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Teologia é um vocábulo que encontra sua origem na junção de duas palavras gregas: “Theos”, que significa Deus,e “logos”, que significa discurso ou razão. Logo, a teologia é o estudo de Deus e de sua relação com o universo. Ela é também o estudo das doutrinas religiosas e das questões de divindade. Toda dissertação ou raciocínio sobre Deus, constitui uma teologia. O estudo de Deus é da máxima importância. Como disse o reformador João Calvino: “Quase toda sabedoria que possuímos, ou seja, a sabedoria verdadeira e sadia, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós mesmos”. O homem é irremediavelmente um animal religioso. Desde a antiguidade, Deus tem sido a principal preocupação do escrutínio humano. Sócrates, Platão, Aristóteles e todos os pensadores gregos importantes formularam teorias teológicas especulativas sobre Deus. A existência de Deus para esses homens era algo totalmente racional e necessário. Diferentemente da teodicéia Socrática, Platônica ou Aristotélica, o cristianismo apresenta-se como religião revelada. Há pouca necessidade de especulações e elucubrações metafísicas, pois ele já parte do pressuposto de que Deus se revelou em sua Palavra, e na plenitude dos tempos nos falou por meio do seu filho Jesus, que andou entre nós pregando e fazendo milagres, sendo crucificado no tempo em que Pôncio Pilatos era governador da Judéia. Os apóstolos, encarregados por ele de pregar a sua mensagem ao mundo, escreveram sua biografia e eventos relacionados ao

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Page 1: Teologos barth, paul tilich, etc

Teologia é um vocábulo que encontra sua origem na junção de duas palavras

gregas: “Theos”, que significa Deus,e “logos”, que significa discurso ou razão.

Logo, a teologia é o estudo de Deus e de sua relação com o universo. Ela é

também o estudo das doutrinas religiosas e das questões de divindade. Toda

dissertação ou raciocínio sobre Deus, constitui uma teologia.

O estudo de Deus é da máxima importância. Como disse o reformador João

Calvino: “Quase toda sabedoria que possuímos, ou seja, a sabedoria

verdadeira e sadia, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós

mesmos”.

O homem é irremediavelmente um animal religioso. Desde a antiguidade, Deus

tem sido a principal preocupação do escrutínio humano. Sócrates, Platão,

Aristóteles e todos os pensadores gregos importantes formularam teorias

teológicas especulativas sobre Deus. A existência de Deus para esses homens

era algo totalmente racional e necessário.

Diferentemente da teodicéia Socrática, Platônica ou Aristotélica, o cristianismo

apresenta-se como religião revelada. Há pouca necessidade de especulações

e elucubrações metafísicas, pois ele já parte do pressuposto de que Deus se

revelou em sua Palavra, e na plenitude dos tempos nos falou por meio do seu

filho Jesus, que andou entre nós pregando e fazendo milagres, sendo

crucificado no tempo em que Pôncio Pilatos era governador da Judéia. Os

apóstolos, encarregados por ele de pregar a sua mensagem ao mundo,

escreveram sua biografia e eventos relacionados ao cristianismo. Esses

registros documentais começaram a surgir após um breve hiato, não maior que

trinta anos. É interessante notar que quando os primeiros relatos começaram a

circular, muitas das testemunhas oculares dos fatos por eles narrados ainda

estavam vivas. Ora, caso a narrativa apresentada por eles fosse considerada

fantasiosa ou mítica, não faltariam pessoas para desmascará-los. No entanto,

nos dias apostólicos não houve alguém que pudesse por em dúvida a

historicidade de Jesus. Nem mesmo o Talmude, em todo o seu zelo judaico,

nega que Jesus de Nazaré tenha feito milagres.

Ainda segundo a narrativa bíblica, esse Jesus nasceu de uma virgem,

exatamente como vaticinara o profeta Isaías cerca de setecentos anos antes

do seu nascimento. Ele era da descendência de Davi, e ressuscitou ao terceiro

dia, havendo aparecido aos seus apóstolos e a uma multidão de mais de

Page 2: Teologos barth, paul tilich, etc

quinhentas pessoas (1Coríntios 15.6). Sua morte não foi um evento fortuito,

contingente – ela foi providencial. Através do seu sacrifício, todos nós podemos

chegar perto de Deus e, confessando as nossas iniqüidades, receber o seu

imerecido perdão.

Os dois últimos parágrafos são um resumo do cristianismo bíblico e ortodoxo.

Por ortodoxo, entende-se o bojo essencial do cristianismo histórico. Essa visão

ortodoxa das Escrituras foi preservada ao longo dos anos, embora em alguns

períodos da história não faltassem grupos para elaborar uma teologia diferente,

apresentando novos e estranhos pressupostos sob os quais a Bíblia deveria

ser interpretada.

As primeiras controvérsias surgiram quando o cristianismo ainda era uma

religião recente: Primeiro os judaizantes, depois os docetistas, no século

segundo foram os gnósticos, no século terceiro, Ário, e nos séculos seguintes

também não faltaram homens controversos cujo exacerbado intento era

comprometer a ortodoxia. O auge da controvérsia ocorreu na idade média e no

início da era moderna quando o romanismo, em seu afã de arrecadar fundos

para a construção da basílica de São Pedro, espoliou o povo europeu sob

promessa de livrar as pobres almas do purgatório, e isso sem falar na

comercialização de ícones, tais como espinhos da coroa de Cristo, pedaços da

cruz na qual ele morreu, crânios (isso mesmo, plural – crânios) de João Batista,

e tantas outras invencionices humanas que o “infalível” Papa e a “Santa” Igreja

Católica homologavam sem nenhuma inibição. Tal era o abandono da Bíblia.

Caso a situação continuasse assim, seria realmente o fim da ortodoxia. Porém,

nesse mesmo tempo houveram homens impulsionados pelo zelo ardoroso da

verdade, que assumiram a tarefa de lutar pela manutenção da ortodoxia. Foi

então que surgiram nomes como Martinho Lutero, João Calvino, Felipe

Melanchton e Zuínglio, que não temendo a fúria de Roma, expuseram os

abusos do clero católico e iniciaram o movimento que hoje conhecemos como

a Reforma. Sua alcunha era Sola Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura e Soli Deo

Gloria. Desde então o movimento protestante, oriundo da Reforma religiosa,

tem sido o principal preservador da ortodoxia.

Desde a época da Reforma, o mundo passou por uma série de transformações,

e porque não dizer, pelas maiores transformações de toda a nossa história.

Das caravela ao ônibus espacial, da bússula ao GPS, o mundo sentiu o

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impacto da tecnologia e essa mudança teve grande influência no pensamento

ocidental. O Renascimento no século dezesseis, o Racionalismo do século

dezoito, o Romantismo do século dezenove e todas as mudanças pela qual o

mundo passou tiveram seu impacto sobre a teologia. O Renascimento trouxe

de volta a ortodoxia, o Racionalismo, por sua vez, introduziu a crítica, a teologia

liberal e o deísmo, e o Romantismo foi o portão de acesso para o

existencialismo cristão, ou neo-ortodoxia.

Todo pensador está de certo modo envolvido com as idéias do seu tempo.

Esse é um axioma antigo, porém válido. O contexto sócio-cultural, os conceitos

filosóficos, o progresso tecnológico, a economia e os conflitos mundiais

interferem indubitavelmente na maneira de pensar, e desde a Reforma até os

nossos dias, não faltaram mudanças. Isso ocorreu de tal maneira e em tão

grande quantidade que, se fossemos enumerá-las uma a uma, milhares de

páginas seriam escritas, e isso não é nenhuma hipérbole.

Embora não seja possível listar de forma exaustiva os pensadores que

exerceram influência no cenário teológico contemporâneo, faz-se necessário

mencionar ao menos três deles: Immanuel Kant, Charles Darwin e Karl Marx.

O pensamento de Immanuel Kant é, sem dúvida, o grande divisor de águas da

filosofia moderna, de modo que seu nome representa para a filosofia o mesmo

que Copérnico representa para a ciência. Sua formação é um pouco eclética,

para não dizer estranha: começou seu estudo dentro do pietismo, sendo depois

influenciado pelo Iluminismo, em especial por Jean-Jacques Rousseau e

Christian Wolff. Um dos filósofos da sua época, G.E. Lessing, propôs que “os

eventos contingentes da história não podem servir de base para o

conhecimento do mundo transcendente, eterno”. Segundo essa concepção,

existe um abismo intransponível entre nós e Deus, e nós simplesmente não

podemos passar para o outro lado e conhecê-lo. Ele é Todo-Transcendente. É

nesse contexto que Kant aparece. A própria idéia de Deus como “Todo-

Transcenente” ocorre inúmeras vezes em sua obra, sendo um dos principais

postulados da sua filosofia. Essa idéia se transformaria no paradigma principal

da neo-ortodoxia.

O nome Charles Darwin é comumente associado à teoria evolucionista.

Embora já houvesse muitos modelos evolucionistas antes dele e tenham

Page 4: Teologos barth, paul tilich, etc

surgido muitos outros depois, é quase impossível ouvir seu nome sem associá-

lo a teoria da evolução das espécies.

Em 1831 Darwin partiu para uma viagem ao redor do mundo para fazer

observações científicas, levando na viagem o livro de Charles Lyell, Princípios

de Geologia. Em 1839 ele começou a escrever a obra que se tornaria o seu

legado, concluindo-a em 1844. Não se sabe ao certo por que, mas o fato é que

Darwin levou 15 anos para imprimi-lo. É possível que a razão da demora resida

no temor da indignação que seu livro poderia lançar. EmOrigem das Espécies,

Darwin faz a polêmica afirmação de que todos nós procedemos de um

ancestral comum e animalesco, não havendo essencialmente nada que confira

dignidade ao homem. O acaso nos gerou, portanto, não há Deus. Essa é a

conseqüência lógica da sua cosmovisão.

Filho de judeus, Karl Marx nasceu em Trier, na Alemanha, em 1818. Foi, sem

dúvida, um gênio intelectual, obtendo seu doutorado em filosofia aos 23 anos.

Ele foi muito influenciado pelas idéias de Ludwig Feuerbach, o qual dizia que o

homem não foi criado à imagem de Deus, mas Deus foi criado à imagem do ser

humano. Sua filosofia lançou as bases do Socialismo. O pensamento de Marx

é um pensamento voltado para o trabalho. Para Marx, não é o conhecimento

espiritual que transforma a existência e, consequentemente, a vida social, mas

exatamente o contrário: com a revolução, o corpo social transforma também a

sua subjetividade. Esse pensamento servirá de base do movimento da

“teologia da libertação”, na segunda metade do século vinte.

Embora seja útil apontar todos os ascendentes do pensamento teológico do

século vinte, tal tarefa seria muito pesarosa e fugiria ao escopo da nossa

pesquisa. Certamente há muitas outras vertentes que influenciaram o

pensamento teológico no século passado e contribuíram para o abandono da

teologia ortodoxa no século vinte. Mas não foi só o pensamento renascentista,

iluminista ou evolucionista que exerceu influência sobre a teologia do século

passado: a intempérie do início do século vinte também contribuiu para as

diversas variações ocorridas na teologia contemporânea. Só na sua primeira

metade, houve duas guerras mundiais. Esse processo de guerras consecutivas

contribuiu de certo modo para uma perda de identidade do homem do século

vinte. Essa perda de identidade e falta de objetividade resultante do pós-guerra

foi a coluna principal do existencialismo. Em um mundo desorganizado e

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desumanizado, a única certeza que o homem tem está relacionada a sua

própria existência. Desde então houve um grande desenvolvimento da uma

filosofia centrada no “Eu”, e nomes como Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre

ganharam projeção mundial. Os pressupostos existencialistas destes

pensadores também tiveram grande influência no pensamento teológico

contemporâneo.

Esta obra não é fruto de toda uma vida de esmero teológico e nem tampouco

nenhum grande logro acadêmico. Ela é muito simples e até limitada,

oferecendo apenas uma pequena introdução à matéria de teologia

contemporânea. “TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA: Uma análise do

desenvolvimento do pensamento teológico no século vinte”, encontra sua

justificativa na necessidade de conhecermos as mudanças históricas que vêm

acontecendo no cenário teológico mundial. Ela certamente servirá de guia no

estudo da Teologia Contemporânea, podendo ser utilizada por professores nos

seminários.

A perspectiva adotada é conservadora, como entendemos ser também a

teologia apostólica, porém, conservadorismo não é sinônimo de ignorância ou

apatia intelectual. Muitas pressuposições da teologia contemporânea nos são

úteis, principalmente no campo da critica textual, mas não podemos jamais

sacrificar as nossas crenças fundamentais no altar do pós-modernismo.

A pós-modernidade não tem influenciado apenas os teólogos em sua maneira

de pensar, mas também os pastores e líderes das nossas denominações. A

Bíblia tem sido abandonada, e quando aparece, é permutada. Que ao examinar

as correntes teológicas que serão apresentadas nessas páginas, ninguém

assuma uma postura indiferente. Nosso desejo é que ao ler o conteúdo

programático dessa dissertação, o leitor, seja teólogo, pastor ou leigo, possa

assumir uma postura de apologeta e juntar-se a nós na luta pela manutenção

da ortodoxia bíblica, por aquela unidade fundamental que havia em nossos

irmãos primitivos.

KARL BARTH (1886-1969)

Karl Barth foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX.

Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Barth foi um

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teólogo de confissão calvinista. Filho de pais religiosos, foi educado em meio a

pastores conservadores. Suas influências acadêmicas foram Kant, Hegel,

Kierkegaard e teólogos como Calvino, Baur, Harnack e Hermann. Até 1911,

ainda jovem, esteve Karl Barth vinculado ao protestantismo liberal

antidogmático e modernista de Adolf von Harnack (1851-1930), invertendo a

seguir sua posição. Em 1911 começou a pastorear uma pequena igreja do

interior da Suíça e aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard

Thuneysen, amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas.

Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914,

ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação.

Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou

Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário à

Epístola aos Romanos.

Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo pastor

em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar teologia na

universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de Muenster; em 1930, na de

Bonn. Em 1935, por sua atitude anti-nazista, foi obrigado por Hitler a refugiar-

se em Basiléia, de cuja universidade foi professor, onde lecionou até 1961. Na

Alemanha, deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn,

em 1946 e 1947.

Karl Barth faz parte da chamada “teologia dialética” ou “da crise”, junto

a J. Moltmann, E. Brunner, R. Bultmann, F. Gogarten e outros. Barth deu nome

a um movimento: o barthismo, que propõe uma total e coerente adesão à

Palavra de Deus, equivalente ao objetivismo da revelação bíblica e ao fato

histórico da encarnação, contra o imanentismo da cultura moderna geral e em

particular do “protestantismo liberal”. Procurou renovar a teologia

desvinculando-a da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834), para

recolocá-la na reforma do século 16. A teologia de Barth é uma reação frente a

Schleiermacher e, em geral, contra a cultura do Romantismo e do

Iluminismo.Barth rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para destacar a

transcendência divina, advertindo que somente é válida a via negativa de

acesso a Deus, de acordo com a expressão de Kierkegaard sobre a infinita

diferença qualitativa entre o tempo e a eternidade.

Page 7: Teologos barth, paul tilich, etc

Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre

Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si mesmo, não

tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o intermediário, como se

diz na Epístola aos Romanos, e comentada por Barth. A teologia de Barth

recebe muitos nomes: teologia da crise, teologia dialética, teologia

kerigmática,teologia da Palavra.

Participou, como observador, do Concílio Vaticano II. A doutrina de

Barth está presente em seus numerosos discípulos e em sua extensa e valiosa

obra escrita. Destacamos seu monumental Die Kirchliche Dogmatik (10 vols.,

1955) e o Comentario à epístola aos Romanos (1919); Humanismus (1950), e

outras.

Karl Barth faleceu em dezembro de 1969.

Podemos sintetizar sua teologia nos seguintes pontos:

1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único

positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a

negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a

possibilidade de autoredenção; nem ao menos de conhecer Deus, mas

somente de saber que não o conhece.

2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através

de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da

palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua

atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.

3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não

estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos

como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade

é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz

de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.

4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e

se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna realidade? A

Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do acontecimento da

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Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento colocam Jesus Cristo

como o “Cordeiro de Deus”, anunciado por João Batista. Por isso, sem dúvida,

desde seus primeiros anos como pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura

de Grünewald em que João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.

5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da

Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus

serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra

revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.

A ênfase da teologia de Barth está na revelação de Deus em Jesus

Cristo. A única palavra de Deus está em Jesus Cristo. Toda relação de Deus

com o homem se dá em Cristo e através de Cristo. Em sua forma negativa, isto

significa a exclusão da teologia natural. Positivamente, tudo deve ser visto e

interpretado a partir de Cristo ou, empregando a expressão barthiana, a partir

da “concentração cristológica”. O pecado original não pode ser entendido

independentemente de Cristo. A fé também não é fruto de um raciocínio nem

está fundamentada em um sentimento subjetivo. “Em Jesus Cristo não há

separação do homem de Deus, nem de Deus do homem.”

Barth prega que “a mensagem da graça de Deus é mais urgente que a

mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”. A

teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma influência decisiva na

constante procura da palavra autêntica e verdadeira de Deus. Sua condição de

“crente” que não invoca nenhum mérito diante de Deus é o melhor estímulo

para os cristãos de todos os tempos.

Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:- Comentário à

epístola aos romanos (1919);- O cristão na sociedade (1920);- A ressurreição

dos mortos (1924);- A palavra de Deus e a teologia (1925);- A dogmática cristã

(26 vols, 1932-1969);- A teologia protestante no século 19 (1947).

PENSAMENTOS DE KARL BARTH

“Devemos falar de Deus. Somos, porém, humanos e como tais não

podemos falar de Deus. Devemos saber ambos, nosso dever e nosso não-

poder, e justamente assim dar glória a Deus”

Page 9: Teologos barth, paul tilich, etc

"Que o Pai ama o Filho e que o Filho é obediente ao Pai, que Deus se

entrega ao homem neste amor e, nesta obediência, assume a baixeza do

homem para elevá-la à sua altura, que o homem se torna livre neste

acontecimento, pelo fato de escolher por sua vez a Deus que o elegeu, eis em

absoluto uma história que não pode, como tal, ser interpretada por equívoco

como uma causa imóvel que produz efeitos quaisquer"

"É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal".

"Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz".

"Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".

"Igreja existe ali onde a pessoa humana presta ouvidos a Deus"

"O culto constitui a ação mais momentosa, mais urgente e mais

gloriosa que pode acontecer na vida humana".

"Que Deus enquanto Deus seja capaz de tal condescendência, de tal

rebaixamento de si mesmo, que esteja disposto e pronto para isto: eis aí - o

que muitas vezes se desconhece neste caráter concreto - o mistério da

'divindade de Cristo'"

"Precisa morrer em Cristo o homem que escolhe para si o

materialismo, lendas e fábulas ou a transitoriedade do mundo; o homem que se

esquece que nada tem que não tivesse recebido e precisasse receber

novamente de Deus; o homem que quer safar-se do paradoxo da fé; o homem

que já não quer, ou que ainda não quer, abrir mão de sua confiança na

sabedoria, na ciência, nas coisas certas e palpáveis do mundo, e do conforto

que este oferece, para depender exclusivamente da graça de Deus. Precisa

morrer em Cristo o homem que tenha qualquer outro pretexto para se apoiar,

que não seja 'esperança'."

"Justamente de Jesus Cristo, não sabemos nada de tão certo quanto

isto: em uma livre obediência a seu Pai, escolheu ser homem e, como tal, fazer

a vontade de Deus"

Page 10: Teologos barth, paul tilich, etc

"Eis, portanto, qual é a realidade de Jesus Cristo: Deus mesmo em

pessoa está presente e age na carne. Deus mesmo em pessoa é o sujeito de

um ser e de um agir realmente humanos. E é justamente assim, e não de outra

forma, que este ser e este agir são reais. É um ser e um agir autêntica e

verdadeiramente humanos... Sua humanidade (de Jesus) não é senão o

atributo da sua divindade, ou antes, em termos concretos: ela não é senão o

atributo, assumido no decurso de um rebaixamento incompreensível, da

Palavra que age em nós e que é o Senhor".

"Como filho do homem e portanto como ser humano, Jesus Cristo só

existe pela ação de Deus: pelo fato de ser primeiramente o Filho de Deus...

Mas a humanidade de Jesus, em si e como tal, seria um atributo sem sujeito".

A TEOLOGIA DIALÉTICA DE KARL BARTH E A REVOLTA CONTRA O

LIBERALISMO TEOLÓGICO

7 DE OUTUBRO DE 2009 6 COMENTÁRIOS

Tendo já comentado a influencia da filosofia kantiana para a teologia do século

vinte, passemos agora a discorrer sobre a teologia contemporânea em si.

Em 1919, um jovem pastor de uma pequenina igreja da Suíça escreveu um

comentário tão radical que certo escritor disse que Karl Barth pegou uma carta

escrita em grego do primeiro século e transformou em uma carta urgente para

o homem do século vinte. Um teólogo católico disse que esse comentário aos

Romanos foi uma revolução copernicana na teologia protestante que acabou

com o predomínio do liberalismo teológico. Ele foi, de fato, uma bomba que

Barth lançou no cenário teológico contemporâneo.

Diz-se da segunda versão do comentário aos Romanos, totalmente revisada e

publicada em 1921, que ela foi ainda mais revolucionária que a primeira.

Porém, de qualquer forma, 1919 tem sido para muitos o ponto de partida da

teologia contemporânea.

A influência da obra de Karl Barth nessa nova era da teologia é enorme. Ele

transformou a teologia do século vinte em teologia da crise. Foi ele quem

dominou o ambiente teológico, formulou os problemas e apresentou as

hipóteses de maior relevância, e desde então tem estado no centro da teologia

moderna. Não há nenhuma dúvida de que o pensamento de Barth dominou o

Page 11: Teologos barth, paul tilich, etc

pensamento teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto tão grande na

teologia protestante, que todo teólogo do nosso século que quiser estudar

teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher suas idéias, mas não

pode jamais ignorá-la se quiser conhecer a situação teológica contemporânea.

O que havia nesse comentário do pastor Barth que sacudiu os alicerces

teológicos do século vinte? Quais foram os princípios que Barth apresentou e

que se converteram no legado de uma nova era teológica? Harvie M. Conn,

aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns princípios que emanam do

comentário de Karl Barth aos Romanos e que parecem ter desempenhado o

papel mais influente na formação das novas variantes teológicas. Esses

princípios serão abordados nos tópicos a seguir.

3.1- A revolta teológica contra o liberalismo teológico foi uma das mais notórias

características da teologia barthiana.

Barth havia aprendido teologia aos pés de dois grandes teólogos liberais, à

saber: Harnack e Herrmann. O Jesus do mentor de Barth, Harnack, não era o

filho de Deus único e sobrenatural, mas a encarnação do amor e dos ideais

humanistas. A Bíblia do mentor de Barth, Herrman, não era a Palavra infalível

de Deus, e sim um livro extraordinário, ainda que ordinário, cheio de erros e

que exigia uma crítica radical para encontrar a verdade. A medida de toda a

verdade era a experiência, o sentimento. A teologia desses dois mestres e

também a de Barth era o Idealismo teológico, caracterizado por uma profunda

veia de pietismo e de preocupação pela prática da experiência religiosa cristã.

Em 1919, e com muito mais força em 1921, Barth se encarregou de repudiar

grande parte desse liberalismo clássico.

A primeira guerra mundial e seus horrores acabaram por soterrar o idealismo

teológico liberal. A culta Alemanha, a liberal Inglaterra e a civilizada França

lutavam como animais ferozes. Nesse ínterim, os mestres liberais de Barth se

uniram com outros teólogos para declarar seu apoio à Alemanha, o que

demonstrou que eles eram mestres de uma religião atada a uma cultura, e não

a Deus. O comentário de Barth aos Romanos surgiu então como repúdio de

seus antigos mestres liberais. O liberalismo fazia de Deus algo imanente ao

mundo; Barth se opôs a isso e apresentou Deus como “Totalmente Outro”. O

subjetivismo do liberalismo do século 19 havia colocado o homem no lugar de

Deus; Barth exclamou: “Seja Deus, e não o homem!”. O liberalismo havia

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exaltado o uso aculturado da religião; Bart condenou a religião como o pecado

máximo. O liberalismo edificou a teologia sobre a base da ética, Barth quis

edificar a ética sobre a base da teologia.

3.2- O comentário de 1921 de Barth propôs uma nova idéia de revelação.

Em oposição ao antigo liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o

homem tem da revelação, e chamou suas idéias de Teologia da Palavra de

Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia e a Palavra de Deus.

Este era seu legado kantiano.

Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é

simplesmente um livro, mas, pelo menos, um livro através do qual nos pode

chegar a Palavra de Deus. A relação entre Deus e a Bíblia é real, porém

indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra de Deus enquanto Deus fala por meio

dela [...] a Bíblia se transforma em palavra de Deus nesse momento”.  Para ele,

até que a Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da nossa situação

existencial, ela não é Palavra de Deus. Esse é o conceito barthiano de

revelação.

3.3- A dialética de Barth, ou teologia do paradoxo.

O comentário de Barth também introduziu um novo método para explicar a

teologia, a dialética. Esse termo ficou rapidamente associado à obra de Barth,

ainda que o método tenha sido tomado por empréstimo do teólogo

existencialista Soren Kierkgaard. Kierkgaard havia dito que toda afirmação

teológica era paradoxal, não podendo ser sintetizada. O homem devia somente

conservar ambos os elementos do paradoxo. É esse ato de sustentação do

paradoxo que Kierkgaard chama de “salto de fé”.

Tal conceito influenciou muito a teologia barthiana, de maneira que quando

preparava o comentário aos Romanos, Barth afirmava que “enquanto estamos

na terra, não podemos fazer outra coisa em teologia a não ser utilizar o método

de afirmação e contra-afirmação. Não nos atrevemos a pronunciar em forma

absoluta a palavra definitiva [...] O paradoxo não é acidental na teologia cristã.

Ele pertence, em certo sentido, ao coração do pensamento doutrinário”. A

própria natureza da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto

que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é

escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é justificado por Cristo,

mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que, segundo a teologia

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dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o homem, ao encontrar a

contradição do pecado e finitude humana, só pode ser assimilada pela mente

humana como sendo um paradoxo.

3.4- O comentário de Barth veio reafirmar a transcendência absoluta de Deus.

Um dos pressupostos de Barth, que também é um legado kantiano, é que Deus

é sempre sujeito, nunca objeto. Deus não é simplesmente uma unidade no

mundo dos fenômenos; ele é infinito e soberano, “Totalmente Outro”, e só pode

ser conhecido quando nos fala. “Ele não pode ser explicado como qualquer

outro objeto pode ser, apenas podemos nos dirigir a Ele [...] Por esta razão,

não cabe à teologia medí-lo em uma forma de pensamento direto ou unilinear”.

Não podemos falar a respeito de Deus. Apenas falamos a Deus. Segundo

Barth, a própria natureza de Deus exige que as afirmações que lhe dirigimos

sejam revestidas de contradição: “Não podemos considerá-lo perto, a não ser

que o consideremos longe”.

Sem dúvida o grande tema de Barth, em oposição declarada ao liberalismo, foi

a “infinita diferença qualitativa” entre eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o

homem. Não se pode identificar Deus com nada no mundo, nem sequer com

as palavras da Escritura. Deus chega ao homem como a tangente que toca o

círculo, mas na realidade não o toca. Deus fala ao homem como a bomba

explode na terra. Depois da explosão, tudo o que resta é uma cratera abrasada

no terreno, e essa cratera é a igreja.

3.5- O comentário de Barth também demarcou a fronteira entre a história e a

teologia.

A teologia do século dezenove se dedicou a procurar o Jesus histórico por

detrás do Cristo sobrenatural da Bíblia. Os liberais clássicos como o professor

de Barth, Harnack, se dedicaram a buscar nos evangelhos – os quais eles

condenavam como não-confiáveis – os fatos históricos sobre Jesus. Barth

asseverou que essa busca é um a busca sem importância, pois, segundo ele, a

revelação não entra na história, apenas a toca como uma tangente toca um

círculo. Segundo Barth, não há nada na história sobre o que possamos basear

a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história, mas pela revelação.

Profundamente influenciado pelos conceitos de história de Kierkgaard e de

Franz Overbeck, Barth dividiu a história em dois níveis: Historie e Geschichte.

Ainda que ambos os termos possam ser traduzidos por história, no alemão, a

Page 14: Teologos barth, paul tilich, etc

conotação que essas duas palavras têm é bem diferente. Historie é a totalidade

dos fatos históricos do passado, podendo ser comprovada

objetivamente. Geschichte se ocupa daquilo que une essencialmente, que

exige algo de mim e requer meu compromisso. Segundo Barth, a ressurreição

de Jesus pertence ao âmbito deGeschichte, não de Historie. Para ele, o âmbito

da Historie de nada vale para o crente. Jesus deve ser confrontado no âmbito

de Geschichte.

Mais uma vez a influência do pensamento de Immanuel Kant sobre a teologia

de Karl Barth, principalmente no que concerne ao mundo dos fenômenos e dos

números é muito grande, podendo-se até dizer que a teologia contemporânea

tem sua raiz em Konigsberg, na Prússia. Ao longo do desenvolvimento da

teologia contemporânea, as idéias kantianas de fenomenal e numenal “volta e

meia” reaparecem com uma nova roupagem. Alguns tomam o tema e o

ampliam, porém sua influência continua sendo grande a ponto de podermos

designar o século dezoito e o pensamento de Kant como protótipo da teologia

contemporânea.

3.6- Objeções à teologia dialética de Karl Barth.

Há, sem dúvida, algumas críticas que se pode fazer à obra de Barth. Ele

mesmo reconheceu alguns de seus excessos e poliu boa parte dos argumentos

que enfatizou a princípio, e até certo ponto, pode-se dizer que

elesuavizou algumas idéias mais incisivas. O que passo a expor agora, são

algumas críticas que se podem fazer ao pensamento de Barth.

Em primeiro lugar, ainda que as idéias de Barth representem uma revolta

contra o liberalismo clássico, suas idéias podem ser chamadas de novo

liberalismo. Barth não conseguiu se livrar do ponto de vista crítico liberal das

Escrituras. Por causa dos seus pressupostos liberais, Barth não aceita a

inerrância da Bíblia, chegando mesmo a afirmar que toda a Bíblia é um

documento humano falível e que buscar partes infalíveis nas Escrituras é

“simples capricho pessoal e desobediência”. A inerrância das escrituras é uma

das diferenças cruciais entre o liberalismo e o cristianismo ortodoxo, e o

posicionamento de Barth nada mais é que uma opção por ficar em cima do

muro.

Sua idéia de revelação, em última instancia, é puramente subjetiva. Para Barth,

a diferença entre a Bíblia como meramente um livro e a Bíblia como a Palavra

Page 15: Teologos barth, paul tilich, etc

de Deus depende exclusivamente da reação humana frente a este livro.

Embora em uma atitude de revolta contra o liberalismo ele tenha exclamado:

“Seja Deus e não o homem”, na prática, dentro da sua teologia dialética, o

homem é entronizado no centro da experiência religiosa.

O resultado final da dialética de Barth é a destruição da verdade objetiva. Se

toda comunicação histórica e toda experiência direta com Deus se encaixa em

uma concepção pagã de Deus, como poderemos aproximar-nos da verdade

sobre Deus? Também a sua insistência em descrever Deus como “Totalmente

Outro” faz de Deus um ser indescritível. Como Deus não é um objeto no tempo

e no espaço, e visto que a “inescrutabilidade e recondidez formam parte da

natureza de Deus”, o homem não pode conhecê-lo diretamente, afirma ele. A

questão é: se Deus é assim tão indescritível e insondável, de que maneira o

homem pode conhecê-lo?

A separação que Barth faz da Historie e da Geschichte, traz à tona a

problemática concernente à historicidade da obra redentora de Cristo como

fundamento do cristianismo. Ela argumenta na tradição de Nietzche e

Overbeck, separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo, acaba por solapar

a base do cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi tirar do liberalismo

o monopólio quanto ao método de interpretação, mas ao fazê-lo, também

privou o cristianismo do seu lugar na história.

Ao que vemos, embora a teologia de Barth tenha sido responsável por uma

prática religiosa em que os valores evidenciam a religiosidade do cristão, ele

jamais conseguiu se libertar completamente do liberalismo teológico de seus

mestres Herrmann e Harnack. Ele revoltou-se contra o liberalismo teológico,

argumentou contra ele, mas não pode livrar-se de seus pressupostos. Tal como

Kant, Barth confina Deus ao mundo dos números e apresenta a dialética – a

teologia do paradoxo – como sendo à única teologia possível. Ele exclui a

razão a priori e deixa a porta fechada à percepção humana.

Sua teologia é de suma importância para o século vinte e, de fato, quase todo o

pensamento teológico moderno até a década de setenta envolverá a

perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus pressupostos ou acirrar-nos contra

ele, mas nenhum teólogo de nossa época poderá jamais ignorar a teologia

dialética de Karl Barth e sua influência no cenário teológico contemporâneo.

Page 16: Teologos barth, paul tilich, etc

TEOLOGIA DO SER: PAUL TILLICH E A FRONTEIRA ENTRE O

LIBERALISMO RACIONALISTA E A TEOLOGIA EXISTENCIALISTA

7 DE OUTUBRO DE 2009 1 COMENTÁRIO

Há pelo menos três grandes vultos teológicos do século vinte. Já

apresentamos dois deles, à saber: Barth e Bultmann. Queremos agora

apresentar o terceiro deles, Paul Tillich.

Tendo fugido da tirania de Hitler em 1933, Paul Tillich se tornou professor

do Union Theological Seminary, em Nova Iorque. Embora fosse um homem de

grande erudição, sua intelectualidade não o privou de prestar importantes

serviços sociais e religiosos. Exerceu capelania durante os quatro anos da

Primeira Guerra Mundial e participou do Movimento Socialista Religioso na

Alemanha. Sua experiência como capelão no período da guerra fez com que

ele tivesse uma vívida impressão dos problemas sociais. Há quem pense que

seu existencialismo teológico tenha surgido nesse período e especificamente

por causa dos horrores da guerra, mas tal comentário será sempre

especulação. Ao chegar nos Estados Unidos, dedicou seu tempo para ajudar

os refugiados da Europa.

Tillich é mesmo uma figura controversa. Na Europa ele é considerado um

liberal e ferrenho opositor de Barth e Brunner. Na América do Norte, no

entanto, ele é considerado como pertencendo a escola neo-ortodoxa e em

alguns círculos teológicos, ele é mencionado em conjunto com Barth e Brunner.

Porém, apesar das semelhanças, Tillich desenvolveu um sistema teológico que

resiste a qualquer rótulo, e talvez, por essa razão, não formou especificamente

uma escola teológica específica. O fato é que Tillich se valeu das elucubrações

de ambas as partes, neo-ortodoxa e liberal, coletando “supostamente” o que

havia de melhor nessas duas escolas. O teólogo Willian H. Hordern define a

teologia de Paul Tillich como sendo “a fronteira entre o liberalismo e a neo-

ortodoxia”, e é isso mesmo que ela é. Ele se situa exatamente no centro, entre

a crítica destrutiva da desmitologização e o existencialismo neo-ortodoxo.

Apesar de não ter formado uma escola específica, é provável que somente

Rudolf Bultmann tenha exercido uma influencia igual no cenário teológico

mundial. Sua profunda erudição e seus conhecimentos de história, filosofia,

psicologia, arte e análise política, além de sua especialidade, a teologia, lhe

Page 17: Teologos barth, paul tilich, etc

renderam o título de “teólogo dos teólogos”, apelido pelo qual é conhecido hoje

nos círculos acadêmicos.

14.1 – Pressupostos da teologia de Paul Tillich.

Parte da popularidade de Tillich nos círculos acadêmicos deve-se a sua

profunda preocupação em encontra alguma forma de relacionar a mensagem

da Bíblia com as necessidades do século vinte. Falando do “princípio de

correlação”, ele argumenta que deve haver uma correlação entre os problemas

do homem e a fé cristã. Se por um lado a filosofia naturalista não pode

responder os questionamentos do homem, por outro lado, segundo ele, o

“sobrenaturalismo do cristianismo histórico” é muito transcendente para que o

homem possa encontrar nele a resposta. A mensagem do cristianismo surge

como “um conjunto de verdades sagradas que apareceram em meio à situação

humana como corpos estranhos procedentes de um mundo estranho”. Como

encontrar a verdade? E de que modo podemos construir uma teologia?

Para Tillich, começamos definindo a religião. A religião não é apenas uma

questão de ter determinada crença ou praticar certas ações. Para Tillich, o

homem é religioso quando está “essencialmente preocupado”. A preocupação

essencial é aquela que tem prioridade sobre todas as preocupações da vida.

Essa preocupação, segundo ele, tem o poder de elevar o homem sobre si

mesmo. Ela se resume na entrega total de nosso ser. Essa preocupação

essencial é o que determina nosso ser ou o não-ser. Nós nos preocupamos

essencialmente quando ponderamos sobre aquilo que tem o poder de destruir

ou de salvar-nos. Nossa preocupação é essencial quando ponderamos sobre

aquilo que é a soma da nossa realidade e a estrutura e objetivo da nossa

existência. O essencial é o próprio Ser, ou aquilo que tradicionalmente

chamamos de Deus.

Este Ser (com maiúscula), paradoxalmente não é nem uma coisa nem um ser.

Ele esta além do ser ou das coisas. Deus não é apenas o Ser, mas também o

poder de Ser por si mesmo, e isso foge a nossa compreensão. Não podemos

compará-lo a nada a fim de defini-lo, pois mesmo que o considerássemos

como o ser mais elevado, o estaríamos reduzindo a um objeto e uma criatura.

Por isso, para Tillich, afirmar a existência de Deus é tão ateu quanto negá-la,

isso porque o Ser transcende à existência. Ele é a resposta simbólica do

Page 18: Teologos barth, paul tilich, etc

homem para a sua busca de bravura para superar as situações que o limitam,

tais como o ser e o não-ser que tanto o angustiam.

Quanto ao pecado, Tillich o define em função do ser e da alienação do Ser. A

responsabilidade pelas tensões da vida moderna não está relacionada a um

conceito clássico de pecado, o que seria uma explicação superficial e simplória.

O pecado é a alienação do fundamento do nosso ser.

Em sua cristologia, ele define Jesus como o símbolo no qual se supera a

alienação, em que se rompe a distância. Cristo é o símbolo do “Novo Ser”, no

qual se dissolve toda alienação que tenta diluir a unidade do homem com

Deus. A palavra “símbolo” é resultado do repúdio de Tillich por qualquer

interpretação ortodoxa acerca da pessoa e da obra de Cristo. Segundo ele, a

afirmação “Deus se fez homem” é uma afirmação não apenas paradoxal, mas

também sem sentido. O relato da crucificação é mencionado como lendário e

contraditório. A ressurreição, segundo ele, significa simplesmente que Jesus foi

restituído à sua dignidade na mente dos discípulos.

As descrições da salvação em seus aspectos, tais como justificação,

regeneração e santificação também estão sujeitas à reinterpretações. A

regeneração é descrita por ele como “ser incorporado na Nova Realidade

manifesta em Jesus”, como portador do “Novo Ser”. A justificação também não

é um ato soberano de um Deus pessoal, e sim uma palavra simbólica que

indica que o homem é aceito apesar de si mesmo. A santificação é o processo

através do qual o Novo Ser transforma a personalidade e a comunidade fora da

igreja.

14.2 – Objeções à teologia de Paul Tillich.

Quando nos deparamos pela primeira vez com a obra de Paul Tillich, temos a

impressão de estar diante de um incrível tratado teológico produzido por uma

mente enciclopédica, precisa, sutil e tremendamente criativa. No entanto, sua

teologia não é especificamente cristã, e sim uma “tradução” da linguagem

teológica em termos teosóficos e ontológicos.     As vezes essa tradução nos

ajuda a ver as coisas sob uma luz mais clara e profunda, porém na maioria das

vezes, sua tradução faz violência tanto ao Espírito quanto à letra que ele

traduz.

Há várias objeções que se pode fazer à teologia de Tillich, entre elas a sua

rejeição da Bíblia como palavra de Deus. Seguindo os moldes neo-ortodoxos e

Page 19: Teologos barth, paul tilich, etc

liberais, ele argumenta que a Bíblia, interpretada da maneira tradicional, não é

aplicável aos problemas da nossa época. Por esta causa, Tillich utiliza a

filosofia para analisar os problemas mais profundos da existência do homem

contemporâneo. No entanto, a maior falta dele não foi substituir a teologia pela

filosofia. Como escreveu o crítico Kenneth Hamilton, “sua maior falha foi

substituir a Palavra de Deus pela palavra do homem”.

O “princípio da correlação” de Tillich afirma que a filosofia pode dar-nos uma

analise adequada da situação humana. A Bíblia, nesse caso, pode até

aparecer, mas estará sempre em plano secundário.

Sua doutrina definitivamente não é doutrina bíblica. Não entendemos o porquê

Paul Tillich insiste em empregar a palavra Deus com sentido cristão. Sua idéia

de Deus não é trinitária e nem pessoal. Deus é um poder racional que penetra

a profundidade do ser, mas não é uma pessoa que se comunica ou com quem

possamos ter comunhão. O conceito de “Ser” que Tillich apresenta se

assemelha muito mais a um aspecto desse mundo do que existe por si só e

independe de sua criação. No sistema dele, não há mais distinção entre

Criador e criatura. Também não conseguimos entender que tipo de Deus pode

estar além da transcendência, e que não é nem sobrenatural nem natural.

Sua cristologia também é uma fraude. Tillich reduz Jesus a um mero símbolo, o

que faz dele um absoluto nada. Essa teologia diluída poderia ser bastante

aceitável para um budista ou um hindu. Religiosos de ambos os grupos

certamente abraçariam com alegria seus pressupostos, exceto pela sua

afirmação de que só ele foi e é o Cristo. A soteriologia de Tillich não tem

significado concreto, exceto como um símbolo a mais para descrever uma

situação existencial que não tem relação com o Deus Vivo.

Vemos em Paul Tillich um sério compromisso com a filosofia existencialista, ao

mesmo tempo em que podemos perceber seu particular descaso para com a

Palavra de Deus. Ao negar a historicidade dos fatos narrados no Novo

Testamento, a ocorrência literal dos milagres e o maior milagre do cristianismo:

a ressurreição, Tillich remove o fundamento e a esperança da fé cristã. Imagino

o que diria o apóstolo Paulo a um pregador como Paul Tillich: “E, se não há

ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não

ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; e somos tidos por

falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele

Page 20: Teologos barth, paul tilich, etc

ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não

ressuscitam. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não

ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis

nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. Se

a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais

infelizes de todos os homens”(1Coríntios 15.13-19). Não sei ao certo como

Paulo argumentaria com Tillich, mas creio que seria algo assim.

Se por um lado Tillich é considerado excelente erudito (e eu diria até um bom

filósofo), sua interpretação meramente existencial do cristianismo faz dele um

teólogo ruim, da perspectiva ortodoxa. Assim como Bultmann, ele lança tantas

dúvidas acerca dos milagres e da ressurreição que de nenhuma maneira,

segundo os princípios paulinos, sua teologia pode ser chamada cristã.

Conclusão: Qual será a cara da teologia do século XXI?

7 DE OUTUBRO DE 2009 3 COMENTÁRIOS

Neste trabalho apresentamos as principais escolas teológicas do

século vinte e seus respectivos arautos. É claro que nessa abordagem, alguns

nomes inevitavelmente ficaram de fora, e outros, como Emil Brunner, não

puderam ser apresentados em um capítulo próprio. Não tivemos com isso

nenhuma intenção de reduzir a importância Brunner ou qualquer outro teólogo

contemporâneo, apenas tentamos apresentar os nomes associados às

respectivas escolas, e nesse aspecto, o nome de Brunner está bem associado

ao de Karl Barth e à teologia dialética.

Nossa exposição começou com uma abordagem panorâmica do

pensamento de Kant, Marx e Darwin, e da influência desses pensadores sobre

a teologia contemporânea. Apesar de ser mencionado já na introdução, demos

também a Immanuel Kant um capítulo à parte, pois temos considerado que sua

influência sobre a teologia do século vinte é maior que o de qualquer outro. Um

contemporâneo de Kant que também influenciou a teologia do século vinte foi

Soren Kierkgaard, mas não lhe dedicamos um capítulo especial porque

entendemos que ele foi um teólogo cristão e não especificamente um filósofo

secular como Kant e Marx. Também entendemos que seu nome caberia melhor

em um ensaio sobre a teologia do século dezenove, o que um dia faremos, se

Deus permitir.

Page 21: Teologos barth, paul tilich, etc

O teólogo de maior projeção dentro da teologia contemporânea é Karl

Bath. Consideramos injusto que nomes como Barth, Bultmann e Tillich, tenham

tanta repercussão quando outros como Pannemberg e Cullmann, muito mais

ortodoxos que os três primeiros, são quase ignorados. Parece que a

popularidade de um teólogo está mais relacionada ao grau de inovação que ele

apresenta do que com a coerência lógica, bíblica e sistêmica de seus escritos.

A grande lição que o século vinte nos ensinou foi: “saia da linha ou seja

esquecido”. Ainda bem que não escrevemos nossas obras para obter lisonjas

dos homens.

Barth inspirou-se na filosofia existencialista e principalmente em Kant

para elaborar o seu conceito teológico de Deus, definindo-o como Totalmente-

Outro. Ao fazê-lo, inevitavelmente isola Deus do outro lado do abismo,

tornando difícil conhecê-lo e relacionar-se com ele. Seguindo Kant, ele faz

distinção entre Historie e Geschichte, alegando que a primeira diz respeito à

história objetiva e secular, enquanto o segundo diz respeito à história subjetiva

e sacra, sendo equiparada à própria fé. Os milagres, a ressurreição e outros

atos sobrenaturais narrados na Bíblia não são Historie, e sim Geschichte,

portanto, não devem ser confrontados na esfera secular. Em suma, tais

acontecimentos não são eventos históricos. Uma distinção semelhante ocorre

em Bultmann, que propõe uma distinção entre história e fé, entre o Jesus

histórico e o Cristo kerigmático. Para Bultmann, o Jesus descrito nos

evangelhos não é o Jesus histórico, e sim uma mera narrativa mítica. Ele

insiste que a Bíblia está cheia de mitos, e que deve ser desmitificada por nós.

Bultmann também nega todo valor objetivo da Bíblia como Palavra de Deus,

equiparando-a a qualquer narrativa antiga. Quanto aos milagres, ele é cético:

todas as narrativas miraculosas não passam de mitos.

Para refutar a teologia de Bultmann, surge o Dr. Oscar Cullmann com

a Heilsgeschichte, ou simplesmente “História da Salvação”. Para Cullman não

existe duas histórias, uma cristã e uma secular, aliás, ele sequer admite uma

história secular. Para ele, toda história é História da Salvação. A história

abrange os atos portentosos de Deus em favor da nossa redenção. Uma

característica interessante de Culmann é que ele aceita o desafio de Bultmann

e apresenta suas elucubrações partindo de alguns pressupostos da crítica

formal, porém, discordando dele quanto às conclusões. A sua ênfase é

Page 22: Teologos barth, paul tilich, etc

extremamente cristológica, o que levanta inclusive algumas objeções sobre a

sua teologia. De qualquer forma, a teologia de Cullman é uma ponta de

esperança para o pensamento teológico contemporâneo, bem como

Pannemberg, que construiu a sua teologia tendo por base a história. Em uma

época em que os teólogos faziam questão de distinguir entre teologia e história,

Wolfhart Pannenberg construiu uma teologia sobre o alicerce da história,

salvando assim a historicidade do cristianismo.

Porém, apesar de Cullmann e Pannemberg terem prestado um

relevante serviço á ortodoxia (ainda que nenhum deles é considerado

literalmente ortodoxo), nem todos os teólogos contemporâneos assumiram a

mesma postura. A maioria deles parecia estar mais ligada às idéias de seu

tempo do que à Palavra de Deus, aliás, a própria expressão “Palavra de Deus”

caiu em desuso no decorrer do século vinte.

Na década de sessenta, surge um grupo de teólogos cujo exacerbado

esforço era elaborar uma teologia que estivesse mais próxima dos problemas

da humanidade. O problema é que essa idéia foi levada ao extremo. O patrono

da teologia secular, Dietrich Bonhoeffer ficou conhecido por participar de

um complot contra a vida de Hitler. É essa teologia ativista que os teólogos

secularistas propõem. A Cidade Secular, de Harvey Cox, Honest to God, do

“bispo” John Robinson, foram as principais obras desse movimento. Outro

importante teólogo secularista foi Paul Van Buren. Ele foi sem dúvida o mais

radical deles. Nessa mesma época surge na América Latina a Teologia da

Libertação, com pressupostos bastante semelhantes. Buscando inspiração não

na Bíblia, mas na filosofia socialista de Karl Marx, essa nova escola teológica

agitou o cenário teológico nas décadas de sessenta e setenta. No Brasil, o

principal expoente dessa nova e estranha doutrina é o ex-padre e

posteriormente professor da PUC-SP, Leonardo Boff. A heresia fomentada por

católicos romanos como Juan Luís Segundo, Hugo Assman e Gustavo

Gutiérrez Merino; e protestantes como Rubem Alves, Emílio Castro, José

Míguez Bonino e o então missionário no Brasil, Richard Shaull, buscava

consolidar uma teologia que pudesse oferecer respostas ao clima ditatorial e à

crise econômica latino-americana. A resposta por eles é uma afronta à teologia,

sobretudo à teologia protestante, pois faz do marxismo o maior dos atos de

Deus na história.

Page 23: Teologos barth, paul tilich, etc

Várias outras tentativas de amoldar a teologia à praxe modernista

também foram elaboradas. Joseph Fletcher afirmou que a moral não é

absoluta. Nossos atos não deveriam ser julgados por padrões absolutos e uma

ética relativa se infiltrou na teologia contemporânea. Usando pressupostos do

existencialismo, do pragmatismo e das filosofias relativista e positivista, a Ética

Situacional apregoa uma teologia na qual os fins justificam os meios. Não há

conduta errada quando se quer alcançar um fim nobre. Esse pragmatismo

também está presente na Teologia da Libertação e na Teologia Secular, mas

nada tem a ver com a Bíblia, que nos ensina que melhor é o sofrer fazendo o

bem do que fazer o mal para que os advenham bens. Pecar deliberadamente

para que a graça seja mais abundante, militância contra governos que se

oponham aos nossos valores, tudo isso soa dissonante ao supremo às

palavras de Jesus no sermão do monte. Somos bem-aventurados quando

somos perseguidos e vilipendiados, e não o contrário. A Ética Situacional,

assim como outras teologias modernas, nega o sobrenaturalismo das

escrituras e se esforça para reinterpretar as narrativas miraculosas em termos

existenciais. Desse modo, a morte de Cristo não foi substitutiva, e sim uma

demonstração de amor.

Em seu afã de apresentar uma teologia que pudesse se adequar aos

padrões mundanos e às crenças seculares, muitos teólogos do século vinte

perderam completamente o senso de direção. Como homens loucos, eles

corriam desesperados em busca de uma associação que pudesse “salvar” à

teologia. A Bíblia cada vez mais parecia um livro ultrapassado e cada vez mais

os teólogos procuravam muletas seculares para amparar à Bíblia. Vemos isso

na teologia do padre católico Teilhard Chardin. Esse teólogo católico teve a

mente tão doutrinada pelas teorias evolucionistas que chegou a apresentar o

próprio Deus, aquele que a Bíblia descreve como imutável, como um Ser em

evolução. Não é preciso dizer que ele teve que fazer um esforço hercúleo e

muita eisegese para conciliar o criacionismo bíblico e o evolucionismo, duas

teorias totalmente opostas uma à outra.

Outra mostra desse desespero é a teologia de Jurgen Moltmann,

conhecida como Teologia da Esperança. Essa teologia é de ênfase

escatológica, mas a escatologia de Moltmann nada tem a ver com a noção

tradicional que envolve o retorno de Cristo e a entrada dos crentes no estado

Page 24: Teologos barth, paul tilich, etc

eterno. Na perspectiva de Moltmann, nem mesmo Deus é eterno, uma vez que

ele decidiu entrar no tempo, tornando-se um ser meramente temporal. Esse

conceito tem suas base na filosofia ateísta de Nietzche e aparece também na

Teologia do Processo. O “Deus Finito” não é o único problema da teologia de

Moltmann: ele também nega que a ressurreição de Cristo seja um fato

histórico. Ora, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé”. A moralidade de

Molmann, assim como a de Fletcher, é relativa e pragmática. Para ele não

existe o problema da violência versus não-violência. A questão central não é a

violência em si, e sim se a violência é justificável ou injustificável. Para Cristo,

porém, a violência é desaconselhável em qualquer situação.

Charles Hatshorne é o preconizador da Teologia do Processo. A

característica principal dessa teologia é a afirmação de que Deus é um ser

temporal e está sujeito ao tempo, bem como a mudanças e a evolução moral. É

fácil fazer um paralelo entre Moltmann e Chardin: assim como Moltmann, ele

afirma que Deus tornou-se finito e temporal, e como Chardin, ele assevera que

Deus está em constante processo evolutivo. Contudo, apesar da semelhança

com as teologias de Moltmann e Chardin, a principal influência de Hatshorne foi

o matemático e filósofo Alfred North Whitehead. Essa teologia também é

conhecida pelo nome de Teísmo Aberto e Teísmo do Livre-Arbítrio. Deus,

segundo essa concepção, não é um Ser Onisciente, mas um ser finito e

limitado ao tempo. Ele fatalmente não pode prever o futuro. A conseqüência

direta dessa teologia é simples: se Deus não tem o controle dos contingentes

futuros, não há nenhuma razão para depositarmos nele alguma confiança.

Esse teísmo anti-bíblico mina toda confiança que o crente deposita na Bíblia, e

deve ser logo descartado.

O teólogo mais controverso do século passado, no entanto, não foi

Hatshorne, Bultmann ou Barth, mas um que se posicionou bem na fronteira

entre esses dois pensadores: Paul Tillich. Valendo-se de pressupostos

existencialistas e liberais, Tillich elaborou uma teologia que ficou conhecida

pelo nome Teologia do Ser. Ele propõe reinterpretações da Bíblia, muito das

quais beiram o absurdo. Entre as doutrinas por ele modificadas estão a

encarnação, a natureza do pecado e a própria salvação. Sua própria teologia

está baseada em um ser impessoal, reduzido à mera força racional e criadora.

A ressurreição também é reinterpretada por ele, retirando assim a base da

Page 25: Teologos barth, paul tilich, etc

esperança cristã (cf. 1Co 15.13-19). Embora em alguns círculos Paul Tillich

seja citado como o “teólogo dos teólogos”, da perspectiva conservadora ele

não passa de um herege.

Reservamos os dois últimos capítulos para abordar dois movimentos

que estão em acelerado crescimento em nosso país, à saber, o

pentecostalismo e o neopentecostalismo. Nascido na Califórnia, o moderno

movimento pentecostal teve como principal pregador o pastor William Seymour,

e o principal teólogo e sistematizador das doutrinas pentecostais foi Charles

Parham. Não foi apenas a importância dessas duas teologias no cenário

brasileiro que lhe renderam um lugar especial neste trabalho, mas também a

dissociação dessas dois movimentos das demais escolas contemporâneas de

intrepretação teológica. O pentecostalismo, como já vimos, encontra suas

raízes no Movimento de Santidade e tem em John Wesley seu principal

antecessor. Trata-se de uma tentativa de voltar à fé cristã primitiva, de tal forma

que o movimento foi chamado em seus primórdios deRestauração da Fé

Apostólica. Muitos excessos foram cometidos nessa tentativa de retorno ao

modo de culto primitivo, mas isso não desqualifica o movimento como um todo.

De modo geral, podemos perceber no pentecostalismo certo frescor. Ele surge

como chuva serôdia em meio ao árido cenário teológico do século vinte e

mantém-se na contramão de Bultmann, Barth, Tillich e dos demais teólogos de

influência no século vinte. Hoje, mais de um século depois, olhamos ao nosso

redor e indagamos pelas igrejas liberais e neo-ortodoxas. Como disse o Rev.

Hernandes Dias Lopes em palestra no congresso Vida Nova de Teologia, “as

igrejas liberais nasceram fadadas ao fracasso”. É simplesmente impossível

encontrar uma só igreja liberal com membresia superior a cem membros. As

igrejas pentecostais, ao contrário, vivem abarrotadas e há constante

necessidade de se construir novos templos.

O neopentecostalismo surge na década de setenta como uma

deturpação do movimento pentecostal e como reflexo de uma cultura

capitalista. O próprio neopentecostalismo é um materialismo disfarçado de

cristianismo, prostrado ante Mamon em adoração. A tendência dos “poderosos”

sempre foi usar o poder em benefício próprio, e não demorou para que um

grupo de pentecostais, esquecendo do exemplo de Jesus na tentação de

Mateus capítulo quatro, estabelecesse uma teologia para verter as bênçãos

Page 26: Teologos barth, paul tilich, etc

espirituais em materiais e essas sobre si mesmos. Kenyon, Cooperland e

Hagin formam a ala mais materialista do movimento, enquanto Benny Him

endossa a fileira espiritualista. No Brasil, os principais expositores desse

movimento pragmático-mercantil são RR. Soares e Edir Macedo. Atualmente

há também pregadores pentecostais aderindo à idéias do movimento

neopentecostal, como por exemplo o Pr. Silas Malafaia, da Assembléia de

Deus, que inclusive escreve livros sobre prosperidade e promove a Bíblia de

estudo do Morris Cerrullo, a Bíblia da Batalha Espiritual e Vitória Financeira,

que já ganhou o apelido de Bíblia do Milhão.

É difícil enumerar uma a uma as diversas conclusões à que chegamos,

haja vista que ao final de cada capítulo são apresentadas várias objeções às

respectivas escolas, e repeti-las agora seria uma tarefa enfadonha e pouco

proveitosa. A análise da teologia do século vinte nos ensina pelo menos três

coisas. A primeira é que do ponto de vista conservador, nem sempre há justiça

em teologia. Parece que para ganhar projeção no meio evangélico é preciso

romper com os antigos padrões e fomentar o erro no seio da cristandade.

A segunda conclusão à que chegamos é que mui dificilmente um

pensador escapará às idéias do seu tempo. Os teólogos do século vinte foram

grandemente influenciados pelas idéias teológicas e filosóficas de pensadores

anteriores a eles. Quer seja por Immanuel Kant, Sheleiermacher e Soren

Kierkgaard, como no caso de Brunner, Barth, Tillich e outros tantos teólogos

neo-ortodoxos, ou por Nietzche e Overback, como é o caso de Jurgen

Moltmann, o certo é que nenhum deles escapou das influências do seu tempo.

Qualquer que leia a obra de Teilhard Chardin logo se dará conta de que o

evolucionismo para ele está acima da teologia e que as idéias de Darwin são

mais aludidas por ele que os portentosos atos de Cristo. Até no

pentecostalismo podemos perceber as idéias previamente concebidas por John

Wesley e no neopentecostalismo, vemos de cara a influência da filosofia

pragmatista norte-americana e até mesmo idéias da seita Ciência Cristã. Tudo

isso torna o trabalho do teólogo muito árduo, aumentando a necessidade de

apologistas cristãos entre nós. A verdade é que herdamos uma teologia

deturpada, fruto do casamento da teologia com a filosofia existencialista. Isso

porém, não significa que toda filosofia seja ruim; há também a boa filosofia e

como disse C.S. Lewis, “se não há razão para existir a filosofia, que ela exista

Page 27: Teologos barth, paul tilich, etc

ao menos para refutar a filosofia ruim”. O problema é quando a filosofia ruim ou

irracional arroga para si o status de verdade universal.

A terceira conclusão é que embora seja muito difícil escapar do nosso

invólucro cultural, não devemos sujeitar a nossa teologia às novas tendências,

correntes filosóficas e modismos pós-modernistas, à fim de agradar as mentes

contemporâneas. Essa tentativa foi feita no século passado por neo-ortodoxos

e liberais, e fracassou. No entanto, aquelas igrejas que permaneceram fiéis à

tradição reformada e ao cristianismo histórico, permanecem até hoje. A razão

disso é que o homem não está simplesmente buscando uma doutrina para

concordar; ele está em busca de uma fé para viver. A necessidade do homem

ainda é a salvação. É por isso que um evangelho sem cruz, sem salvação,

ressurreição ou imposições morais, ainda que pareça agradável aos ouvidos no

início, logo será abandonado: Ele fatalmente fracassa por não pode satisfazer

às exigências da alma humana.

Diante de tudo o que temos exposto, ainda permanece uma pergunta:

Até que ponto nós somos ortodoxos? Muitos teólogos do século passado se

perderam nas idéias do seu tempo de tal forma que as suas abordagens

dificilmente podem ser consideradas cristãs.    E a nossa teologia? Ela ainda

pode ser considerada cristã? Ora, hoje estamos analisando a teologia do

século vinte, mas amanhã serão analisados os pressupostos teológicos do

século vinte e um. O que dirão da nossa teologia? Ou será que nós não temos

pressupostos? Sim, os temos. E na verdade, nós analisamos e julgamos a

teologia contemporânea à luz das nossas pressuposições, isso porque, como

bem afirmou o controverso Rudolf Bultmann, “é impossível exegese sem

pressupostos”. Portanto, nesse início de século, faz-se necessária a avaliação

dos nossos paradigmas e não apenas a simples adequação dos mesmos à

interpretação bíblica. Precisamos olhar para os erros do passado e com muita

cautela construir a teologia do futuro. Devemos nos esforçar ao máximo para

fazer da Bíblia o nosso pressuposto básico, se quisermos construir um edifício

teológico bem alicerçado para o futuro.

Terminamos assim a nossa introdução à difícil matéria de teologia

contemporânea. Não foi possível apresentar uma obra completa ou fazer uma

analise dos pormenores dentro de cada escola. Entendemos que tal esforço

cabe mais a uma enciclopédia que a um ensaio de teologia. A nossa principal

Page 28: Teologos barth, paul tilich, etc

intenção, além de introduzir estudantes de teologia no panorama teológico do

século vinte, é levá-los a refletir sobre as bases sobre a qual a teologia do

século passado foi edificada, incitá-los a pensar de modo crítico e com isso

propor uma analise concernente ao fundamento sobre o qual construiremos a

teologia do século vinte e um. Agora, cabe a cada teólogo fazer a sua parte

nesse edifício, e amanhã, com certeza, saberemos o resultado dessa

construção.  No momento, uma música do cantor evangélico João Alexandre

parece representar bem o quadro do protestantismo brasileiro. Esperamos que

o que hoje é um fato, amanhã seja apenas história.

É proibido Pensar – João Alexandre

Procuro alguém pra resolver meu problema

Pois não consigo me encaixar nesse esquema

São sempre variações do mesmo tema

Meras repetições

A extravagância vem de todos os lados

E faz chover profetas apaixonados

Morrendo em pé, rompendo a fé dos cansados,

Em suas canções

Estar de bem com a vida é muito mais que Renascer

Deus já me deu sua palavra e é por ela que ainda guio o meu viver!

Reconstruindo o que Jesus derrubou

Recosturando o véu que a cruz já rasgou

Ressuscitando a lei, pisando na graça

Negociando com Deus

No Show da Fé milagre é tão natural

Que até pregar com a mesma voz é normal

Nesse evangeliquês Universal

Se apossando dos céus

Estão Distantes do Trono, caçadores de Deus, ao som de um shofar

E mais um ídolo importado dita as regras para nos escravizar…

É proibido pensar.