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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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TELEVISANDO O FUTURO NA SALA DE AULA
ACCORSI, Fernanda Amorim (UEM)1
TERUYA, Teresa Kazuko (UEM)2
Introdução
Este trabalho analisa o Concurso Cultural do projeto “Televisando o Futuro”, da
Rede Paranaense de Televisão (RPC), afiliada da Rede Globo no Paraná. Almeja
contribuir com a linha de pesquisa de Educação, Mídia e Estudos Culturais, verificando
qual material tem adentrado à escola para uma educação pela mídia. As discussões aqui
apresentadas são parte do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicopedagogia,
Aprendizagem e Cultura – GEPAC, cadastrado ao CNPq na linha de pesquisa:
Educação, mídia e estudos culturais.
O “Televisando o futuro” está desde 2008 nas escolas paranaenses. O projeto é
mantido pelo Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM), como uma
responsabilidade social. Nosso objetivo é aproximar dois campos do conhecimento: a
Educação e a Comunicação, focado, portanto, no “[...] o estudo da produção, da
recepção e do uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as
relações sociais, os valores e as noções de comunidade, o futuro e as diversas definições
do eu” (GIROUX, 2011, p. 95).
Concordamos com a concepção de Johnson (2010, p.48) de que as análises sobre
os projetos midiáticos precisam ser cuidadosas para nos revelar “onde e como as
representações públicas agem para encerrar os grupos sociais nas relações de
dependência existentes e onde e como elas têm alguma tendência emancipatória”
(JOHNSON, 2010, p.48).
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Comunicação e Educação e Graduada em Jornalismo. ([email protected]) 2. Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pós-doutora em Educação pela Universidade de Brasília. Professora associada da Universidade Estadual de Maringá, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação. ([email protected])
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A aproximação entre as áreas de Educação e Comunicação, proposta do
“Televisando o futuro”, é pertinente se realizada de duas formas apontadas por Belloni
(2009, p. 11), uma como ferramenta pedagógica e outra como objeto de estudo. Assim é
possível que os objetivos dessa iniciativa contribuam para formar socialmente os
indivíduos. Os recursos midiáticos têm adentrado cada vez mais o espaço escolar, tanto
nas salas de aula como apoio pedagógico quanto no trabalho docente. As mídias podem
ser um instrumento de estudos e também fontes de pesquisas para a produção
acadêmica.
A televisão educativa se apresenta como uma escola paralela, atuando, diz a
autora, como “professora, como conselheira e, provavelmente como companheira”, sem
mediação ou leitura crítica, os “ensinamentos” apresentados pelo referido meio de
comunicação são absorvidos e internalizados, o que de fato interfere na formação do
sujeito. Os meios de comunicação têm em si aspectos de fascinação, deslumbram os
espectadores com um conteúdo midiático, propiciando o desligamento do sujeito da
“realidade física e socioafetiva”, como diz a autora. Ele passa a “vivenciar” uma história
virtual, muitas vezes nada tem a ver com sua realidade vivida dia a dia. Para a autora,
quanto mais forte o elo entre o espectador e a mídia, maior é o índice de dependência,
especialmente das crianças que ficam encantadas com tudo que vêem. Elas diminuem os
horários de socialização e/ou realização de outras tarefas pela facilidade e fascinação de
ficar em frente ao televisor ou monitor.
As mídias de massa são administradas pela elite brasileira e estrangeira que
disseminam padrões de estética conveniente ao sistema e manipulam as pessoas
vulneráveis aos seus apelos de consumo. “O poder da mídia no processo de produção do
universo simbólico garante a manutenção e legitimação da cultura idealizada pelos
grandes grupos econômicos”, afirma Teruya (2006, p.56). As pessoas que possuem um
comportamento passivo em relação à recepção das mensagens midiáticas, especialmente
da televisão, aceitam o pensamento hegemônico como verdadeiro.
A relevância de um olhar crítico sobre o conteúdo da mídia está presente na
dinâmica escolar, que se associa a uma postura inovadora do/a professor/a ao atuar
como mediador/a. Para atender às novas exigências para a docência, não basta ser
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transmissor do saber, mas ser um produtor cultural e um intelectual comprometido com
as atividades inconclusas da educação formal. (GIROUX, 2011).
“Televisar” o futuro?
O “Televisando o futuro” conta com apoio de Secretarias Municipais de
Educação de 38 cidades paranaenses3 e Instituições de Ensino Superior4 conveniadas
para sua realização, que consiste em estimular as escolas inscritas a trabalharem as
reportagens exibidas pela emissora sobre temas centrais como “Educação e família”,
“Escolha consciente & escolha inteligente” e “Educação ambiental” com os alunos.
A proposta prevê que as crianças e adolescentes, depois de assistirem às
reportagens, levem as temáticas para discussão com a família e em seguida as devolvam
à sala de aula para uma nova discussão. Por fim, são realizadas atividades em classe
para se enquadrarem nas categorias expostas pelo regulamento do Concurso: Ilustrador
Mirim, Cartunista Mirim, Redator Júnior, Repórter Teen e Professor Transformador.
Para a realização das atividades, os professores envolvidos passam por formação
específica oferecida pelo GRPCOM. O Concurso ocorre em três níveis: municipal,
regional e estadual. O professor interessado em apropriar-se das reportagens para
participar do concurso conta com formação presencial e a distância, uma lista de
referências bibliográficas sobre mídia e educação para a leitura e artigos sobre a
temática geral.
O tema central das reportagens referentes ao projeto e das atividades realizadas
pelas crianças que participam do Concurso de 2012 é “A cultura da paz”. Em uma das
reportagens exibidas pela emissora, em um dos três telejornais diários, tratava sobre “a 3 Apucarana, Arapongas, Cambé, Campo Mourão, Carambeí, Cascavel, Castro, Cianorte, Corbélia, Cornélio Procópio, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Goioerê, Guaíra, Guarapuava, Irati Ivatuba, Laranjeiras do Sul, Loanda, Londrina, Mandaguari, Marechal C. Rondom, Marialva, Maringá, Medianeira, Nova Esperança, Palmeira, Paranavaí, Pato Branco, Pinhão, Ponta Grossa, São Miguel do Iguaçu, Sarandi, Telêmaco Borba,Tibagi, Toledo, Umuarama, União da Vitória. Disponível em http://redeglobo.globo.com/rpctv/televisandoofuturo/noticia/2012/02/saiba-quem-sao-os-parceiros-do-televisando-o-futuro.html. Acesso em 17 de abril de 2012. 4UDC, FAG, UNIPAR, UNOPAR, UEPG, FACULDADE GUAIRACÁ,FAFI,CESUMAR,UNICENTRO. Disponível em http://redeglobo.globo.com/rpctv/televisandoofuturo/noticia/2012/02/saiba-quem-sao-os-parceiros-do-televisando-o-futuro.html. Acesso em 17 de abril de 2012.
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cultura da paz moldada em papel”, como definiu a apresentadora do telejornal. Na
matéria jornalística, uma descendente japonesa, há pouco tempo no Brasil, é
mencionada como voluntária e ensina uma turma de 4ª série a produzir origamis –
dobraduras da cultura japonesa em forma de animais. A notícia aponta que a prática
incentiva a concentração dos alunos e também colabora com o respeito ao próximo, já
que, segundo a notícia, durante a experiência, as crianças conhecem um pouco de outro
idioma e acessam outras culturas, que não as suas.
Em uma segunda reportagem de março de 2012 é exibida a iniciativa de uma
escola que “em favor da paz” colou cartazes pelo pátio e fez uma apresentação de coral
e poesias sobre o assunto. Na matéria de menos de um minuto, representantes da escola
afirmam que foi um dia todo voltado para a temática, cuja função é ajudar a combater a
violência e fazer da escola um lugar pacífico. Para realizar o trabalho de mediação entre
a mídia e os alunos, os professores dispõem, como já foi dito, de sugestões de leitura,
que defendem uma postura do educador democrático, sobretudo promotor de vozes
sociais.
Deste modo, tal prática pedagógica se opõe ao tecnicismo, paradigma
educacional positivista, cujos princípios se baseiam em produtividade e eficácia, em que
o foco do ensino não está na construção do saber, mas na reprodução do conhecimento,
política que nada tem a ver com a esfera de mídia-educação. O professor, neste cenário,
atua como mediador do conteúdo da mídia, para que ele não dissemine sua ideologia na
escola, mas para que seja um ponto de partida para a transformação social. Percebemos
então a relevância do papel do professor nesta intervenção entre a mídia e os alunos. “O
papel da televisão no processo de socialização será mais ou menos determinante
segundo as diferentes formas de relação das crianças com o meio, a maior ou menor
importância da ação dos outros atores, e o acesso a outras referências culturais.”
(BELLONI, 2009, p. 35).
Logo, se os jovens têm referências além daquelas exibidas pela TV, ele se torna
capaz de perceber que o conteúdo televisivo não é o único padrão existente na
sociedade, considerando que nem tudo que está na tela é real ou retrato da realidade.
Quando ocorre o acesso a outras referências, ele pode elaborar suas próprias concepções
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de mundo. O professor munido de olhar crítico é, portanto, a outra referência para o
aluno além daquelas expostas pela TV.
O Concurso “Televisando o futuro” tem um potencial pedagógico ao trazer a
temática “a cultura da paz” nas escolas, por isso, ressaltamos a importância social do
tema, porque a violência entre os jovens, diz Beloni (2009), está banalizada pelos meios
de comunicação. As imagens de crimes e relatos de conflitos reais são partes de suas
rotinas, aparecem como signo de coragem e não desencadeiam nenhum tipo de
perplexidade ou espanto. A autora ressalta que a não violência significa a falta de
coragem e está relacionada ao “signo de covardia e caminho para a derrota e a
frustração”. (p.38). A mídia-educação, portanto, é um campo de intervenção que se
realiza por meio do projeto “Televisando o Futuro”, promovendo o debate sobre a
“Cultura da Paz” dentro da escola e oferecendo suporte aos professores para o
enfrentamento da realidade.
Um dos artigos disponibilizados aos professores no site do projeto foi escrito
pela coordenadora técnica da ONG “Não Violência Brasil”, Adriana Araújo Bini, em
que ela explica a cultura da paz de Gandhi e a origem da palavra violência. Em
determinado trecho do texto, ela expõe que ser pacífico não é ser passivo, bem como tal
ato não isenta qualquer indivíduo dos conflitos sociais, acontece sim o respeito às
diferenças, sejam elas quais forem. E são textos como este, que vão intervir na didática
do professor, foco de preocupação dos Estudos Culturais, pois atitudes como essa
colaboram com a formação de identidades.
Os textos, neste sentido, não se referem simplesmente à cultura da imprensa ou à tecnologia do livro, mas a todas aquelas formas auditivas, visuais e eletronicamente mediadas de conhecimento que têm provocado uma mudança radical na construção do conhecimento e nas formas pelas quais o conhecimento é produzido, recebido e consumido. (GIROUX, 2011, p.95).
Os conteúdos midiáticos, portanto, perpassam o espaço escolar e interferem no
processo de ensino e aprendizagem. Daí a exigência de maior atenção e o olhar crítico
para que os projetos educativos de uma emissora televisiva não sejam apenas objeto de
manipulação, conforme o desejo dos produtores de mídia.
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Mídia-educação e os Estudos Culturais
Para analisar o nosso objeto de estudo, recorremos aos Estudos Culturais. Este
referencial teórico teve origem na década de 50 do século XX como um movimento
político e cultural. Os autores dessa corrente teórica combatem a ideia de alta cultura
produzida pela elite e a baixa cultura ou popular para defenderem que todas as formas
culturais, inclusive da mídia, como “dignas de exame e crítica”. (KELLNER, 2001, p.
53). A vertente teórica ocupa-se das alterações culturais que têm ocorrido na sociedade
contemporânea. Não se configura como uma disciplina, ao contrário, enfatiza a junção
de várias disciplinas no estudo das diferentes culturas que permeiam a nossa sociedade.
Nesta vertente, todas as formas de produção cultural podem ser objetos de
estudo, pois a cultura é o entrelace das práticas sociais. “E essas práticas, por sua vez,
como uma forma comum de atividade humana: como práxis sensual humana, como
atividade através do qual homens e as mulheres fazem história”, defende Stuart Hall
(2003, p. 142). No campo da mídia, as pesquisas relacionadas a este plano teórico
estudam as identidades sociais, a cultura popular e as relações de poder (TERUYA,
2009). Propõem outro olhar sobre as narrativas midiáticas e se preocupam com os
discursos que enfatizam os problemas relativos à intolerância e ao consumo, por isso
defendem uma educação para os meios de comunicação.
Problematizar os discursos midiáticos é uma possibilidade de os indivíduos
produzirem sentido para sua subjetividade. A manipulação do conteúdo, pelo viés
informativo de uma leitura da realidade, traz consigo o aspecto comercial e industrial,
por isso é necessário educar o olhar. Esses discursos estão no espaço escolar, na prática
pedagógica. A compreensão dessa realidade exige um processo de decodificação do
discurso, a fim de formar uma geração mais crítica. Os/as professores/as deixam de ser
meros transmissores/as de conhecimento para se tornarem produtores/as de cultura.
Nesta perspectiva, a educação dos/as professores/as se modela não através de um dogma particular, mas através de práticas pedagógicas que promovem as condições para que os/as estudantes estejam criticamente atentos/as à natureza histórica e socialmente construída de seus conhecimentos e experiências num mundo extremamente cambiante de representações e valores. (GIROUX, 2011, p. 97-98).
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Na prática educativa, autores como Giroux (2011), Hall (2005), Kellner (2001) e
Silva (2010) defendem a valorização das “identidades culturais”, o respeito ao diferente,
bem como a criticidade frente às ideologias que dominam e alienam os sujeitos, atitudes
que permitem o enfrentamento das desigualdades sociais. Neste cenário, a escola não é
vista como um espaço isolado das outras esferas sociais, um exemplo disso é que cada
vez mais se percebe a presença de temáticas sociais junto às disciplinas do currículo
escolar.
Ressaltamos que a intenção deste trabalho não é questionar a pertinência ou não
da prática de aliar Comunicação e Educação, mas perceber quais são os recursos
oferecidos pelo “Televisando o Futuro” para a educação, à luz dos Estudos Culturais.
Vendo a cultura como algo incompleto, ainda em processo de construção, os Estudos
Culturais se preocupam, em especial, com “a relação entre cultura, conhecimento e
poder”. (GIROUX, 2011, p.83). Ao apresentar a temática, incluindo os métodos
didáticos e conteúdo teórico, o projeto “Televisando o futuro” tem colaborado com o
desenvolvimento da cultura escolar, e, a linguagem contribuído com a formação das
identidades sociais.
[...] os/as defensores/as dos Estudos Culturais têm fortemente argumentado que o papel da cultura da mídia, incluindo o poder dos meios de comunicação de massa, com seus massivos aparatos de representação e sua mediação do conhecimento, é central para compreender como a dinâmica do poder, do privilégio e do desejo social estrutura a vida cotidiana de uma sociedade (GIROUX, 2011, p. 87-88).
Para substanciar este assunto, partimos então para a análise do referido concurso,
com base nos autores que nos dão apoio teórico para verificar se há uma cultura da
mídia produzida nas escolas participantes do projeto, que é oriundo de um meio de
comunicação.
Outro olhar sobre o “Televisando o futuro”
São muitas as reportagens da RPC que servem como fonte para debate e
produção em sala de aula do Concurso “Televisando o futuro”. Em uma delas, exibida
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no início do mês de abril de 2012 e disponível no site da RPC dura quase quatro
minutos, contando a história de uma escola municipal de Curitiba, que virou exemplo
no quesito mudanças de hábitos, isto é, as crianças passaram, depois da implantação de
um projeto pedagógico que focava “a cultura da paz”, a dizer “por favor”, “obrigado” e
“com licença”.
Na reportagem, após observar que os alunos estavam mais agressivos, o corpo
docente, com a equipe diretiva, iniciou um trabalho para melhorar o comportamento
deles na escola. Foi então que montaram um projeto “onde se trabalha a paz, onde se
trabalha a gentileza”, como disse a diretora da referida escola em entrevista à RPC.
Livros sobre a temática da paz foram comprados, rodas de leituras foram realizadas e as
atitudes começaram a mudar em relação aos funcionários e professores da escola e
foram, posteriormente, levadas para casa.
Em nenhum momento da entrevista, os personagens disseram que a iniciativa
pela paz tem relação com o concurso cultural, eles mencionam que trabalhar a cultura
da paz é uma forma de enfrentamento da violência, realidade da escola até o início da
ação. Se para promover uma escola, a mídia exibe alunos em frente o computador, a fim
de representá-la como moderna e contemporânea, como afirma Teruya (2006, p. 89), na
reportagem mencionada a intenção pode ser sim de promoção da escola como referência
de bons modos. Portanto, a visibilidade dada a escola por meio da reportagem pode ser
uma resposta da emissora à participação da instituição no concurso, pois o regulamento
prevê que a escola deve organizar e realizar atividades sobre a temática da paz. Na
página principal do site do Concurso está a seguinte afirmação: “Inscreva-se e tenha seu
trabalho reconhecido!”.
Na relação entre a escola e a mídia, é interessante mencionar que a emissora de
“televisão é uma empresa que visa ao lucro e busca um bom negócio, o que significa
sucesso de público. Mas a garantia de audiência depende do grau de sedução e
fascinação que a tela do televisor proporciona ao telespectador”. (TERUYA, 2006, p.
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As reportagens retratam iniciativas de algumas escolas sobre a “cultura da paz”,
as quais são, ao mesmo tempo, exibições de iniciativas de instituições de ensino em prol
da pacificação escolar e objeto de inspiração dos alunos para o desenvolvimento das
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atividades do concurso. As questões pertinentes aqui são: a leitura crítica faz parte do
olhar do espectador? Ou as reportagens exibidas são, como afirma Teruya (2006, p. 56),
“[...] flashes de acontecimentos cotidianos informados artificialmente”?
A audiência das redes de comunicação social também não é esquecida pelo
concurso, pois professores/as e alunos/as ficam responsáveis por assistir as matérias
jornalísticas e difundir as questões abordadas em outras esferas sociais como a família.
O regulamento do concurso, disponibilizado no site da emissora, diz que serão exibidas
pelo menos cinco reportagens sobre a “Cultura da paz” na programação da RPC nos
meses de março e abril de 2012, sem horários previstos. Parece uma estratégia para
manter os/as professores/as ligados/as a esta emissora para acompanhar as reportagens,
precisam estar atentos/as à programação televisiva ou assistir às notícias no site da RPC.
Ressaltamos que a formação cidadã na escola não demanda necessariamente a
presença da mídia na educação, porque não é uma característica exclusiva da linha
metodológica de mídia-educação. A tecnologia por ela mesma não implica em
cidadania, reflexão e leitura crítica, “o cidadão é o indivíduo que tem acesso aos bens
culturais e materiais com capacidades para dominar os recursos técnicos e intelectuais”
(TERUYA, 2006, p. 103). A apropriação da mídia na educação não implica na
democratização do processo de ensino e aprendizagem ou na inclusão digital dos/as
alunos/as.
Em contrapartida, o site do Concurso “Televisando o futuro” afirma que em
2011, 508 escolas, de 22 municípios, somando 5.880 alunos e 150 professores
participaram da iniciativa. Em linhas gerais todos os indivíduos enumerados acima
consumiram as informações disponibilizadas nas reportagens e fizeram uso delas nas
suas atividades pedagógicas. Percebe-se que a informação se torna uma espécie de
mercadoria, objeto de desejo e consumo da comunidade escolar, porque apenas assim
ela pode participar do Concurso Cultural e para ganhar prêmios, tais como, câmeras
digitais e laptop e conquistar a consagração como vencedora de determinada categoria.
“A mídia tem todo um aparato para convencer as pessoas a consumirem
mercadorias, e até a informação se tornou uma coisa de consumo, uma mera
mercadoria” (2006, p. 108). Nas reportagens exibidas, as informações consumidas dão
origem ao trabalho pela “cultura da paz” e também segundo elas, têm transformado a
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realidade escolar. Neste ponto, percebemos as duas facetas da apropriação da mídia na
escola, ela pode ser simplesmente consumida pela comunidade escolar ou ponto de
partida para a transformação social.
Numa sociedade em que a violência é palco de sensacionalismo por parte dos
meios de comunicação, cujas coberturas chegam perto de esgotar fatos de crueldade e
criminalidade social, também estão famílias inteiras reféns da violência, que com medo
isolam-se em suas casas tentando evitar em suas vidas, o que de fato é mostrado pela
TV. (BUCCI; KEHL. 2004). A temática “A cultura da paz” poderia vir com um alento à
esta sociedade, porém vemos aqui uma contradição: a mesma mídia que expõe a
violência, banalizando a criminalidade, dando mais espaço aos casos policiais, vem
trazer temas tido como de responsabilidade social em prol da paz, começando pelo
espaço escolar.
Para Kellner (2001, p. 54), “[...] a cultura da mídia é também o lugar onde se
travam batalhas pelo controle da sociedade”. A televisão exibe aos espectadores a
violência como uma realidade cotidiana, e, ao mesmo tempo, oferece formas para
combatê-la, portanto, é uma cultura que se forma por meio dos fragmentos da notícia
que mostram os conflitos sociais e os projetos de soluções com chamadas para
envolvimento da população. Outra verificação de nosso estudo se refere ao envio dos
textos ou desenhos ao Concurso. Estes precisam estar anexados em “folha padrão”,
como pede o regulamento, disponível no site da emissora. No verso da folha constam os
dados dos participantes. São cinco classificados por escola que podem participar da
primeira fase, a municipal.
Constatamos nessas ações os resquícios da abordagem tecnicista da educação,
em que o/a professor/a utiliza um manual para que o aluno não seja desclassificado da
competição, caracterizando sua prática docente com a busca por comportamentos
desejados. (BEHRENS, 2005, p. 49). A autora salienta que:
A exigência de atender à tecnologia educacional levou o professor a utilizar estratégias de ensino, objetivos instrucionais, instrução programada, multimeios, módulos instrucionais, manuais, técnicas de microensino, exigindo eficiência e habilidade do professor e do planejador. (BEHRENS, 2005, p. 51).
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Outra contradição se dá aqui: de um lado os materiais pedagógicos oferecidos
pelo Concurso aos professores exigem uma postura de professor-mediador, crítico,
criativo e numa outra ponta o regulamento do concurso lapida a prática pedagógica de
forma a padronizar as experiências realizadas pelos participantes do Concurso, não
dando muitas opções metodológicas reflexivas aos envolvidos. Assim, vamos, aos
poucos, percebendo que aquilo que era familiar tornar-se estranho, uma das
características da análise pelos Estudos Culturais.
Considerações iniciais
Por meio deste breve estudo, percebemos a possibilidade dos Estudos Culturais
serem o viés teórico de professores que estão frente ao trabalho da interface Educação e
Comunicação. A pedagogia, nesta corrente, é tida como “um ato de descentramento,
uma forma de trânsito e de cruzamento de fronteiras”, um estudo não somente das
linguagens, no caso da linguagem midiática, mas também as formas e relações de poder.
(GIROUX, 2011, p. 92). O/a professor/a que adere a este campo de intervenção
pedagógica pode fazer do seu trabalho uma fonte de conquista de novos olhares do
conteúdo da mídia, mas, principalmente, novos olhares sobre a sociedade em que
estamos inseridos.
Ressaltamos a ambivalência de uma prática educacional que cause, ao mesmo
tempo, estranhamento daquilo que lhe é apresentado e uma apropriação crítica
responsável por emancipar os sujeitos daquilo que os torna refém, por meio do
pensamento reflexivo. Sem dúvida, tal ação nos remete a um grande desafio para a
educação brasileira.
REFERÊNCIAS
BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2009. BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Pertópolis: Vozes, 2005.
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BUCCI, Eugênio. Como a violência na TV alimenta a violência real – da polícia. In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 107-116. GIROUX, Henry A. Praticando Estudos Culturais nas faculdades de educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org). Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais em educação. 9.ed. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2011, p. 83-100. HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. JOHNSON, Richard. O que é, afinal, os Estudos Culturais? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que é, afinal, os Estudos Culturais. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 7-132. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001. NELSON, Cary; TREICHLER, Paula A; GROSSBERG, Lawrence. Estudos culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org). Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos Estudos Culturais. 9.ed. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2011 SILVA, Tomaz Tadeu. O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. TERUYA, Teresa Kazuko. Trabalho e Educação na Era Midiática: um estudo sobre o mundo do trabalho na era da mídia e seus reflexos na educação. Maringá: Eduem, 2006. TERUYA, Teresa Kazuko.Sobre mídia, educação e Estudos Culturais. In. MACIEL, Lizete Shizue Bomura; MORI, Nerli Nonato Ribeiro (Org.)Pesquisa em Educação: Múltiplos Olhares. Maringá: Eduem, 2009. p. 151-165.