam a competitividade da região e “negociar metas de investimentos, consumo, impostos, relações de trabalho, produtividade”, além de tratar da construção de um planejamento estratégico para o desenvolvimento regional” (Conceição, 1998, p.5). 11 Mark Granovetter – The Strength of Weak Ties (1973).
27
distingue regionalmente segundo padrões de associativismo, representação política e governança
econômica estabelecidos em cada localidade, cada uma testemunhando formas particularmente
distintas de relacionamento entre as grandes empresas e os grupos sociais componentes do seu tecido
social.
Vale a insistência no trabalho do autor, especialmente em se tratando dos casos aos quais
recorre para ilustrar sua tipificação. Comparando duas cidades italianas que abrigam unidades da
indústria automobilística – Turim, com a fábrica da Fiat, e Milão, com a Alfa Romeo – Locke
caracteriza a primeira dessas cidades monoindustriais conforme um modelo de arranjo sociopolítico do
tipo polarizado definido pela presença de um pequeno número de grupos e associações de interesse
paroquiais e pouco aprimorados, geralmente agrupados em campos opostos. No caso da Fiat (“La
mamma” para os residentes locais), o seu desenvolvimento deu-se sob as linhas do fordismo, tendo
efeitos sobre a força de trabalho e sobre os aspectos sociopolíticos de Turim. A cidade foi construída
com uma sociedade composta basicamente por uma burguesia industrial e uma classe operária, com a
economia local historicamente girando ao redor da empresa e a maioria da força de trabalho
empregada na montadora ou em uma de suas numerosas fornecedoras. O desenvolvimento de Turim,
portanto, seguiu um percurso altamente dependente, que impediu a cidade de criar ou preservar
recursos necessários para mediar os tipos de relações de trabalho conflituais característicos do modelo
adotado pela montadora. Com isso, a Fiat manteve uma hegemonia que lhe possibilitou dominar o
governo local, controlar as associações de negócio e culturais locais, e orientar o próprio
desenvolvimento da cidade (Locke, 1995). Conseqüentemente, os grupos de interesse organizados
(como sindicatos, associações de negócio e grupos religiosos) e partidos políticos não se
desenvolveram plenamente. O autor entende que os sindicatos, em particular, historicamente se
comportaram mais como movimentos sociais do que como grupos de interesse, restando à Igreja local
a condição de única instituição autônoma devido ao seu desenvolvimento histórico marcado por um
radicalismo que exacerbou o antagonismo entre trabalho e gerência na Fiat. No modelo polarizado,
associações, movimentos políticos, sociais e empresariais ficam divididos em dois campos fechados
com ligações muito fracas entre si ao passo que se mantêm fortemente vinculados e dependentes do
poder central, especialmente em se tratando de estratégias de desenvolvimento formuladas na esfera
nacional e reproduzidas na escala regional, uma condição que só encontra parâmetros no arranjo
sociopolítico do tipo hierárquico, segundo Locke, onde grupos de interesse são ainda mais numerosos
e há o predomínio de relações estreitamente fragmentadas e hierarquizadas entre os atores sociais.
Na contramão, se coloca um terceiro modelo, o policêntrico, um sistema basicamente
caracterizado pela existência de uma densa rede de associações e grupos de interesses ligados por
28
laços horizontais. Essa definição poderia ser atribuída a Milão, onde sob o seu ponto de vista a
sociedade revelou-se mais complexa e os seus sindicatos sempre foram organizações fortes. A razão
passaria pelo caráter não exclusivo da Alfa Romeo, maior unidade fabril da cidade, e do sindicato dos
metalúrgicos, que ocupa o mesmo grau de importância que sindicatos de setores economicamente
influentes na cidade, como o têxtil e o químico. Em uma cidade ocupada por muitas indústrias,
diversos grupos, organizações e até partidos políticos puderam se tornar “suficientemente fortes e bem
organizados para historicamente servir como mediadores entre trabalhadores e gerência, ajudando a
evitar a repetição de um cenário de soma-zero similar ao existente entre trabalhadores e gerência da
Fiat” (Fumagalli apud Locke, 1995, p. 132). Durante o processo de reestruturação vivido pela Alfa
Romeo, foram estes grupos, organizações e movimentos os responsáveis por organizar “uma série de
seminários e conferências planejados para aproximar sindicalistas, gerentes, políticos e acadêmicos
para discutir diversas questões associadas às transformações em curso na indústria, estimulando a
divisão de informação e desenvolvendo o diálogo entre diferentes grupos” (Locke, 1995, p.132 e 133).
Em outro exemplo acerca do poder de interferência de uma rede sociopolítica composta por
uma vibrante sociedade civil nos rumos do desenvolvimento econômico de uma cidade ou região,
Locke & Jakoby (1997) descrevem o funcionamento do vocational training system – um sistema de
educação técnica oferecido por institutos tecnológicos para qualificar trabalhadores como operadores
em indústrias com alta demanda por pessoal capacitado, como a automobilística, cujo funcionamento
adequado exige a presença de um setor privado dinâmico e de uma bem articulada rede de
organizações e associações, sobretudo câmaras de comércio e sindicatos – em Leipzig e Chemnitz,
cidades alemãs de grande população operária vinculadas a atividades de produção automobilística,
têxtil, química e de equipamentos, as quais sofreram com a desindustrialização depois de 1989,
enfrentando também uma drástica redução do emprego industrial. Após a reunificação da Alemanha,
as duas cidades sucumbiram diante do fechamento de plantas industriais, de uma redução significativa
do trabalho metalúrgico, do subemprego, da migração em massa de trabalhadores em fuga da crise.
Porém, apesar de experimentarem semelhantes políticas de transferência institucional do governo
nacional a fim de recuperar áreas industriais degradadas, as duas cidades responderam de forma
diferente aos projetos institucionais de requalificação da mão-de-obra e de sua reinserção no mercado
de trabalho, com Leipzig apresentando resultados mais satisfatórios por conta de uma maior
cooperação e coordenação entre associações, grupos e firmas locais, bem articulados por uma
reabsorção dessa força-de-trabalho.
No que tange ao caso brasileiro, acreditamos ter perseverado um modelo monoindustrial
ajustado ao arranjo sociopolítico polarizado, o qual estaria na origem de inúmeras cidades industriais
29
planejadas na primeira parte do século XX, cuja formação, apenas para acompanhar o raciocínio
encaminhado por Locke, foi orientada pelo estabelecimento e predomínio de laços verticais muito
mais fortes do que as conexões entre os vários atores locais. Relações verticalizadas, sobretudo entre a
gerência de uma usina e os seus operários são identificadas, por exemplo, em dois trabalhos de Leite
Lopes (1976; 1988) sobre operários têxteis e da produção de açúcar, em cidades do interior do estado
de Pernambuco. Por meio dessas pesquisas, o autor identificou que a unidade e a associatividade
espontânea desses grupos de operários tendeu a ficar comprometida pelo amplo controle exercido
sobre as suas esferas de trabalho e de moradia justamente como forma de impedir qualquer
desenvolvimento ideológico, organizacional e de mecanismos de combatividade no seio dos grupos de
trabalhadores. E em outro estudo clássico, Juarez Brandão Lopes (1967), partindo de um paradigma
weberiano com grande ênfase na dominação de tipo tradicional, descreve a constituição de relações
industriais em duas cidades mineiras, nas quais os desníveis de poder são caracterizados pelo forte
patriarcalismo demonstrado pelas famílias controladoras das empresas sobre o universo dos
trabalhadores.
Esses são apenas alguns dos muitos exemplos que ajudam a confirmar o predomínio de
relações industriais de dominação em diversas cidades brasileiras, padrão que tendeu a se fortalecer a
partir da primeira metade do século XX, quando foram concebidos inúmeros outros projetos
industriais, como a “Cidade dos Motores”, na Baixada Fluminense, contemporânea da CSN e
idealizada pelo Brigadeiro Guedes Muniz para abrigar a Fábrica Nacional de Motores (FNM). Descrita
por Ramalho (1989), ela nasceu justificada pelo anseio brasileiro pela libertação industrial e,
fundamentalmente, pela possibilidade de se tornar uma “escola” para os brasileiros, basicamente a
mesma alegação atribuída à siderúrgica, de modelar um novo trabalhador, disciplinado e adaptado à
nova realidade industrial em implantação, civilizando o não civilizado e saneando áreas tidas como
atrasadas, inabitáveis e sensíveis ao aparecimento de enfermidades. À concepção de desenvolvimento
como progresso e civilização, no caso da FNM, articulou-se outra de dominação patronal e
militarização “conferida a um patrão (no caso, o Brigadeiro Muniz) que se achava diretamente
investido de poderes pelo mais alto mandatário do Estado” (Ramalho, 1989, p.40). A fábrica nascida
para produzir, num primeiro momento, aviões e depois tratores até ser adquirida pela Alfa Romeo,
completa, como nos apresenta o autor, um conjunto de ações e investimentos típicos de uma fase na
qual o Estado brasileiro possuía uma feição empreendedora com forte presença na economia e no
universo das atividades industriais. Esse conjunto foi completado pela Companhia Nacional de Álcalis
(CNA), a antiga Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) (atual Vale) e pela própria CSN, as “empresas
estatais de primeira geração” formadoras do novo “trabalhador brasileiro” e frutos das primeiras
30
incursões do Estado brasileiro na esfera da produção (Ramalho, 1995; Morel, 1989) 12. No entanto,
nada simboliza mais esse padrão empreendedor do Estado brasileiro e de exercício de dominação das
relações industriais e políticas típica de um arranjo sociopolítico polarizado do que a ligação orgânica
construída entre a Companhia Siderúrgica Nacional e Volta Redonda, nos últimos sessenta anos. À
seguir, faremos uma recuperação dessa ligação.
1.2 – CSN-Trabalho-Sindicato: uma revisão dos pilares distintivos de uma cidade
monoindustrial exemplar
Volta Redonda, em sua relação inexoravelmente visceral com a usina, teve um modelo de
desenvolvimento urbano e econômico em muitos aspectos semelhante ao arranjo polarizado atribuído
por Locke a Turim, com o predomínio do poder político local e dos sindicatos exercido pela
Companhia. Por décadas a fio sem sofrer uma significativa oposição dos sindicatos, do governo local,
ou de qualquer outro grupo de interesse ou partido político, tal como aconteceu com a administração
da Fiat, a CSN teve pouca dificuldade em moldar a indústria e o mercado de trabalho da cidade
segundo uma estrutura piramidal altamente integrada, cultivou uma visão extremamente hierárquica e
autoritária do seu papel e exerceu uma combinação de repressão e paternalismo sobre o principal
sindicato local, por anos uma organização fraca (Locke, 1995, p.127). Esse é um entendimento
passível de identificação na tese de Morel (1989) dedicada a descrever o período que se estende da
concepção até a implantação e os primeiros anos de atividade da Companhia, sob o seu ponto de vista
uma siderúrgica singular pela capacidade demonstrada em construir uma cidade, podendo modelá-la
praticamente do zero de forma a setorializá-la e estratificá-la, atribuindo divisões e funções espaciais
específicas, receita não repetida por outras estatais do período, como a Vale do Rio Doce, a qual
encontrou em Itabira (MG) uma cidade já constituída e economicamente decadente, tendo condições
apenas de redefinir sua estrutura urbana e social (Morel, 1994).
A verdade é que existem muitas outras singularidades do par Volta Redonda/CSN que a
produção acadêmica ocupa-se há muito tempo em discutir. Desde o seu nascimento, essa díade inseriu-
se perfeitamente no debate acerca dos temas da relação capital-trabalho no Brasil e da ideologia
modernizadora varguista (incluindo as implicações da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)),
depois complementados por outras problematizações originadas da construção do espaço urbano; da
12 O estudo em que José Ricardo Ramalho descreve uma experiência emblemática desse procedimento civilizatório, bem como a própria descrição empreendida por Regina Morel sobre a CSN, ainda obedecem a esse perfil de reflexões.
31
proeminência do Sindicato dos Metalúrgicos enquanto uma importante referência para as sucessivas
transformações dentro do sindicalismo brasileiro; das razões e efeitos da greve de 1988 e da condução
do processo de privatização. Possível expoente dessa discussão, a tese desenvolvida por Morel (1989)
teve com grande mérito ajudar a delinear o percurso da siderurgia no país até sua conversão naquilo
que chamou de problema de ordem nacional a ser remediado pelo recém-implantado Estado Novo, em
1937. Morel observa que a siderurgia se torna, naquele momento, um setor indispensável à expansão
das ferrovias e da indústria de base e que os empreendimentos já existentes, como a Companhia
Siderúrgica Belgo-Mineira, criada em 1921 a partir incorporação de capitais belgas e luxemburgueses
à antiga Companhia Siderúrgica Mineira (de 1917), eram insuficientes para resolver o problema
colocado pela “grande siderurgia” (Morel, 1989, p.10). Somava-se a isso a decadência das oligarquias
agrário-exportadoras em contraste à expansão de um capitalismo urbano-industrial, a convicção pelo
próprio governo Vargas de que a industrialização passava pela nacionalização das riquezas minerais e
a formação de novos quadros compostos por engenheiros, técnicos e militares simpáticos a um
processo “industrializante e nacionalista”, como o destacado engenheiro e Coronel Edmundo de
Macedo Soares e Silva, um dos grandes defensores da siderurgia pesada e “patrono” de Volta Redonda
(Morel, 1989).
Em conferência proferida no auditório do Ministério da Fazenda, em setembro de 1945, e
reproduzida em artigo13 publicado no mesmo ano, Macedo Soares recupera a história da siderurgia no
Brasil, a gênese da idéia e a execução do projeto CSN, aproveitando para justificar a intervenção do
governo brasileiro numa atividade que, até 1939, contabilizava uma produção média de 114 mil
toneladas de aço proveniente de pequenas usinas com alto-fornos movidos a carvão de madeira. Uma
usina nova e de grande porte não viria para prejudicar o funcionamento dessas instalações, mas para
assumir como perspectiva a fabricação de chapas, grandes perfis e trilhos pesados, que exigiam
vultosos investimentos, impossíveis de serem isoladamente suportados pela iniciativa privada. É nessa
conjuntura que se justifica a construção da CSN a partir de 1941 – e, por conseguinte, de Volta
Redonda – sob a ótica da ideologia de modernização e progresso do governo de Getúlio Vargas – “o
mito de personalidade desenvolvimentista” (Medeiros, 2004) – a fim de cumprir um papel
preponderante na consolidação de um moderno capitalismo no Brasil e na constituição de uma
burguesia industrial urbana. O entorno da usina, concebido e planejado pelo arquiteto Attílio Corrêa
13 Volta Redonda – Gênese da idéia, seu desenvolvimento, projeto, execução e custo. Cel. Edmundo de Macedo Soares e Silva, Imprensa Nacional, 1945.
32
Lima14 de forma a reproduzir na sociedade local o mesmo tipo de estratificação existente na hierarquia
funcional da empresa, foi dividido racionalmente em áreas comerciais, de lazer, de habitação, de
localização das escolas e das Igrejas (Bedê, 2004) e obedeceu também a padrões e formas de controle
e disciplinamento dos trabalhadores para além da fábrica, particularidade do modelo de produção
fordista (Neves & Pedrosa, 2004). Como sugeriu Monteiro (1995), a usina nasceu numa relação
orgânica com a cidade. Construiu-se não apenas uma usina com uma cidade em torno, mas “uma
comunidade de homens movidos pelos ideais da industrialização, do desenvolvimento econômico e da
grandeza do Brasil (...)” (Monteiro, 1995, p.26). Segundo a colocação de Morel (1994), menos de dez
anos após o seu nascimento relacionado à usina, Volta Redonda trocava a condição de pequena
comunidade com cerca de 2.800 pessoas em sua maioria dedicadas a atividades agropastoris para outra
de cidade industrial planejada com mais de 39.000 habitantes.
As razões para que fosse feita uma opção por uma área rural localizada numa antiga região
produtora de café do Médio Paraíba Fluminense foram variadas e por algum tempo alimentaram
discussões entre historiadores que discutem o período. Waldyr Bedê (2004), por exemplo, justifica a
escolha por conta da influência política do então interventor do estado do Rio de Janeiro, Ernani do
Amaral Peixoto, genro do presidente Getúlio Vargas. Fontes & Lamarão (1986), por seu turno,
recordam a criação pelo próprio Vargas, em 1940, da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico
Nacional, responsável por estruturar as bases para o projeto e definir o local a abrigar a nova usina. E
que não apenas a relação pessoal entre Vargas e Amaral Peixoto teria sido decisiva para a opção
assumida a favor de Volta Redonda, mas também a privilegiada localização entre os principais
mercados consumidores do país, o custo dos salários no Médio Paraíba Fluminense, em média 30%
inferiores aos exigidos no Rio de Janeiro, e a possibilidade de contar com os serviços da Estrada de
Ferro Central do Brasil, hipótese corroborada por Macedo Soares (1945) ao mencionar a inclinação do
período getuliano em criar um ambiente favorável à expansão do setor com a ampliação da produção
de carvão extraído em grandes proporções de Santa Catarina.
O engenheiro afirma que, após a instauração de inúmeras comissões no interior do Congresso
Nacional, entre os anos de 1934 e 1937, e discussões envolvendo tanto a imprensa quanto as
associações de engenheiros, foram produzidos diversos relatórios consubstanciando o programa de
fortalecimento da siderurgia. A partir de 1939, após ensaiar uma aproximação com os europeus, o
governo brasileiro passou a negociar com agentes americanos, como a United States Steel
Corporation, uma cooperação para a construção de uma primeira usina a coque do país. Após a recusa
14 Arquiteto, urbanista e paisagista que elaborou os projetos da cidade de Volta Redonda e da Fábrica Nacional de Motores (FNM), na década de 1940.
33
da U.S. Steel em apoiar a construção da usina – segundo Piquet (1998), revelando um enorme
desinteresse por projetos indutores da industrialização brasileira – e a aproximação entre o governo
brasileiro e o grupo alemão Krupp, o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt concordou em
conceder um financiamento no valor de U$S 17 milhões através do Export and Import Bank
(Eximbank) de Washington, desde que com a participação de alguma firma americana no
empreendimento. Segundo o Coronel Macedo Soares, uma “Comissão Conjunta” (da qual foi
presidente) composta por técnicos norte-americanos e engenheiros brasileiros trabalhou entre junho e
outubro de 1939 percorrendo os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa
Catarina a fim de avaliar os suprimentos de matéria-prima, o mercado nacional e as possíveis
localizações da usina. No relatório produzido pela Comissão, recomendou-se a utilização do carvão de
Santa Catarina no alto-forno a ser implantado pela sua alta qualidade, quase comparada ao carvão
importado, e concluiu-se que para a localização do empreendimento dever-se-ia privilegiar a cidade do
Rio de Janeiro, então Distrito Federal, possivelmente em alguma área nas proximidades do atual bairro
de Santa Cruz, considerando-se, além das linhas da E.F.C.B., o aparelhamento marítimo para carga e
descarga de navios, o suprimento adequado de água doce e a presença de terrenos suficientemente
elevados acima do nível do mar (Soares e Silva, 1945, p.11).
Conforme consta na pesquisa produzida por Morel (1989), Volta Redonda tornou-se uma
opção considerando-se os dois tipos de argumentação acima apresentados, o das relações pessoais
entre interventor e presidente quanto à preocupação com o declínio industrial do Rio de Janeiro e os de
ordem técnica e econômica, entre eles a relativa proximidade das fontes de matéria-prima e dos
principais mercados consumidores, existência de terrenos planos, proximidade de rios, estrada de ferro
e de segurança militar, excluindo a sua construção no Distrito Federal, onde ficaria localizada nas
proximidades do porto. Em 1939, o Rio de Janeiro não dispunha de qualquer terreno em condições de
ser aproveitado ao passo que Volta Redonda situava-se entre duas regiões15, juntas responsáveis pelo
consumo de 75% da produção siderúrgica nacional; dispunha de água abundante do rio Paraíba do Sul;
produção local de gêneros alimentícios (leite, carne e produtos agrícolas das fazendas vizinhas);
suprimento de mão-de-obra; energia elétrica fornecida pela Rede Mineira, em vias de passar por Barra
Mansa e suficiente para abastecer uma usina e uma cidade; acesso rápido ao porto de Angra dos Reis e
meios de comunicação bem desenvolvidos com o Rio de Janeiro e São Paulo (Soares e Silva, 1945).
15 1ª região – Caracterizada pelo porto do Rio de Janeiro e pelo sistema ferroviário que servia os estados de Minas, em parte, e os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo: consumo de 30%; 2ª região – Caracterizada pela cidade de São Paulo e pelo sistema ferroviário que servia o estado de mesmo nome, o Triângulo Mineiro, Goiás, Mato Grosso e o norte do Paraná: consumo de 45% (Soares e Silva, 1945).
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Rosélia Piquet (1998), por sua vez, dedica parte da sua descrição das cidades-empresas
exemplares surgidas no país no século XX a defender que a escolha locacional feita a favor de Volta
Redonda foi precedida por um longo debate técnico e político e por uma articulação entre capital
nacional, capital internacional e Estado, durante o Estado Novo. O debate, aparentemente envolvido
por questões de ordem técnica, teria sido, na verdade, capitaneado por “disputas entre frações do
empresariado nacional, firmas estrangeiras e interesses “regionais”, expressos por seus porta-vozes
políticos” (Piquet, 1998, p. 58). Por um lado, o empresariado brasileiro acreditava na possibilidade de
constituir suas próprias usinas, sempre de pequeno porte, em função dos altos custos demandados por
empreendimentos de maior escala, e espalhadas pelo território nacional. Enquanto, por outro lado,
confrontavam-se interesses “regionais”, criando um impasse entre mineiros e paulistas. Os primeiros
sustentavam que Minas oferecia as condições ideais para a instalação de um parque siderúrgico
nacional pelas suas valiosas jazidas de minério de ferro e manganês e pela possibilidade de uso da
Estrada de Ferro Vitória-Minas. Já os segundos sugeriam a instalação no Vale do Paraíba como forma
de atender as necessidades de seu parque industrial em acelerada expansão. Piquet enfatiza que, apesar
do lobby e das interferências políticas, a opção por Volta Redonda foi uma decisão livre e isenta da
Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, levando em consideração os custos de construção
e de obtenção das matérias-primas, a localização atrás da Serra do Mar (um critério de ordem
estratégica de defesa da usina contra ataques militares) e a sua eqüidistância aos três principais centros
de decisão do país.
Inaugurada no dia 12 de outubro de 1946, mas já em funcionamento desde junho daquele
ano, a usina passou por sucessivos estágios de expansão da sua capacidade de produção de aço e
laminados. Como descreve Moreira (2000), a primeira expansão ou Plano B começou a ser delineada
pouco depois da conclusão do projeto original da usina, o Plano A, em 1947. O Plano B nasceu do
reconhecimento da rápida saturação da capacidade máxima de produção programada muito em função
do acelerado crescimento do mercado consumidor interno de aço. A sua execução foi elaborada
durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, prevendo dentre outras incrementações a
construção do alto-forno 2 e de 21 fornos na coqueria, a expansão da capacidade produtiva para 750
mil toneladas/ano de aço e da usina termelétrica de Capivari (SC), de propriedade da Companhia, além
da implantação da Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM), prevista para 1953. O projeto estimado em
U$S 50 milhões, após uma nova negociação com o mesmo Eximbank que ajudou a financiar a
execução do Plano A, contou com um suporte no valor de US$ 25 milhões emprestados pelos norte-
americanos em agosto de 1950 e complementados por recursos do Tesouro Nacional.
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Com base na recuperação de documentos pertencentes ao Arquivo Central da Companhia, a
autora conclui que antes do término das obras de expansão do novo alto-forno realizadas entre 1951 e
1955, a diretoria da CSN já considerava essas como insuficientes e programava estudos para a
execução de outra etapa de ampliação, o Plano C. Estimado em US$ 30, 5 milhões, o Plano mais uma
vez contou com a concessão de créditos do Eximbank, além de financiamentos de particulares e do
governo brasileiro destinados à compra de equipamentos e ao pagamento de serviços importados. Ele
previa, por exemplo, o aumento no número de fornos e na capacidade de produção de coque para 1970
toneladas/dia, a ampliação da mineração em sua mina em Casa de Pedra (MG) e a construção de novas
casas em Volta Redonda. No entanto, Moreira recorda que o Plano C, executado entre 1956 e 1960,
nasceu comprometido pela fixação do preço do aço estabelecida pelo Plano de Metas do governo
Kubitschek e por conta da nova condição da Companhia, forçada pelo governo a subsidiar o
crescimento de outros setores produtivos, a exemplo da indústria automobilística. Embora a produção
e o lucro da Companhia estivessem atingindo níveis recordes quando o Plano foi inaugurado em 1961,
a CSN progressivamente se viu mergulhando numa longa crise provocada pelas decisões equivocadas
do governo federal e agravada pela combinação entre inflação, redução de investimentos públicos e
privados e recessão do mercado do aço, situação que atinge o seu auge no início da década de 1990.
Ainda segundo a autora, aos Planos B e C sucedeu-se outro dividido em três etapas de execução e
resultado de estudos técnicos feitos desde 1962. Inicialmente prevendo o aumento da capacidade de
produção de lingotes de aço de 1,4 para 3,5 milhões de toneladas/ano e com sua implementação sendo
negociada desde o governo do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967), o
chamado Plano D precisou ser revisto por conta da inflação, do controle governamental sobre preços e
investimentos e das resistências do governo federal, julgando como desnecessária uma nova expansão
da Companhia enquanto duas outras siderúrgicas estatais, a Cosipa e a Usiminas, trabalhavam com
capacidade ociosa de produção. A expansão apenas foi executada após a redução da capacidade
produtiva prevista inicialmente e dividiu-se em três fases de implementação, a primeira delas (o
Estágio I) iniciada em 1968 com base em projeto desenvolvido pela empresa norte-americana Arthur
G. McKee e prevendo atingir a capacidade de produzir 1,7 milhão de toneladas/ano de lingotes de aço
a um custo total estimado em US$ 115.946 milhões, sendo US$ 34 milhões financiados pelo
Eximbank, após uma longa negociação com a CSN (Moreira, 2000). A obra foi concluída em 1976 e
imediatamente seguida pela realização do Estágio II, finalizado em 1978 com a construção do terceiro
alto-forno da usina. Pouco depois, iniciou-se o Estágio III, concluído apenas em 1988, quando a usina
foi modernizada a partir da substituição de equipamentos da aciaria e da implantação de mecanismos
de controle da poluição.
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Vinculada à Barra Mansa desde 1832, Volta Redonda permaneceu sob a condição de 8º
distrito de 1926 a 1954 e, passados quase dez anos da inauguração da usina, os tributos arrecadados
com a atividade siderúrgica ainda eram quase na sua totalidade destinados ao distrito-sede da
prefeitura. Fontes & Lamarão (1986) sugerem que, à medida que o núcleo original do antigo distrito
expandia-se, configurava-se também uma crescente mobilização a favor da sua autonomia político-
administrativa, em grande parte encampada por comerciantes e proprietários de terra que
reivindicavam a destinação dos impostos arrecadados para a localidade. O jornalista J. B. de Athayde16
vai mais longe nessa recuperação das origens do projeto emancipacionista, destacando que as
primeiras aspirações de autonomia surgiram em 1874 por ação de negociantes que pleiteavam a
elevação da localidade à condição de freguesia, o equivalente na época à denominação de distrito. E
salvo momentos de rara prosperidade, como a inauguração do trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II
até Barra Mansa, em 1871, com uma estação em Volta Redonda, a região experimentou fases de
dificuldade econômica, especialmente no final do século XIX, motivadas pela crise da lavoura do café
ocasionada pelo fim do regime de trabalho escravo. A inauguração da estação transformou o povoado
de Santo Antonio de Volta Redonda em um entreposto comercial e foi acompanhada em importância
apenas pela implantação de um trecho ferroviário da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas até a
divisa daquele estado, em 1897, que nos anos seguintes serviu de acesso à primeira grande leva de
migrantes mineiros. Estes, divididos entre trabalhadores e fazendeiros, ajudaram a colonizar a região,
adquirindo antigas e decadentes fazendas de café, as quais foram adaptadas, em sua maioria, à
pecuária (Athayde, 2005).
A criação, em 1952, do Centro Cívico Pró-Emancipação, presidido pelo advogado Jamil
Wadih Rizkalla e integrado também por proprietários de terra como Sávio Cotta de Almeida Gama foi
o resultado da maturação de um novo projeto emancipacionista surgido, em 1950, e oficializado em
reunião na loja maçônica Independência e Luz II e na formação da Sociedade Amigos de Volta
Redonda, idealizada por Lucas Evangelista de Oliveira Franco, membro do diretório do Partido Social
Democrático (PSD), sob a proposta de alimentar as “esperanças emancipacionistas” (Costa, 2004,
p.163). O Centro Cívico – reunindo “novos grupos locais emergentes (comerciantes e proprietários de
terra) interessados em manter no local os tributos, absorvidos em grande parte por Barra Mansa”
(Piquet, 1998, p. 67) – recolheu assinaturas e preparou um memorial a ser enviado à Assembléia do
estado do Rio de Janeiro, requerendo a realização de um plebiscito no município. O movimento
16 José Botelho de Athayde foi funcionário da CSN de 1942 até se aposentar e trabalhou no projeto de emancipação como escritor e repórter. Fundou, inclusive, um jornal dedicado à causa, intitulado “Revérbero Autonomista Volta-Redondense” (Athayde, 2005).
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emancipacionista que lutou por dois anos pelo desmembramento de Volta Redonda e Barra Mansa
também contou com uma intensa participação de nomes ligados ao Sindicato dos Metalúrgicos17,
então presidido por Walter Millen da Silva, como Alan Cruz, amigo de Sávio Gama, vinculado ao
Partido Social Democrático (PSD) e primeiro presidente eleito do Sindicato, em 1951 (Monteiro,
1995; Veiga & Fonseca, 1990). Essa ligação, somada ao desejo do PSD em constituir mais um
diretório e disputar a prefeitura e ao da CSN em aumentar sua intervenção e regular os conflitos
trabalhistas favoreceu o processo de condução de Volta Redonda à categoria de município. O
plebiscito foi realizado em 20 de junho de 1954, com 2.809 votos favoráveis à emancipação e 24
contra. E, em 17 de julho, surgiu o projeto de lei 2.185 declarando a criação do município de Volta
Redonda com a eleição de Sávio Cotta de Almeida Gama para prefeito, em 03 de outubro do mesmo
ano (Costa, 2004).
Capítulo importante da história econômica brasileira do século XX, a construção da
Companhia Siderúrgica Nacional, além de fazer de Volta Redonda um novo pólo de desenvolvimento
no estado e de praticamente lhe certificar com o título de município autônomo em 1954, é
constantemente recordada pela sua contribuição com a constituição da moderna “classe trabalhadora”
brasileira e com a consolidação de uma “crença no valor moral do trabalho” capaz de conferir
cidadania e exercer coerção sobre as classes mais populares. Coerção manifestada, segundo Morel
(1994), através de um processo civilizatório capaz de enquadrar esses trabalhadores na empresa, ao
mesmo tempo provocando uma ruptura com a história pessoal anterior desses indivíduos (idem). Na
conjuntura de civilizar, fixar e gerir a força de trabalho, a formação profissional através da sua escola
técnica instalada desde 1944 na praça Pandiá Calógeras foi decisiva para o êxito da estratégia
paternalista, já posta em prática pela Belgo-Mineira, de acelerar a constituição de uma identidade
operária pelas primeiras gerações de trabalhadores e, paralelamente, “reforçar os laços corporativos
entre os trabalhadores e a Companhia e, por extensão, o Estado” (Morel, 1994, p. 65).
O paternalismo introduzido pelo modelo de relacionamento da CSN com o seu trabalhador,
segundo Morel, envolveu a combinação de elementos da patronagem desempenhada pela indústria
siderúrgica na região da Lorena, na França, no final do século XIX (consistindo na transposição de
relações típicas do campo para o mundo industrial ao passo que assegura concessões a demandas e
tradições dos trabalhadores) com o “paternalismo industrial” designado por um tipo de relação de
17Conforme recorda Moreira (2000), o Sindicato dos Metalúrgicos viu no empenho na campanha emancipacionista um caminho para desenvolver suas atividades, travadas pela ausência de uma Junta de Conciliação e Justiça no distrito. Obrigados a recorrer à Junta de Barra Mansa, os dirigente sindicais eram sistematicamente derrotados em suas reivindicações trabalhistas.
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trabalho que recorreu a elementos da estratégia patronal para recrutar, fixar, estabilizar e controlar os
trabalhadores qualificados daquele país e com a concessão de programas de benefícios sociais, como
assistência médica, educacional, recreativa e a construção de moradias, propostas típicas da indústria
siderúrgica norte-americana do início do século XX (Morel, 1989). Num universo de indivíduos
ignorantes, despreparados, de origem rural e sem experiência no trabalho industrial, enquanto “filha”
do Estado Novo, a CSN cumpriu a “função” de contribuir com a constituição de uma moderna nação
industrial (Morel, 1994). O espaço fabril da siderúrgica, mais do que civilizar trabalhadores, superou
em importância instituições como a escola e a família na tarefa de definição da identidade operária
(Pessanha e Morel, 1991). Na prática, como salientaram Veiga & Fonseca (1990), a intervenção da
CSN na vida dos operários deu-se em todos os níveis, incluindo além da formação técnica, “o médico,
o dentista, o disciplinamento do futebol, a briga entre vizinhos... até o policiamento, a ronda da
cidade” (Veiga e Fonseca, 1990, p. 20) 18.
“Seis anos depois de sua inauguração, Volta Redonda já é, portanto, um centro de atividade que transpõe largamente os limites imaginados no momento de sua construção. Ela já não representa apenas a forja em que se transformam os minérios de Minas em lingotes e laminados. É também a forja em que se transforma a mentalidade agrícola e rotineira da economia nacional numa mentalidade industrial e dinâmica, característica das grandes nações modernas” (Volta Redonda – Esperança do Brasil, p. 3 e 4).
Nesse panorama, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada em maio de 1943,
foi um dos instrumentos de formação desse trabalhador industrial que o Estado Novo almejava
construir (French, 2004), desde que avançasse na progressiva substituição do elemento rural pelo
urbano, uma premissa básica da ideologia modernizadora varguista, ainda que a intencionalidade
acerca dos reais propósitos e efeitos da CLT tenha gerado um extenso debate envolvido na relação
dicotômica entre os princípios de “dádiva” e “direito”, até mesmo questionando a fábula do sindicato
“tutelado”. E encontramos na trajetória do Sindicato local, um dos objetos preferenciais da produção
acadêmica sobre a cidade, um representante desse debate. Fundado em Barra Mansa em 1943 por
conta da já existente Siderúrgica Barra Mansa, a Associação Profissional dos Metalúrgicos de Barra
Mansa, com uma diretoria composta por getulistas que participaram posteriormente da fundação do
Partido Social Democrático (PSD), a entidade teve seu nome convertido para Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Barra Mansa em 1946
18 Outros instrumentos eram a hoje inativa Rádio Siderúrgica Nacional e até uma moeda própria – o “boró” – criada para os funcionários fazerem suas compras. (Veiga e Fonseca, 1990).
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(Veiga & Fonseca, 1990) e, em 1947, a sede foi transferida para Volta Redonda, onde funcionou
provisoriamente num barracão da CSN, no bairro Laranjal. Como apontam os estudos de Monteiro
(1995) e Pessanha e Morel (1991), o Sindicato dos Metalúrgicos apresenta três fases distintas que
acompanham as modificações no meio sindical brasileiro. A primeira, no pré-1964, quando se define
como uma entidade colaborativa com o governo e conciliadora na relação capital-trabalho, exercendo
um papel decisivo no disciplinamento da força de trabalho que ingressou na Companhia. De acordo
com esses estudos, desde a eleição da primeira diretoria, em 1951, estabeleceu-se “uma relação quase
institucional entre Sindicato e empresa com freqüentes reuniões de conciliação de interesses, com a
breve substituição da opção pelo entendimento por outra pelo conflito entre os anos de 1984 e 1991”
(Monteiro, 1995, p.23).
O Sindicato, no primeiro desses períodos, é caracterizado como uma entidade comprometida
a agir coerentemente com o padrão de relacionamento capital-trabalho constituído na década de 1950.
Nessa fase, a moral e a “lógica de reciprocidade” e parceria construída entre trabalhadores e
Companhia explica a não realização de sequer uma greve na usina ao longo de todo o período
populista em contraste ao elevado número de paralisações em empresas estatais (cerca de 430 entre
1961 e 1963), no governo de João Goulart, motivadas pela inflação e por confusas e ineficazes
políticas de ajustamento econômico empreendidas pelo governo populista brasileiro (Pessanha e
Morel, 1991; Monteiro, 1995) 19. Ao reforçar a fórmula corporativa, a sua função foi complementar
respectivamente a construção da “família siderúrgica” em andamento com a concessão de benefícios
sociais, como escolas e hospitais aos operários e a “missão civilizatória” de constituição de um Brasil
moderno (Monteiro, 1995, p.30). Apesar da radicalização do ativismo e do aumento das mobilizações
grevistas identificadas entre os anos de 1957 e 1961, segundo Monteiro (1995), através de diretorias
simpáticas ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e diferentemente dos seus pares em outras regiões,
ele não constituía um movimento reivindicativo. Ademais, os trabalhadores da Companhia já haviam
até alcançado conquistas significativas se comparados aos demais operários do país, como o 14º
salário (conhecido como “girafa” em Volta Redonda), a participação nos lucros da empresa e o
reconhecimento do delegado sindical.
O mesmo autor defende que a mudança de postura só seria percebida com a espiral
inflacionária de 1963, a qual corroeu o poder de compra dos salários com uma alta de preços que
atingiu uma taxa de 90%; e favorecida pela curta gestão de João Alves dos Santos Lima Neto,
19 Ou, como apontou Monteiro (1995, p.37), a condição da CSN como empresa pública levou os operários à idéia de que ela é, na verdade, patrimônio comum, concepção que tem sido responsável pela preservação do patrimônio da empresa mesmo durante os conflitos trabalhistas e as greves dos anos 84-91 (p.38).
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sindicalista ligado ao Partido Comunista e à Central Geral dos Trabalhadores (CGT), que revigorou a
mobilização sindical da região até o golpe de 1964 e a invasão do Sindicato pelas forças militares
(Monteiro, 1995, p.42 e 43). O golpe militar apresentar-se-ia para o Sindicato como um primeiro
“divisor de águas” com sua intervenção até 1974 e ocupação por uma diretoria inexpressiva e pouco
comprometida com a participação e mobilização política (Pessanha e Morel, 1991). Essa seria a
segunda fase da ação sindical em Volta Redonda. Em 1968, com o Ato Institucional Número 5, Wilton
de Araújo Maia, que vencera a eleição por uma chapa nacionalista e de “centro”, é destituído da
direção do Sindicato, o qual permanece por cinco anos sob intervenção.
Até 1964 ele era comandado por figuras de esquerda ligados a partidos de esquerda, PC do B e PTB. A repressão que se deu em 1964 no Sindicato dos Metalúrgicos, se deu em função da sua ligação com o João Goulart. Houve a intervenção governamental e o Sindicato só voltou a ter eleições livres em 1973 ou 1974. Teve iniciativas e algumas pequenas eleições, mas só. Até o AI5, até 1968, 1969, houve algumas tentativas de fazer eleição, mas sempre foi a intervenção governamental que comandou aqui. – Vagner Barcelos, ex-sindicalista.
A segunda fase se encerra com o mandato de Waldemar Lustoza Pinto (1974-1983), eleito
numa fase em que a oposição sindical começa a “produzir” as primeiras grande lideranças a nível
nacional, embora o mesmo tenha optado por uma gestão mais afinada com o governo militar. E é na
última fase, entre os anos de 1984 e 1990, que se dá a consolidação de um Sindicato mais combativo,
articulado com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido dos Trabalhadores (PT), a Igreja
Católica e, principalmente, inserido nas questões cotidianas da cidade, essa talvez a grande novidade
apresentada no período encerrado pelo desgaste político do líder Vagner Barcelos, pelas intermináveis
greves que já comprometiam a integridade da usina e pelos rachas e dissidências no interior da
entidade, ameaçando a coesão do movimento.
Constatamos, porém, com nossa revisão bibliográfica que algumas análises às quais serviram
de referência para este trabalho nitidamente recorrem ao caso da Companhia Siderúrgica Nacional
para reforçar a tendência de desconstrução do “mito” de um sindicalismo “tutelado”. A análise de
Mangabeira & Morel (1992), por exemplo, procura demarcar as fases de separação do Sindicato dos
Metalúrgicos entre velho e novo e questiona a tese de que o modelo de um sindicato corporativista
anterior a 1978 criaria impasses para os trabalhadores alcançarem a cidadania. A distinção entre as
duas fases teria como “clarão” a apropriação da CLT pelos trabalhadores. Produzindo uma reflexão a
partir do exemplo dos operários da CSN, as autoras discorrem a respeito da apropriação da justiça do
trabalho pela categoria, sem, no entanto, caírem na armadilha de uma classificação simplista da ação
sindical do pré-1964 como corporativista – fato recorrente. Apesar das disputas internas envolvendo as
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várias tendências, prosseguem as autoras, já na década de 1950, sob influência do Partido Comunista
do Brasil (PCB), o Sindicato abria canais para o encaminhamento de reivindicações e para a conquista
de direitos de cidadania, contrapondo deste modo a concepção de “direito” à noção de “dádiva”
veiculada pela Companhia (Mangabeira & Morel, 1992). Assim, a CLT teria experimentado um efeito
difuso não programado: gerar consciência de classe (French, 2004), resultado este observado entre os
trabalhadores da própria CSN (Mangabeira, 1993, p. 66 e 67) 20. A tênue fronteira entre “dádiva” e
“direito” se fazia perceber pela forma como as reivindicações dos trabalhadores e de um Sindicato que
já ganhava autonomia e reconhecimento se equilibravam entre a preservação e a ampliação de
benefícios concedidos pela empresa (a exemplo da própria “girafa” 21, alvo de diversas intervenções
do Sindicato, procurando influenciar na definição das regras de pagamento do benefício) e as
tentativas de se romper com o “modelo autárquico” de dominação instituído pela Companhia (Morel,
1994, p.74).
Além dos mecanismos de apropriação da CLT, alguns intelectuais brasileiros também
acompanharam a construção das identidades sociais de grupos de trabalhadores, separando e
distinguindo novas e velhas gerações. Pessanha & Morel (1991), por exemplo, assumindo
paralelamente trajetórias individuais e coletivas, compararam a construção dessas identidades partindo
da socialização profissional e da participação sindical, tomando como referência os trabalhadores da
indústria naval de Niterói e do Rio de Janeiro, por um lado, e os da CSN, por outro. Com base na
percepção de experiências concretas em termos de condições particulares de trabalho e de formação da
classe operária, as autoras reconstroem trajetórias de gerações de trabalhadores pelas “fronteiras
simbólicas que distinguem ‘velhos’ e ‘novos’ operários” (Pessanha e Morel, 1991, p.3). Um conflito
geracional observado é antes de tudo um conflito profissional entre um primeiro segmento de
operários pioneiros herdeiros do modelo paternalista originalmente implantado que se sentem
prejudicados e desprestigiados e outro segmento ascendente constituído pela segunda geração de
operários egressos da Escola Técnica Pandiá Calógeras e que ingressam na Companhia na década de
1950 sob os auspícios de um novo modelo organizacional da empresa de grande valorização da
escolaridade e de incentivo à produtividade da força de trabalho pelo reconhecimento profissional e de
20 Morel descreve a acentuação dos conflitos entre chefias e trabalhadores da CSN, já na década de 1950, argumentando que, nesse período, o Sindicato, com a presença atuante de militantes comunistas, ganhou certo reconhecimento por parte dos trabalhadores como canal de expressão de suas reivindicações; estas, respaldadas freqüentemente na CLT, se caracterizavam, grosso modo, por uma luta pela aplicação dos direitos trabalhistas e, neste sentido, se opunham ao domínio arbitrário e autárquico da Companhia. (Morel, 1995, p. 68) 21 A gratificação sob a forma de participação em lucros também conhecida como “girafa” passou a ser distribuída pela Companhia em 1948 e era proporcional aos salários, levando em conta vencimentos, tempo de serviço, assiduidade no exercício e encargo de família (Morel, 1989, p.128).
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dedicação à empresa sob a forma de promoções nos cargos da carreira, prêmios e distinções (Pessanha
e Morel, 1991).
A distinção entre gerações, ao menos no caso da CSN, é elucidativa do seguinte aspecto:
qualquer que fosse a grandeza de um projeto “inovador” de desenvolvimento, na prática, ele não se
manteria sem um elemento justificador que lhe convertesse em algo eminentemente coletivo. Neste
quadro, a tese de Morel (1989) explora, com base em procedimentos da história oral e na reconstrução
da memória social, o período que vai de 1941 a 1960, recuperando depoimentos e experiências da
primeira geração de operários. A CSN, ainda durante a sua fase de construção, já era vista com um
exemplo de implementação de um ideário que conseguia arregimentar massas de trabalhadores (a
população nômade) 22 para trabalhar na construção da usina, pois se respaldava no discurso
legitimador de que todos juntos constituiriam a “família siderúrgica” (Ramalho, 1995; Morel, 1995), o
qual viabilizaria o sonho coletivo de desenvolvimento do país. Esse sentido da expressão “família” foi
incansavelmente utilizado pelo governo Vargas durante o Estado Novo para reforçar tanto a tutela
quanto os laços corporativos entre o Estado e a chamada “classe trabalhadora”. Há de se ter em mente,
no entanto, os diversos sentidos por ela adquiridos em se tratando de Volta Redonda e identificados
por Morel (1989). O mais difundido revela a proposta de dominação, hierarquia, controle, submissão,
com proibições que assegurassem o bom comportamento, a disciplina e o respeito às normas,
garantindo também a manutenção da cooperação no trabalho ao passo, como enfatiza Ramalho (1995),
que aprofunda as relações de classe pelo procedimento de separar bairros (também clubes) e conferir
distinção aos engenheiros diante dos operários. Um dos mais eficientes instrumentos dessa concepção
foi a escola técnica, especialmente com relação aos jovens que nela ingressavam. O outro significado
identificado por Morel apresenta-se diretamente ligado ao controle, mas tem por finalidade “assegurar
um mercado permanente de força de trabalho saudável e produtiva” (Morel, 1989, p.116). A estratégia
para garantir essa força de trabalho foi a prática de recrutamento de parentes por operários mais
antigos, construindo trajetórias familiares completamente atreladas à Companhia e que ajudaram a
imprimir hábitos e estilos de vida laborais à própria cidade ainda em estágio de formação incipiente
(Morel, 1989, p.118). Porém, vale mencionar que a construção dessas famílias inseridas em atividades
profissionais no interior da usina não se limitou à classe operária. Engenheiros e outros técnicos, pais,
filhos e irmãos, alguns com passagem pela Pandiá Calógeras, também tiveram suas trajetórias
modeladas pela relação com a CSN, aspecto bastante comum a muitas das milhares de famílias da
22 Expressão marxiana a qual recorre e usada para caracterizar as levas de indivíduos atraídos pela possibilidade de trabalho, em meados do século XIX (Morel, 1989, p.81).
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cidade até a privatização, em 1993. Presidente do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda
(SENGE-VR), à época do processo, João Thomaz da Costa assim descreve a relevância da Companhia
na vida sua e de seus familiares:
Minha família veio há mais de 50 anos e meu pai trabalhou 35 anos na CSN. E eu fiz 30 anos de CSN agora. Eu vivi todo esse momento da empresa, do crescimento e das transformações políticas, sociais (...). Volta Redonda é uma cidade pequena com 184 km quadrados, emancipada de Barra Mansa. Uma cidade muito nova. (...) O meu pai esteve na ponta por muito tempo. Ele não foi político, foi técnico. Chegou a ser superintendente da usina. Um cargo altíssimo. E ele enfrentou todo esse sistema de transformação. Eu era engenheiro da empresa. Eu e mais quatro irmãos, trabalhando lá dentro. E a gente viu como que foi feito.
A estratégia de usar metodologicamente a história oral, narrativas e reconstrução de
trajetórias para recuperar a memória social aparece também nas descrições posteriores de Mangabeira
(1993) e Veiga & Fonseca (1990) no que toca ao momento de inflexão do grupo da Oposição Sindical
em Volta Redonda, em 1978, nitidamente procurando contrastar um perfil de liderança sindical
“pelega”, representada por Waldemar Lustoza Pinto, com outra, “combativa”, ilustrada por figuras
como José Emídio e José Juarez Antunes, o qual tomaria o poder do Sindicato derrotando os dois
primeiros, iniciando, portanto, uma trajetória política que culminaria com sua eleição para prefeito da
cidade pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e em sua morte em um acidente automobilístico,
no ano de 1988. Integrante de uma heterogênea e cada vez mais organizada Oposição Sindical
composta por militantes de diversas origens e já trabalhando há vinte e seis anos na empresa, Juarez,
como expôs Monteiro (1995), entrou em cena em março de 1980 ao intervir numa Assembléia Geral
Extraordinária para criticar a passividade do Sindicato frente a tutela do Ministério do Trabalho,
tornando-se um nome de peso e reconhecido tanto pela direção vigente do Sindicato quanto pela CSN.
O Juarez era um grande amigo meu. Ele não tinha ideologia nenhuma. Era um cara embirrado com o patrão. Ele morreu com 56 anos. Quando ele é demitido, ele consegue se aposentar. Por que esse grande líder, esse cara talentoso? O Lula tinha inveja dele. O Lula falou comigo. Esse cara é personalista demais. E eu disse: esse cara é um cérebro. Mas por que que esse cara não apareceu no movimento antes? Ele apareceu quatro anos antes. Em 1979, começa o movimento em São Bernardo. E a gente da oposição e com a Ditadura em cima, a gente vai fazer uma assembléia num cinema (...). O Sindicato chamava e ninguém ia. Um dia, o cinema encheu. Na campanha de 1979. Pressão da oposição (...). E aí, líder da oposição tinha o José Emídio, que era da Igreja, e tinha o Vagner Barcelos, que era um menudo, mas que foi levado pelo Dom Waldyr e que era da Pastoral Operária (...). E vão uns dois ou três do Partido Comunista e uns quatro camaradas que eram ícones do movimento. O Juarez não era nada. Aí, aparece um cara que pede pra falar na assembléia e que abafa a assembléia. Que loucura. Parecia que o Lula tinha aparecido ali. Dali pra frente, não deu pra mais ninguém. Ele tinha birra de patrão porque quando ele estava fazendo o terceiro ano de engenharia, tiraram o horário dele e ele não pôde mais terminar o curso. Um dia, ele disse assim na assembléia: a
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defesa de vocês é em meu instinto. (...) O Juarez incorporava o personalismo e o José Emídio e o PT queriam incorporar o colegiado, a democracia (...). – Luiz de Oliveira Rodrigues, ex-sindicalista.
Já Lustoza, sem vínculos políticos e com uma fraca formação político-ideológica adquirida
na comunidade católica de Santo Antonio, presidiu o Sindicato por nove anos, inicialmente com
respaldo da Igreja e de setores mais combativos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Mantendo ligações estreitas com o governo via senador Vasconcellos Torres, sua gestão à frente do
Sindicato burocratizou a entidade ao passo que reforçou o desenvolvimento dos aspectos mais
assistenciais da ação sindical. Alguns autores (Monteiro, 1995; Graciolli, 1997) enxergam na atuação
de uma liderança deficiente de formação política como essa e na falta de uma base de apoio
consistente um atalho para a cooptação governista de forte concepção autoritária e corporativista,
vertical, sustentada pelo imposto sindical e pelo investimento em serviços assistenciais (assistência
médica, odontológica, jurídica etc.), retrato de uma estrutura sindical predominante, sobretudo entre
1968 e 1978. Em Volta Redonda, essa simbiose acabou por se tornar mais aprimorada com a
declaração da cidade como Área de Segurança Nacional, em 29 de maio de 1973, de acordo com o
decreto-lei número 1.273 assinado pelo presidente Emílio Garrastazu Médice (Egalon, 2002). As
Áreas de Segurança Nacional foram instituídas pelo governo federal em 1966 com o Ato Institucional
número 3 (AI-3), mas apenas passou-se a cogitar a cassação da autonomia de Volta Redonda quando
se estabeleceu o Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) pela lei 5.727 de 04 de
novembro de 1971, exigindo estabilidade política para a efetivação da última etapa de expansão da
CSN, o Plano D. Assim, em janeiro de 1973, meses após o médico Nelson dos Santos Gonçalves
(ARENA) ser eleito prefeito, inicia-se uma duradoura intervenção na administração pública municipal,
muito provavelmente motivada pela inflexão dos movimentos de contestação de trabalhadores
assessorados por uma Igreja Católica cada vez mais simpática às demandas populares (idem).
Após a gestão de Lustoza e já com Juarez à frente, o Sindicato dos Metalúrgicos principiou
por angariar o apoio dos operários da região, englobando Volta Redonda, Barra Mansa e Barra do
Piraí, ainda temerosos da violência da repressão imposta pelo Exército, e realizou uma primeira greve
em 1983, na Metalúrgica Barbará23, em Barra Mansa, e, em 1984, a primeira dos operários da CSN em
mais de quarenta anos de existência. Recorrendo ao mesmo raciocínio empregado por Minayo (2004)
em sua extensa pesquisa sobre a antiga Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), poderíamos afirmar
23 A Metalúrgica Barbará foi montada em Caeté (MG), em 1929. Em 1937, foi construída uma unidade em Barra Mansa adquirida, em 2000, pelo grupo francês Saint-Gobain, passando a adotar o nome de Saint-Gobain Canalização (Fonte: http://www.saint-gobain-canalizacao.com.br; www.pt.wikipedia.org).
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que, muito provavelmente, essa greve simbolicamente encerra um ciclo de décadas de predomínio,
dentro da Companhia, de um tipo de relação entre gerentes da empresa e trabalhadores no qual os
conflitos trabalhistas eram absorvidos e naturalizados como parte da cultura da empresa e da
inquestionável vigência de uma “pedagogia que propugna, ideologicamente, interesses coletivos e não
contraditórios entre capital e trabalho” (Minayo, 2004, p.244). Como muito bem salientou a autora,
esse tipo de greve de ruptura, que no caso da CVRD ocorreu somente alguns anos depois, em 1989,
representaria um corte na base da cultura institucional dessas empresas estatais, contrariando definitiva
e respectivamente o modelo “de uma Companhia-mãe dos funcionários; da produtividade como ação
patriótica para o bem do Brasil; e a falácia da identidade de propósitos entre governo, povo e nação
(...)” (idem) 24.
Pois o período que se estende de 1983 (ano de fundação da Central Única dos Trabalhadores
– CUT) até 1986 marca a afirmação política do Sindicato sob a esfera de um “novo sindicalismo” com
alto grau de convocação social e capacidade de mobilização dos trabalhadores em resposta aos anos de
repressão às greves e de cerceamento às liberdades de expressão impostos pela Ditadura Militar.
Aglutinado ao movimento popular, o Sindicato dos Metalúrgicos assume o controle da cidade e passa
a desempenhar um papel de mobilização antes predominantemente exercido pela Cúria Diocesana
(Veiga & Fonseca, 1990). A sua inflexão positiva se faz acompanhar de uma sucessão de greves, a
maior parte pequenas paralisações de até cinco dias reprimidas por forças do Exército enviadas do
extinto 22º Batalhão de Infantaria Motorizada (BIMTz) de Barra Mansa, mas capazes de conferir a
Juarez Antunes, operário da CSN desde a década de 1950, a reputação de ser uma das principais
lideranças sindicais em atividade no país com carisma suficiente para “fazer a ponte entre velhos e
novos sindicalistas em Volta Redonda” (Pessanha e Morel, 1991, p. 17).
Preocupada em oferecer um balanço do “novo sindicalismo” a partir dos trabalhadores de
segunda e terceira gerações, Mangabeira (1993) afirma ser o Sindicato local – pelo seu crescente
radicalismo acompanhado do ineditismo da paralisação da usina no início dos anos 1980 e das reações
de agentes oficiais do Estado – um “caso crítico” desse novo modelo de relações mais democráticas e
legítimas entre a liderança e as bases em oposição ao modelo de “cidadania regulada” de um
sindicalismo populista e burocrático até então vigente. A autora enfatiza a importância das lideranças
24 A última greve na Companhia havia sido registrada em 1945, quando instalou-se uma “ideologia colaboracionista” (Minayo, 2004) entre empresa e trabalhadores, em vigor por mais de quarenta anos. O movimento de oposição ao Sindicato corporativista de Itabira surge em 1982 pelas mãos de um grupo de trabalhadores, em sua maioria técnicos, freqüentadores do Sindicato dos Metalúrgicos de Monlevade. Esse grupo de oposição sindical constitui uma chapa para concorrer às eleições de 1983 do Sindicato Metabase, mas é derrotado, apesar da sua expressiva votação. Em 1986, a oposição constitui uma nova chapa e vence as eleições, assumindo o Sindicato, em dezembro do mesmo ano, na condição de primeira chapa do “novo sindicalismo” na cidade. (Minayo, 2004).
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da Oposição Sindical oficial que conseguiram conquistar o Sindicato; as pressões pelo reconhecimento
pela gerência da empresa das “comissões de fábrica”; a implantação e democratização da Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), em 1985, sob a conjuntura do pós-greve de 1984, e seu uso
pelos “novos sindicalistas” como canal de organização e mobilização dos trabalhadores, geralmente
através das reuniões e cursos que oferecia; a maior recorrência à justiça do trabalho etc. Mas ressalta
ter havido uma acentuação da repressão política e do controle sobre os trabalhadores no ambiente
fabril, a partir de 1987, com a exigência de níveis cada vez mais elevados de produtividade por conta
da caótica situação financeira atravessada pela Companhia e da pressão governamental por eficiência e
resultados. A autora afirma que as condições precárias de trabalho e os equipamentos sem manutenção
adequada começaram a impor sérios riscos à saúde e à integridade dos operários e resultados drásticos
puderam ser percebidos, como um incêndio no alto-forno 3, seguido da morte de duas pessoas, em
novembro de 1988, e uma explosão acompanhada por outras duas mortes, no mês de maio de 1989.
Porém, em sua obra, Mangabeira também identifica os primeiros indícios da fratura
institucional sindical nesse mesmo segmento do “novo sindicalismo”. Grupos de oposição constituídos
dentro da própria direção sindical já vinham sendo afastados desde 1984 – alguns por defenderem a
manutenção de uma política populista e assistencialista, tal como a executada antes da tomada do
poder pelo grupo da Oposição Sindical – e estava em curso um progressivo aprofundamento das
divergências entre as principais lideranças do Sindicato, filiadas a diferentes partidos políticos, como o
PT, o PDT e o PC do B, além da perda da coesão do movimento e do apoio da base operária
insatisfeita após o explosivo confronto de 1988, no interior da usina. Ainda assim, os expoentes desse
“novo sindicalismo” conseguiram vencer as eleições sindicais de 1989 com uma larga margem de
votos (a Chapa Um, da situação, conquistou 85,42% do total contra apenas 7,7% da Chapa Dois, de
oposição, ligada à CGT), dando início à última gestão da CUT antes da privatização.
A essa descrição da crise sindical veio se juntar outra formulada por Pereira (2007), mas
dessa vez recorrendo explicitamente ao recurso metodológico da recuperação das “trajetórias de vida”,
reconstruindo a história pessoal de alguns sindicalistas que se tornaram personagens-chave nos eventos
que se seguiram à transição dos anos 1980 para os 1990, o “racha” no interior do Sindicato e sua
relação direta com a privatização da Companhia. Dentre tais trajetórias, destacam-se a de Luiz de
Oliveira Rodrigues, o Luizinho, e a de Vagner Barcelos, aliados que se tornaram adversários. É o
momento, afirma o autor, de avanço de uma central sindical emergente – a Força Sindical – , tomando
da CUT o controle do Sindicato. Nascida em 1991 por iniciativa de ex-integrantes da Central Geral
dos Trabalhadores (CGT), a Força, pelas palavras de Cardoso (2003), se converteu em um poder
sindical em alternativa à tradição da CUT, substituindo a confrontação com o governo e o capital pela
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via de um discurso afinado com a cooperação e a parceria. Assumindo o controle de sindicatos de
peso, como o dos Metalúrgicos de São Paulo, a nova central manteve um forte alinhamento com o
governo Collor e, posteriormente, com o de Fernando Henrique Cardoso, com apoio aberto às
privatizações e ao conjunto de políticas neoliberais, a exemplo da adoção de uma flexibilidade no
mercado de trabalho através da jornada de trabalho flexível, dos contratos temporários de trabalho, da
demissão temporária etc. (Cardoso, 2003, p.65). Mais do que isso, na análise de Pereira, a Força
sintetiza as transformações em um meio sindical que trocava duas décadas (1970 e 1980) de baixo
nível de desemprego e posicionamento mais combativo, por outra (anos 1990), cujos efeitos da
reestruturação produtiva sobre o mercado de trabalho geravam escassez de emprego e requeriam uma
postura mais cautelosa dos sindicatos, em geral, antecipando a negociação à ação e abrindo brecha às
lideranças e centrais sindicais mais pragmáticas.
É fundamental reforçar que esses estudos analisados enquanto divergem quanto ao seu
conteúdo e forma, convergem ao reconstruir trajetórias sindicais individuais e coletivas. Variam desde
a história de vida de um operário identificado com o projeto modernizador e com a própria
Companhia; passando por trajetórias que vivenciaram a fase de transição para o “novo sindicalismo” 25
e a reforma no interior do Sindicato de Volta Redonda; até a fragmentação deste Sindicato, em parte,
por divergências internas que levaram ao seu controle pela Força Sindical e, em parte, por conjuntura
do processo de privatização da CSN.
A fase que marca a cisão no Sindicato também ocupou o centro das atenções em dois
trabalhos de Edílson José Graciolli (1997 e 2007). Ao descrever a greve de 1988, o autor concebe o
evento não apenas como um simples golpe contra a ação sindical, mas como um dos baluartes do
posterior processo privatizante da CSN. Além dos prejuízos no faturamento por conta da interrupção
na produção, nessa e nas mobilizações anteriores precisou-se sempre negociar com a direção do
Sindicato a não paralisação dos três alto-fornos em funcionamento, responsáveis por transformar o
minério de ferro em gusa, um deles com a capacidade de produzir 8,4 toneladas por dia e dois outros
de 1,5 toneladas cada. Sob o ponto de vista econômico, a paralisação total dos fornos por um único dia
acarretaria no seu esfriamento, exigindo um investimento de milhões de dólares para sua reconstrução,
certamente um prejuízo para a Companhia. Ademais, Juvenal Osório Gomes, seu presidente desde
1985, estimava para cada dia paralisado um prejuízo na ordem de US$ 5 milhões (cerca de Cz$ 2
bilhões) pela não produção do equivalente a 13 mil toneladas de aço, bem como pela interrupção na
25 Mattos (1999) considera ter havido uma supervalorização dos efeitos “positivos” do “novo sindicalismo”, categoria, por sua vez, criada por meio da comparação dos eventos e discursos observados no pós-1978 com as imagens construídas sobre o pré-1964.
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fabricação de folhas-de-flandres usadas em embalagens, o equivalente a 20% da produção total da
usina. A série de paralisações ocorridas entre os anos de 1986 e 1988, sendo a última delas em abril
desse ano, foi basicamente provocada pelo arrocho salarial da categoria e contou com a intervenção de
forças militares sob a alegação da preservação da integridade dos equipamentos e de garantia de
funcionamento da aciaria. Um homem “aflito por passar o bastão” (Lannes, 2001, p.183) e sem forças
para conduzir uma empresa à beira do abismo, Juvenal Osório julgou insustentável a situação de forte
pressão dos trabalhadores e, temendo o fechamento de uma siderúrgica em vias de esgotamento,
demonstrou simpatia à possibilidade já cogitada de Roberto Procópio de Lima Netto, engenheiro e
funcionário do Grupo Monteiro Aranha, assumir a direção da Companhia.
Quando entra o governo Collor, o Juvenal estava doido pra passar o bastão. Ele era, então, um presidente sem forças. As pessoas que foram convidadas para exercer a presidência da empresa não aceitavam. O Juvenal começa a ficar apavorado e vendo que a empresa podia entrar mais no buraco porque ele estava sem força. Nesse meio tempo, ele soube que o Lima Netto havia sido cogitado para assumir a presidência da CSN. Como ele era conhecido do Lima Netto, ele vai e liga pro Lima Netto e o aconselha a assumir. – Sebastião Faria de Souza (Lannes, 2001).
A opção foi concretizada após uma visita do engenheiro à usina acompanhada de uma
exposição sobre o gargalo financeiro atravessado no primeiro ano do governo Collor. Indicado pelo
então secretário de Indústria e Comércio do estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Lopes, Lima Netto
tomou posse em abril de 1990 a partir de um aval do ministro da Infra-estrutura, Ozires Silva, e com o
desafio de ser o “Lee Iacocca brasileiro” 26, o homem capaz de sanear a CSN a fim de iniciar o
encaminhamento do seu processo de venda.
Quanto à greve de novembro de 198827, foi motivada pela defasagem salarial de 26,06%
provocada pelas perdas do Plano Bresser e moveu-se por quatro pontos chaves exigidos pelos
26 “Estou precisando encontrar o Lee Iacocca brasileiro. Você aceita o desafio?”. Essa é uma passagem da conversa que o engenheiro teve com o ministro Ozires Silva durante um jogo de tênis na casa do secretário Rodrigo Lopes (Lima Netto, 1993). Na década de 1980, quando foi presidente da Chrysler, Lido Anthony “Lee” Iacocca salvou a montadora de um prejuízo de milhões de dólares através de um agressivo programa de demissões de trabalhadores e, assim como Lima Netto, relatou em livro sua experiência como superexecutivo. 27 As paralisações ocorridas em Volta Redonda entre os anos de 1984 e 1988 encerram elementos comuns à greve de 1989, na unidade da CVRD, em Itabira (MG). Vocalizada inicialmente pelos Sindicatos Metabase e dos Rodoviários da cidade, o movimento grevista de 3 de abril de 1989, apoiado por 18 sindicatos representativos de outras unidades da Companhia, emergiu contra a proposta de 16,92% de reajuste oferecida pela direção da empresa (mas, ao contrário da CSN, a Vale vinha apresentando um balanço positivo, com lucro médio de 242 milhões de dólares referentes a 1988), contando com a solidariedade de outras associações de trabalhadores, da Igreja, de políticos locais e da sociedade civil de Itabira. A greve foi reprimida com o uso de policiais destacados de um batalhão de Ipatinga, cidade próxima, sob a mesma alegação de preservação do patrimônio e dos equipamentos públicos verificada em Volta Redonda. Durante o policiamento ostensivo nas áreas de mineração da Companhia na cidade, 16 operários ficaram feridos e um foi preso. Em reação, inúmeras entidades da sociedade civil que apoiaram o movimento assinaram uma nota pública pedindo a retirada dos policiais. Ainda segundo Minayo, a origem desse movimento grevista encontra-se na década de 1970, quando foram admitidos técnicos
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operários: a pressão pela reposição dessas perdas, agravada pela decisão das outras siderúrgicas em
conceder o reajuste28; um aumento real de 17,68% sobre a Unidade Referencial de Preços; a
implantação do turno de seis horas29; e a readmissão, conforme a nova Constituição, dos que haviam
sido demitidos desde 1984 em pequenas paralisações (Costa et al., 2001, p.154). Em sua dissertação,
Graciolli (1997) recupera a série de paralisações que se sucederam desde 1985, identificando na greve
geral convocada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), promovida em agosto de 198730, e que
contou com a adesão dos trabalhadores da CSN e da Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM), o que
definiu como a ante-sala do evento de 1988, quando o Sindicato passou a assumir um compromisso
com toda a categoria, não se restringindo unicamente aos operários da Companhia, e a investir na
criação das chamadas comissões de fábrica. Seguiu-se a essa outra paralisação, em janeiro de 1988, de
400 funcionários da Montreal, empreiteira que prestava serviços à Companhia. E, em maio do mesmo
ano, após realizarem uma assembléia, os trabalhadores se concentraram no pátio da Superintendência
de Oficinas Mecânicas (SOM) da usina, paralisando 100% da produção por 65 horas, representando “a
auto-afirmação da categoria, segundo a qual ela obteve o respeito por ter assumido o controle da usina
nos dias de greve” (Graciolli, 1997, p.103). A campanha salarial promovida naquele ano conduziu à
assinatura, em 1º de maio de 1987, de um acordo insuficiente para repor as perdas acumuladas pela
inflação, apesar de ter sido considerado como um dos melhores acordos salariais da Brasil, na época.
Contudo, como afirma o autor, foi através dela que o Sindicato atingiu um novo patamar de
organização que marcou o movimento nos anos subseqüentes, optando por assumir compromissos com
toda a extensão da sua base e não mais com os operários da siderúrgica. Na prática, a greve limitou-se
a uma paralisação de cinco dias na produção da CSN e da FEM, mas rotinizou a realização de
assembléias e reuniões setoriais acompanhadas de um trabalho mais intensivo de organização dos
operários na usina e fez-se acompanhar da greve geral de agosto de 1987, convocada pela CUT e pela
mais conscientes dos seus direitos trabalhistas e, mais importante, sem ligação prévia com a Companhia através de parentes e desprovidos da velha ideologia colaboracionista (Minayo, 2004). 28 O então presidente da Usiminas, Paulino Cícero, foi demitido pelo governo federal após conceder o aumento de 26%. O mesmo aconteceu com o presidente da Açominas. Já a Cosipa foi obrigada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a pagar o reajuste (Lima Netto, 1993). 29 Conquista sindical ainda em vigor, apesar das sucessivas tentativas de conversão para oito horas. 30 A greve geral de protesto de agosto de 1987 foi organizada por CUT e CGT contra o arrocho salarial provocado pela hiperinflação que consumia o poder de compra dos assalariados e contou com a adesão de trabalhadores e dirigentes sindicais de grandes empresas estatais, como a CVRD (Minayo, 2004). Segundo Adalberto Cardoso (2003), com a crise fiscal do Estado, a qualidade dos serviços públicos ficaram bastante degradados e o servidores federais tiveram seu poder de compra corroído em quase 60% entre 1983 e 1989. Isso explicaria as grandes e duradouras greves realizadas em 1987 e 1988 no país e a força dos funcionários públicos federais e dos trabalhadores de empresas estatais (CSN, CVRD etc.) no interior da CUT (Cardoso, 2003, p.36).
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CGT, atendida por Volta Redonda e repreendida pelo Exército com a invasão da usina (Veiga &
Fonseca, 1990).
(...) e o exército entrou na usina debaixo de pedrada. Ele tinha cercado uma turma de mais ou menos 800 operários no pátio do gasômetro. Nós íamos para o alto-forno junto com o Juarez e mais três mil operários para apressar a parada do alto-forno 3; foi quando encontramos com o Exército cercando o grupo de 800 companheiros, impedindo-os de se juntarem a nós. A moçada começou a gritar: - Deixa passar! Deixa passar! Nisso chegaram mais dois caminhões com soldados para tirar a gente dali. (...) (Veiga & Fonseca, 1990, p. 70).
Graciolli (2007) acredita que a morte de três operários, no interior da usina, em confronto
com as forças do Exército, inaugurou o começo da derrocada da ação sindical na cidade, cujo
momento decisivo teria sido a “perda” do Sindicato para a Força Sindical. Os operários Walmir Freitas
Monteiro, de 27 anos, Carlos Augusto Barroso, de 19 anos, e William Fernandes Leite, de 22 anos,
foram mortos, no dia 9 de novembro de 1988, num confronto com os militares na aciaria, que se
estendeu até as ruas do bairro central da Vila Santa Cecília, onde um tumulto envolveu familiares dos
operários e os soldados. Após tentativas frustradas de invasão da usina por toda a madrugada, os
militares finalmente chegaram à aciaria, onde milhares de trabalhadores, segundo noticiou o Jornal do
Brasil (edição de 12/11/1988), se acumulavam constituindo uma “fortaleza de resistência”. As mortes
tiveram repercussão a nível nacional e internacional, com milhares de pessoas acompanhando o
enterro dos operários. Dias depois, quando a paralisação alcançou o seu 23º dia, uma assembléia
reunindo 30 mil pessoas decidiu pelo encerramento da greve com um saldo de três mortos e quase
quarenta feridos. Como conquistas, os operários obtiveram a Unidade de Referência de Preços (URP)
de julho/88 (17,68%), a implantação do turno de seis horas e a reintegração de 117 operários
demitidos em outras paralisações (Graciolli, 1997, p.151). A intervenção do Exército na greve
expressava, segundo o autor, a lógica de colocar o Estado a serviço de interesses particulares
percebidos no interesse do capital privado na estatal do aço. E o abraço à usina, a 21 de novembro de
1988, resume perfeitamente o que entendeu como uma greve com resultados econômicos e,
fundamentalmente, políticos, na qual a intervenção militar – por ele definida como uma manifestação
autocrática da Nova República – foi respondida à altura por meio de uma manifestação cívica,
heterogênea e democrática sob o nome de Frente Sindical-Popular de Volta Redonda, reunindo 60 mil
pessoas ao redor da CSN, uma demonstração do grau de sinergia existente entre trabalhadores e
moradores, em grande parte justificada por relações familiares.
A análise posterior de Graciolli supõe que outra mudança, desta vez de ordem mais global,
teria impactos sem precedentes sobre o sindicalismo nacional e, mais especificamente, o sindicalismo
do Sul Fluminense: a ascensão do neoliberalismo. Em “Privatização da CSN – Da luta de classes à
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parceria” (2007), o autor se questiona a respeito do que teria levado o Sindicato dos Metalúrgicos a
abandonar a CUT, central sindical que ajudou a fundar e a ingressar na Força Sindical. Graciolli
identifica os seguintes problemas, nenhum deles exatamente locais: o próprio “projeto neoliberal”
inaugurado na Era Collor, a reestruturação produtiva e os novos contornos da categoria trabalho.
Posteriormente, Pereira (2007) usa a CSN como um pano de fundo para a disputa sindical e
política em Volta Redonda. Um dos méritos da sua tese é descrever minuciosamente o “racha” dentro
do Sindicato na gestão de Vagner Barcelos de Souza e como isso facilitou a tomada do seu controle
pelo Formigueiro, grupo de cutistas dissidentes comandado por Luizinho, já em tempos de ascensão
da Força Sindical. A origem do nome Formigueiro tem diversas explicações, uma delas relacionando a
proibição de entrada do Sindicato na usina, após a greve geral de 1987, à organização dos
trabalhadores em comissões de fábrica clandestinas, cujos nomes utilizados eram o Formigueiro, o
Botequim de Base, o Trem Fantasma, o Cobra, Areia nos Olhos, Máquina Quebrada e Arrastão (Veiga
& Fonseca, 1990).
Filho de um funcionário demitido da Companhia em 1959, Luiz de Oliveira Rodrigues teve
sua trajetória reconstituída pelo pesquisador. Nascido em Volta Redonda e tendo passado seus
primeiros anos de vida no bairro do Conforto, construído para abrigar os operários menos qualificados
e componentes dos estratos sociais mais baixos da usina, Luizinho, segundo Pereira, teve tanto a sua
formação quanto o início da sua atividade política influenciados pela mudança da família – motivada
pela demissão do pai, então funcionário da Companhia – para a periferia leste da cidade, área limítrofe
entre Barra Mansa e Volta Redonda, rural, carente de infraestrutura e que vinha recebendo milhares de
migrantes. Lá, ele conheceu personagens sindicais do final dos anos 1980, como Luiz Antônio Vieira
Albano, liderança aliada a Juarez Antunes e que atuou como diretor do Sindicato entre 1983 e 1992,
nesse interstício ajudando na criação do Formigueiro. Membro da diretoria do Sindicato e também
aliado de Juarez, Luizinho integrava uma ala mais radical do Sindicato, era ligado ao Movimento de
Emancipação do Proletariado (MEP) e defendia o aprofundamento do movimento sindical, hipótese
descartada por Antunes (Monteiro, 1995). Acabou então demitido da diretoria ao término da greve de
1984, passando a acusar o presidente do Sindicato de “peleguismo” por conclamar os trabalhadores a
encerrarem a paralisação poucos dias depois, temendo a decretação da ilegalidade do movimento pela
justiça do trabalho. Em seu depoimento à nossa pesquisa, o ex-sindicalista faz uma breve recuperação
da sua trajetória na CSN, na Igreja Católica e no Sindicato.
Olha só, eu já participava desde o ano de 1977. Fui vendo a situação durante a Ditadura, onde a CSN era motivo para os prefeitos serem indicados e não eleitos... Ela comandava a cidade. Hospital, tudo
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era com a CSN. Até a polícia. Ela era o grande poder. Área de Segurança Nacional. Entramos nos anos 80 aprendendo a lutar pela democracia. Entrei na CSN já católico. (...) Quando eu saí da Igreja, fui participar do MEP (Movimento pela Emancipação do Proletariado), depois se transformou em MCR. Eu vinha me preparando pra passar pra frente esse movimento. (...) Eu enfrentei muita acusação. Há até pouco tempo, um amigo meu foi conversar com o Dom Waldyr e aí ele falou assim: ah, o Luizinho podia ter evitado o processo de privatização. O Luizinho é sustentado pelo poder econômico. Então, olha o que gera... Um processo contra de ser bôbo ideológico leva a essa interpretação. (...). – Luizinho.
No entender de Pereira (2007), a incorporação do Sindicato pela Força faz de Volta Redonda,
mais uma vez, um caso emblemático na história sindical brasileira. Além da derrota de Barcelos para
Luizinho, o qual contava com todo o aparelho de uma central sindical contrária à política de
enfrentamento tradicionalmente impressa pela CUT em suas ações, o período entre os anos de 1989 e
1992 é marcado por mudanças na direção da Companhia, que teria agora à sua frente o engenheiro
Lima Netto. Segundo o engenheiro, o respeitado, aguerrido e influente líder cutista, aos 34 anos de
idade, era uma ameaça aos planos da Companhia e estariam planejando a derrubada do governo
federal com uma grande greve em Volta Redonda, aproveitando-se da enorme cobertura que a CSN
recebia da mídia na época31. Antes de sua queda, Barcelos foi eleito presidente do Sindicato, em julho
de 1989, pela chapa 1 (Força Socialista), derrotando a chapa 2, ligada à CGT, composta por Luiz
Lopes Neto e diretores afastados entre 1988 e 1989, a chapa 3, de diretores ligados a Waldemar
Lustoza e a chapa 4 da corrente da Causa Operária também ligada à CUT e representada por Carlos
Alexandre Honorato, o “Cerezo” (Pereira, 2007). E sua gestão entraria definitivamente para a memória
do movimento sindical local por marcar o declínio da corrente ligada à CUT depois de nove anos no
poder32, seguindo-se a Era de “sindicatos participacionistas” referenciados na perspectiva
concertacional da Câmara Setorial do Grande ABC33 (Graciolli, 2007).
Sintetizando, a despeito das modificações em termos sindicais apresentadas, os trabalhos de
Graciolli e Pereira igualmente consideram que a CSN continua a se manter como pólo dominante no
que tange à ação sindical e à vida da cidade de Volta Redonda. Mas o mais importante é reconhecer
que esses dois autores marcam a transição de um ciclo de produção intelectual que, nos últimos 20
31 (Lima Netto, 1993). 32 Há evidências apresentadas por Graciolli (2007) de que a própria CUT já se fragmentava desde o III Congresso Nacional da Central Única dos trabalhadores (CONCUT), quando o projeto classista começou a ser abandonado pela entidade. 33 Adalberto Cardoso recorda que as Câmaras Setoriais foram arranjos tripartites construídos durante o governo de Itamar Franco (1992-1994) atendendo a demandas de Vicente Paulo da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ligado à CUT. Segundo o autor, elas marcam uma decisão dessa central sindical de participar pela primeira vez da formulação de políticas públicas internamente ao aparelho estatal, enquanto demandas e temas como a reforma agrária, o compromisso com o FMI e o (não) pagamento da dívida externa praticamente sumiram da agenda cutista durante essa fase. Por outro lado, a Força Sindical teria priorizado não o trabalho interno de elaboração de políticas públicas, mas sim uma postura pragmática de co-participação nos governos (Cordoso, 2003).
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anos, abordou Volta Redonda como um caso emblemático de cidade industrial a ilustrar um projeto
capitalista nacional inspirado na grande indústria para outro, que começa a incluir os efeitos da
globalização, da fragmentação sindical e da descaracterização ou crise da categoria trabalho, da
desconstrução do padrão de regulação fordista-keynesiano, da derrocada do Estado de Bem-Estar
Social e da sociedade salarial ao passo que introduz discussões como a do novo regionalismo, presente
em regiões de perfil industrial submetidas a uma forte redução de investimentos nos últimos anos. A
cidade naturalmente acompanhou as mudanças políticas e econômicas em âmbito nacional e global, e
seu caso pode e deve ser interpretado como efeito dessas mesmas modificações. Além disso, sua
história não termina com a privatização e a crise do Sindicato. Contudo, está explícito no discurso de
velhos e novos militantes que a fase dos anos de 1988 até 1993 foi, decisivamente, marcante. Se um
momento ficou para sempre entranhado na memória social, foi aquele imediatamente posterior à morte
dos operários, mormente o abraço simbólico à usina acompanhado de faixas e cartazes com os dizeres
“A Companhia Siderúrgica é nossa!”, realizado em protesto pela população e julgado como uma real
demonstração de força coletiva34.
Então, era uma coisa assim, bonita, né? Da cidade, o movimento dava conta, da fábrica, os operários davam conta. Então, na Cúria Diocesana, a gente criava uma ligação direta com o Sindicato pra ver o que fazer. Por volta das 3 horas da manhã, veio a notícia de que ia haver uma trégua e que, na parte da manhã, por volta das 7 horas, os operários iam sair da usina, mas que precisava ter gente os vendo saírem, de apoio. O movimento popular. Isso aí é outra coisa a que o movimento depois vai reagir e tal. Aí, o que que a gente faz? O grupo se organiza e, às 7 horas da manhã, nós vamos, no dia 10, receber aqueles companheiros. Aí, é bolado um abraço à usina. E eu também começo a participar. Isso na véspera do abraço à usina, que acontece no dia 11. Parece que era uma sexta-feira. Então, nós tratamos na Cúria de como seria o abraço, as coordenadas, porque era uma extensão assim de uns 40 quilômetros em torno da usina. A ousadia era colocar gente abraçando! Então, tinha que ter uma infraestrutura. E tinha aquilo lá. Então, a primeira estratégia era assim, conseguir o maior número possível de motoqueiros e eles demarcarem pontos de quilômetro a quilômetro da usina. Eles iam fazendo a corrente de ligação. Alguns carros de som iam ficar em lugares estratégicos para dar simbolismo de movimentação, de importância do ato que era para defender a usina. Então, aquilo pareceu uma coisa assim de guerra, né? Aquele operário que estava ali tinha que falar aqui pra família. Então, nós demos as coordenadas e vamos abraçar a usina. Bom, é um sucesso. Mais de 60
34 Em 2002, quando foram completados catorze anos da morte dos sindicalistas, o bispo emérito de Volta Redonda, Dom Waldyr Calheiros, principal interlocutor da população da cidade, escreveu um artigo lembrando o episódio: “Em novembro de 1988, dia nove, os operários da CSN se achavam em greve, comandados pelo Juarez Antunes, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Eles reivindicavam seus direitos: a reposição salarial, o turno de seis horas garantido pela Constituição, e a readmissão dos companheiros, injustamente demitidos da Usina. O crime dos operários foi unicamente lutar pela justiça. A cidade foi invadida pelas tropas comandadas pelo General José Luiz com seus tanques de guerra: urutus, cascavéis (....) Faz-nos lembrar o pesadelo de abril de 64. Simultaneamente, a Polícia Militar do governador Moreira Franco, com bombas de gás lacrimogêneo, lançava-se contra a população solidária com os operários. Foi uma ofensa à nossa cidade, uma violação da cidadania. Deixavam para nós três mártires pela justiça: William, Valmir e Barroso. A morte dos três companheiros não arrefeceu o ânimo dos operários. Em suas assembléias um grito só: "a greve continua... a greve continua..." Só depois, com a assinatura do acordo pela CSN e pelo Sindicato, a greve cessou. O preço foi o sangue dos três operários (....)” – Diário do Vale – 12/10/2002.
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mil pessoas numa tarde (...). Eu me lembro com emoção (choro) desse gesto que oh (...). Estava em jogo a luta da “cidade”. E a cidade estava abatida com as mortes. Eu vi as mortes de perto. Nisso, o movimento também já começa a ser cooptado porque há um racha no Sindicato, na década de 1990. Uma explosão do alto-forno, a morte de Juarez, Wanildo35 que assume, a violência que é forte na cidade (...). E aí, começa (...). Precisa se fortalecer o movimento popular porque o projeto neoliberal, ele faz um insight de Robertão36, que fala em privatizar a CSN. Fala: ‘-Essa cidade (...). O único jeito de pegar essa cidade é privatizar a CSN porque a cidade, assim como a CSN, é nossa.’ Quando acontece o processo de privatização, há muita resistência nossa (...). E não deu certo (a resistência). Porque as disputas eram entre ganhar a prefeitura e ganhar o Sindicato. Porque o projeto já estava articulado quando vem o Lima Netto, na reengenharia da empresa, para poder ganhar o Sindicato, ganhar a prefeitura e ganhar o movimento. - José Maria da Silva, militante do Movimento Ética na Política de Volta Redonda (MEP-VR).
A desestatização da CSN, em especial, teve um valor simbólico para todo um conjunto de
estudos no campo da Sociologia do Trabalho, reforçando o argumento do fim do sindicalismo (pelo
menos aquele de enfrentamento). Autores como Graciolli (2007) acreditam que a globalização e o
vitorioso projeto privatista do Governo Federal – que o secretário do Sindicato dos Metalúrgicos,
Marcelo Felício, definiu como “entreguismo” (Graciolli, 2007) – por conseqüência serviram para
desmobilizar os movimentos sociais locais, fato constatado pela derrota do Fórum de Debates sobre a
Privatização da CSN, constituído em 1990, ainda no fervor do encaminhamento do processo, reunindo
os dois principais sindicatos, o dos Metalúrgicos e o Sindicato dos Engenheiros (SENGE-VR), bem
como associações de moradores, movimentos populares, entidades estudantis, comunidades religiosas
etc. Graciolli sustenta que a privatização definitivamente decretou a derrota dos movimentos populares
os quais, através do fórum, sugeriam como alternativa à privatização “a democratização da gestão da
CSN e o controle do patrimônio público pela sociedade brasileira” (Graciolli, 2007, p. 225 e 226).
1.3 - Contribuições de uma Igreja Católica Progressista
É no papel desempenhado pela Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí, nos últimos
quarenta anos, que encontramos o segundo dos aspectos que contribuíram para particularizar a
trajetória do município. Após o rompimento da CSN com a condição de tutora da cidade a fim de
justificar o plano de expansão, delimitou-se um novo conjunto de estudos possíveis, saindo do círculo
quase restrito de relações que giravam ao redor de um universo fabril centralizado e se transferindo
para os espaços do bairro e da comunidade, que começavam a chamar a atenção pelas identidades não
35 Wanildo de Carvalho (PDT), vice-prefeito que sucedeu José Juarez Antunes, em 1989, e que teve uma administração marcada por denúncias de corrupção. 36 Roberto Cardoso Alves, ministro da Indústria e Comércio (1988-1990) e ex-líder do “Centrão” na Assembléia Constituinte.
55
necessariamente “operárias” que passavam a constituir com o suporte da Igreja Católica. A capacidade
da Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí em aglutinar movimentos ajudou a constituir um dos
veios de análise mais comuns sobre a história de Volta Redonda, aproximando a tese de uma
população politicamente engajada ao caráter formador da Igreja Católica. Criada em dezembro de
1922, a diocese foi transferida de Barra do Piraí para Volta Redonda em 1964 com o suporte da CSN,
também encarregada de oferecer a estrutura necessária para a sua instalação, uma mudança já
programada pelo bispado de Dom Altivo Pacheco (1963-1966), levando em consideração a crescente
centralidade do município na região.
A transferência foi concluída dois anos depois por um novo bispo, o alagoano Dom Waldyr
Calheiros de Novaes. A passagem de Calheiros pela Diocese, onde permaneceu de dezembro de 1966
a novembro de 1999, foi bem explorada por historiadores e sociólogos, que convergem em lhe atribuir
uma parcela considerável do sucesso de um modelo atípico de relacionamento entre Igreja e
comunidades marcado pela implantação de um regime de paróquia única na cidade. A
institucionalização desse modelo sintetiza a proposta de uma Igreja progressista popularizada
especialmente na América Latina e fortalecida após a realização do Concílio Vaticano II (1962-1965)
e da Conferência Latino Americana de Medellin (1968). O produto dessa filosofia foi um maior
compromisso com a evangelização e a organização pastoral e política dos mais desfavorecidos, a qual
encontrou sua expressão mais conhecida, ao menos em Volta Redonda, na experiência denominada de
Comunidade Eclesial de Base (CEB) (Soares, 2001). Na entrevista que serviu de base para o livro de
Costa et al. (2001), o próprio Calheiros, contudo, se antecipa em reconhecer a não singularidade do
modelo de Paróquia Única37 posto que existiam experiências semelhantes em regiões metropolitanas
como a de São Paulo, por ação do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Conquanto seja necessário este
esclarecimento, o modelo com sua proposta de descentralizar as ações da Igreja e conferir maior poder
de autonomia às cento e cinco pequenas comunidades – cada uma delas dispondo de salões para a
realização de assembléias e celebrações, introduzidas na sua área urbana, em geral na parte mais
periférica – estimulou a ação comunitária e a construção de grupos de luta por melhorias nos
equipamentos urbanos, fato reconhecido pelos próprios militantes.
Mais ou menos em 1976 eu comecei a participar das celebrações e das missas na Igreja Católica. Depois, fui chamada a ser catequista. E aí começou a minha estória com a minha entrada no movimento. A Diocese tinha como bispo o Dom Waldyr e a linha dele era essa linha libertadora.
37 A diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí abrange doze municípios (Itatiaia, Resende, Porto Real, Barra Mansa, Barra do Piraí, Piraí, Rio Claro, Mendes, Paulo de Frontin, Quatis, Pinheiral e Volta Redonda). Em todos, com exceção de Volta Redonda, persiste a estrutura paroquial centralizada (Costa et al., 2001).
56
Então, eu entrei nisso aí. Vim de Minas e conheci essa Igreja que tinha como preferência libertar os pobres. Entrei direto na comunidade eclesial de base. E, nesse trabalho, fomos vendo as dificuldades que existiam aqui no nosso bairro. A questão do transporte... Hoje, você olha pra aquele lado e vê tudo habitado, mas era tudo lagoa. Nós tivemos que aterrar tudo. A maioria das ruas não tinha asfalto. Foi a CEB que fez esse trabalho. E através dele nós fomos aprendendo e fomos expandindo. – Maria Cupertino, moradora do bairro Santo Agostinho e liderança do Movimento dos Posseiros Urbanos.
No mesmo depoimento prestado a Costa et al., o bispo define a relação entre Igreja e
movimentos como uma “prática de participação consciente na sociedade” que levou muitos membros
das CEBs a reivindicar por soluções no transporte, na educação, em questões relacionadas ao
fornecimento de água e luz etc. Também recupera o apoio dedicado pelos “populares” de Volta
Redonda tanto à Oposição Sindical quanto ao nascente PT do município a ponto de, pouco depois de
sua fundação, este já lançar um candidato a vereador – produto da ligação direta entre “Igreja-Família-
Bairro-Sindicato”, e que se sagraria vitorioso. Édson Ricardo Sant’Anna, “metalúrgico, membro da
Ação Católica Operária (ACO) e da CEB do Jardim Belmonte, em 1977” (Souza, 1992, p. 153), foi
eleito vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em 1982, com 944 votos, além de ter concorrido
duas vezes a prefeito, a primeira em 1985 (3º lugar com 11.203 votos) e a segunda em 1988 (Costa,
2004).
Pessoas que participavam das CEBs e de organizações de bairro possuíam, em sua maioria,
familiares trabalhando na Companhia e militando no Sindicato. Além disso, por intermédio da mesma
“Igreja Progressista” surgiam, em fins da década de 1970, em Volta Redonda, a Comissão dos
Posseiros Urbanos, o Movimento Comunitário Contra a Violência etc. Nasceram também as primeiras
associações de moradores da cidade e a Comissão dos Direitos Humanos, ambos remetendo à fase
entre os anos de 1977 e 1979 de forte atuação de movimentos de defesa dos direitos humanos, que
organizavam passeatas para reivindicar a estabilização do preço e outras necessidades cotidianas da
população da periferia. Os movimentos para o pão, para a saúde, para o gás, em geral de curta duração,
deram à luz às primeiras associações de moradores, como as dos bairros Belmonte, Siderlândia e
Retiro38, também “alimentadas” pelas comunidades de base, que em seus encontros e celebrações
semanais, colocavam questões relacionadas aos trabalhadores, ao desemprego, aos seus direitos e à
tortura do Regime Militar. As associações de moradores constituídas foram reunidas, em 1983, sob o
leque de uma primeira entidade geral conhecida como Confederação das Associações de Moradores
(CONAM), de postura assumidamente radical e com apoio de partidos como o próprio PT e o PDT.
38 As três primeiras associações de moradores a terem registrado o seu estatuto foram a de Siderlândia, Belmonte e Retiro. São as mais antigas. A nossa associação lá de Siderlândia é bem organizada, tem uma sede histórica e grande. Eu fui presidente por sete anos. – Zeomar Tessaro, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil.
57
A igreja, portanto, vem, desde os anos 1970, se ocupando em dar apoio moral e material,
bem como em organizar e formar novas lideranças, tendo uma atuação decisiva nas mudanças
observadas no Sindicato dos Metalúrgicos nos anos subseqüentes (Monteiro, 1995). Mas essa ligação
entre Igreja e política operária não se manifestou exclusivamente via Comunidades Eclesiais de Base.
A formação de militantes por organizações como a Pastoral Operária, a Ação Católica Operária (ACO)
e a tríade JOC/JUC/JEC39 também contribuiu para estimular a combatividade do Sindicato, que se
transformou em uma estrutura central e proeminente, utilizando-se da sua pujança política e
econômica para se relacionar com os movimentos sociais locais sob a forma de uma relação de
dependência que alternava articulações, mobilizações e também tensões (Santana, 2006). As mais
atuantes lideranças sindicais e de movimentos populares da cidade, especificamente na década de
1980, provenientes, em sua maioria, do trabalho de base da Igreja, cumpriram algum tipo de estágio de
formação em uma dessas organizações ou pastorais antes de ingressarem nos movimentos. Com
exceção de Juarez Antunes, três presidentes, Waldemar Lustoza Pinto, Vagner Barcelos e Luiz de
Oliveira Rodrigues, os quais marcaram a trajetória do Sindicato, foram formados politicamente no
espaço das Comunidades Eclesiais de Base. No caso de Lustoza, sua chapa, vencedora das eleições
sindicais de 1974, contou com grande simpatia do bispo, apoio mantido enquanto permaneceu gerindo
o Sindicato. Outros, inclusive personagens-chave da história sindical da região e do período de
corrosão do Sindicato nos anos 1990, como os irmãos Vagner e Vanderlei Barcelos, o próprio Luiz de
Oliveira Rodrigues (Luizinho) e Luiz Albano, eram provenientes de áreas periféricas carentes de
mínimas condições de vida e que cresceram às margens da cidade planejada. Foram, portanto, alvos
preferenciais da ação político-social dessa Igreja responsável pela formação de lideranças sindicais e
testemunhas da condição de exclusão vivida pela periferia (Pereira, 2007). Vagner e Vanderlei já
atuavam desde muito jovens na pioneira comunidade de base do bairro do Retiro 40 e usaram de sua
experiência de militância influenciada pela Teologia da Libertação para consolidar as comissões de
fábrica e a organização interna dos trabalhadores no interior da usina (Graciolli, 1997). A partir da
intensificação da repressão da CSN, em 1987, meses antes da histórica greve, as seis comissões que
representavam a organização da base informaram, mobilizaram os trabalhadores e canalizaram “a
39 Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e Juventude Estudantil Católica (JEC). 40 A pioneira comunidade de base do bairro Retiro teve sua memória recuperada pela professora Maria Perpétua Bragança, que acompanhou a formação tanto do bairro quanto do primeiro núcleo da Igreja, em 1952. O livreto faz menção à organização da catequese da comunidade por Dona Jandira acompanhada dos filhos Vagner e Vanderlei Barcelos, em 1964 (Bragança, p. 37).
58
rebeldia para um movimento planejado previamente e deliberado com muita estratégia” (Graciolli,
1997, p.118).
José Juarez Antunes, por sua vez, ao mostrar sua disponibilidade para concorrer à
presidência do Sindicato pela Oposição Sindical e uma indisposição em estreitar os canais de
relacionamento entre Sindicato e Igreja, sob a justificativa de defender um sindicalismo laico, acabou
por não receber o apoio nem da Igreja, nem de setores mais à esquerda a ela ligados durante a primeira
fase da vitoriosa campanha sindical de 1983 (Veiga & Fonseca, 1990; Mangabeira, 1993). Conforme
expõe Monteiro (1995), a Oposição Sindical dividia-se entre as chapas 4 – liderada por José Emídio
Barcelos e com amplo e declarado apoio da Igreja, ligado ao movimento popular e com um trabalho de
base e de articulação já consolidado na fábrica – e a 5 – independente e comandada por Antunes, uma
liderança de perfil extremamente populista –, ambas sem uma vinculação partidária e ideológica bem
definida por parte de seus integrantes. Ao término do segundo de uma eleição com três turnos, as duas
chapas da Oposição já haviam ensaiado uma aproximação confirmada no final do terceiro, no qual
Juarez sagrou-se o vencedor com 7.060 votos contra os 1.969 conquistados por João Martins Bahia,
candidato da situação.
1.4 - “Planejamento”, movimento popular e os primeiros conflitos urbanos em uma
cidade de neurose industrial
A literatura sobre Volta Redonda também se propõe, em sua maioria e de forma linear, a
reconstruir o passo a passo da formação simultânea da usina, da cidade e das inúmeras e contraditórias
relações que conduziram a um “caso limite” específico a ser considerado na seqüência da análise.
Nessa relação entre o fato tratado e o percurso que conduziu até sua descoberta, um tema muito
recuperado pela historiografia é o planejamento da “Cidade Operária”, seu simbolismo e sua inovação
em termos de desenho urbano nacional e distintivamente notado na planificação de ruas e bairros,
apoiando-se nada menos do que em recortes arquitetônicos reproduzidos de cidades americanas
(Costa, 1978). O projeto, embora modelado de modo a deixar evidente que havia o percurso “nível
profissional-habitações-classe” (Alves, 2001), foi falho ao não prever ou simplesmente desconsiderar
que conseqüências danosas se seguiriam a sua implantação, tal como fora concebida. Apontando a
forma como os bairros foram se constituindo para receber engenheiros, operários mais e menos
qualificados, além de próprios desempregados, os quais aumentavam proporcionalmente aos
encerramentos das fases de expansão da usina, a bibliografia estrutura uma dualidade entre “novo” e
“velho”, apelidando a área construída para abrigar os funcionários e aquela surgida a partir das
59
primeiras ocupações irregulares de morros e áreas de difícil acesso, como a pioneira localidade de
“Niterói”, bairro notabilizado por abrigar a Igreja de Santo Antônio, reconhecida pelo trabalho pastoral
que desempenha desde os anos 1970.
A cidade, nos estudos sobre Volta Redonda, é olhada como pólo dominado numa “relação
íntima e imediata com a CSN” (Souza, 1992) e, depois, como palco de conflitos que surgem já nos
anos 1970 entre Sindicato, movimentos sociais, prefeitura e a própria empresa. De certa maneira, em
ambos os sentidos, há uma associação entre os temas da construção e apropriação do espaço,
convergindo ao estabelecer um nexo causal entre a opção assumida pela Companhia de direcionar a
maior parcela de seus investimentos para aprimorar a produção e o agravamento do problema da
habitação e do acesso aos equipamentos urbanos (Moreira, 2000), explicando, assim, a origem dos
primeiros movimentos urbanos.
Com as políticas econômico-financeiras implantadas após 1964, afirma Piquet (1998), “as
empresas públicas – notadamente as do setor produtivo – passam a ser regidas por critérios de
eficiência idênticos aos do setor privado, organizando-se sob a forma de conglomerados, maximizando
lucros e exercendo atividades internacionais” (Piquet, 1998, p. 73 e 74). De acordo com a autora, de
1947 a 1967, a Companhia só consegue atender a 41% da sua força de trabalho com a construção de
moradias. As habitações como sugeriu Morel (1994), cujos aluguéis eram a preços abaixo do mercado,
enquanto legitimavam as relações entre Companhia e empregados também eram fonte de um
permanente conflito que se manifestava através da obediência pelos funcionários aos critérios formais
de concessão, por um lado, e da crescente incapacidade da empresa em responder com vigor ao
aumento do déficit de moradias. A autora, ao recuperar depoimentos da primeira geração de operários
como forma de assinalar aquilo que classificou como “níveis distintos de historicidade” (Morel, 1995,
p. 69) estabelecidos pela separação entre marcos oficiais da história da empresa e marcos inscritos na
memória dos aposentados, identifica na transferência dos serviços urbanos para a prefeitura o primeiro
divisor de águas da curta história da cidade. No seu entender, as transformações na esfera da
reprodução foram mais impactantes do que as mudanças a nível fabril na usina. A força de trabalho,
durante essa fase de transição, foi diretamente atingida pela renúncia por parte da empresa a continuar
a cumprir certas “tarefas”, como cuidar das escolas, da saúde e das habitações de seus funcionários.
Mudanças que – complementando o argumento de Piquet (1998) – foram entendidas como necessárias
para garantir a viabilidade de uma Companhia que despendia muitos recursos para garantir a
reprodução dessa força de trabalho à medida que obtinha enormes prejuízos com pouca
competitividade no mercado siderúrgico.
60
O sucesso da siderúrgica, uma empresa que é orgulho para a cidade, está posto em discussão, partindo da própria Companhia a iniciativa de eliminação do primeiro problema – o paternalismo. (...) A conscientização de uma comunidade independente, criando seus próprios valores humanos e culturais, é a nova perspectiva de Volta Redonda, uma cidade de neurose industrial que passou a viver sem o paternalismo da Companhia Siderúrgica Nacional, atualmente preocupada apenas com os impulsos de seu plano de expansão. A interferência da CSN na população começou com a sua criação, em 1941, mas há dez anos a empresa planejou a independência, que surgiu com o abandono dos serviços de infraestrutura de sua área de ocupação e que está sendo consumado com a venda de todo o imóvel destinado à fixação de seus empregados. (...) A eliminação do paternalismo não deve ter agradado à Prefeitura de Volta Redonda, que ganhou de volta a missão de cuidar da infraestrutura da cidade, onde, com ajuda da empresa siderúrgica, 90% da população já é atendida com o sistema de água encanada e 60% possui rede coletora de esgotos. Segundo os assessores do prefeito Nelson Gonçalves, apenas os bairros de Dom Bosco e parte do Retiro não contam com total atendimento de infraestrutura, inclusive sistema de águas pluviais e pavimentação de ruas, que abrange metade da população (Jornal do Brasil - 13/04/1974).
O problema habitacional só tendeu a se agravar com a atração de migrantes pelas firmas de
construção civil. Com a reduzida oferta de casas pela CSN e a desmobilização de milhares de
operários pouco qualificados com o término das obras de construção civil no final da década de 1940,
começa a surgir outra Volta Redonda, do outro lado do rio Paraíba do Sul, a “cidade velha”, pobre,
sem planejamento, desvinculada da usina, com habitações precárias e de crescimento “autônomo” aos
interesses da Companhia, habitada por trabalhadores dispensados pela CSN e por pequenos
comerciantes (Fontes & Lamarão, 1986).
A emancipação acelera a liberação da Companhia dos gastos com infraestrutura que, até
então, incluíam os serviços urbanos de utilidade pública, como policiamento, bombeiros, transportes
coletivos, conservação de estradas, parques e ruas e a limpeza urbana (Morel, 1994). Fontes &
Lamarão (1986) observam que o desligamento de Barra Mansa conduzido pelo Centro Cívico Pró-
Emancipação em nenhum momento contrastou com os interesses da Companhia. A formação de uma
nova municipalidade era um primeiro passo rumo ao desprendimento da Companhia da obrigação de
garantir a manutenção da sua força de trabalho ao contrário dos primeiros anos da década de 1940,
quando o capital investido na construção da usina precisava ter garantias de que seria compensado pela
capacidade do Estado brasileiro em fixar trabalhadores numa região de pleno vazio demográfico,
imobilizando também parte desse contingente pela sua qualificação e reaproveitamento no processo
siderúrgico (Fontes & Lamarão, 1986). Por sua vez, Veiga & Fonseca (1990) recordam que a
manutenção do paternalismo da empresa depois da emancipação do município, em 1954, deu-se
através de um convênio assinado com a prefeitura, no qual trocava a obrigatoriedade do pagamento de
impostos devidos pela prestação de serviços de poda de árvores, pintura das casas, fornecimento de
água, etc. Mas o fato é que de 1961 a 1963, afirma Morel, cai o número de habitações erguidas pela
61
CSN (apenas 465 casas) e, em 1964, a Companhia definitivamente entrega o seu patrimônio urbano de
uso coletivo – ruas, praças, serviços urbanos – à Prefeitura Municipal e cria uma subsidiária, a
Imobiliária Santa Cecília (Cecisa) com a finalidade de assumir as atividades acessórias da CSN ligadas
ao seu patrimônio imobiliário e de dar continuidade à política de construção de casas para
empregados, focando os operários de baixa renda, que passam a ser alocados em conjuntos
habitacionais de baixa qualidade e longe da usina, como os conjuntos Siderópolis e Casa de Pedra.
Usando como referência a interferência da Companhia na construção do espaço urbano, Rosélia Piquet
(1998) demarca as três principais fases da relação cidade/empresa em Volta Redonda:
- o período da implantação, quando são simultaneamente construídos a usina e o patrimônio urbano que lhe serve de apoio (vilas residenciais, escolas, hospitais), entre os anos 1941-1946; - o segundo período, caracterizado pelo controle e centralização desse patrimônio pela CSN, quando todos os encargos referentes aos equipamentos e serviços urbanos – água, esgoto, construção e manutenção de casas, limpeza urbana, luz, telefone – são diretamente mantidos pela Companhia. Nessa fase, surge paralelamente à área urbana planejada, uma “cidade livre” que abriga não só grande parte dos operários menos qualificados da própria Companhia, como a população que para lá se dirige em busca de ocupação; - o terceiro período, que se configura a partir do final dos anos 1960, quando a relação direta usina-vila operária se desfaz. É criada uma companhia imobiliária encarregada da venda das casas, e novas formas de segregação no espaço são introduzidas. (Piquet, 1998, p.62).
Em sua pesquisa, Souza (1992) já observava a limitação dos primeiros trabalhos que
enfocavam o “urbano” de Volta Redonda, considerando basicamente as características da “Cidade
Operária”, o contexto político de sua implantação e os aspectos físico-urbanísticos nele implicados.
Tentando ampliar o campo, propõe-se a “apontar os elementos constitutivos da identidade do lugar,
indagando a respeito das possibilidades de autonomização do urbano numa cidade tão marcada pela
intervenção do poder central” (Idem, 1992, p. 8). Pesquisas semelhantes ajudam a contestar o mito do
espaço urbano bem planejado e dão voz a uma cidade que crescia à sombra da Companhia. Essa
cidade começa a ter sua própria história reconhecida quando os impactos da “omissão” e da falta de
programas, já a partir da década de 1970, fazem desse espaço um primeiro tipo de “laboratório” para
os conflitos urbanos que ganharão dimensões maiores nos anos 1980, especialmente através do
Movimento dos Posseiros Urbanos, cuja premissa é o descompasso entre a modernização da
Companhia, que incluía uma série de etapas de expansão, e a ampliação e manutenção de
equipamentos urbanos.
62
E aqui em Volta Redonda teve uma época, entre 1979 e 1980 de muita ocupação por causa da expansão da CSN. Ela ia buscar as pessoas em Minas... Vinham só os homens, sem família e ficavam em alojamento. Depois que terminou a expansão, esse pessoal ficou abandonado e sem saber pra onde ir. Então, houve muita ocupação. Já existiam algumas, mas houve ocupações em áreas públicas, em áreas particulares. Aqui no Santo Agostinho, nós temos doze áreas de posse. Nós ‘fizemos’ uma luta muito grande. E, nessa luta, fomos ‘fazendo’ um aprendizado. Na marra! Foi numa época em que a gente lutava na questão da CSN pelo Sindicato, né. A gente conseguiu, num trabalho nosso de base, ganhar o Sindicato, que era o Juarez Antunes na época. Depois, conseguimos fazer a primeira parada na CSN. Porque foram as CEBs que fizeram. Sem a gente eles não conseguiriam. Nós íamos pra porta da CSN e não deixávamos os caras (trabalhadores) saírem de lá. A gente saía coletando comida. Cada dia era uma Igreja que preparava. E levava essa comida. Quer dizer, nós tivemos uma mistura no movimento que a gente participava praticamente de todos ao mesmo tempo. Muitos trabalhadores da CSN, quando a gente tinha problemas, eles vinham. E muitos posseiros participavam das lutas dos trabalhadores da CSN. Então, a gente fez uma mistura. E, nessa mistura, a gente ‘fez’ esse grande aprendizado. – Maria Cupertino.
O crescimento desordenado da cidade com a ocupação de áreas pertencentes à própria
empresa, bem como as disputas em torno da propriedade desses terrenos serão fontes de numerosos
conflitos. Subentendem-se em alguns trabalhos (Alves, 2001; Fernandes, 2001) os impactos da
passagem da administração dos serviços urbanos para a prefeitura municipal, em 1967, doze anos após
sua emancipação de Barra Mansa. Sem deixar de mencionar, conforme salienta Moreira (2000), que a
renúncia à condição de Company-town acarretou em significativos custos financeiros à CSN. A
Companhia viu serem encerradas pela Prefeitura as isenções fiscais de que gozava, sendo obrigada a
pagar cerca 78 milhões de Cruzeiros em impostos, possivelmente demarcando uma primeira crise de
expressão na história do seu relacionamento com o Poder Público municipal.
De acordo com Alkindar Costa (1978), conhecido historiador local, a progressiva
desfiguração da condição de company-town ao menos não foi tão impactante, pois a cidade já contava
com uma incipiente estrutura administrativa, erguida ainda na gestão do seu primeiro prefeito, Sávio
Cotta de Almeida Gama. Alguns observadores, como o jornalista J.B. de Athayde (2005) 41, atribuem
a Sávio Cotta a consolidação da emancipação político-administrativa do ex-distrito; a resolução de
questões de limites com os municípios vizinhos; a realização dos primeiros estudos para a construção
de um viaduto sobre as linhas férreas da Estrada de Ferro Central do Brasil (E.F.C.B.); a criação de
uma fundação para assistir crianças órfãs e desvalidas; a aquisição da fazenda Santa Cecília do Ingá, a
fim de instalar um horto florestal e preservar as nascentes que nela se encontravam para garantir o
abastecimento d’água da cidade; a construção de redes elétricas em bairros como Retiro, São Lucas,
Eucaliptal, Jardim Brasil, Voldac e Vila Americana; e a criação de escolas de ensino primário. Gama
41 Fonte: http://www.jbdeathayde.com.br/historia.asp
63
também teria sido um grande proprietário de terras na cidade e criado inúmeros loteamentos
imobiliários enquanto ocupou a prefeitura, como os bairros do Açude, Aterrado, Coqueiros e Vila
Brasília, todos surgidos entre as décadas de 1950 e 1960 em áreas pertencentes ao ex-prefeito (Veiga
& Fonseca, 1990; Fontes & Lamarão, 1986).
Durante o seu governo, construiu-se o Palácio 17 de Julho, sede do Executivo, e foram
realizadas obras, instalações e o aperfeiçoamento do funcionalismo público. Em 1964, o então prefeito
estruturou uma série de autarquias municipais, como a Companhia de Habitação de Volta Redonda
(COHAB-VR) e o Serviço de Águas e Esgotos (SAAE) – este último destacado pela sua eficiência e por
atender 98% de residências com água encanada42. Dados da própria prefeitura apontam que o
problema da habitação, na década de 1960, assolava uma população que já alcançava a casa dos
88.740 habitantes43, praticamente o dobro dos 35.965 da década de 195044. A COHAB representava,
portanto, um esforço público no sentido de tentar frear a expansão das ocupações irregulares e a
favelização em si, que só se agravariam ao longo das décadas de 1970 e 1980. A incapacidade de
conter o ritmo das ocupações com uma política habitacional consistente provocou a redução no
fornecimento de habitações, subvertendo a função da autarquia, convertida em administradora de
pagamento de prestações das habitações já adquiridas.
A COHAB é uma companhia, uma S.A. de 1964. O pessoal do início do Plano Nacional de Habitação Popular do BNH (...). Um plano que a COHAB não consegue executar posteriormente. Ela não acompanhou o processo. Na verdade, ela não foi um grande instrumento pra atender as sucessivas demandas criadas pela expansão da CSN. Essas sucessivas expansões geraram um mercado imobiliário, uma pressão que acabou sendo resolvida pela própria CSN, que tinha uma companhia chamada Cecisa. A maior parte dos bairros dela foi construída por ela. Siderópolis, Jardim Primavera, Casa de Pedra, tudo era a Cecisa que fazia. Mas ela atendia a um pessoal de uma faixa, um pessoal estável, operário que tinha certa renda e tudo mais. Mas a baixa renda, que era um fenômeno urbano novo em Volta Redonda e que ocupava favela, que ocupava morro, que invadia área institucional da prefeitura e tudo mais, isso aí a Cecisa não tinha nem embocadura para atender. – Lincoln Botelho da Cunha.
É preciso considerar que, desde os anos de 1943 e 1944, como apontaram alguns autores
(Veiga & Fonseca, 1990; Fontes & Lamarão, 1986), se constituem as primeiras ocupações, como o
Morro dos Atrevidos e a favela do morro de São Carlos, compostos por parte significativa dos
42 Além dos serviços de habitação e abastecimento, há na cidade autarquias de transportes (SUSER), educação (Fundação Beatriz Gama) etc. 43 Em 1970 – 125.295 hab.; 1980 – 183.641 hab.; 1990 – 220.097 hab. (Fonte: Escola Nacional de Serviços Urbanos – ENSUR/ Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM – Curso de Desenvolvimento Local Sustentado – O Caso de Volta Redonda, 1999). 44 Fonte: Prefeitura Municipal de Volta Redonda (Documento do FURBAN).
64
trabalhadores que atuaram na construção da usina, dispensados ao término dos serviços e
permanecendo às margens do mercado de trabalho local sem qualquer reaproveitamento na produção
do aço. O contingente de trabalhadores empregados nessa fase apresenta variações entre o início e o
final da década. Ao passo que Fontes & Lamarão (1986) estimam em 11 mil o número de
trabalhadores, Piquet (1998) sugere que, em 1941, quando foi iniciada a construção da usina, cerca de
762 trabalhadores foram empregados e, em 1942, com o início da obra das vilas residenciais e da área
comercial da cidade, esse número saltou respectivamente para 6.164 e para 13.000, no ano de 194445.
A atração em massa de migrantes se tornou uma constante e não cessou quando, em junho de 1946, o
General Sylvio Raulino de Oliveira, presidente da CSN, acendeu o 1º alto-forno. Em 1949, iniciaram-
se os preparativos para a elevação da produção através da execução do Plano B de expansão e, anos
depois, foram atraídos cerca de 19 mil trabalhadores da construção civil requeridos durante o Plano D.
Esse plano veio acompanhado da redução dos investimentos da Companhia em habitações e
equipamentos urbanos e gerou um crescimento populacional exponencial, promovendo um verdadeiro
caos urbano no município, na primeira metade dos anos 198046. Somente a construção do alto-forno 3
acabou atraindo cerca de 30 mil trabalhadores da construção civil para Volta Redonda e esses,
desempregados ao término das obras, começaram a ocupar terras públicas, causando um sério
problema de infraestrutura e saneamento. Alguns esforços realizados posteriormente, como a
construção de 3.583 residências pelo prefeito Benevenuto dos Santos Neto (1982-1986) 47 não tiveram
grandes resultados e o número de ocupações na cidade continuou em franca progressão (Souza, 1992).
(...) Volta Redonda foi importante pra industrialização brasileira. O bônus da industrialização foi pro Brasil todo, incluindo Volta Redonda, que tem um desenvolvimento problemático, mas tem. Agora, o ônus estava no município. O ônus da industrialização bancado pela siderúrgica. Por exemplo, a parte mais visível desse ônus era uma estrutura urbana extremamente precarizada, desorganizada. Era um município pequeno que tinha, na época, mais de 80 áreas de posse, áreas de favela etc. E isso tinha sido causado pelos processos de expansão da siderúrgica. Expansão não planejada. Essa expansão atraía massas de trabalhadores, o processo acabava e não havia nenhum tipo de estudo de impacto e de reposicionamento e as pessoas ficavam por lá. Política pública quem fazia era a CSN, quando estava interessada em se expandir e atingir os níveis de produção que ela queria e depois a cidade que se danasse. E se danava mesmo. Então, o impacto urbano dos três estágios de expansão foi terrível. Durante a expansão se absorvia trabalhadores e quando terminava eles eram liberados e iam buscar a
45 O Coronel Edmundo de Macedo Soares e Silva, ao destacar o papel dos engenheiros na construção da CSN, revelou, em conferência pronunciada na Escola de Minas de Ouro Preto, em outubro de 1944, que a obra chegou a reunir 120 engenheiros, inúmeros desenhistas e mais de 16.000 homens trabalhando em Volta Redonda, e 11 engenheiros e 3.000 homens em Santa Catarina (Soares e Silva, 1945). 46 Segundo Morel & Mangabeira (1992), somente o terceiro estágio do Plano D, com a finalidade de operar a modernização tecnológica da planta, atraiu 12.000 trabalhadores de empreiteiras para dentro da usina. 47 “Da periferia para o Centro – Justiça Social” – obra que ficou conhecida como conjunto Santa Cruz (Egalon, 2002, p.134).
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sua sobrevivência na periferia, nas áreas desassistidas. Enfim, o processo de favelização tem a ver com a CSN. – Emmanuel Paiva de Andrade, ex-secretário de Planejamento de Volta Redonda.
As levas de trabalhadores aumentaram consideravelmente a pressão sobre as ocupações
irregulares e a responsabilidade da prefeitura em assegurar a infraestrutura urbana necessária. Embora
incapaz de suprir a demanda por habitações, a prefeitura municipal se preocupou ao menos em
elaborar mecanismos que reorientassem a cidade em termos urbanísticos. O principal desses
instrumentos sem dúvida foi o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU), implantado a
partir do governo de Georges Leonardos, em 1977, mas concebido durante o governo de Nelson dos
Santos Gonçalves com a aprovação da lei municipal número 1.411, a mesma que definiu o primeiro
Plano Diretor que não incluía Barra Mansa, embora estivesse igualmente centralizado na expansão da
CSN, como o seu anterior de 1942. Não prevendo que a cidade tivesse inclinação para outras
atividades econômicas, o chamado Plano Estrutural de Desenvolvimento Integrado (PEDI) foi
confeccionado pelo escritório do arquiteto Harry Cole com a proposta de expandir a capacidade
produtiva da CSN de 1.400 milhões de toneladas de aço por ano para 4.500 milhões de toneladas com
base na ampliação da usina para os bairros do Aterrado, Aeroclube, Barreira Cravo, Santo Agostinho e
Vila Rica48. Considerado arrojado para a sua época, o PEDI era composto por cinco leis e foi inspirado
em projetos executados com sucesso em Curitiba. Seu objetivo era instrumentalizar o poder público
para que este pudesse controlar e promover o desenvolvimento físico-urbanístico municipal e
consolidar Volta Redonda como pólo industrial da região, estimulando a criação de um Centro de
Comércio e Serviços de Caráter Regional – CECOR (Jornal Aqui – 30/10/2004). O IPPU, por seu
turno, surge com a finalidade de supervisionar a implantação e a revisão do plano. Mas sua história
também resume um pouco o que foi a intervenção da prefeitura na política urbana de Volta Redonda,
nos últimos quarenta anos. Intervenção esta só verificada com maior afinco a partir da completa
renúncia da empresa em se manter como fonte de alimentação da dinâmica urbana em fases
subseqüentes às expansões da usina. Além disso, o instituto resultou do empenho dos arquitetos
Lincoln Botelho da Cunha e Ronaldo Alves, este último atual diretor do Sindicato das Indústrias
Metalúrgicas, Automotivas, de Informática e de Material Eletro-Eletrônico do Médio Paraíba e Sul
Fluminense (MetalSul). Formado pela Universidade de Brasília (UNB), Alves foi aluno do também
arquiteto Jaime Lerner, criador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC),
principal referência para o projeto implementado na cidade. Chegou a Volta Redonda nos anos 1970
48 Fonte: Escola Nacional de Serviços Urbanos – ENSUR/ Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM – Curso de Desenvolvimento Local Sustentado – O Caso de Volta Redonda, p. 13, 1999.
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como representante da Companhia Brasileira de Projetos Industriais (COBRAPI) 49, subsidiárias da
CSN, para participar do grupo de trabalho constituído pela Câmara Municipal para dar o parecer sobre
o plano diretor.
Foi quando foi parar lá em Brasília o grupo do Jaime Lerner, que havia criado o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Que é a referência para o IPPU. O Jaime foi nosso professor nos dois últimos anos, até a nossa formatura. O nosso contato com ele nos deu a visão de poder criar em Volta Redonda um processo análogo ao que Curitiba vivenciou. Curitiba estava no início desse processo. Quando eu tive a oportunidade de participar de um grupo de trabalho constituído pela Câmara de Volta Redonda para dar parecer a um plano diretor novo (...). Ele foi elaborado em 1974, 1975 e em 1975, 1976 ele foi submetido à aprovação da Câmara. E eu vim como um dos representantes da CSN, através da subsidiária de projetos, que era a COBRAPI. Eu fui indicado como membro representante. Era uma comissão multidisciplinar. Tinha representantes da classe produtiva, da classe social. A Câmara montou uma composição interessante. Mas sem essa idéia de participativo. O plano diretor foi elaborado por uma equipe de consultoria. Na década de 1970 ainda prevaleciam os escritórios de consultoria que vendiam planejamento urbano para os municípios. Ainda não existia um conceito de desenvolvimento próprio, que a gente buscou depois com a criação do IPPU. No momento em que se tinha um plano diretor criado por uma equipe que veio do Rio, do escritório do Harry Cole (...). Ele fez um plano chamado Plano Estrutural de Desenvolvimento Integrado (PEDI-VR). – Ronaldo Alves, arquiteto e diretor do MetalSul.
O arquiteto destaca o período entre 1977 e 1985 como aquele em que a cidade melhor foi
pensada, quando o IPPU exerceu com eficiência sua função de planejador, negociando com as
comunidades organizadas e combatendo o ascendente conflito social que ele atribui à Igreja Católica,
às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e aos movimentos sociais, em especial o Movimento dos
Posseiros Urbanos. Apesar do seu desenvolvimento acelerado, a cidade atravessou um período de
recessão, no final da década de 1970, provocado pela crise econômica da siderúrgica, que não havia
ainda conseguido completar o seu último estágio de expansão e encontrava dificuldades para colocar
seus produtos no mercado interno (Jornal do Brasil – 27/03/1983).
Uma das propostas que nasceram dentro do IPPU foi o acompanhamento do processo de ocupação violento da cidade que houve em função da expansão da CSN na década de 1970 e que chegou até o início de 1980. E isso gerou desemprego. Acabou a expansão, acabou a obra e o pessoal que veio do interior e que caiu em massa aqui teve que (...). Por volta de 1978, 1979, existiam 16 mil empregados diretos da CSN e 19 mil de empreiteiras fazendo obras. Tinha mais gente de empreiteiras fazendo obra do que operando a usina. Todo mundo de fora. Como tá acontecendo em Itaguaí. Se a prefeitura não estudar, o reflexo que vai dar isso daqui a dois anos na cidade (...). Ocupação, invasão (...). Porque hoje, você tem alojamentos que abrigam essa turma. Quando eles saem do alojamento e vão pra rua, eles vão invadir áreas da cidade, áreas públicas de preferência. E foi o processo que
49 A COBRAPI foi formada em 1963 com a finalidade de trabalhar em engenharia de projetos, estimular o uso da tecnologia nacional, bem como a produção de bens de capital (Moreira, 2000).
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aconteceu aqui. Na década de 1980, a cidade estava inchada de famílias que não quiseram ir embora. Acabou o emprego, eles quiseram ficar aqui. O processo natural de saída do rural para o urbano. A necessidade da fixação deles aqui foi enorme. Então, eles aprenderam a invadir áreas públicas, áreas que eram previstas, equipamentos urbanos, praças etc., loteamentos que não foram plenamente implantados, encostas, áreas verdes de loteamentos que sobraram. Você vê as encostas, é como no Rio, áreas que não têm donos, entre aspas. Esse processo de ocupação gerou um conflito social muito grande. O município ficava entre punir a ocupação irregular ou reconhecer a posse. Foi aí que nós do instituto começamos a desenvolver uma proposta através da negociação com as comunidades organizadas, a Igreja entrou (...). As CEBs e outros movimentos sociais que começavam a se desenvolver nessa época geravam um conflito com o governo. Iam à porta da prefeitura, faziam barulho, não sei o quê (...). Pra poderem as pessoas ocupar aquelas áreas e serem reconhecidas. O movimento dos posseiros surge nesse momento, de 1981 em diante. - Ronaldo Alves.
A lei que criava o IPPU foi sancionada pelo Executivo, em outubro de 1976, e o instituto
entrou em vigor em fevereiro de 1977, finalizando uma década que, na opinião de Ronaldo Alves, foi
“a mais promissora da cidade” (Jornal do Brasil – 27/03/1983). A sua implantação também respondia
aos anseios de uma cidade “que não se preparou para livrar-se da total dependência econômica em
relação à CSN”, segundo atestou o presidente do Sindicato dos Economistas, William Keler, na
mesma edição do jornal, observando a queda do poder aquisitivo da população, a queda da receita
tributária, a demissão de 38 engenheiros e 89 operários de diversas categorias que trabalhavam na área
de expansão e, finalmente, a redução em 50% nas vendas do comércio em relação ao mesmo período
no ano de 1982 (Jornal do Brasil – 27/03/1983). As dificuldades enfrentadas pela Companhia,
agravadas por uma crise mundial do aço, geraram cerca de cinco mil demissões em 1983 com seus
efeitos sendo irradiados para o conjunto de pequenas e médias indústrias, em geral constituídas nos
anos 1970 a fim de fornecer eixos, cilindros e outras peças de manutenção para a usina. Essas
empresas demitiram influenciadas pela retração na demanda dos produtos siderúrgicos, contribuindo,
segundo números apresentados pelo jornal O Globo (edição de 08/05/1983) para elevar a 8 mil o
número de operários desempregados (em um total estimado de 40 mil), restringindo também o campo
de possibilidades de jovens recém-saídos da Escola Técnica e das universidades locais de ingressarem
especialmente na CSN.
Mas a origem do IPPU se confundia também com a expansão das ocupações e dava-se numa
conjuntura extremamente favorável à difusão do movimento popular pela periferia ou não-cidade,
época em que a Igreja Católica desempenhava com excelência seu papel de formadora de militantes.
Essas razões elucidam a constituição do Movimento de Posseiros Urbanos, o qual se esboça ainda na
década de 1970, se consolidando definitivamente em 1981 (Souza, 1992). Mais incisivo dos
movimentos, o Posseiros teve sua atuação ligeiramente secundarizada pela repercussão alcançada
pelas greves e mobilizações do importante movimento sindical da região. Contanto, a despeito de
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coincidir com a inflexão positiva do Sindicato dos Metalúrgicos, que realizara sua primeira paralisação
na Companhia em 1984, e com a conjuntura política nacional da campanha pelas Diretas Já ocupando
o centro do debate nacional, o movimento atuava com força junto à Câmara Municipal e ao IPPU,
pressionando pela aprovação de uma lei que legalizasse as inúmeras áreas de posse e criasse uma
espécie de fundo com participação de representantes dessas mesmas áreas (12% da população,
segundo dados da própria prefeitura) para decidir sobre a condução dos futuros investimentos em
infraestrutura urbana na cidade.
Volta Redonda cria a lei mais expressiva de baixo pra cima: a Lei dos Posseiros Urbanos. A comissão do movimento dos posseiros era tão avançada que consegue um embate político para salvar uma realidade social (...). Na década de 1980, o boom de expansão da usina provoca uma vinda (...). As empreiteiras vão trazendo gente, botando gente para trabalhar, os projetos de expansão vão se encerrando e os empreiteiros vão pra onde? Vão ocupar os morros. (...) – José Maria da Silva.
A lei municipal 2086/85, mais conhecida como lei dos Posseiros Urbanos, aprovada em
agosto de 1986, é ainda hoje classificada como a mais significativa conquista de um movimento
popular em Volta Redonda, salvo as vitórias sindicais, e garantidora do “direito de acesso à terra, à
participação na discussão, elaboração e implantação de projetos de urbanização e infraestrutura de
definições de prioridades” 50. A lei abriu caminho para a incorporação de seguimentos desse
movimento popular (incluindo as associações de moradores) pela administração municipal, nos anos
posteriores, processo muitas vezes interpretado pelos próprios militantes como de “cooptação” e
desenhado de forma paralela aos confrontos entre Sindicato e CSN. Significa afirmar que a lei acelera
a configuração de novos contornos na relação entre o poder público e segmentos mais politicamente
orientados da comunidade, intensificando o diálogo entre a prefeitura e sociedade civil. Esse cenário
começa a se desenhar com mais clareza a partir da eleição de Marino Clinger de Toledo Neto (PDT)
para um mandato tampão, em 1985. Médico católico com forte inserção em áreas carentes do
município, sobretudo aquelas onde o Movimento dos Posseiros Urbanos e as associações de
moradores se mostravam mais atuantes, um dos fundadores do PDT de Volta Redonda e candidato
preferido por Leonel Brizola, Clinger é até hoje o vereador mais votado da história do município (em
1982). Sua eleição com 37.846 votos (36,8% do total) 51 interrompeu um período de mais de dez anos
sem voto direto para prefeito, desde que o município foi decretado como Área de Segurança Nacional,
situação que experimentou de 1973 até 15 de novembro de 1985.
50 Fonte: Prefeitura Municipal de Volta Redonda (Documento do FURBAN). 51 Jornal do Brasil – 18/11/1985.
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Em uma cidade de grande população operária, já convivendo com algumas mobilizações
urbanas e sentindo os efeitos da transferência da administração do patrimônio urbano da CSN para a
prefeitura, a conversão em Área de Segurança Nacional pareceu uma resposta militar ao temor pela
perda da ordem, às ameaças ao patrimônio da usina e uma forma de assegurar o comprometimento
com a execução dos projetos delineados para a siderúrgica (Egalon, 2002). Contudo, a primeira
indicação a prefeito aconteceu somente quatro anos depois, em fevereiro de 1977, quando o
engenheiro metalúrgico, professor da Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda
(EEIMVR)52 e ex-presidente da COBRAPI, Georges Leonardos53, foi escolhido, sucedendo-se a ele
depois o coronel Aluízio de Campos Costa (20 de abril de 1979 a 20 de abril de 1982), William de
Freitas (22 a 28 de abril de 1982) e o professor Benevenuto dos Santos Neto (27 de abril de 1982 a 31
de dezembro de 1985) (Egalon, 2002, p.125).
Ao término da intervenção, Clinger elegeu-se prefeito diretamente por voto popular,
estabelecendo um intenso diálogo com as associações de moradores e favorecido pela insatisfação
popular com a forma autoritária segundo a qual o Poder Público se relacionou com as organizações
populares, nessa e em outras cidades do país, no curso dos anos anteriores. Explorando também a
enorme popularidade do governador Leonel Brizola (1983-1987) – com o PDT conquistando 40% dos
votos em todo o estado frente a outros 18 partidos que apresentaram candidatos – Clinger elegeu-se
com 37% dos votos, enquanto o PT, por exemplo, terminava apenas em nono lugar nas eleições locais
(Mangabeira, 1993).
(...) Comecei a carreira política em 1982, candidatando-me a vereador. Dos 50 candidatos que podíamos lançar, tivemos 23. Consegui ser eleito com votação muito expressiva: tive 6.988 votos em um colégio eleitoral de cerca de 90 mil eleitores. (...) Administrei Volta Redonda em um período muito difícil e ainda tive a dificuldade extra de ter sido eleito para um mandato-tampão de três anos.
52 Fundada em 1960 dentro do programa governamental “A Universidade do Trabalho” como forma de estabelecer escolas de nível superior em áreas industriais relevantes. A EEIMVR é uma das unidades avançadas da Universidade Federal Fluminense (UFF) no interior do estado do Rio de Janeiro. Fonte: http://www.eeimvr.uff.br/historiapg.htm 53Em entrevista, Leonardos justificou o que definiu como “um modelo diferente de escolha do administrador”, urgente para uma cidade em situação econômica caótica: “Não se pensava em segurança por segurança, pensava-se em segurança para garantir o desenvolvimento. Volta Redonda estava muito vulnerável. A situação econômica do município, no que tange a prefeitura, era caótica. Havia problemas de restos a pagar; problema de falta de pagamento a fornecedores; comprometimento, de longo prazo, com obras que foram feitas e não foram pagas; empréstimos vultosos que foram contratados a juros absurdos. Tudo isso veio a prejudicar o desempenho de vários prefeitos, até os que me sucederam. (...) O problema era econômico, mas havia um problema social sério sim, que era o problema habitacional, porque nós estávamos no intervalo entre o Estágio II de expansão da CSN, onde foram feitas vultosas obras, e o Estágio III. Havia um desemprego monumental naquela época. Eram empreiteiras que vieram de fora para fazer grandes obras e, de repente, acaba tudo. Isso causou favelamento, criminalidade, coisas desse tipo. (...) nós não podemos falar que houve uma intervenção propriamente dita em Volta Redonda. A palavra intervenção foi colocada à época e vige até hoje por uma questão política. Não houve uma intervenção. Houve apenas um modelo de escolha do administrador, diferente.” (Entrevista com Georges Leonardos apud Egalon, 2002).
70
A cidade não tinha tantas fontes de recursos quanto tem hoje e havia uma demanda reprimida de reivindicações populares, porque os prefeitos anteriores, nomeados pelo governo federal, não tinham compromisso eleitoral com a população. Quando surgiu um prefeito eleito, as reivindicações apareceram todas de uma vez. Enfrentei três greves de servidores, havia pedidos os mais diversos da comunidade. Mesmo assim, conseguimos fazer muita coisa, como contenções de encostas, urbanização de núcleos de posse, melhorias em distribuição de água e iluminação pública para a periferia, e a criação do FURBAN. Em convênios com as prefeituras de Barra Mansa e de Barra do Piraí garanti o fornecimento de água pelo SAE à Periferia Leste e ao Complexo da Califórnia. (...) Elegi meu sucessor, Juarez Antunes, que infelizmente morreu 51 dias após a posse. Em 1990, fui eleito deputado federal e, depois, fui subsecretário de Agricultura e Desenvolvimento do Interior, subsecretário de Governo e coordenador das Ciretrans-Detran no governo Garotinho. (...) Sou católico praticante e freqüento as comunidades do Espírito Santo, no Jardim Amália, onde moro, e no bairro São João, onde morei durante muito tempo. Além disso, sou fundador do Rotary Club Volta Redonda Leste e instituidor da UNIFOA54. (Foco Regional – 79 – 15 a 21 de outubro de 2002)
Estimulada pelo processo de redemocratização, a cidade, a exemplo de muitas outras,
constituiu o seu Comitê Municipal Pró-Constituinte (ou Comitê Popular Constituinte) com a
composição de associações de moradores, sindicatos e CEB’s para promover a discussão e
mobilização em torno das Constituições federal e estadual. Os principais articuladores do movimento
em Volta Redonda foram o padre Normando Cayovette, fortemente envolvido com as comunidades de
base, a militante do Movimento de Mulheres, Glória Amorim, e o metalúrgico José Maria da Silva. O
Comitê mantinha estreita ligação com a proposta do Movimento Constituinte Fluminense (MFC),
coordenado por Dom Mauro Morelli. Faziam parte ainda do cadastro da organização da comissão do
movimento cerca de oitenta e cinco associações de moradores e amigos de bairro da cidade, e o
Conselho das Associações de Moradores (CONAM). Padre operário55 canadense, Cayovette descreve
com clareza o canal constituído, do final dos anos 1970 ao início dos anos 1980, entre movimento
sindical, comunidades de base, movimentos populares de reivindicação por melhores condições de
vida, associações de moradores como a do Belmonte e o Movimento pela Constituinte do qual foi um
dos principais incentivadores.
Eu cheguei aqui no Brasil em 1964. Passei um ano em Brasília e assim que foi liberado o meu visto permanente, eu vim pra cá porque me liguei a um padre francês da missão de França (...). E comecei a trabalhar numa empresa que estava construindo uma ponte e um viaduto. Trabalhei no canteiro de obras. Então, como trabalhador manual, eu entrei no movimento de comunidade de base, que estava
54 Centro Universitário de Volta Redonda. 55Os padres operários, notadamente os franceses, constituíam uma ala mais à esquerda da Igreja Católica de forte resistência à opressão da Ditadura, e muitos se mudaram para a cidade e ingressaram como operários na CSN. Alguns acabaram envolvidos em polêmicas, como o diácono Guy Michel Camille Thibaut que, juntamente com dois membros da Juventude Diocesana Católica (JUDICA) e um seminarista, tornou-se notório pelo famoso episódio descrito por Dom Waldyr: “um passeio pelo bairro do Retiro numa Kombi até começarem a jogar panfletos de indignação contra a situação social que dominava, sobretudo, Volta Redonda” (Costa et al., 2001, p. 93).
71
começando na época. Trabalhava de dia e à noite tinha as reuniões dos chamados grupos de base. Esses grupos de base foram um pouco como a matriz de tudo o que veio depois. Inclusive, uma retomada do Sindicato dos Metalúrgicos foi feita a partir de pessoas que estavam comprometidas e engajadas com as comunidades de base e na ACO, que também começou nessa época, no final dos anos 1970. Aí, nos anos de 1977, 1978 e 1979, o que mais se viu por aqui foi movimentos populares de defesa dos direitos humanos, tivemos passeatas em Volta Redonda reunindo 2 mil, 3 mil pessoas pra reivindicar, por exemplo, a estabilização do preço do pão, outra vez foi com relação ao gás de cozinha... Necessidades cotidianas do povo da periferia. E isso deu também à luz às primeiras associações de moradores. Uma das primeiras a do Jardim Belmonte. Nasceram dentro das comunidades, foram alimentadas pelas comunidades. O mesmo pessoal que participava dos movimentos eram pessoas de comunidades que faziam dos encontros, praticamente toda semana, ou nas celebrações, um espaço onde a realidade do povo estava sendo colocada. Então, o pessoal se acostumou a falar do trabalhador, dos seus problemas, falar do desemprego, dos direitos do trabalhador, falar de tortura. (...) Quando o Sindicato caiu nas mãos do Juarez, todo o aparato que estava nas mãos do poder dominante passa a fazer assembléias de 5, 10, 15 mil pessoas. Começou o movimento grevista também. (...) Isso foi crescendo e a organização sindical também se firmou e o movimento apoiando, apoiando até chegar a primeira reunião grande em São Paulo de preparação da Constituinte, que foi em 1985, se não me engano. Nessa reunião, tinham 300 mil pessoas. Foi calculado. Foi na praça da Sé. – Padre Normando Cayovette.
Às associações juntaram-se dois importantes sindicatos de trabalhadores, o dos Metalúrgicos,
que renascia desde o final da década de 1970, e o dos Trabalhadores da Construção Civil, além de
doze associações de classe (como as ACIAPs de Volta Redonda e Barra Mansa, além da Associação
dos Engenheiros de Volta Redonda), uma autarquia municipal (Fundação Beatriz Gama), duas lojas
maçônicas, Diocese de Volta Redonda, Pastoral Operária, sete clubes e associações esportivas e outros
onze sindicatos locais (incluindo o dos Engenheiros), Associação Igreja Metodista, duas unidades do
Lions, a Escola Técnica Pandiá Calógeras, a Associação de Aposentados do Banco do Brasil e o
Conselho para o Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraíba, Mantiqueira e Litoral Norte
(CODIVAP)56. No dia 26 de agosto de 1985, um total de setenta pessoas de diversas entidades de
Volta Redonda compareceram a uma reunião na Cúria Diocesana para discutir a criação de uma
equipe pró-constituinte; a criação de um serviço de informação e assessoria com plantão todos os dias
na Cúria; e a aprovação de uma “proposta de articulação regional”57.
Quando, em junho de 1988, no último ano do governo Clinger, há uma acentuação do debate
sobre o projeto de Constituição, um seminário no auditório Petrônio Portella, no Congresso Nacional,
56 Fundado em dezembro de 1970 (Abrúcio, 2001), o CODIVAP é um dos mais antigos consórcios regionais em atividade no país. Inicialmente, era composto pelos municípios do Vale do Paraíba paulista, passando a incluir, em 1980, quatro municípios do Litoral Norte (Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião) e depois Santa Isabel, Salesópolis e Guararema. O seu primeiro presidente foi Paulo Egydio Martins, ex-ministro de Indústria e Comércio no governo Médice, que depois deixou o cargo para assumir o governo do estado de São Paulo. Atualmente, a sigla CODIVAP significa Consórcio de Desenvolvimento do Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Litoral Norte. Ele é presidido por Carlos Antonio Vilela, prefeito de Caçapava, e é composto por quarenta e quatro municípios paulistas. Fonte: http://www.codivap.org.br/index.php. 57 Fonte: documento do movimento, p. 8.
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por iniciativa da Plenária Nacional Pró-Participação Popular na Constituinte, reuniu cerca de
seiscentas pessoas de 280 entidades populares e sindicais do país. Segundo o folhetim Boletim
Diocesano, publicado pela Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí, a cidade enviou doze
representantes58 para o evento através do seu Comitê Municipal Pró-Constituinte. Cinco meses depois,
com o andamento favorável da proposta da Constituição, o Comitê começava a se articular em torno
de uma Constituinte Municipal estruturada na Câmara dos Vereadores, passo inicial rumo à aprovação
imediata de uma nova Lei Orgânica para o município, que abriria a possibilidade de se iniciar a
confecção de um primeiro plano diretor desvinculado da CSN.
O Comitê instalado dentro da Câmara Municipal realizava reuniões semanais para discutir a
elaboração da Lei Orgânica do Município e contava com seguimentos de um movimento popular em
ebulição. Enquanto isso, do lado de fora da Câmara não era a nova Lei Orgânica que ocupava os
principais noticiários nacionais. A greve de 1988 na Companhia ocultava o andamento do processo,
cabendo à Frente Popular-Sindical organizar manifestações de solidariedade, resultando no “Abraço à
Usina”, em 21 de novembro de 1988, dois dias antes do término de uma greve de vinte e três dias, até
então a mais longa da história da Companhia. A Frente Popular-Sindical foi produto de um acúmulo
de experiências (Graciolli, 1997, p.155) de organização que vinha em processo desde a greve de 1984,
quando familiares de operários, o Sindicato e movimentos sociais da cidade criaram um instrumento
supra-sindical de apoio às greves na usina. Na ocasião, a paralisação ocorrida em junho daquele ano
marcou o desmoronamento da “apregoada passividade da família siderúrgica” (Graciolli, 1997, p. 81)
com uma greve de ocupação (idem, p.82) de cinco dias por 22 mil homens sem qualquer dano para o
patrimônio da empresa. De acordo com Graciolli (1997), a repressão militar acompanhada da morte
dos operários ampliou o significado do evento, que deixou de ser uma manifestação da categoria dos
metalúrgicos e se converteu “na luta do povo de Volta Redonda e de partidos políticos como o PT e o
PDT, com repercussão nas eleições municipais que se dariam em 15 de novembro de mesmo ano
(Graciolli, 1997, p.140)”.
A eleição de José Juarez Antunes para prefeito pelo PDT com cinqüenta mil votos (60 % do
total) não foi obviamente conseqüência apenas dos eventos ocorridos seis dias antes. Á frente do
Sindicato há cinco anos e exercendo mandato de deputado federal, Antunes já liderava as pesquisas
com 32% das preferências contra 22% do médico Nélson dos Santos Gonçalves Filho (coligação PFL-
PMDB) e 10% do deputado estadual Antonio (Francisco) Neto (PL) antes da morte dos operários59. A
58 José Canuto, Glória Amorim, Maurício, Nílson, Ana Angélica, Serqueira, Inês, Conceição, Luizinho, Davi, Maria das Graças e Normando (Fonte: Boletim Diocesano – Junho de 1988). 59 Jornal do Vale – Sem data.
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sua candidatura vinha se desenhando dentro de um forte envolvimento da ala progressista da Igreja
Católica, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) 60 e de diversas outras entidades que ajudaram a
compor a Frente Popular-Sindical. A opção de Juarez pelo PDT, segundo Mangabeira (1993), deveu-
se às cisões e divergências entre facções de esquerda que ocorriam no PT de Volta Redonda, levando,
no início de 1986, os líderes sindicais a se dividirem em diferentes linhas partidárias. O sindicalista e
outros cinco diretores da CUT acabaram rompendo com o PT local e entrando no PDT. Embora não
fosse o candidato da preferência do então prefeito e presidente do diretório do PDT em Volta
Redonda, Marino Clinger, ele teve sua candidatura confirmada pela alta popularidade que desfrutava
entre as bases do partido. Em entrevista ao Jornal do Vale, após o início da greve na usina, Antunes
defendia a liberação pelo governo federal dos 26,06% a título de resíduo do Plano Bresser como forma
de encerrar o movimento e acreditava na impossibilidade de medidas antidemocráticas como a
repressão dos cerca de 2 mil homens parados no interior da usina pelas forças do Exército. A ameaça
que acabou se concretizando de ocupação pelos militares faria do governo federal o seu maior cabo
eleitoral, aumentando consideravelmente a sua margem de vitória à medida que esse se demonstrava
inábil em negociar com os operários (idem).
De acordo com Graciolli (1997), a vitória de Juarez, então com 53 anos de idade, além da
eleição de sete vereadores pelo PDT e três pelo PT em um total de 21, determinava que uma espécie
de tripé estivesse comprometida com interesses dos trabalhadores: o Sindicato dos Metalúrgicos, a
Igreja e a prefeitura. Por outro lado, aumentavam os indícios de que a privatização se aproximava e
com ela o temor de que fosse seguida por uma demissão em massa de trabalhadores da usina.
A morte de Antunes em acidente automobilístico, 51 dias após assumir, abriu espaço para o
seu vice-prefeito61, o arquiteto Wanildo de Carvalho, também do Partido Democrático Trabalhista
(PDT), ser empossado como novo prefeito, iniciando um ciclo conturbado de quatro anos que se
arrastou até 1992. Uma proposta de plebiscito sobre a possibilidade de uma nova eleição foi colocada
numa reunião com mais de 80 entidades do movimento popular e cogitou-se a renúncia de Carvalho,
que se manteve firme no cargo graças ao apoio do governador Leonel Brizola (Graciolli, 2007). A
passagem de Carvalho pela prefeitura foi marcada pela ambigüidade de projetos como o Plano 2000,
prevendo a reformulação da malha urbana da cidade, interpretado como um plano pioneiro que
propunha uma completa reestruturação da cidade em termos urbanísticos, partindo do pressuposto de
que era preciso superar o modelo “congelado” da cidade industrial (Oliveira, 2003; Leite Lopes,
60 Segundo o próprio Graciolli, a OAB foi responsável por montar um dossiê sobre a invasão militar na usina, servindo para ampliar e redimensionar a greve dos operários (Graciolli, 1997, p.140). 61 O enterro de Juarez foi acompanhado por quase 100 mil pessoas (Diário do Vale – 17/07/2004).
74
2006). Além de propor algumas novidades em termos de melhoria de equipamentos urbanos, turismo,
lazer e cultura, o plano, de certa forma, já antevia algumas das possíveis conseqüências da privatização
da Companhia e desenhava uma possibilidade futura de redefinição da própria identidade da cidade.
Segundo o contrato assinado entre a prefeitura e a empresa Hidroconsult, caberia o prazo de cinco
meses para analisar e desenhar as bases de elaboração do novo plano, abordando aspectos econômicos,
demográficos e territoriais de forma a readequar o crescimento do município até o ano de 2010.
A contratação da firma não foi bem recebida pelo movimento popular, especialmente o
Comitê Municipal, que sustentava que o processo pecava ao não respeitar a necessidade de haver
participação popular (prevista em artigo 29, inciso X62 da Constituição Federal), que tal empresa nunca
havia elaborado um plano diretor e que, além disso, haveria um custo de NCz$ 1,5 milhão para os
cofres da prefeitura, o que poderia ser evitado com a realização do serviço pelo Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano (IPPU) da cidade (Opção – 4 a 11 de novembro de 1989). Nas entrelinhas, o
movimento popular reivindicava poder participar e intervir na confecção da lei e, posteriormente, do
plano diretor. Argumentava que uma discussão desses instrumentos de redefinição do espaço urbano já
vinha em pleno desdobramento com a participação de entidades de classe, associações de moradores e
demais movimentos organizados, não podendo esses ser alijados do processo. Isso conduziu à
publicação de outro manifesto denominado “Ameaça à Participação Popular”, em 14 de agosto de
1989, pelo movimento, em conjunção com a Plenária Permanente de Saúde, e que convocava os
segmentos envolvidos para o “Seminário sobre a Lei Orgânica”, no dia 9 de setembro de 1989.
Em novembro do mesmo ano, enquanto as atenções giravam em torno da primeira eleição
direta a presidente da República após o fim do Regime Militar, o Comitê realizava uma convocação
para o recolhimento de um número suficiente de assinaturas que legitimassem a apresentação de
propostas populares para a nova lei. O prazo estabelecido para o lançamento da campanha era o dia 15
de novembro de 1989, o mesmo da eleição presidencial que indicou os nomes de Fernando Affonso
Collor de Mello (PRN) 63 e Luís Inácio Lula da Silva (PT) para o segundo turno, a acontecer no dia 17
de dezembro. Segundo o folheto de convocação do Comitê, o processo seria dividido em cinco etapas
fundamentais a começar 1) pela entrega do material para coleta de assinaturas; 2) pela definição dos
locais de coleta de assinaturas; 3) pelo estabelecimento dos dias de coleta (no caso, ficaram
estabelecidos os dias 23 e 24 de novembro); 4) pela atribuição de pontos estratégicos de apoio à
62 Remunerado para o inciso XII pela Emenda Constitucional número 1, de 1992. 63 Partido da Reconstrução Nacional.
75
coleta64 e pelo envio do material ao Comitê para triagem, organização (no dia 27 de novembro) e
entrega solene dos projetos populares aos constituintes municipais (dia 30 de novembro de 1989)65. A
lei foi redigida em 1990 pelo arquiteto Lincoln Botelho da Cunha, após discussões na Câmara e o
recolhimento de assinaturas. E, como resultado da mobilização, no dia 2 de janeiro de 1990, seguia
para votação na Câmara o anteprojeto (texto base) da Lei Orgânica. Entre os vinte e um vereadores
que participaram da construção da nova Lei Orgânica municipal estavam três metalúrgicos, Vanderlei
Barcelos (irmão do dirigente sindical Vagner Barcelos), Jorge de Oliveira (Zoinho) e Isaque Fonseca
(também dirigente sindical integrante da diretoria no triênio 1986/1989), que, em livro publicado66 no
ano seguinte, descreveu de maneira autobiográfica as memórias da greve de 1988 e da luta operária na
cidade, além de Paulo César Baltazar da Nóbrega, médico ligado a associações de moradores e eleito
prefeito nas eleições posteriores67.
1.5 - Conclusão
Boa parte do debate sobre globalização tem se concentrado em torno das conseqüências da
chegada e da saída de grandes plantas industriais, ora descrevendo o fechamento de fábricas e o
desemprego acarretado, ora a realização de novos investimentos industriais em localidades às vezes
com pouca ou nenhuma tradição industrial justificada pela obtenção de benefícios, como menores
salários, ação sindical menos intensa, boa infraestrutura e incentivos fiscais ofertados pelo Estado.
Porém, ao passo que muito se discute sobre os efeitos negativos e/ou positivos desse processo, pouco
se fala sobre a possibilidade de reorganização de mosaicos regionais fragilizados por crises
econômicas provocadas ou não pela globalização e, conseqüentemente, pela reestruturação produtiva.
Tendo em vista esse escasso tipo de reflexão, recorremos, neste primeiro capítulo, a exemplos de
cidades americanas ligadas à atividade siderúrgica que, após sofrerem um forte revés provocado pelo
fechamento de usinas, demonstraram uma capacidade de se revitalizar, recorrendo principalmente ao
64 Ficaram definidos o bairro do Retiro (próximo ao Mollica); a avenida Paulo de Frontin (próximo à banca da Prefeitura Municipal de Volta Redonda); a avenida Amaral Peixoto (próximo à sede Velha do Sindicato); o hall da Câmara Municipal e o bairro da Vila (Largo Nove de Abril). 65 Fonte: Apelo às Forças Populares – Comitê Municipal Constituinte. 66 Volta Redonda – Entre o aço e as armas (Veiga e Fonseca, 1989). 67 Os outros dezenove vereadores eram Fuede Namen Cury (Presidente), Luís Fernando Castro Santos (Vice-Presidente), Francisco Severino de Almeida (1º Secretário), Edson Pedro da Cruz (2º Secretário), Lenine Sérgio Lima de Moura (relator geral e presidente da comissão de sistematização), Amauri Tadeu Tubbs de Souza, Elgem José Braga França, Everaldo Vieira Guimarães, Gibraltar Pedro de Oliveira Vidal, Jorge de Oliveira, José Garcia, José Israel dos Anjos, José Pedro de Oliveira Lemos, Júlio Maria Tavares de Castro, Luiz Gonzaga de Oliveira Lima, Luiz Simões, Mário Ribeiro de Souza Carneiro Neto e Reinaldo Hidalgo Ferreira.
76
virtuosismo dos esforços coletivos reunindo público e privado. Da mesma forma, a paradigmática
região do ABC e suas inovações institucionais nos mostra haver uma possibilidade de
desenvolvimento local que passa pela valorização das iniciativas de coordenação dos mais diversos
atores sociais, proposta manifestada na criação das Câmaras Setoriais e de uma Câmara Regional, na
década de 1990.
A governança regional, passando pela formulação de redes de caráter horizontal que
articulem movimentos políticos, sindicatos e associações empresariais não necessariamente nos impõe
a recusa dos efeitos negativos desencadeados pelo processo de globalização e nem a inegável
assimetria de poder entre global e local e até entre as diversas forças políticas e econômicas de um
mesmo território. Menos ainda intenciona supervalorizar a capacidade dessas estratégias de
resistência. Apenas procura valorizar a possibilidade de uma certa “margem de manobra” para os
atores locais repensarem sua própria condição e encontrarem novas chances de prosperidade
econômica e de expansão da densidade institucional e política (Garcia, 2009b). Destacamos esse
modelo de governança por propor um redesenho institucional de valorização e fortalecimento dos
contextos locais via o recurso a estratégias bottom-up em oposição aos mecanismos top-down mais
característicos de um projeto desenvolvimento orientado pelo Estado-nação. Segundo a proposta
bottom-up, a revitalização de regiões fragilizadas pela decadência industrial se daria pela substituição
da competição entre atores locais e regionais por estratégias cooperativas a partir do momento em que
passasse a estar em questão a própria sobrevivência dessas regiões. Contudo, como procuramos
mostrar, o sucesso desse tipo de estratégia requer a presença de um certo conjunto de relações
sociopolíticas e de um histórico de organização sindical, empresarial e política de maneira a se criar
condições para o seu êxito nos mais variados e distintos contextos industriais. Justamente por isso,
recorremos aos três modelos de arranjos sociopolíticos empregados por Locke (1995) em sua análise
das diferenças de desempenho econômico entre regiões italianas. Vimos que a caracterização de um
arranjo passa pela forma segundo a qual os atores sociais mais representativos compartilham
informações e formam alianças em momentos críticos e também que o desempenho e o
comportamento econômico são moldados pelas redes sociopolíticas locais.
A partir disso, oferecemos uma aproximação entre o modelo polarizado característico de
cidades cujo desenvolvimento se deu sob as linhas do fordismo, onde a classe operária e a economia
local historicamente estiveram subordinadas a uma grande empresa e o percurso de cidades
monoindustriais brasileiras construídas em sua maioria na primeira metade do século XX, com o
predomínio de relações industriais estreitamente verticalizadas. Com o controle pela grande empresa
do governo local, das associações de negócio, dos sindicatos e do desenvolvimento dessas cidades, nos
77
fica a questão sobre a viabilidade de surgimento dos laços horizontais de coordenação nesses cenários.
Com base nessa prerrogativa, o capítulo procurou reconstituir os principais marcos da trajetória de
Volta Redonda, uma cidade monoindustrial exemplar por reunir em sua concepção e execução todos
os aspectos de um capitalismo marcado pelo regime de acumulação fordista, como o controle dos
empreendimentos econômicos na estrutura do Estado-nação, o paternalismo, a concentração espacial
de indivíduos e da própria produção em cidades industriais planejadas e o predomínio de um padrão de
relações corporativistas, constatação apenas reforçada pela extensa lista de descrições sobre a cidade.
A estratificação acompanhada da divisão racional das áreas habitacionais, comerciais, de lazer etc.,
ajudou a civilizar e a disciplinar todo um grupo de trabalhadores provenientes, em sua maioria, de
áreas rurais do interior do estado de Minas Gerais, estratégia reforçada pela promulgação da CLT
durante o Estado Novo, em 1943, e pela proposta estatal de submissão dos trabalhadores disfarçada de
aliança com os sindicatos.
Recuperando a reflexão acerca do arranjo polarizado, a Diocese de Volta Redonda e Barra do
Piraí talvez tenha sido a única instituição realmente autônoma da cidade a despeito da repressão
sofrida por Dom Waldyr Calheiros e pelos padres operários durante o regime militar. E isso se refletiu
no trabalho de base desenvolvido e responsável pela formação política de diversas lideranças sindicais
que ajudaram a fazer do Sindicato dos Metalúrgicos uma entidade emblemática no período do “novo
radicalismo”. E se a desestatização da CSN teve de fato um valor simbólico para o campo de estudos
da sociologia e da história do trabalho no Brasil, coincidindo com as mudanças de rumo no
sindicalismo nacional, com a globalização e o chamado projeto neoliberal, ainda não nos parece claro
que os movimentos políticos e sociais locais foram de fato derrotados em companhia do Sindicato ou
se produziram alternativas nos anos seguintes. A fim de compreender a situação do movimento
popular e do conjunto da sociedade civil de Volta Redonda no decorrer dos anos 1990, o próximo
capítulo se pauta na descrição dos governos municipais de Paulo César Baltazar e Antonio Francisco
Neto, bem como de todo o encaminhamento para o processo de desestatização da CSN.
78
Capítulo II
Década de 1990: delineando o cenário da privatização
“(...) Volta Redonda sempre foi um oásis dentro de um deserto. Não importava o que
acontecesse no país em saúde, educação, crise (...). Todo mês vinha um caminhão de dinheiro, pagava um caminhão de salário e não importava o que estava acontecendo porque lá tinha uma estatal que
produzia aço. Algo injusto para o país. Eu me mudei pra lá em 1983. E achava aquilo tudo um absurdo. (...) O salário girava, mesmo com o prejuízo de 1 bilhão.” – Mauro Campos Pereira,
empresário.
O objetivo deste capítulo é recuperar o encaminhamento do processo de privatização da
Companhia Siderúrgica Nacional, parte importante do Programa Nacional de Desestatização (PND)
iniciado no governo de Fernando Collor de Mello sem, contudo, omitir os acontecimentos,
mobilizações e resistências que antecederam o leilão realizado no mês de abril de 1993. Porém, ao
contrário de outras reflexões sobre o mesmo evento, procuraremos aqui enfatizar os governos
municipais que antecederam, acompanharam e se seguiram à privatização. Em parte, nossa intenção,
especialmente na primeira sessão do capítulo, é demonstrar que tão relevante quanto a compreensão
das motivações que levaram ao desmonte da antiga estatal é o entendimento acerca da chegada do
movimento popular ao poder público municipal, que se dá em consonância com a eleição de Paulo
César Baltazar para prefeito e a tentativa de se instituir inovações inspiradas em experiências
implantadas em cidades comandadas pelo Partido dos Trabalhadores, um dos alicerces do governo da
“Frente Popular”, eleito em 1992.
Na primeira parte, portanto, daremos maior destaque a essas iniciativas, especialmente ao
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) e sua proposta de reverter um modelo de
relação de poder que historicamente teve no controle do espaço urbano uma de suas grandes
manifestações. Veremos que a estratégia de “empoderar” o movimento popular não apenas fracassou
quanto corroeu internamente o governo da “Frente Popular”. Apesar disso, a intenção é demonstrar
com base também na recuperação da trajetória de alguns personagens que atingiram o mais alto nível
da hierarquia política local que, em paralelo à diluição do modelo estatal da Companhia Siderúrgica, a
cidade iniciava um lento processo de revitalização que passava pela incorporação de um debate
ambiental por anos e anos negligenciado, inclusive pela administração pública municipal. Como será
exposto mais adiante, a inclusão no edital de privatização de exigências de reconhecimento e
79
indenização pelo passivo ambiental denota uma primeira grande cisão na relação umbilical entre
cidade e Companhia.
As maiores dimensões da proposta de revitalização inicialmente delineada pelo governo da
“Frente Popular” foram alcançadas durante os dois governos seguintes de Antonio Francisco Neto
(1997-2004) e sua concepção da “realização de obras” como melhor estratégia de recuperação da auto-
estima de uma população afetada pela privatização. Contudo, antes de entrarmos mais especificamente
no seu governo, faremos uma descrição da gestão de Roberto Procópio de Lima Netto à frente da
Companhia, entre os anos de 1990 e 1992, e do seu envolvimento com a corrida eleitoral para a
Prefeitura, em 1992, bem como nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos, em 1990, e do Sindicato
dos Engenheiros, em 1992, as quais ajudaram a minar as principais fontes de resistência à
privatização. Sua demissão da Companhia, o debate sobre a privatização e que incluiu o lançamento de
sugestões como a estadualização da Companhia, o leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a
construção de um novo modelo de dependência através do pagamento de impostos e os conflitos
políticos no interior do governo Neto completam a discussão.
2.1 - “Volta Redonda, Cidade Bonita”: Paulo Baltazar e o governo da Frente Popular
(1993-1996)
Um ponto importante da história recente de Volta Redonda diz respeito ao lugar de dois
partidos políticos no cenário político municipal nesses últimos vinte anos, o Partido Socialista
Brasileiro (PSB) e o Partido dos Trabalhadores (PT), que ocuparam o poder por doze anos seguidos.
Sobretudo o PT é tratado por trabalhos que se concentram no período dos anos 1980 basicamente
recordando o histórico de sua formação e a participação de algumas de suas lideranças no Congresso
Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em 1981, e na constituição da Central Única dos
Trabalhadores, em 1983. Há ainda referências claras à sua posição na indicação do candidato da
Oposição Sindical na eleição desse mesmo ano e ao feito de conseguir eleger um vereador em 1982,
ano também marcado pela primeira e única tentativa de Juarez Antunes em se eleger deputado federal
pelo partido até o seu êxito como candidato do PDT, primeiro como deputado federal Constituinte (de
1º de fevereiro a 31 de dezembro de 1988) e depois como prefeito. Contudo, acreditamos haver poucas
menções no tocante ao papel que o partido exerceu no governo da Frente Popular (PT-PSB-PC do B-
PV), coligação de esquerda que “ganhou” a prefeitura nas eleições de 1992. Na ocasião, o candidato
vencedor foi o médico protestante Paulo César Baltazar da Nóbrega, do Partido Socialista Brasileiro
80
(PSB), com um histórico de trabalhos executados em comunidades carentes do município, como Padre
Josimo e Vila Brasília.
Baltazar compôs a chapa vitoriosa com Glória Amorim, representante direta da “base
popular” vinculada ao movimento comunitário contra a violência, ao Movimento dos Posseiros
Urbanos, ao movimento de mulheres da Igreja Católica e indicada pela Articulação, uma das correntes
dominantes do PT municipal (a outra é o Blocão). Formada nas CEBs e com grande inserção na
periferia, Amorim foi indicada pelo PT após derrotar na plenária do partido Maria Aparecida Diogo
Braga (Cida Diogo), esta uma personagem importante na política municipal nos últimos anos. Médica
que alcançou grande visibilidade após o trabalho como secretária de saúde de Paulo Baltazar (1992-
1996), uma vez vice-prefeita (1997-2000), deputada estadual (1999-2007) e duas vezes candidata do
PT derrotada à prefeitura de Volta Redonda (2004 e 2008), Cida Diogo conquistou enorme prestígio
assessorando bairros, associações de moradores e sindicatos ao longo da década de 1980, acompanhou
de perto o desabrochar do atuante núcleo de militantes ligados à Comunidade Eclesial de Base da
região do Retiro, integrou o Movimento de Emancipação do Proletariado e participou ativamente da
construção do PT municipal. Integrante do núcleo de militantes do partido no bairro Eucaliptal, a
médica esteve mobilizada em conseguir as primeiras filiações no município com a família Barcelos
(José Emídio, Amélia, Vagner e Vanderlei)68, do núcleo do Retiro, e com integrantes de outros núcleos
espalhados pela cidade (bairros Água Limpa, Aterrado, São Luiz, núcleo de trabalhadores atuante
dentro da CSN etc.).
Sou filha de mineiros nascida em Volta Redonda. Meus pais vieram pra cá por conta da implantação da CSN, o que é basicamente a história de todos aqui da cidade. Fiz faculdade de medicina aqui em Volta Redonda, na FOA69. E, desde o período de universidade, eu comecei a me envolver com o movimento social, principalmente o movimento estudantil. Na época, eu participei do famoso congresso de reconstrução da UNE, em 1980, em Salvador (BA). Do movimento estudantil, comecei a me envolver com o movimento comunitário. Assumi a direção da associação de moradores do bairro Eucaliptal, onde eu morava. Um bairro em frente à fábrica, onde a poluição é muito direta. Eu fui diretora da associação de moradores. E, ao me formar, eu comecei também a me envolver com o movimento sindical. Porque assim que eu me formei, decidi fazer uma especialização em saúde do
68(...) Ironicamente, eu não tinha expectativa de uma militância partidária. Quem me levou (às primeiras reuniões do PT municipal) foi minha irmã, que estava acompanhando... Logo no iniciozinho, numa salinha bem de fundo de quintal, em cima da Casa Nula (uma casa que há 62 anos vende artigos de papelaria, no bairro do Aterrado)... Ali começaram as primeiras reuniões para o PT. Eu ia com a expectativa de fundação de um partido político. Eu fui muito inocentemente. Lá em casa, todo mundo tinha uma militância política muito grande. Mamãe, papai, nós... Em 1979, 1980. Quando começaram as primeiras reuniões de discussão da fundação do PT... Entre os dez primeiros filiados do PT de Volta Redonda, cinco são lá de casa. Quer dizer, que constaram em ata. Porque, obviamente, tinha muitas pessoas. Mas quando você pega a ficha de filiação e o livro de fundação, entre os dez primeiros estão papai, mamãe, eu e Amélia, de cara, assim. A gente realmente participou muito forte, como um sem número de pessoas que militavam na época. – Vanderlei Barcelos, ex-sindicalista e ex-vereador pelo PT. 69 Centro Universitário de Volta Redonda.
81
trabalhador, me tornei médica do trabalho e fui atuar junto aos sindicatos da região discutindo muito saúde do trabalhador, discutindo ações organizativas tanto dentro do sindicato quando junto ao Ministério do Trabalho e junto à empresa no sentido de melhorar as condições de trabalho e enfrentar as questões de doenças profissionais dentro das empresas daqui. Ainda sou médica licenciada do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, do Sindicato da Construção civil de Volta Redonda, do Sindicato dos Metalúrgicos do município do Rio de Janeiro. – Cida Diogo.
Quanto a Baltazar, personagem de destaque da política do Médio Paraíba Fluminense nos
anos 1990, nasceu em Vassouras e estreou na política como vereador em Volta Redonda (de 1989 a
1992, eleito com 1.371 votos), vendo em seguida sua candidatura a prefeito ganhar força após
manifestar um discurso de forte oposição à CSN, seduzindo em pouco tempo um movimento popular
já bastante radicalizado. Vale notar que o Sindicato, ainda na condição de movimento mais influente
da cidade, mas já presidido por Luiz de Oliveira Rodrigues, representando a Força Sindical e sua
postura política menos radical, fez duras críticas ao posicionamento do candidato, enquanto nomes da
antiga diretoria cutista como Vagner Barcelos, optaram por apoiá-lo como candidato à sucessão de
Wanildo de Carvalho, também apostando no endurecimento da relação com a Companhia e na criação
de impasses à privatização (Ferreira, 2005).
O Paulo Baltazar era vereador na Câmara. Ele participou junto com o meu irmão, que também era vereador na época, da Lei Orgânica Municipal. Com leis orgânicas sendo votadas em todo o Brasil, ele era um desses vereadores da oposição e ligado ao movimento também. Eu lembro que, logo que eu perdi a eleição, veio a eleição municipal. Eu era aliado do Baltazar. Perdi a eleição do sindicato. (...) E ele ganhou bem a eleição. Mas pegou a cidade muito estragada. (...) E quando assumiu, a cidade já estava em franco processo de discussão da privatização. E totalmente abandonada... Ele pôde fazer muito pouco. Até porque tinha uma dívida enorme da prefeitura. – Vagner Barcelos – ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos.
Além do Sindicato controlado pela Força Sindical, outra significativa oposição ao candidato,
naturalmente, veio da Companhia, já presidida por Roberto Procópio de Lima Netto. O engenheiro
apostou em uma candidatura própria, apoiando o professor Jessé de Hollanda Cordeiro, diretor da
Escola Técnica Pandiá Calógeras e chefe do programa de treinamento da empresa, e do empresário
Carlos Haasis, ambos do Partido Social Trabalhista (PST). Os argumentos a favor do lançamento da
candidatura própria e descritos no livro que publicou em 1993 (no qual registra sua experiência à
frente da antiga estatal) 70 eram simples. Em primeiro lugar, havia a possibilidade de se associar o bom
desempenho de um governo municipal à empresa representada por um funcionário de nível de
70 Volta por Cima – a história da salvação da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, símbolo da industrialização brasileira (Lima Netto, R. P. de, 1993, p. 69 e 70).
82
gerência. Com isso, Lima Netto enxergava a possibilidade de reversão de uma tendência manifestada
desde 1985, quando os candidatos da esquerda passaram a vencer as eleições para prefeito no
município, ao passo que contribuiria para ajustar uma cidade de grande orçamento (um dos maiores do
interior do estado) e, no seu entender, de péssima administração, constatação tirada de comparações
feitas com o vizinho município de Resende.
Havia também um temor quanto a possibilidade de eleição de um candidato afinado com o
movimento popular, apoiado pela ala mais radical do Sindicato dos Metalúrgicos e preocupado em
manter um discurso de claro antagonismo e discórdia com o processo de reestruturação em curso na
empresa. O engenheiro entendia que a greve de 1988 e a ocupação de 17 dias da aciaria haviam
servido unicamente para consolidar o prestígio dos líderes sindicais, no seu ponto de vista (e
desconsiderando conquistas para o conjunto dos trabalhadores, como o turno de seis horas), os reais
vencedores do embate travado na usina. Além desses, alguns políticos teriam saído favorecidos e
vencido as eleições de 15 de novembro daquele ano, explorando a comoção do país com as mortes dos
operários, a exemplo de Juarez Antunes (PDT), eleito prefeito de Volta Redonda, e Luiza Erundina
(PT), eleita em São Paulo ao derrotar Paulo Salim Maluf (PTB). Lima Netto entendia que eleger um
prefeito em sintonia com os interesses da empresa ajudasse a imobilizar um dos três obstáculos ao
encaminhamento da privatização. Embora o prefeito Wanildo de Carvalho não tivesse assumido um
posicionamento claro, o engenheiro temia um endurecimento das forças de resistência caso um
candidato associado ao movimento popular se sagrasse vitorioso e se conjugasse ao movimento
sindical e a Dom Waldyr Calheiros.
Mas o sucesso pretendido por Jessé de Hollanda Cordeiro, reforçado pelo slogan “Volta
Redonda Feliz” e com o auxílio da CSN e da COBRAPI na elaboração do seu plano de governo,
esbarrou na pouca popularidade do candidato, ocupando, ao término do processo eleitoral, apenas a
quarta colocação com 17.615 votos (12,43%), enquanto Baltazar elegia-se prefeito (44.041 votos ou
31,07%) 71, cargo que ocupou de 1993 a 1996. Sem qualquer experiência administrativa, ele era
considerado um candidato sem grandes chances de vitória por enfrentar candidatos como Nelson dos
Santos Gonçalves Filho (PSDB) (segundo colocado com 34.544 votos ou 24,37%), herdeiro político
do ex-prefeito Nelson Gonçalves, e Marino Clinger de Toledo Netto (PDT) (terceiro colocado com
18.006 votos ou 12,70%) 72, ex-prefeito e então deputado federal, apontado como grande favorito.
71 141.744 eleitores votaram (Costa, 2004, p. 299). 72 Os outros candidatos foram Antônio Carlos Senra (1.966 ou 1,39%), Elias Cazoni (1.886 ou 1,33%), Wladir de Souza Telles (1.542 ou 1,09%), votos em branco (14.596 ou 10,30%) e votos nulos (7.548 ou 5,32%) (Costa, 2004, p. 299).
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Quando eu vim pro PT, eu vim pra campanha do Baltazar, que era um candidato que não tinha chances. Eu já estava militando, mas foi na campanha dele que eu entrei de cabeça, como eu fazia no SEPE. Nós da Articulação do PT que indicamos o nome da Glória. Naquela época, éramos a maioria dentro do PT. Trabalhamos muito pra que isso fosse possível. Eu acredito que a vitória do Baltazar se deu muito em função da campanha que nós fizemos junto com ele. Ganhamos. (...) Naquela época, no PT, era muito forte o chamado Blocão. (...) A Glória é levada pela Articulação para o governo. (...) Acho que ele (o PT) foi quase imediato ao surgimento do nacional. Tivemos a convergência socialista, a causa operária. Tudo o que aconteceu no nacional, aconteceu em Volta Redonda. Volta Redonda é uma miniatura do que acontece no nacional. A ruptura entre Blocão e Articulação foi em função de que o governo Baltazar, quando chega ao governo, ele tem que fazer (...). Em Volta Redonda, o povo estava satisfeito com o governo Baltazar. Os dois primeiros anos do governo eu considero como muito bons. Eu estava dentro e vi o que que aconteceu. O PT teve um papel importante nisso. (...) O PT de Volta Redonda era um grupinho. Teve projeção com a eleição de Baltazar. O povão achava que ele era do PT. Todo mundo achava que ele fosse do PT. Nós demos a nossa marca ao governo Baltazar. Então, o PT cresceu. Cresceu do ponto de vista de visibilidade (...). Nós tínhamos propostas pra população. – Cida Paraíso73.
Mesmo não sendo a primeira eleição de um representante das forças populares para a
prefeitura – na eleição anterior, em 1988, como já apresentado, Juarez Antunes, apoiado pelo Sindicato
dos Metalúrgicos, derrotou candidatos sustentados por CSN e burguesia local – algumas análises mais
otimistas saúdam a eleição de Baltazar, destacando o seu comprometimento em encaminhar um
projeto coletivo regional de desenvolvimento (Oliveira, 2003). A eleição do ex-vereador, em 1992,
como representante socialista, segundo Oliveira (2003), era um indicativo da “história de lutas e maior
independência da administração local em relação à CSN”, não sendo “aspectos menores na análise na
qual o Partido Socialista Brasileiro (PSB) vem elegendo os prefeitos nos principais municípios do
Médio Paraíba” (Oliveira, 2003, p. 183). No nível municipal, ocorria uma aproximação com
segmentos dos movimentos sociais locais, algo também observado em outros municípios da região,
como assinala Ramalho (2006). Segundo o autor, a “ascensão de partidos mais sensíveis às causas
populares” (Ramalho, 2006, p.34) foi uma tendência comum a esses municípios, na década de 1990.
Resende, por exemplo, um caso de boa administração pública, conforme as palavras de Lima Netto,
foi administrada pelo Partido dos Trabalhadores, facilitando a participação de organizações da
sociedade civil e de outros movimentos políticos nas decisões políticas locais. A cidade, inclusive,
teve o seu orçamento participativo implantado durante essa década e testemunhou a discussão de um
plano diretor e a criação de diversos conselhos municipais.
O Baltazar se elegeu pelo PSB também com uma história muito própria. Era o trabalho de médico que ele fazia na periferia. E também com um perfil muito parecido com o do Clinger. Aquele médico
73 Maria Aparecida Paraíso é ex-presidente do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), da Fundação Beatriz Gama e integrante do quadro do Partido dos Trabalhadores que compôs o governo de Paulo César Baltazar.
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muito carismático, que o pessoal gostava demais. Aí, ele se elege vereador quando o Juarez se elege prefeito. O Baltazar sempre foi PSB. Quando ele assumiu o mandato como vereador, o que que aconteceu? O Baltazar eleito, o Juarez morreu e dois meses depois assumiu o Wanildo. Então, o Juarez nem conseguiu governar. Dois ou três meses depois, o Wanildo assume e começa a fazer aquele governo catastrófico e quem assume na Câmara? Quem começa a assumir uma postura de enfrentamento com o Wanildo? O Baltazar. Automaticamente, o fato de ele assumir essa postura de oposição, o movimento social começa a se aglutinar no gabinete do Baltazar. Aí, foi um processo um pouco inverso. O Baltazar, por assumir essa capacidade de liderar a discussão, de bater muito na Câmara, ele começou a ir pra rádio. Ele tinha um programa toda semana na rádio, onde ele descascava o Wanildo. As pessoas ligavam e denunciavam (...) Olha lá! Então, aquilo criou um clima em torno do mandato dele onde o movimento social começou a ver no Baltazar a possibilidade de ter um interlocutor que pudesse dar um grito e denunciar tudo aquilo que estava acontecendo na cidade. Com isso, automaticamente, no final do mandato do Baltazar, o nome dele foi um nome onde o PT, o PSB e os partidos de esquerda começaram a discutir a possibilidade de se apresentar como alternativa pra fazer a sucessão do Wanildo e tirar aquele pessoal da prefeitura. Então, o Baltazar começa a se relacionar mais com o movimento social quando começa a desempenhar um mandato mais de enfrentamento, mais de denúncia, mais de cobrança daquele governo que foi um caos pra Volta Redonda. Foi quando a gente fez essa aliança e o PT indicou a vice do Baltazar e a gente ganhou a eleição. É um governo que realmente muda toda a história da cidade. – Cida Diogo.
O apoio do Partido dos Trabalhadores, em Volta Redonda, deveu-se, possivelmente, à falta
de opções dentro do partido com possibilidades de disputar o poder com chances reais de vitória, uma
vez que Édson Santana – o já mencionado militante proveniente do movimento de associações de
moradores e eleito pelo partido nas primeiras eleições abertas para vereador – vinha de uma derrota na
eleição anterior e outro nome forte, o sindicalista Vanderlei Barcelos74, havia renunciado ao mandato
após se envolver em uma briga com outro vereador e sofrer ameaças de cassação75. E, desde que
apoiou a indicação do candidato da Oposição Sindical na eleição de 1983, o PT municipal havia ficado
secundarizado pelo destaque político alcançado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT),
responsável por eleger os dois primeiros prefeitos da fase pós-redemocratização. Depois de anos
trabalhando na “não-cidade abandonada” constituída pela periferia erigida ao longo do descaso da
74Eu entrei na CSN com 17 anos, estagiando como técnico metalúrgico. Fiz o curso técnico na escola técnica (Pandiá Calógeras), na época em que ela era uma escola que dava uma formação que hoje ninguém tem idéia. Entrei pra estagiar e o Vagner, no mesmo ano, entrou como técnico, já admitido como técnico. (...) E eu acabei tendo uma militância partidária maior do que a do Vagner. Então, acabei fazendo parte da Democracia Socialista. Fiz parte da DS até a minha saída do PT. Mais na frente, acabei sendo eleito vereador em Volta Redonda, depois disso fui candidato a deputado federal, em 1990. E, em 1994, foi a minha despedida do PT. Fui candidato a deputado estadual, muito mais pra somar pro partido do que pra ganhar aquela eleição. Foi uma despedida porque o processo de evolução do partido não foi aquele que eu esperava. Foi um afastamento sem trauma. Como aquele casamento que vai acabando, acabando, e uma hora você fala assim: acabou. Não precisa brigar, nem nada. – Vanderlei Barcelos. 75 “Depois desse processo todo de oposição e tal, o Baltazar acabou se destacando na Câmara de Vereadores por conta de um erro de um vereador nosso. Quando foi promulgada a Constituição no governo Wanildo de Carvalho, naquele processo trabalhamos na questão da lei orgânica. Então, o cara que era porta-voz do movimento social, que era vinculado ao movimento sindical, que era o Vanderlei Barcelos, acabou tendo uma briga com um vereador e acabou tendo que renunciar pra não ser caçado. E o Baltazar, nesse processo, acabou se destacando como o camarada que era o porta-voz da sociedade tanto na lei orgânica quanto no processo de disputa com a prefeitura, né?” – Zeomar Tessaro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil.
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CSN, Baltazar tornou-se o representante na prefeitura dos anseios do movimento popular, desde a
morte de Juarez Antunes vivendo grande expectativa de assumir o poder no município.
Então, nós viemos de um movimento popular, da unidade dos movimentos populares. Até em função dessa não-cidade abandonada, sem água, sem esgoto. Existiam na cidade mais de cinqüenta, sessenta áreas de posse (...). Que não tinham nada. Eu, por exemplo, sou médico e trabalhei em muitas dessas comunidades (...). Por falta absoluta de tudo (...). E nós viemos dos movimentos que olhavam pra essas comunidades, que de algum modo interagiam com essas comunidades ou que eram dessas comunidades (...) Pra que a gente pudesse incorporar essa não-cidade à cidade que tinha as coisas. Tinha a Vila (Santa Cecília), conhecida, que tinha um centro comercial (...) E os outros não tinham nada. Então, desse movimento social é que surgiu o meu governo. Quer dizer, o nosso governo trabalhou muito com a perspectiva de juntar as duas cidades. Uma que era, de fato, e a outra que queria ser e não era. Por isso, nós fizemos uma série de ações que foram capazes de dar conta, de investir prioritariamente nas áreas mais pobres (...). – Paulo Baltazar.
Com a crise de orientação e diretrizes que a cidade atravessava, a gestão PT/PSB parecia
representar a possibilidade de um governo mais aberto aos demais setores sociais na fase
imediatamente posterior à inauguração da Constituição Federal de 1988, esboçando uma prática da
democracia participativa ainda incipiente sob a forma de conselhos municipais, os quais começaram a
se constituir a partir de 1993. O governo trabalhou na implantação de programas de planejamento e
gestão democrática a nível municipal, os quais ele tentaria, posteriormente e sem sucesso, transferir
para o nível regional. Seu desfecho, porém, foi um fracasso demarcado pelo rompimento com os
mesmos setores que compuseram a sua base, principalmente a Igreja e o movimento popular, todos
tensionados por disputas ideológicas que racharam a esquerda municipal.
A eleição do Juarez Antunes foi um marco. O Juarez foi o marco. O movimento popular e o Juarez tinham uma liderança muito grande. Chegamos à prefeitura e o movimento popular estava muito engajado no processo. Só que o Juarez morreu de forma prematura e aí foi o desastre dos desastres porque o vice dele, o Wanildo, assumiu... Volta Redonda foi para o fundo do poço, o que gerou, de certa maneira, uma reação, uma capacidade de organização social que permitiu a gente ganhar aquela eleição. O PT também tinha uma história de dificuldade de alianças na cidade. O PT em Volta Redonda tinha uma base social muito ligada à Igreja. Ela tinha uma participação muito grande no movimento popular. E era hegemonicamente petista. Já o movimento operário operava muito na corporação mesmo. Ele tinha um enfrentamento cotidiano com a CSN e não repercutia tanto na sociedade. Era muito mais o contrário. O movimento popular, que tinha uma base muito forte na Igreja e que era solidário. Porque a principal luta política que acontecia naquela cidade era a luta metalúrgica. Não tinha uma greve na CSN que o movimento popular não se solidarizasse, não fizesse acampamento... Atos de apoio etc, etc. Então, o PT acabou conseguindo capitalizar o apoio desse movimento social influenciado pela Igreja e nessa aliança com o PSB a gente conseguiu chegar à prefeitura. Não foi um processo fácil. Foi um processo muito difícil. Eu dizia que Volta Redonda era um cadinho. Na esquerda nós tínhamos de tudo. De todas as Internacionais. Todo grupo político de ultra-esquerda tinha uma atuação em Volta Redonda. (...) Causa Operária dentro do PT... Todos os grupos de ultra-esquerda com alguma referência internacional tinham células lá dentro. A convivência era muito pesada. Hoje, são questões mais de disputa pessoal de lideranças. Um que não gosta do
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outro. Na época, eram disputas que se revestiam numa capa ideológica. – Emmanuel Paiva de Andrade.
De acordo com Abrúcio e Soares (2001), o fortalecimento das escalas de governabilidade
subnacionais, sobretudo as municipalidades, começa a se desenhar em meados da década de 1980 e se
consolida definitivamente com a Constituição Federal de 1988, a descentralização e a transferência de
responsabilidades e recursos para os níveis locais de governo. Ela é parte da conformação de um novo
modelo federativo brasileiro, o chamado novo federalismo, fortalecido tanto pela crise do regime
militar e do modelo desenvolvimentista varguista quanto pela ascensão das elites regionais e locais no
plano político. Nesse contexto, dois efeitos principais e contraditórios poderiam ser apontados. Em
primeiro lugar, as eleições municipais assumem maior relevância, os prefeitos tornam-se peças-chave
do sistema e ocorre uma acentuação do discurso municipalista com uma aderência de atores locais
pertencentes a classes e segmentos variados, como acadêmicos, movimentos populares urbanos e
grupos profissionais de diversas áreas de políticas públicas, bastando mencionar educação, saúde,
habitação e meio ambiente (Abrúcio e Soares, 2001). Por outro lado e em contrapartida a esse discurso
autonomista, as duas esferas imediatamente acima (federal e estadual) praticamente “abandonam os
municípios” (idem, p.106), se delineando uma divisão de competências na qual as administrações
locais acabam sendo impelidas a assumir, por exemplo, a responsabilidade pela gestão urbana.
O fato é que embora parte da historiografia – bastando aludir o trabalho de Graciolli (2007) –
defenda que a fase demarcada pelo primeiro semestre de 1993 e encerrada com a concretização da
privatização decretasse a desmobilização de movimentos sociais, como os próprios Posseiros
Urbanos, representantes desses mesmos movimentos, em um primeiro momento, intensificam o
diálogo com a prefeitura, desaguando no lançamento de alguns desses experimentos, exatamente em
reflexo às mudanças encaminhadas pela Constituição Federal. Um exemplo perfeito dessa relação
estabelecida foi um instrumento elaborado em conseqüência da pressão dos Posseiros e que já havia
conquistado a inovadora lei anteriormente citada. A partir de outra lei municipal, a de número 2.366,
de 1988, – na opinião de pessoas que acompanharam o processo, tanto uma “demonstração de força”
do movimento como uma estratégia do ex-prefeito, Wanildo de Carvalho, de frear o seu ímpeto
reivindicatório através de concessões e da sua absorção para dentro do governo municipal – é
instituído o decreto número 4.493 que regulamentava o Fundo Comunitário de Volta Redonda
(FURBAN) de Volta Redonda como autarquia da Prefeitura Municipal de Volta Redonda (PMVR) ou
uma espécie de secretaria voltada para os movimentos sociais, prática também comum em Resende,
onde por oito anos seguidos o Partido dos Trabalhadores e o Partido Socialista Brasileiro alternaram-se
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no poder, estreitando o relacionamento entre poder público municipal, movimentos sociais, pastorais
da Igreja e associações de moradores (Ramalho, 2006).
Nascido no seio da classe trabalhadora e expoente do mais sólido processo de
redemocratização já experimentado pelo país, o PT, em especial, contribuiu, como salienta Fortes
(2005), para acelerar a erosão da interdição do acesso dos movimentos sociais ao espaço público,
“redefinindo a consciência de classe e ampliando a presença de trabalhadores rurais e urbanos bem
como de líderes comunitários no Legislativo e no Executivo” (Fortes, 2005, p.199). Assim, apesar das
críticas de que estaria sendo constatada uma cooptação desses movimentos pelo poder público ou
mesmo uma separação entre a estrutura partidária e a sua base social, manifestada através de “uma
suposta opção prioritária pela ação institucional em detrimento dos movimentos sociais” (idem,
p.202), o autor defende que o partido apenas estaria contribuindo para criar novas instituições capazes
de sobreviver ao esgotamento desses movimentos, cujas explicações repousariam sim na
desestruturação do mundo do trabalho, que pôs o sindicalismo em posição defensiva, e no combate à
Teologia da Libertação pelo Vaticano Conservador, dentre outras razões. A institucionalização dos
movimentos sociais seria parte da “nova cidadania” dos anos 1990 explicada, conforme descreve
Dagnino (2000), pela redefinição da idéia de direito, partindo “da concepção de um direito a ter
direitos” (Dagnino, 2000, p. 86). E os movimentos populares urbanos das décadas de 1970 e 1980
teriam sido fundamentais para a elaboração dessa “nova cidadania”, pois ao perceberem que não
deveriam apenas lutar por direitos sociais (água, esgoto, educação etc.) ajudaram a colocar em pauta o
direito à participação via criação de novos espaços públicos. Com isso, a autora argumenta que esse
novo modelo de cidadania teria sido percebido particularmente nas cidades administradas pelo Partido
dos Trabalhadores, onde instrumentos como o Orçamento Participativo refletem “o esforço de
adaptação dos próprios movimentos à nova institucionalidade democrática” (Dagnino, 2000, p. 87).
Acho que o PT foi vítima da institucionalização do partido. Quando você ganha uma prefeitura ou um governo estadual, você passa a ser o Estado. Começa esse embate entre o institucional e a bandeira política. E começa a institucionalização dos militantes. (...) O Baltazar nasce na candidatura dele a vereador. Antes, ele não existia politicamente. Não tinha nada a ver com núcleo de partido nenhum, nada a ver com participação em associação de moradores, nada a ver com o movimento sindical... Ele era um médico que tinha trabalhado na periferia, que pediu e ganhou voto. O bom médico, de diálogo e que um dia alguém convidou a entrar pra política. Ele nasce pra política como vereador na eleição de 1988. Tomou posse em 1989. Ele fez parte do grupo minoritário mas com muita força que se ocupou de pensar uma lei municipal que abarcasse interesses mais coletivos. A nossa lei orgânica (...). Quando chega a eleição, ele nem queria ser candidato a prefeito porque não teria chance de ganhar. E ganhou a eleição com o PT. Nessa institucionalização, há o chamado processo de cooptação das associações de moradores que muito mais que servir de instrumentos de discussão da situação dos bairros e de reivindicar isso junto a prefeitura, passa a ser o contrário. A prefeitura passa a utilizar as
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associações como veículos de legitimação dos seus atos dentro do bairro. O FURBAN é isso. A população deixa de se organizar em movimentos autônomos (...). – Vanderlei Barcelos.
Com o objetivo oficial de atuar na urbanização e regularização das áreas de posse76 do
município, o fundo contudo só foi de fato implementado no governo de Baltazar. A demonstração de
força do movimento popular se fez perceber pela conversão de Maria Cupertino de Moraes, principal
liderança dos posseiros e da CEB do bairro Santo Agostinho, em coordenadora do Conselho
Comunitário do Fundo, uma espécie de secretaria criada em conjunto com um Conselho Fiscal e com
representantes escolhidos pelas comunidades responsáveis pelo trabalho de seleção e acompanhamento
de obras nos bairros, em sua maioria antigas áreas de posse. A eleição de representantes para os dois
conselhos demarcava a entrada em uma nova etapa de discussão e definição de prioridades, com o
reconhecimento das necessidades existentes em cada núcleo de posse, visando “garantir o atendimento
dessas prioridades no orçamento participativo do município ou através da alocação de outras fontes de
recursos” 77.
O Fundo Comunitário de Volta Redonda foi uma luta do Movimento dos Posseiros Urbanos, da Igreja Católica que, com muita pressão, conseguiram fazer essa lei criando o Fundo. A lei foi sancionada em agosto de 1986 (...). Em 1993, o Baltazar entra com o compromisso de regulamentar o FURBAN. A lei foi regulamentada em maio e criou-se uma autarquia que tinha um quadro fixo de quarenta funcionários. O fundo começou a funcionar de fato em janeiro de 1994, prestando serviços à comunidade. Começamos pegando o núcleo mais antigo, com quarenta anos de existência, o Santa Inês. Começamos trabalhando nele, gerando emprego e renda para a comunidade. Isso deu muito certo, muito certo! Tanto que de 1994 a 2000, nós conseguimos urbanizar todos os 174 núcleos de posse de Volta Redonda. Nessa época, já tinha uma população de 15%, uma média de 35 mil pessoas morando em áreas de posse. – João Streva, diretor-presidente do FURBAN.
A criação do FURBAN ajuda a definir o rumo da cidade ao longo da década de 1990, uma
fase de profundo estreitamento da relação entre administração pública, movimento popular e setores
das associações de moradores, alguns provenientes das CEBs, o que reformulou o desenho
sociopolítico municipal, por exemplo, com o aumento da influência política de representantes das
Igrejas Evangélicas na Câmara, na administração municipal e na política regional, contrastando com o
histórico peso político da Igreja Católica. Exemplos são o próprio Baltazar, o vereador Paulo Conrado
76 Até 1993, a cidade possuía 148 núcleos de posse, onde residiam, aproximadamente, 35 mil habitantes, ou seja, em torno de 15% da população local. O número de ocupantes de núcleos de posse superava a população da sede dos municípios vizinhos, como Piraí (13 mil habitantes), Rio Claro (5 mil), Rio da Flores (3 mil) e Vassouras (22.5 mil). O déficit era de cerca de 9 mil habitações para a população com renda mensal de até três salários mínimos (COHAB-VR apud ENSUR/IBAM, 1999). 77 Idem.
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(PDT) 78 e o deputado estadual Édson Albertassi (PSB), empresário capixaba79, diácono da Igreja
Assembléia de Deus, representante do voto evangélico80 e vereador mais votado de Volta Redonda nas
eleições municipais de 1996. Eleito deputado estadual em 1998, Albertassi cogitou disputar a eleição
para prefeito em 200481.
Em uma cidade tão caracterizada por conflitos de todas as ordens, a principal aposta de
Baltazar para a integração acabou recaindo sobre o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano
(CMDU), órgão concebido pela Lei Orgânica e determinado pela Constituição Federal, mas que
acabou sendo muito mais uma prova da divisão entre os diversos setores sociais da cidade. Elaborado
para entrar em funcionamento a partir de 1990, o conselho só se efetivou no governo de Baltazar por
pressão do “movimento popular organizado” por um envolvimento na discussão do projeto de um
novo plano diretor, “mola motora do processo de retomada do desenvolvimento de Volta Redonda a
partir de uma estrutura pensada e organizada” (Primeira Página, 22-28 de maio de 1993). O plano
começou a ganhar corpo no início da gestão do prefeito, mas foi esboçado pelo Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano (IPPU), durante a gestão do engenheiro José Lemos.
Está todo mundo na Câmara discutindo a lei orgânica. E é lá que a gente coloca o CDMU como conselho municipal. Mais tarde, esse conselho vai ser regulamentado. Já no governo do Baltazar, ele manda um projeto de regulamentação do CMDU. E o movimento que já tinha outro, manda também. O Baltazar, então, retira o dele e o conselho é aprovado. O projeto é uma proposta popular, um projeto de lei de iniciativa popular. Mais de 30 mil assinaturas. Tem dois projetos. O Baltazar manda um e o movimento popular manda outro. O Baltazar retira o dele pra apoiar o projeto de iniciativa popular. E é o de iniciativa popular que vai vigorar e que vigora até hoje. Agora, mais recentemente, nós vamos ter que mudar isso porque já não se adéqua mais. A maneira como ele foi regulamentado, todo poder às associações de moradores (...). Grandes sovietes, 97 sovietes aqui dentro do conselho. Não se aplica mais. Nós teremos necessariamente que nos adaptar porque o nosso conselho hoje não obedece àquela formalização que o conselho nacional da cidade exige, percentuais de grupos representativos da sociedade, empresários, entidades de pesquisa etc. Nosso conselho é só com
78 Paulo Conrado elegeu-se para seu primeiro mandato como vereador com 1.254 votos, em 1992. Em 2000, recebeu 1.600 votos e, em 2004, reelegeu-se com 5.045 votos, a votação mais expressiva entre os 240 candidatos a vereador do município (Jornal Aqui – 09/10/2004). 79 Nascido em 1969, no município de Castelo, Espírito Santo (Fonte: Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro – ALERJ - http://www.alerj.rj.gov.br/common/deputado.asp?codigo=254). 80 O aumento do peso do voto evangélico em Volta Redonda é confirmado pelo Censo do IBGE de 2000 e exposto por Alkindar Costa (2004). Entre 1980 e 2000, a população católica do município reduziu-se de 154.127 para 143.704, enquanto os evangélicos cresceram de 15.645 para 55.350. As principais filiações presentes na cidade são a Metodista Wesleyana, a Batista, a Presbiteriana, a Presbiteriana Independente e a Assembléia de Deus (Costa, 2004, p. 466, 471- 475). 81 Com 47.648 votos (21 mil deles em Volta Redonda), Edson Albertassi (coligação PSB/ PST/ PTC) elegeu-se deputado estadual em 2002 superando em votos o também eleito Nelson dos Santos Gonçalves Filho (41.010 votos) tradicional liderança política do município (http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/2002/result_blank.htm). O jornal Diário do Vale (edição de 08/10/2002) atribuiu a superioridade de Albertassi ao fato de ter se tornado um político intermunicipal com votos em todo o estado, enquanto Gonçalves concentrou sua popularidade em Volta Redonda.
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associações de moradores. São 25 conselheiros. Esse foi um viés que presidiu também o nosso orçamento participativo que eu que implantei aqui depois de muita crise. – Lincoln Botelho da Cunha.
Visando acelerar a construção do novo plano diretor, o governo, com base no edital da
privatização, aprovou o decreto nº 4.752 que implantava, em primeiro lugar, o “Entorno da Cicuta”,
área de proteção ambiental localizada em torno da floresta da Cicuta, e, em segundo, a desapropriação
de terrenos e imóveis da CSN sob a alegação de impedir a especulação imobiliária na cidade.
Incluíam-se aí a Escola Técnica Pandiá Calógeras, o Hospital da CSN, o Clube dos Funcionários, o
Recreio dos Trabalhadores, o Hotel Bela Vista e a Fazenda Santa Cecília (Opção, 10/04/1993). Tanto
Baltazar quanto o seu secretário de planejamento, Emmanuel Paiva de Andrade, defendiam a adoção
de medidas compensatórias para a cidade, incluindo uma indenização, o compromisso dos novos
proprietários em honrar o passivo ambiental da Companhia, a garantia de participação nas decisões da
empresa privatizada e, especialmente, a transferência para o município das terras ociosas a serem
destinadas à expansão urbana ordenada (Ferreira, 2005).
Ainda assim, o projeto do plano permaneceu parado por um ano até entrar em discussão, em
1993, atrasado por divergências surgidas entre o secretário de Planejamento e o presidente do IPPU.
Posteriormente, o mesmo secretário entrou em choque com representantes do movimento popular pela
recusa destes em participar de um conselho também composto por empresários, comerciantes e demais
organizações. O secretário afirmava que, em todas as cidades administradas pelo PT, os conselhos de
desenvolvimento urbano reuniam representantes de toda a sociedade (Jornal do Vale – 13/07/1993). O
conselho, segundo ele, deveria ouvir a cidade como um todo, enquanto o movimento, especialmente as
Comissões de Posseiros e de Direitos Humanos da Cúria Diocesana, defendia a sua composição
exclusivamente por pessoas ligadas ao setor popular. O Conselho das Associações de Moradores
(CONAM), por sua vez, já vinha se articulando para regulamentar o CMDU desde a realização de um
congresso extraordinário no Ciep Glória Russin, no Retiro, reunindo 110 representantes de associações
de moradores da cidade, além da presidente da FAMERJ (Federação das Associações de Moradores do
Estado do Rio de Janeiro), Sônia Rejane Pimenta, em dezembro de 1992. Além de discutir sobre o
CMDU, o congresso serviu para os representantes das associações reivindicarem mais postos de saúde
nos bairros, mais segurança nas ruas e para organizarem uma moção de repúdio à privatização da CSN
a ser enviada ao deputado federal Roberto Freire (PCB). E também para organizar as bases do
seminário de estudos sobre desenvolvimento urbano que seria realizado em 21 de janeiro de 1993 em
conjunto com a equipe de governo de Baltazar (Diário do Vale - 15/12/1992).
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Com relação ao CMDU, era um conselho cuja composição questionávamos (nosso grupo político no PT, no início da administração do Baltazar, em 1993) à época do encaminhamento do projeto de lei à Câmara, sem sucesso. O CMDU foi implantado ainda em 1993, sendo composto apenas por representantes da sociedade civil (1º equívoco: como fazer um conselho sem representação do governo?), os quais eram representantes dos setores territoriais em que a cidade foi dividida. Havia também um membro que representava o conjunto dos movimentos sociais. O grande equívoco era ter a sociedade civil representada apenas pela categoria 'moradores'. Como excluir a CSN, as demais empresas, os movimentos ambientais, as associações técnico-profissionais etc.? No entanto, implantamos o CMDU em eleições diretas nos bairros, com ampla convocação e muita mobilização. E esse Conselho acompanhou toda a elaboração do plano diretor, travando-se muitas disputas em seu interior e entre ele e os setores sociais que dele não faziam parte. Zeomar foi o 1º presidente do CMDU. Lenício, um perfil político bem diferente de Zeomar, também foi um ativo participante. – Cláudia Virgínia de Souza Cabral, ex-funcionária do IPPU. O secretário torcia pela regulamentação do conselho até fevereiro de 1994 porque a sua
efetivação seria um instrumento de suma importância para reduzir a sobrecarga sobre a Secretaria de
Planejamento em serviços como as leis de zoneamento. Engenheiro funcionário da Superintendência
de Pesquisa Operacional da Companhia entre 1981 e 1992, ex-candidato a vereador e ex-dirigente do
SENGE-VR, Andrade era um defensor da acentuação da presença da administração pública na
orientação de diversas políticas urbanas e de desenvolvimento na cidade. Integrante do núcleo do
Partido dos Trabalhadores que compôs a chapa que conquistou a prefeitura junto ao PSB, ele foi o
segundo secretário de Planejamento de Volta Redonda na gestão de Baltazar, substituindo o ex-
presidente do SENGE-VR, Edivaldo Corrêa de Assis, e planejava acelerar a implantação de um
Planejamento Estratégico Situacional (PES) e a elaboração de um orçamento participativo municipal.
O PES82 era um pouco do plano estratégico do governo e como que isso ia funcionar e interligar as ações de governo (...). Era o plano que a gente queria desenvolver no governo. Tiramos as marcas de governo, as ações para consolidar aquelas marcas de governo dentro da realidade que nós tínhamos (...). Foi uma experiência de planejamento muito legal. Porque não era um planejamento no papel, mas sim em cima de uma realidade muito concreta e com instrumentos práticos de controle. Confesso
82 O PES era uma metodologia do Carlos Mattus, que tinha sido ministro do planejamento do Salvador Allende, no Chile. O Mattus, quando ele saiu do governo no golpe, foi pra Venezuela e montou um grupo de pesquisa na área de planejamento estratégico e desenvolveu uma metodologia que era muito ligada ao setor público... Então, ele começa a pensar por que que a esquerda na América Latina custou a chegar ao poder e, quando ela chegou, não tinha os instrumentos técnicos pra exercer esse poder. Então, ele desenvolveu uma metodologia que se chama PES e que parte do princípio que você tem que dialogar com uma quantidade de atores muito maior do que qualquer empresa. Ele propõe o triângulo da governabilidade. Tem um vértice, que é o vértice do projeto, tem outro que é a capacidade técnica, gerencial e financeira e outro que é a governabilidade. Ele diz o seguinte: em geral, se você tem desequilíbrio nesses vértices, você não consegue realizar e você sai frustrado. Se você tiver um projeto grandioso e tiver capacidade de gerenciar mas não tiver governabilidade, não vai fazer nada. Ou vice-versa. Se tem governabilidade, capacidade, mas não tem projeto, você vai construir pirâmides. Então, ele fala o seguinte. A ação principal do planejador primeiro é buscar equilíbrio entre o tamanho do projeto e o seu desejo de construí-lo com o tamanho das suas capacidades técnicas, gerenciais e financeiras e da sua governabilidade. Então, o planejamento trata de buscar ações que produzam o equilíbrio entre esses 3 vértices. Ele diz que, normalmente, o planejamento tecnocrático parte de um princípio equivocado de que o verbo planejar é conjugado só na primeira pessoa do singular. Eu planejo, os outros se adéquam. – Emmanuel Paiva de Andrade.
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a você que nem tudo a gente conseguiu levar a cabo. Mas eu acho que a linha mestra nós conseguimos fazer. E muita coisa que deu certo no governo e que nos deu experiência foi em função de nós termos nos planejado. – Paulo César Baltazar.
O CMDU, no entanto, transformou-se em objeto de disputa política, enquanto outros
conselhos, como os de saúde e de transportes, já trabalhavam sem os mesmos contratempos. O
impasse se agravava porque os representantes de dez entidades comunitárias lideradas pelo Conam e
apoiados por Dom Waldyr Calheiros pressionavam a administração municipal – mediante “o fato de
esse ser um governo da Frente Popular” 83 – a declarar o conselho como entidade de caráter
deliberativo (o que, de fato, já constava na Lei Orgânica), ao passo que o prefeito demonstrava maior
inclinação por declará-lo como entidade de caráter apenas consultivo. O atraso no cumprimento da
agenda da Frente Popular, a começar pela morosidade na implantação do CMDU e do Fundo
Comunitário, gerou indisposições entre o prefeito e o movimento popular e levou ao rompimento com
a Igreja Católica. Baltazar ainda resistia em negociar com funcionários públicos em greve, insistindo
em promover uma redução no quadro da prefeitura e reprimia ocupações de terra na cidade, algumas
de grande proporção, como a realizada por cinqüenta famílias no bairro Água Limpa. O bispo, por sua
vez, classificava como nebuloso o cenário que se desenhava com a “falta de respostas a conquistas da
população que constavam na Lei Orgânica Municipal” (Diário do Vale – 25/08/1993). A cisão se
estendeu ao governo da Frente Popular, quando a vice-prefeita, originária das comunidades eclesiais
de base, decidiu manter-se a favor dos grevistas e dos posseiros, se fazendo acompanhar por um
pequeno segmento do Partido dos Trabalhadores enquanto o outro permanecia fiel ao prefeito.
Trabalhei como uma condenada na periferia, onde eu era mais conhecida. Isso foi em 1992. A Igreja toda apoiou a nossa candidatura. Nós ganhamos a eleição e fomos administrar a prefeitura. No primeiro ano, foi uma maravilha. No segundo, com a greve do funcionalismo público, todo mundo reunido na porta da prefeitura... Eu fui ajudar os companheiros no movimento grevista e balancei a vida do prefeito. Teve uma grande ocupação de terra no bairro Água Limpa. 50 famílias ocuparam. O prefeito acionou a PM, que foi de camburão. Aquilo ferveu de policiais pra defender a terra. A Dona Glória foi pra lá com o Dom Waldyr e outros posseiros. E o Baltazar contra os posseiros84. Isso foi se acumulando até que um dia ele fechou o meu gabinete. E eu cheguei à prefeitura e não tinha mais gabinete. Uma parte do PT ficou a favor dele e outra a meu favor. O PT de Volta Redonda perdeu
83 (...) pessoas presentes à discussão, no interior do gabinete, contaram que a reunião foi, em diversos momentos, áspera, com ambos os lados alterando por várias vezes o tom da voz. O encontro, segundo essas mesmas pessoas, chegou a ser encerrado três vezes por Baltazar, sem que os representantes comunitários deixassem a sala. – Diário do Vale – 08/07/1993. 84 Dom Waldyr Calheiros definiu como formal o seu relacionamento com as autoridades locais, salvo momentos de tensão provocados pelas ocupações de terra. No depoimento que prestou a Costa et al. (2001), o bispo descreveu os choques que teve com o prefeito Benevenuto dos Santos Netto (último nomeado) e com Paulo Baltazar acerca do despejo de moradores de áreas de posse (Costa et al, 2001, p.91).
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muito com isso. O nosso governo foi bem desencontrado. A gente teve uns embates políticos com relação à administração. – Glória Amorim.
Baltazar chegou a retirar do expediente da Câmara Municipal a mensagem que tratava da
criação do CMDU dois dias após lá ser colocada. Como alguns vereadores questionaram o seu caráter
deliberativo, a idéia era dar um maior espaço de tempo para que discutissem se caberia algum tipo de
emenda junto à Lei Orgânica para substituir a forma deliberativa por outra consultiva (Diário do Vale
– 3 e 4/07/1993). A prefeitura de Volta Redonda então realizou uma série de seminários para eleger as
cinco grandes marcas que norteariam o seu trabalho: participação popular, saúde, honestidade, cidade
bonita e geração de empregos e renda. O primeiro passo foi priorizar as obras que fariam parte do
orçamento de 1994 a partir do modelo adaptado das prefeituras do Porto Alegre, Vitória e Santos,
consistindo em uma participação popular mais efetiva inspirada na ampliação da democracia
participativa, já em andamento nessas regiões do país85. As razões de tamanha expectativa se
justificavam pela difusão, na mesma década, de experiências de governança política e econômica em
regiões brasileiras. Beneficiadas pelo processo de redemocratização do país e pelos avanços contidos
na carta constitucional de 1988, regiões industriais em franco declínio retardaram o processo de
desaceleração econômica e de fragmentação social com a elaboração de novas institucionalidades,
como o paradigmático modelo implantado no ABC paulista, o qual teve sua constituição demarcada,
como salientou Arbix (1996), pelo avanço no relacionamento entre empresariado e trabalhadores,
forças políticas mais influentes naquele cenário. O que atraía a atenção dos analistas com relação a
esse modelo era a capacidade de, ao menos em parte, ter formulado uma política de crescimento com
coesão, baseada na solidariedade e na complementaridade entre governos, empresas e sociedade civil,
ainda que, a despeito da ênfase no caráter tripartite dessas iniciativas, o “modelo ABC” convertesse a
sociedade civil em um apêndice, um complemento às ações perpetradas por Estado e mercado.
Para implantar essa concepção em Volta Redonda, foram contratados alguns técnicos que já
vinham de experiências exitosas de implantação de práticas de concertação social em regiões de
tradição industrial do país, como as Câmaras Setoriais da Indústria Automobilística e Regional do
Grande ABC, e que vinham assessorando diversas prefeituras petistas na implantação de novos
planejamentos estratégicos. Os principais nomes eram o do ex-professor de administração de empresas
da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-prefeito de Santo André, Celso Augusto Daniel,
empreendedor político do Consórcio Intermunicipal do ABC, e o do urbanista holandês Jeroen
85 “Nesses lugares, a prática já gerou uma cultura”, comentou o secretário, ansioso pelo dia em que isso também se repita em Volta Redonda – Jornal do Vale – 31 de julho de 1993.
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Johannes Klink. Ambos estiveram em Volta Redonda, em 1993, auxiliando a implantação do Conselho
Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) e a elaboração do orçamento participativo do
município. Daniel, em especial, foi um entusiasta do processo de integração da região e de
fortalecimento do poder local sob a forma de experiências de radicalização da democracia com o
estabelecimento de relações de parceria e confiança entre atores locais (Bourdin, 2001). Essa prática
verificada na difusão do “modo petista de governar”, nos últimos anos, encontrou referências
especialmente na implantação dos orçamentos participativos municipais. Esses orçamentos, e em
especial o de Porto Alegre, conforme exposto por Genro & Souza (1997), imaginavam contribuir com
a reconstrução do Estado Nacional através da valorização de espaços públicos e centros decisórios de
nível local que incentivassem o exercício dos direitos de cidadania, a capacidade crítica e fiscalizadora
dos indivíduos ao passo que submetessem a esfera estatal aos interesses populares. Em Volta Redonda,
essa metodologia disposta a valorizar e ouvir a pluralidade dos atores deparou-se com um panorama de
crise política de cisão interna ao Partido dos Trabalhadores e dele com o governo Baltazar. Finalizada
a assessoria do ex-prefeito de Santo André, incorporou-se por unanimidade a marca da “cidade bonita”
encarregada de induzir ao surgimento de outra cidade, onde não mais se sobressaísse os aspectos
denegridores, agressivos e pesados da siderurgia.
Quando a gente foi pro governo, a gente viveu momentos complicados porque não tinha um mês que não tinha uma plenária pra decidir a saída do governo, o que fragilizou o PT na aliança. O tempo em que eu fiquei na prefeitura foi um tempo de enfrentamento interno dentro do PT, de lutas internas dentro do PT. Inclusive, na questão de ocupação do espaço. E na secretaria de planejamento a gente viu a oportunidade (....). Duas coisas que eu acho que foram importantes nesse momento. O Celso tinha saído da experiência de Santo André. Um a experiência exitosa que a gente conhecia. Eu conhecia também o trabalho do Olívio Dutra lá em Porto Alegre, a “Porto Alegre Cidadã”. Eu acho que esse era o nome. A gente fez contato e a prefeitura contratou o Celso para prestar uma assessoria na elaboração do PES. (...) O Celso implantou essa metodologia em Santo André. Depois, ela se disseminou por toda a América Latina. Quase todas as cidades governadas pela esquerda tinham implantado metodologias parecidas. O Celso Daniel também era a pessoa que nos trouxe um pouco disso. Montava uma sala de situações em que as ações do governo eram bastante organizadas e planejadas para que acontecessem no tempo correto com as estruturas que a gente tinha. Precisava ter controle, fiscalização e aquilo que a gente sonhou, a gente tentava executar na prática e ver onde funcionou, onde não funcionava (...). Na época, o que eles chamavam de o “modo petista de governar” era isso. Era a incorporação dessa perspectiva. O modo petista nada mais era do que fazer um planejamento situacional que levasse em conta o conjunto dos atores etc, etc. Nós começamos a fazer reuniões e seminários juntando todo o primeiro escalão, segundo escalão e terceiro escalão numa grande plenária e discutindo... Eu me lembro que a coisa mais fantástica que aconteceu foi que, num dado momento da metodologia, nós precisávamos definir a marca de governo. (...) Foi uma pauleira, mas nós conseguimos aprovar por unanimidade a marca que nós queríamos, que era “Volta Redonda, cidade bonita”. E isso significava que todas as secretarias tinham que justificar seus projetos com um olho na marca. (...) É difícil uma cidade siderúrgica ser bonita. Essa era outra contradição da nossa marca. Fazer uma cidade siderúrgica ser bonita e fazê-la ser bonita num governo de esquerda. Então, todo o governo começou a se estruturar na perspectiva da cidade bonita. Inclusive, o orçamento participativo se justificava porque a gente precisava ouvir a comunidade e a
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vontade dela de fazer a cidade ficar bonita. Isso botou um eixo dentro da administração em que as pessoas começaram a ter liga. (...) Havia um corpo técnico com vontade de fazer isso e havia um movimento social ávido por participação. Quando você levava as propostas, as pessoas compreendiam rapidamente e respondiam. A assessoria anterior do Celso Daniel foi importante porque ela equalizou o corpo de gestão da prefeitura, que compreendeu essa linha de intervenção. A experiência que ele trouxe para o planejamento situacional foi fundamental para não se perder no varejo da administração. Mas eu acho que o principal fator foi a capilaridade do movimento popular e a sua ansiedade por participação, o que em Volta Redonda não era a história. Eu digo a participação em gestão, em conselhos deliberativos. – Emmanuel Paiva de Andrade.
Um pouco dessa metodologia de incorporação da comunidade pela gestão pública está
presente no artigo86 publicado pelo mesmo Daniel em 1996, no qual explicita a proposta de “inversão
de prioridades”, isto é, a priorização no uso de recursos para áreas sociais e obras de infraestrutura
urbana, como saneamento e pavimentação, em detrimento do investimento em grandes obras
“faraônicas, como o sistema viário”. Reconhecendo que essa inversão tanto seria favorecida pelos
ganhos de receita para os municípios proveniente das mudanças na Constituição quanto prejudicada
pela crise fiscal neles instalada no final dos anos 1990, o ex-prefeito apostava na criação de uma esfera
pública democrática que superasse práticas clientelistas enraizadas na cultura política brasileira, a
serem substituídas por outras de cooperação (como ele bem frisa, partindo da explicitação dos
conflitos) entre tomadores de decisão públicos e privados (Daniel, 1996). Fundamental para a
constituição desse modelo de esfera pública, sua eleição, bem como a de outros dois candidatos do
Partido dos Trabalhadores (PT), para administrar três dos sete municípios do ABC, em 1988,
estimulou a criação de um Consórcio Intermunicipal, experiência inovadora de gestão pública,
planejamento e busca de soluções integradas pelos atores regionais para questões de desenvolvimento
econômico, infraestrutura e meio ambiente, no momento em que a região começava a sofrer com a
reestruturação industrial (Ramalho et al., 2009).
Acho que ele estava fora da prefeitura de Santo André. Fez um bom governo e quando saiu ele montou essa empresa de consultoria e começou a prestar consultoria no país inteiro. E como a gente gostava muito do trabalho dele, nós conseguimos, naquela época, convencer o Baltazar a contratar alguém que pudesse nos dar um norte mínimo, inclusive na transição. Ele veio prestar assessoria desde quando o Baltazar foi eleito até a posse. Então, na transição, ele já começou a fazer algumas oficinas conosco, com os futuros secretários pra definir... E aí, começamos a trabalhar naquela metodologia do planejamento estratégico, definir marca de governo. Eu me lembro que o que mais motivava o Baltazar como marca de governo era a marca da “cidade bonita” porque Volta Redonda era uma cidade muito pesada, com muita fumaça e ainda tinha saído de um governo que tinha abandonado a cidade (...). – Cida Diogo
86 A Gestão Local no Limiar do Novo Milênio (1996).
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Quando a idéia de um orçamento participativo na cidade começou a ser colocada em prática,
o governo planejou dividi-la em doze regiões, cada uma responsável pela indicação de cinco obras
prioritárias. O extinto Jornal do Vale (edição de 11 de agosto de 1993) menciona que o município iria
dispor de cerca de CR$ 600 bilhões para a execução dessas obras prioritárias. O secretário de
Planejamento, que já havia feito o levantamento de 350 projeto prioritários, convidou as entidades
comunitárias de Volta Redonda (associações de moradores, sindicatos, órgãos de classe, clubes
filantrópicos e de serviços) para a apresentação e início das discussões sobre o orçamento
participativo. Todavia, as associações de moradores criaram uma comissão e passaram a condicionar a
sua participação no orçamento de 1994 à aprovação do CMDU pela Câmara Municipal. Baltazar então
passou a cobrar agilidade na implantação do conselho e na proposta que mandou à Câmara, no início
de julho de 1993, o CMDU seria formado por representantes de associações de moradores, posseiros e
entidades populares. A proposta não foi aceita pelos vereadores, que queriam incluir também
representantes de entidades que não fossem de caráter popular. Antes que a proposta fosse votada pela
Câmara, Baltazar a retirou e realizou mudanças como a redução do número de membros do conselho
de 29 para 25, sem que todos fossem necessariamente ligados a movimentos populares (Diário do Vale
– 07 e 08 de agosto de 1993). A participação seria aberta a associações de moradores, comissões e
entidades de um modo geral, e a escolha de representantes ocorreria entre os dias 16 de agosto e 17 de
setembro de 1993. Como interessava ao prefeito a aprovação imediata de um plano diretor, a Câmara
aprovou em regime de urgência e preferência a mensagem de criação do conselho (Jornal do Vale – 11
de agosto de 1993)87. A criação do CMDU foi firmada em 10 de agosto de 1993 e passou a envolver
associações de moradores, sindicatos e clubes de serviços, entre outras entidades (Diário do Vale –
11/08/1993). A proposta era montar coletivamente um anteprojeto de plano que seria colocado em
votação abordando questões referentes à poluição, às condições precárias do transporte coletivo, ao
desemprego e ao déficit habitacional. Vinculado ao gabinete do prefeito, o CMDU trabalharia junto
com o Executivo para uma política que desse uma nova diretriz à cidade através do novo plano a ser
submetido e aprovado pela Câmara, cabendo a ele ainda elaborar o plano plurianual (responsável por
definir os serviços que o governo deveria priorizar durante o mandato) e a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO).
87 Não posso impedir a participação de ninguém, como também não posso forçar que esse ou aquele segmento se engaje no processo – argumentou o prefeito, confiante de que a proposta será aceita pelos vereadores. Na opinião de Baltazar, divergências pessoais não podem se sobrepor ao conselho. “A discussão é muito mais importante do que os atores. Não existe dono do movimento e estão é gastando muita energia à toa”, criticou. No caso da Câmara não aprovar, o prefeito está disposto a iniciar a discussão com quem estiver interessado. “O ideal é que o conselho seja formalizado, mas se não for possível, a gente vai tocar o trabalho de qualquer jeito”, preveniu. – Jornal do Vale – 11/08/1993.
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A prefeitura então divulgou um cronograma de plenárias e reuniões que deveriam se estender
até o final de julho de 1993 e ficou decidido que a cidade seria dividida em 12 setores88 (de acordo
com critérios como densidade e proximidade) a fim de se organizarem para eleger dois representantes
cada por voto direto (Diário do Vale - 30/06/1993). Eles seriam responsáveis por encaminhar cinco
obras prioritárias para o CMDU a serem incluídas no orçamento de 1994. Pelo projeto apresentado
pelo governo municipal através do conselho, os moradores poderiam definir propostas para os 15% do
orçamento, previstos nas despesas com obras e serviços públicos. Nos anos seguintes, o conselho foi
dirigido por Lenício Huguenin, advogado e membro da OAB de Volta Redonda, e Zeomar Tessaro,
ex-vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), presidente do Sindicato dos Trabalhadores da
Construção Civil e um dos fundadores da associação de moradores do bairro Siderlândia, em 1983.
A importância do CMDU para Volta Redonda se justificava pela necessidade de obras de
infraestrutura vinculadas tanto ao plano diretor quanto ao orçamento participativo, mas também da
esperança depositada pela cidade em emplacar um instrumento de intervenção urbanística com ênfase
na gestão democrática local, “rompendo-se com a concepção estatista e tecnocrata de planejamento”
(Baierle, 2000, p. 198) predominante enquanto a CSN interferiu incisivamente na questão urbana
municipal, sendo a criação do IPPU a manifestação mais recente, até então, desse poder. Baierle
entende que a radicalização da democracia manifestada em instrumentos como os conselhos
municipais, o Orçamento Participativo e até as câmaras setoriais se traduz numa forma de cidadania
orientada por uma participação cada vez mais efetiva em espaços institucionalizados frutos do
reconhecimento de que uma cidade é produzida e constituída por uma multiplicidade de atores com
interesses diversificados. E, como o engenheiro José Lemos lembrou em entrevista ao jornal Primeira
Página, o atraso na criação do novo plano como conseqüência da demora em implantar o CMDU
poderia se chocar com o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social (PDES) (Primeira Página –
5-11 de junho de 1993), inclusive, inviabilizando a atração de novas indústrias para a cidade (uma das
88 Setor 1: Santo Agostinho, Morro da Conquista, Volta Grande, Parque das Ilhas, Voldac, Dr. Arnaldo, São João Batista, Jardim Carolina e Barreira Cravo; Setor 2: Brasilândia, Caieira, Cailândia, Nova Primavera, São Luiz, São Sebastião, Dom Bosco, Candelária, Pinto da Serra e Nova São Luiz; Setor 3: Três Poços, Vila Rica, Água Limpa, Vila Americana e Pedreira; Setor 4: Monte Castelo, Siderópolis, Jardim Tiradentes, Casa de Pedra, Jardim Belvedere, São João, São Geraldo, Sessenta e Jardim Esperança; Setor 5: Laranjal, Vila Santa Cecília, Rústico, Bela Vista, Jardim Normândia e Jardim Amália; Setor 6: Jardim Europa, Jardim Suíça, Minerlândia, Santa Inez, São Cristóvão, Eucaliptal, Ponte Alta, Morro de São Carlos, São Lucas, Conforto, Renascença, Jardim Ponte Alta, 208, 207 e Siderville; Setor 7: Padre Josimo, Belmonte, Jardim Belmonte e Siderlândia; Setor 8: Vila Brasília, Belo Horizonte, Coqueiros, Verde Vale, Mariana Torres e Nova Esperança; Setor 9: Açude I, Açude II, Açude III, Açude IV, União Retiro, Santa Rita de Cássia e G. Germano; Setor 10: Retiro, Bom Jesus, Eldorado e Cidade do Aço; Setor 11: Nossa Senhora das Graças, Aeroclube, Sam Remo, Niterói, Aterrado, Jardim Veneza e Jardim Paraíba; Setor 12: Santa Rita do Zarur, Santa Cruz I, Santa Cruz II, Vila Mury, Limoeiro e Jardim Primavera. Fonte: Prefeitura Municipal de Volta Redonda (PMVR).
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propostas desse último plano) e a construção da rodovia do Contorno89 (Primeira Página – 22 a 28 de
maio de 1993), uma das mais antigas obras de infraestrutura da cidade, pensada desde a administração
de Nelson Gonçalves, na década de 1970, e planejada com o objetivo de reduzir em até 10% o tráfego
de veículos no centro de Volta Redonda.
Na verdade, o que que ocorreu? Quando da privatização da CSN, ainda no governo do Baltazar, a cidade teve que ser repensada. Sob vários aspectos. Financeiro, tecnológico, de educação, de geração de emprego e renda, uma política social diferenciada. Naquele momento, inclusive, a constituição previa que os municípios com mais de 20 mil habitantes tinham que fazer o seu plano diretor. Já em 1994, foi implementada, quer dizer, no finalzinho de 1993, foi implementada, muito a trancos e barrancos, mas foi colocada uma lei na Câmara que aprovou um conselho pra discutir: o CMDU. Eu fui o presidente. O Lenício (Huguenin) foi o meu sucessor. Ainda no governo Baltazar. Porque essa era uma reivindicação anterior, ainda do governo Wanildo, que acabou não se implementando. Mas com a privatização e a questão da Constituição o que que aconteceu? Era preciso que se fizesse um novo plano diretor porque a cidade precisava apontar para onde ia crescer, como ia crescer, o que de fato seria o CMDU. Aí, ele foi implementado. Foi uma iniciativa do movimento popular encampado pelo governo municipal, que precisava de diretrizes e até então não tinha. As diretrizes eram da época dos militares, de 1975 ou 1976. Então, através do CMDU foi pensada uma estratégia de como eleger os seus representantes e acabaram ficando a maioria dos representantes do movimento social de fato. Enfim, criamos o CMDU, criamos toda uma equipe técnica, envolvemos a sociedade, envolvemos os políticos. – Zeomar Tessaro.
Com o atraso de três anos provocado pela resistência de algumas associações quanto à
atuação do governo municipal, o orçamento participativo da cidade foi finalmente inaugurado em 1996
com a realização de um seminário que contou com a presença do então vice-prefeito de Porto Alegre,
Raul Pont, e do prefeito de Angra dos Reis, Luiz Sérgio da Nóbrega, convidados para falar das
experiências de discussão ocorridas em seus municípios. O resultado foi o lançamento de um
documento chamado “Orçamento Participativo de Volta Redonda” publicado pela prefeitura e
sintetizando o seminário. Mas o orçamento funcionou timidamente naquele ano, se tornando um
instrumento meramente decorativo a partir de Antonio Francisco Neto, sucessor de Baltazar na
prefeitura.
Com relação ao CMDU, o conselho foi implementado e, antes de ser completamente
esvaziado, trabalhou na confecção do novo plano diretor, representando um avanço para uma cidade
89 “O prefeito Paulo Baltazar chegou a inaugurar um trecho de dois quilômetros, ligando a BR-393 à estrada de Pinheiral, encurtando o percurso entre Barra do Piraí e Pinheiral. A obra consumiu R$ 8,5 milhões (R$ 8 milhões investidos pela prefeitura e R$ 500 mil pelo governo federal) (Diário do Vale – 01/10/1996) e foi interrompida depois que o Ministério Público Federal (MPF) alegou que a construção infringia normas ambientais. A discussão sobre a retomada das obras começou em 2009. A rodovia é um projeto que se arrasta há anos na cidade. A construção ligaria a rodovia Lúcio Meira (BR-393), a partir de Brasilândia, à Tancredo Neves (VR-001), que faz a ligação do centro da cidade com a rodovia Presidente Dutra, e teria um significativo efeito de reduzir a passagem de veículos de carga pesada pelas ruas centrais da cidade. ”– Diário do Vale – 26/10/1994.
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que ainda vivia sob os auspícios de outro, ultrapassado e elaborado em fins da década de 1970. Este,
contudo, não foi aprovado pela Câmara dos Vereadores por contrariar interesses da CSN, a qual junto
do seu fundo de previdência, a Caixa Beneficente dos Empregados da Companhia Siderúrgica
Nacional (CBS)90, detinha dois terços das terras e inúmeras propriedades espalhadas pelo município: o
Escritório Central erguido em 1966 e local de trabalho de cinco mil funcionários da Companhia até os
primeiros anos da atual década, quando passou a abrigar apenas a Diretoria de Tecnologia de
Informação; a fazenda Santa Cecília (com 150 alqueires); a floresta da Cicuta (uma área de 131
hectares de Mata Atlântica em uma área limítrofe com Barra Mansa e usada para o lazer da população) 91; dois hotéis (o Hotel Bela Vista e o Sider Palace); o Hospital Siderúrgico Nacional (mais bem
equipado hospital da cidade, fundado em 1952 e dirigido ao atendimento de empregados da CSN,
aposentados, familiares e à comunidade); a Escola Técnica Pandiá Calógeras (naquele momento,
responsável pela formação dos técnicos que trabalhavam na siderúrgica); os colégios Macedo Soares e
Nossa Senhora do Rosário; o Recreio do Trabalhador Getúlio Vargas (área social criada em 1951);
além de terrenos, cujos direitos de uso foram cedidos a clubes, como o Clube Náutico, a Associação
Atlética Comercial, o Aero Clube e o Umuarama. Incluía-se nessa lista também a Fundação General
Edmundo Macedo Soares e Silva (FUGEMSS) implantada em Congonhas (MG), em 1961, como
Escola Industrial General Edmundo Macedo Soares (EIGEMSS) destinada a formar profissionais para
atuarem na mineração. Convertida em FUGEMSS, passou a prestar atendimento nas áreas de saúde,
assistência social, cultura, educação, treinamento e recreação, e teve a sede transferida para Volta
90A CBS Previdência foi fundada em julho de 1960 (dezessete anos antes da regulamentação da previdência complementar fechada no Brasil) em assembléia no auditório da Escola Técnica Pandiá Calógeras. Em 1967, iniciou uma agressiva expansão patrimonial com a ampliação do seu quadro de associados (já com 13.430 pessoas), com a aquisição de terrenos e imóveis, inclusive fora de Volta Redonda, e com a inauguração do Sider Palace Hotel, na Vila Santa Cecília. Em dezembro de 1979, o seu quadro social contava com 28.696 contribuintes e 5.638 aposentados recebendo benefícios. A década de 1980 foi marcada por novas aquisições e investimentos imobiliários, como a compra do edifício do Escritório Central da CSN por 6,119 bilhões de Cruzeiros e a construção do Sider Shopping (ainda hoje o principal prédio comercial da cidade, projetado em 1986 e inaugurado em 1989). Nos anos 1990, mudou a estratégia, passando a investir na defasada política habitacional da cidade com a venda de mais de 2.000 imóveis nos conjuntos habitacionais Volta Grande II e Vila Rica. Como a CSN é a principal patrocinadora da entidade, podemos indiretamente afirmar que a Companhia, através do seu fundo de pensão, manteve o investimento em infraestrutura urbana na cidade, o que oficialmente encerrou-se no final da década de 1960. Em 2000, ao completar 40 anos de existência, a CBS contava com 25 mil associados (17,5 mil em gozo de benefícios e 7,5 mil empregados ativos), uma inversão dos números apresentados no final da década de 1970. E, em 2005, 45 anos depois da sua fundação, já era o quinto fundo de pensão mais antigo do Brasil, ocupando o 26º lugar no ranking de investimentos com uma folha de benefícios chegando a R$ 154,2 milhões por ano em aposentadorias e pensões (correspondendo a mais de R$ 12 milhões por mês de benefícios previdenciais). – Fonte: Revista CBS Notícias – Edição Comemorativa de 45 anos – 1960-2005 – http://www.cbsprev.com.br/images/revista_CBS45_anos_2005.pdf. No boletim SENGE-VR Informa de 23/03/1999 (Ano VII – número 140), o Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda estimava haver 25 mil sócios da CBS, entre ativos, aposentados e pensionistas. 91A Floresta da Cicuta integra a antiga fazenda Santa Cecília ao lado da Rodovia Presidente Dutra e pertencente ao município de Barra Mansa, que foi desapropriada para a construção da usina. Outra área de preservação ambiental é a Floresta do Ingá, localizada ao norte do bairro Santo Agostinho. (Fonte: Plano Diretor Participativo 2008 – Volta Redonda, p.5).
100
Redonda, em 1990. Em 1998, a entidade passou a se chamar Fundação CSN para o Desenvolvimento
Social e a Construção da Cidadania já sob a marca das entidades encarregadas de elaborar e
encaminhar programas de cunho de responsabilidade social corporativa92. Uma avaliação produzida
pelo IPPU concluía que essas propriedades da CSN na cidade, incluindo a usina, somavam US$ 703
milhões. Sem essa última, o valor chegava a US$ 68,01 milhões (O Globo – 29/03/1993).
2.2 – Os padrões de eficiência do “Lee Iacocca brasileiro” e a recuperação econômica da
CSN
A gestão do engenheiro Roberto Procópio de Lima Netto à frente da Companhia foi
caracterizada pelas brigas que colecionou com o combativo Sindicato dos Metalúrgicos do Sul
Fluminense e pela polêmica defesa que fez da desestatização sob o argumento de que a diluição das
ações entre vários acionistas tornaria os funcionários proprietários majoritários da empresa com até
20% das mesmas numa espécie de “capitalismo popular” (mais tarde constituindo a estratégia do
Sindicato de participação no leilão), entendimento manifestado no livro que publicou em 1993. No
mesmo material, justificou o rigor das ações, apresentando a situação falimentar da empresa com o
atraso no pagamento de sete meses de salários aos funcionários à época que assumiu; dívida com
fornecedores (Light, Petrobrás, Rede Ferroviária etc.) que inviabilizariam o prosseguimento da
produção siderúrgica em um curto espaço de tempo; além da posição abertamente assumida por
setores governistas, como a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, fortemente inclinados a
sucateá-la, a despeito da sua enorme relevância para a economia brasileira demonstrada, sobretudo,
pelo fato de possuir o maior parque siderúrgico da América do Sul. No diálogo mantido com a
ministra, em abril de 1990, e reproduzido no livro, Lima Netto dimensiona entre os possíveis efeitos
do fechamento da usina uma crise no setor alimentício brasileiro, tendo em vista a escassez de latas
com aço produzido pela CSN; um impacto nos portos de Angra dos Reis e de Sepetiba, nos quais a
empresa era responsável respectivamente por 90% e 95% da movimentação; e efeitos negativos em
empresas também administradas pelo governo, como a Light e a Rede Ferroviária Federal, que tinham
na Companhia sua maior cliente, apesar das dívidas.
92Em abril de 1996, a FUGEMSS completava 35 anos de existência. As comemorações incluíram uma série de eventos e foram abertas por uma solenidade na Escola Técnica Pandiá Calógeras, que contou com a presença do prefeito Paulo César Baltazar, do diretor do Colégio Macedo Soares e candidato derrotado nas eleições municipais de 1992, Jessé de Hollanda Cordeiro, e do deputado estadual Antonio Francisco Neto (Diário do Vale - 16/04/1996).
101
O desmonte conduzido pelo engenheiro já vinha sendo esboçado há pelo menos quatro anos.
Veiga & Fonseca (1990) mencionam que boatos sobre privatização circundavam a siderúrgica desde
1986, quando o governo federal internamente iniciou uma campanha pela venda da Fábrica de
Estruturas Metálicas (FEM) e da COBRAPI. O governo Sarney, sob a figura de Roberto Cardoso
Alves, o Robertão, ministro da Indústria e Comércio (1988-1990) 93, se ocupou em desmoralizar a
gestão das empresas estatais no sentido de criar no seio da opinião pública um ambiente favorável à
privatização e, de setembro de 1988 a outubro de 1989, transferiu para o capital privado companhias
siderúrgicas estatais de pequeno e médio porte, como a Cosin, Cimetal, Cofavi e Usiba (Paula, 200294
apud Pereira, 2007). Mas, de acordo com autores como Minayo (2004), a idéia de privatização do
setor produtivo estatal era bem mais antiga e acompanhava o desenvolvimento dessas empresas desde
os governos militares, se acentuando no final da década de 1970, após os efeitos da crise mundial do
Petróleo, por pressão das elites empresariais privadas desejosas de virem uma redução do tamanho do
Estado e a desaceleração do seu empenho em agir como fornecedor de infraestrutura para o
desenvolvimento.
Em Volta Redonda, a campanha pela desestatização, como era de se esperar, foi problemática
e gerou reações da população, a qual “saiu às ruas em defesa de um pedaço da sua tradição e da sua
história, contra a privatização dessas duas estatais, num ato público ecumênico, na praça Brasil, dia 19
de dezembro de 1986” (Veiga & Fonseca, 1990, p. 68). A justificativa a favor do processo,
possivelmente, era a crescente batalha travada entre Sindicato e administração desde a paralisação de
1984. Até 1990, isto é, em um intervalo de apenas seis anos, a produção já havia sido paralisada por
doze greves gerais, comprometendo sua imagem de empresa sadia e pondo em risco a integridade e o
tempo de vida do seu principal alto-forno95. Lima Netto lembra que no exterior passou-se a atribuir à
CSN o apelido de empresa vaga-lume e que seu quadro excessivo de empregados (23.700 diretos,
além de 13 mil aposentados e outros milhares de empregos indiretos que gerava) completava um
cenário de asfixia provocado por um passivo de US$ 2,6 bilhões, dívidas, corrupção e desejo
manifestado pelo próprio governo federal em encerrar o seu financiamento com dinheiro público,
apesar de sempre ter sido usada como cabide de empregos por justificativas políticas e como
93 O Ministério teve várias denominações entre 1988 e 1990. Até janeiro de 1989 permaneceu como a pasta da Indústria e do Comércio. O nome foi alterado para Ministério do Desenvolvimento Industrial, Ciência e Tecnologia e, em março, para Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio. Cardoso Alves deixou o Ministério depois da posse de Collor, em 15 de março de 1990. 94 Paula, G.M. de (2002) “Cadeia Produtiva de Siderurgia”. Nota Técnica Setorial do Estudo de Competitividade por Cadeias Integradas: um esforço coordenado de criação de estratégias compartilhadas. Brasília, Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Instituto de Economia da UNICAMP. 95 Paralisações de siderúrgicas são mais problemáticas porque operações de abafamento e desabafamento são demoradas, perigosas e prejudiciais ao alto-forno (Lima Netto, 1993, p.76).
102
instrumento de controle da inflação pela obrigação de vender produtos abaixo do custo de produção.
Para Mangabeira (1993), o sucateamento resultou de uma crise de rentabilidade causada pela
“contradição estrutural das empresas estatais” (Daim96, 1977 apud Mangabeira, 1993), a um só tempo
funcionando como unidades produtivas capitalistas e como instrumentos de política econômica do
governo. A rígida política de contenção de preços empregada pelo governo no correr de várias décadas
teria feito explodir o déficit da Companhia a ponto de, em 1988/1989, a dívida da CSN praticamente
igualar seu capital, tornando a empresa tecnicamente falida e motivando posicionamentos favoráveis
ao seu fechamento. Mas, ressalta a autora acrescentando outra variável explicativa, a crise também
teria origem na década de 1960 e na perda do seu monopólio no mercado de aços planos com a
fundação de outras duas estatais, acarretando em todo o desmonte do modelo de company-town.
A privatização da CSN e de todas as outras siderúrgicas resultou, como salienta Pereira
(2007), da redefinição dos papéis desempenhados pelos setores públicos e privados na produção de
bens e serviços em curso por ocasião do desenho de uma nova ordem global. Para esse fim, um
conjunto de profundas reformas estruturais na economia e no Estado brasileiro foi encaminhado pelo
governo do novo presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello (1990-1992), vitorioso
no segundo turno disputado contra o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva (PT), nas eleições de 1989.
Para promover o controle da inflação galopante que acompanhou e tornou perdida a década
de 1980 – já enfrentada com inúmeras medidas e políticas econômicas de estabilização, como o
congelamento de preços e salários – , o governo investiu no lançamento de novos planos econômicos,
como os Planos Collor I (1990) e II (1991), infrutíferos a exemplo dos seus antecessores, os Planos
Cruzado I e II (1986) e o Plano Bresser (1987). Segundo o autor, o primeiro Plano Collor, também
anunciado como Plano Brasil Novo, instituído pela lei 8.031/90 demarcou a inserção do Brasil no
contexto neoliberal de encerramento do protecionismo da época do nacionalismo trabalhista e de
redefinição na relação entre Estado, empresários e trabalhadores. O plano em questão teria sido um
ponto de partida para a grande agenda de desestatização por começar a delinear um novo perfil para a
indústria brasileira na década de 1990, passando pela redução das alíquotas de importação e pela
abertura comercial juntamente com o incentivo à competição direta com o mercado internacional
(Pereira, 2007). Já Adalberto Cardoso (2003), em sua consistente crítica ao neoliberalismo, lembra que
o Brasil foi um dos últimos países “emergentes” a aderir à execução desse conjunto de reformas
econômicas, mormente depois de 1988, quando desestruturou o modelo desenvolvimentista escorado
na política de substituição de importações em favor da abertura comercial. Para o autor, o novo
96 Daim, S. “Empresa Estatal e Política Econômica no Brasil.” Estado e Capitalismo no Brasil (Martins, E.C. editor). São Paulo, Hucitec, 1977.
103
modelo econômico adotado pelo país desde então é de fácil compreensão, se traduzindo na adoção de
uma estratégia de estabilização monetária acompanhada da equidade entre as empresas estrangeiras e
as “empresas autóctones” (Cardoso, 2003, p. 63), o chamado “choque competitivo”. Sob essa lógica,
as empresas nacionais saíram em desvantagem, sendo, por um lado, obrigadas a reduzir preços e, por
outro, a encaminhar um doloroso processo de reestruturação produtiva a fim de ganharem em
competitividade, despejando produtos melhores e mais baratos no mercado. Enquanto alguns parques
produtivos (como o setor nacional de fornecimento de autopeças para a indústria automobilística,
fortemente impactado a partir de 1995 com a redução no número de empresas e nos postos de
trabalho) acabam sendo engolidos pela competição externa, outros acabam sendo forçados a conduzir
essa reestruturação sob a forma de incorporação de novas tecnologias e, principalmente, de uma
estratégia de flexibilização do mercado de trabalho, alvo central da crítica do autor97.
Como argumentam Hirst & Thompson (1998), os entusiastas da “cartilha neoliberal”
acreditavam nos mercados mundiais livres e na mobilidade do capital como soluções para os
problemas do desenvolvimento. Construiu-se assim um mito apegado ao nosso desamparo diante das
forças econômicas e da suposta ingovernabilidade dos mercados, o qual se tornou consensual com o
reconhecimento do esgotamento do modelo desenvolvimentista. Esse consenso foi predominante na
transição dos anos 1980 para os 1990 e decretou o colapso do modelo fordista-keynesiano e dos seus
principais pilares, como a colaboração corporativista entre indústria, trabalhador organizado e Estado
(que criaram condições para a influência política dos trabalhadores organizados na fase pós-1945), a
administração econômica nacional, a crença no pleno-emprego, o crescimento sustentado, a produção
em massa padronizada com numerosa força de trabalho manual semiqualificada (símbolo máximo do
projeto fordista) (Hirst & Thompson, 1998). Prevaleceu, portanto, o discurso segundo o qual o Estado-
nação estaria perdendo sua função e tendo sua centralidade nos processos políticos descompassada
pela crescente volatilidade dos mercados internacionais e pelo aumento do fluxo de capital para os
principais países em desenvolvimento. Além disso, os autores observam que a redução do papel do
Estado fez-se perceber, sobretudo, por meio das suas ações sociais necessárias em tempos de
dificuldade de manutenção dos índices de empregabilidade formal em certo patamar e pela progressiva
97 Em outro trabalho (Cardoso, 2000), o autor descreve a forma segundo a qual a política de substituição de importações agiu favorecendo o desenvolvimento do complexo automotivo brasileiro a partir da década de 1950. O Estado brasileiro criou várias condições para tornar interessante o investimento de empresas multinacionais, como a permissão e o apoio à importação de bens de capital pelas empresas; a isenção de tarifas de importação e de impostos na aquisição de máquinas e equipamentos; o incentivo à construção de uma rede de fornecimento de autopeças de caráter predominantemente nacional; e a implantação de uma política industrial de fechamento do mercado, dificultando a entrada de automóveis importados. Essa proteção foi desmontada pelo governo Collor com a abertura comercial e a liberdade de entrada de montadoras concorrentes no mercado nacional.
104
perda dos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo do século, valendo mencionar também
que a análise apresentada por eles procura relativizar o que classificam como a “retórica política da
globalização” negligente ao desconsiderar a evidente preservação de certas responsabilidades do
Estado, como a de assegurar a ordem política e econômica e oferecer os serviços de proteção social.
Logo, as transformações que estavam em curso na CSN acompanhavam um processo delineado desde
a década de 1970 nos países de economia central com a adoção de métodos flexíveis de produção, com
a transição de formas de produção características de um modelo de acumulação monopolista tido
como já superado para outras, incorporando muito mais a ênfase na competitividade e na qualidade
com a valorização das inovações tecnológicas e de novos mecanismos de gestão da força de trabalho, e
um aumento dos índices de produtividade com impactos sentidos direta e negativamente nas relações
de trabalho e nas instituições de defesa dos trabalhadores (Hirst & Thompson, 1998). De acordo com
os autores, a transição de um mundo regido pela corporação oligopolística nacionalmente enraizada
apoiada na produção em massa para outro dominado pelos métodos mais flexíveis com a proeminência
de empresas multinacionais menos rigidamente estruturadas compôs o cenário de consolidação do
chamado “pós-fordismo”.
Embora o avanço definitivo na estratégia de estabilização econômica só tenha se consolidado
com o lançamento do Plano Real, iniciado oficialmente em fevereiro de 1994, o país passou a assistir a
implementação dessa ampla agenda de reformas, a qual prosseguiu a despeito do tumultuado contexto
político dos primeiros anos da década com o impeachment do presidente da República, em 1992. O
governo do novo presidente Itamar Franco (1992-1994) é apontado por Pereira (2007), através de um
quadro comparativo feito com outros três ex-presidentes da República (João Batista Figueiredo, José
Sarney e o próprio Fernando Collor de Mello), como aquele a registrar o maior número de
trabalhadores demitidos (50.157), tendo privatizado dezesseis empresas estatais, segundo ele,
frustrando aqueles que apostavam na revisão das diretrizes da privatização após o impeachment de
Collor ou mesmo na completa suspensão do Programa Nacional de Desestatização (PND). Segundo o
autor, apesar das manifestações públicas de resistência e protesto às privatizações, em especial por
parte da CUT e dos partidos políticos de esquerda, e de Itamar não se identificar ideologicamente com
a postura privatizante de Collor, o cronograma estabelecido no governo anterior foi respeitado, ainda
que com um certo atraso, em virtude do ambiente institucional e das regras de desestatização já
constituídas.
Na apresentação feita pelo autor, o PND, como ficou conhecido o cronograma da
desestatização, surge como um programa da política econômica do Estado disposto a encerrar o Setor
Produtivo Estatal (SPE) para, em seguida, dar andamento a um conjunto de medidas, entre elas a
105
redução da dívida pública, a retomada do investimento nas empresas adquiridas pelo setor privado, a
modernização do parque industrial do país e a concentração dos esforços da administração pública em
atividades cujo êxito depende fundamentalmente da atuação estatal, exatamente o argumento
advogado pela executiva Maria Sílvia Bastos Marques e exposto na introdução do presente trabalho.
Com passagens por agências e órgãos estatais como o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e o antigo Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj), o ex-deputado
federal e ex-secretário de Indústria, Comércio e Turismo do estado do Rio de Janeiro, Márcio Fortes
(PSDB), em coletânea de artigos publicada em 199698, não apenas procura ratificar o argumento de
Maria Sílvia de defesa das privatizações como sugere ter acontecido uma redefinição da própria
categoria “desenvolvimento” no país, nos anos 1990, com reformas políticas, da administração
pública, dos sistemas tributário e previdenciário ajudando na rediscussão do papel do Estado. A
privatização, segundo ele, não seria tão simplesmente a alienação do patrimônio público a terceiros,
mas a colaboração do setor privado com o provimento de infraestrutura, tarefa que cabia ao Estado,
agora encarregado da oferta de serviços públicos.
Descrita por Pinho e Silveira (1998) como a “fase manufatureira” da privatização, pela
venda concentrada de empresas responsáveis por fornecer o suprimento de infraestrutura do país
(siderúrgicas, petroquímicas, indústrias de material aeronáutico e ferroviário etc.), a agenda de
desestatização executada entre 1990 e 1994 em diversos países latino-americanos teria contribuído
para incrementar a eficiência, a competitividade e, no caso brasileiro, democratizado o controle de
capitais dessas empresas. Ainda que o impacto fiscal das privatizações no período tenha ficado aquém
do esperado (uma redução anual nas necessidades de financiamento de apenas 0,4%, quando o
montante esperado com o Plano Collor I, em 1990, era de 2,5%), os autores defendem que as
siderúrgicas privatizadas durante o PND reverteram, nos anos 1990, a trajetória de prejuízos
característica dos anos 1980, reduzindo o seu endividamento bruto. Enquanto, em 1990, quando ainda
eram estatais, essas empresas teriam registrado um prejuízo de US$ 2,62 bilhões, em 1994, já estariam
apresentando um lucro de US$ 1,09 bilhão (Pinho e Silveira, 1998). Essas privatizações, dentro da
agenda neoliberal, foram fundamentais para a proposta de saneamento e enxugamento do aparelho
estatal, pois asseguraram receita líquida ao setor público, ajudaram a reduzir o déficit público e
financiaram a taxa de juros durante aquele período (Cardoso, 2003).
Mais uma vez segundo Pereira, o programa teve como gestor (quem lançava os editais e
definia os preços mínimos das privatizações) o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
98 A Virada do Rio – Texto & Arte Consultoria Editorial, 1996.
106
Social (BNDES) presidido, entre 1990 e 1992, pelo engenheiro e economista Eduardo Modiano. O seu
alvo preferencial eram empresas siderúrgicas historicamente problemáticas, deficitárias, mergulhadas
em corrupção e com um contingente excessivo de funcionários, a exemplo da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), por um lado, e outras lucrativas, como a Usiminas (Usinas Siderúrgicas Minas
Gerais), a qual já vinha realizando um processo de internacionalização. Localizada em Ipatinga e
privatizada em 1991, a Usiminas foi criada em 1963 com a responsabilidade, junto com a Companhia
Siderúrgica Paulista (Cosipa) (fundada em 1964), de romper com o monopólio da CSN, até então a
única empresa produtora de aços longos do país e responsável por 50% da produção siderúrgica
nacional, condição que gozava desde 1948 (Pessanha e Morel, 1991). Como assinalou Monteiro
(1995), a entrada em funcionamento dessas duas novas e concorrentes estatais desencadeou um
primeiro impacto na relação empresa/cidade constituída na década de 1940 e intensificada nos anos
1950. E a concorrência estabelecida no mercado siderúrgico a partir dessas empresas acelerou o
desvencilhamento dessa relação no início dos anos 1960, desaguando, anos depois, na já mencionada
derrocada do modelo de company-town, quando a redução do preço do aço em obediência à política
antiinflacionária do governo federal, a redução dos níveis de investimento e a perda das isenções
tributárias de que a empresa se beneficiava em Volta Redonda, impuseram um significativo aumento
de custos, inviabilizando a manutenção das suas responsabilidades públicas.
Iniciar a jornada de privatizações pela Usiminas foi uma forma encontrada de dar
credibilidade ao programa e a atrair a confiança de possíveis investidores. Empresa lucrativa,
tecnologicamente atualizada e sem qualquer necessidade de reestruturação financeira, a Usiminas foi
escolhida para ser um marco de uma nova concepção de privatização de antigas estatais sob a forma de
incentivo à aquisições “compartilhadas”, atraindo uma leque heterogêneo de investidores e acionistas
não necessariamente conhecedores do negócio, como bancos e fundos de pensão, e conquistando a
adesão de funcionários e trabalhadores chamados a participar como acionistas ou integrantes do
Conselho de Administração das empresas, sendo essa uma forma de convencer a sociedade dos
benefícios da privatização e de frear o ímpeto do movimento sindical, em uma fase de extrema
contestação ao governo federal (Velasco JR., 199799 apud Pereira, 2007).
A privatização da Usiminas foi organizada por Rinaldo Soares sob uma ótica diferente
daquela constatada em Volta Redonda, anos depois. Ele procurou, antes de tudo, organizar o processo
incentivando a inclusão do clube de acionistas dos funcionários e preservando a cultura de
investimento da siderúrgica em Ipatinga. Soares manteve-se na presidência nos dezoito anos seguintes,
99 Velasco JR., L. “A Economia Política das Políticas Públicas: fatores que favoreceram as privatizações no período1985/94”. Textos para Discussão, número 54. Rio de Janeiro: DEPEC/BNDES.
107
valorizando a condição da Usiminas como partícipe da comunidade. Contrariamente, a estatal de Volta
Redonda, às voltas com a desconfiança com Lima Netto, fracassou na reprodução desse mecanismo,
pois o engenheiro optou por enfrentar o emblemático Sindicato, extraindo antigos componentes da
diretoria e apoiando a vitória da Força Sindical, central fundada no governo Collor. Mas em termos de
desempenho econômico, a sua gestão, iniciada em abril de 1990, contribuiu decisivamente para que
houvesse uma inflexão positiva no balanço financeiro da empresa. Em 1991, depois de dez anos
deficitária, ela já apresentava seu primeiro resultado positivo, acumulando cerca de US$ 31 milhões
graças a um severo programa de ajustes que custou o emprego de mais de cinco mil pessoas e 545
cargos de chefia, reduzindo pela metade o endividamento da estatal com a renegociação de dívidas
com credores, entre eles bancos privados, outras empresas estatais e o governo estadual. E, ao término
do ano de 1992, a CSN exibiu o melhor desempenho da sua história, com um lucro líquido de US$ 125
milhões – US$ 23 milhões a mais que em 1991. Além da produção recorde de 4,5 milhões de
toneladas de aço líquido, a Companhia aumentou de 26% para 31% sua participação no mercado de
laminados. Por isso, a despeito do impacto no mercado de trabalho da cidade, os ajustes feitos por
Lima Netto foram exitosos e, após a privatização, a Companhia continuou a apresentar resultados
positivos. Com o aumento da produção chegando a 4,9 milhões de toneladas de aço líquido, somada à
redução de custos, a Companhia registrou um lucro de R$ 450 milhões em 1997, 65% maior que em
1996 (R$ 272 milhões), de R$ 464,4 milhões em 1998 (3,1% mais que em 1997), de R$ 1,64 bilhão100
em 2000 e de R$ 1,031 bilhão em 2003. Dez anos após a conclusão do processo, o lucro líquido
acumulado pela empresa chegava a R$ 5,862 bilhões, com prejuízo apenas em 2002 (R$ 219 milhões),
ínfimo se comparado aos cerca de R$ 17,584 bilhões de prejuízo registrados no período de 1979 a
1992101.
Demitido pelo presidente Itamar Franco em dezembro de 1992, Lima Netto estava prestes a
finalizar a montagem – em conjunto com a CBS e o Sindicato dos Metalúrgicos – de um grupo
composto por 28 mil sócios (entre funcionários da ativa e aposentados) para participar do leilão com a
expectativa de adquirir em torno de 20% das ações. Conforme salienta Pereira (2007), o engenheiro foi
um entusiasta da constituição do chamado Clube de Investimentos Oficial, uma forma de participação
na qual o trabalhador entregou as ações para o clube administrar em troca do recebimento de cotas.
Nesse sistema, o poder de voto foi transferido para a direção do clube indicada pelo próprio Lima
Netto e eleita em assembléia que contou com apenas duzentos funcionários. Como à CBS caberia
100 O desempenho da empresa em 2000 lhe rendeu o prêmio de empresa do ano na 28º edição da premiação "Melhores e Maiores" da Revista Exame (O Globo - 05/07/2001). 101 O Globo – Edições de 28/03/1993, 19/03/1998, 10/03/1999, 06/04/2003 e 11/03/2004.
108
obrigatoriamente 9,2% das ações após o leilão por força do edital de privatização, a expectativa de
Lima Netto era somar esse percentual aos possíveis 20% a serem adquiridos durante o leilão,
representando para os trabalhadores um controle acionário de 25% da Companhia. Mas o trabalho de
composição do Clube gerou críticas e insinuações sobre a isenção de Lima Netto em todo o processo,
levanto-se a partir daí suspeitas de uma possível transferência de ações para executivos da empresa,
incluindo o próprio engenheiro, o que contribuiu diretamente para sua demissão e para a suspensão do
leilão programado para o final daquele ano.
O substituto de Lima Netto na presidência foi Sebastião Faria de Souza102, engenheiro de
carreira e diretor de operações da Companhia que ocupou a presidência por apenas cinco meses, entre
dezembro de 1992 e abril de 1993. Crítico daquilo que qualificou como doação e não privatização103,
Faria assumiu o cargo por convite de Itamar, em primeiro lugar, para reavaliar o valor da empresa e,
em segundo, para conduzir a transição de empresa estatal para privatizada pelo conhecimento que
detinha e pela sua credibilidade perante aos funcionários. Mas a substituição de Lima Netto por Faria
também gerou expectativas negativas entre engenheiros e executivos da Companhia defensores da
privatização, temerosos de que a troca na direção pudesse refrear o processo agravado pela condição
mais avançada da Usiminas, uma concorrente direta no mercado siderúrgico, já privatizada e livre da
dependência de recursos previstos pelo orçamento federal da União. Inconformado com o valor de
US$ 1,6 bilhões estipulado pelo outra diretoria, Faria solicitou, através de carta enviada em março de
1993 a André Franco Montoro Filho, presidente da Comissão Diretora do PND, uma nova avaliação
da empresa, alegando que o patrimônio líquido à época seria de cerca de US$ 4 bilhões, estimativa
ignorada no relatório elaborado para definir o valor mínimo do leilão do qual participariam dois
consórcios, que subestimou a capacidade de produção, estimando-se alcançar um índice de 4,5 milhões
de toneladas em um prazo de apenas dez anos, caso fossem realizados vultosos investimentos. Ele
também defendia a exclusão da negociação dos ativos não operacionais (os terrenos, o hospital, o hotel
Bela Vista etc) para a cidade não ficar refém da Companhia, vendendo-se assim exclusivamente sua
102Foi admitido na CSN, em 1964, como engenheiro na área de manutenção elétrica e ocupou funções como engenheiro chefe de departamento, superintendente, superintendente geral, secretário de abastecimento e diretor de operações até chegar a presidente. Aposentou-se em 1993, quando passou a assumir cargos em autarquias municipais, como o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU) e a Superintendência de Serviços Rodoviários, onde foi diretor-presidente (Lannes, 2001). 103 “Inicialmente, eu gostaria de deixar claro que nunca fui contrário ao processo de privatização. Eu fui contra o processo de doação. A mídia à época explorou muito esse posicionamento meu, afirmando que eu era contra a privatização. (...) Eu não concordava e não concordo que uma empresa que tinha um patrimônio líquido à época de 4 bilhões de dólares fosse avaliada em 1,6 bilhões de dólares. Então, fosse esse ponto que desencadeou o processo de mudança na direção da empresa. Com a queda do Collor, o Itamar sabendo do meu questionamento a esse respeito, me convidou para assumir o cargo. (...) À época, o Itamar afirmou que queria fazer uma nova avaliação da CSN. Dessa forma, eu acabei aceitando o desafio.” – Sebastião Faria de Souza (Lannes, 2001).
109
parte produtiva (Lannes, 2001)104. O engenheiro Darker Pamplona entende que Itamar Franco cogitou
desistir da privatização, mas foi coagido a prosseguir por conta da agenda de retirada do Estado da
economia, já em curso. No depoimento abaixo, comparando com o ocorrido na Usiminas, ele insinua
que a não demissão de Lima Netto teria fortalecido o comprometimento da CSN com a comunidade
local.
A CSN tem uma particularidade na privatização que diferencia ela das outras grandes empresas que foram privatizadas, como a Usiminas e a própria Vale do Rio Doce. É que todas essas empresas tiveram uma participação muito grande das diretorias no processo de privatização. Por exemplo, na Usiminas, o Rinaldo (Soares), que era o presidente, envolveu o clube de acionistas dos funcionários, a fundação e com isso, no processo, ele ficou com o poder total. Tanto é que ficou como presidente por dezoito anos. Isso trouxe certa estabilidade porque como o Rinaldo foi criado lá dentro, ele respeitou a cultura da empresa. A Usiminas, ao contrário da CSN, continuou investindo muito pesado em engenharia, em desenvolvimento, continuou investindo na cidade, continuou participando do corpo da comunidade. Com a CSN aconteceu um acidente. Em 1992, com a saída do Collor e a entrada do Itamar (...). Ele não queria privatizar a CSN. Erradamente, erradamente. E demitiu o Lima Netto, que tinha todo o arcabouço montado como tinha sido feito pelo Rinaldo. Mas foi demitido e foi colocado um presidente que era o Sebastião Farias de Souza, de Volta Redonda mesmo. Só que o Itamar disse a ele (Sebastião) pessoalmente que a CSN não seria privatizada. Isso em novembro de 1992. Em fevereiro de 1993, saiu o edital de privatização sem o Faria saber. E o Lima Netto tinha montado um grupo pra participar da privatização. Sendo que ele entraria com um poder maior nesse grupo se tivesse nas mãos a CBS, que era a fundação dos empregados, e o fundo de investimento. Ele partiria de 22% das ações da CSN na mão. Fácil, fácil ele seria o Rinaldo da CSN. Ocorre que o Faria não deixou que a CBS entrasse no grupo da formação do conselho de acionistas da empresa. O Lima Netto entrou enfraquecido e teve que ceder espaço (...). Quem comprou levou uma mina fabulosa (Casa de Pedra) de altíssima qualidade e bem localizada, levou toda uma cidade com todos os terrenos de Volta Redonda. O grande erra foi não dar condições para que o governo participasse desse ganho. Ela foi vendida por 1,68 bilhões de dólares. (...) O Itamar tinha que privatizar por causa do programa do Collor, que era aceito pela comunidade internacional. E pegou um governo com uma inflação altíssima e precisando de dinheiro. A idéia dele era honesta (...). Quando chamou o Faria na sala dele e falou que não ia privatizar a CSN, eu acho que ele falou isso honestamente. Só que a pressão era muito grande. Havia uma agenda de privatização e de retirada do Estado de áreas produtivas, diferente das décadas de 1960 e 1970 (...). – Darker Valério Pamplona.
2.3 – O debate sobre a quantificação do passivo ambiental na “Cubatão da Década de 1990”
Enquanto Lima Netto era substituído por Sebastião Faria na presidência da estatal do aço,
aumentava a pressão sobre a Companhia em termos de considerar o impacto ambiental decorrente da
104 No depoimento que concede a Lannes (2001), Faria destaca ter defendido também a exclusão do terreno que pertence à Companhia em Itaguaí (RJ), onde estava prevista a construção da Usina II. Adquirido na década de 1970, o terreno é quatro ou cinco vezes maior do que a usina de Volta Redonda, apresentando ótima localização pela sua proximidade com o Porto de Sepetiba. Ainda de acordo com o engenheiro, para a área, inicialmente, estavam programados diversos projetos, como o de processar bobina quente juntamente com os produtos semi-acabados de Volta Redonda, fazendo uma espécie de produção integrada. A usina teria a capacidade de produzir 10 milhões de toneladas de aço.
110
sua atividade, em especial sobre o rio Paraíba do Sul. Interpretada como uma nova fonte de conflito na
cidade (Leite Lopes, 2004) e, em grande parte, reflexo da Eco-92 e da série de iniciativas de controle
ambiental desenhada pelo governo Itamar Franco (Leite Lopes, 2006; Graciolli, 2007)105, a pressão se
acentuou quando, “às vésperas do leilão de privatização da Companhia, a prefeitura, conquistada por
gente envolvida com as lutas sindicais dos anos 1980, se associa ao Programa Saúde do Trabalhador
(PST) do governo estadual e exige a inclusão de uma cláusula ambiental no edital de privatização
como uma compensação pelo ‘passivo ambiental’ da empresa” (Idem, 2004, p. 43). Contando também
com a pressão do Sindicato dos Engenheiros, a ação ambiental acentua uma nova forma de
antagonismo, dessa vez entre a administração pública municipal e a Companhia, já em fase de
transição para assumir a feição de empresa privada. Paulo Baltazar propunha uma completa revisão da
relação prefeitura/empresa, tratando a Companhia como uma cliente, rompendo com a histórica
submissão da cidade e, por fim, forçando-a a reconhecer uma série de obrigações e responsabilidades,
como o cumprimento dos seus compromissos fiscais e ambientais.
(...) a gente já estava numa luta política que extrapolava a CSN e ia pra cidade. Aí, a gente começa a ter um embate muito grande com a CSN. Não dá pra você falar de nada em Volta Redonda sem falar da CSN. Eu costumava dizer, na época, o seguinte: nós temos uma cidade desse tamanho com um orçamento da ordem de 50 milhões – os números podem estar desatualizados na minha cabeça – e, dentro dela, uma empresa com um faturamento de 250 milhões106. Ou seja, a CSN era cinco vezes maior do que a cidade de Volta Redonda do ponto de vista do faturamento. Isso colocava o relacionamento entre prefeitura e CSN num nível de submissão, como tinha sido durante toda a história passada... O poder público era subordinado, os serviços públicos essenciais eram garantidos pela CSN. Mas quando você começa a ter um governo que tem um projeto político, começa a ter uma relação de alto tensionamento. Havia todo um movimento social contrário à privatização (ABI107, OAB, governo do estado, etc). E na prefeitura nós buscamos uma linha de ação diferente. Uma face muito visível do ônus da industrialização brasileira em Volta Redonda era a questão ambiental. A existência de depósitos e rejeitos era dramática. Como o ônus estava lá, nossa tese era a seguinte. Se o Estado quer privatizar, enquanto cidadãos nós vamos lutar, mas enquanto administração nós
105 O ministro do meio ambiente, Fernando Coutinho Jorge, chegou a cogitar a assinatura de um decreto de criação do Programa Nacional Pró-Paraíba do Sul, que, com base em um custo inicial de US$ 550 milhões, previa o tratamento de efluentes industriais e esgotos domésticos que poluíam o rio. No mesmo período, já surgiam propostas do Conselho Empresarial do Meio Ambiente e Desenvolvimento e do Ceivap (Comitê de Estudos Integrados da Bacia do Vale do Rio Paraíba do Sul) também procurando alternativas de controle de poluentes e de gestão da bacia. O Ceivap foi criado pelo decreto federal número 1.842 de 22 de março de 1996 e é um parlamento onde ocorrem os debates e decisões descentralizadas sobre as questões relacionadas aos usos múltipos das águas da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, inclusive a decisão pela cobrança pelo uso da água na bacia. O Comitê é constituído por representantes dos poderes públicos, dos usuários, e de organizações sociais com importante atuação para a conservação, preservação e recuperação da bacia (Fonte: www.ceivap.org.br). 106 O orçamento da prefeitura para 2010 foi estipulado em R$ 687 milhões (Fonte: Diário do Vale – 06/11/2009) e a CSN teve um lucro líquido de R$ 2,598 bilhões em 2009, com uma queda de 54,9% provocada pelo impacto da crise econômica mundial(Fonte:http://www.brasileconomico.com.br/noticias/lucro-da-csn-cai-549-em-2009-para-r-259-bilhoes_77587.html). 107 Em 1992, o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, representando a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), liderou uma ação popular para frear o andamento do leilão de privatização.
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queremos que essa cidade seja indenizada. E o prefeito abraçou. E aí, a gente foi buscar a idéia do passivo ambiental e o quantificamos criando n projetos de recuperação urbana, projetos que teriam impacto positivo na reconstrução do ambiente. Montamos um programa. Se não me engano, eram trinta projetos diferentes. Desde a recuperação da Ilha São João até a recuperação das áreas de periferia e de posse. Montamos esse projeto, forçamos esse projeto e entramos com uma ação na justiça por ocasião da privatização pedindo uma indenização de 60 milhões de dólares, que era o volume dos projetos que nós orçamos. Foi a única ação que teve ganho no processo de privatização. Foi deferida pela juíza e aí teve que haver uma negociação nos projetos de recuperação do passivo ambiental. Então, essa foi a nossa ação nos primeiros tempos da relação com a CSN. – Emmanuel Paiva de Andrade.
A inclusão do Programa Ambiental Compensatório (PAC) no edital de privatização foi
classificada como o avanço definitivo rumo à completa “desnaturalização” da questão ambiental na
cidade (Leite Lopes, 2006) e na concepção de Letícia Barroso, coordenadora da Agenda 21 local,
tratou-se do primeiro grande rompimento entre o verdadeiro “calcanhar-de-aquiles” do estado do Rio
de Janeiro e a “Cubatão da década de 1990”108, quando pela primeira vez o município “diz” à empresa:
“- olha, você vai ter que pagar pelos danos causados!”. A “questão pública do meio ambiente”,
vislumbra Leite Lopes (2004), parecia substituir a “questão do trabalho” enquanto elemento a interferir
na elaboração de novas identidades e subjetividades, com a CSN ganhando contornos de um “caso
ilustrativo singular” vendo-se diante das pressões promovidas por uma ação civil pública com a
exigência de uma reparação ambiental (Leite Lopes, 2004)109.
Eu fui prefeito nesse período, em que a privatização ocorria (...). Nós fomos lutar. Ganhamos o PAC (Programa Ambiental Compensatório). No leilão de privatização, ele foi incluído. Foi uma demanda judicial que eu provoquei e que acabou num acordo que eu não recebi no meu governo, mas que o governo seguinte recebeu e eu acho que ainda tem recursos pendentes para receber. Nesse momento histórico, eu acho que é bom lembrar o seguinte. Eu acho que o nosso governo quebrou um pouco
108Em dezembro de 1992, o presidente da Feema, Adir Ben Kauss, estimou ser a CSN responsável por 80% da carga de poluentes industriais lançados no rio Paraíba do Sul. Os índices de casos de doenças típicas de poluição como hipertensão, doenças pulmonares, de faringe, de esôfago etc., em Volta Redonda, na década de 1990, seriam comparáveis aos de Cubatão, cidade da Baixada Santista marcada pelos altos índices de poluição na década de 1980 provocados pelo seu parque industrial capitaneado pela Cosipa. Segundo Kauss, o Passivo poderia chegar a US$ 160 milhões se fossem consideradas todas as multas e todos os programas de recuperação e minimização dos impactos decorrentes das poluições hídrica, atmosférica, sonora e de solo de responsabilidade da CSN (Jornal do Brasil – 05/12/1992). 109Apesar de todo o discurso em torno da questão ambiental, Volta Redonda só ganharia órgão oficiais de controle e acompanhamento do meio ambiente, em meados da década. Em 1995, foi criada a Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente (Coordema) e, em 1997, a Secretaria de Serviços Públicos e Meio Ambiente. No mesmo ano, foi instalada a Comissão Pró-fórum da Agenda 21 local. Já a Feema só passou a atuar de forma mais efetiva depois de 1999, quando novos dados sobre a poluição no rio Paraíba do Sul foram levantados pela Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro (ALERJ) e quando o Conselho Estadual de Controle Ambiental (CECA) exigiu que a empresa fosse submetida a uma auditoria ambiental. A partir da auditoria, a empresa foi obrigada a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A empresa assinou o termo em 2000, se comprometendo a realizar 130 obras e ações ambientais ao custo total de R$ 180 milhões. Concluído em 2003, o TAC acabou custando R$ 252 milhões e foi aplicado em equipamentos e ações de controle da poluição atmosférica e hídrica, tratamento de resíduos sólidos, monitoramento, estudos para desativação de equipamentos e gestão de risco (Baptista, 2008, p.77).
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esse paradigma de que a cidade considerava a CSN sua mãe (...). Uma figura simbólica (...). E a CSN considerava a cidade sua filha (...). Portanto, a filha era dependente da mãe e a mãe mandava na filha. Os governos faziam isso. Eles eram subordinados. Quando chegamos, eu disse: ‘- A cidade tem que ter vida própria. Não privatizaram? Então, nós vamos ter vida própria.’ E aí, ao invés de fazer um governo que dependia das bênçãos da CSN, nós buscamos dialogar, mas dizer à ela o seguinte: ‘-Vocês são bem-vindos, queremos que continuem produzindo aço, mas a cidade é uma coisa, a Companhia é outra. Então, os empregos, nós queremos tratar direitinho (...)’. Por exemplo, nós levantamos que tinha uma parte da CSN que não era tributada, do ponto de vista da arrecadação municipal (...). E aí, mandamos medir e dissemos: ‘- A conta é essa. Se todos pagam, vocês também têm que pagar. Nós temos um ônus (...)’. – Paulo César Baltazar.
Recuperando o depoimento de Dom Waldyr Calheiros a Costa et al. (2001), é possível
perceber que a privatização começou a ser discutida abertamente durante a primeira rodada de
negociações para o término da greve de 1988 entre o Sindicato, o então presidente da Companhia,
Juvenal Osório, e o ministro da Indústria e Comércio, Roberto Cardoso Alves. Com ela em curso e a
população já sendo convencida dos seus benefícios, coube à prefeitura realizar um plebiscito (apesar
de 80% dos votos terem sidos contrários à venda da estatal, pouco mais de sete mil pessoas
compareceram para votar) e aderir a resistências como o Fórum de Debates e Alternativas de Volta
Redonda, constituído para apontar saídas para a crise na usina a partir do slogan “De Volta Redonda a
volta por cima”. O fórum recebeu a adesão de Sindicatos, associações de moradores, entidades
estudantis e religiosas, todos dispostos a informar a população sobre os impactos do Programa
Nacional de Desestatização e foi sucedido por outras ações de resistência, como o Comitê Popular
Contra a Privatização liderado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pelo prefeito e pelo
bispo Dom Waldyr Calheiros, que definiu como um desastre a venda da Companhia. Poucas semanas
antes do leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, Calheiros, em entrevista ao jornal
Folha de São Paulo, prognosticou a conversão do município em uma fazenda, do escritório central da
Companhia em casa grande e reconheceu a inevitabilidade da privatização mediante a incapacidade
dos operários em perceber o eminente “desaparecimento da cidadania” em Volta Redonda.
Então, o capital privado vai transformar isso aqui em uma espécie de fazenda, com uma porteira na via Dutra e outra na rodovia Lúcio Meira, e a casa grande será o escritório central. Duvido que o empresário não faça o prefeito da cidade. Vai desaparecer a cidadania. (...) A comunidade, a massa, não percebe as conseqüências do que vai acontecer. Você pergunta aos operários e eles respondem: “Não queremos é perder o emprego.” Eles estão dominados por isto. Não entendem a política internacional, nem a nacional e nem mesmo a local. – Dom Waldyr Calheiros – Folha de São Paulo – 28 de março de 1993.
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2.4 – Eleição sindical de 1992: da CUT à Força Sindical passando pelo Formigueiro
Depoimentos prestados por lideranças sindicais contrárias e favoráveis revelam que, salvo a
atuante esquerda de uma cidade ideologizada, o movimento contrário foi gradualmente se esmaecendo
a ponto de ficar cada vez mais limitado a setores como a Igreja Católica, a CUT e o PT. O ex-
sindicalista Luiz de Oliveira Rodrigues, por exemplo, recorda que essa desmobilização atingiu
notadamente os trabalhadores, temerosos com o fechamento completo da usina, cenário entendido
como o mais pessimista possível. Já o ex-secretário de planejamento e ex-dirigente do SENGE-VR,
Emmanuel Paiva de Andrade, derrotado na eleição sindical de 1992, observa a crescente incapacidade
de convencimento da massa da população nos meses que antecederam o leilão e acredita que a
desconfiança substituiu a defesa do patrimônio público nacional como pano de fundo graças à
articulação política tecida entre Lima Netto e Força Sindical da qual Luizinho foi o produto mais bem
elaborado.
Por reconhecer no Sindicato dos Metalúrgicos presidido por Vagner Barcelos um forte
opositor à privatização, Lima Netto, logo após assumir a presidência da Companhia em abril de 1990,
desenhou um projeto de gestão que priorizava o estrangulamento da entidade pela estratégia de minar
a sua base, a modificação das relações trabalhistas na Companhia e a consolidação do Total Quality
Control (TQC), um sistema gerencial industrial transplantado do Toyotismo e que já vinha sendo
implantado desde janeiro daquele ano.
Para estrangular o Sindicato e conduzir as demissões sem perder o apoio dos empregados, o
engenheiro precisou convencê-los sobre os benefícios da privatização ao passo que cooptava
integrantes da diretoria, estratégia que se tornou mais evidente durante a eleição sindical de 1992,
vencida por Luizinho. A resistência imposta por Vagner Barcelos passava pela contestação dos
critérios adotados pelo governo federal para o saneamento da estatal, pelo questionamento das
demissões em curso e da própria necessidade de haver de fato a privatização. Barcelos defendia como
alternativa a redução dos altos salários do corpo administrativo da Companhia, a atualização dos
preços dos produtos vendidos por ela, segundo ele abaixo do mercado, e o fim da utilização de parte
do seu faturamento para o pagamento dos juros de dívidas do próprio governo. Por fim, o sindicalista
julgava ser impossível a compra de ações da Companhia pelos funcionários, como planejava Lima
Netto com a confecção do Clube de Investimentos Oficial (O Estado de São Paulo – 05/05/1990). Para
agravar a situação, durante a campanha salarial de 1990, os metalúrgicos decidiram reivindicar um
reajuste salarial de 166,9%, 10% de produtividade, readmissão de demitidos e o pagamento de
atrasados, como ações na justiça, resultados de acordos e a “Girafa”, naturalmente recusados pela
114
Companhia (Pereira, 2007). Embora Barcelos tenha sido contrário, ao não haver um acordo o
Sindicato decidiu encaminhar uma greve que contou com a adesão de mais de 10 mil trabalhadores em
11 julho de 1990 e que se prolongou por trinta dias até ter seu fim decretado pela direção da entidade.
Ao seu término, o Sindicato havia sofrido uma humilhante derrota sem atingir suas reivindicações, os
trabalhadores foram descontados do seu salário pelos dias parados e dezenas deles foram demitidos. O
Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou como abusiva a greve, indeferiu reivindicações como a
reintegração de demitidos e concedeu reajustes salariais abaixo do exigido pelo Sindicato. Para
agravar a situação, Barcelos constatou que um grupo de oito dirigentes sindicais, a maioria deles
ligados a Juarez Antunes nos anos 1980, estava negociando diretamente com Lima Netto em nome dos
trabalhadores.
Expulsos do Sindicato, os dirigentes liderados por Luizinho e Luiz Albano constituíram o
grupo intitulado como Formigueiro e passaram a se alinhar ao presidente da Companhia, ajudando a
minar a legitimidade de Barcelos e da CUT frente aos trabalhadores, aspecto que se tornou evidente
durante a campanha salarial de 1992. Já na eleição sindical realizada em seguida, o grupo do
Formigueiro constituiu a Chapa 4 em torno do nome de Luizinho e em defesa da implantação de uma
nova metodologia de negociações, nas palavras de Monteiro (1995), mais aberta e regular entre
trabalhadores e empresa, na qual o pressuposto era a modernização das relações de trabalho pela via
do fortalecimento da instituição sindical e do enfraquecimento do envolvimento partidário da entidade,
bem como da figura do líder sindical. A inscrição da Chapa 4 polarizou a disputa eleitoral entre
Luizinho e o então presidente do Sindicato, também representante da CUT, Vagner Barcelos,
concorrendo pela Chapa 1. A eleição ainda contou com dois outros candidatos, o ex-presidente
aposentado do Sindicato, Waldemar Lustoza Pinto (Chapa 2), e Alexandre Cerezo, também dissidente
da diretoria, concorrendo pela Chapa 3.
Terminou ontem a votação para eleger a nova diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, cujo resultado será conhecido hoje. Quatro chapas concorrem à eleição, que começou terça-feira e transcorreu tranquilamente. A disputa acabou polarizada entre as chapas 1, encabeçada pelo atual presidente do Sindicato, Vagner Barcelos, e Luiz de Oliveira Rodrigues (o Luizinho), da chapa 4. O candidato da chapa 2 é o aposentado Waldemar Lustoza, e o da chapa 3, que surgiu em decorrência de um racha na atual diretoria do Sindicato, é Alexandre Cerezo.
Cerca de 53 urnas foram espalhadas pela cidade, sendo 35 nas dependências da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A contagem dos votos (Volta Redonda tem 22.710 metalúrgicos) começou no início da noite de ontem. Há dois dias, os dirigentes nacionais da CUT, que apóiam a chapa 1, e os da Força Sindical, favoráveis à chapa 4, estão acampados no clube Recreio dos Trabalhadores, onde está sendo feita a apuração dos votos (O Globo – 24/07/1992).
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De um total de 22.710 votos, a chapa do Formigueiro obteve 8.249, indicando a aprovação
da proposta da “parceria” defendida por Luizinho e abrindo caminho para a intensificação da
campanha pró-privatização no seio da base operária e para a filiação do Sindicato à emergente Força
Sindical. A derrota também pôs fim à atividade sindical de Vagner Barcelos, inimigo declarado de
Lima Netto e depois demitido da Companhia. Ao assumir a presidência do Sindicato em 1990,
Barcelos radicalizou seu discurso e insistiu na viabilidade financeira da estatal, ameaçando parar a
cidade com o uso do movimento sindical caso não houvesse uma revisão do drástico programa de
demissões em curso. O ex-sindicalista absorveu sua derrota como um golpe do governo federal, o qual
tinha na Força Sindical uma arma para derrubar as principais lideranças cutistas do país.
Perdemos o Sindicato para a Força Sindical, linha auxiliar do governo federal. (...) A privatização foi uma derrota, foi um ataque frontal. As demissões em massa. A cassação das principais lideranças. A política salarial do governo, a política salarial da empresa. (...) Eu fui o último presidente do Sindicato eleito pela CUT. Perdi uma eleição roubada. A CSN oferecia céus pros metalúrgicos se a Força Sindical ganhasse e eu com o Sindicato rachado também. Ganhei com 98% nas empresas privadas e perdi por 600 votos na CSN. A Igreja ainda tentou resistir durante a discussão da privatização, mas a pressão governamental foi forte. Esse processo de privatização foi criminoso. – Vagner Barcelos.
A favor das privatizações, a Força foi uma defensora da compra de ações das empresas pelos
trabalhadores e ajudou a mobilizar a opinião pública contra os funcionários das estatais, vistos como
privilegiados por gozarem de estabilidade e segurança no emprego, melhores salários e benefícios
(Cardoso, 2003). A “parceria”, palavra desenhada para definir a nova mentalidade imaginada pela
central sindical com trabalhadores incorporados como partícipes da gestão das empresas, na opinião de
oposicionistas ao modelo como Barcelos, significou na verdade, a plena submissão da classe
trabalhadora. Essa interpretação ajudou a conformar um tipo de olhar predominante segundo o qual
tanto o Formigueiro quanto a Força Sindical seriam, dentro do universo das centrais sindicais,
representações “do ideário do sindicalismo participacionista que nem de longe questionava a vigência
do capitalismo” (Graciolli, 2007, p.75) e “traços inequívocos da integração à ordem de acumulação
capitalista” (idem). Contudo, no fundo, o “ambiente de parceria” desenhado por Luizinho para a CSN
e, segundo ele, inspirado em experiências européias, japonesas e norte-americanas, previa uma
separação bastante clara entre a condição do indivíduo enquanto acionista e enquanto trabalhador, ao
passo que facilitava a preservação das decisões de mercado e de gestão distantes dos funcionários do
baixo escalão da Companhia.
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Foi uma conversa que eu tive no Japão e na Europa. Porque antes eu estive no Japão e na Europa. Eu estive em Mondragon na Espanha, estive nas cooperativas, estive nos EUA (...). Então, eu achava que o trabalhador investindo poderia criar uma condição de parceria. Agora, o nosso pessoal sempre teve uma idéia que eu não acho nem um erro. Eu até dou razão pra eles. Mas era a idéia de achar que a relação trabalhista não tem nada a ver com as decisões estratégicas da empresa. E pra mim tem. Eu achava que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O trabalhador pode ser acionista e pode estar levando ferro como trabalhador. Ele pode ser acionista lá e estar levando gancho aqui, sendo repreendido aqui. Só que eu acho que você pode tomar algumas decisões sem a participação dos trabalhadores. Por exemplo, o tamanho da empresa, a estratégia dela no mercado, a política de gerenciamento do capital dela. Eu acho que isso que determina um pouco. Não quer dizer que por eu ser acionista agora eu possa faltar. Tem que separar uma coisa da outra. Mas eu acho que tudo isso é um ambiente de parceria. – Luizinho.
Porém, a resistência ao encaminhamento da parceria em nenhum momento parece ter sido
consensual a ponto de Dom Waldyr Calheiros, em depoimento à Moreira (2000), enxergar em parte do
universo de trabalhadores uma certa “esperança de que a privatização melhorasse a cidade” (Moreira,
2000, p.155) e Lima Netto, recorrendo a uma pesquisa realizada com 11 mil empregados, em março de
1992, apontar para um índice de 52% de aprovação à privatização, contra 12% contrários e 36%
indecisos, e recordar que o Formigueiro, via um forte trabalho de convencimento da categoria,
estimava atingir uma margem de aprovação de 90% entre todos os funcionários até o mês de dezembro
daquele ano (Lima Netto, 1993). A verdade foi assim. Quem é a favor da privatização? 98% contra. Olha a CSN isso, a CSN vai fechar... Quem é a favor? Pronto. Foi uma coisa que quando chegou no momento da privatização o “a favor da privatização” conseguiu colocar a situação da CSN pior do que estava. Entendeu? Então, nessa hora, o pessoal disse: então, privatiza. Agora, daquele pessoal mais participativo, mais ideológico... Volta Redonda era uma cidade de esquerda. Não tinha lugar pra outro. Uma cidade ideologizada. E, por ser pequena, era complicado. Era mais fácil vigiar quem era contra, quem não era de esquerda. (...) Por exemplo, no edital, o Baltazar foi contra a privatização. E ele se rendia à força da Igreja, que era muito grande, à força de alguns políticos históricos, como a Rosalice110. Ele não se colocou contra o processo. Ele ficou denunciando que a empresa seria privatizada e que tinha o passivo ambiental. Mas ele não queria ser radicalmente contra. (...) Então, quando chegou no momento do processo, aqueles que eram contra continuaram contra. A Igreja Católica, o PT, a CUT e tal. Mas o restante, a maioria... Não é que queriam o processo. Apenas disseram: faça o melhor. Entende? Era um pouco isso. – Luiz de Oliveira Rodrigues (Luizinho).
110 Rosalice Fernandes, filha de Othon Reis Fernandes, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos por dois mandatos, entre 1956 e 1962. Othon foi preso no golpe de 31 de março de 1964, quando ocupava o cargo de diretor Social da CSN. Rosalice foi presa e torturada em 1974 quando militava no movimento sindical. Nas vésperas do dia 1º de maio, quando o general Ernesto Geisel esteve em Volta Redonda para inaugurar o alto-forno 3 da CSN, ela participou de uma manifestação para que os metalúrgicos tivessem o direito de comprar as 15 mil casas onde moravam: "A empresa queria colocar as casas à venda e estávamos lutando para que isso não acontecesse". Por causa da manifestação, foi levada para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e depois para o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna). Na época, era deputada estadual pelo MDB e acabou perdendo o mandato depois da prisão (Foco Regional – edição número 390).
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(...) O SENGE-VR foi a todas às associações de moradores para divulgar uma cartilha sobre a privatização. Eventualmente, com a discussão a gente colocava “A CSN é nossa”. Mas nós fomos sentindo que essa frase era cada vez mais vista com desconfiança. Nossa quem cara pálida? A CSN tá arrebentando comigo, tá desempregando meu pai, meu irmão, meu marido... Nossa quem? Isso começou a gerar uma reação diferente. Ali é o lugar da disputa do poder. E isso perdeu a dimensão. (...) O processo é esse, mas o pano de fundo que permitia uma mobilização na luta por cidadania, que era uma siderúrgica, orgulho brasileiro e nosso, uma Igreja que organiza as CEBs.... Quer dizer, o pano de fundo que dava liga pra aqueles que estão no movimento popular e na luta por cidadania vai esmaecendo. A privatização apaga aquela imagem. Em alguns casos, essa substituição dos agentes acontece explicitamente, programadamente. Quer dizer, quando o Lima Netto vai pra direção da CSN, tem toda um articulação política e a Força Sindical ganha o Sindicato dos Metalúrgicos. Na comunidade aquilo foi um choque. Depois daquilo, o SENGE continuou filiado à CUT, mas caiu. Depois de um ano ou um ano e meio, nós que estávamos na direção caímos também. O Lima Netto bancou uma chapa alternativa pra concorrer com a gente. Da mesma maneira que ele tinha feito na CSN. Perdemos também. – Emmanuel Paiva de Andrade.
O SENGE mudou seu posicionamento após a eleição sindical de outubro 1992, quando 417
dos 550 engenheiros aptos a votar foram às urnas, dos quais 225 votaram na chapa 2, 185 na chapa 1,
4 anularam o voto e 3 votaram em branco. Edivaldo Corrêa de Assis, então presidente do Sindicato e
integrante da chapa 1 (Independência e Dignidade), ligada à CUT, foi derrotado por João Thomaz da
Costa, representante da chapa 2 (Participação), auto-identificada como independente, mas plenamente
apoiada pela direção da CSN (Boletim O Independente – Ano VI, número 146, 06/11/1992). A nova
posição do Sindicato fundado em 1965 foi de defesa da privatização, mas presumia outra forma para a
venda, com maior envolvimento dos funcionários através de uma espécie de Participação nos Lucros e
Resultados (PLR) regulamentada por contrato, da criação do chamado Independente Clube de
Investimentos (paralelo ao Clube de Investimentos Oficial criado por Lima Netto) no qual os seus
representados pudessem participar do leilão e da participação do governo federal na própria compra,
talvez com a aquisição temporária de 20 a 30% das ações, valorizando os papéis da empresa.
(...) A partir de um determinado momento eu comecei a achar que era necessário haver a privatização. Só a esquerda não queria que privatizassem. O erro grande foi o governo ter vendido todas as ações. Ele poderia ter ficado com 20 ou 30% sem poder de mando. Ia valorizar muito. Ia ganhar muito e ia aumentar o preço. E quando as ações fossem vendidas, ele ia ganhar muito. (...) O SENGE foi favorável, mas em outros termos. O estatuto do Clube de Investimentos teria que ser mais aberto (...). Nós queríamos uma Participação em Lucros e Resultados (PLR) em contrato (...). Veja bem. Nós assumimos o SENGE em 1992. Até 1992, era uma diretoria ligada à CUT. Nós optamos por entrar no Sindicato, na época. Tínhamos o apoio da CSN. Entramos pra colocar a nossa idéia de que deveria ocorrer a privatização e de que deveria haver a participação do Sindicato. Nós tínhamos que participar do processo. A gestão anterior era contra. – Darker Valério Pamplona.
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Na edição de abril de 1993 do seu boletim SENGE-VR Informa111, o Sindicato reafirma o seu
compromisso com a privatização conforme a vontade da sua categoria (segundo a publicação, 90% dos
engenheiros da empresa foram favoráveis à venda) e reforça sua aposta no Independente Clube de
Investimentos como forma de assegurar o compromisso da Companhia com os seus empregados112. O
boletim consegue pontuar algumas vantagens da “nova CSN”, incluindo a menor rotatividade nos
cargos de direção da empresa; a maior flexibilidade na área comercial (compra e venda); maiores
investimentos tecnológicos; a autonomia para aumentar os salários; o maior compromisso entre capital
e trabalho e o fim do cabide de emprego, prática usual na empresa estatal. Por outro lado, dimensiona
alguns riscos de fato sentidos pouco tempo depois, como as demissões (já que as outras cinco
siderúrgicas estatais privatizadas estavam enfrentando esse mesmo problema); a canibalização (cita o
caso da Cosinor, comprada pelo Grupo Gerdau e depois desativada) e o menor compromisso social
(cidades como Timóteo-Acesita e Vitória-CST enfrentaram sérios problemas com as demissões
colocadas em prática).
Por sua vez, o então presidente da Câmara dos Dirigentes Logistas (CDL-VR), Antonio
Luzia Borges, afirmava que a apreensão e o medo de um desemprego generalizado após a privatização
já provocavam insegurança entre os mais de 24 mil empregados e aposentados da CSN e suas famílias,
refletindo diretamente nas vendas do comércio. Citando números fornecidos pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), Borges apontava que, em 1993, às vésperas do leilão de
privatização, ao menos 100 mil dos 220 mil habitantes do município estavam envolvidos com a
siderúrgica (O Globo – 28 de março de 1993). Por outro lado, a matéria publicada pelo jornal O
Estado de São Paulo (edição de 29 de março de 1993) falava em 16,6 mil funcionários responsáveis
pela manutenção de igual número de famílias, resultando no número não menos preocupante de 66,4
mil pessoas diretamente dependentes de uma folha de pagamento anual de US$ 142 milhões (Cr$ 3,45
trilhões), não incluídos os encargos de US$ 80 milhões (Cr$ 1,9 trilhão), com o desemprego na cidade
atingindo a quase 20 mil pessoas. Esse cenário perturbador prestes a se configurar aliado à repercussão
negativa dos confrontos no interior da usina e da explosão no alto-forno 3, motivou a Associação
111 SENGE-VR – Informa – A Nova CSN – As vantagens e os riscos de uma empresa privada – Ano I – número 14 – 08/04/1993. 112 Graciolli (2007) problematiza a discussão sobre a participação dos engenheiros no leilão de privatização. Segundo ele, o Independente foi criado pela diretoria cutista de Edivaldo Corrêa de Assis em fim de mandato e não pela nova diretoria não cutista eleita em 1992. Segundo o autor, a posição do novo grupo dirigente ao assumir o Sindicato, em 17 de novembro, era a favor da participação dos engenheiros no Clube de Investimentos Oficial, junto com os outros trabalhadores e com a CBS. Isso não impediu o Independente de prosseguir concorrendo com o Oficial no leilão, sendo contudo sufocado pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos.
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Comercial, Industrial e Agropastoril de Volta Redonda (ACIAP-VR) 113 a organizar três assembléias
para discutir o estado falimentar da estatal e para analisar a “caótica situação da siderúrgica, calcular
os prejuízos, questionar o poder do Sindicato dos Metalúrgicos e o clima bélico vivido pela cidade”
(Jornal do Brasil - 07/05/1989). Com quase 25 mil funcionários e uma dívida de US$ 2 bilhões, o
futuro da Companhia (“A catástrofe se aproxima” – Olinto Lima, diretor da CBS)114, seu domínio
panorâmico e a dependência da cidade já preocupavam as autoridades locais (“A CSN é o nosso bem
maior e nosso maior mal. É a mãe-madrasta de Volta Redonda” – Ronaldo Alves, então presidente do
IPPU)115.
Os contornos drásticos da crise percebidos com a progressiva redução no número de
empregados iniciada em 1990 começaram a suscitar, segundo alguns observadores, “uma nova relação
conflituosa entre CSN, sociedade civil e prefeitura, que resultou no lançamento de alguns manifestos"
(Santos, 2006, p. 65) 116, como o polêmico livro A Usina da Injustiça, lançado em 2005 e mencionado
no primeiro capítulo. Apesar da enorme chance de que o desemprego repercutisse em outros setores da
economia da cidade, muitos comerciantes se mantiveram otimistas quanto ao crescimento que a
privatização poderia trazer para Volta Redonda e acreditavam na administração pela iniciativa privada
como forma de se evitar que a empresa continuasse “a ser um cabide de empregos, contanto que seus
compradores investissem na Companhia” (O Estado de São Paulo – 2 de abril de 1993).
Representando o empresariado local, a ACIAP-VR acreditava na capacidade da privatização
em dinamizar a economia regional e no privilégio dado pela Companhia às pequenas e médias
empresas locais com a criação de um cinturão de fornecedores. Fundada em março de 1955, essa é a
maior associação comercial e industrial da região, contando com 351 empresas associadas, e o seu
surgimento, bem como o da CDL-VR (enquanto entidades de representação de interesses de
comerciantes e empresários) deveu-se em grande parte à própria estabilidade profissional e econômica
dos trabalhadores da CSN, nas décadas de 1940 e 1950, conquistada, conforme Fontes & Lamarão
(1986), graças ao estabelecimento de uma aliança de classes, a qual revestiu o pacto populista
implementado pelo Estado brasileiro e fomentou um modelo de desenvolvimento que o
impossibilitava de promover a acumulação117 tanto por reforma fiscal frente o capital quanto pela
compressão do salário real dos trabalhadores. A dificuldade em limitar os ganhos desses trabalhadores
113 (Fonte: http://www.aciapvr.com.br/). 114 Jornal do Brasil - 07/05/1989. 115 Idem. 116 A Usina da Injustiça – como um homem só está destruindo uma cidade inteira (2005). 117 “Um padrão de acumulação fundado na prévia expansão do setor produtor de bens de produção, que poderia fundar as bases para uma expansão industrial mais equilibrada entre o produtor de bens de produção, o produtor de bens de consumo não duráveis e o produtor de bens de consumo duráveis” (Fontes & Lamarão, 1986, p.19).
120
teria influenciado na caracterização da população de Volta Redonda, definida basicamente como “uma
classe operária com razoável poder aquisitivo e beneficiada pelo baixo custo da moradia e de outros
equipamentos urbanos – atraindo comerciantes e prestadores de serviço, ou seja, dinamizando o setor
terciário” (Fontes & Lamarão, 1986. p.19). O curioso, portanto, é que essa dinamização da economia
regional imaginada pela ACIAP-VR, caso realmente se concretizasse, se daria às custas do emprego
de milhares de famílias de trabalhadores que durante décadas colaboraram com o incremento do poder
econômico de empresários e comerciantes devido ao seu alto poder de compra, somente fragilizado a
partir da transição para os anos 1980, quando foi impactado pela altíssima inflação.
Entretanto, não há ao certo uma unanimidade quanto ao posicionamento da ACIAP-VR,
havendo registros de envolvimento de empresários ligados à entidade com os movimentos e
articulações de resistência à privatização. Algumas notícias davam conta de uma preocupação entre os
empresários, como está exposto numa edição do Boletim O Independente publicada pelo SENGE em
21 de junho de 1991, reunindo depoimentos indignados de representantes do movimento popular-
sindical da cidade contrários às demissões conduzidas naquele ano por Lima Netto. Através de uma
nota com o título “desenvolvimento da região pode ser comprometido”, a publicação destacava um
encontro ocorrido entre empresários, sindicalistas e políticos para discutir a reestruturação em curso na
Companhia. Na reunião, foi lembrada a crise siderúrgica que se abateu sobre diversas cidades
européias, só equacionada com a participação de autoridades federais, estaduais e locais, além de
trabalhadores e empresários a fim de minimiza o seu custo social. Os participantes do evento
aproveitaram para acenar com a necessidade de realização, em Volta Redonda, de um simpósio com
especialistas em política siderúrgica e em política industrial capazes de apontar alternativas para a
reestruturação do setor, bem como pensar a sua integração dentro de um desenvolvimento industrial
autônomo para a região. Todavia, a despeito de haver indícios de uma preocupação desse
empresariado, pareceu vigorar dentro da entidade muito mais uma empatia com o processo provada
quando o presidente da associação, Gileno Mendonça, afirmou que a “cidade depende da privatização
para que a siderúrgica restabeleça o seu cordão umbilical com a sociedade e esse será o pontapé para a
construção de mais um pólo industrial para o estado do Rio de Janeiro” (Ferreira, 2005, p. 244),
posicionamento confirmado em recente depoimento prestado pelo empresário Mauro Campos Pereira,
presidente da ACIAP-VR por dois biênios (1998-2000) e (2001-2003).
(...) Nada contra a CSN. Eu lembro que, em 1984, na casa do meu sogro, eu virei pra ele durante um jantar e disse: ‘a Companhia tem que ser privatizada’. (...) E eu falava que ela ia ser privatizada e que tinha que ser privatizada pra Volta Redonda crescer. Passaram-se alguns anos, nove anos, e ela foi privatizada. Eu não participei do processo de privatização diretamente. Quem estava lá era o Neto,
121
que foi prefeito e que era deputado estadual, o Paulo Baltazar, que era vereador, aquelas lideranças, como o Nelson Gonçalves. Totalmente míopes. Míopes ou cegos. Os caras estavam discutindo se privatizava ou não privatizava. E não discutiram pra quem ficava as terras, pra quem ficava os colégios, toda a estrutura da cidade e quais os benefícios para a cidade da privatização. Ficaram contra uma correnteza. (...) – Mauro Campos Pereira, empresário.
Os dois sindicatos mais atuantes da cidade – o Sindicato dos Metalúrgicos e o Sindicato dos
Engenheiros (SENGE) – ainda tentaram sem sucesso angariar o apoio da ACIAP-VR, da CDL-VR, do
Lions Club e do Rotary Club em uma reunião que contou com o deputado estadual Antônio Francisco
Neto e com o ex-prefeito e deputado federal Marino Clinger (Ferreira, 2005, p.239). A proposta era
dimensionar os impactos das demissões sobre a qualidade de vida da população e programar debates e
simpósios contra as demissões realizadas como parte da profunda reestruturação conduzida pelo
presidente da Companhia, o engenheiro Roberto Procópio de Lima Netto (Idem). De acordo com
Ferreira (2005), o Sindicato pretendia fazer um levantamento das conseqüências da recessão e da
política de privatização em curso sobre a região, mas teve sérias dificuldades de mobilizar os
metalúrgicos. Citando dados da própria instituição e do IBGE publicados no Jornal do Vale, Ferreira
afirma que “desde a chegada de Lima Netto, foram cerca de 6 mil demissões, 3.941 empregados da
CSN e cerca de 2 mil trabalhadores de empreiteiras, representando cerca de 8% do total de chefes de
família da cidade ou 6% da população economicamente ativa da cidade” (Ferreira, 2005, p. 239 e
240). O autor menciona ainda que “as demissões teriam atingido 12,4% do pessoal que trabalha em
indústrias de transformação e 10,6% do pessoal empregado na construção civil e que, assim, Volta
Redonda teria perdido, em pouco mais de um ano, 9% de toda a sua massa salarial, sendo Cr$530
milhões mensais nas demissões da CSN e Cr$50 milhões nas demissões nas empreiteiras” (Ferreira,
2005, p. 240).
Um polêmico episódio constitutivo desse momento e recordado por Pereira (2007) foi a
elaboração pela diretoria comandada por Lima Netto de uma lista de “demissíveis”. Funcionários
teriam recebido “cartinhas” avisando-lhes sobre as futuras demissões. Dando continuidade à política
de enxugamento do quadro, a Companhia tinha como alvos bem definidos 2 mil funcionários da mina
de carvão e lavador de Capivari118, em Santa Catarina, 1,5 mil das firmas prestadoras de serviços e
118 Antigo bairro agrícola de Tubarão (SC), Capivari desenvolveu-se em 1942 com a instalação da unidade de lavação de carvão da CSN, o Lavador de Capivari S.A. Cresceu sob os mesmos moldes de Volta Redonda com um forte envolvimento da Companhia com a comunidade. Esta passou a desfrutar do fornecimento de água, serviços de esgoto, creches, apoio a cooperativas, serviços médicos, escolas e clubes recreativos. O Lavador recebia o carvão bruto das minas e produzia carvão metalúrgico através do sistema de flotagem. O periódico “Volta Redonda – Esperança do Brasil”, de 1952, menciona que o carvão utilizado na coqueria (uma das quatro unidades essenciais da usina Presidente Vargas, ao lado do alto-forno, da aciaria e da laminação) provinha em parte dos Estados Unidos e em parte de Santa Catarina. Como o carvão nacional é
122
mais 1,4 mil da usina Presidente Vargas. O corte programado era inviabilizado pela carência de
recursos para custear as demissões, com um custo aproximado de US$ 50 milhões em indenizações, e
por salários atrasados havia sete meses, que precisavam ser quitados no ato das demissões (Ferreira,
2005; Lima Netto, 1993). O uso das “cartinhas” foi a forma encontrada pela Companhia a fim de dar
férias a esses funcionários até obter os recursos necessários para demiti-los. Como o Sindicato dos
Metalúrgicos, ainda presidido por Vagner Barcelos, reagiu e convocou uma paralisação para o dia 14
de maio de 1990, a diretoria recorreu à estratégia de “dividir a impopularidade da medida” (Pereira,
2007, p.177), compartilhando os custos das futuras demissões com a entidade, a qual se tornou
responsável por rever aquelas que seriam injustas. Segundo Pereira (2007), o episódio das cartinhas foi
o prelúdio de uma batalha anunciada entre Lima Netto e o líder sindical Vagner Barcelos, e nem o
acampamento de 28 dias em frente ao Escritório Central realizado por sindicalistas e militantes de
movimentos atrapalhou a concretização das demissões, inclusive dos licenciados, totalizando, somente
no primeiro ano do programa, 4.100 dispensas (Pereira, 2007, p.177).
No momento da privatização, a empresa e a Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM), sua
subsidiária, contribuíam com 60% do IPTU arrecadado pelo município. A siderúrgica respondia ainda
por 8% do ICMS do estado do Rio de Janeiro, sendo que 4,2% retornavam à Volta Redonda,
correspondendo a 80% da sua receita, o que girava em torno de Cr$ 70 bilhões por mês
(aproximadamente R$ 25.454,54 milhões) (O Globo - 28/03/1993). Mas antes essa quantia não vinha
sendo repassada de forma integral à prefeitura e, em 1992, no último ano do seu governo, Wanildo de
Carvalho assinou um contrato que desobrigava as empresas de pagarem os impostos devidos de 1991 e
1992 e ainda aqueles referentes a 1993 e 1994 em troca da realização de obras na cidade. Na sua
edição do dia 27 de março de 1993, o extinto jornal Opção cobria a revogação do contrato assinado
entre CSN e prefeito, estipulado em Cr$ 400 milhões. Segundo informações contidas na matéria,
exatamente no dia 26 do mesmo mês, o prefeito recém-empossado, Paulo Baltazar, assinava um
decreto anulando o contrato firmado e cobrando dívidas tributárias da empresa. Uma comissão
formada pelos vereadores Genílson, Cláudio Castro, Lula e João Elias concluiu que o convênio era
ilegal e que obras, como o viaduto construído próximo ao Correio, na Vila Santa Cecília, não atendiam
à população (Opção, 27/03/1993). A prefeitura conseguiu um aumento de 1350% na arrecadação,
impuro, com grande quantidade de cinza e enxofre, ele precisava ser lavado em Santa Catarina e, ao chegar à usina, era misturado com uma certa quantidade de carvão norte-americano. Na década de 1960, a fim de aproveitar os rejeitos do Lavador, foi instalada uma usina termelétrica, a Sociedade Termelétrica de Capivari (Sotelca), renomeada como Eletrosul, em 1971. A desregulamentação das importações pelo governo Collor, em 1990, favoreceu a importação de carvão, diminuiu a importância do carvão nacional e levou ao seu fechamento pela CSN. Em 1992, emancipou-se de Tubarão, dando origem ao município de Capivari de Baixo (Fonte: Capivari de Baixo – 15 anos de Emancipação Política – Jornal Diário do Sul – Sem data).
123
cerca de 25% a mais na receita prevista pra o ano, valor, contudo, insuficiente para melhorar os cofres
públicos e saldar despesas crescentes de pessoal da administração municipal119. Já a contribuição
líquida da Companhia à sociedade, medida em impostos pagos ao governo, alcançou R$ 5,815 bilhões,
mas somente na sua fase de administração privada. Na etapa pré-privatização, de 1979 a 1992, essa
contribuição havia ficado deficitária em R$ 9,280 bilhões (O Globo - 06/04/2003).
Com o projeto da privatização, o governo anterior do Wanildo deu a cidade para a CSN, pra ela aparecer líquida no leilão da privatização. Ele fez um monte de acordo, a prefeitura quitou um monte de dívidas, trocou conta de não sei o quê por miçanga (...). O que aconteceu? O Baltazar chega e a prefeitura na seguinte situação: a CSN não vai pagar IPTU. Não precisa pagar porque o IPTU dela de dois ou três anos para frente está quitado. Um negócio assim. Um monte de ativos que estariam na mão da prefeitura e tudo mais. Um absurdo! O verdadeiro absurdo! Negócio absurdo! Muito bem, o Baltazar entra e fica aquela discussão: ‘vamos pra justiça.’ Não vamos pra justiça nada. O Baltazar simplesmente tomou a decisão correta. Rompeu com os acordos todinhos. Mandou cobrar IPTU, mandou fazer isso aqui e não sei o que lá. E obrigou a CSN a ir pra justiça. Aí, a CSN vai pra justiça e perde! Perde na justiça. Aí, a prefeitura inverte o jogo. A CSN não só vai voltar a pagar IPTU como ainda está devendo 10 milhas. – Lincoln Botelho da Cunha.
2.5 - Uma proposta para Volta Redonda: a estadualização da CSN
Com o panorama de desestatização já consolidado e agravado pela derrota da CUT nas
eleições sindicais, coube ao governo Baltazar aderir à proposta do então governador do estado do Rio
de Janeiro, Leonel Brizola (PDT), de atrasar ao máximo o processo e propor alternativas, como a de
uma gestão pelos próprios trabalhadores, a “estadualização” da Companhia e a ampliação da
participação acionária dos funcionários120. Em particular, o projeto de “estadualização” havia sido
encaminhado a Brizola pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, sob a forma de um artigo121
escrito em março de 1992, no qual argumentava que a alternativa mais fecunda para a empresa e para
Volta Redonda seria a recuperação do sentido social da CSN, transformando-a em empresa pública
com a democratização do seu controle, da gestão, das estratégias industriais e das relações com o
mercado e a sociedade. A empresa pública estadualizada seria um alternativa ao dilema privatização
119 A administração afirma que o não recebimento do ISS e dos demais impostos devidos pela CSN foram os fatores que levaram a despesa da Prefeitura ser maior do que a receita. (Primeira Página – 14 a 20 de agosto de 1993). 120 O atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, Renato Soares, em entrevista realizada em 2009, defendeu a criação de uma espécie de conselho gestor composto por representantes dos sindicatos, do poder executivo, do legislativo, das associações de moradores etc, com um percentual de 15% das ações obrigatoriamente revertidos para investimentos na cidade. 121 Uma proposta para Volta Redonda, março de 1992, IBASE.
124
versus estatização colocado e uma forma de “unificar as diferentes tendências espremidas entre a
resistência e a capitulação” (Souza, 1992, p.4). Antes de ser encaminhada ao governador, a proposta
foi discutida e acordada por representantes do movimento sindical em reunião com Nilo Batista, então
vice-governador. Porém, os presentes na reunião concordaram que essa era uma proposta que exigiria
uma engenharia política de compra das ações da CSN só se concretizando com uma mobilização
política e financeira de diferentes atores fluminenses, entre eles o próprio governo estadual, os
governos municipais, empresas públicas estaduais e municipais, trabalhadores e seus fundos de
pensão, empresários que se solidarizassem com a estadualização e entidades representativas da
sociedade civil. E na carta encaminhada a Brizola, Betinho atribui a responsabilidade pela sangria da
CSN à venda de insumos pela Companhia a preços abaixo do mercado mundial ao setor privado,
especialmente empresas automobilísticas e do setor de produção de alimentos, impedindo-a de se
equipar e se preparar para os novos tempos de competitividade no mercado siderúrgico, a mesma
explicação sugerida por Lima Netto (1993) e Mangabeira (1993).
A proposta a favor da participação dos agentes estaduais foi apresentada, em março de 1993,
em reunião com a ministra do planejamento, Yeda Crusius, o ministro das Minas e Energia, Paulino
Cícero, o presidente da CSN, Sebastião Farias de Souza, o presidente da Comissão Diretora do
Programa Nacional de Desestatização, André Franco Montoro Filho e o presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos do Sul Fluminense, Luiz de Oliveira Rodrigues (Graciolli, 2007, p. 301 e 302). No
entanto, após uma longa disputa envolvendo críticos e defensores, a Companhia finalmente foi
vendida, em abril de 1993, sem a reavaliação sugerida por Sebastião Faria e por cerca de US$ 1,68
bilhões de dólares, 95% do valor total pagos em “moeda podre”, isto é, títulos antigos da dívida
pública emitidos pelo governo e possíveis de serem comprados por até 50% do seu valor (Biondi,
1998). Sob esse cálculo, conclui-se que ela foi vendida por US$ 800 milhões, com apenas US$ 40
milhões pagos em moeda viva e tendo o governo jogado a favor, aumentando o preço do aço
produzido pelas empresas que seriam privatizadas em até 300%, incorporando dívidas das estatais (no
caso da CSN, em torno de R$ 1 bilhão) sob a forma de transferência para o Tesouro de encargos que
deveriam ser pagos pelos compradores e investindo em torno de R$ 1,9 bilhão na modernização da
Companhia antes de vendê-la.
O Collor, quando assumiu, deu uma ordem para deixar a CSN fechar. O prejuízo era muito alto, a cidade era muito resistente, politizada, e o movimento sindical muito forte. Na cabeça dele, aquele era o caminho. (...) Mas o Fernando Henrique disse uma coisa que a Volta Redonda se aplicou bem: o neobobismo. Porque você confundir um negócio como a privatização da CSN com uma entrega ao neoliberalismo é uma besteira porque era uma necessidade e uma questão de sobrevivência. E aí, se instalou uma coisa em Volta Redonda que até hoje eu acho que algumas pessoas como o Dom Waldyr
125
e alguns outros foram contra, mas sabiam que esse era um comportamento meramente correto. Não se tinha de onde tirar dinheiro pra reestruturar a CSN. Era uma empresa que tinha mil complicações. Participei por dentro do processo. A CSN, no dia em que foi privatizada, não chegou ao quórum de 51%. Isso está na história do BNDES. O grupo controlador ficou costurando pra esperar 3 dias pra comprar 1% pra valer o leilão. Ah, foi dado de graça. Eu não vou discutir isso. Só sei que no dia em que vendeu não tinha gente pra comprar. O ser contra o processo levou esses atores do politicamente correto a ficar fora do processo. Entende? A CSN poderia ter outro destino se nós tivéssemos no conjunto uma visão mais progressista. Menos esquerdista e mais progressista. O Brizola... Na hora da privatização... Nós (os trabalhadores) compraríamos 20% e o Brizola compraria 20% pelo BANERJ. Entraríamos com 40% e pra chegar a 50% não era difícil. Então, a CSN poderia ter outro destino. Pensávamos numa empresa pública com a participação dos trabalhadores. E aí, a visão cega, contra o processo... Ninguém via isso. E o Brizola recuou. O Montorinho, filho do Franco Montoro, foi o presidente da comissão que montou todo o processo. Se não fosse essa história, eu acho que o processo de privatização da CSN poderia ter outro rumo. (...) O Itamar não era um direitão. E ele tinha medo de fazer uma besteira. Por isso, ele colocou uma comissão muito interessante. Ele não colocou uma comissão fechada. Só que os mais espertos, os que estavam entendendo e que eram os mais pragmáticos entraram e influenciaram. E a esquerda sabia das coisas e hoje reclama que não tem terra. Quem entrou com o controle acionário, caso do Benjamin, não sabia que estava comprando terra. Não sabia. – Luizinho.
Em sua descrição do leilão de privatização, Moreira (2000) argumenta que o desejo do então
governador de disputar a compra da Companhia contra os bancos privados afastou do processo alguns
possíveis investidores e gerou um certo desinteresse dos grupos empresariais pelo leilão, fato agravado
pela percepção negativa que guardavam da CSN. Por esse motivo, Lima Netto, mesmo afastado da
Companhia, acabou tendo uma participação decisiva no leilão, primeiro por trabalhar convencendo e
atraindo investidores, e depois por montar e coordenar o consórcio que adquiriu a maior parte das
ações. Sob a operação da corretora Graphus, o conglomerado que incluía o Grupo Vicunha, a
distribuidora de aço Emesa e a Docenave, empresa de navegação subsidiária da Vale do Rio Doce,
comprou 13,67 milhões de lotes de mil ações, equivalendo a aproximadamente 17% do capital da
empresa, enquanto as corretoras Bradesco e Itaú adquiriram 6,04 milhões e 3,65 milhões de lotes
respectivamente, ao passo que o Bamerindus ficou com cerca de 2,81% das ações. Segundo matéria
publicada pelo Jornal do Brasil (edição de 03/04/1993), todos esses grupos já estavam fechados com o
grupo de Lima Netto para a venda das sobras das ações programada para o dia 5 do mesmo mês. A
segunda etapa do leilão era uma condição caso o grupo vencedor não adquirisse pelo menos 55% das
ações e no total haviam sido vendidos apenas 35,87 milhões de lotes pelo preço mínimo de Cr$ 605,66
pro mil ações, correspondentes a 45,5%, embora tivesse sido colocados a venda 51,21 milhões de lotes
(65% do capital da CSN). Embora a CUT prometesse fazer uma expressiva manifestação com o apoio
de partidos de oposição contrários à venda, o primeiro dia do leilão de pulverização das ações
transcorreu com apenas uma pequena resistência por parte de sindicalistas. Visando impedir atos e
agressões aos participantes do leilão, a Polícia Militar (PM) decidiu cercar todo o quarteirão da Bolsa
126
com trezentos policiais e colocou de prontidão a sua tropa de choque. Contanto, a principal ameaça à
realização do leilão não provinha da ação organizada entre movimento sindical e partidos políticos,
mas das inúmeras ações judiciais pedindo a sua suspensão, três delas impetradas às vésperas da data
programada pelo deputado federal Aldo Rebelo, líder do PC do B, pela OAB de Volta Redonda e pela
Prefeitura do município, esta última pedindo a revisão do edital de privatização (além do mandado de
segurança requerendo a inclusão do PAC) (Jornal do Brasil - 02/04/1993).
O leilão da CSN começou às 17h30, três horas e trinta minutos após o horário previsto, em meio a um princípio de tumulto causado pela chegada à Bolsa de um oficial de Justiça que trazia uma liminar da 7ª Vara Federal suspendendo sua realização. O não acatamento da liminar gerou perplexidade e a expectativa de que o leilão fosse interrompido a qualquer momento. O pregão prosseguiu e às 17h57 o leiloeiro Danilo Ferreira declarou a venda interrompida por falta de compradores. Pouco antes, a porta blindada do pregão da Bolsa chegou a ser forçada por pessoas que queriam interromper o leilão. (...) Houve diversos pequenos tumultos envolvendo os 350 manifestantes contra o leilão, segundo cálculo da PM, no momento de maior pico do protesto, contrários à venda da CSN. (...) Às 17h45, quando começou a chover e o leilão da CSN estava no começo, os manifestantes eram 50. O carro de som durante toda a tarde alertava contra a “ação de infiltradores dispostos à baderna”(Jornal do Brasil - 03/04/1993).
No segundo leilão organizado, o mínimo de 55% foi alcançado exatamente com o aumento
da participação do Grupo Vicunha e do Banco Bamerindus, empurrando os funcionários a uma
participação mínima de 11,9% das ações. Na prática, entre os principais acionistas que adquiriram a
CSN, estavam a Docenave (9,4%), o Bamerindus (9,1%), o Bradesco (7,7%), o Grupo Vicunha (9,2%)
e o Clube de Investimentos (11,9%) com outros bancos (18,8%) e alguns fundos de pensão (2,7%)
completando a lista de compradores. O Clube de Investimentos, que procurava transformar os
empregados em acionistas, fracassou em grande parte das siderúrgicas privatizadas, como a
Companhia Siderúrgica de Tubarão (onde a participação foi reduzida de 12,4% para 2,3%), a Acesita
(de 10% para 0,5%) e a própria CSN. E na Companhia viu sua participação se reduzir de 12% para
apenas 3%, com muitos empregados optando por vender suas cotas de ações para investir em pequenos
negócios e em imóveis (Valor Econômico – 24/04/2002). Entretanto, meses depois da pulverização das
ações, alguns veículos de comunicação se anteciparam a saudar o novo status galgado pelos operários,
responsável por fulminar com as tradicionais relações capital/trabalho, tornando sócios da empresa quase
30 mil funcionários da ativa e aposentados agora detentores de 21% do capital através da Caixa Beneficente dos
Empregados (CBS) e do Clube de Investimentos Oficial (Isto é – Cidades – 17/11/1993).
127
Figura 1
Isto é – Cidades – 17/11/1993
2.6 - Revendo os paradigmas da dependência?
Enquanto programas como o de Apoio ao Desenvolvimento Econômico do Município
(PADEM) – instituído pela lei municipal número 2.956/93, com o objetivo de conceder, por prazo
determinado, incentivos fiscais122 às empresas de produção de bens e de prestação de serviços –
revelavam-se verdadeiros fracassos num esforço governamental de busca de autonomia e alternativas
de sobrevivência econômica, o governo Baltazar se dispôs a inaugurar outro tipo de relação com a
CSN, mais caracterizado na ênfase no peso da sua contribuição fiscal na economia do município,
ajudando a sustentar um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 11.918.764 milhões (de um total de R$
122 Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis, Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, Taxas pelo Exercício de Poder de Polícia, Taxas pela Prestação de Serviços Públicos.
128
26.140.075 milhões da região do Médio Paraíba)123, o equivalente a 45,59% do total, em 2005124. A
gestão do prefeito, de certa forma, procura reorientar as abordagens sobre a cidade industrial, fugindo
do tradicional campo de enfrentamento entre Sindicato e CSN e dos seus reflexos sobre o restante da
população. Embora insuficiente para reverter essa visceral dependência (“a cidade é irmã siamesa da
CSN” – Paulo Baltazar, O Estado de São Paulo – 29 de março de 1993), o esforço empreendido pelo
novo prefeito é saudado pela literatura como “uma mudança, um rompimento com um modelo de
prefeitura municipal historicamente dominado por forças conservadoras e sujeitas aos agentes
econômicos” (Oliveira, 2003, p. 182).
E nós trabalhamos muito essa perspectiva de chamar a sociedade a participar para que ela não ficasse tão dependente (...). Porque havia sempre isso (...). Ah, porque a CSN não fez isso, a CSN não vai fazer aquilo (...) A cidade não podia se comportar como uma dependente da CSN. A CSN tem que produzir emprego, pagar impostos e ser respeitada como qualquer outra empresa. E a gente tem que atrair outros investimentos, transformar Volta Redonda num centro de serviços, que é sua vocação. Então, o governo foi um pouco isso. Quebrar esses paradigmas da dependência da cidade à CSN e dizer que ela é muito bem-vinda, mas que não é dona da cidade. A gente queria trabalhar, mas respeitosamente. Só podia fazer isso um governo, um governante que não tivesse nenhuma relação de dependência com a CSN. E no nosso governo o prefeito era do PSB e a vice do PT. – Paulo Baltazar.
Contudo, essa nova leitura apresentada por Baltazar não o impediu de reavaliar, pouco tempo
depois, sua posição com relação à privatização, reconhecendo na falta de gestão da Companhia, na
corrupção e no desvio de equipamentos que aconteceram por décadas a fio, razões suficientes para a
privatização. O prefeito mostrou-se mais tolerante, segundo ele, desde que outro caminho fosse
adotado sem prejudicar ainda mais uma cidade erguida ao redor de uma monoindústria e,
mencionando a analogia formulada por Dom Waldyr Calheiros entre a condição de cidade pós-
privatizada e uma fazenda, insistiu em criticar o posicionamento do bispo, irredutível à negociação
com o empresariado.
O problema é que algumas pessoas disseram que a cidade ia acabar (...) Que quem comprou ia fechar a porteira (...) Inclusive, a liderança católica daqui tinha uma visão um pouco atrasada com relação a essa questão. Eu acho que o aumento do imposto foi em longo prazo (...) No curto prazo, o impacto negativo (...) E aí é que eu digo que o governo federal teve uma culpa importante nisso porque se a questão não era de tão longo prazo, ele poderia ter minimizado o impacto de curto prazo até que se revertesse em função do que ia expandir a CSN. Todo mundo sabia que ela não ia falir coisa nenhuma. Aquilo foi só uma motivação pra vender. Tinha que ter gestão, o que não tinha, é verdade. Tinha muito roubo? Tinha sim. O pessoal colocava parente, desviava material, não tinha controle.
123 FONTE: Fundação CIDE - Anuário Estatístico 2007. 124 Ainda de acordo com a Fundação CIDE, as estimativas apontavam um PIB de 13.491.535 milhões para Volta Redonda e de R$ 26.564.425 milhões para a região, no período de 2006.
129
Isso é verdade. Aquilo, do jeito que estava, não podia ficar. Mas o caminho que eles fizeram, podia ter sido melhor. Primeiro, não ter doado, ter vendido pelo preço justo aquilo que era a função da siderúrgica. Não as terras, o hospital (...). Ter doado isso concomitantemente. A preocupação de que nesse processo de privatização (...). Aliás, em outras privatizações o governo federal, até no governo de Fernando Henrique Cardoso, tomou algumas precauções, como no caso de Ipatinga, para que houvesse um compromisso social com a comunidade porque o foco fica concentrado na região (...). O desemprego provocado ficou muito assentado sobre a região. Se o governo federal tivesse tomado algumas precauções, criado obrigações para os compradores de garantir antes de demitir (...). Ter um prazo mais alongado, não fazer isso de uma hora pra outra pra não provocar um impacto, não é? Isso teria sido minimizado. Mas também concordo que em longo prazo (...). Eu também não sei se são as mesmas pessoas (...). Muitos foram embora (...). Não dava pra esperar ele migrar pra outra atividade de serviços. A cidade girava quase toda em torno da monoindústria chamada CSN. E os donos que compraram também tinham uma visão um pouco diferenciada. Você pode ver que o escritório central foi pra São Paulo. É dele. Ele imaginou, como é correto, fazer o que quisesse do que é dele. Se o governo não tem essa preocupação, porque que ele teria essa preocupação tão grande? Não é? Mas, em longo prazo, os impostos se reverteram para a cidade e ela também buscou outros caminhos. O sofrimento que aconteceu fez a cidade buscar outros caminhos (...). – Paulo Baltazar.
Passados dezessete anos, outros foram os críticos que passaram a compartilhar dessa mesma
opinião, salientando, contudo, o equívoco na escolha do modelo adotado. Presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos desde 2006, embora com pouquíssimo destaque no meio sindical da época, Renato
Soares reproduz a indefinição acerca da manutenção do leilão pelo próprio presidente Itamar Franco,
garantido no fim pelo compromisso governamental em assegurar a conclusão das reformas de ordem
estrutural na economia acordadas com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Na época, eu era contra a privatização. Mas eu acho que tinha que ter sido feito com um modelo completamente contrário a esse aí. Caíram grupos que não tem nada a ver com a cidade. Volta Redonda tem um cordão umbilical com a CSN. Você não podia fazer um modelo daquela maneira. Quando você tem uma estatal pequenininha que a cidade não depende tanto (...). Mas essa cidade depende. (...) Tinha uma turma que era contra e que achava que não fosse privatizar. Não sei se você sabe dessa história. Quando o Collor caiu, quem assumiu foi o Itamar. E ele era um nacionalista. E todo mundo achava: ‘bem, o Itamar assumiu, o Brizola é governador do Rio, então a CSN não vai ser privatizada.’ Só que a informação que eu tenho é que segundo o acordo que o Brasil tinha com o FMI, ele tinha que privatizar todas as estatais siderúrgicas. Aí, o Itamar não segurou. Aí, privatizaram a CSN, a UNIMINAS, a COSIPA, a CST. O Itamar não segurou. E o mesmo grupo que estava com o Collor continuou nos bastidores e privatizou. Para os trabalhadores foi complicado. – Renato Soares, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense.
2.7 - “Eu acredito em Volta Redonda”: o governo de Antonio Francisco Neto (1997-
2004)
O sucessor de Baltazar foi Antonio Francisco Neto (PSB), candidato que enfrentou
resistências dentro do PT e com quem rompeu politicamente anos depois ao não ser apoiado em seu
130
projeto de retornar à prefeitura125. Originalmente filiado ao Partido Liberal (PL), pelo qual foi eleito
deputado estadual com 9.100 votos, em 1986, Neto estava em seu terceiro mandato126, após ser
reeleito em 1990 (12 mil votos) e em 1994 (34 mil votos), e já havia disputado uma eleição para
prefeito, em 1988, vencida por Juarez Antunes. Em 1996, após filiar-se ao PSB, foi eleito prefeito com
82.898 votos (55,21%) 127 pela coligação (PT-PSL-PSB-PSD). Em 46 anos de emancipação do
município, Neto foi o primeiro prefeito nascido em Volta Redonda ou, como descreveu o Jornal
Aqui128, o primeiro não “importado”, voltarredondense de origem, a ocupar o Palácio 17 de Julho,
consolidando a chegada ao poder das primeiras gerações de pessoas nascidas em Volta Redonda.
Ligado à Associação Comercial Industrial e Agropastoril de Volta Redonda (ACIAP-VR), à Câmara
dos Dirigentes Logistas (CDL) e ao Volta Redonda Futebol Clube, o qual presidiu entre 1987 e 1997,
ele foi eleito com forte apoio dos empresários e comerciantes da cidade, prometendo esforço no
combate ao crescente desemprego e pretendendo criar uma Secretaria de Indústria e Comércio que
atraísse novos investimentos129.
125 “Foi a maior votação da história de um deputado nesta região e estou trabalhando para ultrapassar a meta anterior. Se vou conseguir, não sei, existem vários fatores pelo caminho. Além do quê, tenho uma história. Fui prefeito de Volta Redonda que, por ser a maior cidade da região, repercute nas outras. Fiquei com a marca de ter sido, publicado pelo Jornal do Brasil/Vox Populi, o melhor prefeito do estado. E quem conheceu Volta Redonda sabe que era um caos antes do meu governo. Graças a Deus melhorou, fiz meu sucessor e entreguei a cidade arrumada. Tudo isso cria uma imagem que vai além das fronteiras de Volta Redonda. Por isso, e pelo meu trabalho como deputado, espero ampliar minha votação. Todo mundo sabe que elegi o prefeito Neto, que foi candidato e teve três mil votos na primeira vez. Com o meu apoio teve 83 mil. E agora, numa atitude, na minha avaliação de ingratidão, e alguns chegam a dizer, de traição, ele resolveu apoiar alguns amigos. Em Volta Redonda, eu apoiei por três vezes o prefeito Neto. Na vez passada, ele não me apoiou explicitamente mas não trabalhou contra. Agora, além de não me apoiar, trabalha contra. Portanto, eu tenho uma guerra a mais provocada pela ingratidão do prefeito Neto, mas vou trabalhar até o fim.” – critica Baltazar ao não receber o apoio de Neto para concorrer à prefeitura de Volta Redonda, em 2000. (Foco Regional - nº 74 - Ano II - 26 de agosto a 1 de setembro de 2002) 126 Em 1994, Volta Redonda apresentava dezesseis candidatos à Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro, alguns nomes já bastante conhecidos na cidade, como o do sindicalista Vanderlei Barcelos e da então presidente da Fundação Beatriz Gama, Aparecida Paraíso, ambos inscritos para concorrer pelo PT. Havia ainda Nélson Gonçalves Filho, candidato pelo PSDB e duas vezes (1988 e 1992) derrotado na eleição à prefeitura da cidade e o vereador e ex-sindicalista Jorge de Oliveira, o Zoinho, do PPR. - Jornal Aqui – 1997. 127 Para um contingente eleitoral de 172.885 inscritos, votaram 150.162 e se abstiveram 22.723. Foram registrados 4.238 votos em branco e 11.830 votos nulos. Derrotou os candidatos Nelson dos Santos Gonçalves (PPB-PTB-PSC-PPS-PFL-PRP-PSDB) (38.480 votos ou 25,63%) e Marino Clinger Toledo Netto (PDT) (9.011 votos ou 6,00%) (Costa, 2004). 128 Aos 46 anos, Volta Redonda é uma cidade muito jovem. Tanto que sua geração começou há poucas décadas a ocupar posições de destaque. Quando Antonio Francisco Neto sentou-se pela primeira vez na cadeira de prefeito, no Palácio 17 de Julho, em primeiro de janeiro de 1997, tornou-se o primeiro voltarredondense de origem a ocupar o cargo. Antes dele, de Sávio Gama, o primeiro prefeito, até Paulo César Baltazar, seu antecessor, todos sem exceção eram “importados” de outros municípios, como a maior parcela dos moradores da cidade do aço. (...) O interesse de Neto pela política começou de forma casual. Em junho de 1986, ele se filiou ao PL para se candidatar, em 15 de novembro daquele mesmo ano. Teve 9.100 votos que lhe garantiram um primeiro mandato como deputado estadual. E duas reeleições. Em 1990, com 12 mil votos e, em 1994, com 34 mil votos. Uma trajetória que o levou ao Palácio 17 de Julho, com a aprovação de 83 mil eleitores (...). Jornal Aqui - 15/04/2003. 129 Segundo o jornal Diário do Vale (01/10/1996), a boa relação entre Neto e os lojistas se devia a sua atuação junto à Assembléia Legislativa. Neto conseguiu que o governo do estado do Rio de Janeiro ampliasse o prazo de recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços) de dez para trinta dias e a anistia do mesmo imposto para pequenas e médias empresas.
131
Houve no PT uma dificuldade muito grande pra se passar o nome do Neto. O pessoal do PT aqui do Rio perguntava por que ele não era do PT. A candidata natural pra substituir o Baltazar seria a Cida. E ele não queria perder. Ele busca o Neto, que era do PL, e leva ele pro PSB pra ser seu sucessor. (...) Ele foi um comerciante bem sucedido e que foi eleito através da classe empresarial. E a partir daí foi constituindo o eleitorado dele. Amplia a base popular quando se elege prefeito com o PT. – Cida Paraíso.
Impossibilitado de se candidatar a prefeito por inexistir reeleição em 1996, Baltazar passou a
investir na candidatura a deputado federal, deixando a prefeitura com a promessa de solucionar
“questões macro da cidade” e planejando “trabalhar no desenvolvimento integrado da região” (Foco
Regional – 74 – 2002). Antes de se eleger deputado, nas eleições de outubro de 1998, com 99.633
votos (em um contingente eleitoral de 177.714 inscritos) ao lado de Deley de Oliveira (PV) e dos
deputados estaduais Nélson Gonçalves (PSB), Cida Diogo (PT) e Édson Albertassi (PSB) (Foco
Regional – 74 – 2002), ele usou sua alta aprovação popular a favor do seu sucessor, Antonio Francisco
Neto. A popularidade de Baltazar estava apoiada na sua marca de governo (“honestidade, participação
popular e cidade bonita”), mas contrastava com estudos como o do cientista político Alberto Carlos
Almeida publicado em 1997, que ao fazer um comparativo da qualidade de vida nos municípios do
estado do Rio de Janeiro, atribuía os números favoráveis encontrados pelas pesquisas muito mais à
dependência à CSN do que propriamente aos avanços da “gestão participativa” estabelecida através da
parceria PT/PSB na cidade. A pesquisa relaciona a terceira colocação de Volta Redonda no ranking
fluminense (atrás do Rio de Janeiro e de Niterói), entre outros fatores, ao fato de o município ter “a
melhor rede geral de esgoto do estado (86% dos domicílios atendidos), o maior consumo per capita de
energia elétrica (13,99 Mhw) (devido ao elevado nível da atividade industrial), o terceiro melhor
percentual de chefes de domicílio com mais de 15 anos de estudo (9%), o terceiro menor percentual de
pobres (38%), e o quarto menor percentual de chefes de domicílio com três anos de estudo (24%)”
(Almeida, 1997, p. 39 e 40) e, o mais importante, define a riqueza do município como sendo “muito
dependente da CSN e embora essa dependência extrema fosse uma fraqueza, ela possibilitava ao
município obter um elevado padrão de vida em comparação com os outros municípios do estado”
(Almeida, 1997, p.40).
132
Figura 2
Jornal Aqui, Janeiro de 1997.
Quanto a Neto, prefeito conhecido como um realizador de obras, ele incorporou e
implementou a proposta de renovação de uma cidade deprimida pela privatização por acreditar que a
recuperação da auto-estima da população passasse por uma política agressiva de redefinição urbana
(embora ao mesmo tempo propusesse medidas impactantes, como o enxugamento do funcionalismo
com congelamento de salários e redução de pessoal) e a valorização de outra postura, não de
cooperação, como defendia o empresariado, mas altamente conflitiva diante da Companhia
Siderúrgica Nacional. O prefeito passou a investir na mudança da relação com a CSN como suporte
para a elaboração de uma nova Volta Redonda escorada em outra identidade apoiada em uma
completa reforma paisagística, de certa forma um desdobramento da formulação anterior de Paulo
Baltazar acerca da marca da “cidade bonita”. Em substituição à imagem da “cidade do aço”, o prefeito
planejava instituir a marca da “curva do rio” e, conforme entende Baptista (2004), imaginava recriar a
cidade pela acentuação de um discurso de cidadania aparentemente fragmentado após a privatização.
Vislumbrava também a realização de obras que assumissem grande valor simbólico, como o
“esverdeamento com a revitalização de praças, jardins e plantios de árvore na cidade; a construção de
ginásios poliesportivos e a reformulação do parque aquático; a reformulação no trânsito da cidade
133
(com sinalização e projetos de tráfego e de edificação de viadutos) e reformas das unidades escolares
do município” (Baptista, 2008, p.154).
Baltazar assume em 1992 com duas questões. Primeiro, uma prefeitura sem dinheiro, sem crédito, com uma visão muito ruim. Ele é um protestante que vem com o discurso da ética, da moral. (...) O desafio de Baltazar foi reconstruir a cidade porque o governo anterior tinha destruído tudo. E nesse momento, em 1993, veio a privatização. O ganho da privatização foi que o município ganhou o passivo ambiental. A CSN teria que ressarcir a cidade pelos danos causados. Uma série de programas foi criada. O Baltazar faz esse movimento, traz a questão ambiental, a questão do orçamento participativo... E logo depois o Neto assume uma cidade do pós-privatização. E ele coloca uma proposta de arrumar a cidade. Então, ele arruma todas as praças, ele planta em todos os bairros. Ele faz essas coisas todas como se pudesse aumentar a auto-estima da população. E consegue. (...) Por um lado, o Neto trabalha na construção de uma nova identidade para a cidade, limpando-a. A “cidade da curva do rio”. Como se tivesse que desvincular a cidade da Companhia. E a CSN, por outro lado, dialoga com o global e não mais com o local. Ela passa a ter outros discursos. Mas no fundo os discursos são convergentes porque a prefeitura, ao criar outra imagem, cria um imaginário de que pode se separar da empresa. E a empresa, por outro lado, também não dialoga com a cidade. Os dois não querem “se conversar” hoje em dia, nem a prefeitura, nem a empresa. Há uma dança de cadeiras entre ambas, uma disputa entre ambas. Quando tenta criar uma imagem da “curva do rio” é como se tentasse criar uma outra identidade. E eu acho que identidade não se constrói dentro de um fórum institucional, mas dentro do movimento social. Não é de cima para baixo. Eu não acredito nisso. (...) Arrumar a cidade dá uma sensação de harmonia e bem-estar. Mas é só uma sensação porque não é verdadeiro. – Letícia Barroso.
O prefeito realizou 1.240 obras em três anos e arrecadou R$ 11 milhões e 400 mil reais por
mês, lhe garantindo uma aceitação superior a 98%, um dos mais altos índices do país, conforme
apontou o jornal O Globo (21/08/1999). Ao término da sua primeira administração, já havia alcançado
a marca de 2.000 obras, o que lhe rendeu comparações com Sávio Cotta de Almeida Gama, primeiro
prefeito de Volta Redonda, responsável pela realização de obras de infraestrutura, como as sedes da
prefeitura e da Câmara Municipal, os Colégios Getúlio Vargas e João XXIII e a delegacia de polícia
(Costa, 2004). E à Volta Redonda coube a indicação de cidade mais dinâmica e com melhor padrão de
vida do sul do estado (idem). Vagner Barcelos, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul
Fluminense, ajuda a reforçar o ponto de vista sobre o trabalho de Neto para a recuperação da auto-
estima de uma cidade derrotada pela privatização.
(...) Ele viu a cidade. Nesse ponto, o Neto é uma figura excepcional. O Neto viu que a cidade estava derrotada. E o que ele faz? E não foi uma política premeditada não. “Eu tenho que voltar o orgulho desse povo.” A CSN demitindo a rôdo. Ele não demitiu um funcionário da prefeitura. Apesar de uma folha extensa, ele não demitiu um funcionário. De onze mil funcionários, ele não demitiu nenhum. Segundo, melhorou a cidade. (...) O problema maior é que o reflexo da briga do Neto com a CSN, da CSN com o Neto, na verdade, se refletiu nele. – Vagner Barcelos.
134
Em 2000, Neto se tornou o primeiro prefeito reeleito na história de Volta Redonda com
115.204 votos (ou 80% dos votos válidos) 130, dessa vez tendo Suely das Graças Alves Pinto (PT)
como vice-prefeita, e derrotando Willian de Freitas (PSDB e PSC) (28.891 votos ou 15,95%) e
Tarcisio Xavier Pereira (PSTU) (2.464 votos ou 1,36%) 131. A nova candidatura custou o rompimento
político com o ex-prefeito e então deputado federal Paulo Baltazar, o qual planejava disputar a eleição
municipal como candidato indicado por Neto pelo mesmo partido político. Mesmo sem contar com o
apoio desse político, ainda muito popular na região, Neto reelegeu-se com a finalidade de consolidar
sua política de recuperação da auto-estima da população, passando, inclusive, pela convocação de
ilustres moradores, como Dom Waldyr Calheiros, para endossar o lema “Eu acredito em Volta
Redonda, acredite você também”, carro-chefe ao longo dos oito anos à frente do governo, quando,
segundo afirma, a Companhia aprofundou sua desvinculação, abdicando do convívio respeitoso com a
cidade.
Quando nós assumimos a prefeitura, o que nos deixou mais preocupados foi um sentimento de angústia, uma desesperança muito grande da população. E Volta Redonda sempre foi uma cidade em que a população amava a CSN. E nós partimos para uma campanha que eu digo que foi a melhor campanha que nós fizemos em oito anos. Colocamos as pessoas históricas de Volta Redonda, como o Dom Waldyr, pessoas ilustres dizendo uma frase: “Eu acredito em Volta Redonda, acredite você também em sua cidade.” E isso foi o nosso carro-chefe durante oito anos. Colocamos em todas as nossas propagandas e campanhas: eu acredito em Volta Redonda, acredite você também na sua cidade. E conseguimos levantar a auto-estima da população. Foi fundamental. Volta Redonda por muitos anos conviveu com uma CSN que ajudava a cidade (...). A CSN se preocupou muito em se desvincular. No início, tivemos um convívio muito bom, um respeito. A população, indiscutivelmente, é apaixonada pela CSN. Acho que ela foi importante. Até hoje é a maior arrecadadora de impostos do nosso município. No início, até que houve um convívio respeitoso. Com o passar do tempo, as coisas foram se complicando. Enquanto a Maria Sílvia era presidente (...). Havia um convívio razoável. No final, a coisa se complicou um pouco. Mas essa campanha para elevar a auto-estima do povo de Volta Redonda foi fundamental para isso. Estava todo mundo muito abalado e as pessoas falavam em mudar de Volta Redonda. E, partindo daí, começamos a trabalhar para que a cidade virasse a cidade que a população sempre sonhou em viver. Sem dúvida, ainda falta muito e vai faltar a vida toda para que possamos chegar ao ideal. Mas conseguimos avançar. Tivemos
130Uma pesquisa realizada pelo Ibope em Volta Redonda, entre os dias 8 e 10 de setembro, com 400 eleitores, mostrou que o prefeito Antonio Francisco Neto (PSB), candidato à reeleição, tem 83% das intenções de voto. Com este índice, Neto é o candidato com o mais alto percentual de intenções de voto em todo o Estado do Rio. O candidato do PSDB, William de Freitas, tem 7% de intenções de voto e Tarcísio Xavier, do PSTU, ficou com 2%. Segundo a pesquisa, 6% dos entrevistados pretendem anular ou votar em branco e 3% se disseram indecisos. Na menção espontânea (quando os pesquisadores não citam o nome dos candidatos para os entrevistados), Neto foi citado por 73% dos entrevistados, a maioria de 16 a 24 anos. William de Freitas foi lembrado por 5%, e Tarcísio, por 1%.O favoritismo de Neto é explicado numa outra questão da pesquisa, na qual o Ibope pediu para os entrevistados apontarem qual o melhor prefeito que a cidade já teve. Neto foi citado por 69% dos entrevistados. (O Globo - 15/09/2000). 131 A eleição registrou um contingente eleitoral de 181.106 eleitores, comparecendo 160.154, representando uma abstenção de 20.952 eleitores (11,57%) e 13.595 votos brancos e nulos (7,51%). Neto se reelegeu pela coligação PSB-PT-PAN-PDT-PSL-PL-PPS-PMN-PFL-PPB-PTB-PST-PRP-PRTB-PCdoB-PTdoB e PV (Costa, 2004).
135
a coragem de convocar toda a sociedade para discutir o projeto Volta Redonda. – Antonio Francisco Neto, prefeito de Volta Redonda.
Os seus dois governos ficaram marcados por uma crise fiscal por não receber as alíquotas do
ICMS da CSN e não ter recursos para o pagamento do funcionalismo público municipal (que se inchou
nos anos 1990) 132 e outra política, com uma profunda disputa na Câmara Municipal entre a sua base
de sustentação, o Grupo dos 8, e um grupo oposicionista, o Grupo dos 13, o qual boicotou o prefeito
impedindo diversas votações orçamentárias. A queda de braço entre Executivo e Legislativo foi
intensa entre os anos de 1997 e 2004. Em 2002, quando Neto já estava no meio do segundo mandato, a
crise atingiu o orçamento municipal, fazendo o prefeito aglutinar o apoio de vereadores como Gotardo
Lopes Neto (PSL), Carlos Roberto Paiva (PT), João Thomaz da Costa (PPS) e Zeomar Tessaro (PT), e
da Federação das Associações de Moradores (FAM) contra o grupo de oposição liderado pelo vereador
Maurício Pessoa (PFL)133, dissidente da bancada governista e crítico da decisão do prefeito de não
aumentar para quase R$ 14 milhões o repasse da prefeitura à Câmara, o duodécimo (Foco Regional –
18 a 24 de novembro de 2002 - Ano II - Edição 85)134.
2.8 – Conclusão
Dedicamos parte deste capítulo à recuperação da trajetória do PT em Volta Redonda, partido
fundado a partir dos esforços de militantes que transitavam entre o campo sindical e o espaço da Igreja
Católica, no início dos anos 1980. A construção do partido na cidade obedeceu às diretrizes dos seus
132 Em entrevista, Neto afirmou ter herdado dívidas da gestão anterior, atraso no pagamento de funcionários, o ônus da falência de 900 empresas em função da falta de pagamento de serviços e a queda na ordem de R$ 22 milhões na arrecadação municipal por conta da redução no pagamento de ICMS (Diário do Vale – 17/07/2004). 133 Administrador de empresas que foi líder do governo Neto na Câmara durante cinco anos. A mudança de posição de Maurício Pessoa, no entanto, refletiu o que ele considerou uma ingratidão do prefeito, pois contava com o apoio do Palácio 17 de Julho para sua campanha a deputado estadual. Sem o apoio do governo, com o qual se sentia extremamente identificado, Maurício preferiu abortar os planos de concorrer a uma cadeira na Assembléia Legislativa. Neto preferiu apostar em Deley de Oliveira, que se elegeu federal, e Carlos Macedo, que não se elegeu deputado estadual. A questão do duodécimo, na verdade, foi a barca para o ex-líder do governo navegar como líder da oposição, levando consigo outros aliados do prefeito, como Marri Baltazar (PSB), Washington Granato (PMDB), Paulo Conrado (sem partido) e outros. Com a debandada, criou-se o grupo dos treze, do qual Maurício tornou-se o principal expoente, trabalhando permanentemente pela coesão do bloco que, aliás, seria de 14, não tivesse América Tereza (PSB) recuado de sua posição de se alinhar com os neooposicionistas. (Foco Regional - Edição 89 - Ano II - 16 a 22 de dezembro de 2002). 134 Ainda não temos uma definição em relação a isso, até porque é a primeira vez que acontece em Volta Redonda a falta de orçamento. Já disse e todos conhecem o motivo desta discussão. Lamento o que aconteceu, mas não abro mão da minha posição de preservar o dinheiro público, pois vem de um cofre só. Numa situação onde Volta Redonda perde arrecadação, temos que trabalhar para manter esta arrecadação e fica difícil concordar com este tipo de coisa. Até porque, comprovadamente, a Câmara não precisa de mais de R$ 8 milhões. Mas vamos continuar lutando, esperando que eles (vereadores) entendam isso. Entrevista - Antônio Francisco Neto - Prefeito de Volta Redonda (Foco Regional - Edição 91 - Ano II - 30 de dezembro de 2002 a 5 de janeiro de 2003).
136
pares em outras regiões industriais de forte alinhamento ao discurso sindical cutista e buscando sempre
atender aos anseios de movimentos populares em ebulição. Porém, nossa intenção foi ir além da
repetição de uma trajetória já bastante discutida, na qual se sobressaem eventos como a eleição de um
primeiro vereador, já na sua primeira disputa eleitoral, em 1982, e a sua associação aos segmentos de
resistência à privatização, sobretudo a CUT e a Igreja Católica. A trajetória do partido na cidade, longe
de exitosa, revelou-se muito irregular, observação constatável pelo fato de nunca ter conseguido eleger
um prefeito em candidatura própria. Ademais, após o êxito em eleger um vereador, viu outro partido
da chamada esquerda, o PDT, crescer em representatividade, elegendo dois prefeitos consecutivos, um
deles, inclusive, sendo a mais importante liderança sindical da história de Volta Redonda.
A análise que procuramos apresentar nas últimas páginas realça um partido que ajudou a
compor uma chapa vitoriosa em um pleito eleitoral onde a Companhia usou de todo o seu peso político
e econômico a fim de favorecer seu candidato. A vitória da “Frente Popular” em 1992, se pudermos
assim presumir, é o grande “divisor de águas” na história do PT na cidade, quando impulsionado pelas
forças populares e sindicais (apesar do já manifestado domínio da Força Sindical), o partido conquista
a prefeitura municipal em aliança com o PSB e dá início à execução de estratégias de gestão
participativa inspiradas em experiências bem sucedidas em outras prefeituras brasileiras. Esse ano
delimita também a consolidação política de personagens atuantes no meio popular e sindical de Volta
Redonda desde os anos 1980 e sem dúvida centrais para uma compreensão adequada de toda a
conjuntura pós-1990. Alguns desses personagens, em especial Paulo Baltazar, tiveram suas trajetórias
de vida brevemente reconstruídas com o propósito de ressaltar a sua vinculação à não-cidade ou
periferia abandonada pelo planejamento estatal, nos ajudando a rever um pouco a tese sobre um
movimento social que se desenvolve apenas a reboque da ação sindical. Ainda que diversos
depoimentos atestem que esse movimento popular se solidarizou muito mais com as questões e
demandas do movimento sindical do que o oposto, não devemos insistir em ofuscar as inúmeras e
paralelas tensões existentes na cidade, no período dos anos 1980. Assim, tivemos a preocupação de
salientar não o fracasso do movimento popular local em decorrência da derrocada do movimento
sindical, mas as suas conquistas obtidas a partir da redemocratização, mais precisamente a aprovação
da lei dos Posseiros Urbanos, o trabalho desempenhado durante a Constituinte Municipal e a
aprovação da Lei Orgânica municipal.
Embora pudéssemos considerar a eleição de Marino Clinger em 1985 como um marco para
esse movimento, exatamente pela ligação estabelecida entre candidato, Igreja, comunidades e áreas de
posse produzidas pelos estágios de expansão da CSN, assumimos a eleição de Paulo Baltazar como o
grande momento dessa relação. Mesmo com a eleição de Juarez em 1988 sendo nitidamente
137
influenciada pela luta sindical e pela insatisfação da população frente a desastrosa ação militar no
interior da usina, o seu governo, caso tivesse continuidade, dificilmente teria a mesma inclinação por
incorporar o movimento social à administração pública. Juarez, enquanto representante dos
metalúrgicos, sempre atuou com a perspectiva de explorar a tensão envolvendo Sindicato e
Companhia e, possivelmente, dedicaria seu governo a frear a privatização e a enfrentar as mudanças
conduzidas pelo engenheiro Lima Neto, o qual assumiu a estatal um ano após o seu falecimento. Além
disso, o sindicalista acumulava caracterizações e atribuições que iam desde um perfil carismático até
uma postura altamente populista no trato com seus representados, tanto como sindicalista quanto como
deputado federal, e como as mudanças instituídas pela Constituição Federal de 1988 ainda estavam
muito “cruas” para serem introduzidas em Volta Redonda, dificilmente seria testemunhada alguma
grande estratégia de redefinição no jogo político urbano entre os anos de 1989 e 1992, além do Plano
2000 lançado pelo seu sucessor, Wanildo de Carvalho.
Portanto, coube ao governo da “Frente Popular”, pressionado pelo movimento, fomentar um
modelo de gestão democrática e participativa inovador na cidade reproduzido a partir do “modo petista
de governar”, procurando incorporar (ou, como argumentam alguns críticos, cooptar) esse movimento
mediante mecanismos como o FURBAN e o CMDU, a fim também de repensar a cidade em termos
tanto de planejamento quanto de desenvolvimento. A marca da “cidade bonita”, muito provavelmente,
foi a primeira manifestação de uma administração pública em toda a sua história no sentido de romper
ou rever a identidade projetada pela presença e determinação da siderurgia, sugestão preservada pelo
seu sucessor, Antonio Francisco Neto, prefeito por oito anos consecutivos. Contudo, vimos que alguns
desses instrumentos, sobretudo o CMDU, fracassaram por conta do “racha” no governo e da pressão
da Companhia sobre a Câmara dos Vereadores temerosa de sofrer danos em seu extenso patrimônio,
que incluía terras, hospitais, escolas etc. O conselho, grande aposta de Baltazar, sucumbiu à pressão do
movimento pelo seu monopólio e à sua irredutibilidade em rediscutir a cidade em conjunto com o
empresariado e os comerciantes locais. Ainda assim, a despeito de encerrar seu governo sem o apoio
nem mesmo da Igreja, a gestão de Baltazar ficou marcada por inaugurar uma nova postura diante da
histórica dependência frente a CSN, fazendo-a reconhecer suas obrigações e responsabilidades fiscais
e ambientais com a cidade.
O último aspecto abordado pelo capítulo foi o saneamento conduzido pelo engenheiro
Roberto Procópio de Lima Neto sob uma conjuntura na qual a Companhia esteve seriamente ameaçada
de fechamento em decorrência da sua condição falimentar. Lima Netto assumiu a presidência da
empresa em 1990 com a tarefa romper com uma rotina de dívidas e maus resultados a fim de prepará-
la para a privatização a partir de uma perspectiva governamental de redefinição dos papéis de setores
138
públicos e privados na produção de bens e serviços. Era quase consensual entre setores do governo a
posição segundo a qual o Estado deveria se desobrigar da responsabilidade de agir fornecendo
infraestrutura para o desenvolvimento e isso, naturalmente, passava pelo sucateamento das empresas
siderúrgicas de sua propriedade, incluindo obviamente a CSN. O trabalho de Lima Netto, portanto,
integrou a ampla agenda de reformas efetuada sob a marca do Programa Nacional de Desestatização
(PND) inaugurado por Collor e executado de forma bastante vigorosa nos primeiros anos da década.
Para implementar seus ajustes e conseguir lidar com a resistência de um movimento sindical
fortalecido pelas inúmeras paralisações realizadas no correr dos anos 1980 e sempre respaldadas pelo
movimento popular, o engenheiro conciliou ações de endurecimento frente a linha radical cutista
dominante na entidade à elaboração de estratégias de corrosão da sua base através da cooptação de
integrantes da própria diretoria e de convencimento dos funcionários a aderirem ao projeto de
privatização participando do Clube de Investimentos Oficial. Sem sombra de dúvida, podemos afirmar
que sua gestão foi marcante por imprimir ao Sindicato a mais humilhante derrota de toda a sua
história, durante a greve de trinta dias entre julho e agosto de 1990.
139
Capítulo III
Desemprego, Crise e Divórcio entre Comunidade e Companhia
“(...) É muito cruel você pegar e fazer uma privatização do jeito que foi feita. Volta Redonda foi um palco desses discursos hipócritas e, na realidade, a prática foi totalmente outra. (...) O
planejamento, o discurso (...). Eu falo de hipocrisia porque “oh, vamos fazer isso, vamos realocar os demitidos, vamos fazer um planejamento (...).” Mas nós tivemos que nos virar sozinhos. Parecia que
estávamos em outro mundo (...).” – João Thomaz da Costa.
As mudanças na gestão da Companhia privatizada, a disputa interna pelo poder e a
implantação de um Centro Corporativo presidido por uma economista com trajetória profissional
exitosa em bancos e organismos estatais são alguns aspectos abordados ao longo deste capítulo que
tem por objetivo principal discutir com mais precisão os contornos imediatos da privatização,
incluindo a série de demissões e a crise política estabelecida entre a empresa e o prefeito Antonio
Francisco Neto, percebida com maior exatidão no final da década de 1990.
O capítulo começa descrevendo as sucessivas mudanças na presidência da Companhia
privatizada até a implantação do chamado Centro Corporativo, em 1996, destacando algumas
importantes modificações em termos de gestão realizadas a partir do novo planejamento estratégico
elaborado pela Mckinsey, empresa de consultoria norte-americana. Na parte inicial, veremos que essa
reorganização da estrutura administrativa acompanhou uma disputa interna pelo poder travada, logo
nos primeiros anos desse novo estágio da empresa, entre representantes de dois dos principais grupos
de acionistas, resultando a partir daí na confirmação do empresário Benjamin Steinbruch como
principal nome da CSN, condição mantida até os dias atuais.
Também é nossa proposta evidenciar que as medidas de racionalização adotadas pela
Companhia aprofundaram o seu afastamento em relação à cidade, sobretudo nos últimos dez anos. A
manutenção do programa de enxugamento de mão-de-obra através da destruição de milhares de postos
de trabalho iniciada por Lima Netto no pré-privatização foi mantida pelos novos gestores e teve
reflexos imediatos na economia local e na “auto-estima” de Volta Redonda. Projetos identificados pelo
empresariado e pelas autoridades políticas, como o cinturão do aço, não frutificaram com o suporte da
Companhia e seu fracasso contribuiu ainda mais para consolidar o clima de derrota instaurado no seio
da população. Ao passo que acelera seu descolamento em relação à cidade, a CSN incorpora
140
estratégias mais agressivas de internacionalização e de participação em privatizações. Nossa exposição
descreverá os bastidores da negociação de fusão com a anglo-holandesa Corus, provavelmente o
grande fracasso da recente história da nova Companhia, e se estenderá até a apresentação de alguns
números e dados capazes de comprovar a redução no número de funcionários diretamente empregados
na empresa e a mudança de perfil econômico de Volta Redonda. Desde então, perdem escopo setores
tradicionais, como a indústria de transformação, e ganham escala as atividades de comércio e serviço,
com destaque para a elevação do grau de importância da administração pública municipal enquanto
empregadora.
3.1. Planejamento estratégico, reestruturação produtiva e a formação de uma
“aristocracia do aço”
Em duas assembléias realizadas após a privatização, os acionistas aprovaram o estatuto da
Companhia privatizada e elegeram Maurício Schulman, presidente do Banco Bamerindus, como
presidente do Conselho de Administração, cabendo a Benjamin Steinbruch, superintendente do Grupo
Vicunha, a vice-presidência, a Luiz de Oliveira Rodrigues a condição de representante dos
empregados e a Paraguassu Tabajaras a tarefa de representar o Clube de Investimentos da CSN, outro
grande acionista. Após uma reunião do Conselho ocorrida ainda em abril de 1993, Schulman
reconduziu Roberto Procópio de Lima Netto à presidência da Companhia. Afastado desde dezembro
de 1992, quando foi demitido pelo presidente Itamar Franco, o engenheiro teve uma atuação decisiva
no leilão ao montar e coordenar o consórcio que adquiriu a maioria das ações colocadas à venda. A
nova diretoria da empresa passou então a ser composta por integrantes da antiga diretoria destituídos
por Itamar, entre eles Paulo Yoshida, ex-diretor comercial, Wilson Nogueira Rodriguez, ex-diretor
financeiro da siderúrgica, além de funcionários mantidos em cargos estratégicos, como Luiz Xavier,
então superintendente de recursos humanos, e Sylvio Nóbrega Coutinho, superintendente da empresa e
presidente do Clube de Investimentos CSN (O Estado de São Paulo – 21/04/1993). Contudo,
queixando-se da falta de autonomia da diretoria frente aos principais acionistas, alguns deles
extremamente centralizadores (Moreira, 2000), e discordando das estratégias de investimento
imaginadas pelos mesmos, que incluíam uma participação agressiva em outras privatizações, além da
aquisição de empresas não exatamente do setor siderúrgico, o grupo de Lima Netto afastou-se da
Companhia logo nos primeiros meses de 1994.
141
Ao afastar-se, Lima Netto candidatou-se e elegeu-se deputado federal pelo Partido da Frente
Liberal (PFL) ao passo que Benjamin Steinbruch assumia a presidência do Conselho de Administração
em substituição a Maurício Schulman, demarcando o fortalecimento político do Grupo Vicunha dentro
da Companhia e, segundo Moreira, coincidindo com o aumento da sua participação entre os
controladores ao adquirir 50% das ações (a outra fatia ficou com o Bradesco e com a Previ – Caixa de
Funcionários do Banco do Brasil) do Banco Bamerindus, este em grave crise financeira. A aquisição
das ações por R$ 500 milhões, em abril de 1995, desequilibrou a relação entre Bamerindus e Vicunha,
cada um dos dois grupos até então detentor de 9% das ações da Companhia, e já travando uma
verdadeira queda-de-braço pelo controle da empresa, o que passava pelo direito de indicar o nome do
presidente substituto de Lima Netto. E embora o banco tentasse indicar o executivo Marcos Jacobsen,
o Vicunha conseguiu impor-se com a indicação de Sylvio Coutinho, sua opção preferida.
Empresário carioca formado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São
Paulo, com pós-graduação em Marketing e Finanças e membro diretor da Vicunha, grupo ligado ao
setor têxtil, Steinbruch135 assumiu a presidência do Conselho, acelerou a racionalização da gestão da
Companhia com a criação do chamado Centro Corporativo, uma espécie de holding da empresa,
responsável pelas áreas de siderurgia, energia e logística, e aprofundou o distanciamento entre
Companhia e cidade, mesmo sem isso representar um rompimento definitivo entre ambas, o qual
naturalmente se traduziria no fechamento ou transferência da usina. Como vimos nos dois primeiros
capítulos, essa separação já vinha amadurecendo bem antes da privatização e pôde ser testemunhada,
inicialmente, através do abandono do rótulo de company-town, na transição dos anos 1960 para os
1970, quando a Companhia abdicou da sua “responsabilidade social”, até então objetivada na
prestação de serviços à população residente.
135 Aos 43 anos de idade, Benjamin Steinbruch, presidente do Conselho de Administração da CSN, consolida sua posição como um dos empresários mais poderosos do país. A vitória do consórcio liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional no leilão da Vale do Rio Doce pode ser atribuída à estratégia montada por esse carioca de uma tradicional família ligada ao setor têxtil, e que se diz defensor dos modernos modelos de gerenciamento empresarial. Depois de assumir vários negócios no Grupo Vicunha, controlado por sua família, sua ascensão ao topo do empresariado nacional começou em abril de 1995. Após um acordo com os outros acionistas da Siderúrgica, Steinbruch assumiu a presidência do Conselho de Administração. Desde então, a empresa passou a adotar um agressivo plano de expansão voltado para outras áreas e adquiriu participações em empresas de energia, como a Light, ferrovias e portos. O currículo do presidente do conselho da CSN, no entanto, é bem mais vasto. Steinbruch também preside os conselhos de administração da Light e da Fibrasil Têxtil, do Grupo Vicunha, e de outras empresas da família. Ele é ainda presidente do Banco Fibra e participa do conselho ou da diretoria de outras 14 empresas, entre elas as estatais Petrobras, Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e Cetesb. - Um empresário em acelerada ascensão – (O Globo - 07/05/1997).
142
Em 1996, com o seu poder consolidado, o “barão do aço” (Folha de São Paulo –
08/05/1997)136 fez um convite à economista Maria Silvia Bastos Marques para assumir a presidência
do Centro Corporativo. Primeira mulher a dirigir uma siderúrgica no país, com faturamento na casa
dos R$ 3,2 bilhões anuais, Marques vinha de uma experiência no governo Collor (1990), quando
coordenou a área externa do então Ministério da Economia do governo, de uma como diretora do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (1991) e de outra na Secretaria
Municipal de Fazenda do Rio de Janeiro, durante o governo de César Maia, lhe valendo o apelido de
“mulher de US$ 1 bilhão” por ajudar a equilibrar o orçamento municipal com um superávit de US$
1.150 bilhão. O convite para se tornar a presidente do Centro Corporativo da CSN foi uma sugestão de
Alcides Tápias, presidente da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) e conselheiro da CSN
pelo Banco Bradesco137. Convidada por Steinbruch, em janeiro, a “dama do aço” (Veja – edição 1750
– 08/05/2002) assumiu no lugar de Sylvio Coutinho138 para consolidar um processo de reestruturação
interna já iniciado pela empresa de consultoria McKinsey.
Uma das maiores empresas de consultoria do mundo, a Mckinsey teve como consultor
Keniche Ohmae, protagonista de uma das teses da chamada vertente globalista do novo regionalismo
“baseada no triângulo de pressupostos de homogeneização do espaço, mobilidade de fatores de
produção e concorrência entre lugares” (Klink, 2001, p.17), inspirada na literatura gerencial e
administrativa sobre a globalização. Anunciando o esgotamento do papel do Estado Nacional e de suas
políticas de regulação macroeconômica, Ohmae defende que, diante da mobilidade dos fatores de
produção e da pressão da internacionalização e da competição, as cidades-região devem competir
livremente e implementar iniciativas que busquem atender às preferências locais sem a valorização do
comportamento intervencionista do Estado Nacional (Klink, 2001). Foi com base nesse raciocínio
136 Steinbruch recebeu o apelido de “Barão do Aço” após a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), quando o Consórcio Brasil, liderado pela CSN, adquiriu o controle majoritário da empresa com 27% do seu capital total. CSN e Vale mantiveram-se unidas até o início de 2001, quando anunciaram um acordo de descruzamento da participação dos sócios por pressão do mercado internacional, onde a companhia integrada rapidamente ganhava dimensão nos ramos de mineração e siderurgia. Isso permitiu ao Grupo Vicunha assumir o papel majoritário na CSN e ao Bradespar (empresa não-financeira do Bradesco presidida por Roger Agnelli) e a um fundo de pensões liderado pela Previ controlarem a Vale. Com o descruzamento, o Grupo Vicunha adquiriu o percentual das ações que cabia ao Bradespar e vice-versa (Folha de São Paulo – 08/05/1997; Jornal do Brasil – 03/01/2001). 137Nascida em Bom Jesus de Itabapoana (RJ), Maria Silvia Bastos Marques é mestre e doutora em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e tem larga experiência em administração, tanto no setor público quanto no privado. Foi professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e trabalhou com o economista Antonio Kandir na Secretaria de Política Econômica, ligada ao Ministério da Fazenda. Após um ano e três meses, voltou ao Rio de Janeiro para trabalhar como assessora de Eduardo Modiano, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Comissão de Desestatização do governo Collor. Logo depois, foi promovida à diretora financeira e internacional do banco, deixando o cargo no fim do governo Collor. Em seguida, ela foi convidada pelo prefeito César Maia para ser secretária de Fazenda do Rio de Janeiro (O Globo – 03/05/1996 e 27/04/2002). 138 Funcionário de carreira da CSN, Coutinho se transferiu para a área de aço da Companhia e aposentou-se em novembro de 1996 (O Globo – 12/11/1996).
143
liberal e de não intervenção estatal que a Mckinsey elaborou um planejamento estratégico propondo
um novo formato de arrumação da Companhia com impactos desastrosos para a população de Volta
Redonda. Em síntese, o planejamento estratégico concluído em 1997 previa a implantação de uma
mentalidade de unidades de negócios, de custos e de gerenciamento em contrapartida à mentalidade
industrial. O estudo da Mckinsey mostrava que a Companhia apresentava os menores custos de
produção de aço do mundo, beneficiando-se de insumos, energia e mão-de-obra baratos só
comparados às usinas coreanas. O novo desenho de aprimoramento da competitividade da empresa
estabelecia como prioritários os investimentos na modernização da aciaria, além da participação em
outros negócios, como a privatização do setor de energia (como a empresa consumia em torno de 2,7%
da energia elétrica produzida no país, havia o interesse em participar da privatização da Light,
facilitando o seu consumo e, paralelamente, constituindo uma nova fonte de rendimento) e na
privatização de usinas hidrelétricas, portos (Rio de Janeiro e Angra dos Reis) e da rede ferroviária
(Gazeta Mercantil – 14/03/1995; Diário do Vale – 09/04/1997).
A economista ficou responsável por concretizar a reorganização administrativa da empresa,
aplicando noções de gerenciamento financeiro, contábil, relações com o mercado, suprimentos,
logística etc., além de comandar o Centro Corporativo criado pelo presidente do conselho como forma
de romper com a tradicional hierarquia de empresa estatal que dominava a CSN e implantar uma
metodologia de decisões mais colegiadas. O Centro passou a controlar todas as atividades não ligadas
à produção, como finanças, controladoria, recursos humanos, relações com o mercado, auditoria,
Fundação CSN e os fundo de pensão139, já sinalizando também a intenção de vender alguns dos
patrimônios da empresa, como o hospital da CSN e a escola Macedo Soares, símbolos do modelo de
bem-estar social implantado pelo governo brasileiro, na década de 1940.
A CSN é o que a gente chama de uma empresa privatizada; é um pouco diferente da empresa privada porque tem toda essa história de empresa estatal. E, no nosso caso específico, isso é mais marcante até do que em outras companhias. A CSN é uma empresa que tem um simbolismo e uma personalidade muito grande. Os empregados, as pessoas que já passaram por aqui, marcam muito, é impressionante; tem uma cultura muito forte. Tudo o que acontece aqui aparece no país inteiro. É diferente da Usiminas, por exemplo. A Usiminas foi a primeira siderúrgica a ser privatizada, mas não tinha esse simbolismo. Ela sempre foi uma empresa afastada dos meios políticos. Aqui não, sempre teve esse envolvimento político, essa visibilidade muito grande, o que a torna uma empresa muito mais interessante. (...) Eu não tinha noção do impacto disso, mas hoje, três anos depois, realmente você tem um tipo de preparação, num caso como esse, da CSN, que tem uma cidade que foi criada no entorno de uma empresa, é um negócio completamente diferente porque só tem a CSN ali. Hoje a gente tem outras coisas próximas, está tentando levar outros investimentos, mas na verdade a cidade vive em função da usina. E as pessoas não foram preparadas para a privatização. Não entendiam o
139 Fonte: Entrevista CPDOC.
144
que isso ia significar e demorou muito. Quando eu entrei, há três anos, esse processo estava muito doloroso porque a Companhia tinha que mudar a atitude, mas a cidade não entendia, foi um processo difícil. Eu diria que a gente teve que chegar quase ao rompimento para começar a estabelecer relações de novo. Hoje, nossas relações com a comunidade eu não vou dizer que são maravilhosas, mas eu acho que eles já entendem o que significa uma empresa privada e a forma que ela atua (...). – Maria Silvia Bastos Marques (depoimento, 1999)140.
A Mckinsey foi mais uma empresa de consultoria contratada para modernizar a estrutura
empresarial da Companhia. Nas décadas de 1940, 1950 e 1960, a Arthur G. Mckee, por exigência
contratual do Eximbank, já havia prestado assessoria técnica na construção do primeiro alto-forno e
nos estágios de expansão da usina e, em 1972, a Arthur D. Little Inc., empresa norte-americana de
consultoria em administração, fora encarregada de realizar um diagnóstico do perfil organizacional da
CSN como exigência do Banco Mundial para liberar um empréstimo de financiamento para a
realização do Plano D de expansão (Morel, 1995).
A consultoria da Arthur D. Little Inc., particularmente, deixou marcas importantes na CSN,
pois, na ocasião, constatou-se a presença de baixos níveis de produtividade relacionados a uma política
de recursos humanos na qual se privilegiava muito mais a antiguidade do que o mérito e mostrou-se
preocupada com a possibilidade de haver um comprometimento da rentabilidade da empresa, mediante
a presença de empregados velhos e pouco motivados integrantes da primeira geração de trabalhadores,
que ingressou no final dos anos 1940 e início dos anos 1950 e que acabava de atingir, no começo da
década de 1970, a idade de aposentadoria. Funcionários altamente identificados com o paternalismo da
Companhia, esses trabalhadores que construíram sua identidade profissional no interior da usina foram
substituídos pela segunda e terceira gerações, menos identificadas e envolvidas com a Companhia ou,
fazendo uma analogia com o exemplo da CVRD descrito no primeiro capítulo, desprovidas ou menos
impregnadas por uma ideologia colaboracionista (Mangabeira, 1993; Minayo, 2004). A sugestão da
consultoria foi demitir esses empregados de forma a acelerar a renovação dos seus quadros. Assim,
desde 1967, a empresa possuía um programa de aposentadoria vinculado à lei que criou o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), mas, segundo Morel, por problemas financeiros a estatal
precisou, em 1973, encerrar os acordos para pagamento de indenizações, dando origem a um
movimento com 400 empregados, os quais ficaram sem o pagamento devido pelo tempo de trabalho
até 1967. No final da década de 1980, quando finaliza sua tese, a autora identifica 89 desses
empregados buscando, por meio da justiça do trabalho, o pagamento dessas indenizações. E o
140MARQUES, Maria Silvia Bastos. Maria Silvia Bastos Marques I (depoimento, 1999). Rio de Janeiro, CPDOC/FUNDAÇÃO CSN, 2008. 88 p. dat.
145
resultado mais notório dessa mobilização teria sido a criação da União dos Aposentados e Pensionistas
(UNAPEN), em 1987, com cerca de 600 ou 700 inscritos, incluindo viúvas de trabalhadores.
A maior representação dos aposentados da CSN, no entanto, é a Associação dos Aposentados
e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR), surgida no fervor do incentivo às aposentadorias.
Fundada em 20 de maio de 1973 por sete funcionários oriundos do primeiro grupo de aposentados
como Associação dos Industriários Aposentados da Região Sul Fluminense (AIARSUFLU), a
instituição teve a mudança do nome aprovada em assembléia, no dia 21 de agosto de 1988. Presidida
pelo engenheiro Ubirajara de Oliveira Vaz, até 1994 contava com apenas 8 mil associados, quando
expandiu seus programas de assistência social, jurídica e médica, atraindo novos filiados não
necessariamente aposentados da Companhia. Atualmente, é a maior associação de aposentados da
América Latina com 46 mil sócios, cerca de 30 mil na região, 25 mil deles em Volta Redonda e 12 mil
ligados à CSN, incluindo toda a diretoria. Muitos desses novos filiados ingressaram na associação no
pós-privatização, numa fase na qual a nova diretriz da Companhia, passando pela implantação do
planejamento estratégico e pela contestação da política de bem-estar social incorporada pela empresa
desde os anos 1940, repercutiu em um número expressivo de demissões e aposentadorias, dessa vez
assumida sem disfarce como estratégia de mercado e não como questão de sobrevivência, discurso
redundante no final da década de 1980 e aplicado com eficiência durante a gestão de Lima Netto. Esse
panorama ajudou a fazer dos aposentados uma importante categoria em Volta Redonda, tornando-se a
AAP-VR a partir de meados dos anos 1990, uma importante instituição de representação da sociedade
local. Em termos quantitativos, indiscutivelmente, a mais forte, como pôde ser comprovado pelo
levantamento realizado pelo jornal Diário do Vale (edição de 27/01/2002), segundo o qual, entre 1997
e 2002, o número de sócios passou de 8.000 para 36.700, tornando-a uma das instituições mais
disputadas na região141.
3.2 – “O futuro é crescer”: os contornos da política de racionalização, eficiência e
competitividade da Companhia
Enquanto Volta Redonda vivia uma crise com sua Companhia influenciada dentre outras
razões pela reestruturação conduzida pela presidente do Centro Corporativo, outros municípios da
região do Médio Paraíba Fluminense atravessavam uma fase de prosperidade desencadeada pela
chegada da fábrica de ônibus e caminhões da Volkswagen a Resende, em 1994, como resultado de um
141 Fonte: AAP-VR – A Trajetória de um Sonho - sem data/Entrevista com Ubirajara de Oliveira Vaz, 2008.
146
conjunto de fatores que incluía a atuação conjunta de lideranças políticas estaduais e do então
governador, Marcello Alencar, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), o mesmo do
presidente Fernando Henrique Cardoso; incentivos generosos ofertados pelo governo estadual dentro
do panorama de uma guerra fiscal e federativa que explodia na ocasião; e a forte articulação de setores
políticos e empresariais locais a favor da atração desse e de outros investimentos diretos estrangeiros
(IDEs)142. Dados da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (CODIN) revelam
que a região do Médio Paraíba, entre os anos de 1995 e 2006, contava com 33 grandes investimentos
entre os previstos e aqueles efetivamente realizados, totalizando 11.045 empregos143, a maior parte
deles (cerca de 11) concentrados no emergente município de Porto Real144 e relacionados à indústria
automobilística. Com a acentuação da guerra fiscal entre estados, sobretudo aqueles da região sudeste,
pela atração de investimentos diretos estrangeiros da indústria automobilística, começou-se a cogitar a
possibilidade de Volta Redonda receber a primeira fábrica de automóveis do estado do Rio de Janeiro.
Em artigo publicado em janeiro de 1997, Aurélio Paiva, editor do jornal Diário do Vale, o mais
importante da região, destacava as negociações envolvendo o presidente do Conselho de
Administração da CSN, Benjamin Steinbruch, o governo do estado e a prefeitura. Além das isenções
fiscais ofertadas pela prefeitura, a Companhia oferecia o terreno para a instalação da montadora e
prometia criar um centro de serviços, treinar pessoal, fornecer peças e até financiar a construção da
fábrica. Steinbruch chegou a se reunir com Marco Antônio de Araújo Lima, presidente da Companhia
de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) – agência criada em 1969,
oficialmente para promover a desconcentração industrial da área metropolitana da cidade do Rio de
Janeiro e desenvolver as regiões do interior do estado (Montero, 2001)145 – , e com o secretário Márcio
142 Para um melhor entendimento da “Guerra Fiscal”, ver Arbix (2000) e Arbix & Rodriguez-Pose (1999). 143 A um custo total de R$ 8.435.314. (Fonte: CODIN/DOP – Investimentos industriais, por região – 1995/2006). 144 Para o processo de negociação política para a instalação da Volkswagen e a sua relação direta com a emancipação de Porto Real, distrito de Resende até o início da década de 1990, ver Lima (2005). 145Durante as décadas de 1970 e 1980, a CODIN fracassou em promover o desenvolvimento industrial do estado do Rio de Janeiro pela falta de planejamento, pela centralização do controle político e limitado fluxo de informações entre ela e as empresas dos distritos industriais por ela estimulados. Até o início da década de 1980, a Companhia foi usada pelos chaguistas (herdeiros políticos do ex-governador Antonio de Pádua Chagas Freitas) como parte de campanhas clientelistas, vendendo lotes de terras a preços baixos. Já na década de 1980, sofreu com a falta de uma política industrial estadual, durante o governo de Leonel Brizola, com incentivos fiscais e programas de financiamento incapazes de atrair empresas para os distritos, corte no orçamento e corpo técnico deteriorado e desqualificado. No governo seguinte, de Wellington Moreira Franco, ela compôs uma campanha política para angariar votos de trabalhadores do setor informal (Montero, 2001). Nos anos 1990, a Companhia teve ativo envolvimento na negociação com empresas, como a duas montadoras, especialmente trabalhando na orientação e na negociação por financiamentos e incentivos fiscais (Fonte: http://www.codin.rj.gov.br/).
147
Fortes146 para tratar do assunto, além de encaminhar uma proposta formal à PSA Peugeot-Citroën. A
CSN planejava investir R$ 300 milhões e ser um dos três sócios do empreendimento (os outros seriam
o governo do estado e o grupo Monteiro Aranha). Mas o projeto esbarrou numa inviabilidade física,
pois a montadora exigia um terreno de 2 milhões de metros quadrados (dos quais 200 mil metros
quadrados com área plana), enquanto o município só dispunha de 823 mil metros quadrados. Por fim,
por essas e outras razões apresentadas em nossa pesquisa anterior (Lima, 2005), a Peugeot-Citroën, em
1998, acabou anunciando oficialmente a sua opção por Porto Real e, em 2000, inaugurou a fábrica de
veículos de passeio na cidade.
O projeto de uma montadora no município não foi descartado e voltou a ser discutido em
1999 quando o estado disputou com São Paulo, Paraná, Bahia e Espírito Santo a nova fábrica da Ford,
a qual optou por se instalar em Camaçari (BA). O secretário estadual de Desenvolvimento, Tito Ryff,
apresentou oficialmente ao presidente da Ford, Ivan Fonseca e Silva, a proposta de instalação da
montadora em Volta Redonda, num pacote de negociações que incluía desde isenção fiscal à doação
de um terreno de seis milhões de metros quadrados, entre as rodovias Tancredo Neves e Presidente
Dutra, de propriedade da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O encontro foi orquestrado pelo
presidente do banco Safra, Carlos Alberto Vieira, membro do Conselho de Administração da Ford, e
pela diretora-superintendente da CSN, Maria Sílvia Bastos. Para a CSN, a vinda da montadora era
benéfica tanto pelos negócios a serem realizados como pelo efeito social. Com uma taxa de
desemprego no município em torno de 10%, a expectativa era de que a vinda da Ford abrisse cinco mil
novos postos de trabalho, reduzindo a dependência em relação à Companhia. Dispostas a atrair um
investimento calculado em US$ 1,2 bilhão – sendo US$ 800 milhões na unidade da montadora e o
restante em instalações de 500 fornecedores que viriam junto com a empresa – as autoridades
municipais e estaduais ofereceram os mesmos tipos de incentivos característicos da fase de guerra
fiscal que o país atravessava nos anos 1990: isenção de até 100% de ISS e IPTU; devolução de 70% do
ICMS recolhido pelo governo do estado (montante que só começaria a ser pago depois de cinco anos,
com juros de 4% ao ano), além de vantagens e facilidades logísticas, como a oferta do Porto de
Sepetiba para escoar as exportações (O Globo - 28/05/1999).
Um ano antes, a CSN e o grupo alemão ThyssenKrupp anunciaram a formação de uma joint-
venture para a instalação da GalvaSud147, unidade de fabricação de aços galvanizados, em Porto Real.
146Márcio Fortes definiu a instalação da PSA Peugeot-Citroën como um capítulo significativo para o desenvolvimento industrial do estado do Rio de Janeiro, um projeto capaz de referendar com eloqüência o novo momento de retomada do crescimento durante a gestão do governador Marcello Alencar (Fortes, 1998). 147Inaugura em 2000, a GalvaSud passou a se chamar CSN Porto Real em 2010, logo após a Companhia incorporar a totalidade das ações da empresa.
148
A prefeitura de Volta Redonda havia se comprometido a cobrir ofertas de incentivos fiscais feitas por
outras prefeituras do país e julgou a opção pelo município vizinho como uma decisão de caráter mais
político do que propriamente técnico, declarando-se o prefeito decepcionado com o Conselho de
Administração da Companhia, o qual, segundo ele, não estaria acreditando na cidade.
Estou muito decepcionado. Lamento profundamente a ida da GalvaSud para Porto Real. Não que eu tenha algo contra a administração e a população daquela cidade. Torço pelo meu país, pelo meu estado e pela minha região, mas sempre estarei disposto a brigar muito pela minha cidade. – Antonio Francisco Neto (Diário do Vale – 21/10/1998).
Pouco depois, a CSN, o grupo Inepar e o Bradesco anunciaram a fusão da Fábrica de
Estruturas Metálicas (FEM) com a Montreal, uma de suas prestadoras de serviços, e logo depois a
venda financiada pelo BNDES para a Sade Vigesa, controlada pelo grupo Indústrias Elétricas do
Paraná LTDA (INEPAR). A empresa fundada em 1953, realizadora de obras como a Linha Vermelha,
no Rio de Janeiro, usava matéria-prima da Usiminas e da Cosipa, empregava quase 6 mil pessoas
apenas em Volta Redonda e possuía unidades em São Luís do Maranhão e em Paranaguá (PR). Mas,
segundo o ex-superintendente geral da CSN, Darker Valério Pamplona148, a existência de boas e
competitivas empresas do ramo no mercado tornava-a obsoleta e desnecessária. Após o negócio, ela
passou a se chamar Inepar-FEM Equipamentos e Montagem S.A., representando mais demissões e a
transferência de 1.375 pessoas das unidades da empresa em Volta Redonda e no Rio de Janeiro para
Araraquara (SP), onde se estabeleceu (O Globo - 14/01/1998)149.
A desindustrialização em curso contrariava a expectativa das autoridades pela ampliação do
parque industrial com a criação de um condomínio industrial e a atração de novas empresas. Em 1996,
Rui Pollastri, presidente de uma associação composta por trinta empresas que prestavam serviços à
siderúrgica, a Asimec (Associação Sul Fluminense das Indústrias Metal-Mecânicas), acreditando no
crescimento do setor, já havia planejado uma apresentação dessa proposta para a presidente do Centro
Corporativo da CSN, Maria Silvia Bastos Marques (Diário do Vale – 13/01/1997). O pólo metal-
mecânico existente na região, também chamado de “Cinturão do Aço”, era formado por cem pequenas
e médias empresas fornecedoras de peças à CSN e a fundições e metalúrgicas locais dedicadas à
manutenção de equipamentos da Companhia, e alcançou um pico de empregabilidade com três mil
148 Darker Valério Pamplona – Entrevista – 23 de maio de 2009. 149 O Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda já incluiu no acordo coletivo dos trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) uma cláusula determinando que a empresa privilegie as cooperativas de ex-empregados sempre que decidir terceirizar uma área. – O Globo - 14/09/1997.
149
pessoas, número reduzido para mil e trezentos profissionais, em 1997. Os empresários defendiam a
ampliação pela empresa do investimento nesse cinturão, projeto que começou com o objetivo de
prestigiar empresas da região escolhidas pela CSN, encarregada de fomentar o negócio através de um
investimento de US$ 60 milhões. Porém, a Companhia, justificando estar buscando mais qualidade por
menores preços, optou por trocar os fornecedores locais por empresas de outros estados, reduzindo,
pelos cálculos desses empresários, de US$ 50 milhões para US$ 5 milhões suas compras anuais na
região, e o cinturão perdeu em torno 70% dos negócios, demitindo cerca de 1.500 trabalhadores (O
Globo - 19/03/1998).
O fracasso do cinturão de fornecedores foi sentido pela ACIAP-VR, que desde o final da
década de 1960 apostava na construção de um novo distrito industrial. Planejado para uma área dentro
da fazenda Três Poços, no limite com Piraí, o Distrito Industrial de Volta Redonda (DI/VR) foi
deliberado em novembro de 1971, mas extinto em 31 de janeiro de 1991 através da lei 2.364 por
impossibilidade de utilização da área, ocupada por cerca de 850 famílias ao longo da década de 1980
(Costa, 2004)150. E, em 2001, a associação publicou um número especial da sua revista mensal, a
Aliança Empresarial (Ano I, nº 10, março de 2001), no qual resumiu alguns dos efeitos do “doloroso
processo” (Aliança Empresarial, 2001, p. 10), como empresas terem que se adaptar ao processo de
qualidade da CSN, algumas fecharem por falta de capital para investimentos e outras sobreviverem a
duras penas, reduzindo seu número de empregados e cortando gastos extras. A CSN, de “boa mãe”
passava a ser definida pelo setor empresarial da cidade como a “madrasta” e à frente de iniciativas
impopulares estava justamente uma mulher: Maria Silvia Bastos Marques, diretora presidente da CSN.
A diretoria da empresa ainda pretendia reduzir o número de turnos e aumentar o número de horas
trabalhadas – uma conquista dos trabalhadores na greve de 1988 – complementando a diminuição no
número de funcionários de 10,6 para 6,5 mil, um padrão mundial, segundo a diretora.
150 A criação de um pólo industrial foi abordada em encontro entre empresários, políticos e os secretários de Indústria e Comércio e de Fazenda, Julio Coutinho e Heitor Schiler, em julho de 1979. Uma carta de intenção seria emitida pelos prefeitos de Volta Redonda, Barra do Piraí e Piraí, mas apenas o prefeito de Volta Redonda compareceu ao encontro. À reunião compareceram cerca de 70 empresários interessados em instalar suas indústrias no distrito industrial e em fornecer produtos acabados à Companhia Siderúrgica Nacional, e o então presidente da Companhia de Desenvolvimento Industrial (CODIN), José Augusto Assunção. O distrito teria 1 milhão de metros quadrados e se localizaria em Pinheiral, localidade entre os três municípios e que hoje é um município emancipado. O objetivo era absorver parte da mão-de-obra desocupada após o término do terceiro estágio de expansão da CSN (Jornal do Brasil – 14 de julho de 1979). Em 1983, durante o mandato de Aluízio Campos Costa, os empresários de Volta Redonda voltaram a discutir a implantação de um distrito industrial, dessa vez com 311 mil metros quadrados e com capacidade para comportar 30 empresas de médio porte (O Globo – 21/10/1983). A mais recente proposta é de 2002 e seria estabelecida às margens da rodovia do Contorno. Todas esbarram na mesma dificuldade: a disponibilidade de terras, pertencentes, em sua maioria, à CSN. – Foco Regional - 84 - 04 a 10 de novembro de 2002.
150
Existem cidades, por exemplo, do setor têxtil em Americana, em São Paulo, que tem uma situação muito pior. O setor mais atingido com essa abertura foi o têxtil, calçados, manufaturados em geral; em que a cidade era de uma renda excepcional, acima do capital, acima da média. O tecelão durante o dia trabalhava para a empresa e à noite tinha de dois a quatro teares em sua garagem e trabalhava para ele mesmo, existia um índice per capita de carro altíssimo e salário alto. Tudo isso foi por água abaixo por causa da abertura. No ABC paulista, foi a mesma coisa; no Rio Grande do Sul, o Vale dos Sinos, Franca, em São Paulo (SP). Na verdade, existem casos muito piores que em Volta Redonda. Isso não é consolo para Volta Redonda porque é uma situação desconfortável, ruim que estamos vivendo, da busca de estabilização e da busca de fazer do Brasil um país de Primeiro Mundo. Acredito que tenha solução construtiva, a partir do momento em que encararmos com boa vontade e trabalharmos juntos, a gente tem solução. Sugestões de Volta Redonda, não recebi nenhuma. Então, desafio a qualquer um que está criticando tanto essa postura da CSN a mostrar uma sugestão positiva de minimizar esse problema e que não tenha sido atendido por mim. Gostaria de ter essa contribuição de Volta Redonda. Seja do meio político, da Igreja, do pessoal da fábrica, do pessoal do Sindicato, de profissionais liberais. Eu queria ter essa contribuição. Todos esses que criticam a CSN ainda não deram uma solução prática de como minimizar os efeitos de demissão. Na medida em que tenha, nós vamos estudar e vamos compartilhar. Estive falando com o prefeito Antonio Francisco Neto, que demonstrou preocupação com esse processo; falei com o presidente do Sindicato, Luizinho, no sentido de minimizar esse problema. Vamos trabalhar juntos no sentido de buscar uma solução. – Benjamin Steinbruch, Diário do Vale, 10/08/1997.
Embora o prefeito Neto reconhecesse a manutenção da relação de dependência, ele passou a
apostar na parceria entre empresa e prefeitura, a começar pela solicitação da antecipação do
pagamento do IPTU do ano de 1997, alegando a necessidade de quitar o salário de dezembro e cerca
de 70% do 13º salário do funcionalismo municipal. O governo esperava conseguir a antecipação de R$
6,9 milhões e mais a diferença dos atrasados do imposto sobre área construída (R$ 3,6 milhões) para
enfrentar o que o prefeito caracterizou como “o estado falimentar da prefeitura, aonde dívidas imensas
– algumas impagáveis como os encargos trabalhistas da Fevre151, que chegam a R$ 96 milhões –
aliadas a uma folha de pagamento que bate com a receita, assustam e travam o progresso do
município” (Diário do Vale – 09/04/1997). O custo com a folha de pagamento preocupava, pois a
prefeitura já superava a CSN em número de funcionários, empregando 11.457 pessoas em 2003 (O
Globo - 06/04/2003) e gerando boatos de que o prefeito estudava demitir 1.382 funcionários da
Companhia de Habitação de Volta Redonda152. O objetivo era também aumentar a receita municipal,
recadastrando as empresas prestadoras de serviços à CSN, pois, apesar de executarem serviço no
município, elas recolhiam o Imposto Sobre Serviço (ISS) em sua cidade-sede (Diário do Vale –
08/01/1997). O município também sofria uma redução sistemática no repasse do ICMS e do Índice de
Participação dos Municípios (IPM) (de 3,8% para 3,7%) desde 1996, representando menos R$ 2
151 Fundação Educacional de Volta Redonda, autarquia responsável pelo ensino médio do município. Fundada em abril de 1968 pelo prefeito Sávio Cotta de Almeida Gama. Fonte: http://www.portalvr.com/fevre. 152 “Neto vai demitir trabalhadores da COHAB.” – Boletim do Sindicato dos Funcionários Públicos do Município de Volta Redonda (SFPMVR).
151
milhões nos cofres municipais. Mas, por outro lado, o percentual cabível à CSN no IPTU chegava a
representar 50% do total, em 2003, e estimava-se que de R$ 30 milhões arrecadados, R$ 15 milhões
fossem pagos por meio da Usina Presidente Vargas (Foco Regional - 2002 – 83). Se na etapa pré-
privatização de 1979 a 1992 essa contribuição ficou deficitária em R$ 9,280 bilhões, nos anos
seguintes, ela fazia da cidade a quarta maior arrecadadora de impostos do estado (O Globo -
06/04/2003).
A direção da CSN acabou adiantando o pagamento do IPTU de 1997 e o iminente
rompimento entre prefeitura e CSN aconteceu primeiramente com uma disputa pelo controle das terras
da Companhia na cidade. Ex-dirigente do Sindicato dos Engenheiros e ex-superintendente geral da
empresa no início dos anos 1990, Darker Pamplona qualificou a queda-de-braço entre prefeito e
empresário como um conflito de personalidades.
O conflito da prefeitura com a CSN é um conflito de personalidades. O Steinbruch é uma pessoa de altíssima capacidade. Mas se entra numa coisa ninguém bate naquilo. E o Neto também é um cara assim. E a discussão deles começou com o aproveitamento das terras da CSN. Ao invés de levar a discussão para um ponto em que fosse boa pra CSN e pra cidade (...). A CSN podia colocar aquelas terras em prol da comunidade. E foi o que o Neto quis. Ele desapropriou, fez uma estrada e começou a briga entre eles. Mas, na realidade, é uma briga muito mais de personalidade. A gestão da CSN tem que buscar o lucro, só que existe um limite pra isso. A empresa tem que ter um compromisso social. E você tem soluções pra tudo. A solução mais fácil é descer o porrete, descer o facão e ferrar tudo. A mais difícil é ter uma redução do lucro mas manter o emprego e fazer da Companhia uma partícipe da vida da cidade e do estado. – Darker Pamplona.
Em seguida, a administração pública lançou um programa de atração de novas empresas e
criação de empregos através da cartilha Investir em Volta Redonda, um caderno de informações
socioeconômicas, e de infraestrutura de serviços e transporte formulado pelo Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano, reconhecendo que Volta Redonda estava diante de uma nova realidade e que a
privatização havia se constituído “em um marco divisor, desencadeando novas situações e novos
desafios com os quais a cidade se vê frente a frente e deles definitivamente não pode se esquivar”
(Investir em Volta Redonda, 1997, p. 2). O documento procurava assinalar que a administração
municipal passava a determinar como seu principal objetivo “repensar a cidade, definindo metas que
venham a implementar o desenvolvimento econômico e social do município e conseqüentemente da
região” (idem). O prefeito contou para isso com o apoio de comerciantes e empresários locais, muitos
antigos defensores da privatização, esperançosos de um novo ciclo de crescimento desencadeado pelo
processo.
152
Mas o que o houve na cidade na época foi um convencimento. A sociedade foi convencida de que a privatização seria um bom negócio. Foi vendida a idéia de que privatizando, a cidade iria crescer mais. Essa foi uma coisa muito clara, muito óbvia. Os únicos setores que não aceitaram isso foram os mais ligados aos movimentos populares. Mesmo o setor sindical, na época, não aceitava muito, mas também não criava muita situação pra não ter (...). Foi um período em que a direção sindical estava muito alinhada com a direção da CSN. Mas não podia se expor pra não se desmoralizar junto ao movimento (...). Eu acho que foi uma posição geral dos órgãos de representação aqui na cidade. A ACIAP-VR foi assim. Os únicos que se colocaram mais contrários foram o movimento popular, a Igreja Católica (...). O trabalho de convencimento de que a privatização era uma coisa boa pra cidade foi feito ainda no período do governo Wanildo. O Baltazar assumiu em janeiro e a CSN foi privatizada em junho de 1993. Então, todo esse jogo de marketing, de usar a imprensa local, de usar a rádio, de fazer um trabalho com a cabeça dos metalúrgicos que o sindicato ajudava muito com os seus boletins colocando o que seria (...). Na época, a direção da CSN fazia muitos anúncios e criava uma série de matérias favoráveis à privatização mostrando os resultados do que poderia ser (...). – Cida Diogo.
Apesar de defensor da privatização, o Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda, sob a
figura do seu presidente, João Thomaz da Costa, é um dos principais críticos do modelo adotado e
assinala que, apesar dos efeitos positivos sobre a economia local decorrentes sobretudo das
indenizações trabalhistas pagas aos demitidos, os anos seguintes, notadamente entre 1997 e 1999,
foram especialmente difíceis para o município, com disputas políticas profundas e uma deterioração da
relação CSN-cidade, a começar pela batalha pelo controle das terras vendidas junto com a usina e sem
uma função social específica reconhecida para a cidade. Segundo Thomaz, houve uma redução
significativa no número de funcionários da Companhia como um todo entre 1996 (três anos após a
privatização) e 2009, saindo de 13.880 funcionários para apenas 6.990 pessoas. Informações a respeito
das demissões e da precarização das condições de trabalho na usina e nas suas subsidiárias já haviam
sido publicadas pelo SENGE-VR, em julho de 1997, com o boletim O Peso da Realidade, ao
descrever o clima de consternação que cercou a cidade. Através desse exemplar, o Sindicato,
politicamente um dos mais engajados, denunciava a demissão de milhares de trabalhadores – que
julgava injustificável diante do aumento da competitividade mundial da empresa privatizada –, bem
como os efeitos sobre as condições de trabalho e os salários de engenheiros e operários da Companhia.
O número de trabalhadores diretos na CSN reduziu-se de 23.200, em 1989, ano em ocorre a primeira
reestruturação de grande escala na Companhia, para 11.440, em 1997, ano de publicação do estudo.
Embora sustentem que o enxugamento e a racionalização da força de trabalho, nos anos 1990, tenham
sido maiores nas siderúrgicas que sempre foram privadas do que naquelas outrora estatais, Pinho e
Silveira (1998) assinalam que as seis grandes usinas integradas (USIMINAS, CST, ACESITA, CSN,
COSIPA e AÇOMINAS) com as demissões resolveram um problema de inchaço no quadro de
funcionários com um decréscimo total de 39% nesse número, entre 1989 e 1995. E de todas, a CSN
153
teria sido aquela a apresentar a maior redução, com um corte de 29% do seu pessoal, durante a fase
estipulada, apesar de essa diminuição ter sido encaminhada, em grande parte, por Lima Netto, e antes
da privatização.
Tabela 1
Fonte: Mercovale - Relatório de atividades de 1997
Juntando-se essa redução de pessoal às perdas salariais, que, apenas no período entre maio de
1993 e abril de 1994, acumularam 33%, os impactos econômicos foram sentidos em toda a cidade,
alimentando previsões pessimistas que sinalizavam o possível fechamento ou transferência da usina,
caso o grupo que a adquiriu reconhecesse ser inviável mantê-la na cidade. O SENGE-VR também
considerava que o custo da mão-de-obra da CSN era um dos mais baixos do mundo e que os
trabalhadores, chamados de “parceiros” por adquirirem 9,1% das ações do Clube de Investimento que
participou da compra da Companhia e mais duas cadeiras no Conselho de Administração, foram
indiscutivelmente os mais afetados pelo processo. No entanto, também reconhecia “não se tratar de
andar na contramão da história, como ainda apregoavam alguns discursos oportunistas” (O Peso da
Realidade, 1997, p.4), pois o Sindicato já tinha consciência da inevitabilidade de fenômenos mundiais,
como a globalização, a terceirização e a reestruturação. Na introdução do boletim, apenas esclarecia
sua compreensão de que
154
“no mundo que se desenha, nenhuma empresa, principalmente do porte da CSN, deve se divorciar da comunidade onde está inserida. Não estamos sugerindo um comportamento maternal. Mesmo porque a CSN não tem sido mãe nem para seus próprios trabalhadores. Falamos de compromisso, de responsabilidade, de troca. A história já se encarregou de provar que não há sucesso cercado pela pobreza.” (O Peso da Realidade, 1997, p.5)
Figura 3
Jornal O Globo
Data: 06/04/2003
Corpo a Corpo
BENJAMIN STEINBRUCH
'Se não fosse vendida, a empresa fecharia'
O presidente do Conselho de Administração da Companhia Siderúrgica Nacional, Benjamin Steinbruch, diz que a privatização foi positiva tanto para a empresa quanto para Volta Redonda, a cidade que hospeda sua usina. As demissões, diz, são coisa do passado. "O futuro é crescer", afirma.
Como o senhor avalia os dez anos de privatização da CSN?
BENJAMIN STEINBRUCH: Avalio como muito positivos, tanto para a companhia, quanto para Volta Redonda. Veja bem. Se a usina não fosse privatizada, ela simplesmente fecharia. A empresa não pagava impostos, não pagava fornecedores, atrasava os salários, não recebia direito, era administrada de forma caótica. Seu futuro era quebrar. Agora, a CSN tem um lucro antes do pagamento dos impostos, em comparação com a receita, da ordem de 47%, um dos maiores da siderurgia. Somos uma das siderúrgicas mais automatizadas do mundo, à frente de países como EUA e até da Europa. Recebemos visitas de executivos americanos e europeus e eles ficam surpresos. Dizem que só viram empresas assim na Ásia. Hoje, somos a maior empresa do setor industrial do Rio em pagamento de impostos.
O que o senhor diz para os 9 mil trabalhadores demitidos da usina?
STEINBRUCH: Eram absolutamente necessárias as dispensas. Ainda assim, fomos fazendo os ajustes aos poucos, por meio de demissões incentivadas, programas de aposentadoria voluntária, e ajudamos na recolocação das pessoas, na medida do possível.
Volta Redonda está melhor?
STEINBRUCH: Muito. O atual prefeito está aplicando muito bem o dinheiro dos impostos em melhorias para a população. Antes a CSN bancava ambulância e carros oficiais. Hoje, a empresa fabrica aço e a prefeitura trabalha para a população.
E o futuro?
STEINBRUCH: O futuro é crescer, aumentar a produção e fazer aquisições no exterior.
155
3.3 – Mudanças no perfil econômico: a “cidade que não é mais do aço”
Em abril de 2003, o jornal O Globo traçou um interessante retrato dos dez anos da
privatização, tomando como fonte dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e pelo Novo Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil. Segundo o
levantamento, a cidade apresentava uma melhora dos seus indicadores sociais, com um aumento no
Índice de Desenvolvimento Humano do município (IDH-M), passando de 0,769 em 1991, antes da
venda da estatal, para 0,815 em 2000, impulsionada principalmente pela educação. Por outro lado, o
jornal apontava que, no início dos anos 1990, os 20% mais ricos da população da Cidade do Aço
ganhavam 10,39 vezes mais que os 40% mais pobres e que, em 2000, essa proporção havia pulado
para 12,3 vezes153. O levantamento sugere que a concentração de renda veio acompanhada de um
aumento da renda per capita (evolução de R$ 242 a R$ 348, de 1991 para 2000) inferior aos melhores
municípios do país (de cerca de R$ 700) e da queda da sua posição no ranking do IDH nacional (da
109ª posição, em 1991, para 297ª, em 2000), ainda que a nível estadual continuasse a ocupar a terceira
posição entre as cidades com melhor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), atrás
apenas de Niterói e da capital fluminense. Com as mudanças em andamento, havia a possibilidade de
que essa posição fosse perdida e que o município declinasse no ranking das melhores cidades do
estado. Isso não aconteceu e o censo seguinte, realizado em 2000, apresentou números sensivelmente
melhores (incluindo o de renda per capita) para a cidade.
Porém, é importante notar, de acordo com a matéria publicada, que a concentração de renda
na cidade estaria ligada a dois fatores. O primeiro seria a alta taxa de desocupados (pessoas sem
trabalho), na casa de 19,29% da População Economicamente Ativa (PEA), maior que a média do
estado (17 em cada cem pessoas procuravam trabalho) e nacional (15%) naquele ano. Das 110.620
pessoas ativas (trabalhando ou procurando emprego), 21.339 estavam sem trabalho. O outro fator seria
o pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) da empresa, pelo sexto ano consecutivo.
O jornal estipula que a Companhia teria pago ao menos R$ 168,5 milhões aos seus funcionários desde
1997, contribuindo para a concentração de renda no município, pois o corte de funcionários pela
metade desde a privatização limitou o número de pessoas beneficiadas pelo programa (O Globo -
06/04/2003). A mudança no perfil do emprego é confirmada por informações recuperadas através do
Banco de Dados Agregados do Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA e referentes ao
153 Também piorou no município o Índice de Gini (que mede a desigualdade econômica, calculada de zero a 1, sendo 1 a pior situação). Este indicador passou de 0,52 para 0,55, na contramão do índice nacional, que caiu de 0,637 para 0,609 entre 1991 e 2000.
156
período de 1996 a 2006. Embora o quantitativo de ocupados assalariados na indústria de
transformação tenha aumentado nesse período de um total de 7.845 para 14.042 pessoas, o setor foi
ultrapassado pelas atividades de serviços como maior empregador da cidade. Este último setor, em
2006, acumulava um total de pessoal ocupado assalariado de 24.777 pessoas, enquanto as atividades
comerciais totalizavam o equivalente a 12.632 pessoas. Há ainda um destaque no setor de serviços,
segundo o conjunto de sessões atribuídas pela Classificação Nacional das Atividades Econômicas
(CNAE) 154, para ocupações em saúde e serviços, e em administração pública, defesa e seguridade
social.
Tabela 2
Fonte: Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA
Com essas modificações no seu perfil econômico, conclui-se que Volta Redonda entrou em
um novo ciclo do seu desenvolvimento manifestando outras caracterizações, como a progressiva
conversão de cidade essencialmente industrial em centro regional de serviços (Oliveira, 2003; Santos,
154 Conforme a Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), o setor de serviços comporta as atividades incluídas nos itens H a Q.
MunicípioVariávelFaixas de pessoal ocupadoClassificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE)
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006Total 36951 44081 33511 38807 49055 50449 50307 50543 50609 54044 55590A Agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal 3 2 1 2 9 7 3 2 1 0 6B Pesca - - - X X - X - - X -C Indústrias extrativas 93 80 29 19 70 69 63 69 61 51 65D Indústrias de transformação 7845 15174 11612 14426 15573 15385 13789 13524 13738 14372 14042E Produção e distribuição de eletricidade, gás e água 599 X X 563 558 521 521 479 427 423 473F Construção 2409 1041 2047 1676 2789 2463 4316 1812 1407 1935 3595G Comércio; reparação de veículos automotores, objetos pessoais e domésticos
4162 4746 5014 4701 8875 9679 10078 10579 11197 12272 12632
H Alojamento e alimentação 1883 1971 971 901 1240 1409 1377 1356 1500 1632 1600I Transporte, armazenagem e comunicações 3012 3041 250 259 2661 2601 2711 2746 2866 2904 3097J Intermediação financeira, seguros, previdência complementar e serviços relacionados
2161 811 930 791 895 916 906 918 829 1103 1191
K Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados às empresas
3868 3714 1405 1424 2764 2818 3025 3945 3588 3599 3788
L Administração pública, defesa e seguridade social 5240 6780 4202 7300 6745 6936 5408 6808 6681 6777 4970M Educação 2068 1674 2353 2379 2198 2799 2884 3028 2854 3277 2975N Saúde e serviços sociais 1948 2588 3058 3267 3163 3203 3326 3440 3549 3768 5116O Outros serviços coletivos, sociais e pessoais 1660 1843 1020 1099 1515 1643 1900 1837 1911 1931 2040P Serviços domésticos - - - - - - - - - - -Q Organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais
- - - - - - - - - - -
Ano
Dados gerais das unidades locais por faixas de pessoal ocupado total, segundo seção da class ificação de atividades, em nível Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação e Municipíos
Volta Redonda - RJPessoal ocupado assalariado (Pessoas)
Total
157
2006). A ampliação dos setores de serviço e comércio coincidiu com o aumento das demissões na
Companhia com os ex-funcionários recorrendo às indenizações trabalhistas para abrirem pequenos
negócios. Todavia, mesmo com a crise do correr da década de 1990, nunca perdeu sua condição de
economia mais dinâmica do sul do estado, garantida pela concentração de quase 40% do Produto
Interno Bruto (PIB) da região, apesar do significativo crescimento de outros parques industriais, em
Resende, Piraí e Porto Real. Entre 1998, quando são sentidos os efeitos mais danosos da privatização,
e 2005, o município manteve-se na quarta colocação no estado (atrás do Rio de Janeiro, Niterói e
Macaé) em Índice de Qualidade dos Municípios (IQM), com um aumento de 0,4908 para 0,5619.
Entre 1991 e 2000, a despeito de um suposto êxodo provocado pelo aumento do desemprego, a sua
população aumentou em torno de 1,01%, passando de 221.952 para 242.063 habitantes, 99,97% deles
urbanos, algo natural pela escassez de terras disponíveis para a atividade agrícola155. E, em 2005,
citando estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Diário do Vale156destacou que
Volta Redonda, nos primeiros seis meses daquele ano, havia sido responsável por gerar 43% dos
empregos (9.317 das 21.587 admissões) da microrregião integrada também Resende, Porto Real,
Itatiaia, Quatis, Barra Mansa, Pinheiral, Piraí e Rio Claro, sendo 1.402 vagas com carteira assinada.
Entretanto, desde 1996, foi registrado um aumento no número de aposentadorias porque a
“Companhia pressionou muitos trabalhadores que não completaram o tempo para a aposentadoria
integral a solicitarem a aposentadoria parcial” (Ferreira, 2005, p. 296). Ademais, os salários dos
trabalhadores foram achatados, tiveram um reajuste 10% abaixo da inflação (18,23% entre os meses de
maio de 1995 e abril de 1996) e o seu poder de compra foi reduzido em média 24,58%, entre o período
que vai de 1996 a 2000, como mostra um levantamento do Sindicato dos Engenheiros apresentado em
seu boletim157. Associado a isso, um comparativo entre trabalhadores (eletricistas, mecânicos e
operadores) de CSN, USIMINAS e Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) publicado nesse mesmo
número do boletim revela que apesar do pagamento da PLR, o salário base médio pago pela empresa
fluminense era 15,83% inferior ao da companhia localizada em Ipatinga e 25,56% menor que o da
empresa capixaba atualmente controlada pelo grupo Arcelor-Mittal, mesmo sendo significativamente
maior ao pago em outras siderúrgicas do estado (a COSIGUA158 e as até então denominadas Barbará e
155 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. 156 Edição de 21/08/2005. 157 Fonte: Boletim SENGE-VR Informa – “A CSN é azul, pensa verde, mas seus trabalhadores estão no vermelho!” (Ano VII – número 153 – 24/05/2000). 158 Localizada no distrito industrial de Santa Cruz (RJ), a Gerdau Cosigua ou Companhia Siderúrgica da Guanabara foi fundada pelo governo da Guanabara em 1961, mas só iniciou a produção de aço dez anos depois, quando o controle acionário foi assumido pela Gerdau em associação com o grupo Thyssen ATH. A empresa foi inaugurada oficialmente em 1973 e, em 1979, adquiriu as ações da Thyssen. A empresa produz e exporta laminados não planos e aços longos (Fonte:
158
Barra Mansa). E, segundo o ex-sindicalista Vagner Barcelos, como nova estratégia a Companhia
passou a priorizar as atividades na valiosa mina de Casa de Pedra, onde a reserva ultrapassa os US$ 20
bilhões, reduzindo os investimentos na usina, inclusive, em termos de manutenção com prejuízos aos
equipamentos e às condições de trabalho dos operários (com a eminente possibilidade de um novo
acidente nas mesmas proporções do ocorrido em 1988). Essa desvalorização estaria, nos últimos anos,
forçando a saída de pessoal qualificado, muitos tentando migrar para outras companhias, seja no
próprio estado do Rio de Janeiro – como a Companhia Siderúrgica do Atlântico, megaprojeto
siderúrgico da ThyssenKrupp com a Vale, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, ou a nova
usina siderúrgica do grupo Votorantim, em Resende – , seja para pequenas usinas instaladas no interior
de estados como o Pará, onde há uma intensa atividade siderúrgica alavancada pela produção de
minérios pela Companhia Vale.
Eles não investem nada aqui. A garantia do cofrinho está em Casa de Pedra, com as minas. A reserva de minério de ferro lá ultrapassa os 20 bilhões de dólares. E aqui eles não investem nada. Os equipamentos estão deteriorados, a mão-de-obra qualificada está se aposentando e saindo ou está saindo pra outros empreendimentos, como Itaguaí, ou pra pequenas siderúrgicas no Pará, ou pra Votorantim, que também tá fazendo uma siderúrgica aqui em Resende. Tem muita mão-de-obra saindo. – Vagner Barcelos.
Em Volta Redonda não se fala em outra coisa. O megaprojeto siderúrgico ThyssenKrupp CSA, em construção na Zona Oeste carioca, está tirando funcionários de áreas importantes da CSN, Companhia nascida e criada no município do Sul fluminense. As duas gigantes, naturalmente, negam. Mas o Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda atesta o desfalque. Só em setembro, 21 funcionários da CSN tiveram pedido de demissão homologado. Segundo o presidente, Renato Soares Ramos, a maioria deixou a empresa rumo à CSA, que entrará em operação em março de 2009, mas já iniciou recrutamento, seleção e treinamento de mão-de-obra, até na Alemanha. A CSN desmente a perda de técnicos em aciaria e alto forno. Avisa que, de janeiro a outubro, contratou 240 funcionários em Volta Redonda, como parte do projeto de construção de uma usina de aços longos e de uma fábrica de cimento. A expansão envolverá contratação de 420 empregados até meados de 2008. A CSA, por sua vez, informa que, meses atrás, publicou anúncios de emprego em jornais de Rio, São Paulo, Espírito Santo e Minas. Recebeu, de todo o país, 32.800 currículos. Do total, 976 candidatos trabalhavam para a CSN (O Globo – 17/10/2007).
http://www.gerdau.com.br/sobre-gerdau/unidades-no-brasil-interna.aspx?Codigo=5ffadf8c-475e-4390-a555-02a1f738e11b).
159
Figura 4
Diário do Vale – 11/09/2005
A privatização da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, em 1993, e o conseqüente enxugamento da empresa - que causou o fechamento de cerca de 15 mil postos de trabalhou - levou Wellington Coelho, o Tom, de 38 anos, para a iniciativa privada. Um dos primeiros a aderir ao programa de demissões incentivadas, ele pegou os R$ 9 mil da indenização e abriu, em sociedade com um amigo também egresso da CSN, a Pizzaria Vermelhinho. O restaurante fica num dos pontos mais movimentados do centro da cidade, a galeria do Edifício Gacemss.- Quem perde o emprego hoje em Volta Redonda tem que procurar uma alternativa no setor de serviços. Ou esperar pela abertura das fábricas de Porto Real - diz Tom, numa referência às duas indústrias prestes a serem inauguradas no município vizinho. Salva-vidas, formado em Educação Física e bacharel em Ciências Contábeis, o ex-metalúrgico reúne hoje, nas mesas da pizzaria, um público para lá de eclético. - Recebo aqui artistas, líderes da CUT, políticos do PT e ex-militares que estiveram em postos de comando no tempo em que Volta Redonda era área de segurança nacional. O Vermelhinho é o único ponto democrático da cidade, onde se discute de tudo. Nossa maior preocupação, porém, é a atual situação da cidade. Esse assunto me deixa realmente angustiado - explica. (O Globo - 25/10/1998)
No entender de muitos, as demissões foram o grande passivo social da privatização159. Sem
uma resposta à altura por parte do governo municipal, o qual nunca criou um programa de
159 Volta Redonda hoje tem um problema, que é não conseguir crescer e gerar emprego. E o edital de privatização dizia: o governo vai ver todos os impactos em relação à questão da privatização. Os futuros impactos. E o maior impacto que nós tivemos foi o impacto social. Essa foi uma lacuna que eu estou brigando até hoje. Impacto social porque o governo
160
requalificação dos trabalhadores, testemunhou-se precarização do trabalho, falência de empresas locais
e endividamento dos trabalhadores. Outros, como a executiva Maria Sílvia Bastos Marques, entendem
que a preocupação deva ser, em primeiro lugar, a redução de custo, fazendo-se o enxugamento um
processo irreversível de forma a tornar a empresa saudável e competitiva. O aumento da eficiência,
garante a economista, se reverte em investimentos para a cidade e repercute positivamente na geração
de empregos através da dinamização da economia local.
(...) Eu vou dizer uma coisa para vocês: indústria não será mais empregadora de mão-de-obra. Isso não existe mais. Todo investimento novo que se faz em uma indústria é para reduzir pessoal. Cada máquina nova que se compra, são 100 pessoas que se tira. (...) E eu acho que é por isso também que a nossa relação hoje com a cidade, com o prefeito, com o Sindicato é melhor, porque a gente fala a verdade. A gente chega para eles e diz: “É assim.” E não tem outro jeito. Não adianta ficar falando que a globalização é horrível porque não tem condição de mudá-la. Eu tenho que competir com a siderúrgica que está lá na Coréia, que é eficientíssima, tenho que competir com mini mill, que está nos Estados Unidos e que é eficientíssima. Eles não estão querendo saber se aqui se é contra ou a favor da globalização, eles querem produzir aço ao custo mais baixo. E se eu não fizer isso, o que vai acontecer é a Companhia fechar e aí todo mundo vai perder o emprego. Então, uma coisa que eu acho fundamental as pessoas entenderem é que, primeiro, a Companhia sendo lucrativa não gera empregos dentro dela mas gera empregos no entorno dela. Então, a CSN hoje tem muito menos empregados do que tinha antigamente, mas eu garanto que ela gera muito mais empregos do que gerava antes. Por quê? Porque a gente investe, a gente compra, a gente paga imposto, coisas que a Companhia não fazia. A CSN ficou 20 anos sem investir e a gente já investiu, de 95 até hoje, provavelmente US$ 1,5 bilhão. Estamos investindo este ano mais 500 milhões. (...) Cada firma dessas que se contrata, embora a gente tenha hoje 9.500 empregados, a gente deve ter praticamente a mesma quantidade contratada em obras dentro da Companhia. – Maria Silvia Bastos Marques160.
Portanto, desemprego, desilusão, redução drástica no quadro de funcionários (um corte
atingiu 50% dos funcionários, segundo dados do jornal O Globo, edição de 27/04/2003), “relação
profissional” com o Sindicato, crise econômica e política passaram a compor o cenário delineado após
a desestatização. A depressão pós-privatização gerou previsões pessimistas, mas alguns números se
mantiveram favoráveis. Entre 2001 e 2006, segundo um estudo intitulado “Perfil Sócio-Econômico” e
privatizou (...). Você tinha 24, 25 mil trabalhadores e hoje tem 8,5 mil. Onde é que botaram essa massa de operários? Eles torraram suas indenizações trabalhistas, não tinham experiência nenhuma em comércio, abriram negócios, muitos quebraram, entraram em falência, e não teve um acompanhamento à altura do governo. Então, o modelo de privatização da CSN não foi justo, não foi humano, socialmente dizendo. E a cidade levou um baque danado. O dinheiro circulou por causa das indenizações, mas depois parou, acabou. A cidade depois entrou num conflito político com o dono da empresa. (...) Houve um discurso de reenquadramento, de recolocação dos demitidos. Mas o que houve foi uma precarização do trabalho. O cara tinha uma situação de trabalho, entrou com o salário reduzido, benefícios reduzidos (...). Mas aquilo foi só de fachada. Quando a empresa parou, a terceirizada parou, o cara ficou na rua. Então, isso é muito cruel. – João Thomaz da Costa. 160MARQUES, Maria Silvia Bastos. Maria Silvia Bastos Marques I (depoimento, 1999). Rio de Janeiro, CPDOC/FUNDAÇÃO CSN, 2008. 88 p. dat.
161
elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), o município reafirmou sua
posição à frente da economia regional com um crescimento de 183%, superado apenas pelo recém-
criado município de Porto Real, que apresentou um espantoso crescimento de 980% conduzido pelas
atividades industrial da montadora PSA- Peugeot Citroën, enquanto, no mesmo período, municípios
como Resende apresentaram uma variação de apenas 76%. Ainda de acordo com esse estudo, o
comparativo de PIB a preços básicos entre os períodos de 2001 e 2005 apresentou um aumento da
participação da cidade no PIB regional saindo da casa dos 43,3% para 45,6%, ou seja, mais de 2% de
variação no período161.
3.4 - A estratégia de internacionalização e o fracasso da fusão com a Corus
As conseqüências negativas descritas foram sentidas, sobretudo, no período entre os anos de
1997 e 2004, fase na qual se testemunhou um acentuado distanciamento entre Companhia e cidade
com o fechamento de clubes e áreas de lazer e a redução dos programas sociais em Volta Redonda.
Especialmente a partir de 2002, foram fechados o Aero Clube e o espaço público do Recreio do
Trabalhador Getúlio Vargas e a floresta da Cicuta, todos até então espaços públicos utilizados pela
população como áreas de lazer (Foco Regional - Edição 88 - Ano II - 9 a 15 de dezembro de 2002). E,
em abril de 2003, o distanciamento tornou-se mais acentuado com o fechamento do Escritório Central
da Companhia, que teve toda sua administração transferida para São Paulo. A despeito das
especulações sobre a possibilidade do prédio ser transformado em hospital ou universidade, ele
permanece fechado e a indefinição acerca da sua reutilização motivou o engenheiro João Thomaz, ao
se tornar vereador (exerceu o cargo entre 2001 e 2004 pelo PPS), a propor a devolução das terras para
o governo federal através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que
as trocaria por 10% (R$ 90 milhões) de uma dívida de R$ 900 milhões que a siderúrgica tinha com o
banco por amortizações siderúrgicas e as doaria à Prefeitura municipal que as usaria dentro de um
planejamento de instalação de um novo pólo industrial.
O receio acerca do distanciamento aumentou com o avanço da transação entre a Companhia e
o grupo anglo-holandês Corus, em vias de concretizarem uma negociação de fusão. De acordo com o
jornal Foco Regional (nº 74 - Ano II - 26 de agosto a 1 de setembro de 2002)162, de circulação semanal
161 Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) - Desempenho Econômico e Financeiro do Estado do Rio de Janeiro e de seus municípios – 2001 a 2006. 162 O negócio não empolgava os acionistas da companhia européia, preocupados com a pesada dívida da CSN em dólar, apesar da significativa redução de US$ 2,1 bilhões do final do ano passado para US$ 1,4 bilhão, em setembro deste ano. Se
162
no Médio Paraíba, a operação anunciada em julho de 2002 resultaria na sexta maior produtora mundial
de aço (quase 26 milhões de toneladas por ano e faturamento conjunto de US$ 13 bilhões). O novo
grupo passaria a valer US$ 4,1 bilhões e a CSN deteria 37,6% do capital da nova empresa. Segundo
matéria publicada pela revista Época163, a fusão garantiria a presidência do Conselho de Administração
da nova Companhia aos estrangeiros ao menos até 2004, respeitando a participação dos sócios na
divisão acionária. Para a Corus, empresa formada em 1999 a partir da fusão entre British Steel e a
Koninklijke Hoogovens, seria uma forma de entrar no mercado brasileiro e enfrentar a concorrência da
Arcelor164, maior produtora de aço do planeta. Também assumiria a usina Presidente Vargas, uma das
mais lucrativas do mundo e com um dos menores custos produtivos (US$ 100 por tonelada contra US$
294 nos EUA), e a mina de Casa de Pedra, um ativo de importância desconsiderada na definição do
preço final do leilão de privatização. Para a CSN, o retorno estaria no ganho de escala da Companhia,
no acesso a linhas de financiamento no exterior e na ampliação do seu mercado, significando também
a consolidação do Grupo Vicunha, seu principal acionista, como um dos grupos empresariais mais
importantes do país. E para os trabalhadores temerosos de mais um corte significativo de empregos, a
empresa apresentou, com a concordância do Sindicato dos Metalúrgicos, o Plano de Demissão
Incentivada (PDI), com a expectativa de demitir 900 funcionários (10% do total) alocados nas suas
unidades de Volta Redonda e Casa de Pedra.
a união se concretizar, a CSN-Corus será a sexta maior siderúrgica do mundo. – Foco Regional - nº 74 - Ano II - 26 de agosto a 1 de setembro de 2002. 163 Volta Redonda Européia – Revista Época – 22/07/2002. 164 A Arcelor é uma união entre a francesa Usinor, a espanhola Aceralia e a luxemburguesa Arbed.
163
Quadro 1
NEGÓCIO GLOBALIZADO
O perfil das duas empresas
A CSN A CORUS
Produzem por ano... 4 milhões de toneladas 18 milhões de toneladas
Faturam por ano... R$ 4,8 bilhões U$S 12 bilhões
Empregam... 10 mil pessoas 47 mil pessoas
A NOVA GIGANTE...
Fará por ano 22 milhões de toneladas
Empregará 57 mil pessoas
Será a 5a maior indústria siderúrgica mundial
Estrutura acionária da CSN/Corus
CSN HoldCo. 37,6
Brandes Investments 9,8
Capital Group 6,3
Outros 46,3
Fonte: Revista Época – 22/07/2002
A negociação com a Corus – bem como o mal desempenho da Companhia, nos últimos
quatro meses de 2001, quando teve um prejuízo em torno de R$ 130 milhões (Veja – edição 1750 –
08/05/2002) – motivou a saída de Maria Sílvia Marques da presidência em maio de 2002. A
economista discordava da proposta de fusão por defender uma estratégia mais agressiva da CSN no
mercado internacional no sentido de investir na aquisição de outras siderúrgicas, enxergando na
aproximação com o grupo anglo-holandês a intenção de usar a Companhia como forma de saldar
dívidas do Grupo Vicunha, seu principal acionista. Com a sua saída, Steinbruch assumiu
definitivamente a presidência, mas faltando exatos quatro dias para a finalização do negócio, a Corus
anunciou o fim das negociações, citando como motivos a volatilidade da moeda brasileira e a crescente
aversão de credores ao risco, além de um panorama sombrio para os mercados financeiros (Foco
Regional - nº 77- Ano II - 16 a 22 de setembro de 2002)165. A empresa acabou sendo adquirida, em
165 Na mesma edição do jornal, a CSN emitiu um comunicado, atribuindo o fracasso do acordo às incertezas no cenário econômico mundial que não convergiam com sua estratégia de internacionalização: "A Companhia Siderúrgica Nacional, em consonância com a estratégia de internacionalização de suas atividades, celebrou, em 17/07/2002, Memorando de Entendimento, não vinculante, com a Corus Group plc com vistas à integração de suas operações. Essa operação estava sujeita a uma série de condições, a serem discutidas, negociadas e concluídas no prazo de 120 dias da data de assinatura. Assim sendo, em vista das grandes dificuldades e incertezas atualmente existentes no cenário econômico mundial e nos mercados financeiros internacionais, identificadas pelo Board da Corus Group plc, a CSN decidiu não prosseguir com a Transação anunciada através do Fato Relevante de 17/07/2002.
164
2007, pela Tata Steel, do empresário indiano Ratan Tata. Quanto à CSN, ao longo do seu processo de
internacionalização, ainda tentou sem sucesso comprar as siderúrgicas norte-americana Wheeling-
Pittsburgh e a Sparrows Point, respectivamente em 2006 e 2007, e a Cimentos de Portugal (Cimpor).
Os fracassos nas aquisições planejadas, contudo, não impediram a CSN de se tornar uma das
siderúrgicas mais eficientes do mundo com uma margem operacional de 45% (líder global Arcelor-
Mittal registra algo em torno de 20%) e tendo o seu valor de mercado aumentado de 18 para 40 bilhões
de dólares entre 2002 e 2010166.
Apesar da aprovação do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, Carlos
Henrique Perrut, que se reuniu com trabalhadores da Corus na Inglaterra e na Holanda (“Todos
estavam esperançosos com a previsão de novos investimentos. Pelo que eu estive conversando com o
sindicato de lá, havia um empecilho por parte do BNDES, mas as negociações caminhavam bem” –
Foco Regional - Edição 85 - Ano II - 18 a 24 de novembro de 2002), o BNDES temia o impacto da
negociação especialmente para Volta Redonda. As significativas extensões de terrenos não só em
Volta Redonda, como também em Barra Mansa e Pinheiral, representavam aproximadamente um terço
do orçamento total da cidade e a união planejada poderia comprometer definitivamente sua
recuperação. Mas para o líder sindical a concretização da troca abriria sim para Volta Redonda “a
possibilidade de resgatar uma dívida social criada com as demissões na CSN, a extinção da FEM e o
fechamento de outras empresas do cinturão de fornecedores da siderúrgica” (Foco Regional - nº 79 -
Ano II - 30 de setembro a 6 de outubro de 2002). A preocupação com a destinação das muitas terras
ociosas na cidade esteve no centro da nova tensão criada pela fusão e foi admitida por João Thomaz
em entrevista ao jornal, quando também reafirmou ter sido essa uma questão negligenciada ao longo
do processo de privatização:
A principal dificuldade que Volta Redonda enfrenta para atrair novas indústrias é a falta de terrenos
disponíveis. “O BNDES, de posse desses terrenos, poderia repassá-los a empresas interessadas em se instalar na cidade e, talvez, até criar um pacote que incluísse outros incentivos". (...) "Com a troca das terras pela dívida, poderíamos corrigir um erro do passado.” (...) “No momento da privatização, ninguém atentou para a necessidade de democratizar essas terras, criando uma fórmula para gerar empregos e repor os postos de trabalho eliminados durante o processo". (...) "Participei ativamente do processo de privatização da CSN na qualidade de presidente o Sindicato dos Engenheiros e, entre todas as nossas preocupações, como, por exemplo, a de assegurar os direitos dos trabalhadores, deixamos uma importante questão passar despercebida: a democratização das terras da empresa". (...) "Acredito que esse pedido seja do interesse do Sindicato dos Metalúrgicos e da ACIAP-VR (Associação Comercial, Industrial e Agro-Pastoril de Volta Redonda). Os metalúrgicos, com certeza, querem a criação de novos empregos e os empresários se beneficiarão com a dinamização da economia da cidade", argumenta o vereador. As terras a que o vereador João Thomaz se refere seriam
166 Revista Exame, edição 963, número 4, 10/03/2010, p.56.
165
suficientes para a instalação de quatro usinas iguais à Presidente Vargas, e incluem, além do município de Volta Redonda, partes dos municípios de Barra Mansa e Piraí. – Foco Regional - nº 79 - Ano II - 30 de setembro a 6 de outubro de 2002.
3.5 - Conclusão
Procuramos aqui demarcar as principais modificações implementadas na organização da
Companhia a partir de 1993, incluindo as diversas mudanças realizadas na presidência até 1996.
Vimos que a privatização possibilitou o retorno de Roberto Procópio de Lima Netto à direção da
empresa poucos meses depois de ser afastado pelo presidente Itamar Franco e ter sua vaga ocupada
por Sebastião Faria, funcionário de carreira da CSN. O retorno de Lima Netto em muito se deveu ao
seu envolvimento direto com o leilão, tendo ajudado a organizar e a coordenar o consórcio que
adquiriu a maior parte das ações. Pelo conhecimento que detinha do funcionamento da antiga estatal,
por ter liderado a radical reestruturação interna empreendida entre 1990 e 1993, responsável por
demitir 6 mil funcionários em apenas um ano, e pelo bom diálogo mantido com os diretores do
Sindicato dos Metalúrgicos, o engenheiro era visto como alguém capaz de conduzir a empresa em seus
primeiros anos sob a nova condição de “privatizada”, como salientou a executiva Maria Sílvia
Marques. No entanto, meses depois, renunciou ao cargo juntamente com seu grupo de diretores diante
da intervenção dos acionistas, inesperada se comparada à enorme autonomia da qual usufruiu quando
geriu a Companhia pela primeira vez.
A saída de Lima Netto ajuda a revelar a queda-de-braço internamente travada entre o
presidente do recém-criado Conselho de Administração, Maurício Schulman, representando o Banco
Bamerindus, e o empresário Benjamin Steinbruch, representante do Grupo Vicunha. A saída do
engenheiro e a crise do Banco Bamerindus possibilitaram ao Vicunha se expandir, adquirindo uma
parcela significativa das ações, e a Steinbruch aumentar sua influência, primeiro indicando Sylvio
Coutinho para o cargo de presidente e depois definindo a criação do chamado Centro Corporativo. A
constituição do Centro, presidido inicialmente pela executiva Maria Sílvia Bastos Marques, definiu a
reformulação da estrutura organizacional da Companhia à medida que pregava a integração das suas
áreas mais estratégicas e consolidava a visão segundo a qual importava desenvolver uma linha mais
agressiva de crescimento do capital com base, sobretudo, na aquisição de outras empresas via
participação em privatizações, como pôde ser confirmado pela compra da Vale do Rio Doce, outra
poderosa estatal privatizada na década de 1990.
A chegada de Maria Sílvia ajudou a consolidar a reestruturação interna conduzida com base
no planejamento estratégico elaborado pela empresa de consultoria Mckinsey, basicamente
166
implantando uma mentalidade de negócios em substituição à outra industrial, que predominou por
décadas na Companhia. É curioso que, embora tenha sido encarregada de finalizar a implantação de
uma filosofia que partia do aprimoramento da competitividade com base inicialmente na participação
em privatizações de empresas do setor energético, de portos e ferrovias, a executiva divergiu da
proposta de internacionalização inscrita na fracassada fusão com a Corus e imaginada por Steinbruch.
A fusão ajudaria a saldar dívidas contraídas pelo grupo Vicunha, mas custaria à CSN o controle do
Centro Corporativo em virtude da maior participação acionária do grupo estrangeiro. O acordo gerou
preocupações entre moradores e autoridades políticas e foi entendido pelo BNDES como uma ameaça
real à própria sobrevivência de Volta Redonda, absolutamente dependente de uma Companhia que
detém parte considerável das terras ociosas e ainda aproveitáveis da cidade.
Também é interessante notar que, antes de se retirar da CSN, a economista reconheceu as
dificuldades inerentes à implementação dessa mentalidade de negócios em uma empresa que preserva
toda uma cidade em seu entorno sem, contanto, rever seu posicionamento a favor da aceleração do
rompimento. E é importante frisar que embora Steinbruch carregue consigo o estigma de ter
abandonado a comunidade à sua própria sorte, como sentenciou o jornalista Ricardo Tiezzi, as mais
drásticas medidas, salvo o fechamento do Escritório Central, foram tomadas nos seis anos (1996-2002)
em que a executiva ocupou-se da presidência do Centro Corporativo. É nessa conjuntura que se
acentuam as demissões divididas em várias fases, algumas delas financiadas por programas de
incentivo, e quando praticamente se fragmenta o “cinturão do aço”, uma aposta tanto do governo
municipal quanto da Companhia para reaver uma parte do prejuízo causado pelas demissões. O
sucesso do cinturão ajudaria a avançar no encaminhamento de um condomínio industrial, algo
planejado desde o final da década de 1970, em parte como forma de incentivar a integração de
pequenas e médias empresas à cadeia produtiva da Companhia, em parte como uma reorientação da
política industrial municipal, buscando alternativas à presença sufocante da usina. Para o desgosto dos
empresários locais, como veremos mais detalhadamente no capítulo a seguir, o cinturão fracassou
quando a empresa decididamente optou por buscar fornecedores de menor custo em outros estados
desprivilegiando as empresas e os trabalhadores locais.
Outra consideração a ser feita é que, nesse final da década de 1990, Volta Redonda
experimenta uma grande transformação no seu perfil econômico e no de sua força de trabalho com o
crescimento das atividades ligadas aos setores de comércio e serviço e com o aumento da presença da
administração pública entre os maiores empregadores do município. A marca da “cidade que não é
mais do aço”, conforme anunciou o jornal Diário do Vale, parece indicar uma reviravolta numa cidade
industrial tradicionalmente caracterizada pela sua identidade construída com base na presença de uma
167
classe operária forte e organizada. E, embora os números contrastem entre si apresentando variações
entre as diversas fontes consultadas, boletins sindicais como o publicado pelo SENGE-VR, já em 1997
apontavam para a diminuição do número de funcionários diretos para aproximadamente 11.440 e a
própria Maria Sílvia, segundo seu depoimento, indica como sendo de 9.500 o número de empregados
diretos em 1999 já com a estimava de redução desse total para cerca de 6.500 funcionários. Esse
menor contingente de funcionários diretos somados a outros milhares de empregos diretos e indiretos
criados na indústria de transformação local, mesmo indicando uma ligeira diminuição do peso
industrial, não é, contudo, um indicador suficientemente capaz de ameaçar a centralidade econômica
de Volta Redonda na região. Ou seja, apesar do aumento da relevância dos municípios vizinhos, em
especial Resende e Porto Real, os quais receberam novos investimentos industriais nos últimos anos,
Volta Redonda preservou sua posição de centro regional, ainda que em escala reduzida.
No próximo capítulo, veremos que os efeitos da privatização provocaram reações,
especialmente no seio da sociedade civil, e obrigaram a cidade a fomentar um novo diálogo pelo
desenvolvimento. Inicialmente deslocados e historicamente divergentes, segmentos como o
movimento sindical, o movimento popular e o empresariado parecem, nos últimos anos, ensaiar uma
aproximação com maior inclinação ao diálogo e ao trabalho coletivo.
168
Capítulo IV
Coalizões Pela Recuperação de uma Quase Rust-Belt Community: as
estratégias locais de reorganização no cenário do pós-privatização
“A história é importante, tem que conhecer (...). Mas ela também aprisiona. Se Volta Redonda ficar achando que ficará sendo cidade do aço o resto da vida, ela já comprometeu o seu
futuro. Ela deve colocar outra coisa no seu horizonte (...). Ela vai ser a cidade da cultura, a cidade científica ou qualquer outra coisa, a cidade do conhecimento (...). Aí, ela abre perspectiva de futuro.”
– Emmanuel Paiva de Andrade.
Conforme procuramos expor no capítulo anterior, no final da década de 1990 estabeleceu-se
na cidade um cenário de crise econômica e moral responsável por desarticular as muitas expectativas
de progresso depositadas na privatização por empresários e trabalhadores, estes em sua maioria
participantes do Clube de Investimentos incentivado por Lima Netto. Com isso, observamos ter se
instalado um clima de caos e ameaça de colapso, inclusive com o aumento exponencial da violência
urbana. Porém, questões como essa passaram a ser enfrentadas por uma série de mobilizações de
caráter governamental, empresarial e popular-sindical surgidas, sobretudo, durante a fase que se
estende do final de 1996 até o ano de 2000. Consideramos este como um momento particularmente
rico por reunir interessantes mobilizações sociopolíticas de revitalização complementadas, anos
depois, pelo Fórum Demissão Zero, uma estratégia de reação a uma nova onda de demissões que
atingiu a CSN recentemente. Com base nessa constatação, a proposta do capítulo final é apresentar o
conjunto dessas novas inquietações e movimentações, em especial o Mercado Comum do Vale do
Paraíba (Mercovale), inovadora proposta defendida pelo ex-prefeito Paulo Baltazar; o Movimento
Vamos Repensar Volta Redonda, nascido nos salões da ACIAP-VR; e, por último, a série de novos
movimentos sociais ligados à Igreja Católica, podendo classificar o MEP-VR como o mais influente de
todos. Embora essas iniciativas demandem mais investigações no futuro, tendo em vista inexistir
relatos mais consistentes acerca do seu encaminhamento, nossa intenção é descrever, com o suporte de
documentos, jornais, relatórios e depoimentos recolhidos, as contribuições deixadas por elas para o
conjunto da cidade.
Após uma primeira parte na qual iremos descrever a desolação de sindicalistas e empresários
com o desmonte do cinturão de fornecedores, passaremos a discorrer mais especificamente sobre o
169
lançamento da proposta governamental intitulada como Mercovale, um modelo de arranjo societal
decidido a estimular o desenvolvimento mais integrado e menos individualista dos municípios do
Médio Paraíba Fluminense. Nessa sessão, serão expostas de forma pormenorizada sugestões e razões
do fracasso desse arranjo, primeiro grande projeto de concertação da região após o Conselho para o
Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraíba, Mantiqueira e Litoral Norte (CODIVAP) fundado em
dezembro de 1970 e depois minimizado aos municípios do Vale do Paraíba Paulista.
Em seguida, serão detalhadamente descritas as mobilizações de ordem empresarial e popular-
sindical elaboradas a partir de 1996. Nesse conjunto, gostaríamos de destacar o Movimento Vamos
Repensar Volta Redonda, uma série de seminários e grupos de trabalho fomentada pela ACIAP-VR,
em julho de 1997, e depois transformada em conselhos e comitês responsáveis por encaminhar ações
segundo temas decididos como prioritários, como segurança pública, meio ambiente e
desenvolvimento econômico. O Repensar foi acompanhado por ações coletivas de perfil mais popular
surgidas no bojo da aposentadoria de Dom Waldyr Calheiros, sem com isso perderem o apoio da
Diocese local, prestes a receber um novo bispo. Iremos tratar da renovação da parceria
Igreja/movimento popular de Volta Redonda e promover uma aproximação com o debate acerca da
crise institucional do Sindicato dos Metalúrgicos. Nossa descrição recupera a trajetória da entidade nos
últimos dez anos e sugere estar havendo recentemente uma ligeira reaproximação desta com a Igreja e
o movimento popular.
Os indícios que levantamos sobre a nova postura do Sindicato serão apresentados na parte
final do capítulo junto com o Fórum Demissão Zero. Antes, porém, faremos uma recapitulação do
governo de Gotardo Lopes Netto, iniciado em 2005, fase na qual é reintroduzido o antigo Conselho
Municipal de Desenvolvimento Urbano, aprovado um novo plano diretor e lançada a Agência de
Desenvolvimento do Médio Paraíba (ADEMP), coincidindo com o retorno de Antonio Francisco Neto
à prefeitura, em 2009. Resumidamente, o cerne da discussão está no desafio posto de se reinventar
uma cidade industrial, proposta estimulada pelo debate teórico sobre arranjos institucionais, coalizões
locais e redes sociopolíticas exposto no primeiro capítulo e aqui retomado.
4.1 – Primeiras inquietações numa cidade “a caminho do caos”
O clima de consternação com os efeitos danosos da privatização descritos no capítulo
anterior atingiu, inclusive, quem era favorável à privatização. Sócio-fundador, diretor-presidente do
jornal Diário do Vale e com passagem por outros importantes veículos de comunicação (Jornal do
170
Vale, Opção e Primeira Página), na década de 1980, Aurélio Paiva justificou a postura pró-
privatização do jornal afirmando ter contribuído “para o debate em um momento em que falar a favor
da privatização era considerado pecado capital na cidade e se colocar favorável era considerado
heresia”167. Mas, em setembro de 1996, o mesmo jornal noticiou a possível demissão de dois mil
funcionários pela Companhia (edição de 22/09/1996) e, após o jornal O Dia informar, com base em
uma entrevista com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Luiz de Oliveira Rodrigues, sobre
uma outra possível redução no quadro de funcionários, começou-se a se desenhar um cenário de
desordem alertado até pelo chefe de polícia, Varonil Fernandes, que previa um aumento da violência,
levando a cidade “a caminho do caos” (Diário do Vale – 22/09/1996).
Uma primeira manifestação de reação da sociedade civil então foi promovida por iniciativa
do presidente do SENGE-VR, João Thomaz, o qual organizou o movimento “Reage Volta Redonda”,
apontado pelo jornal como uma versão interiorana do “Reage Rio”168. Contrário às demissões, o
movimento composto por associações de moradores, Igreja Católica e importantes sindicatos da cidade
filiados à CUT, como o dos Trabalhadores da Construção Civil e o do Funcionalismo Público, teve
pouca repercussão, conseguindo apenas “ocupar por duas horas as escadarias do Escritório Central da
CSN, em protesto contras as demissões” (Ferreira, 2005, p. 297).
Meses depois, em agosto de 1997, o Diário do Vale relatava que “a redução no número de
empregos, lojas vazias, táxis parados, inadimplência, aumento do índice de roubos e assaltos provocou
um início de estupefação no principal pólo econômico do sul do estado” (edição de 06/08/1997). Já o
ex-prefeito pro tempore e vice-presidente da Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Volta
Redonda (ACIAP-VR), Benevenuto dos Santos Netto169, juntamente com o então presidente da
entidade, Ludovico Leonardo Mollica170, passaram a defender uma ação integrada e a troca de
informações entre os diversos setores sociais. Dados do Ministério do Trabalho divulgados pelo Diário
do Vale indicavam que desde 1991 as demissões na região ultrapassavam as contratações (116.121
trabalhadores demitidos para 112.402 contratados) e, para agravar a conjuntura, a CSN havia
desestruturado definitivamente o cinturão de fornecedores, preferindo negociar diretamente com
empresas do interior do estado de São Paulo. Steinbruch justificava a decisão como uma forma de
proteção contra uma “terceirização burra” favorecedora daqueles que vendiam por um preço injusto.
167 Entrevista com Aurélio Paiva. Fonte: Lannes, 2001, p.174 e 175. 168 O Reage Rio foi uma manifestação organizada pela ONG Viva Rio, em novembro de 1995, contra a onda de violência que grassava sobre a cidade. Fonte: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - http://www.alerj.rj.gov.br/livro/pag_183.htm. 169 Benevenuto foi o último prefeito pro tempore de Volta Redonda. Nomeado pelo presidente João Batista Figueiredo, em 27 de abril de 1982, ele permaneceu no cargo até 31 de dezembro de 1985 (Costa, 2004). 170 Também sócio-fundador do Rotary Club de Volta Redonda, em 1953.
171
Porque em Volta Redonda existe uma minoria que se favorece em detrimento de uma maioria que se acaba. (...) Já disse várias vezes: Volta Redonda depende da CSN e a CSN depende de Volta Redonda. Não existe a possibilidade de uma ir bem e a outra ir mal. Com uma das duas indo mal, a outra vai mal obrigatoriamente. Essa situação é igual para a cidade e para a empresa. (...) o cinturão foi uma idéia que foi prejudicada por causa da vontade absurda de alguns em fazer lucro fácil. A idéia é sensacional. Por que a CSN não vai priorizar aquele que é desempregado que tem condição de montar um pequeno negócio ou um pequeno empresário de fornecer para a Companhia? É lógico que nós queremos priorizar Volta Redonda, mas o pessoal infelizmente tenta se aproveitar disso, só vê o curto prazo e inviabiliza o médio e longo prazo. É uma idéia que infelizmente se perdeu no caminho por ações de uns poucos. (Diário do Vale: - Essa idéia do cinturão morreu ou vai ser implantada de outra forma?) Nós vamos tentar implantar de outra forma. Na medida em que seja pra atender a maioria a gente vai fazer. O que não podemos é fazer uma terceirização burra no sentido em que nosso empregado saia da Companhia para ganhar menos e a CSN tenha que comprar esse produto mais caro dos fornecedores dela. A Companhia perde, o empregado perde e só quem ganha é aquele que não está vendendo por um preço justo (Benjamin Steinbruch – Diário de Vale – 09 e 10/08/1997).
4.2 - Mobilização governamental: o refluxo de uma proposta de concertação regional
Após o discurso proferido por Steinbruch, um projeto envolvendo os vários municípios da
região sob a forma de uma economia regionalizada passou a ser defendido pelo presidente do
Sindicato dos Metalúrgicos, Luiz de Oliveira Rodrigues, para quem importava o incentivo para a
atração de novas empresas, cooperativas e a agilização do serviço público, posição que voltou a ser
defendida em 2002 por Carlos Henrique Perrut, novo presidente do Sindicato, propondo, em entrevista
ao jornal Foco Regional, que as prefeituras da região deixassem o bairrismo de lado e se unissem para
formar um grande pólo econômico (Foco Regional - nº 73- Ano II - 19 a 25 de agosto de 2002)171.
Entretanto, o grande momento de consolidação de um projeto coletivo regional data do ano
de 1997, quando um “Fórum de Secretários de Planejamento” da região foi constituído com o
propósito de trocar informações e experiências municipais que facilitassem a criação de uma nova
instância articulatória (Amaral, 2001) para tratar do meio ambiente e da questão da mão-de-obra em
cada um dos municípios. Alguns deles estavam sendo vitimados pela falência de indústrias
metalúrgicas, por conta da privatização da CSN, caso de Barra Mansa e Volta Redonda, enquanto
171 Na mesma entrevista, realizada no momento em que a CSN atravessava um prejuízo na ordem de R$ 407 milhões provocado pela variação cambial e com reflexos na PLR dos trabalhadores, o sindicalista criticou a postura de Paulo Baltazar durante a privatização: "Naquela época, vários políticos não entenderam que a privatização era um fato consumado e assumiram uma atitude de confronto, e o que é pior, cada um de uma forma. Se, em vez disso, todos tivessem assumido o mesmo discurso e tivessem optado por negociar, em vez de tentar impedir o inevitável, os termos em que foi feita a privatização poderiam ter sido melhores", afirma. "Assim, se, quando surgisse uma possibilidade de uma obra ou da implantação de uma empresa, os prefeitos da região começassem a dialogar, visando o benefício de todos, em vez de tentarem capitalizar politicamente, muito mais oportunidades poderiam surgir", concluiu. – Foco Regional - nº 73- Ano II - 19 a 25 de agosto de 2002.
172
outros vislumbravam a implantação de novas empresas, como Resende (O Globo – 02/01/1997). O
fórum nasceu da preocupação com os rumos da economia nacional e com os efeitos da globalização
sobre a indústria brasileira e sinalizava para o preocupante balanço de cinco mil empregos cortados na
CSN apenas entre 1993 e 1997.
Os secretários identificavam que, desde 1995, o agravamento das questões sociais na região
havia piorado em decorrência da crise nas finanças dos municípios, sem recursos para despesas com
custeio de pessoal e menos ainda para investir em programas que aumentassem os índices de qualidade
de vida reduzidos pelos elevados índices da criminalidade, cujos acontecimentos concretos já
disputavam com outras matérias as manchetes dos principais jornais locais. O fórum então se
encarregou de preparar um relatório de atividades depois apresentado aos integrantes do movimento
popular ao término do primeiro ano de discussões como forma de convencê-los a aderirem ao projeto,
sendo central a esperança depositada na possibilidade de inversão dos aspectos sociais mais perversos
da privatização. E, em seguida, foi elaborada a iniciativa denominada por Mercado Comum do Vale do
Paraíba (Mercovale), uma marca do desenvolvimento integrado da região almejando construir um
planejamento estratégico capaz de descobrir as potencialidades de cada um dos seus 12 municípios172,
os quais viriam a compor a nova organização política regional. Sua pedra fundamental foi lançada em
maio do mesmo ano com um estudo que ficou a cargo de duas consultorias, a KPMG e a Agência 21,
tendo entre os seus consultores César Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro (O Globo - 22/04/1997). O
plano assumia como premissas a dependência de recursos acima dos disponíveis localmente a fim de
se promover o desenvolvimento socioeconômico; o reconhecimento de que a procura por esses
recursos exigiria uma postura pró-ativa para a sua atração; o planejamento, a avaliação de prioridades
e a articulação entre agentes públicos e privados para a atração e multiplicação de investimentos nesse
ambiente competitivo; e a articulação entre municípios com vocações e ofertas complementares como
forma de caracterizar uma vantagem competitiva fundamental (Relatório – Mercovale, 1997, p.5).
“O nosso objetivo é mobilizar a sociedade para se construir um bloco econômico forte. A soma das doze cidades do Médio Paraíba irá formar o planejamento estratégico. (...) Diversas indústrias de outras regiões estão pedindo informações sobre o projeto do Mercovale com a intenção de se instalar em uma das cidades”, enfatizou Paulo Baltazar (Diário do Vale – Abril de 1998).
O Mercovale significava um tipo de “mobilização sociopolítica”, agregando atores sociais,
políticos e econômicos locais capazes de convergir mesmo motivados por interesses distintos (Santos,
172 Barra do Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença e Volta Redonda.
173
2006) e, segundo Amaral (2001), todo o processo que originou essa concepção regional foi possível
porque os prefeitos passaram a ser democraticamente escolhidos nos próprios municípios, mais
autônomos e com mais atribuições após a Constituição Federal de 1988. E o processo de integração
almejado era pertinente considerando-se a progressiva redução da condição de Volta Redonda como
centro dinamizador regional173 em virtude da fratura decorrida da privatização da Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), empresa âncora da cidade, e pela expansão do desemprego acarretada
pelo processo. Aliado a isso, os municípios vizinhos de Porto Real e Resende seguiam uma trajetória
oposta àquela experimentada por Volta Redonda174, nos anos 1990, atraindo investimentos industriais
e favorecendo a elaboração, no plano econômico e político-institucional, de estratégias de
desenvolvimento que priorizassem a esfera regional à municipal (Amaral, 2001, p. 9).
Eu acredito que crescer a região cresceu e vai continuar a crescer. O que acontece, na minha avaliação, é que quando a sociedade não é só o governante A, B e C (...). Nesse caso, Volta Redonda é só um exemplo. Mas há outros casos aqui (...). Não têm visão de longo prazo, não têm planejamento de longo prazo. Qual o cenário dessa região daqui a 20, 30, 40 ou 50 anos? Pra onde nós queremos ir? Se a gente não sabe pra onde vai, vai pra qualquer lugar. Até pra onde não quer. Porque o crescimento virá desordenadamente. O que aconteceu nesses 15 anos foi que como não houve uma visão (...). Eu trabalhei muito com uma idéia chamada Mercovale, que era a idéia de uma integração da região, do planejamento estratégico para o sul do estado. Chamamos isso de Mercovale, uma figura simbólica para comparar com o Mercosul ou qualquer coisa que, naquele momento, era significativo. Significava que todo mundo, sociedade civil, políticos, empresários, etc., deveria sentar-se à mesa, em relação à região, ver qual é o potencial da região, quais os pontos fracos e fortes, de maneira que todos potencializassem o que têm de bom (...). – Paulo Baltazar.
A estratégia do Mercovale incluía um perfil público e com metodologia participativa
almejando estruturar aquilo que Santos (2006) definiu como um projeto de autodeterminação
sociopolítica componente de uma reação à ruptura alavancada pela privatização da CSN. Ela foi uma
espécie de embrião na formulação de uma nova institucionalidade no estado do Rio de Janeiro e serviu
como referência para a política de formação de “Consórcios Regionais de Desenvolvimento”
implementada pela Secretaria de Planejamento do governo estadual, em 1999 (Amaral, 2001).
173Bernardes apud Osório argumenta o contrário. O não surgimento, após a crise da cafeicultura no antigo estado do Rio de Janeiro, de um fator dinamizador relevante em sua economia, nem por meio do mercado, nem por meio de políticas indutoras, teria impossibilitado a configuração de centros polarizadores regionais, excluindo até mesmo Volta Redonda e a impactante presença da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no seu território. A inexistência de capitais regionais também se justificaria pela força polarizadora exercida pela área metropolitana da Guanabara (Bernardes, 1964 apud Osório, 2005, p.67 e 68). Morel, por sua vez, argumenta que, ao menos politicamente, a cidade ocupa a condição de centro regional desde o período populista, quando, ao ser considerada “cidade símbolo do trabalhismo”, tornou-se alvo de atenção de políticos e presidentes da república em busca de votos e apoio político. A grande concentração de operários tornou Volta Redonda um objeto de acirrada disputa política entre partidos, como o PSD e o PTB, ao passo que surgiam novos atores sociais que passaram a disputar com a CSN o controle sobre a cidade (Morel, 1994, p.75). 174 A crise em Volta Redonda teve reflexos em toda a região, afetando sua condição de principal provedora regional de serviços públicos.
174
Ademais, uma lei complementar, de dezembro de 2002, autorizava o Poder Executivo em âmbito
federal a criar a Região Integrada de Desenvolvimento do Médio Vale do Paraíba do Sul – Mercovale
e previa a criação de uma agência de desenvolvimento na região. Órgão não-oficial, promotor e
executor das ações definidas pelo planejamento estratégico, a agência seria um dos três instrumentos,
ao lado do próprio planejamento e do conselho do Mercovale (formado por representantes do poder
público, da iniciativa privada e da sociedade civil), de valorização e fortalecimento da sinergia entre os
municípios do Médio Paraíba Fluminense, motivando o estabelecimento de relações de parceria entre
agentes estatais e grupos societais locais, sobretudo empresários e trabalhadores (Evans, 1996).
No entanto, a maior adesão ficou restrita às prefeituras de Volta Redonda e Barra Mansa,
muito mais inclinadas e comprometidas a agir incisivamente em prol dessa questão regional. No
relatório preparado por Paulo Baltazar, o ex-prefeito reconhecia a dificuldade em atrair os grandes
atores sociais da região para o projeto. Primeiro, após uma reunião em maio de 1997, no Escritório
Central, com a finalidade de apresentar à CSN os detalhes do Mercovale e verificar o interesse da
mesma em vir a se tornar uma das empresas patrocinadoras do planejamento estratégico regional, o
diretor superintendente do setor Aço da Companhia, José Carlos Martins, condicionou a adesão ao
projeto à participação da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN). Esta, por
seu turno, após uma reunião na sua sub-sede em Resende na qual exigiu adequações do projeto às suas
necessidades, descartou definitivamente sua participação. Isso dificultou a criação da agência, que só
nasceu por iniciativa da ACIAP-VR e com o apoio do SEBRAE regional. Os representantes dos
governos municipais, de entidades representativas de classe, clubes de serviço e lideranças
comunitárias dos municípios também assinaram uma carta de intenções para a formação de um
Conselho de Desenvolvimento Regional para buscar soluções e direcionar os processos de
investimento no Médio Paraíba. O conselho apresentaria propostas de trabalho e definiria a estratégia
de atuação da agência. Pela proposta do SEBRAE haveria um estímulo à participação de
representantes das cidades do Médio Paraíba no processo de regionalização e integração dos
municípios, mas pouco depois a agência acabou estagnando e não se refletindo em ações mais
concretas para o conjunto da região.
Observa-se que o discurso que situava Volta Redonda dentro de uma concepção mais
abrangente relacionando-a a outros agentes englobados pela região contrastava com a heterogeneidade
dos seus vizinhos, a exemplo de Porto Real, emancipado em 1995, sem histórico de mobilização
política em grande escala e carente de um número significativo de lideranças e representações
políticas, sindicais e empresariais suficientemente maduras. Por sua vez, com um perfil industrial
consolidado, apesar de mais reduzido, Volta Redonda tomou a liderança do processo ao lado de Barra
175
Mansa, valendo-se do seu importante legado de organização popular, sindical e até empresarial. E para
conduzir a integração, o prefeito Antonio Francisco Neto criou a Assessoria Especial para
Desenvolvimento e Integração Regional da Prefeitura Municipal de Volta Redonda a fim de endossar
o diagnóstico dos consultores que assessoravam o “Fórum de Secretários”. Para o cargo de assessor,
Neto indicou o ex-prefeito, aliado político e futuro candidato a deputado federal Paulo Baltazar (PSB)
para dar continuidade à elaboração do planejamento estratégico integrado da região do Médio Paraíba
Fluminense, o qual, por hipótese, repercutiria na geração de empregos a partir de uma participação
conjunta da sociedade, do poder público e da iniciativa privada (O Globo - 24/09/2002). Baltazar
também acumulou o cargo de coordenador de integração regional e trabalhou na articulação entre os
membros das consultorias e os prefeitos eleitos por meio de uma série de encontros entre fevereiro e
março de 1997, a “Caravana I”. Os consultores apresentaram os pressupostos do Mercovale a
prefeitos, vereadores e secretários em cada uma das localidades, conseguindo oficialmente a adesão de
oito desses municípios. O fato é que o foco na constituição do que se acreditava ser uma estratégia
para garantir a viabilidade do município e da região frente à crise a partir do estreitamento dos canais
de relacionamento com as outras cidades do Médio Paraíba foi favorecido, sobretudo, pela crescente
influência política do PSB e do PT. Em 1996, os dois partidos juntos elegeram prefeitos em cinco
municípios da região: Inês Pandeló (PT), em Barra Mansa; Eduardo Meohas (PSB), em Resende;
Alfredo José de Oliveira (PSB), em Quatis; José Carlos da Rocha (PSB), em Rio Claro, além de
Antônio Francisco Neto (PSB), em Volta Redonda. Essa afinidade ideológica entre os prefeitos os fez
ensaiarem uma espécie de administração articulada para enfrentar o desemprego que assolava cidades
como Barra Mansa, Volta Redonda e Resende, em 1997175.
Contribuíram ainda para a confecção do Mercovale dois arquitetos, Ronaldo Alves e Lincoln
Botelho da Cunha, fundadores do IPPU, e então secretários de planejamento respectivamente de Barra
Mansa e Volta Redonda. Em depoimento, ambos reconhecem ter havido inspiração no modelo
implantado no ABC e atribuem à mudança na presidência da CSN e às transições nos governos
municipais o fracasso de uma idéia fortalecida pelo sentimento regional prevalecente no período. Além
disso, a proposta também teria emperrado pelo uso político por lideranças, como o próprio Baltazar, e
pela incapacidade dos municípios integrantes de elaborar o planejamento estratégico regional,
elemento-chave para a implantação e êxito desse empreendimento coletivo.
175 Prefeitos da Região Sul Fluminense vão trocar informações. – O Globo - 02/01/1997.
176
(...) Deixando de lado toda a modéstia, mais uma vez a idéia da construção do Mercovale, eu participei dela. Era um conjunto de secretários de planejamento da região que se reuniu por mais de um ano com regularidade, todo mês, para discutir a política regional. Eu era secretário de planejamento de Barra Mansa. O Baltazar estava aqui e o secretário daqui era o Lincoln Botelho. Mas a idéia, o nome Mercovale quem deu foi Barra Mansa. O meu prefeito lá, quando eu mostrei a idéia pra ele, ele falou: Uhnn, seria uma espécie de Mercovale? Eu falei. Putz, era isso que a gente precisava. O nome do negócio! E fui pra reunião dos secretários com o nome do Mercovale embaixo do braço. E todo mundo aprovou. Nós tínhamos uma consultoria da Dialog do Rio de Janeiro, que era a Liane Marcondes. Ela tinha uma consultoria da Dialog que acompanhou o processo de construção desse pensamento regional de planejamento e desenvolvimento regional. Quando veio a idéia do Mercovale, a gente pensou na criação de uma agência de desenvolvimento regional. A agência seria um tripé entre governo, sociedade organizada e iniciativa privada. Essa agência teria um caráter privado. Inspirado no modelo do ABC. Nós fomos conhecer e trouxemos a experiência do ABC. E nós conseguimos uma primeira reunião com a iniciativa privada através da CSN. E nós mobilizamos os prefeitos para essa reunião com a CSN. Foi ali no escritório central. O presidente era o Coutinho, que era representante dos empregados, que assumiu a presidência da CSN. Ele entendeu a idéia do Mercovale. Apoiou e tal. Mas logo em seguida acontece a saída do presidente da CSN e vem outro presidente que reassume a presidência. O Coutinho saiu e entrou o Lima Neto de volta. Ah não, foi quando o Benjamin assumiu. Quando saiu o Coutinho, o Benjamin assumiu a presidência do conselho e colocou a Maria Sílvia. Aí, a idéia foi por água abaixo. Foi uma perda da iniciativa privada. Os governos encerraram, vêm novos prefeitos, novos secretários (...). O Baltazar saiu de prefeito e foi ser um assessor do Neto. E o Baltazar tentou construir aquela idéia de tocar o Mercovale porque ele estava tentando construir a candidatura dele a deputado federal. E ele quis usar o Mercovale como uma aglutinação de forças regionais. Esse sentimento regional e a idéia do Mercovale estavam muito fortes nesse momento. Depois, eles caíram. – Ronaldo Alves.
Na minha atuação como secretário eu joguei peso na administração regional. O Mercovale. (...) uma experiência da qual eu participei. E o Ronaldo Alves, que foi da primeira gestão do IPPU, nessa época, era secretário de Barra Mansa. E a gente tentou fazer um negócio regional. Mas que não funciona também. O Estado mela. O Estado e a CSN melam o negócio. – Lincoln Botelho.
O refluxo do Mercovale não foi seguido de perto pela redução de um discurso pró-integração
regional. O secretário de planejamento Lincoln Botelho, um dos principais agentes políticos do
governo Neto durante os seus oito anos de governo, assinalava em artigo publicado em 2001, no
Boletim da Economia Fluminense, o que entendia como uma necessidade da sociedade civil, do poder
público e da iniciativa privada do Médio Paraíba de adotarem uma concepção regional que articulasse
um posicionamento estratégico diante dos desafios colocados pela mundialização da economia.
Botelho afirmava que as lideranças locais precisavam abrir um espaço de planejamento, além dos seus
interesses imediatos, num movimento político de afirmação do Médio Paraíba Fluminense, o que havia
sido tentado, segundo atesta, pelo governo de Antônio Francisco Neto, prefeito de Volta Redonda
entre 1997 e 2004, através de um esforço de constituição de um fórum estancado por diferenças nas
agendas do governo e das principais empresas da região (Cunha, 2001). Muito provavelmente fazendo
referência ao fracassado encaminhamento do Mercovale, o secretário reconhecia e defendia a urgência
177
de instauração de uma agenda supramunicipal pela valorização das potencialidades da região mediante
a fortificação de um mecanismo de sinergia a conferir vantagens comparativas que os municípios
isoladamente seriam incapazes de alcançar. Talvez, o melhor exemplo dessa nova concepção de
relacionamento com as prefeituras vizinhas tenha sido a criação do Médio Paraíba Negócios, feira
promovida pela prefeitura em conjunto com a ACIAP-VR, o CDL, a Fecomércio, o SEBRAE,
Sicomércio, FIRJAN, e com o apoio da Caixa Econômica Federal (CEF) e do governo federal, ano
após ano gerando mais adesão dos atores produtivos regionais.
Um último aspecto abordado pelo secretário foi a incapacidade da atividade siderúrgica da
região em impactar, criando externalidades que gerassem uma dinâmica capaz de atrair novas
atividades e conseqüentemente um novo mercado a jusante dessa atividade (Cunha, 2001). Como toda
a infraestrutura fora programada para atender a atividade siderúrgica, os municípios liderados por
Volta Redonda foram incapazes de atrair atividades industriais capazes de agregar valor ao produto
siderúrgico, tendência ligeiramente estancada pelo empenho dedicado à construção de um pólo metal-
mecânico, sobretudo por parte do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas, Automotivas, de
Informática e de Material Eletro-Eletrônico do Médio Paraíba e Sul Fluminense (MetalSul), entidade
bastante interessada na formação de um arranjo produtivo local do setor na região. A região deveria,
portanto, partir de uma nova concepção pelo reconhecimento da incapacidade de expansão do mercado
de trabalho com base na atividade industrial e de identificação de possibilidades no setor de serviços,
afirmação que destoa das modificações já em curso acelerado no correr da década de 1990 e descritas
no capítulo anterior. Assim, defende que haja um esforço da sociedade da região em consonância com
o poder público – o governo do estado cumpriria o papel de emular essa dinâmica – pela “constituição
de um espaço que contemple a abordagem estratégica dos problemas da região pelos da região”
(idem).
Com base em uma entrevista realizada com Antônio Gastão, então secretário de Indústria,
Comércio e Turismo de Resende, Ramalho (2001) identificou que o discurso pregando a união entre os
municípios, naquela ocasião, havia substituído as tradicionais práticas retaliatórias e particularistas
entre os mesmos, muito em função, talvez, “do contexto de mudanças na economia mundial e de
globalização das atividades produtivas” (Ramalho, 2001, p.27), que fazia da concepção regional uma
possível vantagem competitiva no cenário econômico da transição do século XX para o XXI. A
globalização e abertura de mercados teriam deixado as complexas e detalhadas estruturas de regulação
e os seus planos diretores desacreditados, tornando o planejamento estratégico um instrumento de
redesenho urbano e de aceleração da proposta de revitalização e reconstrução econômica constitutiva
da inversão da estratégia discursiva a favor da idéia de governance (Klink, 2001). Incapazes de
178
elaborar estratégias desse porte na região, os prefeitos e secretários também esbarraram na
complexidade envolvida na formação de uma identidade ou sentimento regional realmente forte
(Siedenberg, 2004), tarefa que não se resume à ação eficiente de agências estatais promotoras e menos
ainda ao volume de investimentos empenhados.
Uma nova institucionalidade, se assim puder ser entendido o Mercovale, requer exatamente
aquilo que nunca aconteceu na região, isto é, uma articulação propositiva dos agentes do
desenvolvimento, com um avanço no “processo de negociação de conflitos e a busca flexível e
pragmática de soluções para os problemas que os atores têm em comum, apesar das divergências
ideológicas e dos interesses conflitantes, e o enraizamento dessa instituição num ambiente de
confiança dentro de uma cultura inovadora de planejamento regional” (Bresciani et al., 2007, p.4).
Ainda que as propostas de criação de consórcios e agências de desenvolvimento tenham se propagado
por todo o Brasil, nos últimos anos, só o ABC paulista conseguiu conceber espontaneamente uma
“identidade regional” e reconhecer a importância da elaboração coletiva de estratégias de superação
dos seus diferentes dilemas, que poderiam incluir a redução da competitividade da sua indústria, baixa
empregabilidade, violência urbana e destruição dos mananciais dos rios. Esses eram desafios postos à
população da região, mas que compunham um conjunto de tarefas desafiadoras e cujo sucesso
dependia do grau de maturação e disponibilidade dos atores afetados em compartilhar os custos
envolvidos (Klink, 2001).
Esse processo virtuoso se converteu em paradigma do novo regionalismo no Brasil e recebeu
muitas interpretações para o seu sucesso. Para alguns, a região tem sido um laboratório de novas
institucionalidades nos últimos anos (Arbix, 2000) e as justificativas do êxito incluem o “histórico de
relações políticas e sociais” percebido pela importante luta sindical que caracterizou a região no século
XX (Ramalho et al., 2009); “a existência de uma sociedade relativamente educada e organizada, que
sempre demonstrou um espírito de participação política” (Arbix, 2000); ou a densidade institucional
derivada do seu desenvolvimento industrial e da histórica organização e construção de uma cultura de
classe operária constatada no século XX (Leite, 2003; Rodrigues, 2006), sendo o seu Sindicato dos
Metalúrgicos uma “expressão intrínseca das peculiaridades dessa região”, tornando difícil, senão
improvável, a “reprodução das condições presentes nesse espaço territorial em outros estados e/ou
municípios do país” (Rodrigues, 2006, p.80). Para completar, a região, nas palavras de Arbix (2000),
experimentou o amadurecimento das relações de confiança em decorrência de uma espécie de
aprendizado regional ao ponto das políticas públicas implementadas serem capazes de “promover um
intercâmbio de conhecimento entre os atores capaz de amadurecer essas relações de confiança” (Arbix,
2000).
179
Arbix (1996) faz menção ainda às experiências inovadoras produzidas na região, como as
Câmaras Setoriais, as quais chegaram a ser apontadas como parte de um arquitetado projeto de
“ofensiva do capital sobre o trabalho” (Graciolli, 2007, p. 32) que também incluía processos em
andamento como a especialização flexível e o neoliberalismo, fazendo setores sindicais da Central
Única dos Trabalhadores (CUT) e da Força Sindical parecerem afinados com um modelo de
sindicalismo do tipo participacionista. A mudança de estratégia sindical, passando da confrontação à
cooperação foi classificada, às vezes de forma pejorativa, como um sindicalismo de “concertação
social”, defensivista e de caráter neocorporativista que praticamente encerrou “a perspectiva de classe
que caracterizou a luta política e sindical dos anos 1980” (Alves, 2000, p.113). Arbix (1996), ao
contrário, interpreta tais iniciativas como experiências de união de forças entre Estado, sindicatos e
entidades da indústria automobilística para reverter a tendência declinante da produção e das vendas
do setor, e recuperar a sua competitividade, enterrando definitivamente antigas práticas corporativistas
herdeiras de um modelo desenvolvimentista falido. A solução tripartite e neocorporativista que se
convencionou chamar de Câmara Setorial da Indústria Automobilística recebeu críticas e sofreu
resistências de um movimento sindical radical enquanto mobilizava setores “politicamente mais
avançados” da ala cutista, como Vicente Paulo da Silva (Arbix, 1996, p. 29). Segundo Ramalho et al.
(2009), ao alcançar a redução no preço dos veículos, nas alíquotas de impostos federais e estaduais e
nas margens de lucro ao longo da cadeia produtiva, a criação da Câmara representou também uma
vitória para os trabalhadores da região com uma manutenção mensal dos salários e a manutenção do
nível de emprego. As montadoras, por seu turno, aumentaram a sua produção nacional de veículos e os
municípios arrecadaram um volume maior de impostos antes do abandono da iniciativa no governo de
Fernando Henrique Cardoso por não combinar com o modelo econômico implantado pelo Plano Real,
de grande abertura comercial (inclusive, às importações do setor automobilístico), aumento da carga
tributária e baixo alcance das políticas industriais (Ramalho et al, 2009, p.154).
Ajudando a compor o conjunto de análises produzidas sobre a transformação em regiões
industriais brasileiras desde a década de 1990, Ramalho (2006) discute as recentes estratégias de
desenvolvimento local associadas ao momento vivido pela indústria automobilística do país e
identifica transformações na postura dos diversos movimentos políticos e sociais frente ao necessário
dinamismo regional. O autor defende uma análise que reconheça os “elementos estratégicos das ações
dos atores sociais locais” (Ramalho, 2006, p.14), incorporando a dimensão política à discussão sobre
desenvolvimento e “percebendo como vínculos extra-econômicos podem ser criados onde eles não
180
foram desenvolvidos historicamente” (Roese, 2003176 apud Ramalho, 2006. p.14). O autor destaca a
crescente pressão não só sobre as (novas e antigas) empresas da região do Médio Paraíba Fluminense,
como também sobre as municipalidades, no sentido de reivindicar maior participação nas decisões
referentes a políticas sociais e ao desenvolvimento econômico. Os sindicatos, por exemplo, passam a
se envolver com essas questões, indicando uma maior preocupação da instituição com essa
problemática (Ramalho, 2006. p.30). Outros exemplos são a comissão municipal de emprego, a
atração de investimentos e a ação regional coordenada. Segundo o autor, a crescente participação de
sindicatos e movimentos sociais decididos a estabelecer novos parâmetros que aprofundem as práticas
democráticas pode confirmar que “um estoque de práticas organizacionais e a constituição de redes
sociopolíticas” vêm já há algum tempo ajudando a reorientar politicamente a região e influenciando na
criação de fóruns e conselhos municipais (Ramalho, 2006. p.33). Além disso, afirma que a chegada da
cadeia automobilística foi uma forte oportunidade para revitalizar a região do Médio Paraíba, cada vez
mais pensada como um todo, numa tentativa de “quebrar o natural ‘egoísmo’ municipal” (Ramalho,
2006, p.37).
4.3 – Mobilização Empresarial: Vamos Repensar Volta Redonda
Diante da incapacidade dos principais atores sociais do Médio Paraíba Fluminense em
constituir um arranjo societal semelhante àquele do ABC, evidência testemunhada pela politização do
Mercovale, restaram as alternativas municipais de superação da crise. Em Volta Redonda, o prefeito
Antonio Francisco Neto, o deputado estadual Nelson Gonçalves (PSDB), o presidente da Câmara
municipal, José Luiz de Sá (PPB), empresários locais e o presidente do SENGE-VR chegaram a
entregar o projeto de instalação do Pólo Industrial de Volta Redonda (Polin-VR) a Márcio Fortes,
secretário estadual de Indústria, Comércio e Turismo do governo de Marcello Alencar (PSDB), em
agosto de 1997. O projeto chegou a ser encaminhado à Assembléia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro pelo deputado estadual Nelson Gonçalves, prescrevendo que fossem concedidos incentivos
fiscais para as empresas que fossem se instalar no pólo. O deputado demonstrava preocupação com o
crescente desemprego no sul do estado e defendia a abertura para investimentos, além de convênios
entre o Executivo municipal e entidades governamentais ou não para viabilizar a instalação do Polin-
VR, compensando o retrocesso do cinturão de fornecedores (Diário do Vale – 01/09/1997).
176 Roese, M. “Problemas Globais, respostas locais: a indústria de móveis de madeira no BR à luz dos enfoques de cadeias produtivas e sistemas regionais de inovação”. Tese de doutorado. Campinas, Unicamp, 2003.
181
O Steinbruch decidiu acabar com o cinturão porque achava que estava sendo roubado. O argumento era que estaria havendo superfaturamento nas vendas, na prestação de serviços (...). Por exemplo, o serviço de pintura, que sairiam por 1 mil Reais estavam cobrando 2 mil da CSN, entendeu? Então, esse foi o argumento dele. Ele cortou. E quando cortou, a Associação Comercial sentiu que a situação ia piorar e que a gente precisava buscar soluções. – José Tadeu Dacol, advogado e empresário.
Representando o setor empresarial da cidade, a ACIAP-VR iniciou uma série de
mobilizações. Em julho de 1997, constituiu um fórum de debates e um conselho com antigos
defensores da privatização, como o sindicalista Luiz de Oliveira Rodrigues e o jornalista Aurélio Paiva
e, logo depois, organizou uma série de seminários sob o nome de Movimento Vamos Repensar Volta
Redonda para discutir iniciativas de desenvolvimento sustentável e geração de emprego e renda para o
município, procurando reverter o clima de incerteza criado na cidade no pós-privatização (Baptista,
2008). A entidade convocou representantes de diversos setores da comunidade para o lançamento e,
sob a presença do bispo emérito, o movimento assinou um documento propondo reavaliar o destino da
cidade. Conduzido por empresários como José Tadeu Dacol, o movimento reuniu, além da própria
ACIAP-VR, o Sindicato dos Metalúrgicos, o Sindicato dos Engenheiros (SENGE-VR), a Câmara dos
Dirigentes Logistas e membros da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN). Pelo
regimento do movimento seriam criados dois Conselhos e quatro Comitês para os quais seriam
escolhidas pessoas que atuariam como membros efetivos para acompanhar e orientar o seu dia a dia.
Os Comitês e Conselhos criados foram os seguintes: Conselho Executivo (CEX); Conselho de Ética
(CET); Comitê de Desenvolvimento Econômico (CD); Comitê de Qualidade de Vida (CQ); Comitê de
Apoio e Divulgação (CA) e Comitê de Segurança (CS)177.
Então, foi criado esse fórum de debates pra apresentar um relatório final e foi criado uma espécie de um conselho. O Luizinho, eu nunca conversei com ele pessoalmente, mas ele participava desse conselho. Ele, o Aurélio Paiva (Diário do Vale), que, aliás, deu muito apoio ao movimento, e outras pessoas que no momento eu não em lembro. Esse pessoal não participava do nosso grupo de debates. Até hoje eu não entendi o porquê desse conselho e porque não me incluíram nele. O conselho do Repensar, que se reunia na ACIAP-VR. O Aurélio e o Luizinho não faziam parte do nosso debate. Nós não tivemos contato com eles. Por isso, eu não conheço o Luizinho, eu só conheço ele de jornal, de televisão (...). O movimento Repensar Volta Redonda foi uma iniciativa da Associação Comercial de Volta Redonda (ACIAP-VR). Ele nasceu basicamente pra ser apolítico e pra funcionar como um fórum de debates pra analisar os efeitos da privatização, na cidade e na região do Médio Paraíba Fluminense. Com a privatização, a comunidade da região era radicalmente contra porque sabia que as demissões seriam inevitáveis. Porque na verdade, a CSN estatal tinha um problema de excesso de funcionários. Então, quando se falou em privatização, imediatamente veio à mente das pessoas o desemprego. E como a empresa era praticamente a maior empregadora da região, isso aí era um
177 Fonte: Associação Comercial, Industrial e Agro-Pastoril de Volta Redonda (ACIAP-VR).
182
problema sério para as pessoas porque quem fosse demitido não teria a mínima chance de conseguir outro emprego e também porque os salários da CSN sempre foram maiores e melhores. Principalmente, a CUT, os sindicalistas, a Igreja Católica, o Dom Waldyr (...). Então, houve uma mobilização muito grande contra a privatização. Agora, eu pessoalmente fazia parte de uma minoria que tinha esperança que a privatização tornasse a empresa melhor administrada, mais rentável, teria dinheiro pra fazer novos investimentos, aumentar a produção, modernizar a produção (...). Porque eu também admitia que a demissão fosse ocorrer mesmo. Porque havia excesso. A grande realidade é que havia excesso de pessoal. (...) Era e continuo sendo (a favor da privatização), apesar de todo o sofrimento que ela trouxe. Entendeu? Por uma razão muito simples. A CSN estava praticamente quebrada. A verdade é essa. Poucas pessoas falam e admitem, principalmente, o pessoal que é contra. – José Tadeu Dacol.
O momento de desagregação econômica e de reavaliação da condição ambiental estabelecida
desde o Programa Ambiental Compensatório (PAC) do município fez com que os holofotes se
voltassem, sobretudo, para dois desses Comitês, o de desenvolvimento econômico e o de qualidade de
vida, embora o de Segurança também gerasse expectativas, pois a questão da violência urbana se
tornava grave com o aumento no número de assaltos e assassinatos. O tema do desenvolvimento
econômico apresentou o seguinte diagnóstico feito pelos seus coordenadores: um processo de
demissões implantado pela CSN foi responsável pelo corte de mais de doze mil postos de trabalho e
vinha repercutindo em um progressivo esvaziamento econômico com a perda da renda pelos seus
habitantes e a diminuição da demanda. Pela proposta sugerida em documento pela ACIAP-VR, uma
parceria entre a Companhia e a prefeitura deveria viabilizar a criação de um distrito industrial numa
localidade denominada “Fazendinha”, próxima à Rodovia do Contorno, e também na gleba Volta
Grande, no bairro Santo Agostinho. Ela também propunha uma maior intervenção dos empresários
locais para investirem na cidade; o tratamento da CSN como uma cliente da cidade (já proposto pelo
ex-prefeito Paulo César Baltazar) a quem se vende produtos e serviços e, por fim, a criação de uma
agência de desenvolvimento econômico dentro da estrutura da prefeitura municipal.
O Comitê de Qualidade de Vida, por sua vez, decidiu trabalhar inicialmente com um
conjunto de sete temas: saúde; saneamento básico; educação; meio ambiente; habitação; transporte
coletivo e lazer. A proposta do Comitê, exposta em uma carta que contou com a assinatura de alguns
integrantes em 01 de outubro de 1997, era estabelecer um calendário e convidar instituições públicas e
privadas a discutir os temas dentro dos seus domínios. À fase definida como de diagnóstico para se
detalhar as potencialidades municipais a serem maximizadas, se seguiria outra de planejá-las
estrategicamente como forma de encaminhar o município rumo a um “real desenvolvimento
sustentável” (documento do CQ, 01/10/1997). As discussões ocorridas no seio do Comitê de
Qualidade de Vida surtiram, talvez, na única conseqüência eminentemente concreta do Movimento
Vamos Repensar Volta Redonda: a constituição da Comissão Pró-Agenda 21, no dia 09 de outubro de
183
1997, reunindo os integrantes do Comitê, que decidiram, por unanimidade, colaborar na instalação e
implementação do Fórum Agenda 21 de Volta Redonda”178.
O Programa da Agenda 21 foi criado a partir da lei n.º3386 sancionada pelo prefeito Antônio
Francisco Neto, em 11 de novembro de 1997, e começou a desenvolver seus trabalhos efetivamente
em junho de 1998 com a elaboração e distribuição de uma cartilha e a realização de um workshop com
entidades do município. Um marco nesse encaminhamento, segundo Baptista (2008), teria sido a
realização do 1º Encontro de Planejamento da Agenda 21, no qual representantes de trinta entidades da
sociedade civil e da prefeitura manifestaram uma inclinação a favor da formulação de um novo
planejamento que valorizasse a sustentabilidade urbana em Volta Redonda. A discussão prosseguiu e
resultou na realização, em maio e julho de 1999, de duas reuniões plenárias com participação de cerca
de 80 entidades representativas da comunidade de Volta Redonda. Já a partir da primeira reunião
plenária, os participantes se agruparam em torno de seis temas prioritários: poluição atmosférica,
recursos hídricos, lixo, arborização urbana, trabalho e renda, educação e cultura, passando estes seis
Grupos Temáticos a se reunir regularmente de acordo com calendários próprios. Em 12 de abril de
2000, após ter o seu Estatuto aprovado pelo Legislativo Municipal, foi formalmente instaurado o
Fórum da Agenda 21 de Volta Redonda, tendo como Presidente o próprio Prefeito Municipal e, no
mês de junho, foi realizada a I Conferência Regional da Agenda 21, reunindo os municípios do Médio
Paraíba após a realização da Conferência Estadual, no Rio de Janeiro.
4.4 – Mobilização Popular: expressões de uma Igreja Católica renovada, novos
movimentos sociais e um Sindicato em crise
Apesar do sucesso da Agenda 21, os outros comitês programados pelo Repensar para realizar
em média quatro reuniões mensais em pouco avançaram e não alcançaram grande repercussão na
cidade. E, em 1998, após as demissões provocadas pela transferência da Fábrica de Estruturas
Metálicas (FEM), a CUT, o Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE), o Sindicato dos
Metalúrgicos, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, MEP-VR, CEBs, Pastoral Operária
e da Juventude, além de partidos políticos e do Conselho das Associações de Moradores (CONAM)
fundaram o movimento Grita Volta Redonda, Pela Dignidade e Pela Vida.
178 Proposta da Comissão Pró-Agenda 21 - 09/10/1997.
184
O primeiro abraço que é dado é dessa área da ACIAP. Talvez, o Gileno (Mendonça), que era um industrial lá do bairro onde eu moro, o Fundição Voldac, tenha percebido e questionou muito. Mas poucos empresários. Muitos achavam que fossem ficar ricos com a privatização... A propaganda caiu do bolso pro colo deles. Então, vem a crise, vem uma situação nova e tinha que repensar Volta Redonda, mas para o movimento social ainda tinha a marca daqueles comportamentos anteriores, daquelas relações anteriores com a cidade, sobretudo com os pobres que morriam. O que que acontece? O movimento de resistência, ele fala: em vez de repensar, eu vou gritar pra você repensar direito. Então, eu como membro da sociedade, na época, optei por ficar no grupo do movimento popular e sindical em que eu estava inserido. Isso criou alguns constrangimentos. Você tinha pessoas boas no Repensar Volta Redonda. Eles tinham uma marca importante, um material... E a gente contrapunha com um cartaz que tinha uma boca grande gritando: Grita Volta Redonda! Acorda! Acabou que do Repensar Volta Redonda eu não sei se sobrou alguma coisa... – José Maria da Silva.
Os articuladores do movimento descreviam a conjuntura como sendo de “desagregação da
comunidade local, que vinha sendo submetida a um tipo de política perversa por parte da empresa”,
que “em nome da competição e da modernidade, beneficia e amplia os lucros dos capitalistas que dela
se apoderaram” (Fonte: Panfleto do Movimento). Um ato de protesto chegou a ser programado para o
dia 29 de agosto do mesmo ano, na Praça Brasil, com a mensagem de acordar a comunidade para
escrever um novo capítulo da história da cidade. O movimento atribuía a crise diretamente à
globalização e ao mercado financeiro internacional após a desregulamentação do movimento de fluxo
de capitais. Os organizadores mantinham o tom de responsabilizar as mudanças globalmente
experimentadas pela economia e afirmavam que
o que na verdade estamos presenciando são formas constitucionais que não visam promover reformas estruturais necessárias ao bem estar social e ao desenvolvimento econômico, mas sim ao interesse do capital e em detrimento dos avanços sociais garantidos na Carta Magna, e que debitam aos trabalhadores a culpa pela cruel situação em que nos encontramos. São medidas que flexibilizam direitos dos trabalhadores, tornando estes peças descartáveis, que enfraquecem suas entidades sindicais, desconhecem os movimentos organizados. Assim, o movimento Grita Volta Redonda, que representa parcela ponderável da sociedade voltarredondense, está consciente da sua enorme responsabilidade no sentido de encontrar e apresentar PROPOSTAS concretas para responder as conseqüências imediatas da política econômica do governo. - (Documento elaborado pelos integrantes do movimento, p. 2)
Ao lado dessas duas manifestações, um de caráter empresarial e outra popular, a atual
coordenadora da Agenda 21 local, a arquiteta Letícia Barroso ainda identifica uma terceira
mobilização, intermediária às duas anteriores, e iniciada no interior da Câmara Municipal sob o nome
de Alternativas para Volta Redonda, também reflexo da sensação de descolamento presente no seio da
comunidade.
185
A cidade sentiu o baque da privatização, primeiro pelo desemprego. CSN tinha 23 mil funcionários. Uma sensação de descolamento da cidade. E começaram a surgir movimentos no sentido de pensar alternativas para Volta Redonda. Teve o movimento da Igreja: o Grita Volta Redonda – Pela dignidade e pela vida. Eles fizeram um relatório com as demissões. Foi liderado pelos integrantes do movimento aqui de Volta Redonda. Quem era? CUT, SEPE, CEB, Pastoral Operária, Pastoral da Juventude, alguns partidos políticos, CONAM. Isso foi em 1996. Foi um barulho na cidade. E agora? Pra onde que essa cidade está indo? Que caminhos essa cidade tem agora? E a partir disso, outro movimento pela Câmara foi o Alternativas para Volta Redonda. Que desenvolvimento econômico nós teríamos? Qual o caminho dessa cidade? Várias empresas fecharam e uma demissão em massa começa a surgir. Isso dá um certo... Que caminhos temos? Ou não temos nenhum caminho? E depois os empresários se reuniram no movimento Repensar Volta Redonda. Significava repensar o destino da nossa cidade. É um documento de julho de 1997. Foi um movimento puxado pela ACIAP. Eles elencaram alguns temas e a partir daí seriam constituídos grupos temáticos. Tinham cinco grupos temáticos: desenvolvimento econômico, segurança, qualidade de vida, educação e habitação... As pessoas se inscreviam para esses temas e a idéia era que nesses grupos temáticos se desse uma discussão e saísse um documento de como foram repensados os caminhos dessa cidade. Claro que o motivo, o mote é sempre o desenvolvimento econômico. – Letícia Barroso.
Uma gama de movimentos então foi surgindo nessa conjuntura de crise pós-privatização, a
maior parte vinculada à Igreja, sendo o mais importante deles o Movimento Ética na Política de Volta
Redonda (MEP-VR), nascido no meio da disputa política entre o grupo do prefeito Antonio Francisco
Neto e a oposição constituída na Câmara dos Vereadores sob o título de Grupo dos 13. Nessa
oportunidade, os vereadores de oposição conseguiram limitar a atuação do Executivo municipal e
ainda criaram, em janeiro de 1997, 72 novos cargos de assessoria sem a realização prévia de concurso
público, no episódio conhecido como o “Trem da Alegria”. Contanto, sofreram um revés quando 15
pessoas ligadas a movimentos populares reagiram organizando abaixo-assinados, atos públicos e
denunciando a ilegalidade da medida junto à mídia local, fazendo os vereadores cancelarem a criação
dos cargos. O nome foi inspirado no tema da Campanha da Fraternidade de 1996 (Fraternidade e
Política) e na sugestão do jornalista Cláudio Alcântara, do Diário do Vale, ao se referir ao grupo como
“um movimento pela moralidade e pela ética na política”179.
Falar da gente mesmo é difícil, mas eu posso dizer que o MEP-VR ganhou o reconhecimento da opinião pública pela seriedade e equilíbrio de suas ações. O nosso trabalho é provocar discussões na
179 Um boa interpretação do MEP surgido a partir do contexto de reivindicação do impeachment de Collor é oferecida por Baierle (2000), para quem uma crise de alternativas na sociedade desembocou numa crise ético-política e gerou uma série de movimentos cívicos de redefinição dos espaços públicos em novas bases, situação também do movimento pelas eleições diretas, dos fóruns constituintes e dos conselhos de gestão de políticas públicas com participação popular. Estaríamos experimentando uma conjuntura paradoxal: por um lado, o abandono por parte das classes dominantes de projetos socialmente integradores sob a justificativa do “imperativo da governabilidade econômica” (Baierle, 2000, p. 188) e, por outro, uma multiplicação do tecido associativo civil, sobretudo nos grandes centros urbanos.
186
sociedade e dar uma contribuição para a ética na política. Acho que nós estamos conseguindo isso. – disse o coordenador do MEP-VR ao jornal Diário do Vale (02/02/2003).
A novidade apresentada pelo MEP-VR foi agregar antigos integrantes de organizações
operárias, como Edyr Alves de Souza – militante da Juventude Operária Católica (JOC) e da Ação
Católica Operária (ACO), nas décadas de 1960 e 1970 – , de históricas mobilizações como o Fórum de
Resistência à Privatização, além de militantes de movimentos sociais diversos, de comunidades e
pastorais da Igreja Católica, constituindo um corpo de conselheiros do movimento. Há também
educadores voluntários e parcerias com organizações não-governamentais (ONGs), Ministério
Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Comissão Brasileira de Justiça
e Paz (CBJP/CNBB).
Eu comecei na Juventude Operária Católica, por volta de 1963, 1964, por aí. Eu entrei na Juventude Operária Católica, e nós como grupo, começamos as primeiras reuniões, nossas primeiras reuniões, na igreja São Sebastião do Retiro e o pessoal tinha um pouco, assim, de medo do grupo (...) de 1971 até 1974, dei uma parada e tudo. Só que veio, foi a época, né, que surgiu a ACO. Depois da JOC, o casado passa pra ACO, a Ação Católica Operária. Foi quando vieram os padres, pra Volta Redonda, os padres franceses trabalhadores, né, o padre Jacques, o Normando, o Padre Pedro... (...) De 1996 pra 1997, eu vi a ACO totalmente parada, os trabalhadores parados, tudo parado, e eu que sempre fui muito ativo, sempre gostei de participar e tudo, falei, poxa, o MEP-VR vai ser minha opção. E então, houve a eleição em 1996, houve o primeiro “trem da alegria” aqui na nossa Câmara... E aí foi criado o MEP-VR. Achei aqui dentro a continuidade do trabalho que eu fazia na ACO. – Edyr Alves de Souza180.
Nos últimos dez anos, o movimento se consolidou como o principal braço político da Igreja
Católica progressista, inspirando-se na experiência das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e
ocupando um antigo espaço anexo à Igreja de Santo Antonio, no bairro Niterói, tradicional local de
formação de militantes nas três últimas décadas. Segundo um levantamento que fizemos em 2008, a
base do movimento contava, na ocasião, com cerca de onze militantes fixos, dos quais seis eram
metalúrgicos aposentados com mais de cinqüenta anos de idade, católicos, que trabalharam entre vinte
e trinta anos na Companhia Siderúrgica Nacional, com renda mensal média de quatro salários mínimos
e filiados à Associação de Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR),
quantitativamente a instituição mais representativa do município, hoje. De acordo com a nossa
interpretação, o movimento resulta de um acúmulo de experiências e de um processo de capilarização
de representações da sociedade civil ao longo dos últimos trinta anos, a começar pelas antigas
180 Entrevista concedida a Marco Aurélio Santana, Fernando Pozzobon, Lurian Endo e Aroldo Bezerra – 15/04/2005.
187
organizações operárias, os movimentos de base católicos e o próprio Sindicato. A experiência de
organização demonstrada por essas entidades tornou possível a composição de um novo movimento
espontâneo, segundo a definição de sua principal liderança, comportando simultânea e paralelamente
trajetórias constituídas no meio sindical, operário, popular e católico de Volta Redonda.
Não obstante, é preciso assinalar que o MEP-VR é também um reflexo da conjuntura pós-
privatização por sinalizar problemas em grande parte característicos da relação Prefeitura-Câmara-
CSN, menos expressivos nos anos 1980 pelo controle demonstrado pela Companhia na indicação dos
prefeitos até então, e por integrar um tipo de estrutura de suporte local e (cada vez mais) regional
informalmente concebida, nos últimos anos, a fim de rediscutir a centralidade de uma Companhia,
cada vez mais orientada pela maximização dos lucros e pela competitividade no mercado siderúrgico.
Entendemos ser este movimento uma parte importante de um processo de construção de uma esfera
pública de coordenação entre atores sociais – o chamado “modelo de desenvolvimento localmente
imbricado” anunciado por Guimarães & Martin (2001), no primeiro capítulo – em curso na região
(embora, com mais força em Volta Redonda), onde passa a se manifestar uma agenda de luta não só
pela manutenção e criação de postos de trabalho, como por educação e qualificação de jovens181 e
trabalhadores, incentivo à participação comunitária etc., ao passo que ocorre a definitiva
decomposição do modelo mais tradicional de relações políticas e industriais constituído com a ação de
grandes sindicatos representantes da força de trabalho, sobretudo industrial.
Como que ele vai surgir? De novo, porque essa comunidade de Santo Antônio é referência. Um grupo de pessoas que era lá do bairro Coqueiro, lá da Vila Santa Cecília, lá do Voldac, lá da Vila Mury, um que era de associação, o outro que era de Igreja (CEB), o outro que era da ACO, esse grupo, numa articulação (...). E aí, foi por contato pessoal, por telefone (...) Ao perceber uma atitude dos vereadores, que criaram durante as férias um Trem da Alegria. Uma boa parte deles era originário da Igreja e estava em bairros diferentes. Talvez, da comunidade de Santo Antônio tivessem duas pessoas (...). O MEP-VR, na verdade, é o resultado de uma movimentação que existia dentro da Igreja, que provocava as organizações do campo operário, movimentos como a pastoral operária, a ACO, pastoral da juventude e também de formadores de opinião que incentivavam a formação de fóruns (...). Eu até me lembro. Eles chamavam de Fórum de Resistência. Essas habilidosas pessoas, atentas e influenciadas por uma pastoral de Igreja que era comprometida com a realidade do povo, procurava instituir mecanismos, mas mecanismos populares, não mecanismos oficiais (...). Então, começa um movimento ecumênico, uma coisa nova na cidade. Esse MEP-VR que surge, ele começa a ganhar um espaço novo. Ninguém tinha ocupado espaço no movimento popular com essa (...). Só quando eu me dei conta disso depois. Na minha visão, era assim. Oh, precisamos trabalhar. Essa conjuntura é
181 Desde 2000, o movimento oferece um pré-vestibular para jovens carentes do município com ajuda de professores voluntários. O chamado Pré-vestibular Cidadão (PVC), segundo membros do próprio movimento, teria beneficiado cerca de 775 alunos até 2006 (Fonte: Histórico do PVC_MEP, 2005). Em parceria com uma ONG do Rio de Janeiro, o MEP-VR ainda desenvolveu um Projeto Político Pedagógico (PPP) com vista especificamente para o que chamou de programa de formação sociopolítica, uma série de encontros, oficinas e disciplinas integrando o próprio pré-vestibular com o intuito de preparar lideranças comunitárias para a cidade.
188
possível, esse momento (...). Então, nós vamos ficar, consolidar o movimento de 1997 até o ano 2000. Com ações importantes de economia pra Câmara, de denúncias importantes, de reconhecimento (...). Os próprios defensores, o Ministério Público, até setores médios de empresários que começam a reconhecer a seriedade do movimento. Eu lembro do mês de março ou abril de 1997, quando Dom Waldyr é procurado pelo presidente da Câmara, José Luiz de Sá. Ele foi lá reclamar com o bispo que tinha um grupo que era ligado à Igreja e que estava atrapalhando o trabalho dele, falando mal da Câmara. E nós não fomos lá apresentar a credencial do MEP-VR. O MEP-VR foi um movimento espontâneo da sociedade. Ele não saiu porque a Igreja mandou, ele nasce de uma conjuntura de Igreja que, em 1996, fez uma campanha da fraternidade pela participação na política. A campanha era “fraternidade e política”. – José Maria da Silva.
O movimento completou dez anos em fevereiro de 2007, confirmando a condição de José
Maria da Silva como liderança comunitária, mas sem escapar das críticas, como as dirigidas pelo ex-
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e atual assessor parlamentar, Vagner Barcelos, afastado da
militância desde 1992.
É fácil você fazer movimento ético... Mas é muito incipiente. O MEP-VR é o Zezinho e mais uns dois ou três. Mas não tem poder de mobilização. O Zezinho faz uma pesquisa e publica... Mas não é um movimento de massa. O Resgate da Paz é uma ótima idéia, mas é um movimento da Igreja... A saída do Dom Waldir foi um baque... Pouca gente está preocupada em discutir as questões. Isso também é fruto da nossa derrota.... Há dois ou três anos, você não achava emprego aqui. Tinha fila de gente pedindo. Acho que esses movimentos do Zezinho e do padre estão voltados como farol, como norteadores com um cunho social, mas a própria Igreja não permite o avanço deles. O Dom João é muito conservador, ligado à Cúria Romana... O rumo agora é outro.... Acho que na hora que o Zezinho e o padre Juarez falharem, isso morre... (...) Os vereadores vêem o MEP-VR com desprezo, com galhofa. Não tem nenhuma conseqüência pra eles, não tem uma função direta. – Vagner Barcelos.
Conforme a formulação apresentada por Santana (2006) e exposta na parte inicial deste
trabalho, é possível interpretar esse movimento sob o ângulo da relação constituída entre o movimento
popular e sindical ao longo da década de 1980 e intermediada pela Igreja Católica capitaneada pelo
bispo Dom Waldyr Calheiros. A articulação de toda essa miríade de movimentos foi fundamental para
a resistência à empresa e ao Exército, empreendida durante a greve de 1988, embora o autor confirme
a centralidade assumida pelo Sindicato e manifestada no uso político que fez do movimento popular a
fim de endossar as reivindicações dos operários. As tensões entre os dois segmentos existiram e
contrastaram com a suposta “abertura” do Sindicato para os demais movimentos (Santana, 2006). Na
passagem a seguir extraída do seu artigo, evidencia-se pelo depoimento de um militante do movimento
popular a tensão existente:
189
Nunca foi muito tranqüilo, porque o movimento sindical nunca teve entendimento estratégico... para o que serve o movimento popular. Ele sempre achou que o movimento popular serve para dar sustentação às decisões deles... (Militante do Movimento pela Moradia)”; “Não foi tudo positivo... Eles eram o poder... Eles tinham o poder econômico... Nós éramos o suporte... Existiam problemas... Mas existia a relação... (Militante do movimento pela moradia) (Santana, 2006, p. 164).
Apesar disso, a trajetória da liderança revela o cruzamento desses dois universos margeados
pela ação da Igreja. Metalúrgico aposentado, José Maria da Silva (Zezinho), chegou a Volta Redonda
com a família em 1962, proveniente de Manhumirim (MG), uma constante entre os pioneiros da
cidade. Pois, como alguns levantamentos já puderam constatar, cerca de 80% da população que
formou Volta Redonda era composta por pessoas da Zona da Mata Mineira atraídas no final da década
de 1930, para a construção da usina, muitos permanecendo na cidade após a inauguração em empregos
direta ou indiretamente gerados por ela (Jornal do Brasil – 16/07/1989). Isso foi comprovado, em
1970, quando a própria Companhia realizou uma pesquisa abrangendo um universo de 1.300
trabalhadores, observando que 52,1% dos entrevistados eram provenientes de Minas Gerais (contra
30,5% do Rio de Janeiro) e que 28,7% dos pioneiros vieram de zonas rurais do interior desse estado
(contra 15,3% do interior do estado do Rio de Janeiro) (Morel, 1989).
O pai, um carpinteiro que tentou sem sucesso ingressar na CSN em princípios da década de
1960, integra uma ou duas gerações posteriores aos pioneiros. Com relação a Zezinho, ele cresceu na
Vila Mury, bairro popular localizado nas proximidades da macro região do Retiro e sua ligação com a
comunidade de Santo Antônio, onde o MEP-VR está concentrado, vem dos tempos em que iniciou
seus estudos da catequese conduzido pelo padre holandês Eugênio Verweijen, circunstância em que
também foram formados integrantes da chapa que venceu a eleição sindical de 1973, o mais conhecido deles
Waldemar Lustoza Pinto, depois derrotado pela chapa da Oposição Sindical. Técnico em química, ele
ingressou como estagiário no Centro de Pesquisa da CSN, em 1972, sendo admitido, em novembro de
1973, como funcionário da estatal.
Na região, a predominância é de mineiros. Eu sou mineiro, nasci numa cidade do interior de Minas chamada Manhumirim, e só vim para a cidade em 1962. Imagina, década de 1960, eu já tinha todas as influências da roça. Uma cidade do interior, da roça, meu pai era carpinteiro criado na roça, não tinha sítio, mas tinha trabalhado de tarefeiro com outros colegas. E conta que muitos colegas dele estavam vindo para o estado do Rio. Particularmente, para Volta Redonda. Então, meu pai veio, ficou dois meses aqui e depois mandou buscar a família. Nós chegamos aqui em 1962, nos instalamos num bairro popular de Volta Redonda chamado Vila Mury (...).E o primeiro impacto, eu me lembro bem, foi que, quando eu cheguei aqui, eu achei isso aqui tudo muito grande, grandioso. Tudo isso aqui chamou muito a atenção. Mas eu era criança, tinha 10 ou 11 anos. E um detalhe. Um dos primeiros atos da minha família foi nos levar à uma comunidade. Aliás, comunidade essa em que estou até hoje. A Comunidade de Santo Antônio. E aí, nessa comunidade, eu completei meus ensinamentos religiosos de catequese. Eu me lembro bem do padre que dava aulas de catequese, um holandês
190
chamado Eugênio Verweijen, muito rígido. O meu pai não consegue entrar na CSN, como era o seu sonho porque ele já tinha uma idade que talvez o sistema não aceitasse e ele começa a trabalhar em pequenas obras. (...) Fiz o técnico em química. (...) e surge, antes de eu terminar o curso técnico de química, a oportunidade de fazer um estágio na CSN. Isso por volta de 1972. Termino o curso técnico, prorrogo o meu estágio na CSN e consigo conquistar uma vaga de auxiliar de laboratório (...). E vou estagiar nada mais do que no Centro de Pesquisa da CSN. Isso em 1972 ou 1973. E lá fiquei. Sou admitido no dia 11 de novembro de 1973 como funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional.
No trecho a seguir, ele relaciona a sua formação política à atuação de Dom Waldyr Calheiros
e dos padres operários franceses, responsáveis por transformar Niterói e o Retiro em dois celeiros de
militantes a partir dos anos 1970.
Na comunidade, eu já começo a me envolver com os grupos de jovens. A gente ficava ouvindo as coisas de um bispo que eu não via muito, chamado Dom Waldyr Calheiros. Bispo esse que me crismou, no início da década de 1970. E já havia em Volta Redonda, na década de 1970, uns padres operários que começavam a ter ação aqui. Eles descobrem que Niterói tinha um grupinho de jovens estudantes e trabalhadores que conversavam. Então, vem aqui um padre com uma proposta de criar aqui um grupo de reflexão, de pastoral operária, de ação católica operária. Eu me lembro bem desse padre, já falecido, o padre Jacques. Ele atuava na grande região do Retiro, que era o celeiro do pensar de comunidades de base, que eu não sabia o que que era, mas que estavam muito fortes, surgindo, que eram a referência do bairro operário (...).
Sua trajetória, portanto, desponta de maneira similar à de parte significativa dos militantes
sindicais e do movimento popular da cidade, nos anos 1980. Zezinho é produto da filosofia
progressista de Dom Waldyr Calheiros. Além de metalúrgico, teve passagens por organizações da
própria Igreja, como a JOC e a ACO, e se filiou ao PT em 1982. Integrou a Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes (CIPA), órgão obrigatório imposto pela legislação trabalhista, sob a
justificativa de que cada mandato de um ano lhe conferia estabilidade profissional na Companhia, lhe
possibilitando também desempenhar outros trabalhos junto à comunidade. Embora filiado ao Sindicato
dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, nunca se destacou no meio sindical, salvo no protesto pela morte
dos três operários, quando teria feito sua primeira aparição pública junto ao movimento operário.
E aí, uma coisa que tem que ficar registrada porque você vai falar assim: ‘- Mas onde você estava quando o tiro foi dado no William, no Walmir e no Barroso? ’ Me mandaram para São Paulo pra um seminário nacional pra apresentar um trabalho de contaminações inorgânicas em peixes do rio Paraíba. As notícias de Volta Redonda já estavam sendo dadas em São Paulo porque o confronto era inevitável. Nós, os trabalhadores, já tínhamos ido para a rua por várias vezes e o exército já tinha empurrado a gente. Então, não era a primeira vez que a presença do Exército era eminente. (...) Os meus colegas ligados ao ‘movimento sindical popular’ que não era da frente estavam exatamente no dia 8, 17 horas da tarde, naquela assembléia de massa, de 30 mil, 40 mil pessoas que misturava a cidade e os operários da fábrica vendo um líder falar. Eu, possivelmente, estaria ali. E quando o
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Exército, no dia 9, junto com a polícia militar começou às 4 horas da tarde a bater nos operários na praça, eu teria apanhado como meus companheiros. (...) Então, aquilo me deu tanta angústia que, no final da manhã do dia 9 eu tomo a decisão: oh, vou abandonar esse seminário! Eu vou pra Volta Redonda. (...) E eu chego na Cúria e tem uma turma de companheiros ligados ao movimento popular de plantão avaliando a situação pra ver o que que ia acontecer, porque, naquele momento, já tinha a notícia da morte dos operários. Naquele momento, já tinha vindo o Bispo e o general conversar, porque o Exército já tinha ocupado e os operários estavam resistindo lá na Aciaria. O grupo se organiza e, às 7 horas da manhã, nós vamos, no dia 10, receber aqueles companheiros. Aí, o “Zezinho” vai aparecer nessa estória publicamente. (...) No abraço à usina começam a falar: ‘-quem vai orientar de cima do caminhão essas 10 mil pessoas, 10 mil operários, ou 15 mil? É o Zezinho, porque ele estabelece bem a ligação entre o movimento sindical e popular.’ Aí, cara, tive que ir numa assembléia conduzida lá pelo Juarez. Ele cativava a multidão. Eu nunca tinha subido num caminhão de som. Aí, eu fui chamado para uma tarefa, naquele momento. Pela primeira vez, eu subo num caminhão, no meio da multidão. Deu um frisson assim...
(...) nós subimos no caminhão e falaram assim: - vai caber a você orientar uma massa de 10 mil operários e de alguns populares sobre como que vai ser o abraço a usina porque ela passa no entorno do rio Paraíba. E falaram: - olha, você vai ter que explicar como vai ser esse abraço. Eu nunca, como dirigente popular, tinha subido num caminhão pra falar pra uma massa de 10 mil operários. Pô aí a tarefa era minha. E eu me lembro que meus colegas de trabalho falaram: - Zezinho é louco! Tá demitido! Subiu no caminhão!. Mas todo mundo já sabia. Tanto que minha demissão, ela vai demorar ainda, porque nos tínhamos a estabilidade como cipistas. Bom, 17 dias de greve e, que não era dos operários, né, da sociedade toda. 60 mil pessoas no entorno da usina, assembléia com 20 mil, uma missa campal com os operários com mais de 40 mil, tudo isso num processo assim muito de cidadania182.
Personagem bem conhecido no movimento popular da cidade, Zezinho integrou, entre 1986 e
1989, o Comitê Municipal pela Constituinte, movimento que trabalhou em dois tempos, pela
aprovação da Constituição Federal pós-redemocratização e pela elaboração da Lei Orgânica municipal
e, nos anos 1990, participou do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) como um
dos dois delegados do setor 1 (Primeira Página – 4 a 10 de dezembro de 1993). A sua atuação no
MEP-VR, especialmente entre os anos de 1997 e 2004, consolidou a condição de liderança comunitária
em Volta Redonda, no último decênio. Nos anos 1990, foi candidato a vereador pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) por duas vezes (1992 e 1996) e, desde então, acumula o cargo de assessor da Cúria
para assuntos especiais. No trecho a seguir, descreve sua entrada no Comitê Municipal pela
Constituinte pelas mãos de Normando Cayovette, padre operário canadense, em 1985. Às tentativas
frustradas de se eleger vereador com um discurso contrário à privatização, seguiu-se a fundação do
MEP-VR, resultado de um acúmulo de relações políticas que vem desde o início dos anos 1980. O
182 Entrevista concedida a Marco Aurélio Santana, Fernando Pozzobon, Lurian Endo e Aroldo Bezerra – 15/04/2005.
192
Comitê criado para discutir a Constituinte e a Igreja Católica foram escolas de formação política para
essa liderança e precursores do novo movimento nascido nos anos 1990.
(...) Eu “vou ser” filiado ao PT, em 1982. Era área de Segurança Nacional e já vai ter eleição para vereador. Depois, mais tarde, acaba a área de Segurança Nacional e já vem a eleição para prefeito. Então, a década de 1980 é marcada por um ‘boom’ do movimento. (...) A minha família vai ser constituída em 1986, com a Maria. Ela era uma militante do movimento da saúde, em Volta Redonda. Um convite em 1985, e aí já de outro padre, que fala assim: -‘Vai na minha casa.’ Padre Normando Cayovette. Que é também um padre operário. (...) Ele vai na minha casa e fala de uma tal de Constituinte. E começa a falar que vai debater Constituinte (...). Eu estou lá no trabalho, na CIPA, vou em reunião de movimento sindical (...). E aí, mais essa empreitada. Eu caso e já começo, em 1986, a participar de um Comitê Municipal Constituinte. (...) O Normando já era conhecido, na época, porque era padre da região do Retiro e vivia apoiando a luta dos pobres, dos posseiros e dos trabalhadores. Então, a gente já se via nas grandes assembléias. Porque nós tínhamos assembléias na década de 1980 (...). A greve de 1984 (...). Aquelas assembléias de oposição reuniam 10 mil operários no Recreio (dos Trabalhadores) (...). Quer dizer, olhando para o MEP hoje, ele talvez tenha se inspirado lá. Mas ele teve, na verdade, uma inspiração naquela Igreja (...). Nesse período da Constituinte, grandes assembléias populares. Era sindicato, Igreja, população (...). E, claro, aí tinha professores, os sindicatos fortes na época como o do Funcionalismo Público, alguns agentes políticos de maior monta (...). Bom, em 1992 ou 1993, o Comitê Constituinte praticamente se dissolve e é criado o CMDU. O CMDU vai ser uma comissão que vai criar o plano diretor da cidade. É um Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano. Então, eu vou cair nesse conselho pra discutir políticas públicas habitacionais e ambientais para a cidade. Mas tem que lembrar que isso é oriundo lá ainda das associações de moradores, que crescem muito em 1982, 1983. (...) E aí, eu “vou fazer” outra experiência pública. Eu “vou estar” candidato na eleição de 1992, em que tinha um grupo de oposição ligado ao PT e ao PSB para ganhar a prefeitura. Porque as disputas eram entre ganhar a prefeitura e ganhar o sindicato. Porque o projeto já estava articulado quando vem o Lima Neto, na reengenharia da empresa, para poder ganhar o sindicato, ganhar a prefeitura e ganhar o movimento. E eles vêm com pressão forte. Eu saio candidato pelo PT. O Baltazar era o candidato a prefeito e a Glória (Amorim) era a vice-prefeita, em 1992. E aí, eu saio candidato assim: ‘pra falar não à privatização.’ Eu me lembro que eu tinha um santinho lá que estava escrito: não à privatização. (...) E perco a eleição. – José Maria da Silva.
José Maria foi dispensado da CSN no final de 1996 junto com outros 4 mil metalúrgicos, que
vieram a aumentar uma lista de processos contra as demissões, já bastante extensa por conta dos
muitos demitidos por greves e mobilizações políticas entre o início dos anos 1970 e o final dos anos
1980, alguns deles representados pela Associação Nacional dos Anistiados Políticos (ANAP)183. A
demissão de Zezinho foi conseqüência da política das “cartinhas” lançada por Lima Netto em 1990. À
época, contudo, o presidente da CSN Aço, Sylvio Coutinho, justificou as demissões como necessárias
183 O presidente da ANAP em Volta Redonda é Maurício Baptista, o Boquinha, demitido com outros cinqüenta e nove trabalhadores depois da greve geral de 1987. A luta pela anistia em Volta Redonda teve início em 1979, quando um grupo de metalúrgicos fez um ato no estádio Raulino de Oliveira (atual estádio da Cidadania) e, em 1987, após a greve geral, foi criado um Comitê de Demitidos. Em 2008, quando cerca de quarenta e dois metalúrgicos ainda pleiteavam anistia, nove tiveram o pedido atendido, incluindo Vagner Barcelos, Luizinho e Isaque Fonseca, demitidos no decorrer do processo de privatização (Fonte: Justiça: uma vitória dos metalúrgicos anistiados de Volta Redonda – CNM/CUT – 10/11/2008).
193
para o aumento da competitividade a ser alcançada através da terceirização de atividades não
prioritárias e que o enxugamento tomaria como base 350 trabalhadores em vias de se aposentar e o
turn over (a rotatividade normal dos trabalhadores) (Ferreira, 2005)184. O militante, contudo, prefere
atribuir a demissão à sua segunda tentativa frustrada de se eleger vereador pelo Partido dos
Trabalhadores, na corrida eleitoral de 1996. “Sobrevivente da privatização”, como afirma, “ousou” ser
candidato pela segunda vez consecutiva com um discurso francamente contrário à CSN. Demitido
após 23 anos, obteve na justiça o direito à aposentadoria e dedicou-se, nos anos seguintes, a
acompanhar a vida política da cidade. Com ele, o MEP-VR realizou ações de fiscalização da legalidade
das ações da Câmara, na maior parte do tempo alinhadas com o Executivo municipal, como na
apresentação de dossiês avaliando 156 projetos apresentados no primeiro semestre do mesmo ano
pelos vereadores185. Também moveu uma ação popular contra a Câmara a favor da economia de R$ 3
milhões dos cofres municipais e outra questionando o aumento do duodécimo, além de defender a
redução no número de vereadores; incorporou a questão ambiental186, elaborou projetos educacionais,
estudos e sondagens populares sobre ética, política e meio ambiente, além de apoiar programas como a
Campanha Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
(...) Começam a sair cartinhas de demissão e aquelas coisas todas. E as coisas vão ficando difíceis dentro da empresa. (...) Tento articular mandatos da comissão interna de segurança pra eu ter uma estabilidade porque eu sabia que ia chegar a hora da minha demissão. (...) Eu vou ficar no CMDU e não fico distante dos debates políticos de desenvolvimento da cidade. Porque o sindicato vai ser entregue nesse período, vai se perder o sindicato pelo “Formigueiro”. (...) E ainda tem os grupos de oposição popular, o Fórum de Resistência. E aí, eu “faço” a experiência de ser candidato de novo, em 1996, e saio candidato do chamado Blocão. O Blocão o que que era? Era um grupo dentro do PT que não queria fazer aliança pra ter um candidato. Ele queria a candidatura única. O candidato a prefeito vai ser o Neto e a vice a Cida Diogo. (...) A partir da eleição perdida de 1996, dá pra falar como que o MEP vai fazer sua apresentação. (...) Porque coincide com a pressão neoliberal e nós vamos perdendo espaço. O movimento, a partir da privatização da CSN, ele vai perdendo força, vai diminuindo, vai diminuindo a sua intensidade de ação. (...) É bom lembrar que eu sou demitido depois da segunda campanha. Eu ousei ser candidato de novo em 1996. (...) Então, terminou a eleição, eu fui demitido. Notadamente, “eu sobrevivi ao processo de privatização”, fui candidato, falei mal da CSN, critiquei toda a situação, volto a ser candidato em 1996 de movimento, pelo PT. Era a sentença. A
184 Até o mês de agosto de 1996, foram registradas 492 aposentadorias de metalúrgicos. Média de duas aposentadorias por dia (Ferreira, 2005). 185 O movimento concluiu que dos 156 projetos, apenas 10% tinham alguma importância social para o município. “Até agora, dos 21 membros do Legislativo, apenas 11 cumpriram com o compromisso de criar leis visando o benefício da população (...)” – José Maria da Silva (Jornal do Vale, 04/08/1997). 186Desde 2003, o MEP-VR, o bispo emérito Dom Waldyr Calheiros e a prefeitura pressionam a CSN a indenizar moradores do condomínio Volta Grande IV, construído pelo Sindicato dos Metalúrgicos no início da década de 1990 em um terreno doado pela Companhia e localizado próximo a um depósito de escórias. A escória teria rachado paredes e lajes de quarenta casas e causado leucopenia em moradores instalados no condomínio desde 1994. A questão mantém-se sem solução com os dois lados apresentando laudos que comprovam ou descartam a responsabilidade da Companhia (Diário do Vale – 26/11/2003).
194
conveniência de serviço viria com muita clareza. Então, eu saio com 23 anos de CSN. Fui demitido. E consigo entrar com o processo de aposentadoria por tempo proporcional. Passei um ano no aperto, mas eu me aposento da CSN no final de 1996. Fui demitido no dia 28 de novembro de 1996. Logo depois do processo eleitoral. Bom, demitido da CSN, a vida começa a ter que ser pensada. Vou procurar caminhos. Aí, eu percebi que eu tinha mais tempo pra lidar com aquilo que eu sempre estive presente. E começo a acompanhar mais a vida política. Não fiquei com nenhum trauma da demissão porque eu já discutia isso com a família (...). Então, o que acontece? Eu me aposento, consigo me manter e faço uns bicos. Só que já em dezembro em já estou acompanhando a vida da cidade. Já em janeiro eu estava aposentado. Um novo governo entra, que é o Neto. E a gente olha pra Câmara e ela está fazendo (...). Por isso que a Câmara provocou o nascimento do movimento. Em que sentido? Que aquelas lideranças que estavam acompanhando a vida política independente das suas questões pessoais, de ter perdido o emprego, etc, etc, elas começam a olhar pra Câmara e entender (...). Olha, se a Câmara funciona, a cidade também (...) – José Maria da Silva.
O movimento reproduziu a radicalização do discurso anti-CSN dos seus antecedentes
(recorrendo mais incisivamente à questão ambiental), teve participação ativa na mobilização conhecida
como Grita Volta Redonda, preservou uma linha de oposição ao empresariado local reunido sob a
legenda da ACIAP-VR, bem como ao ex-prefeito Paulo Baltazar e também resistiu ao programa de
integração regional sob a marca do Mercovale, na sua definição, “uma versão caipira do Mercosul”
(Jornal Aqui – maio de 1998). Em maio de 1998, o MEP-VR produziu um “comentário sintético” de
cinco páginas sobre o relatório elaborado pelo ex-prefeito Baltazar, contestando a capacidade
aglutinadora do projeto, no seu entender, se assemelhando mais a uma tese que rememorava o
Conselho para o Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraíba, Mantiqueira e Litoral Norte
(CODIVAP) sob novos princípios, parâmetros e conceitos socioeconômicos. Ao mesmo tempo,
criticava a abrangência da iniciativa (Valença não participou de nenhuma reunião do fórum de
secretários e somente quatro municípios tiveram participação expressiva nas reuniões, representando
apenas 30% dos municípios integrantes) (Jornal Aqui – maio de 1998), a premissa de transferência da
condição de pólo de atração de investimentos para os emergentes municípios vizinhos, notadamente
Resende e Porto Real, ao passo que Volta Redonda mergulhava num processo de falência motivado
pelo enxugamento no quadro de funcionários das principais empresas, fechamento de firmas e
dificuldades financeiras da prefeitura municipal. Por fim, lamentava a falta de abrangência do
planejamento estratégico, que pouco fez para sensibilizar a sociedade civil, praticamente alijando da
discussão sindicatos e movimentos sociais, além de instituições como o SEBRAE, SESC, SESI e
SENAC.
195
Em junho de 1998, com as demissões em curso e a transferência da FEM concluída, boatos
sobre uma possível pulverização do Centro de Pesquisas187 da usina, onde José Maria havia trabalhado
por mais de trinta anos antes de sua demissão, motivaram o movimento a interceder, enviando uma
carta188 ao prefeito Antonio Francisco Neto, solicitando medidas em defesa dos interesses da
população para não tornar calamidade um quadro já grave de desemprego e falências de empresas
comerciais e industriais, e de aumento da espiral de violência na cidade. Essa é justamente a
conjuntura de surgimento de outros movimentos sociais, como o Movimento Fé e Política, o Fórum
dos Movimentos Populares, o Fórum Municipal de Saúde e o Movimento Resgate da Paz, este
coordenado pelo padre Juarez Sampaio, ex-operário da Fábrica de Estruturas Metálicas. O mais
atuante deles, o Resgate da Paz, surgiu em 1999 com o objetivo de amenizar alguns dos impactos da
onda de demissões. Ele teve raízes no antigo Movimento Comunitário Contra a Violência (MCCV)
articulado por Dom Waldyr Calheiros, o qual atuou em Volta Redonda no final dos anos 1980 por
ocasião de assassinatos ligados a grupos de extermínio, tendo também se inspirado nas ações da
Comissão dos Direitos Humanos (CDH)189. O desemprego, a baixa auto-estima da cidade e a perda de
conquistas sociais sufocaram bairros periféricos como o Santa Cruz, onde morava a maioria dos cerca
de seis mil operários demitidos por Lima Netto em 1990 (Jornal do Brasil – 11/09/1994) e originaram
outros, constituídos pelos demitidos da privatização, como o Parque Mayra, situado entre Volta
Redonda e Pinheiral, provocando uma explosão do índice de homicídios (140, em 1996, e 134, em
1997) e suicídios (6, em 1996, e 13, em 1997)190. Segundo o padre, a partir do trabalho desempenhado
pelo movimento, o índice teria se reduzido a 76 homicídios, em 2006.
187 O Centro de Pesquisas ou Superintendência Geral de Pesquisa e Desenvolvimento (SGPD), situado em uma área de 14 mil metros quadrados próxima à usina, e constituído para atender a alguns objetivos básicos da atividade siderúrgica, como a redução dos custos de produção e a melhoria da eficiência energética, foi por muito tempo um órgão estratégico de concentração das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Companhia, dispondo de pessoal com qualificação em níveis de mestrado e doutorado nas áreas de Engenharia e Química. A partir de 1985, as atividades de P&D do Centro passam a se concentrar mais na área de assistência técnica e, em menor grau, em desenvolvimento de novos produtos e processos. Em seus laboratórios, que chegaram a empregar 200 funcionários (42 engenheiros, 72 técnicos e 41 especialistas em laboratório), desenvolveu-se um número significativo de projetos característicos da interação empresa-universidade, sobretudo com a Escola de Metalurgia de Volta Redonda (Mello et al., 1993). 188 Em anexo. 189 O clima de insegurança aumentou significativamente na transição para a década de 1990. Em fevereiro de 1992, o jornal O Globo (edição de 22/02/1992) noticiou o protesto de comerciantes locais preocupados com os cerca de 31 assassinatos cometidos apenas durante o mês de janeiro. Pelo menos 80% das lojas fecharam suas portas na manhã do dia 22 durante trinta minutos e colocaram faixas e cartazes em protesto contra a violência na cidade. Os comerciantes ainda se encarregaram de entregar um manifesto formal ao vice-governador, Nilo Batista, a chamada “Carta de Volta Redonda”, em cerimonial realizado na sede da ACIAP-VR. 190 Fonte: Documento elaborado pelos integrantes do Movimento Grita Volta Redonda.
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Eu nasci numa cidade aqui perto, Arrozal, e até os meus 18 anos fui trabalhador rural. Depois dos 18 anos, vim pra cá. Trabalhei na Fábrica de Estruturas Metálicas, a extinta FEM, e trabalhei mais nove meses numa empreiteira. Depois, fui fichado no quadro efetivo da FEM. Trabalhei até 1992. Esse período, podemos dizer que foi o tempo de ouro do sindicalismo aqui em Volta Redonda, porque o sindicato se tornou combativo. E, naquele período em que trabalhei na fábrica, o sindicato era muito atuante. E a gente viu muitos direitos sociais sendo adquiridos pelo conjunto da classe trabalhadora aqui de Volta Redonda, principalmente para os trabalhadores da FEM e da CSN. E ali a gente viu chegar o turno de seis horas. Foi uma vitória da Constituição. Em toda greve que tinha aqui em Volta Redonda o governo militar colocava as tropas dentro da CSN. Em 1988, colocaram o Exército dentro da CSN. Nos anos que sucederam a greve, o sindicato ainda foi muito combativo. Depois, no início dos anos 1990, houve a perda do sindicato para a Força Sindical. Ela chegou na cidade, comprou muitas mentes, muitas consciências e o sindicalismo foi quebrado. Ganhando o sindicato, ficou mais fácil operar a privatização da CSN. Com a privatização da CSN, se extinguiu uma das maiores fábricas de estrutura metálica da região, a FEM, que fabricou tantas plataformas (...). A Linha Vermelha e tantas outras obras importantes aqui no estado do Rio de Janeiro e no Brasil. Em 1992, eu deixei a fábrica. Pedi pra sair e fui para o seminário. Eu tinha 25 anos. Deixei a fábrica pra ingressar no Seminário exatamente para participar de uma Igreja comprometida com a classe trabalhadora e com os pobres. A Igreja de Volta Redonda sempre foi atuante nos movimentos sociais, ela sempre incentivou os movimentos sociais. Então, a gente pôde participar disso. A gente lembra, na época das greves, de uma Igreja nas ruas, uma Igreja solidária com os trabalhadores (...). – Juarez Sampaio.
Quantas pessoas não se suicidaram? Quantas famílias não acabaram? Meu irmão foi mandado embora em 1992 e entrou em depressão. Ele tinha aquele ideal. Entrou na CSN para só sair quando se aposentasse. Ele tinha uma família, mas outros se suicidaram (...). Então, a privatização em si foi muito nociva. – Renato Soares – Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos.
Esses movimentos coincidem com mudanças na Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí,
com a aposentadoria de Dom Waldyr Calheiros e sua substituição, em 2000, pelo bispo italiano Dom
(Giovanni) João Maria Messi, da Ordem Antiga dos Servos de Maria, no Brasil desde 1953 e tido
como um moderado em questões como o relacionamento com a CSN. Com uma postura mais
cautelosa, negociadora e menos conflitiva do que a de Calheiros, ele é criticado por integrantes da base
popular da Diocese, que o responsabilizam pela descaracterização das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) do município, menos críticas e pouco politizadas, nos últimos anos. O antigo bispo, por seu
turno, continua a ser reconhecido por articular e lhes conferir autonomia, sempre orientadas por um
modelo de Igreja Católica progressista influenciada pela Teologia da Libertação. Messi, contudo,
justifica sua postura através da inexperiência em mediar conflitos em regiões de forte politização e
tradição industrial. Ele estudou no Seminário Central do Ipiranga em São Paulo, atuou em Santa
Catarina, no Rio de Janeiro (1960/1963-1983), em São José dos Campos (1963), Curitiba (1983-1988),
Aracajú (1988-1995), além de ter tido breves passagens por Belém e pelo estado do Acre. Em 1995, se
transferiu para Irecê, município rural na região central do estado da Bahia, e, em fevereiro de 2000,
assumiu a Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí.
197
Entre Irecê e Volta Redonda tem uma distância muito grande em evolução social, industrialização (...) Os galpões que tinham sido usados na fase áurea do feijão estavam cobertos pelo mato (...) Não tinham mais serventia (...) A cidade era pouco organizada (...) Os prefeitos e os políticos procuravam mais o benefício do grupo, do partido, do que da própria cidade. Lentamente, isso melhorou porque os prefeitos começaram a ter consciência de não viver só pra si, mas para a cidade (...). Mas muito lentamente. Ao passo que aqui já tinha todo um processo de politização de muitos anos, as grandes indústrias, não apenas a CSN, que vieram se associando, se acrescentando (...). Foi uma mudança muito grande. Lá é uma região agrícola e aqui é uma região industrial. Lá ainda estão num processo muito lento de socialização, de politização, e aqui já num processo muito adiantado. Eu senti essa diferença, mas procurei me adaptar. (...) Quando cheguei aqui, havia um impasse entre o sindicato e a CSN a respeito do aumento de horas de trabalho e de turno (...). Eu não entendia nada disso. Mas procurei me informar e com os bons conselhos dos padres e dos leigos metidos com isso há mais tempo eu procurei dar apoio àquilo que eu achava que era o mais justo. Mas sei que isso tinha pouca influência naquele tempo. O sindicato estava mais do lado da CSN do que dos operários pelo que entendi (...). Mas, mesmo assim, havia esses movimentos. Procurei me inteirar. – Dom João Maria Messi.
Nessa conjuntura de transformações no cenário do movimento popular da cidade, chama a
atenção o fato de o Sindicato dos Metalúrgicos praticamente ter entrado em “colapso” no período com
uma profunda disputa interna pelo poder entre antigos aliados. O refluxo da ação sindical de Volta
Redonda coincide com o panorama de crescente fragilidade desse movimento, ano após ano mais
entendido como uma prática ultrapassada e sofrendo com a diminuição no número de filiados.
Conforme aponta Beynon (2003), o cenário de crise do sindicalismo é reflexo da combinação de uma
conjuntura de minimização do intervencionismo estatal, de redução da regulação do capital global e de
implantação de uma agenda neoliberal pela globalização nos anos 1990, com um aumento da pressão
sobre os direitos dos trabalhadores e sua crescente vulnerabilidade, sobretudo em regiões mais
diretamente afetadas pela redução do contingente de empregos industriais nas últimas décadas.
Beynon, contudo, entende que a diminuição das filiações não repercute num decréscimo nos níveis de
engajamento de trabalhadores e ex-sindicalistas, os quais apenas estariam ingressando em outras
formas de ação coletiva, a exemplo de movimentos sociais como o MEP-VR, orientados por princípios
como a defesa do meio ambiente, dos direitos humanos, da moralização da política, da educação etc.
Em parte, poderíamos afirmar que o esvaziamento da ação sindical na região acompanhou a
tendência demonstrada pelo ABC paulista, onde a influência política dos trabalhadores organizados
em sindicatos foi reduzida e substituída por uma postura menos conflitiva de um “realismo defensivo”
(Rodrigues, 1999, p.90). A atenuação do tom conflitivo e a promoção de ações mais pragmáticas,
menos politizadas e ideologizadas, e mais negociadoras na relação com as empresas, pôde ser
percebida pela concertação ocorrida no ABC e refletida na formação de ambientes que propunham a
valorização das virtudes de um associacionismo que trocasse posições reativas por outras mais
propositivas (a chamada “cooperação conflitiva”, isto é, a busca de soluções negociadas na relação
198
capital/trabalho), resumindo em parte a reorientação da ação sindical induzida pela reestruturação
produtiva (Rodrigues, 2002, p.182). Desde 1990, tem se constituído um padrão sindical na região mais
diretamente voltado para o interior das unidades produtivas, havendo mudanças em termos de filiação
com a diminuição significativa do número de trabalhadores na base sindical. Apesar desse número,
quando comparado à década de 1980, houve um crescimento do número de trabalhadores
sindicalizados nos anos 1990, tendo chegado próximo de 80% em 1998, índice extremamente alto se
comparado à média nacional de sindicalização no mesmo período. Algumas constatações feitas pelo
autor nos ajudam a entender rumos tão diferentes seguidos por Sindicatos tão combativos como os de
Volta Redonda e de São Bernardo do Campo (SP), sede do maior parque automobilístico do país. A
postura menos confrontacionista dos sindicatos, inclusive os cutistas, teria dado forma a uma variação
do Novo Sindicalismo quase que completamente desvinculado do radicalismo característico do
movimento sindical dos anos 1970 e 1980 com uma ação mais concentrada no interior das empresas.
Com as transformações motivadas pela reestruturação da produção, a organização e a gestão do
trabalho, a flexibilidade da jornada de trabalho e o banco de horas, e a participação em lucros e
resultados da empresa se tornaram mais presentes e debatidos no cotidiano dos trabalhadores. Isso
parece claro em Volta Redonda, onde, na transição para esta década, tem ocorrido uma incessante
negociação entre a direção sindical e a CSN pela mudança no turno de seis para oito horas. Maria
Sílvia Bastos Marques, ainda ocupando a presidência do Centro Corporativo da Companhia, quando
indagada sobre a relação (profissional) com o Sindicato, assim justificou a negociação pela
modificação dos turnos:
Olha, os sindicatos… É duro, é difícil, mas eles também estão mudando muito. (...) Você sabe que a minoria é que faz barulho. Sempre. Isso aí faz parte do processo, o processo é esse mesmo, discutir as mudanças. (...) Dor de cabeça dá, mas não é uma coisa que não se administre. Isso também mudou muito porque havia uma relação muito promíscua entre a Companhia e o Sindicato. Hoje em dia, a relação é profissional. O Sindicato defende a posição dele, a gente defende a nossa e chega ao que for melhor para a empresa. Pelo menos, foi assim que a gente tentou implantar o turno de oito horas, não conseguimos, voltamos atrás, fechamos um acordo e vamos começar a discutir de novo, o assunto não está encerrado. Por quê? Porque é inevitável, vai ter que mudar mesmo. (...) Porque a Companhia precisa ter custos competitivos. Ninguém trabalha em turno de seis horas. Nos Estados Unidos, está se trabalhando em turnos de 12 horas. Então, não tem jeito! Não é eficiente, inclusive, para uma Companhia que tem — e esse é o motivo — produção contínua, parar tantas vezes para trocar turno. É muito mais eficiente seguir por oito horas e ter três turnos. Mas óbvio que por trás disso tem uma mudança, em termos quantitativos, de pessoal. – Maria Sílvia Bastos Marques 191.
191MARQUES, Maria Silvia Bastos. Maria Silvia Bastos Marques I (depoimento, 1999). Rio de Janeiro, CPDOC/FUNDAÇÃO CSN, 2008. 88 p. dat.
199
Não obstante, faz-se uma importante distinção entre a atuação dos dois Sindicatos no que
concerne ao período da década de 1990. O Sindicato do ABC demonstrou possuir uma capacidade de
ultrapassar os muros da produção e se engajar em ações menos localizadas e mais abrangentes, fossem
elas regionais, setoriais ou mesmo em escala nacional (Rodrigues, 2002). Sobretudo no que se refere
ao âmbito regional, na década de 1990 o Sindicato aderiu com força ao debate em prol da resolução
dos problemas acumulados pela região, deslocando-se gradualmente da esfera exclusiva das relações
de trabalho, incorporando questões referentes às dificuldades cotidianamente experimentadas pelos
seus filiados no universo além da fábrica e assumindo uma postura proativa no que respeita à
elaboração de políticas públicas de desenvolvimento econômico local. Os sindicalistas conseguiram
superar, em termos, as diferenças ideológicas e políticas com os empresários, muito reticentes quanto à
sua histórica associação com o PT, e trabalhar na construção de um projeto de regionalidade, com a
capacitação de dirigentes sindicais para trabalharem na elaboração de diversas políticas públicas de
geração de emprego e renda, aumento da escolarização, capacitação profissional e na própria gestão
compartilhada da região (Camargo, 2007)192. Essa parece ser uma postura assumida até os dias de
hoje, bastando destacar a sinalização do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio
Nobre, através de um artigo publicado no jornal ABCD Maior, em 2008. Após a realização do 6º
Congresso dos Metalúrgicos do ABC, ele afirmou que uma das pautas do Sindicato era consolidar e
fortalecer a consciência de pensar o ABC de forma regional. Tratar-se-ia de intensificar um processo
de regionalidade com base no aperfeiçoamento e no fortalecimento da vocação industrial da região.
Priorizar a regionalidade, segundo o sindicalista, é uma das tarefas do sindicalismo moderno, que visa
combinar dois eixos: o da fábrica – melhorando as condições de trabalho, ampliando o número de
empregos e valorizando os salários – e fora, no bairro, onde o trabalhador e sua família devem ter
direito à educação, saúde, transporte, segurança etc.193.
Em 1995, Luiz de Oliveira Rodrigues – liderança sindical do grupo dissidente chamado
Formigueiro, acusado de colaborar com o projeto entreguista do governo federal, o qual ganhou as
eleições sindicais de 1992 com a defesa da perspectiva da parceria, por sua vez, uma política de
conversão dos trabalhadores em acionistas da empresa e de substituição do conflito por relações mais
abertas ao diálogo e à cooperação –, da Força Sindical, foi reeleito seu presidente com 60% dos votos,
192 Como exemplos da intervenção sindical na construção de políticas públicas para a região, a autora menciona os exemplo do MOVA Regional- Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (coordenado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), do ALQUIMIA – projeto de qualificação profissional (com envolvimento do Sindicato dos Químicos do ABC) e do Banco do Povo Regional (com contribuição do Sindicato dos Bancários do ABC). 193 Regionalidade também é pauta sindical – Jornal ABCD Maior – 14/10/2008.
200
derrotando as chapas cutistas de Jadir Batista e Alexandre “Cerezo” (Ferreira, 2005)194. A partir de
1998, quando Luizinho renunciou à presidência para se dedicar à Confederação Nacional dos
Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), presidida por Luiz Antônio de Medeiros, e onde ocupava a
vice-presidência, o Sindicato passou a se presidido por Carlos Henrique Perrut, antigo cipeiro da
Companhia, que entrou na chapa vencedora da eleição sindical de 1992. Nas eleições de maio de 1998,
Perrut, representando a Força Sindical, venceu a eleição, conquistando 54,61%, contra Romeu de
Oliveira, da CUT, com 32,55%, e Geraldo Ribeiro, da Chapa Alternativa, com 7,84%, uma diferença
de 22%.195 Em catorze anos de direção, a Força Sindical ocupou a presidência do sindicato por quatro
mandatos (com Luizinho de 1992 a 1998 e Perrut de 1998 a 2006) e praticamente reduziu sua ação à
discussão da Participação em Lucros e Resultados (PLR) na CSN. Historicamente um dos mais
radicais do país, o sindicato foi palco de uma profunda disputa política, em 2004, quando a sua sede
foi penhorada devido ao não cumprimento de dois acordos de refinanciamento de uma dívida com o
INSS, em 2001 e 2002 (Ferreira, 2005). Lideranças da CUT estadual, como Jadir Batista, defendiam o
afastamento de Perrut e a administração do sindicato por uma junta governativa. Após outra denúncia
contra o presidente, Luizinho, então membro da diretoria, e outros diretores se mobilizaram para
afastar Perrut e o diretor financeiro da entidade, Carlos Henrique Fortino, que foram transferidos para
cargos de suplência no sindicato (idem). Luizinho, então, destituiu a antiga diretoria e formou um novo
bloco com 28 diretores. Em abril de 2005, Perrut foi reempossado na presidência e desfiliou o
sindicato da Força Sindical, filiando-o à CUT (Francisco, 2007).
O Luizinho ficou de 1992 a 1995 e de 1995 a 1998. Dois mandatos. Ele saiu porque foi para a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM). Aí, o Perrut assumiu. Parece que a presidência mexeu com a cabeça dele. Ele foi colocado pela CSN, pela chapa de 1992. Ele foi uma mistura da turma que rachou e criou o Formigueiro com algumas pessoas colocadas pelas empresas e que não tinham nada a ver com o movimento sindical. O Perrut era da aciaria, era cipista indicado pelas empresas. Eu fui cipista com ele. No auditório em que tinha os cipistas lá dentro da CSN, você tinha uma turma que sentava à esquerda e outra que sentava à direita. À direita era a turma comprometida com a empresa e à esquerda era o pessoal comprometido com a questão ideológica. O pessoal da CUT (...). – Renato Soares.
O Perrut era um pelego, na década de 1980. Um fura greve. Ele trabalhava na mesma área que eu, na aciaria. Esse é o Perrut até 1992. Ele não era um pelego desconhecido. Ele chega à presidência do Sindicato se candidatando, pô! Mas isso torna ele uma liderança em termos de movimento? Não. Ele é apenas a liderança de uma idéia política. Ele sintetiza ou é adotado pra representar uma idéia
194 Reeleito com 9.416 dos 15.729 votos contra 6.007 de Batista e 306 de “Cerezo”. Foram registrados também 685 votos nulos e 146 em branco (Ferreira, 2005). 195 Houve 123 votos (1,08%) em branco e 381 (3,33%) nulos de um total de 11.436 votos. A vitória da Força Sindical pode ser considerada uma vitória da atual administração da CSN, pois havia a perspectiva de a CUT ganhar a eleição por causa da política de corte de pessoal adotada nos últimos meses pela direção da Siderúrgica comandada por Benjamin Steinbruch. – O Globo - 16/05/1998.
201
política. Ele combatia as greves, combatia as mobilizações. Ele acaba aparecendo pra ser candidato e naquela conjuntura a chapa dele ganhou. Aliás, o Luizinho foi quem ganhou. O Perrut vem depois. No mandato do Luizinho é que nasce o Perrut. Ele foi candidato depois. – Vanderlei Barcelos.
No processo eleitoral de 2006, o eletricista e ex-cipeiro Renato Soares se elegeu presidente
do sindicato interrompendo os catorze anos de domínio da Força Sindical. Perrut, já filiado à CUT,
preferiu abrir mão da candidatura em função de Jadir Batista, que liderou a Chapa 1. Luizinho
disputou o processo pela Chapa 2, vinculada à Força Sindical, e Soares, vencedor do pleito, se
candidatou pela Chapa 3, ligada à CUT e à Corrente Sindical Classista. De acordo com Francisco
(2007), o resultado das eleições gerou a retomada da disputa pela base sindical, algo que vem
ocorrendo desde o último governo de Fernando Henrique Cardoso com a criação do Sindicato dos
Siderúrgicos na região, e também uma disputa dentro do próprio campo da CUT.
Soares tem uma trajetória marcada por três demissões e readmissões da CSN, além de ter
feito parte da chapa que comandou o Sindicato entre 1995 e 1998. Também integrou uma chapa da
CUT que disputou o Sindicato e foi dirigente estadual da entidade nos últimos anos. Sua gestão à
frente da entidade é considerada por militantes dos movimentos sociais como emblemática,
demarcando a retomada da estratégia de realização de mobilizações e greves pelo Sindicato. Em
setembro de 2007, menos de um ano após assumir a entidade, ele comandou, segundo o mesmo afirma
em depoimento, uma greve “da porta pra fora da usina” que contou com a adesão de cerca de
quinhentos trabalhadores, um avanço numa conjuntura de insegurança de emprego e de desinteresse
dos próprios trabalhadores, segundo aponta. A postura do Sindicato sob a sua gestão parece convergir
com seus similares em outras regiões do país, como o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Gravataí (RS), entidade criada em 2000, no
contexto de implantação da planta da General Motors (GM) e bastante envolvida com a formulação e
indução de políticas públicas (Garcia, 2009a). Como apontam Ramalho & Rodrigues (2009), o conflito
entre capital e trabalho cada vez mais tende a se resumir ao espaço da fábrica, enquanto o ambiente
externo vai se caracterizando pela relação política do sindicato com outros atores. Os sindicatos então
tendem a explorar novas estratégias e espaços de ação, como as políticas públicas locais, o que se
justifica por razões como os novos valores e interesses dos trabalhadores e a identificação de novas
oportunidades políticas e econômicas no cenário regional (estamos constituindo convênios para os
trabalhadores, como cursos profissionalizantes). Entendemos, portanto, que sindicatos como o de
Gravataí e até o de Volta Redonda refletem essa tendência de se assumir uma conduta menos
comprometida com a luta de classes e mais decidida a buscar resultados para os trabalhadores,
concentrando esforços “na obtenção de vantagens nas negociações coletivas e em ações de melhoria da
202
qualidade de vida da população operária e da comunidade do município” (Garcia, 2009a, p.4), além do
empenho na elaboração e implementação de políticas públicas, conjugado com seu esforço em
construir ambientes que proporcionem “o desenvolvimento econômico e a formulação de novos
mecanismos de participação social na localidade” (idem, p.12).
Nós estamos representando aqui a nossa base, de Barra Mansa, Pinheiral, Volta Redonda, Quatis, Porto Real, Resende e Itatiaia. Isso dá 13 mil sócios, mas a base tem 40 mil trabalhadores. O que tem mantido o nosso quadro social é a nossa credibilidade. O trabalhador hoje faz até a conta... Ele está muito informado. Sabe que se for pagar 1% do salário de 1 mil Reais, ele vai gastar 10 Reais. Então, ele quer saber o que vai ter em troca pagando esse dinheiro. Não tem questão ideológica. Quer saber quais as vantagens, convênios, o que vai ter em troca. Nós, por exemplo, conseguimos um convênio com a Superonda, uma prestadora de serviços de Internet. Isso nos trouxe mais uns 4 mil sócios. O cara para instalar uma antena aí por fora, ele vai pagar 600 Reais, enquanto pelo Sindicato ele vai gastar só 300 Reais. Aí, o cara se filia ao Sindicato. Ainda mais essa rapaziada mais jovem. Nós fizemos convênio com universidades... Tem cursos aí de Engenharia mecânica, de produção, elétrica, em que só dão 10% pras empresas. Nós conseguimos 15%. Completamente diferente da década de 1980. O cara vai entrar de sócio e vê quanto vai gastar do salário. O cara vê que é lucrativo se filiar ao Sindicato. (...) – Renato Soares.
O Sindicato este ano, olhando daqui pra trás, começa a ser um Sindicato mais ligado à cidade com uma gestão (...). Ele tinha se distanciado dos movimentos, da cidade e ele, por força até dos apoios políticos na eleição, acaba se ligando mais à cidade e também até por viés político. Estou falando de hoje. O Sindicato através do Renato retomou essa ligação com a cidade e com os movimentos. De 2000 até 2007, o Sindicato se distanciou completamente da vida da cidade. Se ligou à CSN, ao capital e não tinha compromisso nenhum. Foi a era do Perrut. Isso já fruto da privatização e daquele processo todo. Então, a gente começa agora um momento muito especial de reaproximação. Até pra discutir questões que o MEP-VR tem proposto ao Sindicato. – Idem.
4.5 – O desafio de se reinventar “a cidade que não é mais do aço”: o governo de
Gotardo Lopes Netto (2005-2008)
Em outubro de 2004, meses antes de o jornal The New York Times descrever o desgaste no
relacionamento empresa/cidade, o médico e ex-vereador Gotardo Lopes Netto, representante da
coligação “Por Amor a Volta Redonda” (PV / PMDB / PP / PSL / PTN / PAN / PSDC / PTC /
PRONA / PC do B), elegeu-se como o novo prefeito de Volta Redonda (o segundo nascido na cidade)
para suceder Antonio Francisco Neto, por oito anos consecutivos à frente do Executivo municipal.
Primo do ex-prefeito, sobrinho do também ex-prefeito Marino Clinger de Toledo e neto de Mário
Ferreira Netto – um dos emancipadores de Volta Redonda (Bedê, 2004) – Gotardo obteve uma votação
expressiva no primeiro turno, em torno de 44% dos votos válidos (73.870 votos) contra 38% (64.007
votos) de Paulo César Baltazar (coligação PSC / PFL / PRTB / PHS / PSB / PSDB) – liderança política
popular e com o histórico de já ter sido prefeito entre 1993 e 1996 –, 13% (22.105 votos) da deputada
203
federal Cida Diogo (PT / PL / PT do B / PTB / PPS / PRTB / PDT) e apenas 3% (4894 votos) de
Mariana de Paula Caetano (PSTU), militante e coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais
em Educação (SEPE-VR)196.
Principal adversário, o ex-prefeito Paulo Baltazar, lançou como parte da sua campanha
propostas como a da criação de uma Secretaria de Desenvolvimento Econômico e a implantação de
um pólo industrial em torno da inacabada rodovia do Contorno. Favorito contra o ex-vereador,
Baltazar sofreu um revés ao confeccionar e espalhar pela cidade “uma série de outdoors nos quais
pontificava em uma enorme fotografia ao lado do empresário Benjamin Steinbruch, que lhe apertava
as mãos” (Tiezzi, 2005, p. 67). O episódio gerou críticas de Dom Waldyr Calheiros, qualificado pelo
mesmo como uma liderança religiosa com uma visão atrasada acerca dos impactos da privatização e
com quem já havia rompido desde a tensão em torno da criação do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano e da repressão às ocupações de terra no município durante o seu governo. A
repercussão negativa do “aperto de mãos” o fez despencar nas pesquisas sobre intenções de voto
enquanto Gotardo, por sua vez, utilizando-se da popularidade de Neto – aprovado por 98% da
população e capaz de interferir politicamente na reeleição de alguns vereadores, segundo o Diário do
Vale197–, prefeito que imprimiu a marca da reforma urbana como referência de governo, elegeu-se a
partir de uma plataforma que incluía a implantação de uma universidade federal no sul do estado
(proposta também defendida pela deputada Cida Diogo) e a promessa de reaproximação com a CSN
sob um esforço em assegurar a construção de um quarto alto-forno da empresa na cidade. Vereador
mais votado do município nas eleições de 2000 (2.948 votos pelo PSL)198, Gotardo herdou uma
conjuntura de crise política entre Neto e segmentos de oposição da Câmara Municipal, o já
mencionado Grupo dos 13; e criou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo,
assumida pelo economista Renato Mota, filho do então secretário estadual de desenvolvimento
econômico, Humberto Mota. Também dava sinais também de que seu governo assumiria uma postura
mais voltada para a região, procurando substituir a histórica rivalidade entre os municípios pela
parceria a favor do crescimento integrado sob a forma de um “pensamento unificado”, segundo o
mesmo expôs na entrevista concedida ao jornal Folha do Interior:
Volta Redonda enxerga o crescimento regional. Hoje, vemos o Sul Fluminense como um grande conglomerado. Quando uma empresa se instala em Resende, Barra Mansa, Pinheiral ou Piraí, o reflexo na economia terá peso em todas as cidades, por conta de uma cadeia produtiva de bens e
196 http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/2004/result_blank.htm. 197 Edição de 29/12/2003. 198 Diário do Vale – 03/10/2000.
204
serviços que poucas regiões do país têm. Temos que ter o pensamento unificado. – Gotardo Lopes Neto (Folha do Interior – 03 a 08/11/2005).
Por outro lado, precisou conduzir a aprovação do novo plano diretor depois da fracassada
experiência da tentativa anterior, no início da década de 1990. O plano teve sua discussão retomada em
2006, por exigência do Ministério das Cidades e, após três anos de discussão, foi encaminhado pela
prefeitura à Câmara Municipal em 2008 com o objetivo de passar a vigorar por dez anos. Destaca-se
na nova proposta a preocupação, pela primeira vez oficial, em orientar a infraestrutura de Volta
Redonda ao contexto regional no qual está inserida, reconfigurando o perfil econômico municipal,
dessa vez valorizando a sua condição de maior provedora de comércio e serviços do sul do estado.
Para isso, o plano prevê a construção de uma nova centralidade no bairro do Aeroclube a se conectar
com outras já existentes, nos bairros da Vila Santa Cecília (grande centralidade), Centro, Aterrado e
Retiro (média centralidade), e no Santo Agostinho (pequena centralidade), formando o chamado Arco
das Centralidades199. Também restituiu o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, o antigo
CMDU preceituado pela Lei Orgânica Municipal confeccionada nos final dos anos 1980, momento de
grande participação do movimento popular da cidade. O CMDU, esvaziado pela falta de consenso
entre prefeitura, movimento popular e empresariado no que tangia à sua composição, e do qual
participaram lideranças comunitárias ainda hoje atuantes como o metalúrgico José Maria da Silva,
surgiu dessa vez como um órgão colegiado, permanente e deliberativo, constituído em instrumento da
gestão participativa nas questões relacionadas à política urbana, composto por membros do Poder
Público Municipal, sendo 4/5 do Executivo Municipal e 1/5 do Poder Legislativo (42%); dos
movimentos sociais e populares (26%); das entidades sindicais dos trabalhadores (10%); do setor
empresarial relacionado à produção e ao financiamento do desenvolvimento urbano (10%); de
entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa (6%); de Organizações Não Governamentais (ONG
‘s) (4%); e dos Conselhos de Classe (2%). O conselho passou a ter como atribuição participar do
processo de revisão do Plano Diretor; analisar e deliberar sobre as propostas de detalhamento,
legislação integrante e demais instrumentos de implementação; acompanhar e avaliar a montagem e
execução das operações urbanas, a aplicação dos instrumentos urbanísticos, os planos e projetos de
intervenção urbana, de habitação e de infraestrutura; acompanhar os resultados do monitoramento da
evolução urbana e avaliar os efeitos do Plano no desenvolvimento urbano e ambiental de Volta
Redonda200.
199 Plano Diretor Participativo – Volta Redonda – 2008, lei 4.441 , p. 36. 200 Plano Diretor Participativo – Volta Redonda – 2008, lei 4.441 , p. 23 e 24.
205
Aliado à proposta de configurar novas atribuições ao espaço urbano do município, o plano
em si propõe uma política de desenvolvimento econômico fundamentada no fortalecimento e estímulo
à expansão das atividades produtivas e na consolidação da cidade como pólo regional de negócios e de
serviços referenciais de caráter supramunicipal com base em uma articulação com os demais
municípios da sua área de abrangência e com instâncias do governo estadual e federal. Perseguindo
para Volta Redonda o modelo “de cidade ciente da importância e do significado do seu papel no
cenário regional e nacional, aberto às novas possibilidades de diversificação da sua economia (...)”
(Artigo 4º, p. 36), define como missão estratégica consolidá-la como centro polarizador de caráter
regional que permita o seu fortalecimento como pólo de atividades de serviços, industriais e sócio-
culturais; e a implementação de programas e projetos de melhoria urbana e de incentivo às atividades na área
do Arco de Centralidades. Por fim, prevê a construção de um novo setor industrial numa área próxima ao
município de Pinheiral por indicação da CSN e de um aeroporto no sul do município, no bairro Roma,
constitutivo da Zona de Expansão Urbana – ZEU implantada com o novo macrozoneamento
previsto201.
Gotardo herdou a antipatia do presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)
rompido com o ex-prefeito desde 2003. Ao não concluir a rodovia do Contorno por escassez de terras,
Neto encaminhou à Câmara um projeto de criação de uma taxa de iluminação aplicada exclusivamente
aos proprietários de lotes de terra vagos e às grandes empresas (a CSN), excluindo da cobrança os
moradores e os comerciantes. A taxa representaria um custo adicional de R$ 4 milhões por ano à
empresa e teve sua aprovação rejeitada após um empate na votação e uma forte pressão de
comerciantes e empresários ligados à ACIAP-VR, presidida por Campos, também vinculado ao
Sindicato da Construção Civil (SINDUSCON)202. Na ocasião, divulgou-se um levantamento sobre
investimentos industriais no estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 1995 e 2006, e a previsão era
que o município recebesse três investimentos no mesmo período: um no setor de metalurgia realizado
pela Tubonal, empresa fabricante de tubos de aço com costura, que geraria 380 empregos; e outros
dois no ramo da siderurgia, sendo o primeiro da Inal, empresa ligada à distribuição de aço, com
expectativa de geração de 260 empregos, e o segundo da CSN, exatamente a construção do alto-forno
4, com 600 empregos previstos203.
201 O Macrozoneamento dividirá o município em mais cinco espaços territoriais: Zona Urbana Consolidada – ZUC; Zona Rural – ZR; zona de Preservação Ambiental – ZPA; Zona de Conservação do Verde – ZCV; Zona de Ambiência Relevante – ZAR. Fonte: Plano Diretor Participativo – Volta Redonda – 2008, lei 4.441. 202 Diário do Vale – edições de 23/12/2003, 30/12/2003 e 31/12/2003. 203 Fonte: CODIN/DOP – Investimentos industriais, por região – 1995/2006.
206
Ex-funcionários, como o engenheiro Darker Pamplona204, classificavam a possibilidade do
novo alto forno como um blefe político da Companhia por inexistirem condições logísticas capazes de
comportá-lo nas suas instalações em Volta Redonda. O empresário Benjamin Steinbruch logo tratou,
em depoimento ao Jornal Aqui, de condicionar a instalação do alto-forno à existência daquilo que
definiu como “conforto” no relacionamento futuro com a prefeitura amparado por uma discussão
“transparente”. Sentindo-se traído pelo ex-prefeito, deixou em aberto a construção do
empreendimento, inclusive com a possibilidade de optar por terrenos da Companhia em Itaguaí, onde
possui um porto privativo, ou em Casa de Pedra, uma das suas quatro unidades do segmento de
mineração205, localizada em Congonhas (MG), de onde extrai o minério de ferro de elevado teor
responsável pelo suprimento da usina Presidente Vargas.
(...) O empresário garantiu que a empresa vai atrelar todos os seus investimentos futuros – como o alto-forno 4 – ao “conforto” que vier a ter no seu relacionamento com a prefeitura, após as eleições e a posse do novo prefeito. “Nem nós nem ninguém vai investir num lugar que não tenha uma estabilidade, uma transparência e uma objetividade na discussão. Nós não queremos, à noite, sem saber do que está sendo tratado, ser penalizados por medidas outras que não políticas. Nós queremos é transparência e discussão”, assegurou. E por conta disso, afirmou Steinbruch, o alto-forno 4 só será feito se houver essas condições. “Se não ele não será feito aqui”, sentenciou, lembrando que a CSN não tem, necessariamente, que investir no aumento de sua produção a partir de Volta Redonda. Essa questão de que o Alto Forno 4 está decidido, obrigatoriamente, em Volta Redonda, não é verdade. Nós temos a possibilidade de fazer em Itaguaí, e temos a possibilidade de fazer em Minas Gerais, Casa de Pedra. Vamos fazer no lugar onde tivermos mais conforto”, disse o presidente da CSN, voltando a bater na tecla da traição que diz ter sofrido. (...) “Se a gente não tiver conforto para fazer investimento em Volta Redonda, independente de quem quer que seja o prefeito, nós não vamos fazer. Quer dizer, não adianta fazer uma coisa, sabendo que vai ser traído depois”. – Jornal Aqui – 25/09/2004.
Nesse panorama é que se desenvolvem novos imbróglios citados na parte inicial da nossa
descrição, como a transferência do setor comercial para São Paulo (SP), o fechamento de campos de
futebol comunitários, de clubes e da floresta da Cicuta. Também ocorre uma disputa de terras da
empresa no Aeroclube (o mesmo local planejado para abrigar a nova centralidade) e nas proximidades
da fazenda Santa Cecília, onde onze aposentados que cultivavam uma horta foram expulsos pela
204 Entrevista - 23/05/2009. 205As minas de ferro de alta qualidade da CSN estão localizadas no Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. Além de Casa de Pedra, a Companhia possui a Nacional Minérios S.A. (Namisa), subsidiária criada em 2007, da qual detém 60% do capital e também com operações em Congonhas; a Mineração da Bocaina, em Arcos (MG), responsável pelo fornecimento de fundantes siderúrgicos (calcário e dolomito); e a Estanho de Rondônia S.A. (ERSA), adquirida por R$ 100 milhões, em 2005. A ERSA tem suas atividades concentradas em Rondônia, nos municípios de Itapuã do Oeste (Mineração Santa Bárbara) e em Ariquemes, onde possui uma fundição (Fonte: Portal CSN - http://www.csn.com.br/portal/page?_pageid=456,172399&_dad=portal&_schema=PORTAL).
207
Companhia (Jornal Aqui – 25/09/2004), este um dos eventos mais explorados por Tiezzi em seu
incisivo ataque ao proprietário da Companhia206.
Há cerca de 20 anos, um grupo formado por dezoito desses ex-operários que, por décadas, se dedicaram aos altos fornos da empresa, ocupou uma área no Bairro 60. O objetivo era cultivar uma horta. “Era um local agradável e servia para a gente passar o tempo e se distrair”, conta o aposentado Edson Baptista, de 73 anos, que por 32 anos trabalhou na CSN. “Na horta, você encontrava de tudo. Verduras, legumes, frutas e até plantas medicinais”, diz por sua vez o aposentado José Martins Filho, de 67 anos, que trabalhou 28 anos na CSN. (...) “Foi uma falta de respeito muito grande. Nós montamos as primeiras estruturas da CSN. Onde fica a nossa dignidade?”, lembra Edson (Tiezzi, 2005, p. 47 e 48).
4.6 – Uma nova proposta para Volta Redonda: a estratégia sociopolítica de articulação
do Fórum Demissão Zero
Apenas a fim de recuperar o argumento exposto no primeiro capítulo a partir do raciocínio de
Locke (1995), poderíamos interpretar Volta Redonda – salvo, obviamente, as diferenças históricas,
culturais e políticas com relação às outras cidades monoindustriais mencionadas – como uma cidade
monoindustrial de arranjo sociopolítico polarizado pela forma como o seu desenvolvimento deu-se sob
as linhas do sistema fordista, seguido por efeitos sobre formação e disciplinamento da força de
trabalho e a separação objetiva entre classes sociais verificada na hierarquização manifestada nos tipos
de habitação e nos locais de moradia. A hegemonia da CSN lhe permitiu não apenas dominar o
governo local, como constituir uma nova municipalidade, a despeito dos interesses de proprietários de
terra locais embutidos na discussão sobre a emancipação. Durante a fase em que permaneceu sob a
condição de Área de Segurança Nacional, pôde-se perceber o grau de influência da Companhia na vida
política com a indicação de funcionários para o cargo de prefeito e com a elaboração de um primeiro
plano diretor, o qual apenas considerou suas necessidades de crescimento, ignorando o seu entorno,
parte dele crescendo às margens da atuação até mesmo do poder público. Vimos ainda que o controle
também se manifestou na regulação da ação sindical e da vida social dos funcionários em clubes e
206 Em cidades industriais com esse perfil, onde muitos trabalhadores foram morar em vilas operárias construídas às margens das usinas, a cessão de lotes e terrenos para o plantio (além das atividades de lazer etc.) entendidas pelos funcionários como “favores” de complementação de recursos de subsistência era, na verdade, uma forma de submissão do tempo livre e das demais esferas da vida cotidiana desses operários à dominação da administração da usina (Leite Lopes, 1976). É curioso que essa horta cultivada pelos aposentados (alguns com mais de 30 anos de CSN), no bairro Sessenta (um típico bairro operário) data de 1985, sendo bem posterior à destituição do modelo de company-town na cidade. Outro caso de usufruto dos terrenos da Companhia descrito na crítica de Tiezzi é o de uma aposentada ameaçada de ser despejada de sua casa, no bairro Eucaliptal, onde residia há mais de 35 anos. O terreno foi cedido ao marido, funcionário por 25 anos de uma empreiteira que prestava serviços à CSN, às vésperas da sua aposentadoria, em 1970.
208
atividades recreativas, na concepção e formação do operário-padrão e na construção da “família
siderúrgica” como forma de inculcar nesses trabalhadores a ideologia do progresso contida no projeto
de modernização varguista.
Porém, com a passagem dos anos 1970 para os 1980 verifica-se uma nova conjuntura, dessa
vez de enrijecimento do tecido associativo da cidade. Grupos, associações de interesse e movimentos
sociais até então pequenos e paroquiais começam a se articular segundo critérios de menor
subserviência à Companhia e unidos por laços cada vez mais horizontais. O Sindicato desenvolve-se
graças ao trabalho de base desempenhado pela Igreja sob o bispado de Dom Waldyr Calheiros com a
presença de organizações como a ACO e a JOC no interior da entidade, tendo em Vagner Barcelos,
presidente do Sindicato entre os anos de 1989 a 1992, um exemplo dessa convergência não tão
harmônica, há de se lembrar, que também envolvia o movimento popular em ebulição. A Companhia
começa a perder o controle da ação sindical (só recuperado nos anos 1990) e o poder de orientar o
desenvolvimento da cidade, ao menos sem ser questionada. Os conflitos se acentuam à medida que os
instrumentos de coação deixam de funcionar e torna-se improvável ou pouco praticável a criação de
outros recursos de mediação das relações de trabalho. As associações de negócio uma vez alinhadas às
estratégias da empresa reconhecem-se cada vez mais prejudicadas e o governo municipal foge da sua
esfera de controle com a eleição de uma liderança forjada pelo “movimento popular-sindical”. Assim,
mesmo sendo indiscutível que sua história está “intimamente relacionada ao conflito” (Souza, 1992,
p.193), diante dos grandes desafios que precisou enfrentar nas duas últimas décadas, como a expansão
do desemprego industrial e a crise sindical motivada pela disputa interna pelo poder, a cidade precisou
caminhar para a criação de algum nível de concertação local balizado pela adesão política a projetos de
revitalização e recuperação da auto-estima da população. As heranças negativas da privatização, como
o trabalho precarizado, precisam agora ser remediados pela (re) aproximação entre os vários
segmentos e setores sociais da cidade, objetivando compor uma união de forças capaz de superar
coletivamente problemas da região como um todo e não mais apenas de Volta Redonda, como declara
o presidente do Sindicato dos Engenheiros:
Foi um problema sério porque como o sindicato estava ligado a outros grupos, ele ao invés de botar toda a sua potencialidade em relação à privatização, no sentido de adquirir e amarrar bem os direitos dos trabalhadores, eles ficaram preocupados em participar da compra. Quando o cara que tem que defender entra no processo de compra e de botar facilidades e benfeitorias, esquece a base. E isso prejudicou. Quem teria que defender, entrou no processo de compra. Aí, depois mudou o Sindicato, o pessoal mudou, foi embora e acabou. E a gente ficou com aquela herança dos demitidos, herança do trabalho precarizado, a herança da poluição que até hoje a gente tem. Tem coisas ruins. Essa coisa do rio Paraíba é uma. E hoje o vínculo da empresa com a cidade é ruim, e uma empresa é muito importante. A relação CSN-cidade é ruim. Ela não é clara, não é uma relação sadia como era antigamente. Havia uma relação de confiança. Essa confiança foi quebrada. Por quê? Porque hoje há
209
uma relação quebrada com o prefeito, há uma relação quebrada com o Sindicato dos Engenheiros, há uma relação quebrada com o Sindicato dos Metalúrgicos, há uma relação quebrada com o Sindicato da Construção Civil, há uma relação quebrada com os movimentos sociais, com a Igreja, o MEP-VR. E a própria empresa na última eleição ela não entrou no circuito de eleição de prefeitos. Ela saiu, tirou o time. Pelo menos, isso foi bom. Foi bom porque está dando espaço pra gente se reaproximar. Porque a gente só vai conseguir resolver o nosso problema juntando todas as nossas forças, inclusive a CSN e as empresas da região. – João Thomaz da Costa.
Portanto, além da importância de não limitarmos nossa abordagem a efeitos como o da
globalização dos mercados, não podemos atribuir apenas à crise do padrão de acumulação e produção
fordista o processo de derrocada de empresas e regiões. Precisamos reconhecer que a economia
também sofre efeitos histórico-institucionais e questionar sobre até que ponto é possível argumentar
que a decadência de certas localidades pode ser revertida pelo estabelecimento de coalizões e a
“valorização do raciocínio decisório dos atores políticos locais” (Markusen, 2005, p.71). Procurando
romper com o aparato técnico-discursivo de disciplinas como a geografia econômica, da qual fez
parte, deve-se mencionar, Allen Scott (2004), um dos expoentes da New Urban Politics (NUP), escola
da geografia econômica norte-americana, reconhece que aqueles que pregam a promoção do
crescimento econômico usualmente recorrendo a processos de empreendedorismo, inovação e
aprendizado que ocorrem no espaço físico econômico não podem omitir a relevância dos nexos
culturais, políticos e sociais no sentido de ajudar a modelar as dinâmicas locacionais. Segundo o autor,
é preciso reservar um espaço analítico e descritivo para a ação coletiva e a ordem institucional nos
mais variados níveis organizacionais e espaciais (firma, mercado de trabalho local, região, nação etc.)
e ajudar a responder a questão sobre como se constroem arranjos institucionais locais que promovam
tanto o sucesso econômico quanto a justiça social (Scott, 2004, p.15).
O caminho defendido por Scott é adotado por Markusen ao discursar sobre o fortalecimento
e a autonomização de regiões e defender análises “com mais nuances institucionais e mais centradas
no ator” (2005, p.71) contra o “excessivo gasto de energia acadêmica em conceitualização e em
narrativas causais que substituem atores por processos” (Markusen, 2005, p.58). Nesse sentido, em vez
de “os atores estarem dando forma à geografia econômica, estar-se-ia atribuindo papéis causais a
fenômenos subteorizados, tais como “aprendizagem” e “rede” (Markusen, 2005, p.58). A autora
reconhece o potencial das organizações de âmbito regional, incluindo grupos de interesse –
trabalhadores, empresários, grupos comunitários e ambientais – que desempenham importante papel
no cumprimento da agenda de organização regional (Markusen, 2005, p.71). Embora o seu enfoque
recaia especialmente sobre “empresas, na qualidade de principais unidades de decisões privadas, e
sindicatos trabalhistas, na qualidade de agentes representantes dos trabalhadores”, Markusen
210
reconhece que outros atores também importantes (entidades de caráter não lucrativo, cooperativas,
grupos comunitários, associações profissionais, organizações religiosas, indivíduos e, acima de tudo, o
Estado) deveriam ser explorados enquanto agentes cujos comportamentos e tomadas de decisão são
relevantes” e também alterariam as economias regionais a partir das suas decisões e comportamento
(Markusen, 2005, p. 58).
O que o conjunto desses autores sustenta e também concordamos é que certas saídas
precisam ser trabalhadas com um mix de coordenação, cooperação e articulação, explorando também a
diversidade de recursos socioculturais e históricos do território. Ainda de acordo com Markusen, as
decisões tomadas por corporações repercutem enormemente tanto entre os trabalhadores quanto entre
as comunidades afetadas (Markusen, 2005, p.64), mas as mesmas são capazes de elaborar estratégias
no sentido de se contrapor à ameaça do fechamento e da desindustrialização207 ou até de “inviabilizar
operações de mega-fusões” (Markusen, 2005, p.66).
Se considerássemos, como sugeriu Conceição (1998), que as localidades que mais sofreram
com o esgotamento provocado pelo fechamento de plantas, demissões em massa e redução de
investimentos foram aquelas onde se diagnosticou a presença de uma numerosa mão-de-obra
impulsionada pelo ritmo do modelo de produção fordista e que, alimentadas pela consciência política,
se constituíram nos vetores das grandes greves do final dos anos 1970, é possível indagar, como
afirmou Cooke (1995), sobre até que ponto regiões e localidades com alto grau de “sociabilidade
cívica” podem se tornar “regiões inteligentes”, isto é, aquelas com “alta confiança”, mais propensas a
inovar e se adaptar a exigências como a capacidade de compartilhar custos e riscos, trocar informações
e resolver problemas sempre procurando colaborar (Pike et al., 2008, p. 92). Essas são mais capazes de
se recuperar de declínios (às vezes, inesperados) através da combinação entre aprendizado
institucional e reflexividade institucional. A inteligência de uma região se faria sentir mediante o
sucesso de mecanismos de interação entre firmas, agências de desenvolvimento, cidades etc. Aliado a
isso, o conceito de “democracia associacional” (Hirst, 2002) valorizaria a incorporação de
organizações da sociedade civil no domínio da governança social e econômica regional. Cooke
argumenta que uma governança eficiente requer transparência, um fluxo adequado de informações e a
incorporação dos sentimentos da comunidade no processo margeados pela presença de uma sociedade
civil capaz de se auto-gerir. Onde esses mecanismos mínimos de democratização puderam ser
207 A autora menciona, por exemplo, “iniciativas como a legislação relativa ao fechamento de plantas que retardam ou regulam os fechamentos, programas de deslocamento de mão-de-obra etc.”, além “das estratégias de convencimento dos empregadores no sentido de trabalharem lado a lado com trabalhadores e comunidades, com o intuito de aperfeiçoar a qualificação dos trabalhadores e dos programas de desenvolvimento econômico de modo a estabilizar o emprego regional” (Markusen, 2005, p.66).
211
observados, constatou-se um êxito substancialmente maior na implementação de ações de redução do
desemprego, na geração de novas vagas e oportunidades de trabalho, cicatrizando com maior
velocidade e eficiência as cicatrizes da desindustrialização (Cooke, 1995, p.243).
O grande envolvimento de movimentos políticos e sociais aliado à formação de um
contingente operário expressivo (a partir das plantas automobilísticas implantadas em Resende e Porto
Real) sinalizador da constituição de uma classe operária regional (Ramalho e Santana, 2006), além do
forte envolvimento de entidades empresariais e produtivas, como as ACIAPs, o SEBRAE e o
Sindicato das Indústrias do Médio Paraíba Fluminense (MetalSul) indicaria ao menos um esforço, no
Médio Paraíba, no sentido de constituição de “mecanismos de governança que busquem alternativas
de cooperação entre novos e antigos agentes do desenvolvimento econômico e social” (Ramalho,
2006, p.38). Assim, mobilizações como o MEP-VR, inicialmente radicalizadas por influência de
movimentos e partidos políticos de esquerda dos quais alguns dos seus integrantes eram provenientes,
têm nos últimos anos se confirmado como integrantes de um novo perfil de movimento popular em
atuação na região, como frisou o autor, não apenas orientado por reivindicações de ordem urbana, mas
incorporando para si um caráter de acompanhamento e fiscalização da política local e se
disponibilizando a atuar pela construção de algum mecanismo de governança a nível municipal ou
mesmo regional, mesmo após o franco oposicionismo que sustentou ao Mercovale, em fins da década
de 1990.
Sem recorrer a qualquer tipo de comparação entre realidades, devemos assinalar, como frisou
o economista Germano Mendes de Paula, que Volta Redonda ainda estaria buscando alternativas de
revitalização208. Para o então ex-prefeito Antonio Francisco Neto, a única saída estaria em solidificar
novas vocações capazes de gerar empregos e receita, dissolvendo a tutela da siderurgia. Já o
engenheiro e ex-secretário Emmanuel Paiva de Andrade, apesar de também defender uma cidade
repensada, identifica na retomada dos métodos autoritários pela CSN privatizada, a implantação de um
redesenho institucional que impacta diretamente na organização do movimento popular, agente, por
hipótese, capaz de estimular esse processo. Com base nesse argumento e sem negar os seus efeitos,
acreditamos que uma cidade, um território ou mesmo uma região podem ser (re) pensados pelo
princípio da capilaridade de suas associações e movimentos políticos. Localidades deixam de ser
vítimas de um processo histórico irreversível e reestruturam, a partir da elaboração de estratégias de
mobilização, o seu tecido social fragilizado por choques econômicos e políticos.
208 The New York Times apud Tiezzi, 2005.
212
No meu ponto de vista, o município, superando a fase traumática de privatização da CSN, terá que solidificar novas vocações, saindo definitivamente da tutela da indústria siderúrgica, procurando se adequar a novos perfis que permitam gerar mais empregos e receitas para que a cidade possa continuar crescendo. – Antonio Francisco Neto (Diário do Vale – 17/07/2004).
A CSN privatizada implanta à força um redesenho institucional que retoma o autoritarismo de gestão. No embate que a gente fez na época da privatização tinha sempre aqueles que se colocaram pra ajudar a privatização. Numa reunião eu falei assim: Sartre uma vez comentou sobre o 20º congresso do Partido Comunista em que se colocava a questão da desestalinização da URSS. A pergunta era: como desestalinizar a URSS se lá todo mundo é stalinista? E ele teve uma tirada que foi uma pérola: ‘- Olha, a desestalinização desestalinizará os estalinizadores.’ Eu usei essa frase numa discussão pra dizer o seguinte: ‘- A privatização privatizará os privatizadores.’ E foi isso o que aconteceu. A reformulação da CSN foi de tal profundidade que até aqueles quadros antigos saíram. Hoje, quando eu vou a Volta Redonda eu não tenho mais conhecidos trabalhando na CSN. É outra empresa que se instalou com métodos autoritários. Isso também impacta negativamente no movimento popular. (...) Deixa de ser um elemento nucleador do movimento popular. (...) Deixa de ser o inimigo a ser batido. Falta uma referência. – Emmanuel Paiva de Andrade.
Funcionário da Companhia por onze anos e partícipe da frustrada implantação do CMDU nos
anos 1990, Andrade percebe haver uma saturação do modelo de siderurgia integrada a coque definido
como datado, caro e comprometedor do meio ambiente, e propõe a reconfiguração total do município a
começar pelo reconhecimento de que caso este se mantenha indefinidamente sob a marca de uma
típica cidade industrial tenderá a comprometer o seu próprio futuro. Sinaliza como possível alternativa
a consolidação de Volta Redonda como cidade universitária, produtora e difusora de ciência,
tecnologia e conhecimento, tendência que parece estar se confirmando ao longo da última década com
a expansão de uma universidade federal.
Cidades como Volta Redonda que têm uma história que gira em torno de uma grande empresa, de um setor da produção que inevitavelmente vai entrar em crise em algum momento (...). O setor siderúrgico, a siderurgia integrada à coque, que é um modelo que ainda é responsável por uma grande produção de aço, mas que é datado, é caro, é comprometedor do ambiente (...). O futuro meio que especulado seria a experiência do MIT (Massachusetts Institute of Technology),209 por exemplo, que era uma “cidade” que vivia em torno da indústria de base. Não era nem em torno da universidade. Ela nasce como uma reconfiguração total do lugar. Então, eu penso que o futuro para Volta Redonda significa cortar o laço com a siderurgia e fazer algo que supere (...). – Emmanuel Paiva de Andrade.
Afastado de Volta Redonda desde 1993, quando deixou a Secretaria de Planejamento por
divergências como o movimento popular, o engenheiro, contudo, em tom pessimista, identifica a
carência de competências individuais capazes de conduzir a localidade a um novo patamar. Sob o seu
ponto de vista, a privatização teria sido de todos, o grande marco da história do município, quando
209 Localizado em Cambridge, no estado de Massachusetts.
213
todo o movimento popular capilarizado durante a Ditadura Militar e mobilizado pela possibilidade de
redemocratização e de término da sujeição à condição de área de segurança nacional atingiu o auge da
sua capacidade de enfrentamento.
(...) Eu penso que o esforço que Volta Redonda fez para sair da condição de área tutelada pela Ditadura e pela CSN acabou se materializando num movimento operário extremamente forte, num movimento popular que teve que se capilarizar e nós vivemos um momento que estava no auge. Era o auge do enfrentamento. A privatização da CSN foi o marco. As forças que se acumularam (...). E aí, eu coloco que o esforço do movimento popular foi o de recuperar um padrão de cidadania que estava, sei lá, chute, dez anos atrasado em relação ao Brasil, que também já estava atrasado nessa questão. Acho que Volta Redonda fez um esforço grande e em todo esforço grande, tem uma hora que você dá uma esvaziada. (...) Volta Redonda só foi novidade quando a questão era “tirar o atraso”. Todo mundo já falava em redemocratização e lá ainda era área de segurança nacional. Tirou o atraso, aí você depende de lideranças, de pessoas que tenham visão estratégica etc. Fica oscilando em função de competências coletivas e competências individuais. Na política, as competência individuais fazem a diferença. O problema é que a gente não sabe como se produz competências individuais (...). Na engenharia tem um conceito muito interessante da transformação plástica e da transformação elástica. Transformação elástica é quando você aperta, o negócio muda e quando você tira o dedo, o negócio volta. Transformação plástica é quando você atinge o limite de escoamento do material. Você aperta e o negócio fica porque é plástico. Se você planeja a construção da cidadania apenas com lideranças e competências que não produzam transformações plásticas, ela vai sair dali e vai voltar tudo para o lugar que estava. Por mais que tenha sido diferente por um tempo. Você precisaria ter quantidade ou qualidade de lideranças. Mas não me pergunte como isso acontece. – Emmanuel Paiva de Andrade.
Em 2003, voltou-se a falar na formação de uma agência de promoção de desenvolvimento
regional. O MetalSul210 tentou implantar um projeto de caráter exclusivamente privado, orientado à
promoção da indústria da região e, sobretudo, à consolidação de um Arranjo Produtivo Local do setor
metal-mecânico na região. O projeto foi apresentado como produto final de um curso do SEBRAE
denominado Lidera Rio211e incluía a formulação de um Conselho de Desenvolvimento Regional
estruturado na forte articulação entre o poder público através do governo estadual e das prefeituras; de
entidades de fomento, bancos e universidades e, por fim, da iniciativa privada de empresas. A
chamada Agência de Desenvolvimento do Médio Paraíba (ADEMP), contudo, só se fortaleceu com a
realização, em fevereiro de 2008, de um Ciclo de Eventos sobre Desenvolvimento, reunindo
210 O MetalSul é uma entidade de classe patronal com sede e foro na cidade de Volta Redonda. Sua base inclui os municípios de Barra Mansa, Barra do Piraí, Engenheiro Paulo de Frontin, Itatiaia, Mendes, Miguel Pereira, Paty do Alferes, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença, Vassouras e Volta Redonda. É constituído para fins de estudos técnicos, apoio, aperfeiçoamento, desenvolvimento e representação da categoria econômica da indústria metalúrgica, mecânica, automotiva, de informática e de material eletroeletrônico, e ainda para representar o interesse coletivo junto aos Poderes Públicos e demais associações. – www.metalsul.org.br 211 As estratégias de ação definidas como resultado final do Lidera Rio foram as seguintes: criação de um conselho e uma agência de desenvolvimento regional; a elaboração de um planejamento estratégico para o Médio Paraíba, além da identificação e da sensibilização dos atores envolvidos.
214
representantes da Caixa Econômica Federal (CEF), do Ministério da Integração Nacional, do Pólo
Universitário da Universidade Federal Fluminense (PUVR-UFF), em Volta Redonda, e demais
setores, numa tentativa de formular um espaço de convergência dos atores produtivos regionais. Em
abril do mesmo ano, autoridades municipais, estaduais e federais lançaram a Carta do Sul
Fluminense212, espécie de declaração oficial conjunta entre governos se comprometendo a trabalhar
pela constituição, em médio prazo, de uma agência regional 213 . A carta foi assinada pelo ministro da
Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral,
o vice-governador Luiz Fernando de Souza Pezão, e os prefeitos dos catorzes municípios da região,
que compareceram ao evento de lançamento ocorrido no auditório da Escola de Engenharia da
Universidade Federal Fluminense (UFF), em Volta Redonda. As lideranças políticas municipais,
estaduais e federais se comprometeram a criar uma Unidade de Apoio ao Desenvolvimento do Sul
Fluminense, dedicada a negociar e conduzir, dentre outras propostas:
1) a definição de estratégias de desenvolvimento regional que transcendam a lógica dos investimentos setorizados e localizados, criando-se uma ambiência onde o desenvolvimento do território se apóie na historicidade das sub-regiões, no espaço socialmente produzido e nas experiências acumuladas;
2) a instauração de um processo de planejamento regional para a elaboração de um Plano Estratégico, de médio e longo prazos, e de Planos de Ação específicos, conforme as diretrizes e proposições decorrentes do Ciclo de Eventos sobre o Desenvolvimento do Sul Fluminense, anexas à Carta;
3) a instalação de um fórum que favoreça e legitime as resoluções decorrentes dos entendimentos entre a iniciativa privada, a Sociedade Civil organizada e os poderes públicos ao longo do processo de implementação de um projeto de desenvolvimento para o Sul Fluminense;
3) a mobilização de órgãos técnicos, instituições de fomento, institutos de pesquisa e instituições de ensino superior que possam contribuir para a consecução dos propósitos desta iniciativa;
4) a implementação de um modelo de gestão do território, apoiado na articulação institucional das três esferas de Governo e destas com o setor privado e a Sociedade Civil, que facilite a conciliação de interesses, a implementação e o acompanhamento de ações conjuntas voltadas ao desenvolvimento regional214.
212 A mesorregião do Sul Fluminense, conforme classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é composta por 14 municípios divididos em três microrregiões: Baía da Ilha Grande (municípios de Angra dos Reis e Paraty); Barra do Piraí (Barra do Piraí, rio das Flores e Valença) e Vale do Paraíba Fluminense (Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro e Volta Redonda). 213 Jornal Diário do Vale – 20/06/2008. 214 Carta do Sul Fluminense. Fonte: Ciclo de Eventos sobre o Desenvolvimento – Sul Fluminense – Ministério da Integração Nacional - http://www.integracao.gov.br/desenvolvimentoregional/desenvolvimentosulfluminense/index.asp
215
A proposta de uma agência emitida pela carta integra a “Política Nacional de
Desenvolvimento Regional (PNDR)” 215 instituída pelo decreto número 6.047, de 22 de fevereiro de
2007, do Ministério da Integração Nacional, passando a priorizar a redução das desigualdades
regionais como um dos eixos estratégicos de desenvolvimento do país. Favorecida pela influência e
atuação política da então deputada federal Cida Diogo (PT) e pela visibilidade que a região adquiriu
com a eleição de Luiz Fernando de Souza Pezão (PMDB), ex-prefeito de Piraí, para vice-
governador216, a estratégia ainda se depara com o descrédito e a dificuldade em se mobilizar a
sociedade local para iniciativas de integração e construção de uma “identidade regional”. A receita é
servir como fórum ou instância de integração de governos, instituições, empresas e entidades de classe
e de fortalecimento da imagem e da competitividade da região sem que isso tenha resultado
necessariamente da deliberação de uma Câmara Regional, algo inexistente no Médio Paraíba. Basta
lembrar que a agência instalada no ABC, em 1998, foi criada para funcionar como braço executivo da
Câmara Regional, constituindo-se como uma organização não-governamental mantida por um corpo
de associados, lhe assegurando maior autonomia financeira.
Pouco antes do lançamento oficial da ADEMP, nas eleições de outubro de 2008, Antonio
Francisco Neto (PMDB) foi eleito o novo prefeito de Volta Redonda, reassumindo o cargo após um
intervalo de quatro anos. A vitória de Neto, eleito em primeiro turno pela coligação “Apaixonados por
Volta Redonda” (PMDB / PTB / PPS / PSL / PRTB / PMN / PHS / PTC / PSC / PV / PSB / PC do B /
PP)217 foi seguida do anúncio pela CSN de férias coletivas para 1.500 empregados, que ficariam sem
trabalhar entre 22 de dezembro de 2008 e 10 de janeiro de 2009, incluindo 350 funcionários da
GalvaSud218. A Companhia chegou a se reunir com o Sindicato, propondo o retorno ao turno de
revezamento de oito horas; a criação de um banco de horas extras; a redução dos benefícios dos
empregados e uma licença remunerada com redução salarial como medidas para evitar a demissão dos
215 Há grandes possibilidades de que o projeto ganhe um financiamento extra através da proposta de criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) cujos princípios estão inseridos na emenda constitucional PEC 233. Isso disponibilizaria, já em 2009, um valor aproximado de R$ 9,5 milhões para ações de desenvolvimento regional no país com a priorização de recursos (40%) em obras de infra-estrutura, sendo o restante direcionado para financiar projetos de ciência e tecnologia, assistência técnica e qualificação de mão-de-obra, fortalecimento industrial, incentivo à produção e interiorização do capital – Diário do Vale – 23/06/2006. 216 A força política da região também se refletiu na escolha de Antonio Francisco Neto, ex-prefeito de Volta Redonda, para a Secretaria de Receita do estado, durante o governo de Rosinha Garotinho (PMDB) e, posteriormente, para a presidência do Departamento Estadual de Trânsito do Rio de Janeiro (DETRAN-RJ), cargo que ocupou até se reeleger prefeito, em 2008. 217 Neto foi eleito com 54% dos votos (91.129 votos), derrotando Jorge de Oliveira (Zoinho) (PT do B/PRP/PSDC) (21% ou 35.891 votos), Cida Diogo (PT/DEM/PL) (11% ou 19.854 votos), Washington Granato (PDT/PR) (11% ou 19.819 votos) e Maria das Dores Mota (Dodora) (PSOL/PSTU) (0% ou 1.379 votos). Fonte: http://placar.eleicoes.uol.com.br/2008/1turno/rj/?cidade=59250. 218 Foco Regional - Edição nº 397 • Ano VIII • 8 a 14 de dezembro de 2008.
216
funcionários219. As propostas foram recusadas pelo presidente do Sindicato, Renato Soares,
especialmente o retorno à jornada de oito horas, que poderia acarretar na demissão de 800 ou 900
funcionários. Pouco depois, em dezembro de 2008, a empresa anunciou a demissão de 1.100
funcionários, atitude encarada como de retaliação pelo presidente do Sindicato após três reuniões sem
sucesso em que a direção da empresa tentou convencer o sindicalista a aceitar as mudanças. Em
janeiro de 2009, outra parcela dos trabalhadores acabou demitida, totalizando 1200 funcionários
dispensados da sua unidade produtiva em Volta Redonda. A CSN justificava as demissões como
necessárias frente à forte crise econômica mundial.
Rubens Souza de Freitas, 49 anos, é um dos funcionários que foram desligados da CSN. Ele contou que trabalhou na empresa durante 30 anos e foi demitido no último dia 17. “Esta mobilização é válida para apoiar as pessoas demitidas e também para mostra a realidade para a sociedade”, disse Rubens. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Renato Soares, afirma que a CSN está em ótimas condições financeiras e que não é necessário o desligamento de funcionários. Renato ainda relembrou a série de demissões de funcionários da CSN na década de 1990. - Com a privatização, a CSN fez um arrocho salarial, retirou alguns benefícios e depois dispensou os metalúrgicos. Ainda não temos os números precisos de pessoas demitidas na empresa, pois estamos aguardando os dados da homologação. Faltou sensibilidade da empresa ao demitir nesta época do ano – afirmou Renato Soares. O bispo Dom João Maria Messi, que também esteve a frente do “Movimento Demissão Zero” destacou que amanhã, ás 10 horas, se reunirá com empresários da CSN para sugerir algumas medidas antes de demissões. “Ainda não tivemos oportunidade de conversar com os empresários da CSN. Nossa meta é sensibilizar os empresários para que estes busquem medidas diferentes de demissões”, informou o bispo. O vereador Carlos Roberto Paiva (PT) participou da mobilização representando a Câmara de Vereadores de Volta Redonda. Ele afirmou que o grande motivo da manifestação é incentivar as empresas a optarem por férias coletivas ao invés de demissões. “Existem outros caminhos para que as empresas de grande porte combatam a crise mundial. Volta Redonda já assistiu a este filme em 1993, quando a CSN desligou centenas de metalúrgicos”, ressaltou Paiva. (Diário do Vale - 23 de Dezembro de 2008)
O presidente do Sindicato então levou ao bispo emérito Dom Waldyr Calheiros uma proposta
no sentido de realizar uma mobilização pela reincorporação dos demitidos. No dia 17 de dezembro,
uma reunião na Cúria Diocesana, entre o sindicalista e o atual bispo, Dom João Maria Messi, decretou
a organização de uma passeata acompanhada de um movimento sob o título “Demissão Zero: o
trabalhador não vai pagar pela crise”, sugerido pelo padre Normando Cayovette. O ato público
realizado no dia 22 atravessou a avenida Amaral Peixoto, uma das mais movimentadas da cidade,
fechou a rodovia Lúcio Meira por quinze minutos e se concentrou em frente à passagem superior e
entrada principal da usina Presidente Vargas, na Vila Santa Cecília. Segundo o jornal Foco Regional, a
mobilização teria contado com sindicalistas da própria cidade e de Angra dos Reis, Niterói, da Baixada
Santista e de Campinas (SP), de Ipatinga e Ouro Branco (MG), além do próprio bispo, do presidente
219 Foco Regional - Edição nº 398 • Ano VIII • 15 a 21 de dezembro de 2008.
217
do Sindicato e de lideranças políticas, como o vereador Carlos Roberto Paiva (PT) e a deputada federal
Cida Diogo (PT)220. No mesmo dia, uma audiência pública foi realizada na Câmara Municipal. O
vereador Paiva, os deputados federais Cida Diogo e Deley de Oliveira, e o deputado estadual Nelson
Gonçalves estabeleceram como base de ação a decisão de levar o caso ao ex-prefeito de Piraí e atual
vice-governador, Luís Fernando Pezão (PMDB), ao governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), e à
ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, que já havia feito uma intervenção na região, desencorajando a
Volkswagen Caminhões e Ônibus221de fazer demissões. Paralelamente, no ABC, a crise econômica
mundial reunia diversas forças políticas e agentes econômicos da região no seminário “ABC do
Diálogo e do Desenvolvimento”, realizado em São Bernardo do Campo, em março de 2009. A partir
das exposições e debates reunindo cerca de 1500 pessoas em cinco grupos temáticos (crédito, acesso a
mercadorias e potencialidades, tributos, enfrentando o desemprego e relações de trabalho e trabalho
decente), elaborou-se um caderno com propostas debatidas e apresentadas a serem implementadas.
Em Volta Redonda, o bispo e duas outras lideranças, José Maria da Silva, coordenador do
Movimento Ética na Política de Volta Redonda (MEP-VR), e o padre Juarez Sampaio, do Movimento
Resgate da Paz, se reuniram com a diretora de Recursos Humanos da empresa, Antídia Juncal, que
prestou esclarecimentos acerca das demissões (Diário do Vale – 23 de Dezembro de 2008).
Quando começou a correr a notícia nos jornais, eu falei com o Zezinho se não era conveniente ter um diálogo com o sindicato. Quando eu vi tudo isso, eu achei que nós não podíamos ficar olhando. Então, conversei com ele (Zezinho) (...). Olha, acho bom a gente conversar com o doutor Renato (...). Porque nós podemos ajudar a aliviar essa situação, intervir de alguma maneira social (...). Então, tivemos esse primeiro encontro. E daí, partiu-se para algumas ações concretas, que foi essa caminhada. Mas primeiro, tivemos uma reunião menorzinha de projetar essas agendas e de escolher o slogan “Demissão Zero”. Foi nessa primeira reunião no sindicato. Tinha pouca gente. E daí fizemos essa agenda e começou o contato com o prefeito, a Câmara dos Vereadores (...). O Paiva foi sempre à frente, sempre participou de todas as reuniões (...). O doutor Nelson (Gonçalves) também sempre participou dessas reuniões (...). O prefeito Neto. Na medida em que as propostas iam evoluindo e envolvendo mais pessoas, começaram a vir também os representantes de entidades, de indústrias, comércios (...). Aí, esquentou a animação (...). Nós fizemos essa caminhada na cidade (...). Não foi muita gente (...). Foi ali da Santa Casa até praticamente as portas da usina. Coisa muito pacífica. E, depois, vários políticos se manifestaram no fim (...). E à noite teve uma espécie de assembléia na Câmara dos Vereadores (...). Uma audiência. E teve uma boa participação também. E dali foi progredindo, algo que foi sempre se abrindo (...). Começou com esse grupo pequeno, depois envolveu os políticos, os prefeitos e outras pessoas da sociedade, da indústria, do comércio, depois os deputados federais, o Delei, a Cida também participou algumas vezes (...). Depois os ministros. Veio
220 A edição de 23 de dezembro de 2008 do Diário do Vale estimava em cerca de quinhentos o número de pessoas que participaram do ato. 221 Em dezembro de 2008, como parte de uma estratégia de acessar o mercado latino-americano, a MAN Aktiengesellschaft adquiriu 100% da Volkswagen Ônibus e Caminhões, subsidiária da Volkswagen AG, que emprega cinco mil pessoas na produção de ônibus e caminhões em Resende (RJ) desde 1996. Fonte: Portal Exame – 15/12/2008 – http://portalexame.abril.com.br/agencias/reuters/reuters-negocios/detail/man-adquire-100-vw-caminhoes-onibus-brasil-212239.shtml
218
o ministro Lupi. Isso foi mais por conta do sindicato, mas não deixa de ser assim algo como uma extensão desse movimento. Depois, foram à Brasília (...). Várias pessoas foram para conversar com o ministro Dulci. Depois, houve uma grande audiência na ALERJ também com vários deputados. O Picciani apoiou muito isso. Realmente, foi algo que se abriu. E ali apareceram outras propostas, que estavam no esquecimento, como a lei Rosinha. Alguns prefeitos reivindicaram que essa lei fosse aberta a todas as prefeituras e não apenas à algumas. Alguns se sentiam beneficiados e outros prejudicados. Então, também movimentaram essa nova revisão da constituição do estado (...). Foi um movimento de escala e de retomada (...). – Dom João Maria Messi.
Após a reunião, uma série de encontros se estendeu ao longo de todo o ano de 2009. O temor
de que as demissões causassem um novo impacto nos setores de comércio e serviço, tal como havia
acontecido dez anos antes, acabou atraindo para a mobilização comerciantes e lideranças políticas,
secretários e prefeitos de seis cidades (Antônio Francisco Neto, Volta Redonda; Zé Renato, Barra
Mansa; Luís Carlos Ypê, Itatiaia; Dr. Toninho, Pinheiral; José Rechuan, Resende e Luís Antônio
Vieira, vice-prefeito de Piraí) para discutir medidas de enfrentamento da crise e impedir um outro ciclo
de demissões em massa. Assumindo diversas denominações (Fórum Demissão Zero, Fórum Anti-crise,
Encontro de Lideranças do Sul Fluminense e Comissão Ambiental-Sul) os encontros serviram para
discutir saídas que passavam pela readmissão dos trabalhadores, além de alternativas para a cidade e a
região, terminando por ampliar o seu escopo com a incorporação do debate ambiental222. Segundo as
palavras do coordenador do MEP-VR, o fórum marcou a entrada do movimento (popular) numa linha
mais propositiva para a superação de uma crise que não foi criada pelos trabalhadores, uma reedição
do Mercovale sob uma marca mais efetiva construída sob um novo paradigma, baseado numa relação
de diálogo e não de subserviência e tutela.
Na época, quem que provoca um pouco essa discussão? Os prefeitos. Aquela crise local com o processo de privatização. Mais de dez anos depois, em 2009, os prefeitos vão se encontrar pra discutir a crise. Mas só que tem aí um viés novo. O movimento é quem dá o tom. Quando os prefeitos, no processo de privatização, percebem que a região precisa ter uma nova visão criam o Mercovale. Mas não avançam. Dez anos depois, ou mais do que isso, com a crise econômica mundial, a região faz outro desenho. Provocada pelos movimentos, e aí a Igreja de novo está no cenário, consegue reunir prefeitos da região, mas chamados pelos movimentos para discutir o impacto da crise na região. (...) mas com outro foco, que vem a partir do movimento social. Vem a partir das bases. Aí, o sindicato é o primeiro a ter as informações das macro demissões na CSN, em dezembro, fala com a Igreja e ela chama os sindicatos, os movimentos e os prefeitos da região para discutir a crise. Isso em dezembro de 2008. Foi uma coisa nova. E o movimento entra numa linha propositiva para construir possibilidades para a superação de uma crise que não foi feita pelos trabalhadores. (...) você reúne as associações comerciais, tanto de Volta Redonda quanto de Barra Mansa, você reúne sete prefeitos da região, você reúne os deputados estaduais da região, reúne os maiores sindicatos da região, reúne os representantes do setor comercial (CDL) de pelo menos duas ou três cidades (...). Quer dizer, uma reunião com cem pessoas pra discutir a crise (...). Aí, você percebe que a força do movimento se
222 As ameaças do projeto do governo do estado de São Paulo de realizar uma transposição do rio Paraíba do Sul para o abastecimento da região metropolitana do estado.
219
constrói (...). E Dom João falou: - fala com o padre Juarez, que ele é ligado ao movimento. Falei: - padre Juarez, o caso é esse e a situação é essa. (...) Aí, o Juarez faz uma colocação e uma proposta: - olha, nós vamos fazer um grande fórum pra discutir isso. Marcou-se uma reunião e uma passeata. (...) Aí, ele só chamou os prefeitos onde a Igreja dele está presente, onde ele administra. Eu estou falando das doze cidades da Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí. São doze cidades, doze prefeitos. Ele convoca os doze e convoca os deputados. Dos doze, justificaram dois e vieram sete. Volta Redonda, Barra Mansa, Pinheiral, Itatiaia, Resende, Rio Claro (...). Então, vieram sete prefeitos, a deputada Inês, o deputado federal Delei, o Deputado Nelson Gonçalves e vereadores. O Paiva e alguns vereadores novos que chegaram e que não me ocorre o nome. Então, já em janeiro uma reunião de trabalho pra discutir a crise. (...) Então, voltando ao Mercovale, nós reeditamos uma coisa com uma marca efetiva. (...) Inclusive, havia certo encantamento com a capacidade da região em articular setores tão diferenciados (...). Você vai falar: - segurou as demissões? Eu falo: - diminuíram as demissões. - Criou propostas novas? Sim. O próprio governo municipal teve que fazer algumas ações para poder minimizar (...). Impostos serem adiados (...). O SEBRAE entrou com muita força, inclusive, dizendo o seguinte: - nós nunca conseguimos reunir prefeitos, discutir questões de investimento, possibilidades (...). O setor de serviços, por exemplo, acabou segurando um pouco a onda. Então, é uma questão de construção de novos paradigmas. Semana passada mesmo, a Câmara de Volta Redonda, depois de sete encontros, ficou provocada a fazer uma audiência pública sobre desemprego, sobre crise, criou uma comissão (...). Então, o paradigma novo é uma relação de firmeza, de diálogo, de fraternidade, não de subserviência. É romper com isso, com a tutela. Então, é um momento novo provocado pela crise e que possibilita essa reconstrução, construção, desconstrução (...). E até para o próprio movimento. Na década de 1980, fazer um negócio desse era coisa de pelego! – José Maria da Silva.
Militantes do movimento popular, deputados, prefeitos, vereadores, representantes da OAB
etc., discutiram os termos de um “pacto de não às demissões por dois meses”, propuseram o
agendamento de um encontro com o governador Sérgio Cabral Filho e o fortalecimento das
mobilizações populares acerca da proposta “Demissões Zero”. No mesmo mês, o “II Encontro de
lideranças da região sul fluminense” reuniu os prefeitos de Barra Mansa, José Renato, o prefeito e
vice-prefeito de Volta Redonda, Neto e Nelsinho Gonçalves223, Antônio Carlos Leite Franco (o Dr.
Toninho) de Pinheiral (PMDB), Luiz Antônio (vice de Piraí), representantes de Resende, da Câmara
de Volta Redonda, deputados federais da região, ACIAP-VR, MetalSul, CDL-VR, Sindicato dos
Metalúrgicos, SEBRAE, Sindicato dos Engenheiros, MEP-VR e Resgate da Paz. As principais
propostas definidas foram: a prorrogação do “não demissões” por mais 60 dias; prorrogação do prazo
do IPTU; adoção de 30% de desconto no IPTU; lei geral da pequena empresa; facilitação das linhas de
crédito; criação do “compra Sul Fluminense” e do “compra Rio”. A mobilização também atraiu a
Volta Redonda o ministro do trabalho, Carlos Lupi (PDT), e enviou uma comitiva à Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro para discutir sobre as demissões com o deputado estadual Jorge Picciani
(PMDB).
223 Neto do ex-prefeito Nelson Gonçalves e filho do deputado estadual Nelson Gonçalves.
220
Sr. Presidente (Jorge Picciani), agradeço a V. Exa. por sua ação junto ao Governador Sérgio Cabral. Hoje à tarde tivemos a oportunidade de conversar no seu gabinete sobre nossa preocupação com as demissões que a Companhia Siderúrgica Nacional está programando para a próxima sexta-feira. O Movimento Demissão Zero, em Volta Redonda, se iniciou na cúria, liderada pelo Bispo Dom João, em dezembro. Desde essa data a Companhia Siderúrgica Nacional não tem negociado com o Sindicato dos Metalúrgicos, com o seu Presidente Renato. Estivemos, em várias oportunidades, junto com o Ministro Lupi, que esteve em Volta Redonda; estivemos em Brasília com o Ministro Dulci; já estivemos aqui, na Assembléia Legislativa, em um fórum discutindo essa questão do desemprego. Se essas demissões acontecerem na sexta-feira, a nossa região, mais precisamente a Companhia Siderúrgica Nacional, vai totalizar cerca de 2.300 demissões de janeiro até o dia de hoje. O que isso representa para a economia na nossa região é um efeito dominó, em relação a outras demissões que acontecerão no comércio não só de Volta Redonda como também de Barra Mansa, de Barra do Piraí e, enfim, de toda a região. Agradeço a V. Exa., que desde o primeiro momento esteve ao lado desse movimento. Contamos cada vez mais com o Presidente Jorge Picciani e com o Governador Sérgio Cabral para interferir junto ao presidente da Companhia Siderúrgica Nacional. Já tivemos o apoio do Ministro Carlos Lupi, como falei, e também do Ministro Dulci, mas até o momento ninguém consegue sensibilizar o presidente da Companhia Siderúrgica Nacional para negociar com o Sindicato dos Metalúrgicos e evitar essas demissões em Volta Redonda. – Nelson dos Santos Gonçalves – Deputado Estadual, 19 de março de 2009224.
Embora pouco abrangente e sem grande repercussão midiática, o fórum em muito lembrou a
série de eventos realizados em 1998, a chamada maratona em defesa do emprego, a qual incluiu
manifestações de rua, passeatas, paralisações dentro das empresas e nas escolas para discutir a questão
do desemprego (Rodrigues, 1999). A maratona realizada em 13 de novembro de 1998 incluiu dois
painéis, o primeiro denominado “Alternativas em defesa do emprego no ABC” e o segundo
“Alternativas em defesa do emprego no Brasil”. Eles contaram com prefeitos da região, governadores
do Rio Grande do Sul (Olívio Dutra – PT), do Rio de Janeiro (Anthony Garotinho – PDT), o
governador reeleito de São Paulo (Mário Covas – PSDB), do então presidente de honra do PT, Luís
Inácio Lula da Silva, do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luís Marinho, além do
presidente da ANFAVEA, José Carlos Pinheiro Neto, e do presidente nacional da CUT, Vicente Paulo
da Silva (Vicentinho) (Rodrigues, 1999, p.74). A mobilização ocorrida em um momento de crise
econômica vivida pelo Brasil foi saudada pelo autor como mais uma evidência da “capacidade do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC de criar fatos novos diante do quadro mais geral de semiparalisia
vivido pelo movimento sindical” (Idem). Por ocasião dos “vinte anos de irrupção na cena pública do
novo sindicalismo” (Idem), o sindicato do ABC, buscando alternativas para a ação sindical da região,
224 Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro – Ano XXXV – número 049 – Parte II – 19 de março de 2009.
221
funcionava como uma espécie de “laboratório e, às vezes, como paradigma para a relação
capital/trabalho no Brasil” (Idem).
Em fevereiro, deu-se continuidade ao fórum informal no interior da Cúria Diocesana. Com a
presença da representante regional do SEBRAE-RJ, Ana Lúcia Oliveira, do presidente da ACIAP-VR,
Carlos Alberto dos Santos, e de representantes da ACIAP-BM, os prefeitos de Volta Redonda, Piraí,
Porto Real, Quatis, Barra do Piraí, Resende, Itatiaia e Rio Claro assinaram uma nova carta
compromisso, um esforço final para amenizar a crise nos municípios e solicitar benefícios para
empresas locais a fim de conter as demissões e manter os postos de trabalho na região (A Voz da
Cidade – 04/02/2009). Em seguida, outros sete encontros foram realizados para discutir medidas que
amenizassem o impacto da crise econômica na região; a abertura de linhas de créditos às prefeituras
para habitação e compra de equipamentos; a aceleração das obras do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), incluindo a interminável rodovia do Contorno; um encontro dos prefeitos com
representantes da Peugeot-Citroën e da fábrica de ônibus e caminhões da Volkswagen para a
apresentação de propostas de compra ou aluguel de veículos a preços mais acessíveis para as
prefeituras; o encontro de uma comitiva com o vice-governador Luiz Fernando Pezão em busca de
apoio para o movimento das prefeituras contra o desemprego; e o pedido de elaboração de uma lei de
incentivos fiscais unificada para as empresas acompanhada da redução de impostos, como o ISS e o
ICMS, com o objetivo de incentivar novas empresas a se fixarem no sul do estado. Por fim, no décimo
encontro, as lideranças definiram a realização de ações pró-ativas com maior envolvimento dos três
principais sindicatos de Volta Redonda (engenheiros, trabalhadores da civil e metalúrgicos) para a
formação de mão-de-obra e decidiram encaminhar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um
documento propondo:
a concessão de desconto de 10 a 20% no Imposto sobre Serviços (ISS), desde que pagos em dia, exceto para as atividades de serviços bancários, administração de rodovias, empresas de transporte coletivo e serviços cartorários, por um período de 90 dias para as competências de fevereiro, março e abril deste ano; concessão de 20 a 30% de desconto para o pagamento do Imposto Predial Territorial Urbano 2009 (IPTU) em cota única; adequação do município com a edição da Lei Municipal em conformidade com a Lei Complementar 123/2006, na instituição do tratamento diferenciado, favorecido e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte; adequação do município com a edição de Lei Municipal em conformidade com a Lei Complementar 128/2008, no que tange ao Micro Empreendedor Individual (MEI) e a realização de campanha institucional de incentivo ao consumo no comércio das cidades da região (A Voz da Cidade – 04/02/2009).
222
4.7 – Conclusão
Embora alguns municípios estivessem apresentando um saldo econômico positivo por conta
da chegada das montadoras, o panorama observado no Médio Paraíba Fluminense, durante a década de
1990, não foi dos mais favoráveis em sua totalidade. Centro da economia regional, Volta Redonda
enfrentou enormes dificuldades por conta da redução vertiginosa no número de empregos na
Companhia e os seus efeitos foram rapidamente percebidos nas outras esferas da sua economia,
fazendo da falência uma ameaça real e concreta. Essa possibilidade de esfacelamento acabou se
estendendo a municípios vizinhos, como Pinheiral e Barra Mansa, os quais contavam com moradores
entre os milhares de demitidos da Companhia e empregados em outras atividades em Volta Redonda,
situação mantida até hoje. E assim, a iminente falência de uma cidade acabou significando a falência
de quase toda uma região, situação que justificou a necessidade de incorporação de um discurso mais
afinado com a defesa da esfera regional.
Vimos que embora os secretários de planejamento convergissem na defesa da criação de um
mecanismo de concertação supramunicipal, foram lideranças políticas e representantes da
administração pública de Volta Redonda que capitanearam o Mercovale, projeto nunca implantado na
prática. Nascido após a constituição de um fórum entre os secretários de planejamento, o Mercovale se
dispunha a empreender uma postura mais pró-ativa entre os atores regionais e a trabalhar na captação
de recursos que reduzissem a dependência em relação à CSN ou mesmo que acelerassem a ruptura
com ela. É curioso que, tal como no paradigmático caso do ABC paulista recordado por nós, o Médio
Paraíba esteve mais próximo de instituir sua esfera de articulação regional no momento que cinco dos
seus municípios, três deles economicamente muito relevantes, elegiam prefeitos do PT ou do PSB,
partidos políticos com afinidades ideológicas. Porém, ao contrário da região paulista, os municípios da
região fluminense nunca caminharam rumo a essa integração, havendo apenas um tímido engajamento
da maioria. Em parte, acreditamos nós, devido à inexistência de lideranças e de um histórico de
participação política em grande parte desses municípios, salvo Volta Redonda, já usufruindo de um
legado de organização política, a despeito da sua curta história. Somado a isso, há razões como a
tentativa de capitalização política do projeto por integrantes do governo municipal de Volta Redonda,
segundo mencionaram alguns entrevistados, a inexistência, naquele momento e até hoje, de uma
“identidade regional” forte e o pouco apoio dado por entidades como a FIRJAN. Por fim, também
contribuiu para esse desfecho negativo do encaminhamento do Mercovale o boicote e a campanha de
oposição organizada e empreendida por um movimento popular ainda extremamente radicalizado por
efeito da luta contra a privatização, a despeito da maior inclinação demonstrada pelo Sindicato
223
controlado pela Força Sindical em aderir a esses novos tipos de formulação, posicionamento
identificado através do discurso do sindicalista Carlos Henrique Perrut.
Mas nossa análise também procurou mostrar que, em paralelo ao Mercovale, pela primeira
vez organizaram-se movimentações no sentido de se rediscutir os rumos de Volta Redonda, uma delas
conduzida pela ACIAP-VR. A série de discussões sob o nome de Repensar Volta Redonda trouxe
poucos retornos significativos, residindo no programa da Agenda 21 local sugerido no seio do seu
Comitê de Qualidade de Vida (CQ) a proposta mais bem acabada. Mas ajudou a revelar o descrédito
entre o empresariado em que se converteu a idéia de uma parceria saudável com uma empresa
privatizada, impressão corroborada pelos pronunciamentos emitidos após o desmonte do cinturão de
fornecedores.
Paralelamente, o movimento popular desenhava suas estratégias de ação e de reorganização
diante daquilo que entendia como uma conjuntura de desagregação da comunidade local. Citamos aqui
os exemplos do Grita Volta Redonda, movimento que se dispôs a “competir” com o Repensar, e dos
novos movimentos populares orientados pela Igreja Católica, entre eles o MEP-VR e o Resgate da Paz.
Ao descrever essas duas manifestações, a intenção foi a de tentar reforçar nossa hipótese de que não
houve um completo refluxo do movimento popular, nos últimos anos, e nem o definitivo encerramento
da intervenção da Igreja na vida política da cidade. Ao contrário, ambos os movimentos demonstram a
capacidade de Volta Redonda em sugerir novas possibilidades de ação coletiva, sendo o MEP-VR,
possivelmente, o seu melhor exemplo. Reunindo em sua maioria antigos integrantes de comunidades
eclesiais de base, da ação católica operária e de outros movimentos confeccionados com o suporte da
Igreja e atuantes nos anos 1960, 1970 e 1980, o MEP-VR esteve extremamente radicalizado até o final
da década de 1990, sobretudo no que tange às ações da Câmara de Vereadores. Entretanto,
desenvolveu um diálogo com o poder público através do Ministério Público em âmbito federal e
estadual e da Prefeitura municipal, a despeito de alguns de seus integrantes possuírem um histórico de
embate com a administração pública, tendo participado, inclusive, do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano, um dos vetores do rompimento entre o movimento popular e o governo
Baltazar, em 1996.
Por fim, a recente constituição do Fórum Demissão Zero em resposta às ações da CSN nos
faz enxergar uma pequena redução ou desmobilização desse radicalismo por uma parte do movimento
popular, incluindo o MEP-VR, mais inclinado à idéia de se trabalhar em parceria com empresários e
comerciantes a fim de pensar alternativas para a cidade e a região. Isso nos leva a concluir que, a
despeito do arranjo sociopolítico polarizado predominante em Volta Redonda, a presença e atuação
dessas ações coletivas em momentos de dificuldade sugere existir uma certa capilaridade de
224
movimentos políticos e sociais locais, participando e ajudando a desenhar estratégias integradas e
horizontais frente às situações de crise econômica e moral vividas nos últimos tempos.
225
Considerações Finais
Nossa discussão orientou-se pelo propósito de apresentar alguns dos recentes dilemas
enfrentados por uma cidade industrial há mais de dez anos em crise com o principal símbolo do seu
desenvolvimento, buscando promover uma aproximação com o debate acerca da possibilidade de
recuperação de áreas degradadas por crises econômicas provocadas pelo fechamento, transferência ou
reestruturação de unidades produtivas. Recuperamos aqui a trajetória de Volta Redonda, enfatizando
os anos posteriores à privatização da tradicional Companhia Siderúrgica Nacional e promovendo, com
base em uma série de depoimentos, uma incursão no universo das interpretações construídas por
críticos e defensores desse processo.
Apresentamos também um pouco da nova Companhia nascida no mês de abril de 1993,
descrevemos quatro governos municipais e apontamos para o surgimento de novas ações coletivas,
nestes últimos anos. Reproduzimos interpretações de representantes desses movimentos políticos e
sociais acerca do pós-privatização, salientamos sua incompatibilidade ideológica refletida na
inexistência de ações conjuntas na fase mais complicada da crise, entre os anos de 1997 e 2000, e
sugerimos estar ocorrendo recentemente um novo ensaio de concertação através do Fórum Demissão
Zero, sempre motivado pelo agravamento no relacionamento com a Companhia. Apesar da novidade
apresentada pelo fórum constituído no espaço da Diocese, no ano de 2008, a preocupação no que tange
à sobrevivência de Volta Redonda já havia levado, anos antes, mais precisamente em 2005, à
construção de uma Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo e à retomada de projetos
arquivados, a exemplo da agência de desenvolvimento, reimplantada por iniciativa da ACIAP-VR
após ser esboçada pelo MetalSul. Há décadas ocupando a condição de principal pólo econômico
regional e de cidade com um dos melhores índices de qualidade de vida em todo o estado, Volta
Redonda levou anos para enxergar a necessidade de pensar o seu futuro de forma mais autônoma e
menos subserviente. A criação da secretaria, treze anos depois da privatização, foi reflexo do aumento
da tensão com os executivos da Companhia e ocorreu justamente no momento em que a ameaça de
desligamento se revelou mais presente, pouco depois da mal sucedida fusão com a Corus, união que
integrava a estratégia de internacionalização imaginada por Steinbruch. Tanto a secretaria quanto o
fórum são indicadores de que, embora gradualmente, a idéia de uma regeneração ou revitalização do
território tem sido colocada em prática.
Apesar do crescimento demonstrado por outros setores da sua economia na presente década,
especialmente os serviços ligados à saúde e à educação, Volta Redonda permanece sendo uma cidade
226
de predomínio da atividade industrial e continua a ser altamente dependente da atividade siderúrgica
da CSN, em função sobretudo da enorme contribuição fiscal e do seu peso no valor total do PIB
municipal225. A Companhia, indiscutivelmente, preserva sua proeminência sobre a cidade, fato
testemunhado tanto pelos pouco mais de oito mil e quinhentos empregos que mantém atualmente em
conjunto com suas terceirizadas quanto pela capacidade de impedir ou dificultar ações decididas a
limitar esse predomínio, como ficou demonstrado pela demora na aprovação de um novo plano diretor
ensaiada desde o início do governo Baltazar. Contudo, não pretendemos com este trabalho questionar a
manutenção desse domínio, apenas assinalar que as mudanças implantadas a partir da reestruturação
iniciada no final dos anos 1980 e acentuadas com a visão de negócios imposta pelo grupo
administrador que adquiriu a parcela majoritária das suas ações após a privatização têm, desde então,
motivado agentes públicos e privados a se envolver com a rediscussão do próprio sentido da relação.
Medidas como os cortes de empregos na usina; o desmonte do cinturão de fornecedores; a venda de
subsidiárias como a Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM), bem como de todo um patrimônio,
incluindo escolas e hospitais, que fizeram parte de sua reconhecida política de bem-estar social; o
cerceamento do acesso da população a certas áreas de lazer; a disputa por terras e impostos com a
Prefeitura durante a gestão de Antonio Francisco Neto; e o fechamento do Escritório Central a partir
da transferência de funcionários da área comercial para São Paulo expuseram a tensão entre cidade e
Companhia.
E nos chama a atenção o fato de que as demissões e os outros efeitos perniciosos da
privatização, a exemplo da elevação nos índices de suicídio e criminalidade, ao passo que fizeram
Volta Redonda mergulhar em uma profunda crise moral, justificaram a construção de um debate a
favor da recuperação do valor de sua auto-estima e do estabelecimento de coalizões imbuídas da tarefa
de repensar sua própria matriz econômica.
Como a discussão sobre a privatização colocou em lados opostos sindicalistas, movimento
popular, empresários, comerciantes e até a mídia local, cujos sentimentos variavam do otimismo sobre
um possível crescimento alavancado pela reversão da tendência de sucateamento ou fechamento da
empresa (como defendiam setores dos governos Sarney e Collor de Mello) ao temor pelo agravamento
das demissões já em curso, tornava-se inviável, ao menos no início dos anos 1990, a construção de
canais de aproximação a não ser aqueles inclinados a impedir ou a apoiar a privatização. Ainda assim,
pudemos perceber, com base em notícias e depoimentos recolhidos, que vários desses personagens
envolvidos no debate sobre o destino da Companhia revisaram, ao menos em termos, suas opiniões.
225 Conforme a tabela 3, em anexo, mais de 70% do seu PIB ainda é proveniente da atividade industrial.
227
Assim, militantes inseridos em canais de resistência ou mesmo sindicalistas como Vagner Barcelos e
Renato Soares, ex e atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, passaram a reconhecer a
inevitabilidade do processo, preservando apenas o ponto de vista a favor da exclusão de ativos não
operacionais do edital de privatização, argumento bastante frisado por outros personagens que
entrevistamos. Dessa forma, entendemos que, quando levantada, a discussão tem deixado de
considerar a questão da necessidade para incidir sobre a forma segundo a qual procedeu a
desestatização da CSN. Inclusive, como recuperamos ao longo do segundo capítulo, o próprio médico
Paulo Baltazar – eleito com um discurso afinado com os interesses do movimento popular
radicalizado, além de articular o Programa Ambiental Compensatório (PAC) e defender a proposta de
estadualização da Companhia sugerida pelo governo Brizola –, meses depois do leilão, já reconhecia o
estado falimentar da empresa e criticava publicamente a postura do bispo emérito Dom Waldyr
Calheiros, com quem rompeu em definitivo durante o seu conturbado governo. Curiosamente, Baltazar
passou a recorrer à mesma interpretação dos empresários da cidade, esperando por um aquecimento
imediato da economia regional guiada por uma empresa com operações menos orientadas por
interesses políticos, com corte de gastos e de funcionários desnecessários seguidos de um maior
compromisso e atenção com as empresas do Médio Paraíba Fluminense. Não obstante, essa
expectativa diluiu-se com as demissões, o abandono dos fornecedores locais por parte da Companhia e
o impacto no comércio da região, obrigando os mesmos empresários a se articularem em torno de uma
nova linha de ação, preferencialmente em aliança com o poder público.
Por outro lado, mesmo sendo inegável que as variações no comando da Companhia e as
estratégias de expansão adotadas pela mesma no curso das cinco últimas décadas impactaram mais que
qualquer outro fator no conjunto da vida da cidade, vimos que há uma série de fenômenos cuja
convergência conferiu originalidade à sua história, razão pela qual Volta Redonda foi por tantas vezes
tema de estudos acadêmicos. A essa enorme variedade de assuntos possíveis de serem investigados
fizemos algumas referências, sobretudo no primeiro capítulo, bastando recordar a questão da efetiva
inserção da Igreja Católica no cotidiano de demandas da população mais fragilizada, fato que ajudou a
construir um sentimento de comunidade a partir das áreas mais periféricas e abandonadas pelo
planejamento de uma empresa estatal. Como já havia sido exposto por análises precedentes, na ação
pastoral da Igreja executada ao longo dos anos 1970 e 1980 está a origem de um movimento sindical e
popular tão impactante e presente na vida política local. Próximos de encerrar nossa exposição, talvez
seja útil reforçar nosso posicionamento segundo o qual o movimento popular, apesar do fracasso na
sua luta contra a privatização, consolidou com a vitória de Baltazar uma influência política em plena
ascensão desde a eleição de Marino Clinger, em 1985. E, mesmo após a derrocada da linha mais
228
combativa da ação sindical, esse movimento conseguiu se repaginar, passando, na segunda metade da
década de 1990, a interceder em questões até então menos destacadas, como a moralização na política,
a violência urbana, e a crise moral e econômica do município, as três últimas especificamente
associadas à questão siderúrgica. Como a literatura em grande parte tendeu a tratá-lo sempre à margem
das ações do Sindicato, seria natural que ele igualmente estivesse fadado à falência. Mas, embora não
tenha apresentado o mesmo dinamismo de tempos anteriores, esse movimento, bem como a Igreja
Católica, continuou a se articular na cidade, conseguindo reinventar suas reivindicações. Por sua vez, a
Igreja, igualmente vista com olhares muito pessimistas após a aposentadoria de Dom Waldyr
Calheiros, continuou a intervir politicamente, apesar do tom mais conservador que adotou após a
chegada do italiano João Maria Messi.
Em geral, com base nessas e em outras observações, poderíamos pontuar algumas
importantes conclusões para este trabalho. Para começar, identificamos o fenômeno da constituição de
uma nova periferia, englobando não apenas a extensa região da chamada “periferia leste” composta
por bairros densamente povoados por operários, como o Retiro, de onde saíram os irmãos Barcelos.
Essa nova periferia inclui bairros limítrofes com Barra do Piraí e mesmo áreas de municípios
dormitórios, como Pinheiral, compostos por demitidos da Companhia na década de 1990, que não
conseguiram reconstruir suas vidas a partir das indenizações recebidas. Percebemos haver uma
carência de estudos sociológicos dispostos a dimensionar o grau de desestruturação da vida desses
trabalhadores ao longo dos últimos anos e que estejam inseridos na perspectiva de uma espécie de
sociologia do desemprego desdobrada da consolidada sociologia brasileira do trabalho (Guimarães,
2003).
A degradação das condições de vida de operários empregados e demitidos acompanha dois
outros aspectos que poderiam ser discutidos de maneira mais detalhada, a começar pelo grau de
influência da mudança de perfil econômico na identidade originalmente operária e industrial da cidade.
Importa saber se o crescimento das atividades de serviços, especialmente educação, saúde e os muitos
empregos gerados na esfera da administração pública, estaria ou não provocando a redefinição da
identidade de Volta Redonda e minimizando a influência de uma cultura operária ainda muito
presente.
Outro aspecto percebido é que o município testemunha uma acelerada saída de mão-de-obra
qualificada, especialmente técnicos formados na Escola Técnica Pandiá Calógeras e engenheiros,
todos eles trocando condições de trabalho precárias e baixas remunerações oferecidas pela usina
Presidente Vargas por ocupações em novos empreendimentos siderúrgicos fora e dentro do estado,
como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), no bairro de Santa Cruz, na capital fluminense, e
229
a usina construída pelo Grupo Votorantim, já em funcionamento em Resende. Como esse fluxo
migratório de trabalhadores qualificados é ainda muito recente, os seus impactos sobre a economia da
cidade ainda precisarão ser melhor dimensionados, até porque esses trabalhadores não abandonam a
localidade em definitivo, nela residindo com suas famílias e preservando os mesmos círculos de
sociabilidade dos tempos em que trabalhavam na Companhia.
Aliado ao aspecto da sociabilidade, há a crescente influência da categoria dos aposentados,
manifestada através da Associação de Aposentados e Pensionistas, entidade que, nos últimos anos,
acumulou grande poder econômico oferecendo assistência médica e atividades de lazer a seus filiados.
Sob o nosso ponto de vista, a associação revela-se um interessante objeto de estudo e ainda é incerto se
possui um projeto de poder político. A associação está plenamente ambientada à cidade e enraizada
nas mais variadas esferas e instâncias locais, inclusive em movimentos como o MEP-VR, cuja
trajetória de José Maria da Silva, sua principal liderança, remete à força do movimento popular da
década de 1980. Por sinal, a trajetória de Zezinho é, indiscutivelmente, interessante por perpassar
praticamente cinco décadas da história de Volta Redonda, indo desde sua chegada de Minas Gerais,
passando pela entrada na Companhia, o envolvimento com a Igreja, a atuação no movimento popular,
a luta contra a privatização, além da demissão e aposentadoria da CSN, o envolvimento com o Partido
dos Trabalhadores e a criação do MEP-VR.
Já o Sindicato dos Metalúrgicos parece continuar lentamente seu esforço de recriação após o
período de mais de dez anos de inatividade ocasionada por disputas internas pelo poder. A Força
Sindical – vitoriosa no pleito de 1992, quando o grupo de Luizinho impôs uma esmagadora derrota à
ala cutista liderada por Vagner Barcelos – viu a CUT se aproximar do seu discurso em prol da parceria
e de uma postura mais pragmática, e após praticamente restringir sua ação sindical à discussões
relacionadas a temas como a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) da empresa, teve seu poder
esfacelado, em 2005, por uma nova mudança de lado, dessa vez do seu próprio presidente, Carlos
Henrique Perrut, o qual ingressou na CUT. De qualquer forma, vale ratificar as observações de autores
como Ramalho & Santana (2006), que vêm alertando para o crescente adensamento da categoria em
escopo regional. Seu enraizamento em outras unidades industriais da região já vem sendo discutido e a
questão a ser investigada é saber se isso também está repercutindo na sua transformação em agente
político potencialmente capaz de interferir na construção de um projeto de caráter regional.
O debate acerca da integração regional, evidenciado pela experiência do Fórum Demissão
Zero enquanto espaço heterogêneo e democrático de discussão e pela criação da Agência de
Desenvolvimento do Médio Paraíba (ADEMP), sinaliza para a força do tecido associativo de Volta
Redonda, único município da região capaz de capitanear projetos dessa envergadura e de onde
230
partiram os maiores incentivos para o êxito de projetos passados, como o Mercovale. É impossível
prever se essas recentes movimentações, em especial o Demissão Zero, por contarem com a
colaboração entre governos municipais, empresários e lideranças comunitárias se converterão em
canais de discussão permanentes, mas nos parece suficientemente claro que por este caminho de
aproximação passará a revitalização de Volta Redonda e até da própria região do Médio Paraíba
Fluminense, nos próximos anos.
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Folha de São Paulo (1993) Gazeta Mercantil (1995)
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Jornal do Brasil (Edições de 1974 a 2001) Jornal da Cidade
Jornal do Vale (1993 e 1997) Opção (1989 e 1993)
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Arquivo do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM)
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Arquivo do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda
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Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Volta Redonda – www.aciapvr.com.br
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Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – www.bndes.gov.br
Brasil Econômico - www.brasileconomico.com.br
Câmara Municipal de Volta Redonda – www.cmvr.com.br
Comitê para a Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP) –
www.Ceivap.org.br
Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) –
www.codin.rj.gov.br
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Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) –
www.codin.rj.gov.br
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(CODIVAP) – www.codivap.org.br
CBS Previdência – www.cbsprev.com.br
Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) – www.thyssenkrupp-csa.com.br
Diário do Vale – www.diariodovale.uol.com.br
Eleições - Universio Online - www.placar.eleicoes.uol.com.br
Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda – www.eeimvr.uff.br
Fundação CIDE - Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (Atual Fundação Centro
Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro –
CEPERJ – www.ceperj.rj.gov.br)
Fundação Getúlio Vargas – Centro de Pesquisa e Documentação – www.cpdoc.fgv.br
Grupo Gerdau – www.gerdau.com.br
Jornal Aqui – www.jornalaqui.com.br
Jornal A Voz da Cidade – www.avozdacidade.com
Jornal Foco Regional José Botelho de Athayde – www.jbdeathayde.com.br
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) – www.ibam.org.br
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) – www.ippuc.org.br
MetalSul – www.metalsul.org.br
My Tale of Two Cities – www.mytaleoftwocities.com
Ministério da Integração Nacional – www.integracao.gov.br
Portal Exame – www.portalexame.abril.com.br
Prefeitura Municipal de Volta Redonda- www.voltaredonda.rj.gov.br
Revista Época – www.revistaepoca.globo.com
Sindicato dos Metalúrgicos da Região Sul Fluminense – www.sindmetalsf.org.br
Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda (SENGE-VR) – www.senge-vr.org.br
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Montagem Industrial e
Construção Pesada de Volta Redonda e Região – www.sindicatocivilvr.com.br
Sistema FIRJAN – www.firjan.org.br
Saint-Gobain Canalização – www.saint-gobain-canalização.com.br Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – www.tse.gov.br
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United States Steel Corporation – www.uss.com
Wikipedia – www.pt.wikipedia.org
Entrevistas:
Antonio Francisco Neto – Comerciante, deputado estadual pelo Partido Liberal (PL) (1986-
1994), ex-presidente da Associação Atlética Comercial e do Volta Redonda Futebol Clube e
ex-presidente do Departamento Estadual de Trânsito do Rio de Janeiro (DETRAN-RJ), no
primeiro governo de Sérgio Cabral Filho (2007-2010). Atualmente, está no seu terceiro
mandato como prefeito de Volta Redonda (1997-2004; 2009-). – 25/08/08.
Cláudia Virgínia de Souza Cabral – Arquiteta com mestrado em Planejamento Urbano
(IPPUR/UFRJ), ex-funcionária da Secretaria de Planejamento de Volta Redonda e do Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU). Atuou na elaboração do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano (CMDU), nos anos 1990, e atualmente trabalha na Prefeitura
municipal de Santo André (SP). – 23/08/08 (Por e-mail)
Darker Valério Pamplona – Engenheiro Mecânico, ex-gerente geral da CSN e integrante da
chapa 2 (Participação), vencedora da eleição sindical do SENGE-VR, em 1992. Atualmente, é
diretor de Imprensa do Sindicato e está aposentado da Companhia. – 23/05/09
Dom João Maria Messi – Padre italiano integrante da Ordem dos Servos de Maria. Desde 1953
no Brasil, Messi já atuou nos estados do Acre, Bahia, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina,
São Paulo e Sergipe. Desde 2000, é bispo da Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí. –
30/05/09
Edyr Alves de Souza – Operário aposentado envolvido desde os anos 1970 com o movimento
popular da cidade, tendo integrado a Juventude Operária Católica (JOC) e a Ação Católica
Operária (ACO). É conselheiro do MEP-VR desde a fundação do movimento, em 1997. –
Entrevista concedida a Marco Aurélio Santana, Fernando Pozzobon, Lurian Endo e Aroldo
Bezerra. – 15/04/2005.
Emmanuel Paiva de Andrade – Engenheiro, ex-funcionário da CSN e ex-diretor do SENGE-
VR. Ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ao Partido dos Trabalhadores,
Andrade foi secretário de planejamento no governo Baltazar (1993-1996) e participou da
247
construção do CMDU e do Orçamento Participativo de Volta Redonda. Doutor em Engenharia
de Produção (UFRJ), é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e foi vice-reitor
até 2010. – 21/05/08
Glória Amorim – Militante do Movimento de Mulheres, participou das Comunidades Eclesiais
de Base e foi filiada ao Partido dos Trabalhadores. Foi ainda vice-prefeita de Volta Redonda
entre 1993 e 1996, durante o governo da “Frente Popular” de Paulo Baltazar (PSB). – 20/04/07
João Streva – Ex-funcionário da Secretaria de Obras de Volta Redonda e presidente do
FURBAN desde 1993. – 15/05/08
João Thomaz da Costa – Engenheiro e ex-funcionário da CSN. Presidente do Sindicato dos
Engenheiros de Volta Redonda (SENGE-VR). Foi vereador de Volta Redonda pelo PPS entre
2001 e 2004. – 19/11/09
José Maria da Silva – Técnico em química, operário aposentado da Companhia Siderúrgica
Nacional e membro da Comissão de Prevenção de Acidentes (CIPA) da empresa, nos anos
1980. Formado politicamente na Igreja de Santo Antônio, José Maria integrou o extinto Comitê
Municipal pela Constituinte, foi duas vezes candidato a vereador pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) e desde 1997 coordena o Movimento Ética na Política de Volta Redonda
(MEP-VR). É também assessor para assuntos especiais da Cúria Diocesana. – 21/02/08 e
15/10/09
José Tadeu Dacol – Advogado, empresário e membro da Associação Comercial, Industrial e
Agropastoril de Volta Redonda (ACIAP-VR), tendo atuado ativamente no Movimento Vamos
Repensar Volta Redonda. – 05/05/08
Juarez Carvalho Sampaio – Pároco da cidade de Volta Redonda, ex-operário da Fábrica de
Estruturas Metálicas (FEM) e coordenador do Movimento Resgate da Paz. – 25/03/07
Letícia Baptista – Arquiteta com mestrado na Faculdade de Arquitetura da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e diretora da Agenda 21 Local de Volta Redonda. – 29/04/08
Lincoln Botelho da Cunha – Arquiteto, ex-presidente do IPPU e secretário de Planejamento da
Prefeitura Municipal de Volta Redonda. Integrou os governos municipais de Paulo César
Baltazar e Antonio Francisco Netto. Teve importante atuação na estruturação do IPPU, do
CMDU e do Mercovale. – 25/04/08
248
Luiz de Oliveira Rodrigues (Luizinho) – Ex-operário ligado ao Movimento pela Emancipação
do Proletariado (MEP), integrante da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos nos anos 1980.
Fundador do grupo dissidente chamado de Formigueiro, Luizinho foi presidente do Sindicato
dos Metalúrgicos entre 1992 e 1995 e vice-presidente da Federação Nacional dos Metalúrgicos.
Está afastado da ação sindical. – 15/04/09
Maria Aparecida Diogo Braga – Médica formada pelo Centro Universitário de Volta Redonda
(FOA), ligada à associação de moradores do bairro Eucaliptal e a sindicatos da cidade. Ex-
secretária de saúde da Prefeitura Municipal (1993-1996), Cida Diogo foi ainda deputada
estadual (1999-2007), deputada federal (2007-2010) e duas vezes candidata à prefeita de Volta
Redonda (2004 e 2008), sempre pelo Partido dos Trabalhadores; - 15/08/08
Maria Aparecida Paraíso – Ex-presidente do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação
(SEPE) - sede de Volta Redonda, integrante do diretório do Partidos dos Trabalhadores (PT) e
assessora do prefeito Antonio Francisco Neto. – 07/05/08.
Maria Cupertino – Principal liderança do Movimento dos Posseiros Urbanos, durante a década
de 1980, e vinculada às Comunidades Eclesiais de Base. Atuou na aprovação da Lei dos
Posseiros Urbanos e na construção do FURBAN. – 15/03/08
Maria Sílvia Bastos Marques – Economista e ex-presidente do Centro Corporativo da CSN
(1996-2002) – MARQUES, Maria Silvia Bastos. Maria Silvia Bastos Marques I (depoimento,
1999). Rio de Janeiro, CPDOC/FUNDAÇÃO CSN, 2008. 88 p. dat.
Mauro Campos Pereira Filho – Empresário e ex-presidente da ACIAP-VR. – 15/07/08
Normando Cayovette – Padre operário canadense chegado ao Brasil em 1964. Com forte
inserção nas CEBs e nos Movimentos Populares de Volta Redonda, trabalhou na articulação do
Comitê pela Constituinte Municipal, durante a segunda metade da década de 1980. – 10/03/08
Paulo César Baltazar da Nóbrega – Médico, ex-vereador (1989-1992), ex-prefeito (1993-1997)
e ex-deputado federal (1999-2006) pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Foi derrotado por
Gotardo Lopes Neto, nas eleições municipais de 2004. – 12/08/08 e dezembro de 2000 (Por
Joaquim Sucena Lannes)
249
Renato Soares Ramos – Eletricista, operário da CSN, ex-integrante da Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes (CIPA) e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos desde setembro de
2006. – 18/09/09
Ronaldo Alves – Arquiteto formado pela Universidade de Brasília, fundador e ex-presidente do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU). Atual diretor do Sindicato MetalSul. –
15/05/08
Sebastião Faria de Souza – Presidente da CSN durante a privatização e presidente do IPPU no
primeiro governo Neto (1997-2000). – Março de 2001 (Por Joaquim Sucena Lannes)
Ubirajara de Oliveira Vaz – Presidente da Associação de Aposentados e Pensionistas de Volta
Redonda (AAP-VR). – 30/08/08
Vagner Barcelos de Souza – Ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Demitido da
Companhia, no início da década de 1990, mudou-se de Volta Redonda e retornou no início da
década, quando passou a trabalhar como assessor do Deputado Federal Deley de Oliveira
(PSC). Atualmente, é presidente da Fundação Resende Esportes (FUNRESP). – 10/04/08
Vanderlei Barcelos de Souza – Advogado, operário, ex-sindicalista e ex-vereador na Câmara
Municipal de Volta Redonda (1989-1990) e candidato a deputado federal pelo Partido dos
Trabalhadores, em 1990. – 25/08/09
Zeomar Tessaro – Fundador da associação de moradores do bairro Siderlândia e do Conselho
das Associações de Moradores (CONAM), presidente do Sindicato dos Trabalhadores da
Construção Civil de Volta Redonda, ex-presidente do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano (CMDU) e ex-vereador (2001-2004) pelo Partido dos Trabalhadores.
– 16/05/08
250
ANEXOS
Documento1 – Lançamento do Repensar Volta Redonda
251
Documento 2 – Regimento do movimento
252
Figura 5 – Independência – Artigo do empresário José Tadeu Dacol
Diário do Vale, 03 de março de 1997.
253
Figura 6 – Conjunto de sugestões encaminhadas pelo prefeito Neto a Benjamin Steinbruch
Prefeitura Municipal de Volta Redonda, 21 de agosto de 1997.
254
Figura 7 – Encontro de lideranças (1997)
Diário do Vale, 19 de agosto de 1997.
255
Documento 3 – MEP-VR – Comentário sintético do Relatório Mercovale (1998)
256
Quadro 2 – Movimento Resgate da Paz – Estatística de Mortes Violentas em Volta Redonda (1999-2009)
257
Tabela 3 - PIB municipal de Volta Redonda, em milhares de Reais, por grandes setores
produtivos, 1996-2004
Fonte: Fundação CEPERJ – Banco de Dados Municipais
Figura 8 – Passeata do Movimento “Demissão Zero”
Passeata do movimento “Demissão Zero: o trabalhador não vai pagar pela crise” conduzida pela bispo Dom João Maria Messi – (Fonte: Foco Regional – Edição 400 – Ano VIII – 29 de dezembro de 2008 a 11 de janeiro de 2009 – capa)
258
Figura 9 – Encontro de lideranças na Cúria Diocesana 1 (2009)
Encontro na Cúria Diocesana: o prefeito de Barra Mansa, José Renato, discursa observado por Antonio Francisco Neto (Fonte: Foco Regional – Edição número 401 – Ano VIII – 12 a 18 de janeiro de 2009 – p.11).
259
Figura 10 – Encontro de lideranças na Cúria Diocesana 2 (2009)
Discurso de Renato Soares, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, na mesma reunião do Demissão Zero (2009)
260
Figura 11 – Protesto de metalúrgicos da CSN
Dom Waldyr Calheiros discursa ao lado de Renato Soares, em frente a entrada da Usina Presidente Vargas (Sem data)