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FICHA CATALOGRFICA
Bibliotecria ResponsvelMairla Pires Costa
CRB 14/1364
Capa: Luiza de Aguiar BorgesArte da contra-capa: Otvio Guimares Tavares
L775 Literaturas entre o digital e o analgico / Deise J. T. deFreitas; Rafael Soares Duarte [org.]. Teresina: Edufpi,2013.108f.
ISBN: 978-85-7463-688-7
1. Literatura digital. 2. Hipertexto. 3. Ferramentastelemticas. 4. Literatura contempornea I. Freitas, Deise J.T. II. Duarte, Rafael Soares III. Ttulo.
CDU - 82:004
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Deise J. T. De Freitas
Rafael Soares Duarte
(Orgs.)
Literaturas entre o digital e o analgico
Teresina
Edufpi2013
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Sumrio.................................................................................................................................................5
Apresentao........................................................................................................................................6
Por um engenho e arte digital Otvio Guimares Tavares................................................................9Verificao estatstica das caractersticas de estilos de poca: Simbolismo Saulo Cunha de Serpa
Brando e Diego Meireles de Paiva ..................................................................................................18
A pgina infinita: leitura de algumas possibilidades narrativas nas Webcomics Rafael Soares
Duarte.................................................................................................................................................29
Dlnotes2: um relato de uma ferramenta para marcao semntica de textos literrios Emanoel
Cesar Pires de Assis e Isabela Melim Borges Sandoval.............................................,......................40
Personarium: dicionrio eletrnico de personagens Deise J. T. de Freitas e Silvio Somer............................................................................................................................................................51
Reflexes do papel tela sobre literatura contempornea e memria Everton Vincius de
Santa...................................................................................................................................................63
Espacializaes nas narrativas de Perec, Cortzar e Calvino Cludia Grij Vilarouca
............................................................................................................................................................71
Tendncias modernas em continuidade na poesia do presente Julia Telsforo Osrio e Patrcia
Chanely Silva Ricarte.........................................................................................................................77
Realidade ou fico? A verdadeira face do caipira Juliana Cristina Garcia....................................93
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Apresentao
Esta publicao tem origem no I Seminrio Literatura e Meio Digital1, organizado pelo
Ncleo de Pesquisas em Informtica, Literatura e Lingustica (NuPILL) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) em outubro de 2011. No encontro, que reuniu pesquisadores, professores
e estudantes de graduao e ps-graduao de vrias partes do pas, a apresentao das pesquisas
sobre o tema da Literatura e sua relao com o meio digital suscitou debates intensos e
enriquecedores que, alm de contriburem para o rumo dos projetos que estavam em andamento,
estimulou novas estudos relacionados ao tema.
Hoje, a realidade da literatura j bastante diferente e muito mais consolidada do que em
2011. H uma produo expressiva de publicaes em meio digital, os livros eletrnicos oue-booksconquistaram uma parte do mercado editorial, h obras hbridas que mesclam literatura msica e
vdeo, que envolvem a criao artstica nesse novo meio, h os blogs, onde se tem uma grande
variedade de gneros textuais. Enfim, h toda uma gama de novos objetos e processos que acabam
por suscitar questes que so do interesse do pesquisador da rea da Literatura, seja na rea de
ensino-aprendizagem, seja na anlise terico-crtica sobre essa produo. desse complexo
universo que os pesquisadores reunidos nessa publicao tratam.
Em Por um engenho e arte digital, Otvio Guimares Tavares prope uma aproximaoentre a arte literria barroca e a arte literria digital. Tal conexo possvel, segundo o autor, por
conta de caractersticas comuns como a complexidade, multiplicidade, e multimidialidade. Ou seja,
ele parte do conceito de barroco como uma arte pautada por engenho e artifcio, o que a
aproximaria da arte digital, na medida em que se assemelham quanto a seus modos de produo e
recepo. Tais semelhanas estariam no s na submisso a regras rgidas de procedimento para a
criao bem como na necessidade de participao/interatividade por parte da recepo, como se
estivesse participando de um jogo.No artigo Verificao estatstica das caractersticas de estilos de poca, Digo Paiva e
Saulo Brando usam a estilometria para rever as caractersticas da escola simbolista, por meio de
uma abordagem quantitativa. Utilizando como ferramenta osoftwarede estatstica textualLexico3,
desenvolvido na Universidade de Sorbonne, os pesquisadores cotejam as obrasBroquis, de Cruz e
Sousa; Kiriale, de Alphonsus de Guimaraens; Clepsidra, de Camilo Pessanha; tendo como
parmetro de comparao a obra paranasianaVia Lctea, de Olavo Bilac.
1 Realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, nos dias 6 e 7 de outubro de 2011.
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Rafael Duarte, em A pgina infinita: leitura de algumas possibilidades narrativas nas
webcomics,discute as relaes formais existentes entre a poesia visual moderna e as histrias em
quadrinhos. O seu foco na unidade de espao comum a ambas, pautado na ideia de que a
possibilidade tcnica deve estar submetida proposta esttica da arte em questo. O autor aponta
trs possibilidades formais para as HQ feitas para a internet. Uma que manteria formato da pgina
impressa, outra que retomaria as possibilidades narrativas das HQ pr-imprensa, e, por fim, um
modelo criado especificamente para o meio digital.
J no texto DLnotes2: um relato de uma ferramenta para marcao semntica de textos
literrios, Emanoel Pires de Assis e Isabela Borges Sandoval traam o histrico de uma ferramenta
eletrnica construda para o ensino-aprendizagem de Literatura. Pensado, a princpio, para ser um
esquema de termos de teoria literria, ligados atravs de suas relaes, para ser disponibilizado emmeio digital, o DLnotes2 acabou por ganhar novas funcionalidades que so apresentadas em
situao real de uso pelos alunos em sala de aula. Alm disso, os autores apontam para a
importncia do papel do professor na adoo e gerenciamento dos recursos tecnolgicos utilizados
em sala de aula.
Deise Freitas e Silvio Somer apresentam o percurso de concepo, pesquisa e criao de um
dicionrio eletrnico de personagens no texto Personarium: dicionrio eletrnico de personagens.
Assim como o DLnotes2, o Personarium foi pensado para ser uma ferramenta de leitura, ensino eaprendizagem de Literatura. Voltado para vrios pblicos (acadmicos de diferentes nveis e
disponvel tambm para o pblico leigo), essa ferramenta permitir uma experincia hipertextual de
leitura que possibilitar ao usurio acessar informaes de carter estritamente literrio sobre as
personagens: autor, obra, relao com outras personagens entre outras; bem como as de carter
extraliterrio: contexto histrico, social, imagens da poca e de locais citados na obra etc.
O confronto entre memria e realidade, factual e ficcional, so alguns dos temas presentes
em Reflexes do papel tela sobre literatura contempornea e memria. Everton de Santaproblematiza os mecanismos de memria e criao literria no romance contemporneo. Tratando
tanto de obras impressas como das narrativas digitais como as disponveis emblogsna internet, o
autor destaca a influncia da midiatizao e da autoexposio que resultam numa tendncia
contempornea para a autofico.
A partir das obrasRayuela(Jogo da Amarelinha) de Cortzar,La vie mode d'emploi(A vida
modo de usar) de Georges Perec eCidades Invisveisde talo Calvino, Cludia Vilarouca discute o
espao na literatura. Organizadas em forma de um jogo proposto pelo autor ao leitor, as narrativas
analisadas so capazes, segundo a autora, de oferecer diferentes possibilidades de construo do
significado. A arquitetura dessas obras capaz de fazer com que em uma s obra possa ser lida de
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diferentes maneiras, multiplicando suas possibilidades e tornando o leitor um ativo participante na
construo de seus possveis sentidos.
Na sequncia, Jlia Osrio e Patrcia Ricarte apontam elementos da tradio moderna na
poesia de Paulo Henriques Britto, Marcos Siscar, Lus Quintais e Rui Pires Cabral, identificando
influncias que passam de Mallarm a Pound e Eliot. As autoras analisam como se d a
interlocuo entre modernidade e a poesia desses autores em cada caso particular.
Por fim, Juliana Garcia investiga as representao do homem do interior de So Paulo, contrapondo
a figura do caipira em sua representao ficcional nos contos de Monteiro Lobato, Cornlio Pires e
Hugo de Carvalho Ramos ao perfil traado por Antonio Candido em sua teseOs parceiros do Rio
Bonito. A autora aponta os pontos em comum e as divergncias entre o caipira personagem,
retratado nessas obras ficcionais e o caipira real representado pelos moradores de Bofete, na obrano-ficcional de Candido.
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POR UM ENGENHO E ARTE DIGITAL
Otvio Guimares Tavares*
1. Incio de uma possibilidade
No incio dOs Lusadaslemos Cantando espalharei por toda a parte,/ Se a tanto me ajudar
o engenho e arte (CAMES, 1963, p. 9 [1572]); ecoando estes versos proponho pensar dois
termos, engenho e arte, e expor como estes se articulam como a chave do desenvolvimento de meus
estudos mais recentes.
Minha pesquisa partiu da intuio de que existe algo de similar entre a arte literria barroca ea arte literria digital. Esta ligao se daria em ambas pela complexidade, multiplicidade, elementos
indiretos, excesso de signos e multimidialidade. Essa proposio no seria nada impensvel. Alguns
autores apontaram anteriormente a similaridade entre barroco e arte digital, bem como outros
atentaram para a relao existente entre esta e a poesia experimental, caso Haroldo de Campos e E.
M. de Melo e Castro; j autores como Christine Buci-Glucksmann frisaram a proximidade cultura
de massa e o modo de vida dos sculos XX e XXI. Geralmente, esse tipo de conexo estabelecida
por meio de certas complexidades ou excessos sensoriais na criao digital, esperando encontrar naconfuso ou contradio barroca uma similaridade com a pluralidade de modos e meios da arte
digital.
Esse tem sido tambm o caminho que muitos poetas e crticos tm encontrado para apontar
uma ligao entre o barroco e certos autores contemporneos, como os cubanos Lezama Lima
(1977) e Severo Sarduy (1999), e o brasileiro Haroldo de Campos (1989; 2004), propondo o que
eles chamam de neobarroco2, tendo em vista as obras de autores como Eugenio DOrs (1989) e suas
prprias criaes literrias.
Seria fcil ento pegar esse desenvolvimento crtico e along-lo arte digital, pois se existe
j uma vertente que liga o barroco e os experimentalismos de vanguarda, e outra que liga as
vanguardas arte digital3, bastaria reconhecer as similaridades e ligar os pontos necessrios
* Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, Doutorando em literatura, membro do NUPILL - Ncleo dePesquisas em Informtica, Literatura e Lingustica -, [email protected] Lezama Lima nunca efetivamente utilizou esse termo, mas escreve sobre o barroco e tido quase como o pai do que
seria o neobarroco.3Como tem sido bastante abordada por autores como Rui Torres (com relao ao Po-Ex portugus dos anos 60-70),Andr Vallias (com relao aos Concretos brasileiros e vanguarda alem), Augusto de Campos, E. M. de Melo e
Castro e muitos outros.
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construir a narrativa entre as cenas para demonstrar que existe uma ligao entre o barroco e o
digital.
2. Problemas para um conceito
A certa altura, percebi que a definio de barroco, da arte barroca, utilizada por esses autores
era inconsistente ou cambiante, ora significando um momento histrico, ora um estilo de recursos
lingusticos; por vezes apontava para alguma identidade (nacional) ou operava como sinnima para
qualquer produo artstica que incorporasse, direta ou indiretamente, certas caractersticas
estabelecidas ou desenvolvidas a partir das categorias elaboradas por Heinrich Wlfflin (2000)4.
Essas categorias criam uma srie de dicotmicas apriorsticas opondo o barroco renascena deuma forma que tende a deixar de lado qualquer meio termo entre os dois movimentos.
Em seu livroO Barroco(1989), Eugenio DOrs estabelece um eon ou essncia barroca
que se manifesta de tempos em tempos sobre a humanidade (alternando com um suposto eon
clssico). Nessa mesma esteira essencialista, Alejo Carpentier (1978) fala que os latino-americanos
sempre foram barrocos, como se intrinsecamente nosso local fsico no mundo predeterminasse o
nosso modo de ser como barroco; como se os seres humanos, suas aes e obras, fossem regidos
predeterminados por essncias ou idealidades exteriores ao mundo que se manifestassem de
tempos em tempos e tornassem tudo que se produzisse ali em barroco.
A tendncia desses mtodos crticos colocar a nomenclatura e as categorizaes antes do
objeto a ser analisado. Quando isso no feito, l-se o objeto j com as denominaes categricas
preestabelecidas para serem aplicadas a leitura da obra. So anlises que acabam por construir o
objeto analisado. Com esse tipo de viso, atribui-se similaridades a obras bastante distintas e
oposies a obras muito prximas. Com frequncia, observamos que uma variedade de pinturas,
obras arquitetnicas, literrias e musicais so cunhadas sob o ttulo de barrocas e lidas a partir das
categorias wlfflinianas (por agregarem elementos como o curvo, o elptico, o profundo e o
obscuro, por exemplo) sem, entretanto, ter efetivamente relao umas com as outras ou com as
obras de que fala Wlfflin.
o caso de Lezama Lima em seu ensaio La curiosidad barroca (1977), em que acaba por
colocar lado a lado sobre a insgnia barroca as igrejas de Jos Kondori na Bolvia e as de Antnio
Francisco de Lisboa (Aleijadinho) no Brasil graas origem mestia (e para ele, caracterstica base
do barroco latino-americano) de ambos os arquitetos; como se no houvesse diferena entre a
4 As de Wlfflin so: pictrico, profundidade, forma aberta, unificao, clareza relativa.
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colonizao portuguesa e espanhola e ambos pertencessem mesma nao hispnica 5 e, acima de
tudo, como se ambas as igrejas produzidas tivessem uma proximidade artstica. Caso oposto o que
ocorre com Lus Vaz de Cames, que apesar de no ser tido como um autor barroco utilizado por
Baltasar Gracian em seu clebre manual conceptista Agudeza y arte de ingenio(1969) para ilustrar
artifcios engenhosos e agudos6.
O problema no menos catico na produo da crtica moderna e contempornea. Autores
como Jos Koser, em seu ensaio O Neobarroco: um convergente na poesia latino-americana
(2004) e Haroldo de Campos, em Barroco, neobarroco, transbarroco (2004), acabam por atribuir
o ttulo de barroco ou neobarroco a uma constelao de escritores to diversos. Koser opta por
reunir Lus de Gngora, Glauco Mattoso, Gertrude Stein e James Joyce; j Haroldo elege Cruz e
Souza, Toms Antnio Gonzaga, Oswald de Andrade, Augusto dos Anjos, Bernardo Guimares,Jorge de Lima e os prprios concretos. Estes dois crticos/poetas acabam por selecionar um
conjunto de escritores de caractersticas to diversas que no necessariamente apresentam influncia
seiscentista ou qualquer conexo com esse perodo.
Podemos notar que o termo barroco ou neobrarroco acaba ento por se tornar uma categoria
conveniente para definir a Amrica Latina de uma forma unificada como se a Amrica Latina
fosse uma coisa s, com uma identidade nica ou para propor uma nacionalidade latino-americana
atribuindo essa mesma unicidade aos povos que nela residem7
. O uso dos termos barroco eneobarroco acabam por ser uma tentativa de formar uma ideia de nacionalidade, ao modo do que
explana Benedict Anderson em seu livro Imagined Communities (1991), criando uma comunidade
imaginria atravs de uma construo ideolgica. Entretanto, essa ideia de nao ou de unidade no
expe as mltiplas caractersticas dos povos e culturas latino-americanas, mas acaba por atribuir
Amrica Latina caractersticas resumidas e caricaturadas de uma nao imaginada/criada.
Imaginada por um ponto de vista que quase parece externo ao continente, seus povos e culturas,
pois como se a Amrica Latina fosse vista por algum que nele no reside ou conhece e utiliza oconceito/ferreamente barroco para ler uma aparente unidade em um continente que escapa aos
padres culturais de quem a olha. O problema obviamente no o olhar de fora, mas o fato de que o
conceito de barroco acaba sendo utilizado por latino-americanos de uma forma limitada e
5 Lezama rpido em juntar os dois, at mesmo chamando ambos de espanhis, e escolhe ignorar todas as possveisinfluncias distintas e obras bastante diversas de ambos para erguer uma igualdade mediocrizante que anula asdiferenas.6 Em outras palavras, Cames utiliza uma grande quantidade de recursos poticos que se tornaro regra na literatura
barroca, mas isso no o torna um autor barroco (existem outros fatores tambm em questo que aqui no seroabordados).7 O termo no se refere somente a obras artsticas produzidas na Amrica Latina, mas acaba por designar a Amrica
Latina e tudo que existe nela.
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estrangeira. Coisa muito prxima ao que ocorreu como o modo em que os romnticos brasileiros,
com a explorao da cor local, acabaram por pintar o Brasil no como ele seria ou como eles o
notavam, mas como os estrangeiros o viam, ou seja, extico.
Resumindo, barroco, ou neobarroco, parece se tornar um sinnimo de complexidade,
trabalho interno com a linguagem, uma espcie de tudo que me interessa barroco, pois assim eu
escolho me definir, ou ainda, de uma sada para erguer uma espcie de nacionalidade latino-
americana, ressaltando uma identidade nica entre os diferentes povos, raas e credos a
mestiagem (vista de forma feliz e quase inocente) ressaltada por Lezama Lima , e at mesmo
apontando para uma identidade que anteceda a prpria existncia de mestiagem e seja de alguma
forma essencial Amrica Latina como sugere Carpentier relendo DOrs8.
Se seguirmos essas conceituaes de barroco acabaremos por criar uma categoria to amplae vaga que ela nada poder nos dizer sobre o que uma obra barroca ou um estilo barroco. Esse
conceito solto no seria capaz de evidenciar ou articular uma ligao forte entre a literatura barroca 9
e as produes digitais, porque dentro dele as ligaes se tornam bastante subjetivas e metafricas 10.
Prefiro, ento, olhar a literatura barroca de outra forma, mais histrica e mais pragmtica,
mas que, entretanto, melhor possibilita uma aproximao com as obras digitais (sem a necessidade
de falar que ambas so curvas, elpticas ou qualquer outra denominao metafrica).
3. Origem e Fim
Um dos problemas que leva a esse caos conceitual sobre o barroco est na incapacidade de
olharmos historicamente e concretamente os objetos literrios em questo, preferindo sempre buscar
uma origem no sentido de uma essncia para o que seria ser barroco. Isso consiste em colocar
um ponto de origem anterior a origem, algo que fundamente o modo de ser daquele objeto, estilo ou
conjunto (e que inevitavelmente o esquive de perguntas sobre seu modo de ser, pois esse j est pr-
definido). Dessa forma, aceitando essa essncia original, possvel ignorar os modos de operao
ou funcionamento daquele objeto, e apenas se concentrar no efeito, no objeto finalizado. O maior
problema disso que, se essa essncia uma construo discursiva (uma ideia na cabea de quem a
quer, pois no temos acesso a ela) e ela mostra predeterminadamente o que um objeto , ento a
8No se trata de ser contra uma maior integrao entre os pases latino-americanos, mas de ressaltar a tentativa nodeclarada desses autores de criar uma ideia de nao que tornaria o ser barroco quase que obrigatrio (automtico e
determinante) da Amrica do Sul.9
A produo de seus expoentes como Vieira, Quevedo, Gregrio, as inmeras produes acadmicas.10 Pois dentro do que vimos, um sermo seiscentista, um templo inca, um homem latino, um filme pop, o Time Square eum poema gerado por uma mquina podem todos ser definidos por barroco sem necessariamente evidenciar um
elemento comum entre eles (ou permitindo que o elemento comum seja um termo subjetivo como curvo).
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leitura que se faz daquele objeto tambm est predeterminada quando se ergue algo como essencial.
Logo, ao invs de olhar o objeto e seus procedimentos de construo, os eventos sociais que o
cercam e afetam, esse tipo de viso acaba por olhar apenas aquilo que eles mesmos construram e
atriburam ideia do objeto.
Um dos problemas sobre as crticas de obras barrocas, gerado por esse tipo de viso, est em
que se tende a no olhar o processo de composio ou textos a respeitos desse (tratados de potica e
retrica da poca), e ficar somente no poema desassociado de seu contexto, encontrando nele um
texto de caractersticas quase expressionista ou surrealista carregado de uma subjetividade
incompreensvel. Ler o poema deste modo se deve a uma falta de conhecimento por parte do leitor
de compreender ummodus operandida obra.
Uma sada para o problema est em olharmos genealogicamente as obras literrias emquesto. Por genealogicamente quero dizer olhar a obra terminada, o processo de composio, os
textos perifricos a obra, o momento histrico, entre outros elementos, de modo a lembrar um
pouco o olhar de um mecnico sobre um carro; olhar esse que tenta apreender o modo de
funcionamento de uma mquina (lanando mo de todas as informaes possveis e ao alcance).
Assim, torna-se possvel observar caractersticas e elementos e estabelecer categorias pragmticas
que podem ser associados produo barroca e a digital, tendo o cuidado de no construir um no
outro, ou seja, mantendo claro de que se trata de uma aproximao e no uma identificaocompleta.
4. Por ummodus operandi
Revisemos alguns aspectos da literatura seiscentista atravs do que bem aponta Joo Adofo
Hansen (2002) ao introduzir a antologiaPoesia seiscentista: fnix renascida & postilho de Apolo.
Primeiro, temos que ter claro que o autor seiscentista no um artista no sentido romntico do
termo (nada de gnios ou seres inspirados) nem propriamente no sentido iluminista de indivduo.
Segundo, a literatura uma tcnica, e o autor um artfice que conhece essa arte/tcnica (no h a
noo de arte como expresso de um eu). Nesse sentido, os tratados de potica (geralmente
referentes mtrica) e os tratados de retrica (procedimentos e artifcios de construo) e mais a
leitura de textos literrios so as bases para o domnio dessa tcnica 11. Terceiro e ltimo, as bases
de valorao artsticas no residiam sobre o conceito de belo ou de beleza esttica, mas sim sobre os
conceitos de engenho, artifcio e agudeza. Era mais nobre engenhoso aquele que melhor sabia
11 Os tratados de potica e retrica muitas vezes se misturavam, lanando mo um do outro e vice-versa.
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jogar com os elementos em questo, aquele que sabia construir engenhos difceis dentro das
possibilidades, regidos por uma tradio (HANSEN, 2002).
Os fundamentos para esses jogos eram estipulados por princpios derivados tanto de autores
cannicos quanto de uma base aristotlica fundada principalmente nas tradues de sua Potica e
Retrica, mas tambm em seu sistema lgico, o Organon12. Quando um autor se refere a prolas
como dentes ou cravo como boca, ele est subentendendo uma estrutura de relaes pautadas nas
categorias aristotlicas, brincando com as possibilidades combinatrias das categorias, seus
acidentes e assim por diante13.
Esse sistema operante da literatura seiscentista era compartilhado por todos letrados, logo,
representava um cabedal comum para trabalharem. Quando se faziam esses jogos de construo e
palavra, se estava jogando com um conjunto de regras e elementos aceitos pelo amplo pblicoletrado, e sacramentado pelas instituies legais da poca (basta olharmos que a maioria das
academias tinham como fundador ou protetor algum membro de alta nobreza e poder poltico, e
este, uma longa lista de poemas e discursos encomisticos a seu favor).
Logo, ter o engenho como base para anlise dos textos literrios barrocos, antes de mais
nada, representa utilizar as categorias de valorizao da poca; no sentido em que os tratados e
basta lermos Gracian ou Rengifo apontam e exemplificam tais utilizaes retricas e poticas. A
passagem para o engenho tambm proporciona uma dessubjetivao do objeto artstico eliminando as leituras expressionistas ou psicolgicas do barroco em favor de uma visada ao
objeto de forma mais tcnica, no sentido de aprender e mapear seus funcionamentos, seus jogos de
palavras, seustoposrecorrentes, suas metforas, seus silogismos, como tambm seu lugar em um
contexto mais amplo da sociedade do sculo XVII, ou seja, propem a leitura do modo de operar do
poema.
5. Mquina Textual
Uma arte que pautada por engenho e artifcio pode ser aproximada da arte digital, pela
semelhana entre seus modos de produo e recepo. Refiro-me produo, pois no barroco havia
um sistema potico e retrico institucional para criao de obras, ou seja, a composio
subentendia uma srie de normas e regras com que o autor deveria brincar e utilizar na sua
12 Muitos destes textos comeam a circular j na renascena, porm sem o forte fundo neo-escolstico que veriam na
Contrareforma, como bem mostra Luisa Lpez Grigera emAnotaes de Quevedo Retrica de Aristteles(2008).13 Em Portugal, o fim desse sistema chega quando o Marqus de Pombal, com as reformas pombalinas, elimina as razesjesuticas-aristotlicas e implementa o iluminismo, que se torna presente na literatura atravs da grande influencia das
obras de Lus Antnio Verney e Candido Lusitano.
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composio14. O autor estava como dentro de um jogo, com regras pr-estabelecidas e limites, em
que deveria criar a partir desse cenrio. No meio digital algo parecido ocorre, no precisamente por
uma institucionalizao, mas pelas restries implcitas nas linguagens de programao Java,
actionscript, C++ que o autor vem a escolher para compor sua obra (estas que so efetivamente
linguagens lgicas). Ele deve se submeter a um engenho efetivo para compor, e sua obra ser
efetivamente uma mquina. Enquanto um brincava com silogismos dentro de um poema, outro
constri um poema com uma linguagem lgica.
Em termos de uma recepo, podemos aproximar os dois tipos de criao atravs do carter
no-esttico. No barroco, a literatura tinha um carter procedural na sua recepo, ou seja, eram
obras compostas para serem executadas nas cortes, reunies acadmicas e afins. Nesses contextos, a
obra seria decifrada pelos ouvintes ou leitores que tentariam bater os engenhos com outros maishbeis. Tal s possvel em um contexto em que tanto a composio quanto o processo de decifrar
engenhos desfrutam do mesmo valor. Logo, nesse contexto, a literatura se torna tambm uma
proposta para ao. Isso vem a ser ainda mais claro nos labirintos poticos, em que a leitura
somente se d atravs da compreenso de um conjunto de regras e de uma ao (sensrio-motora)
sobre o texto. Na arte digital, temos novamente um paralelo. No momento em que a arte no mais
considerada kantianamente como mera contemplao, torna-se necessrio agir sobre para efetiv-la
(as artes visuais contemporneas so um bom exemplo disso). Temos ento poemas que necessitamde interao, movimento nomouse, gravao de sons,joystick, escrita no teclado, tudo por parte do
leitor que deve obviamente compreender essas regras de interao para poder agir15. Cria-se uma
literatura que apenas efetivada quando o leitor age sobre ela materialmente, seja ele sozinho ou
em uma comunidade via a internete. Um bom exemplo o Amor de Claricedo poeta portugus Rui
Torres (2005)16.
A possibilidade de paralelos proporcionada pela aproximao via a noo de engenho
rapidamente apresentada aqui no se esgota, nem pode se esgotar. Ela deve servir para nosperguntarmos, a partir das aproximaes, o que significa isso? E o que podemos fazer com isso? A
pergunta que mais me intriga : quo mecnico eram ou so estes processos de criao, e quo
livres esto aqueles que criam dentro de um sistema de normas? Para criar, ambos se submetiam a
regras retricas e cdigos-fonte. Para ambas as leituras, o leitor deve apreender as regras que o
autor utilizou. Se no barroco temos uma quantidade imensa de poemas, escritos em louvor da
14
No se deve entender essas regras ou normas de forma pejorativa. Um autor que decide criar um soneto sabe queestar a construir atravs de um conjunto de restries X, e pode usar isso para sua vantagem.15 Abordei o tema de interao mais de perto na minha dissertao: A interatividade na poesia digital(2010).16Amor de Clarice : .
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mesma pessoa, na mesma ocasio, com o mesmo fundo retrico e potico e a compilao dos
tomos da Academia dos Esquecidos empreendidos por Jos Aderaldo Castello (1969) so uma boa
prova disso , hoje temos geradores de textos automticos como oSintextde Pedro Barbosa que
podem exaurir as possibilidades de composies dentro de regras textuais pr-estabelecidas. At
que ponto ento no so ambas as produes maqunicas? Este talvez uma das principais questes
que me proponho a responder nessa pesquisa.
Concluses
A noo de engenho acaba por constituir um conceito base que permite melhor explorar as
facetas de aproximao entre o barroco e o digital, no como aspectos metafricos, mas comsimilaridades do funcionamento e operao literrias. Essa volta tcnica implicada pelo engenho
tambm possibilita sairmos da esteticidade demasiadamente subjetiva da obra de arte, evitando os
erros de leitura derivados de um olhar superficial sobre a obra. Em outras palavras, a categoria de
engenho na arte permite uma melhor compreenso tanto do barroco quanto da arte digital
contempornea atravs de um foco sobre seu modo de operar.
Referncias Bibliogrficas
ANDERSON, Benedict. Imagined communities: reflections on the origin and spread ofnationalism. London: Verso, 1991.
BARBOSA, Pedro. Sintext. Disponvel em: . Acesso em: 10 maio 2012.
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VERIFICAO ESTATSTICA DAS CARACTERSTICAS DE ESTILOS DE POCA:SIMBOLISMO
Digo Meireles de Paiva (UFPI)*
Prof. Dr. Saulo Cunha de Serpa Brando (UFPI)
**
Introduo
comum a crtica literria caracterizar a literatura em escolas ou movimentos literrios,
baseada em caractersticas dos artistas de determinada poca. Por outro lado, estudos
contemporneos tm buscado rever e atualizar essa crtica, seja por meio da releitura de obras
cannicas ou de novos meios de estudar os textos literrios.
A estilometria um desses novos meios. Trata-se de uma anlise quantitativa dos textos,
baseada dados estatsticos, diferente da tradicional leitura qualitativa. No algo totalmente novo,
pois no sc. XIX j existiam trabalhos dessa natureza. Entretanto, com o advento informtica a
estatstica textual tornou-se muito mais eficiente e vivel. O computador capaz de contar milhares
de palavras em segundos, enquanto uma pessoa levaria muito mais tempo (CRCIO, 2006). A
estilometria pode ser utilizada de vrias formas, desde estudos estilsticos at aqueles voltados a
questes de atribuio de autoria, como o fez Brando (2006), estudando o caso das Cartas
Chilenas.
O Simbolismo um dos movimentos artsticos mais conhecidos. Na literatura, um dos
maiores expoentes da poesia. Surgido na segunda metade do sc. XIX, poca marcada pela
objetividade, caracterizou-se pelo uso de uma linguagem altamente subjetiva e temas introspectivos.
Atravs da construo de imagens e musicalidade os simbolistas buscavam externar os pensamentos
e sentimentos mais interiores. Os temas predominantes so pessimistas e voltados para o eu. A
crtica acerca dessa esttica j bem consolidada, pois se estabeleceu a mais de um sculo. Massaud
Moiss (1973) diz tratar-se duma espcie pura, ou de uma esttica que se aproximou de pura, ouseja, o Simbolismo possui caractersticas estticas bem definidas.
Objetivamos verificar se a estilometria dos poetas simbolistas, especialmente Cruz e Sousa,
condizem com o que a crtica literria tradicional preconiza. Uma leitura diferente, baseada em
estatstica textual, pode reforar ou contrariar o que j foi dito pela crtica.
* Mestrando em Letras pela Universidade Federal do Piau UFPI. Integra o Ncleo de pesquisa em Literatura
Digitalizada (NUPLID)[email protected]** Professor Associado II do Departamento de Letras Universidade Federal do Piau UFPI. Coordena o Ncleo depesquisa em Lieratura Digirtalizada (NUPLID)[email protected]
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Por tratar-se de um estudo com metodologia diferenciada em relao aos tradicionais
estudos literrios (predominantemente bibliogrficos), convm explicitar alguns detalhes tcnicos
da pesquisa, seja para efeito de esclarecimento ou para transmitir credibilidade.
1 Aspectos Metodolgicos
Para realizar o estudo estilomtrico utilizamos o software de estatstica textual Lexico3,
desenvolvido na Universidade de Sorbonne. Obtivemos a verso digital das obras na Biblioteca
Digital do NUPILL17 e Portal Domnio Pblico18. Estas foram revisadas com base em uma edio
impressa19. Em seguida realizamos o processo de balizamento, que consiste em preparar os textos
para serem submetidos ao programa, inserindo marcadores 20
e transformando as letras maisculasem minsculas21. O corpusbalizado foi salvo no formato *.txt22 , no programaBloco de notas23.
As obras selecionadas para esta pesquisa foram: Broquis, de Cruz e Sousa;Kiriale(1960),
de Alphonsus de Guimaraens; Clepsidra (2009), de Camilo Pessanha; e Via Lctea (2006), de
Olavo Bilac. Esta ltima foi utilizada como parmetro, j que faz parte de um movimento esttico
tido como oposto ao Simbolismo, o Parnasianismo.
OLexico3fornece dados gerais sobre as obras, tais como o total de palavras utilizadas e o
nmero de ocorrncias de cada uma. Tambm dispe de ferramentas mais especficas que permitembuscar um grupo especfico de formas24 dentro do texto ou ainda analisar o contexto em se
encontram. Esta ltima ferramenta, denominada Concordance, fundamental para garantir uma
interpretao coerente dos dados, pois o pesquisador pode desconsiderar ocorrncias ilusrias
como, por exemplo, a palavra claro, que pode ser adjetivo ou advrbio, possuindo mesma escrita,
mas significados distintos.
17
Ncleo de Pesquisa em Informtica, Literatura e Lingstica (Florianpolis SC), que oferece gratuitamente umgrande acervo digitalizado pela internet.18 ExcetoKiriale, que no estava disponvel em meio digital confivel. A obra foi digitalizada pela equipe do Ncleo dePesquisa em Literatura Digitalizada NUPLID/ UFPI, utilizando um escner e o programa Omnipage Pro, que faz aleitura do texto escaneado, possibilitando o balizamento do mesmo.19 Todos os textos retirados de meio digital so comparados com verses impressas, visando a qualidade docorpus .20Nesta pesquisa cada poema recebeu um marcador, ou seja, uma parte. Assim possvel verificar em um grfico qual
poema utiliza mais determinada palavra, ou qual poema tem mais palavras.21 Essa formatao necessria para que o Lexico3 no interprete duas palavras iguais como diferentes por causa deuma letra maiscula.22Arquivo de texto bsico, de formatao simples.23
Editor de texto simples, programa bsico do sistema operacional Windows em todas as suas verses.24Formas o termo utilizado no programa para designar, em geral, palavras. Mas possvel tambm considerar os sinaisgrficos de pontuao, desde que alteradas as configuraes do programa. Neste trabalho os sinais de pontuao foram
desconsiderados na contagem, ento onde h formas, entenda-se palavras.
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Na anlise e comparao sempre tomamos os dados em frequncia relativa percentual, ou
seja, relacionando o nmero de ocorrncias absoluto com o total de formas de cadacorpus,pois
difcil analisar a relevncia de uma palavra sem considerar o tamanho do texto em que a mesma est
inserida. Alm disso, seria impossvel realizar os estudos comparativos, j que cada obra tem uma
quantidade especfica de palavras.
A busca pelos dados estilomtricos foi guiada pela pesquisa bibliogrfica sobre o
Simbolismo. Assim chegamos questo da cor branca e do uso de primeira pessoa na obra de Cruz
e Sousa, que sero discutidas nos dois tpicos a seguir.
2 O Simbolismo e a cor branca
De acordo com os dados bibliogrficos levantados, uma das caractersticas do Simbolismo
a forte presena da cor branca e seus cognatos, pois ela, segundo Massaud Moiss (1973), traduz a
vaguido, o mistrio, a languidez, a espiritualidade, a pureza, o etreo e o oculto, que so temas
constantes nesse movimento. Alm disso, essa caracterstica especialmente marcante na obra de
Cruz e Sousa, sendo que alguns crticos atribuem esse fascnio do poeta por essa cor ao fato dele ser
negro e por meio da sua poesia buscar transcender essa questo social. Diz o estudioso Wilson
Martins (1979, p. 437) que Cruz e Sousa fez inconscientemente da sua arte um instrumento declarificao, de ascenso social, opinio compartilhada por Manuel Bandeira (2009), citando o
famoso estudioso da poesia afro-brasileira Roger Bastide.
Utilizando a ferramenta grupo de formas criamos um grupo de sinnimos (branco, alvo,
claro, nvel e variaes de gnero e nmero) e outro de palavras associadas (lua, neve, leite, gelo,
marfim e formas derivadas) que foram aplicados nos textos simbolistas. Antes de serem
contabilizados, os dados foram analisados atravs da ferramenta Concordance para atestar sua
validade. Esse processo foi realizado com todos os grupos de forma da pesquisa.
A seguir temos uma tabela com os dados referentes ocorrncia da palavra branco e
sinnimos em cada obra, seguida por outra que contempla as palavras associadas cor:
ObraForma
Broquis Kiriale Clepsidra
Branco 24 13 15Brancura 9 - 1Brancor 1 - -
Alvo 7 1 1
Alvura 4 - -Alvor 2 1 -Alvar 1 - -Claro 17 2 1
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Claridade 4 - -Nveo 7 - -
Total (%) 75 (1,41%) 17 (0,3%) 18 (0,38%)
Obra
Forma
Broquis Kiriale Clepsidra
Branco 24 13 15
Brancura 9 - 1
Brancor 1 - -
Alvo 7 1 1
Alvura 4 - -
Alvor 2 1 -
Alvar 1 - -Claro 17 2 1
Claridade 4 - -
Nveo 7 - -
Total (%) 75 (1,41%) 17 (0,3%) 18 (0,38%)
Tabela 2.
Pela anlise desses dados verificou-se que os nmeros em Broquis so bem superiores,
pois, somando as ocorrncias das duas tabelas, chega a 2,54% das ocorrncias totais da obra,enquanto as outras duas no atingem 1%.Kirialesoma 0,75% eClepsidra0,59%.
No entanto ficamos sem parmetros para realizar uma anlise mais segura dessas ltimas.
Ento, na busca dessa referncia, foi balizada uma quarta obra pertencente outra escola literria, o
Parnasianismo. Com isso esperou-se que, caso a crtica estivesse certa, haveria uma diferena
significativa entre os dois simbolistas e o parnasiano. A obra escolhida foi Via Lctea, de Olavo
Bilac.
Compilando os dados de cada produo, obtivemos o grfico a seguir, que apresenta ocomparativo entre elas no que diz repeito frequncia relativa da cor branca, sinnimos e palavras
associadas:
0,00%0,50%
1,00%1,50%2,00%2,50%3,00%
Broquis Kiriale Clepsidra Via Lctea
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Grfico 1.
Como pode ser visto no grfico 1, a frequncia emVia Lctea menor do que emKirialee
Clepsidra, o que nos d margem para afirmar que Alphonsus de Guimaraens e Camilo Pessanha
tambm tem a cor branca como meio de expresso recorrente. Porm a diferena em relao ao
poeta parnasiano no to significativa, o que faz com que o termo obsesso (usado por Massaud
Moiss) em relao cor branca parea um exagero ao classificar as obras de Guimaraens e
Pessanha.
Quanto aBroquis, o grfico s refora o que j havia sido constatado anteriormente com os
nmeros. Estatisticamente verificou-se que 2,54% do total de palavras na obra Broquis estoassociadas cor branca, seja como sinnimo ou como palavra que remete a ela. So dados
relevantes. Especialmente porque, segundo informaes gerais fornecidas pelo programa, h uma
grande riqueza no vocabulrio de Cruz e Sousa, onde mais de 50% das palavras so hapax 25.
Os grficos a seguir esto em nmeros absolutos, mas so vlidos para explicitar a presena
contnua da cor branca em toda a obra. Eles foram elaborados com base nos dados j apresentados.
A linha vertical apresenta a frequncia absoluta. A linha horizontal representa os poemas em
sequncia, que no total so 54.
Grfico 2.
Obviamente, em alguns poemas a cor branca tem maior destaque e em outros ela no
aparece diretamente, mas visvel que o grfico frequentemente est acima da linha zero, ou seja,
25 Palavras que aparem uma nica vez no texto. De maneira geral esse dado pode ser considerado um indicativo de
riqueza vocabular.
01
23456789
101112
01 03 05 07 09 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53
Frequncia
absoluta
Poemas
Branco e sinnimos Palavras associadas
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as ocorrncias no so pontuais, mas distribudas ao longo de toda a obraBroquis. Podemos ento
concordar com os crticos que afirmam que Cruz e Sousa recorre constantemente cor branca em
seus poemas. No dizer de Manuel Bandeira (2009, p. 127), tinha a obsesso da cor branca: branco
o adjetivo que d sempre ao seu Sonho.
Analisando o contexto de ocorrncia das palavras em Broquis, que fornecido pelo
programa atravs da ferramenta Concordance, observamos que o branco e seus sinnimos se
aplicam a temas variados nos poemas: os astros, os sonhos, a mulher, objetos (lenos, rosas e etc.).
Isso mostra uma tendncia geral utilizao dessa cor. Com relao s palavras que remetem cor
branca (neve, marfim, gelo, leite e etc.) nota-se que geralmente a inteno sugerir a prpria cor, e
no as prprias figuras que o eu lrico invoca para esse fim, como o luar ou a neve, por exemplo.
Se a cor branca notvel nos versos de Cruz e Sousa, o mesmo no se pode dizer da questoracial apontada por alguns crticos. Nos contextos analisados no foi possvel observar nenhuma
referncia direta a este tema. Alfredo Bosi faz uma crtica explicao um tanto simplista dos que
viram nessa constante apenas o reverso da cor do poeta (1994, p. 306) e, ao referir-se ao poeta, fala
de um esforo de superao de todas as barreiras existenciais, de uma cristalizao, algo bem mais
abrangente. Ainda como argumento de refutao a essa ideia temos a biografia do autor. Na
juventude, Cruz e Sousa combateu a escravatura e aps a Lei urea continuou a tratar dos
problemas raciais atravs de conferncias, artigos e crnicas (Bosi, 1975).A cor branca representaria ento um ideal (ou sonho), uma fuga ou refgio que o poeta
evoca a todo momentos em seus versos, como pode ser visto em Sonho branco (CRUZ e
SOUSA): De linho e rosas brancas vai vestido,/ Sonho virgem que cantas no meu peito.../ s do
luar o claro deus eleito, Das estrelas purssimas nascido.. A cor branca tambm , muitas vezes,
instrumento de purificao, que pode tornar algo sagrado, e talvez por isso as mulheres emBroquis
sejam sempre brancas, assim como os sonhos.
Pela anlise apresentada at aqui j podemos afirmar que Cruz e Sousa faz uso de muitassugestes cromticas em sua poesia. Por meio da sinestesia caracterstica do Simbolismo o poeta
expressa emoes e sentimentos pelas cores, especialmente a branca. Mas essa sugesto visual no
apenas cromtica, ou melhor, no se restringe cor branca e suas variadas matizes.
A palavra no funcional26 com maior frequncia emBroquis luz, que aparece 26 vezes.
Depois so apresentadas outras formas que podemos associar luz: lua; luar (14); sol (14) e estrelas
26 Palavras funcionais so aquelas que exercem funo predominantemente sinttica (ligar ou substituir elementos de
uma orao): artigos, conjunes, preposies, pronomes e interjeies. Devido ao nmero reduzido de formas e a terfuno sinttica aparecem com frequncia bem maior que as demais classes gramaticais (substantivo, adjetivo, verbo,
advrbio e numeral) ditas no funcionais.
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(13). Somando apenas a frequncia desses elementos citados temos um percentual de 1,06% da
obra.
Alfredo Bosi (1994) j havia atentado para essa presena de elementos luminosos e
translcidos em Broquis. Seguindo essa ideia, criamos um grupo de formas para buscar outros
elementos brilhantes tais como cristais e metais. Os resultados obtidos foram os seguintes:
ObraForma
Broquis
Ouro 10
ureo 3Prata 6
Prateado 2
Metal 1Cristal 1
Cristalino 3
Marfim 2
Total (%) 28 (0,52%)
Tabela 3.
No poema Cristo de Bronze (CRUZ e SOUSA), por exemplo, possvel perceber a
predileo aos objetos brilhantes. Cristos de ouro, de marfim, de prata,/ Cristos ideais, serenos,luminosos,. Esse aspecto est presente at mesmo no ttulo da obra. O broquel um escudo
metlico de forma arredondada, que se assemelha Lua, enquanto objeto que reflete a luz e brilha.
Podemos dizer que emBroquis, Cruz e Sousa no apenas o poeta da cor branca, mas o
poeta da luz. A luz que o prprio sonho branco, porque para haver branco necessrio haver luz.
A luz que buscada nos astros, em figuras religiosas e na prpria poesia, mas que por ser
inalcanvel, gera a angstia e a dor.
2 O Simbolismo e a expresso do Eu
Segundo Moiss, O Simbolismo surge como negao ao objetivismo advindo do
Positivismo, Naturalismo e Parnasianismo, retomando uma atitude romntica. Reentroniza-se uma
viso egocntrica do mundo, de modo que o eu interior de cada poeta volta a ser o foco de ateno
(Moiss, 1973). Bosi (1994) fala tambm de uma mudana de foco: do objeto, como faziam os
parnasianos, para o sujeito. Assim, os Simbolistas se voltam para o ego, numa viagem
imprevisvel em busca do eu profundo.
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Pelo levantamento bibliogrfico da crtica literria e pela leitura das obras em estudo surgiu
a seguinte hiptese: Por ser uma poesia voltada ao eu, possvel que a poesia simbolista seja
marcada por uma presena significativa de pronomes e verbos de 1 pessoa do singular.
Embora os pronomes sejam tidos como palavras funcionais, consideramos que os pessoais e
possessivos possuem certa carga semntica na medida em que podem identificar um sujeito ou
ainda estabelecer a relao emissor (eu) - receptor (tu). Ento criamos um grupo de formas
contendo os pronomes de 1 pessoa no singular: eu, me, mim, comigo, meu(s) e minha(s). Esse
grupo foi buscado emBroquis,KirialeeClepsidra.
Seguem os dados fornecidos pelo Lexico3 referentes frequncia dos pronomes:
Obra
Pronome
Broquis Kiriale Clepsidra
Eu 7 32 20
Me, mim, comigo 6 58+11+1 42+4
Meu(s), Minha(s) 7 1+32 2+33
Total 20 (0,37%) 135 (2,4%) 101 (2,15%)
Tabela 4.
Percebemos ento uma enorme discrepncia nos dados deBroquisem relao aKiriale e
Clepsidra, contrariando a hiptese inicial.
Criamos ento uma segunda hiptese: A utilizao de sujeito desinencial. Ou seja, o sujeito
eu estaria implcito na conjugao do verbo, podendo ser identificado no mesmo.
Para investig-la, tivemos que modificar um pouco a forma de obter os dados. Ao contrrio
da classe gramatical dos pronomes, os verbos so muito numerosos e possuem muitas desinncias,
alm dos verbos irregulares. Isso inviabilizou a criao de um grupo de formas. Ento a busca pelosverbos teve que ser feita pelo ndice geral de formas, palavra por palavra.
Ao fim da busca, foram contabilizados 17 verbos conjugados em primeira pessoa, mas 4
deles acompanhados de pronomes j contabilizados, restando 13 casos de sujeito desinencial. Um
nmero no expressivo (0,24%). Alm disso, foi observado que verbos comuns como ser ou estar
no so utilizados com frequncia pelo poeta Cruz e Sousa. Assim, mesmo contabilizados os casos
de sujeito desinencial, os nmeros deBroquisficaram muito abaixo das outras obras simbolistas.
Montamos um grfico que apresenta as ocorrncias de primeira pessoa, considerando os
casos de sujeito desinencial emBroquis:
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Grfico 3.
Ressaltamos que apenas na obra de Cruz e Sousa foram contabilizados os casos de sujeito
desinencial, pois os dados j se mostraram significativos o suficiente para uma interpretao
coerente. Esses dados nos revelam um trao estilstico muito interessante na obra Broquis. Um eu
lrico que pouco se apresenta diretamente.
Perdido estou nesta grande charneca,/ Cheio de sede, cheio de fome,/ Disse-me Deus: S
bom! E o Diabo diz-me: Peca!/ E anjos e demnios repetem meu nome (XI Ocaso,
GUIMARAENS). Nessa estrofe de Alphonsus fica clara a participao do eu lrico no poema,
expressando o dilema entre o bem e o mal.
No poema Caminho (PESSANHA), o eu lrico expressa sua dor e angstia diante dasincertezas da vida: Tenho sonhos cruis; nalma doente/ Sinto um vago receio prematuro./ Vou a
medo na aresta do futuro,/ Embebido em saudades do presente.... Podemos ver nesses versos como
o uso da primeira pessoa (implcito ou explcito) significativo na expresso do eu profundo.
Construes semelhantes a essas so incomuns emBroquis. Em boa parte dos versos, Cruz
e Sousa abre mo at mesmo dos verbos, e os versos so construdos em uma sucesso de sugestes
de imagens e sons, como podemos ver nessa estrofe do poema Supremo Desejo (CRUZ e SOUSA):
Eternas, imortais origens vivas/ Da luz, do Aroma, segredantes vozes/ Do mar e luares decontemplativas, Vagas vises volpicas, velozes....
Se o eu pouco se apresenta, seria possvel questionar se o foco da poesia de Cruz e Sousa
no o prprio eu e sua subjetividade, e sim o objeto que busca descrever. Mas se for esse o caso,
lendo os poemas deBroquischegaramos concluso que o objeto a prpria experincia do eu: o
sonho, o desejo, a dor.
Consideraes Finais
0,00%
0,50%
1,00%
1,50%
2,00%
2,50%
3,00%
Broquis Kiriale Clepsidra
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Os resultados obtidos com o estudo estilomtrico concordaram com o que a crtica diz a
respeito da obsesso de Cruz e Sousa pela cor branca e seus matizes. Por outro lado, levaram a um
questionamento sobre a justificativa usada por alguns crticos para explicar esse trao estilstico do
poeta. A estatstica textual dos poemas de Broquisno mostrou nenhuma evidncia de questes
sociais ou raciais relacionada cor supracitada.
Quanto cor branca em Kiriale e Clepsidra, os resultados no chegaram a contradizer a
crtica, mas os nmeros modestos no trouxeram credibilidade a essa generalizao, que deve ser
questionada e melhor estudada.
As maiores contribuies desta pesquisa dizem respeito estilometria da obraBroquis, pois
a anlise sistemtica do vocabulrio possibilitou tanto uma melhor compreenso da obra como a
identificao de traos estilsticos prprios da mesma, que so a significncia da luz nos poemas e atmida presena explcita do eu lrico.
A estilometria se mostrou um mtodo muito eficaz e promissor. Certamente a divulgao
desse tipo de pesquisa e a utilizao de softwarescomo o Lexico3 traro grandes contribuies aos
estudos literrios.
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A PGINA INFINITA: LEITURA DE ALGUMAS POSSIBILIDADES NARRATIVAS NAS
WEBCOMICS
Rafael Soares Duarte*
Esta anlise sobre as histrias em quadrinhos feitas para ainternet, os chamadoswebcomics,
parte de uma primeira considerao sobre um dos desdobramentos do meu projeto de tese, que
trata das relaes formais existentes entre a poesia visual moderna e as histrias em quadrinhos.
Dentre os vrios aspectos explorados na tese, a ideia que centrar a argumentao aqui a ideia da
unidade de espao, presente tanto na poesia visual quanto nas histrias em quadrinhos, mas aqui
analisada apenas em relao s HQ. Como o presente texto trata sobre alguns dos desdobramentosdas possibilidades formais das histrias em quadrinhos no meio digital, uma primeira e breve
conceituao sobre a definio de histrias em quadrinhos se faz necessria.
Isto porque as diferentes denominaes que as histrias em quadrinhos receberam em
diferentes lnguas de certa forma influram na forma como esta forma textual j foi encarada.
Atravs do estabelecimento de alguns parmetros sobre os aspectos formais das histrias em
quadrinhos ser pensada a relao com as formas narrativas que Scott McCloud entendeu como
quadrinhos pr-imprensa, as mudanas nas suas possibilidades narrativas quando de seu advento napgina, e a dupla relao de retomada e desenvolvimento nos quadrinhos parainternet. No tocante
aoswebcomics, suas possibilidades narrativas sero analisadas em dois aspectos: a possibilidade de
recriar e reformular os processos pr-imprensa, e as possibilidades relativas unicamente ao meio
digital. Para isso sero feitas breves leituras de alguns webcomics que contemplam os aspectos
discutidos.
Um dos primeiros problemas relativos ao estudo das HQ a prpria denominao que este
meio recebeu nas diferentes lnguas. Se a denominao das formas artsticas um fator lingustico
que normalmente no indica um problema isto acontece mais pelo processo histrico em que surgiu
do que por uma possvel eficcia absoluta de sua nominao, como demonstra, por exemplo, toda a
discusso em torno do termo literatura. Ou seja, h uma grande discusso quanto ao que pode
abarcar o nome literatura, mas o prprio nome no colocado em questo, o mesmo se dando com
os termos teatro e cinema porque, grosso modo, estes nomes foram disseminados a partir de um
lugar e aprendidos pelos outros. O caso dos quadrinhos tem certa diferena, pois sua denominao,
*Doutorando em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Pesquisador do Ncleo de Pesquisa
em Informtica Literatura e Lingustica NUPILL. Bolsista [email protected]
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alm de ser totalmente diferente nos diferentes pases, indica diferentes maneiras de entender esta
forma de arte.
Provavelmente a principal diferena indicada pelos seus diferentes nomes a relao que
estabelece com a ideia da origem das histrias em quadrinhos. Esta particularidade da histria das
HQ mostra como o desenvolvimento de um veculo artstico em determinado perodo influi em sua
recepo. Por ter sua produo e difuso em larga escala iniciada em 1895, juntamente com o incio
do cinema, foi durante muito tempo largamente aceito que as histrias em quadrinhos comearam
com do personagem Yellow Kid. Isto fez dela uma criao ligada ao processo de cultura de massas
norte-americano e produto direto da ascenso da era da reprodutibilidade tcnica.
Consequentemente, o quadrinho foi tomado imediatamente como um produto menor. Acontece que
sua denominao no foi imposta pelo processo de incorporao lingustica como aconteceu emoutras artes, mas acompanhando a velocidade de seu processo de disseminao, foi denominado
livre e diferentemente em cada lugar em que surgiu.
Em uma breve listagem, possvel verificar dois polos sobre a forma de compreenso do
meio a partir de sua denominao, os nomes que so ligados ao incio das HQ nos jornais com o
Yellow Kid: Estados Unidos e Inglaterra: comics (uma referncia ao tipo de histria narrada);
Frana: bande dessine, Portugal: banda desenhada (tiras); Itlia: fumetti (a fumacinha uma
referncia aos bales de fala); Espanha: Tebeo (nome de uma revista que acabou dando nome aoveculo, como quase aconteceu com o nome Gibi no Brasil, que era o nome de um personagem e de
uma revista). Por outro lado, se tem nomes puramente descritivos: Brasil: histria em quadrinhos;
Japo: mang (basicamente o mesmo que HQ, mas uma possvel traduo para a palavra mang
desenho involuntrio, o que a tornaria a denominao mais precisa sobre o processo de leitura das
histrias em quadrinhos).
Como demonstraram as pesquisas posteriores a esta primeira historiografia apressada, o
incio dos quadrinhos modernos se d a partir de 1827 com as histrias criadas pelo suo RodolpheTppfer, e segue em diversos lugares com produes contnuas at sua segunda e equivocada
inveno nos jornais. A existncia deste passado anterior cultura de massas mostrou que esta
forma textual tinha antepassados muito anteriores, e que o que deveria servir de parmetro para o
entendimento de uma forma artstica deveria ser a prpria forma, seu funcionamento e suas
particularidades, em vez seu suporte de veiculao.
Neste sentido o pesquisador norte-americano Scott McCloud cunhou uma definio de
comicsque considera estas criaes pr-imprensa na obra Desvendando os Quadrinhos, alm de dar
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m novo escopo s pesquisas e
deliberada destinadas a trans
(McCLOUD, 2005, p.09). Por
antagem de desfazer alguns do
entendimento sobre sua especi
organizam. Em outras palavras d
que fazem uso da justaposio
construo de sequncias que
disposio espacial.
A partir desta definio
antigo, provavelmente a formanarrativas pr-imprensa como: as
m bordado com 70,34 metros
nglaterra pelos normandos, con
em Roma no frum de Trajano so
sobre os Dcios; o cdice Nuttal
casos mesmo as catedrais bizanti
Detalhe da tapearia de Baieux .28
Umas das particularidade
diferentes sentidos de leitura, l
entanto, no destoam dos mais b
de sentido, de mudana temporal
27 O termo outras abarca as palavras,28 a pgina da Wikipdia possvel en
m HQ: imagens pictricas e outras 27 just
itir informaes e/ou produzir um a res
ais limitada que possa ser uma definio,
s equvocos mais comuns sobre o estudo d
icidade das partes q ue a constituem para
screve um meio atravs do qual possvel c
de painis (quadrinhos), com desenhos,
ulam a passagem do tempo, lugar ou
oi possvel compreender o termo HQ como
mais antiga de narrar. Assim, a histria epinturas rupestres da caverna de Lascaux; a
de comprimento, representando em 58
luda no ano 1066; a coluna de Trajano, co
bre o tmulo do imperador para comemorar
do Mxico pr colombiano; as sequencias
as); os quadros trpticos, etc., entre diversas
s destas formas de HQ que mesmo que c
inha direta, espiral ascendente, e mesmo
sicos princpios de leitura dos quadrinhos, a
e/ou narrativa se dar atravs da justaposi
bstraes e convenes grficas.
contrar a imagem completa da tapearia de Bayeux .
31
apostas em sequncia
osta no espectador
a de McCloud tem a
as HQ, por desviar o
a maneira como se
nstruir textualidades,
textos ou ambos na
ideia atravs de sua
um meio muito mais
m quadrinhos abarcaTapearia de Bayeux,
enas a conquista da
struda entre 112-114
vitria dos romanos
de vitrais (em alguns
outras obras.
da uma delas possua
zigue -zague elas, no
ideia de que a criao
o espacial esttica de
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momentos pictricos ou pictrico-verbais de significao. Com o escreve McCloud sobre a maioria
destes exemplos, todos seguem o princpio bsico de que mover-se no tempo mover-se no
espao. E quanto maior o tempo, mais longa a linha. Da a quebra e a mudana de organizao
formal causada pela pgina impressa s histrias em quadrinhos.
Mas a imprensa era diferente. Apesar de todos os benefcios que ela trouxe aosquadrinhos, houve uma coisa que ela lhes tirou, conforme a linha que resistiradurante ons de arte sequencial foi rompida para caber em sua nova caixa. Pelaprimeira vez os leitores de tais histrias pictricas j no podiam concluir queimagens adjacentes representavam momentos adjacentes. Uma nova frmula seimpunha, e no era to simples quanto a antiga. (McCLOUD, 2006, p. 219)
Se as narrativas das HQ pr-imprensa fluam em uma linha sequencial ininterrupta, a
imprensa de certa forma modifica suas condies de organizao, pois o advento da pgina
apresentou uma paisagem de pequenos becos sem sada pedindo aos leitores que saltassem para
novas trilhas a cada poucos quadrinhos, com base num complexo protocolo importado da tradio
para a direita e para baixo da palavra impressa (IDEM, ibidem, p.220). Como explica McCloud,
atravs dos tempos houve uma grande especializao e complexificao baseada neste tipo de
protocolo, a ponto de se identificar o meio com o veculo, identificao que no incomum tambm
ao meio digital e mostra certas relaes entre as ideias de forma artstica e tcnica.
Assim, para tornar mais claras algumas das formas a serem expostas aqui, pode-se tecer um
brevssimo comentrio sobre a relao entre arte e tcnica voltada s artes digitais, atravs de uma
ideia desenvolvida no artigo Elementos estticos na leitura das criaes digitais contemporneas,
do professor e pesquisador Alckmar dos Santos, publicado na revista Texto Digital volume 6,
nmero 2. Nele, Alckmar estabelece alguns parmetros a partir dos quais se pode pensar a anlise
esttica das obras digitais, incluindo-se entre estas a j citada relao entre arte e tcnica, aspecto
que ele considera fundamental para se pensar qualquer arte digital por se tratar de um meio onde
comumente as tcnicas se tornam tambm formas (SANTOS, 2010, p.117). Neste sentido que
aponta para um possvel distanciamento entre arte e tcnica relativa ao mbito das artes digitais,
sintomtico desta
poca em que tcnicas no surgem, quase nunca, ligadas s artes, mas so por estastomadas do campo das tecnologias. Quando no h esta apropriao, isto , quandoas artes no impem suas prprias lgicas s tcnicas, estas no se tornamverdadeiramente artsticas e se limitam a reproduzir as operaes, os processos, ossignificados pragmticos para os quais foram pensadas (problema que ocorre em
muitas ocasies). o caso de objetos de arte digital que no so mais do que merasaplicaes prticas de programas de computador e de dispositivos eletrnicos.
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Quantas criaes verbais no passam de exibicionismo tecnicista do domnio deprogramas de tratamento de imagens?! (IDEM, ibidem)
Esta relao sempre tensa existente entre arte e tcnica, assume ares mais dramticos em
relao s artes digitais, especialmente quando se trata de delimitar a relao entre criao e
utilizao, e entre criatividade e subservincia na criao do objeto artstico que se utiliza de
tecnologias dominadas por terceiros. No entanto, pode-se pensar em um estreito limite onde o
simples uso da ferramenta digital, sem que haja necessariamente criao em relao ao seu suporte
tcnico, pode criar objetos artsticos esteticamente vlidos que no se configurem como simples
utilitarismo ou subservincia. Este parece ser o caso das webcomics, mas mais por uma questo
formal da prpria histria em quadrinhos do que por sua relao com o meio digital.
O caso que a organizao formal das histrias em quadrinhos, os princpios que definem o
que caracteriza uma histria em quadrinhos acabam por limitar o que pode ou no ser feito em meio
digital. A histria em quadrinhos um meio que se organiza de forma essencialmente espacial, mas
no espacial-temporal. A espacialidade das histrias em quadrinhos a espacialidade esttica, e
nenhuma modificao possibilitada pelos seus possveis veculos pode transigir esta caracterstica.
Desta forma, as sempre crescentes possibilidades formais do meio digital so limitadas pelos
prprios princpios que formam as histrias em quadrinhos. Isso, no entanto, no significa que as
histrias em quadrinhos para ainternetdevam simplesmente imitar o papel. Na verdade, quandosurgem os primeiros quadrinhos para internet, estes, via-de-regra, mantinham o padro de pgina
impressa, o que se no comprometia as criaes em si, representavam um sub-aproveitamento do
que o meio digital poderia oferecer. por isso que McCloud opina que o webcomic propriamente
dito comea a existir quando se passa a reconhecer que o monitor, que frequentemente servia de
pgina poderia ser mais eficiente ao meio digital se as criaes o utilizassem como janela. Esta
noo representava uma possibilidade de desenvolvimento formal que no descaracteriza a HQ,
pelo contrrio, apontava para desdobramentos de suas formas de espacialidade, como aponta ScottMcCloud.
Talvez nunca haja um monitor com a extenso da Europa, todavia uma histria emquadrinhos com essa extenso ou com a altura de uma montanha pode ser exibidaem qualquer monitor, bastando que avancemos sobre sua superfcie, centmetro porcentmetro, metro por metro, quilmetro por quilmetro. A pgina um artefato daimprensa, no sendo mais intrnseco aos quadrinhos do que os grampos ou a tintada ndia, uma vez libertados dessa caixa, alguns levaro consigo o formato dacaixa, mas os criadores gradualmente esticaro os membros e comearo a explorar
as oportunidades de design de uma tela infinita. (McCLOUD, 2006, p.222)
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Pois bem, pela lgica apresentada, pode-se, ento, pensar em trs possibilidades para as HQ
feitas para ainternet: Aquela que mantm o formato da pgina impressa (que no ser contemplada
neste texto), a que retoma as possibilidades narrativas das HQ pr-imprensa, e as estratgias
narrativas possveis somente no meio digital. O segundo tipo, a retomada dos quadrinhos pr-
imprensa baseada na pgina virtualmente infinita criada pela tela, e basicamente retoma o
espao virtualmente esttico da informao. Um primeiro exemplo pode ser visto na adaptao de
um fragmento de Cem anos de Solido de Garcia Marquez feito por Emily Carr, onde o sangue de
Jos Arcdio vai contar sua me sobre seu assassinato. Para adaptar esta passagem onde o
deslocamento do sangue contado em uma mesma frase ininterrupta, Carr transforma uma
interligao sinttica em conexo visual, mantendo uma linha descendente ininterrupta do sangue
atravs das diversas sarjetas e cenrios29.Como demonstra a imagem acima, alm de sua teorizao, Scott McCloud tambm pensa as
possibilidades espaciais em termos prticos. Em seu website, http://scottmccloud.com, McCloud
utiliza as ideias que teorizou em Reinventando os Quadrinhos, seu segundo livro, em diversos
experimentos que lidam com o espao potencialmente infinito da web como Zot, My obssession
with chess, Choose your own Carl, e a srie de histrias chamadas The Morning Improv, entre
outras.
Uma das histrias de The Morning Improv, chamada Mimis Last Coffeeutiliza o espaocomo indicativo de possibilidades de leitura. Esta HQ, feita em flash, mostra inicialmente uma
viso geral da histria, uma linha horizontal de painis ligados por um trao, com seis apndices
verticais, tambm ligados por um trao, em diferentes momentos da configurao horizontal.
Clicando-se na imagem geral tem-se uma aproximao dos painis da histria de HQ, que mostram
uma conversa entre duas mulheres. A histria inicia no canto esquerdo da linha horizontal e sua
visualizao pode ser aproximada ou afastada atravs de cliques em diferentes partes da imagem. A
cada linha vertical que se introduz tem-se uma possibilidade de finalizao diferente para a histria,que vo do cmico ao trgico, passando pelo nonsense e o melanclico, e tambm uma explicao
para o ttulo, o que tambm ocorre ao fim da linha narrativa horizontal.
29 Disponvel em: http://emcarroll.blogspot.ca/2010/11/death-of-jose-arcadio.html. Acesso em 09/04/2013.
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Imagem geral de Mimi's Last Coffee, de
Como em qualquer form
como parte integrante da propost
ficam em uma espcie de limite
or um lado, uma imensa gama
outro, a impossibilidade de se ut
como tal. As possibilidades de
ultrapassarem conceito de que
dever ser construdo pelo leito
extremamente limitada. A fora
ente do leitor, na ideia de q
construda atravs do espao e n
Mesmo assim, o meio d
criao de quadrinhos. Neste s
nformao contida nela simul
interatividade e a i speo vis
ossibilidade, a interatividade, r
ensar a contnua estruturao d
The Carl Comics , tambm de Sc
Recipe Carle Choose your own
ma mesma situao bsica. E
quadrinhos que consiste de uma
ovo painel aparece entre estes
fatos que ocorrer m entre os pain
Scott McCloud.
de arte a possibilidade tcnica ir interess
esttica. Neste sentido, as possibilidades re
astante especfico, e em uma rel ao apare
de possveis efeitos, movimentao, som, i
lizar a maioria destes recursos sem descara
movimentao, por exemplo, s podero
ualquer igao interpretativa entre os mo
r. Qualquer passo alm disso e o que se
as HQ est exatamente no sentido de que to
e a passagem de tempo, espao ou de i
o do tempo.
gital pode simular espao de algumas for
entido, tem -se uma pgina infinita no a
r uma pgina extensa, mas em outras
al em detalhes impossveis para o meio
conhecida como a mais emblemtica do m
uma narrativa atravs da reorganizao de
tt McCloud. The Carl Comicsconsiste de d
arl,que so na verdade duas verses difere
Original Recipe Carlo leitor recebe inic
ag de dois paineis o inicial e o final da hist
ois painis, adicionando informaes que ao
is.
35
ar se puder ser usada
ativas ao meio digital
temente contraditria.
teratividade etc., por
terizar os quadrinhos
ser utilizadas se no
entos de significao
em uma animao
da a leitura se dar na
stante narrativo ser
as instigantes para a
penas no sentido da
ropriedades como a
mpresso. A primeira
eio digital, possibilita
eus pain is como em
uas histrias, Original
tes criadas a partir de
almente uma tira em
ria. A cada clique um
s poucos explicam os
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Configurao inicial da histria Origina
A segunda histria, Choo
ma enveredando por um vis
rimeiro painel e chegando ao
dispostos em justaposies espa
dispostos em uma grade que i
udana de sentido de leitura oc
feita atravs de um painel que m
est atrelado. Pode-se ler a
estabelecida em seis sees de ig
grande grade, que engloba as h
abaixo.
Imagem geral deChoose your own Carl
Uma segunda possibilid
ossibilitado pela configurao
l Recipe Carl.
se your own Carl ostra varias verses da
narrativo totalmente diverso do outro, ma
ltimo. Os desenvolvimentos das diferentes
ciais de painis em um mesmo sentido, ho
tersecciona e cruza as diversas narrativa
asiona uma mudana de linha narrativa. Esta
antm a integridade de sentido de todas as l
istria de duas formas, atravs de uma
al tamanho ou vendo toda a di sposio das
strias em um mesmo espao, como pode
.
ade dos webcomics o alcance visual
igital. Esta ideia foi discutida por McClou
36
histria de Carl, cada
sempre partindo do
linhas narrativas so
izontal ou vertical, e
. Desta forma, cada
interseco se mpre
nhas narrativas a que
diviso previamente
sequncias como uma
ser visto na imagem
irtualmente ilimitado
em Reinventando os
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quadrinhos, mas s foi realizada por ele algum tempo depois, no webcomic The right number,
tambm publicado em seu site. Esta uma histria planejada para ter trs partes, mas a terceira e
ltima ainda no foi publicada at agora. Nesta histria, alguns incidentes levam o narrador-
protagonista a acreditar ter descoberto, mas no compreendido completamente, a existncia de um
padro entre as pessoas e seu nmero de telefone. Aps algumas coincidncias envolvendo duas
mulheres com quem se relaciona amorosamente e a proximidade entre seus nmeros de telefone, o
protagonista comea a, aos poucos, se questionar sobre a lgica subjacente a este padro. Acredita
haver uma relao entre os fatores fsicos e emocionais das mulheres que conhece e desenvolve a
ideia obsessiva de encontrar o padro que estabelece a relao entre nmeros telefnicos e pessoas
para, deste modo, tentar encontrar a pessoa certa para ele atravs da descoberta do nmero certo.
A maneira que McCloud utiliza para demonstrar a crescente obsesso do protagonistaatravs da sua estruturao narrativa atravs do aprofundamento da leitura da narrativa. Em vez da
justaposio normal das histrias em quadrinhos, cada painel subsequente estar colocado no centro
do painel anterior, e a cada clique, a imagem central emular um aprofundamento espacial, em que
o painel anterior ainda aparece medida que o painel central toma a frente. A impresso criada a
de que se tem uma pgina enorme que pode se aproximar indefinidamente, ou de que podemos
aprofundar infinitamente nosso olhar na imagem. Deste modo, enquanto o leitor vai se
aprofundando na narrativa, o protagonista vai adentrando em sua obsesso. Aps o texto foramcolocadas as primeiras imagens da histria para ilustrar este tipo de transio espacial.
Estas so apenas leituras preliminares, e apontam algumas das possibilidades relativas s
HQ digitais. Mas o que estas formas de organizao tm em comum o fato de que mantm a
estaticidade espacial entre os seus momentos de significao, ou seja, entre os painis. Pequenas
movimentaes (como um olho que se abre) ou efeitos ocasionais (como brilhos, etc.) s so
utilizados se no interferirem na criao de imagens, dentro e principalmente entre os painis.
Nenhum dos os efeitos utilizados poder transigir a ideia de unidade espacial que por este motivoque coloquei anteriormente que as webcomics representam este estreito limite onde o simples uso
da ferramenta tcnica, sem que haja criao no campo tcnico pode, no indica uma subservincia
da forma ao veculo. Mas isso se deve mais prpria organizao formal da histria em quadrinhos
do que sua transio ao meio digital.
Por isso o webcomic, dada a sua natureza, tanto um meio de recuperao de uma
espacialidade no utilizada largamente desde a inveno da imprensa, quanto um meio novo, em
que as possibilidades narrativas ainda esto se construindo, conforme a evoluo do meio digital,
com a diferena de que a necessidade de inveno tecnolgica no to intrnseca ao meio como
em outras artes digitais. Neste sentido, alm da pgina da internet, alguns programas como o flash
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ou oprezi, podem sugerir outras
mpossveis para a pgina impre
as toda a evoluo, mesmo a
simplicidade de recursos de que
ser colocado ao lado o outro.
possibilidades para os webcomics, como for
ssa, no sentido de transies, aprofundamen
que ainda est a ser criada, o far sem qu
a histria em quadrinhos necessita, o espa
38
mas de espacializao
o ou distanciamento.
haja transigncia na
o onde um quadrinho
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DLNOTES2: UM RELATO DE UMA FERRAMENTAPARAMARCAO SEMNTICA
DE TEXTOS LITERRIOS
Alckmar Luis dos Santos*Adiel Mittmann**
Emanoel Cesar Pires de Assis***
Isabela Melim Borges Sandoval****
Roberto Willrich*****
Este texto pretende expor, ainda em carter inicial, as possibilidades de marcao/anotao
semntica de termos em obras literrias em ambiente digital, a partir da ferramenta DLnotes2. Para
isso, mostraremos aqui algumas das experincias feitas com a ferramenta de anotaes.
Experincias realizadas pelos integrantes do projeto e pelos alunos da primeira fase do curso de
Letras Portugus da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Pensado, anteriormente, para possibilitar anotaes livres (comentrios, dvidas, pesquisas,
etc.), o DLnotes2 ganhou, por volta do segundo semestre de 2011, mais funcionalidades. Agora,
alm de permitir fazer anotaes livres, o DLnotes2 tambm permite fazer anotaes semnticas, ou
seja, toda e qualquer palavra, expresso ou trecho pode ser marcado semanticamente.
As anotaes semnticas surgiram a partir de um projeto que tinha como objetivo criar uma
ontologia de termos literrios.30 Por limitaes tcnicas de conhecimento de web-semntica, aontologia de termos literrios deu lugar a um esquema de termos de teoria literria. O objetivo
continuava o mesmo: criar, em meio digital, um esquema de termos de teoria literria, ligados
atravs de suas relaes, que pudesse auxiliar os alunos das primeiras fases dos cursos presenciais e
a distncia de Letras. Depois de alguns testes e verses, o esquema de termos de teoria literria
ficou da seguinte forma:
* Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Coordena o Ncleo de Pesquisa em Informtica,Literatura e Lingustica- [email protected]** Doutorando em Cincias da Computao pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. membro doLaboratrio de Processamento de Imagens e Computao Grfica [email protected]*** Doutorando em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina [email protected]**** : Graduanda em Letras-Portugus pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Bolsista PIBIC no projetoTratamento digital de obras literrias; ontologia dos termos de teoria [email protected]***** Professor associado do Departamento de Informtica e Estatstica (INE) da Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC)[email protected] Participaram do projeto: Alckmar Luiz dos Santos (professor e coordenador do projeto), Tecia Vailati, Emanoel CesarPires de Assis, Isabela Melim Borges Sandoval e Isabelita Garcia.
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Imagem 1. Parte inicial do esq
De incio, o aluno/profes
escolher termos de teoria literria
elao prxima com as particula
, termos que tinham relao co
Clicando-se nas extremi
elao dos termos entre si, bem
Termos Literrios de Carlos Ceia
Imagem . Esquema de teoria literria c
Por exemplo, ao abrir o c
e texto. Assim, de incio, percebe
ema de teoria literria.
sor/pesquisador tinha a obra literria como
que fossem do ca po textual, ou seja, term
ridades intrnsecas obra literria, ou do ca
aspectos externos obra literria.
ades dos campos, ns abriam-se e o alu
como, ao clicar no termo, ser enviado ao s
(http://www.edtl.com.pt/) e ter acesso ao sig
om alguns ns expostos.
ampo textual, o aluno depara-se com os ns:
que h uma ligao entre os termos e que el
41
eixo central e podia
s tericos que tinham
po extra -textual, isto
o podia visualizar a
io do E -dicionrio de
ificado do termo.
autor, contexto, leitor
s fazem parte de uma
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gama de conceitos oriundos da o
de poder ter acesso ao conceito l
um espao, que rocessos de c
gnero, que por sua vez pode ser
Como podemos perceber,
ser de grande ajuda aos alunos q
ermos de grande importncia co
da relao existente entre eles. M
educao e ser adaptado segun
desejasse utiliz-lo.
Tendo uma estrutural maode ser utilizado por professore