igrejas “inclusivas” como espaços para a luta...
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Ministério da Educação – Brasil
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJMMinas Gerais – Brasil
Revista Vozes dos Vales: Publicações AcadêmicasReg.: 120.2.095 – 2011 – UFVJM
ISSN: 2238-6424QUALIS/CAPES – LATINDEX
Nº. 17 – Ano IX – 05/2020http://www.ufvjm.edu.b r/vozes
Igrejas “inclusivas” como espaços para a luta LGBT
Profª. Drª. Andréa Kelmer de BarrosMestre em Ciência da Religião
Universidade Federal de Juiz de Fora/MG - BrasilDoutora em Política Social – Universidade Federal Fluminense
Docente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - Brasilhttp://lattes.cnpq.br/4715572214827948
E-mail: [email protected]
Resumo: O objetivo do presente artigo1 é apresentar um breve histórico sobre ainserção do público LGBT nas chamadas “igrejas inclusivas” no Brasil. Nestasigrejas, este público encontra espaços para vivenciar experiências de fé, eoportunidades de defenderem as bandeiras políticas e sociais do movimentonacional LGBT. Ao longo das últimas décadas, mesmo frente a diversos desafios eretrocessos, o movimento LGBT tem alcançado diversas conquistas no campo daspolíticas públicas e do direito civil. Paralelas a estas conquistas, vêm crescendo noBrasil as igrejas chamadas de “inclusivas”, que recebem o público LGBT e apontampara uma homilia inclusiva e respeitosa. Acredita-se que estas igrejas contribuemcom as lutas do movimento LGBT no país.
Palavras-chave: LGBT. Igrejas Inclusivas. Lutas sociais.
1 Este estudo é fruto de pesquisas realizadas em meu doutorado em Política Social na UFF/Niterói.
Revista Vozes dos Vales – UFVJM – MG – Brasil – Nº 17 – Ano IX – 05/2020Reg.: 120.2.095–2011 – UFVJM – QUALIS/CAPES – LATINDEX – ISSN: 2238-6424 – www.ufvjm.edu.br/vozes
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Introdução
O objetivo deste artigo é registrar a inserção do público LGBT nas chamadas
“igrejas inclusivas” no Brasil. Ao longo das últimas décadas o movimento social
LGBT tem alcançado diversas conquistas no campo das políticas públicas e do
direito civil, como o casamento, a adoção, programas de saúde específicos para o
público LGBT e cirurgias médicas para pessoas trans. Paralela a estas conquistas,
vêm crescendo no Brasil as igrejas chamadas de “inclusivas2”, que recebem o
público LGBTI e apontam para uma homilia inclusiva e respeitosa.
Dentre os principais desafios está posta hoje a dificuldade de diálogo e
aproximação com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos humanos3, que
atualmente está sob o comando de uma Ministra evangélica que tem feito
declarações homofóbicas e preconceituosas. Logo após sua posse, declarou que é
chegada uma nova era em que meninos vestem azul e meninas vestem rosa. A
Ministra também critica a educação brasileira, acreditando haver grupos que
pretendem implantar uma “ideologia de gênero” e “doutrinar” as crianças
incentivando-as a se tornarem homossexuais. Ela ainda demonstra convicção ao
afirmar que sexo entre duas mulheres é uma aberração4. Falas com conteúdos como
aqui destacados demonstram que provavelmente haverá desafios no diálogo e
aprovação de políticas para o grupo LGBT ao longo de seu mandato.
Este estudo é de fundamental importância nos tempos atuais dentro e fora do
campo acadêmico, pela atualidade do tema no campo universitário e pelo
crescimento de estudos, encontros, grupos de estudo e pesquisas realizadas nos
últimos anos no país5. Concomitante a este aspecto, pesquisadores devem estar
2 Por ‘igreja inclusiva’ concordamos com Barreto e Oliveira Filho (2012) para quem se trata de umacomunidade cristã que acolhe e integra heterossexuais e homossexuais com igualdade de direitosreligiosos.3 Criado em 17 de abril de 1997 e recriado em 03 de fevereiro de 2017, este ministério do governofederal brasileiro visa implementar, promover e assegurar os direitos humanos no país. Busca aampliação de espaços de cidadania para mulheres, idosos, pessoas com deficiência e crianças. Coma eleição do atual presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, em outubro de 2018, está à frentedeste Ministério, desde o inpicio de 2019 a pastora Damares Alves.Fonte: www.mdh.gov.br. Acessoem 30 de setembro de 2019.4 Estas falas da Ministra Damares Alves podem ser encontradas em revistas e jornais on line como arevista fórum. com. br ; revista exame.abril.com.br; e portalg1. globo.com. publicadas ao longo doano de 2019.5 Citaremos ao longo deste trabalho aquelas que consideramos as mais relevantes.
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preocupados com este assunto, pois religião e homossexualidade têm relevante
importância social, política e cultural. A cada dia mais cresce a luta LGBT, e se
ampliaram as igrejas inclusivas em vários Estados brasileiros nesta última década.
As explicações de que os homossexuais estão condenados ao inferno, ou que a
religião serve apenas àqueles que abandonam a prática homossexual por meio da
conversão religiosa, já não contentam boa parte da sociedade. Urge que se abram
novos rumos a estas interpretações e dogmas.
Foi por decorrência da criação do movimento LGBT no Brasil que a pauta
sobre a homossexualidade passa a preocupar religiosos e algumas igrejas. Outra
razão que se soma à necessidade urgente de se estudar esta temática é que,
segundo dados do jornal Carta Capital6, o Brasil passou do 55º lugar em 2018 para o
68º em 2019 no ranking do site Spartacus dos países mais acolhedores para a
comunidade LGBT. Este dado significa uma queda de 13 posições em relação ao
ano de 2018 e, na comparação com os últimos 10 anos, o tombo é ainda maior: 49
posições. Em 2010, os brasileiros chegaram a ocupar o 19° lugar. A grande
preocupação com este dado é que esta redução no acolhimento significa aumento
no número de casos de violência e ações preconceituosas.
Controle clínico, social e cultural dos corpos e desejos LGBT
Não são recentes as tentativas de controle dos corpos, identidades e da
própria sexualidade humana por parte da religião, de parte da medicina curativa
através de conhecimentos psiquiátricos, e do judiciário. Elas sempre se fizeram
presentes. Conforme Mariza Corrêa (2004), em todas as sociedades humanas o
corpo é desconfigurado e re-configurado para adequar-se a fantasias socialmente
compartilhadas, às convenções sociais vigentes. Sérgio Carrara (2005, p.19) diz que
em nossa sociedade
sempre se conheceu muito mais a sexualidade pelo seu potencial de perigodo que por seu potencial de prazer; muito mais por ameaçar a sociedade esuas instituições do que por ser por elas transformada não raramente emfonte de dor, de isolamento moral, de estigma e de exercício de poder. Tal-
6Fonte: Brasil cai 13 posições no ranking de países seguros para LGBTs. Em:https://www.cartacapital.com.br/. Acesso em 20 de março de 2019.
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vez seja por isso mesmo que saibamos hoje muito mais sobre a sexualida-de de homossexuais do que a de heterossexuais, mais sobre as mulheresdo que sobre os homens, mais sobre os jovens do que sobre os adultos. Ouseja, conhecemos muito mais sobre a sexualidade que de algum modo nos-sas sociedades definem como problemática e perigosa.
Laraia (2006, p. 67-68) também nos ajuda a conhecer melhor a nossa
herança cultural, esclarecendo que ela foi desenvolvida através de inúmeras
gerações, e sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao
comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da
comunidade. Por isso, discriminamos o comportamento “desviante”. Para
exemplificar, diz que até recentemente “o homossexual corria o risco de agressões
físicas quando era identificado numa via pública e ainda hoje é objeto de termos
depreciativos”. Vale ressaltar que ainda nos dias atuais a questão da violência é um
ponto presente na pauta das reivindicações da luta homossexual organizada em
nosso país. Gohn (2010, p. 99) enfatiza que “gays, lésbicas e transexuais não são
apenas discriminados. Eles são criminalizados, alvos de atentados à vida, são
perseguidos e morrem em atentados de grupos fascistas e nazistas”.
Trevisan (1986) nos conta que desde o período colonial, no Brasil, sempre
esteve muito presente o “pecado da carne”. A promiscuidade, a pederastia, a
sodomia7, estavam presentes inclusive nas instituições religiosas brasileiras. Tal
quadro chegou a preocupar de tal forma a Igreja Católica, que estas tendências
sexuais foram investigadas pela chamada Santa Inquisição. Trevisan (1986, p. 244)
ainda nos diz que “já no Rio de Janeiro, no final do século XIX, conta-se que havia
um bordel masculino dirigido por Traviata, famosíssima bicha da época”.
No período das confissões realizadas pela Inquisição, a sexualidade foi
catalogada e classificada. Quando os visitadores do Santo Ofício instalaram seus
tribunais na Bahia e em Pernambuco entre os anos 1591 e 1620, de um total de 283
culpas confessadas nestes tribunais, houve 44 casos de sodomia. O inquisidor
questionava ao penitente tanto sobre seus pensamentos como sobre seus atos
pecaminosos. Se inicialmente apenas o ato praticado fosse razão para condenação,
com o tempo, também as intenções e desejos, mesmo quando apenas fantasiados,
7 Sodomia refere-se, na tradição judaico-cristã, à prática homossexual existente na cidade deSodoma. Esta história bíblica é narrada no livro de gênesis, capítulo 19, versículos de 1 a 11. Ascidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas por causa de seus “pecados perversos”. Pecadosestes que estavam atrelados diretamente à homossexualidade. Ver Lima (2011).
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se tornaram passíveis de julgamento. De acordo com Trevisan (1986), no Brasil, a
chamada Santa Inquisição - que matou milhares de pessoas na Europa - demarcou
de forma legítima uma clara perseguição aos homossexuais em nosso país. A
Inquisição iniciou-se no século XVI, tendo seu auge no século XVIII. Segundo o
autor,
O historiador Paulo Prado espantava-se com a percentagem de delitos se-xuais encontrado na Visitação de 1591 à Bahia: dentre 120 confissões, 45referiam-se a transgressões de ordem sexual, atestando em que ambientede dissolução e aberração viviam os habitantes da colônia, que praticavamsodomia, tribadismo e pedofilia erótica, produtos da hiperestesia sexual amais desbragada, só própria dos grandes centros de população acumulada.Nessa Visitação, os crimes por sodomia aparecem em segundo lugar entreos mais praticados, só sendo suplantados por delitos de blasfêmia que mui-tas vezes denotavam uma fértil e ácida imaginação 8. (TREVISAN, 1986, p.77-78).
Resquícios dos resultados da visitação da Inquisição no Brasil foram vistos na
Constituição do Império, em 1823. Segundo Trevisan (1986), o capítulo XXIII
daquela Constituição tratava das pessoas que cometiam sodomia ou alimárias (sexo
com animais). Determinava-se que os que praticassem estes pecados fossem
queimados e transformados em pó para que nem de seus corpos, nem de suas
sepulturas houvesse memória. Seus bens eram confiscados e destinados à Coroa e
seus descendentes se tornavam infames. O autor ainda nos informa que no Brasil
colônia “havia as constituições eclesiásticas, distintas tanto da Justiça secular
quanto do Tribunal da Inquisição. Nelas, a sodomia era prevista como crime e
considerada hediondo pecado, péssimo e horrendo, provocador da ira de Deus e
execrável até pelo próprio Diabo”. (TREVISAN, 1986, p. 102)
8 Dentre as 203 culpas aí confessadas, os pecados sexuais especificamente por sodomia eram emnúmero de 37, ou seja, 18% do total. Eles incluíam práticas sexuais entre dois homens, duasmulheres ou homem com mulher (nesse caso, especificamente o coito anal). A importância da práticada sodomia no Brasil colonial é apontada pelos cálculos do antropólogo Luís Mott, segundo o qualhavia 117 casos de sodomitas entre os 557 denunciados e confessantes nas Visitações da Bahia ePernambuco, de 1591 a 1593 respectivamente - portanto, 21% do total das faltas cometidas. Nasegunda Visitação à Bahia (1618/20), comparecem perante os inquisidores 62 confessantes (56homens e 6 mulheres), sendo então confessados 16 atos de sodomia. Deve-se notar que,comparando-se as confissões da Bahia em 1591 e 1618, verifica-se um aumento de pecados desodomia e blasfêmia, talvez porque a sociedade tenha se tornado mais livre e o controle social menoseficaz, sem esquecer que o clero devasso certamente possuía autoridade cada vez menor paraexercer vigilância moral sobre a população. (TREVISAN, 1986, p. 77- 78)
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Foi a partir do século XIX que a homossexualidade passou a ser estudada
com maior afinco, principalmente pelos médicos psiquiatras, que passaram a
diagnosticar sobre a “doença homossexual”. Estava presente a ideia da
naturalização da heterossexualidade e da superioridade masculina e da
masculinidade sobre os homens efeminados. De acordo com Santos (2011, p. 03),
nos debates sobre sexo e papéis sexuais do século XIX, a preocupação principal era
com as fronteiras sexuais. Os médicos direcionavam a atenção para a possibilidade
de feminização do homem (representada pela homossexualidade), e de
masculinidade da mulher (resultado do excesso de trabalho físico e mental),
evidenciando que as influências do meio poderiam intervir na diferenciação dos
sexos. Contudo, Rohden (2004) nos alerta que este status da medicina nesse
período histórico, e a consequente imagem de um domínio científico superior aos
demais saberes nos estudos e pesquisas sobre a sexualidade, na verdade, estavam
imbuídos de um conhecimento médico que era influenciado por concepções culturais
e visões de mundo que interferiram nas conclusões clínicas destes profissionais. Em
suas palavras, a autora diz que
eram os cientistas, e no caso do corpo humano, os médicos, os legítimosdonos dos instrumentos, das chaves de compreensão, que permitiriam abs-trair o conhecimento. Os médicos teriam o importante papel de revelar paraa sociedade aquilo que a natureza deixava evidente nos corpos. O interes-sante é considerarmos o fato de como este trabalho já estava, desde o iní-cio, em alguma medida, permeado pelas concepções culturais destes médi-cos. Ou seja, aquilo que percebiam como natural já era fruto de suas visõesde mundo, de suas noções morais, de suas referências sobre as relaçõesde gênero. (ROHDEN, 2004, p. 194).
Ainda no século XIX, a homossexualidade passou a preocupar os médicos
higienistas contratados pelo Estado, que começam a se alarmar com os altos
índices de mortalidade infantil e péssimas condições sanitárias em que viviam as
famílias no país. Algumas teses com este conteúdo foram publicadas. Contudo, no
que se refere à sexualidade/homossexualidade, de acordo com Góis (2003, p. 01)
tais teses, em termos gerais, buscavam identificar traços comuns aos entãochamados “pederastas” e “viragos” e salientar a degeneração contida noscorpos de homens e mulheres que mantinham relações sexuais com pesso-as do mesmo sexo. Outrossim, esses estudos buscavam propor medidassanitárias e repressivas que pudessem reduzir ou eliminar os efeitos supos-tamente deletérios da presença daquelas pessoas na vida social.
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No Brasil, o médico higienista acabou por invadir a privacidade dos lares,
“impondo sua autoridade em vários níveis. Além do corpo, também as emoções e a
sexualidade dos cidadãos passaram a sofrer interferências desse especialista cujos
padrões higiênicos visavam melhorar a raça e, assim, engrandecer a pátria”.
(TREVISAN, 1986, p. 104-105) A pederastia, ou a concepção higienista moralista
sobre a pederastia, demonstrou-se clara neste processo de limpeza das cidades
brasileiras. Segundo Trevisan, a higiene médica considerava a pederastia um
exemplo negativo. Aos meninos era orientado que praticassem exercícios físicos
para evitar a efeminação, devendo ainda aprender a amar o trabalho, tornando-se
amante da moral e bons costumes. Já aos homens adultos praticantes da
pederastia, havia uma indicação que Trevisan chama de tratamento de choque:
Ou o homem seguia os preceitos da higiene ou se desvirilizava, conformepodia ser comprovado na figura execrável do pederasta. Com isso, refor-çava-se o controle médico e, automaticamente, o papel do higienista, queassim saía lucrando duplamente, graças à anatematização do sodomita.(TREVISAN, 1986, p. 107)
Como consequência desta intervenção médica na sexualidade do brasileiro,
abriu-se, além do controle policial, um espaço para a especialidade médico-
psiquiátrica, que se tornou a especialidade em assuntos sobre a sexualidade e,
consequentemente, a homossexualidade. A partir de então, a homossexualidade
passa a ser considerada uma doença, e o homossexual deve ser controlado, por ser
considerado um perigo iminente para a sociedade “sã”. Trevisan nos informa que,
numa tese publicada em 1926, denominada As perversões sexuais em medicina
legal, do médico-legista Viriato Fernandes Nunes, consta que
Esses criminosos (os pederastas) têm perturbadas as suas funções psíqui-cas, nem por isso a sociedade pode permitir-lhes uma liberdade que elesaproveitariam para a prática de novos crimes. Portanto, não é justo, acres-centava outro médico-legista, Aldo Sinisgalli, que a sociedade fique expostaàs reações das suas mórbidas tendências, pois o homossexualismo signifi-ca a destruição da sociedade, e enfraquecimento dos países; se ele fosseregra, o mundo acabaria em pouco tempo. Daí porque a sociedade deveutilizar meios de repressão que, se não resvalam pelos antigos excessos,previnem com segurança a repetição desses crimes, atendo-se a normascientíficas muito diversas daquele primitivo empirismo, segundo o mesmoDr. Fernandes Nunes”. (TREVISAN, 1986, p. 113)
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No Código Penal Brasileiro a homossexualidade não era diretamente punida.
Havia leis contra a vadiagem, perturbação da ordem pública e prática de atos
obscenos em público, que davam espaço à repressão policial e atingia, sobretudo,
os mais pobres e os de pele mais escura. Apesar da punição e controle da
sexualidade àqueles que afrontavam a sociedade e seus ‘bons costumes’,
diferentemente de outros países como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido,
onde a homossexualidade foi considerada durante muito tempo uma prática
criminosa, no Brasil, as referências à sodomia deixaram de fazer parte do Código
Penal desde 1830. Por aqui, o controle legal das práticas homossexuais se valeu
das leis contra as relações sexuais envolvendo menores de idade
(independentemente do sexo), ou atentado ao pudor e a vadiagem. Até 1940,
vigorou também uma proibição legal ao travestismo, então descrito como o uso em
público de "trajes impróprios" para disfarçar o sexo com intenção de enganar.
(SIMÕES NETO, 2011, p. 54)
A preocupação em se tratar, ou até mesmo eliminar a homossexualidade, tida
como pecado, crime ou doença, está diretamente vinculada ao paradigma naturalista
da pseudo natureza superior dos homens, que remete à dominação masculina, ao
sexismo e às fronteiras rígidas entre os gêneros masculino e feminino. Trata-se de
uma visão heterossexuada do mundo, na qual a sexualidade “normal” e “natural”
está limitada às relações sexuais entre homens e mulheres (WELZER-LANG, 2001,
p.460). As outras sexualidades, homossexualidades, bissexualidades, sexualidades
transexuais... são, no máximo, definidas, ou melhor, admitidas, como “diferentes”. O
autor entende que o problema central deste paradigma encontra-se no
heterossexismo, que é a discriminação e a opressão baseadas em uma distinção
feita a propósito da orientação sexual. O heterossexismo é a promoção incessante,
pelas Instituições e/ou indivíduos, da superioridade da heterossexualidade e da
subordinação simulada da homossexualidade, como também da bissexualidade, as
sexualidades transexuais, etc. (WELZER-LANG, 2001, p.467) Continuando, informa
que o heterossexismo toma como dado que todos são Heterossexuais, e os homens
que querem viver sexualidades não-heterocentradas são estigmatizados como
homens anormais, acusados de serem “passivos”, ameaçados de serem associados
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a mulheres e tratados como elas. Isto significa que ser homem é ser “ativo”. O autor
cita Michäel Pollack para quem
a hierarquia tradicionalmente estabelecida [...] entre o “fodido” e o “fodedor”,o primeiro sendo recriminado socialmente, pois ele transgride a ordem “na-tural” das coisas, organizada segundo a dualidade feminino (dominado) emasculino (dominante). De forma que, em algumas culturas, só é conside-rado um “verdadeiro veado” aquele que se deixa penetrar e não aquele que“penetra. (WELZER-LANG, 2001, p.468)
Fraser (2010) também nos alerta sobre esta questão, afirmando que muitas
vezes o valor cultural que constitui algumas categorias de atores sociais como
normativas, e outras como deficientes ou inferiores (heterossexual é normal,
homossexual é anormal), é perverso. Este separatismo cria um padrão
institucionalizado de valor cultural e impede que alguns atores sociais participem
com equidade na sociedade. Como exemplo, ela cita o caso das leis matrimoniais
que negam a paridade de participação a gays e lésbicas, onde claramente se tem
uma injustiça pautada na institucionalização legal de um padrão heterossexista de
valor cultural que constitui os heterossexuais como normais, e os homossexuais
como perversos. (FRASER, 2010, p. 122-123)
Algumas Conquistas e desafios do Século XX
Será apenas a partir da década de 1970, que se reivindicará uma política de
identidade, que busca a aceitação e a integração dos homossexuais no sistema
social. Apesar de toda a homofobia existente nessa década, abre-se uma gama de
solidariedade entre ONGs e novos grupos de defesa dos direitos homossexuais,
visando esclarecer e lutar contra as discriminações latentes no período. Segundo
Louro (2001), na década de 1980 multiplicaram-se tanto os movimentos sociais
como seus propósitos. Há grupos de homossexuais que ainda lutam por
reconhecimento e legitimação de suas causas; outros se posicionam contra as
fronteiras tradicionais de gênero e das dicotomias masculino/feminino e
heterossexual/homossexual.
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O movimento homossexual foi um dos que mais se ampliou e se organizou no
Brasil a partir da década de 1980. Prova desta mobilização, foi a realização de
quatro encontros nacionais de grupos homossexuais entre 1984 e 1991. Dentre as
metas de luta que apareceram nesses encontros, podemos citar o combate pela
legalização do casamento gay, a reivindicação por um tratamento positivo da
homossexualidade, a denúncia da violência contra homossexuais e a preocupação
com a discriminação religiosa. Em todos eles, a luta contra a AIDS recebeu
destaque especial. .(SIMÕES E FACCHINI, 2009, p.128)
Além dos encontros nacionais, foi criada ainda na década de 1980, a primeira
ONG-AIDS brasileira: o Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA), na capital
paulista, em 1985. O GAPA tornou-se um referencial importante de orientação não
discriminatória e de defesa dos direitos dos homossexuais. Foi no ano de 1988 que
se consolidou um Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DST)/AIDS dentro da estrutura do Ministério da Saúde.
Segundo Simões e Facchini (2009, p.133)
Para além do apoio oferecido pelo Ministério da Saúde, por meio do Progra-ma Nacional de DST/AIDS — seja na forma de recursos para o desenvolvi-mento de projetos financiados, seja na forma de incentivos à organizaçãodo movimento e ao seu engajamento na luta contra a epidemia —, a eclo-são da AIDS deu ensejo a um debate social sem precedentes acerca da se-xualidade e da homossexualidade, em particular. Em que pesem o rastro demorte e violência que acompanhou seu avanço, a epidemia mudou dramati-camente as normas da discussão pública sobre a sexualidade ao deixartambém, como legado, uma ampliação sem precedentes da visibilidade edo reconhecimento da presença socialmente disseminada dos desejos edas práticas homossexuais.
Ainda em meados da década de 1990, assiste-se também a uma alteração
visível na diversificação temática e metodológica das reflexões sobre o
homoerotismo. Góis (2003) nos informa que nesse momento questões tradicionais
são re-examinadas e novas indagações são levantadas. Como exemplo importante,
cita o uso da palavra homossexualidade, que passa a identificar a experiência dos
amantes do mesmo sexo. Segundo o autor, novos vocábulos como homoerotismo -
homens que fazem sexo com homens, homoafetividade e homocultura, “mais do que
dilemas semânticos, referiam-se a viragens (ou tentativas de) conceituais
significativas, notadamente novas adesões à chamada queer theory e aos
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pressupostos construtivistas utilizados na reflexão sobre a sexualidade”. (GÓIS,
2003, p. 08)
Frente a estas novas formas de olhar, pesquisar e tentar entender a
homocultura, os homossexuais também tinham como objetivo compreender o mundo
e a si mesmo. Segundo Ferrari (2004, p. 105)
O movimento gay começou a se organizar entre o final da década de 1970e o início dos anos de 1980. Não somente o movimento gay, mas outrosgrupos sociais, nesta época, articulavam-se pela defesa da visibilidade,pela construção de novas formas de conhecimento, de cidadania plena epela luta por direitos civis.
A partir desta organização em movimentos sociais, gays, lésbicas, travestis,
bissexuais, transgêneros, se viram motivados a reivindicar um maior respeito social
sem que fossem taxados como aberrações, pecadores ou criminosos. Os índices de
violência contra este público não seria mais aceito de forma silenciosa, pois esta
situação discriminatória deixava clara a homofobia presente no país.
No campo religioso, tem se percebido uma abertura e aproximação a
movimentos sociais e lutas sociais no Brasil nas últimas décadas, rompendo com a
ideia de separação entre fé e política. Uma importante mobilização neste sentido foi
a criação do Movimento Nacional Fé e Política em junho de 19899. Trata-se de um
movimento de caráter ecumênico, que visa o engajamento de seus membros e
seguidores nas lutas populares. Não possui uma tendência político-partidária ou
confessional, e luta pela superação do capitalismo por meio da construção de um
sistema sócio-econômico solidário e respeitoso da vida do planeta.
Santos (2014), atento ao crescimento do envolvimento de grupos religiosos
em questões políticas e humanitárias, se debruça sobre a natureza das teologias
políticas10 criadas nos anos de 1960 e 1970. São teologias críticas da realidade
social que reivindicam a intervenção da religião na esfera pública. Ele destaca que
elas vão entrar em cena na arena internacional no mesmo tempo histórico em que
os direitos humanos se tornam uma gramática decisiva da dignidade humana. Foi
observando desde o ano de 2001 o Fórum Social Mundial que percebeu
9OLIVEIRA, Pedro A. R. de. Histórico do Movimento Nacional Fé e Política. Como Nascemos. Fonte:www.fepolitica.org.br. Acesso em 10 de outubro de 2019.10 Por teologia política o autor entende os diferentes modos de conceber a intervenção da religião,como mensagem divina, na organização social e política da sociedade. (SANTOS, 2014, p. 38)
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O modo como os ativistas da luta por justiça socioeconômica, histórica,sexual, racial, cultural e pós-colonial baseiam frequentemente o seuativismo e as suas reivindicações em crenças religiosas ou espiritualidadescristãs, islâmicas, judaicas, hindus, budistas e indígenas. (SANTOS, 2014,p. 13)
O autor nota que nas últimas décadas, os movimentos sociais estão
reivindicando a presença da religião na esfera pública, bem como nos estudos e
ações relacionadas aos direitos humanos. Trata-se de movimentos globalizados,
sustentados por teologias políticas que desafiam os direitos humanos nacionais e
internacionais a abraçarem causas não somente de brancos europeus e de Estados
participantes de organismos mundiais como a Organização das Nações Unidas, mas
que ampliem suas pautas e considerem as demandas de negros, mulheres, índios,
do público LGBT e de povos marginalizados e excluídos das grandes plataformas
econômicas mundiais.
A ampliação desta política se fez necessária e urgente por decorrência da
homofobia, que atinge não apenas os chamados homossexuais, mas também as
lésbicas, as travestis e bissexuais, inclusive no próprio meio homossexual. È uma
proposta ousada, que ele considera contra-hegemônica11 de direitos humanos, uma
vez que prioriza povos, sexualidades, saberes e culturas invisibilizadas e tratadas
como inferiores pelas formulações tradicionais dos direitos humanos. Santos (2014,
p 103) ainda considera essencial o questionamento feito por movimentos sociais,
sobretudo feministas e LGBT, para os quais o espaço privado também é político e,
portanto, deve ser objeto de debate público e decisões políticas. Para o autor nunca
foi tão importante como hoje termos ideias e práticas de resistência contra as
desigualdades de poder econômico, social, político e cultural.
Igrejas “Inclusivas” no Brasil como espaço de fé para o público LGBT
De acordo com Coelho Júnior (2014), foi nos Estados Unidos que emergiram
as primeiras igrejas “inclusivas”, inicialmente conhecidas como “igrejas gays”. Elas
tiveram início por volta dos anos de 1968 com a criação da Community Metopolitan
11 O autor considera contra-hegemônica a mobilização social e política que se traduz em lutas,movimentos ou iniciativas, tendo por objetivo eliminar ou reduzir relações desiguais de poder etransformá-las em relações de autoridade partilhada, recorrendo, para isso, a discursos e práticas quesão inteligíveis transnacionalmente mediante tradução intercultural e articulação de ações coletivas.(SANTOS, 2014, p. 35)
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Church, liderada pelo reverendo Troy Perry. Após ser expulso de uma igreja de
segmento batista no Estado da Califórnia, acusado de seguir uma “orientação
homossexual”, funda um novo tipo de igreja, aberta para héteros e homossexuais.
Com o decorrer dos anos, estas igrejas se espalham pela América Latina. No Brasil,
de acordo com Jesus (2013), tiveram início no ano de 1992, no Estado do Rio de
Janeiro, Copacabana. Esta se denominava Igreja Presbiteriana Bethesda, era
liderada pelo Pr. Nehemias. Posteriormente, em 1998, a primeira igreja “inclusiva” do
Estado de São Paulo, foi fundada pelo líder da CAEHUSP Elias Lilikan, Pr. Victor
Orellana e Pr. Luís Fernando, ordenados por Nehemias Marien. Esta igreja teve
início a partir de grupos de discussão, ativismo e militância homossexual na década
de 1990. Também foi aberta a Igreja Comunidade Metropolitana em Niterói, no ano
de 2002, liderada pelo Pr. Gelson Piber, ainda em 2002 foi fundada em São Paulo a
Igreja Evangélica Acalanto – Ministério outras ovelhas, liderada por Victor Orellana12.
Marcelo Natividade é um pesquisador de grande destaque neste tema nas
últimas décadas no Brasil. Entre os anos de 2003 e 2008 ele estudou a Igreja da
Comunidade Metropolitana que foi criada nos EUA no ano de 1968 e que desde
2006 é conhecida por Igreja Cristã contemporânea. De acordo com Natividade
(2010) nestas igrejas os pastores, diáconos e obreiros não precisam ser
heterossexuais. Seus integrantes são oriundos de igrejas evangélicas ou católicas.
Em seus estudos ele identificou a existência destas igrejas em diversas cidades
brasileiras – Rio de Janeiro, Maranhão, Natal, Fortaleza, Brasília, São Paulo,
Salvador e Belo Horizonte.
12 Jesus (2013) fez uma ampla pesquisa para identificar as primeiras igrejas chamadas de inclusivasno Brasil entre o período de 2003 a 2013 e encontrou as seguintes igrejas: Em 2003 foi fundada aIgreja do Movimento Espiritual Livre, em Curitiba, por Haroldo LêoncioPereira). A Comunidade CristãNova Esperança foi fundada em São Paulo, em 2004, por Justino Luiz. No mesmo ano a Igreja CristãEvangelho para todos foi fundada em São Paulo, em 2004, por Indira Valença. No ano seguinte, em2005 foi fundada a Comunidade Família Cristã Athos, em Brasília, por Ivaldo Gitirana e Márcia Dias.Em 2006 foi aberta a Comunidade Betel no Rio de Janeiro, liderada por Márcio Retamero. A IgrejaCristã Contemporânea foi fundada no Rio de Janeiro, em 2006, por Marcos Gladstone. O MinistérioNação Ágape ou Igreja da Inclusão foi fundada em Brasília, em 2006, por Patrick Thiago Bomfim. AIgreja Cristã Inclusiva foi fundada em Recife, em 2006, por Ricardo Nascimento. A Igreja Progressistade Cristo foi fundada no Recife, em 2008, por Kleyton Pessoa. A Igreja Renovação Inclusiva para aSalvação - IRIS foi fundada em Goiânia, em 2009, por Edson Santana do Nascimento. A Igreja AmorIncondicional (de origem norte-americana) foi fundada em Campinas, em 2009, por Arthur Pierre. AIgreja Inclusiva Nova Aliança ou MORIAH Comunidade Pentecostal foi fundada em Belo Horizonte,em 2010, por Gregory Rodrigues de Melo Silva. A Igreja Inclusiva do Brasil foi fundada em março de2012 em Porto Alegre, por Anderson Zambom. Por fim, ela identifica a igreja Evangélica Reviver deManaus, criada em 2013 a partir da Unção a um jovem Homossexual, ex- pastor da igrejaquadrangular.
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Segundo Natividade (2010) foi por decorrência da AIDS e dos movimentos
sociais LGBT criados no Brasil que a pauta sobre a “inclusão” de gays e lésbicas
passou a nascer em alguns espaços religiosos. O autor nos informa que foi a partir
de um encontro de estudantes do curso de História da USP/SP que se abordou
seriamente o tema igreja/preconceito que originou a Comunidade Cristã Gay onde
se ordenaram os primeiros pastores homossexuais no país. Foi na década de 1990,
no Rio de Janeiro que ocorreram os primeiros casamentos gays, na Igreja
Presbiteriana Unida de Copacabana. Os casamentos foram alvos de críticas por
alguns grupos religiosos, mas o pastor Nehemias Marien, que celebrou as uniões,
manteve-se firme em sua convicção de que Deus não faz acepção de pessoas. A
partir daí, homossexuais passaram a ser acolhidos pelas “igrejas gays” sem que
fosse imposta aos mesmos uma conversão e necessidade de uma “cura gay” ou
conversão à heterossexualidade. Foi por volta do ano de 2006 que as igrejas antes
chamadas de igrejas gays passaram a adotar o nome de igreja inclusiva.
Em sua experiência, participando da inauguração da Igreja da Comunidade
Metropolitana no Rio de Janeiro no ano de 2004, Natividade observou que havia um
objetivo claro nesta igreja em acolher marginalizados, criar um espaço livre de
preconceito e culpa, adorar a Deus de forma livre e ter como missão propagar um
evangelho inclusivo. Neste sentido, a igreja defendia que a orientação sexual é uma
bênção de Deus e que os homossexuais devem ser aceitos no cristianismo sem
necessidade de mudança em sua sexualidade. (NATIVIDADE, 2010)
Em sua pesquisa de campo, Natividade notou que esta igreja não gostaria de
carregar o rótulo de igreja homossexual. Ela se dizia uma igreja aberta para todos
que quiserem cultuar a Deus, independente de sua sexualidade. Seus cultos e
liturgia eram profundamente semelhantes aos de igrejas evangélicas, com cânticos
de cantores de origens destas igrejas, ceia com pão e vinho e orações que seguiam
o mesmo padrão também. Algo interessante a ser destacar é que mesmo o público
mais freqüente ser composto por homossexuais, a presença de travestis ou
transexuais era praticamente nula, muito rara. Também havia regras claras. Roupas
e comportamentos considerados extravagantes não eram bem recebidos. Trocas de
beijos durante os cultos deveriam ser evitados. A promiscuidade deveria ser evitada,
bem como um comportamento festivo e hedonista, preenchida por uma vida noturna
em boates e saunas gays desagradavam a liderança e boa parte dos integrantes
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desta igreja. Em síntese, inclusão não deveria ser confundida com amoralidade ou
imoralidade. Havia comportamentos considerados puros e outros impuros. Nas
palavras de Natividade (2010), o que se buscava na verdade, era uma
homossexualidade santificada. Esta busca por santificação vai se materializar
quando, em 2007, foi criado um Código de Condutas para lideranças da Igreja
Contemporânea. Era um documento pequeno, contendo cinco páginas, e
discriminava as ações e comportamentos esperados aos líderes e participantes das
igrejas. Eram vedadas idas a casas de prostituição e saunas gays, bem como
adultério, poligamia e traição aos parceiros. O sexo sem compromisso deveria ser
evitado.
Mesmo com restrições e orientações de cunho moralista, é muito importante
destacar que Natividade nos mostra que a Igreja Cristã Contemporânea tem um
engajamento político, pois busca a promoção da justiça social, denunciando a
homofobia e promovendo uma teologia que prega a igualdade entre pessoas hétero
e homossexuais. Ele menciona que em São Paulo esta igreja participa de atividades
do Programa Estadual de DSTs e AIDS. Suas preocupações com soropositivos, por
exemplo, os levou a criar grupos de debate, receber profissionais de saúde para
debates e esclarecimentos. A Igreja Cristã Contemporânea no Brasil tem uma luta
significativa no combate à homofobia. Para Natividade (2010) a teologia inclusiva é
um importante instrumento, e um dos mais importantes, na luta contra a homofobia.
Sua perspectiva inclusiva tramita entre atrair o público LGBT, mas também
heterossexuais, proporcionando um convívio religioso respeitoso e igualitário, pois
entendem que todos fazem parte do grande “povo de Deus”.
Considerações finais
Pensar o comportamento homossexual como pecado, crime ou doença leva,
e por vezes justifica atitudes de repressão e violência. São estas as questões que
nos fazem pensar as formas de lutar e interagir dos movimentos sociais que se
organizam nas sociedades contemporâneas. De forma geral, são os movimentos
sociais de gênero/LGBT que trazem à tona debates e enfrentamentos que
transformam sociedades, colocando-as numa situação de ver-se cobradas a rever
seus preconceitos, tão firmemente marcados no campo da moral, da religião e da
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heteronormatividade. Assim, historicamente os homossexuais começam a se
organizar em grupos, movimentos sociais, no intuito de ter garantido o direito de
participação social e política, além de reivindicarem também o respeito e o fim de
toda forma de marginalização.
Vale relembrar que tivemos alguns avanços consideráveis nos últimos anos
no campo do cristianismo. Há alas progressistas nas igrejas que buscam um diálogo
mais aberto sobre o assunto. Como exemplo, citamos o atual Papa, Jorge Mario
Bergoglio que assumiu publicamente que Deus ama os homossexuais13. Igrejas
como a Cristã Contemporânea, com sede em São Paulo e Rio de Janeiro, já não
consideram a homossexualidade um pecado, tomam a união homossexual apenas
como mais um dos diversos tipos de famílias existentes14.
Outro exemplo de abertura no campo da medicina e psicologia refere-se à
rejeição da proposta conhecida como “cura gay”. Aprovada em 2013, sob o
comando do deputado federal do PSC/SP Marco Feliciano, o projeto permitia aos
psicólogos o tratamento com o propósito de curar os homossexuais15. Contudo, a
proposta foi rejeitada pelo Conselho Federal de Psicologia e foi alvo de diversas
manifestações de protesto em todo o país, considerando a ideia algo retrógrado, e
renovação de um pensamento conservador. Em janeiro de 2020, o Supremo
Tribunal Federal decidiu manter a Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº
01/99, que determina que não cabe a profissionais da área oferecer prática de
reversão sexual, popularmente conhecida como “cura gay”. O STF extinguiu a ação
popular contra a Resolução, movida por um grupo de psicólogos ligados a grupos
religiosos que pediram a anulação de uma decisão tomada pela ministra Cármen
Lúcia em abril de 2019, cassando a decisão do juiz federal Waldemar Cláudio de
Carvalho no ano de 2017, que permitia a “cura gay”. O Conselho Federal de
Psicologia comemorou a decisão do STF, declarando que esta é uma vitória não só
da psicologia, mas também da diversidade16.
13 “Deus te ama sim”, diz papa a homossexual. Revista Isto É. Edição nº 2596 de 26 de setembro de2018.
14 NATIVIDADE, Marcelo. Uma homossexualidade santificada? Etnografia de uma comunidadeinclusiva pentecostal. Revista Religião e Sociedade, vol.30 no.2 Rio de Janeiro, 2010.
15 FALCÃO, Flávia F. M.. Proposta sobre “cura gay” é aprovada em comissão presidida por Feliciano.Jornal Folha de São Paulo, 08 de outubro de 2019.16 Fonte:PUTTI, Alexandre. STF extingue ação popular e mantém proibição da ‘cura gay’.www.CartaCapital.com.br. Acesso em 22 de Janeiro de 2020.
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A autora Regina Jurkewicz (2005) sinaliza algumas mudanças ocorridas
recentemente no campo da ciência, recusando-se aceitar a homossexualidade como
doença. No mês de fevereiro do ano de 2019, a criminalização da homofobia
começou a ser votada no Supremo Tribunal Federal (STF) com votos em sua
maioria a favor. A votação, que trata os crimes de homofobia como crimes de
racismo, foi encerrada no dia 13 de junho do mesmo ano, com oito votos a favor e
três contrários17. Tal resultado representa um grande avanço num país que vem se
mostrando cada vez menos seguro à pessoa homossexual, conforme dados
apresentados no início deste trabalho. Outra importante decisão ocorreu no dia 09
de abril de 2019, quando a então ministra do STF, Cármen Lúcia, concedeu uma
liminar que proíbe a terapia de reversão sexual, popularmente conhecida como “cura
gay”. Esta importante liminar corrobora com o entendimento do Conselho Federal de
Psicologia que proíbe, desde 1999, psicólogos a oferecerem serviços que
proponham o tratamento da homossexualidade, considerando a sexualidade uma
doença18.
Estas conquistas supracitadas representam um avanço enorme na luta social
dos representantes do LGBT no Brasil. No campo religioso também existem avanços
e alianças nesta luta social, e as Igrejas chamadas de “inclusivas” se unem de
alguma forma a este movimento social e encampam lutas políticas, sociais e
culturais no combate à homofobia, lutas por conquistas de direitos e organização
política destes sujeitos, sem deixar de desenvolver um trabalho no campo teológico,
da fé e da solidariedade entre seus membros.
Devemos considerar que é um grande avanço aproximar religião e
homossexuais, evento até poucas décadas impensável entre líderes religiosos. Pelo
contrário, o discurso de separação não se dava apenas nesse mundo, mas por toda
a eternidade, sendo o inferno e o céu os lugares de moradias eternas que
separavam por definitivo os santos dos pecadores, os héteros dos homossexuais, os
puros dos impuros. O casamento gay é outra importante realização, que modifica o
conceito tradicional de família e de amor.
17Fonte: PUTTI, Alexandre. Crimes de ódio contra a população LGBT serão punidos na forma docrime de racismo, cuja conduta é inafiançável e imprescritível. www.CartaCapital.com.br. Acesso em15 de Junho de 2019.18 Fonte: PUTTI, Alexandre. Terapia da “cura gay” é proibida pelo STF .www.CartaCapital.com.br. Acesso em 25 de Abril de 2019.
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Por fim, destacamos que estas igrejas “inclusivas” proporcionam a
possibilidade de ampliar debates, rever posicionamentos e reinventar práticas,
lançando novos olhares ao campo religioso brasileiro. Tradição e renovação,
dogmas e quebras de paradigmas ainda se fundem e se confundem, mas trazem um
campo fértil para a luta do movimento social LGBT e para os estudos sobre religião
e sexualidade humana na contemporaneidade.
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