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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL
UNIDADE EM SANT’ANA DO LIVRAMENTO
CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM AGROINDÚSTRIA
FLÁVIA DORNELLES GOMES
A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS PARA AUTOCONSUMO EM ASSENTAMENTOS:
UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR
Sant’Ana do Livramento
2012
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FLÁVIA DORNELLES GOMES
A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS PARA AUTOCONSUMO EM ASSENTAMENTOS:
UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR
Relatório final apresentado à disciplina de
Estágio Supervisionado do Curso Superior
de Tecnologia em Agroindústria da
Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção do
grau de Tecnólogo em Agroindústria.
Orientador: Me: Anor Aluízio Menine Guedes
Supervisora: Dra. Adriana Helena Lau
Sant’Ana do Livramento
2012
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FLÁVIA DORNELLES GOMES
A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS PARA AUTOCONSUMO EM ASSENTAMENTOS:
UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR
Relatório final apresentado à disciplina de
Estágio Supervisionado do Curso Superior
de Tecnologia em Agroindústria da
Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção do
grau de Tecnólogo em Agroindústria.
Aprovado em ......../........./..........
Banca Examinadora:
.....................................................................
Prof. Dra.. Lúcia Silva e Silva
.....................................................................
Prof. Me. Raquel Bastos Rubin
.....................................................................
Prof. Me. Tanira Marinho Fabres
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AGRADECIMENTOS
A minha família eu dedico essa conquista, em especial aos meus pais. A
minha mãe agradeço por sempre me ajudar e incentivar a seguir nos momentos
difíceis, tornando minha vida mais feliz e possibilitando que eu realize meus sonhos.
A meu pai, pessoa pela qual eu tenho muito orgulho e que muito me inspira, pela
sua honestidade e inteligência. A minha irmã por sempre torcer pelo meu sucesso
A minha filha, pelo amor e companheirismo para comigo, pela amizade, pelas
longas noites em que ficou esperando-me retornar e pelas madrugadas de estudo
em que permaneceu ao meu lado. Ao meu namorado André, por entender quando
foi necessário me ausentar, por me ajudar em todos os momentos e principalmente
por sempre ter permanecido ao meu lado.
Ao meu professor e orientador Anor Aluízio Menine Guedes por me
proporcionar valorosas experiências acadêmicas das quais tive a felicidade de
participar e por muito tempo de conversas e explicações inspiradoras, que me
incentivaram a seguir novos rumos.
Aos colegas pelos bons momentos que passamos juntos ao longo desta
jornada e em especial a Cláudio Cruxen, Daiana de Marco, Gláucia Espinosa,
Caroline Alvarez e Gregório Heredes pela amizade, pelo companheirismo e por
todos os ótimos trabalhos que fizemos juntos.
Aos professores da UERGS de Sant’Ana do Livramento, em especial a
professora Lúcia Silva e Silva por sempre ouvir nossos anseios, respeitar nossas
opiniões e diferenças e pelos abraços carinhosos. A professora Adriana Lau, Raquel
Rubin, Marcelo Paim, Cláudia Ojeda e aos demais professores e funcionários da
unidade da Uergs de Sant’Ana do Livramento que estiveram conosco nesta
caminhada.
Aos agricultores do assentamento Leonel Brizola pela acolhida e pela atenção
que me foi dada, em especial a Claiton de Carli e sua família. Aos funcionários da
COPTEC por terem possibilitado que este estágio fosse realizado, em especial a
Marilene Kupsinski, Marta Roncai , Cleunes Tadeu Martins, Fábio Forgiarini e Cenair
Leal.
Á todos o meu agradecimento, vocês fazem parte da minha conquista a qual
levarei comigo para sempre.
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“Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso.”
Edward Everett Hale
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LISTA DE ABREVIATURAS
ABRANDH – Associação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos
CI – Consumo Intermediário
CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
COPTEC – Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos
D – Depreciação
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INDA - Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MS – Ministério da Saúde
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra
PB - Produto Bruto
PNAE - Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNDTR - Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PW – Produtividade do Trabalho
RA – Renda Agrícola
RWf - Remuneração do Trabalho Familiar
SUAS - Sistema Único de Assistência Social
SDR – Secretaria de Desenvolvimento Rural
UT – Unidade de Trabalho
UTH – Unidade de Trabalho Homem
VAB – Valor Agregado Bruto
VAL – Valor Agregado Líquido
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA .................................................................... 7
1.1.1 Sant’Ana do Livramento .................................................................................. 7
1.1.2 O Processo de Reforma Agrária no País ........................................................ 9
1.1.3 A Reforma Agrária na Fronteira: assentamentos rurais em Sant’Ana do Livramento ............................................................................................................... 10
1.2 A AGRICULTURA FAMILIAR ............................................................................. 12
1.3 SEGURANÇA E SOBERANIA ALIMENTAR ....................................................... 14
1.3.1 Políticas Públicas e Segurança Alimentar ................................................... 15
1.4 DO CAMPO AO PRATO, A PRODUÇÃO DESTINADA AO AUTOCONSUMO .. 17
1.4.1 A alimentação ................................................................................................. 17
1.4.2 O Saber Fazer: influências da cultura na alimentação ................................ 18
1.4.3 Além da alimentação: o autoconsumo como instrumento de sociabilização .......................................................................................................... 19
1.4.4 O Autoconsumo e as questões de gênero ................................................... 19 2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 22 2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 22
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 22 3 METODOLOGIA .................................................................................................... 23
3.1 LOCAL DA REALIZAÇÃO DO ESTÁGIO E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ..................................................................................................................... 25 3.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ........................................................................25 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................26 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 39
APÊNDICES ............................................................................................................. 42
ANEXOS....................................................................................................................46
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INTRODUÇÃO
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
1.1.1 Sant’Ana do Livramento
Sant’Ana do Livramento é o segundo maior município em extensão do Estado
do Rio Grande do Sul, ocupando uma área de 6.950,388 km2, e está situado na
região da Campanha Gaúcha (Figura 1). Possui atualmente 82.464 habitantes,
sendo que destes, 8.054 residem na zona rural (IBGE, 2012).
Figura 1: Localização de Sant’Ana do Livramento.
A construção do município de Sant’Ana do Livramento/RS pode ser descrita
através de uma contextualização socioespacial das primeiras ocupações, sua
estrutura de produção, seus costumes e o início de seu desenvolvimento industrial
(CHELOTI, 2003).
O município teve origem em 1814, quando o governo preocupado com a
consolidação de posse da então fronteira do Rio Pardo, concedeu inúmeras
sesmarias a 34 famílias que iniciaram o povoamento da região. A cidade foi
oficialmente fundada em 1823. A economia baseada na pecuária consolidou-se no
município, tendo aqui por vários anos existido o maior rebanho bovino do Estado, o
qual era destinado às charqueadas localizadas em outros municípios como Bagé,
Uruguaiana, Quaraí, Paisandú e Tacuarembó, estas duas ultimas localizadas no
país vizinho, Uruguai. A dificuldade no transporte da produção devido à inexistência
8
de estradas fez com que em 1903 abrisse a primeira charqueada em Sant’Ana do
Livramento (ALBORNOZ, 2000).
A charqueada Livramento, como era chamada, localizada no Rincão da
Carolina deu início à industrialização em 1904 com a produção de charque e sebo.,
Em 1907 a Charqueada Livramento, de propriedade dos uruguaios Pedro Irigoyen e
Francisco Anaya, já era a segunda maior empresa do estado com 410 trabalhadores
diretos. A charqueada impulsionou o desenvolvimento da região com a urbanização,
o aumento dos comércios e principalmente com o aumento do poder aquisitivo dos
estancieiros produtores de carne bovina (ALBORNOZ, 2000).
O potencial da pecuária na região e a proximidade com o Uruguai trouxeram
duas empresas internacionais, sendo que em 1917 a Companhia Armour adquire a
charqueada e em 1918 instala-se a Companhia Wilsom, grandes empresas de
capital estrangeiro. O Estado ofereceu 30 anos de isenção de impostos, e logo estas
duas empresas já representavam 83,05 % do valor de toda a produção industrial da
cidade. Absorviam grande parte da mão de obra local e geravam impostos que
contribuíam para o desenvolvimento econômico do município. O progresso fez parte
da cidade de Sant’Ana do Livramento e de Rivera durante muitos anos. Vários
investimentos foram feitos na cidade, inclusive em estrutura, porém os governantes
não tinham a consciência de que sendo o Armour uma empresa estrangeira e
capitalista poderia a qualquer momento “fechar as portas”. Isto aconteceu em 1889
quando a então Swift-Armour foi vendida para o Grupo Bordon e em 1994 entrou em
concordata (ALBORNOZ, 2000).
A cidade que em 1950 estava em 8° lugar entre as cidades com maior
população no estado, atualmente ocupa o 22° lugar. O fechamento do frigorifico
deprimiu a economia local e eliminou muitos postos de trabalho, provocando o
êxodo da população para outros municípios, dentre outros problemas resultantes da
falta de trabalho e de dinheiro circulante no comércio local (ALBORNOZ, 2000; IBGE
2012).
Decorridos 189 anos desde sua fundação, e passadas as crises que
marcaram a história, a economia atual do município de Sant’Ana do livramento
depende principalmente do comércio, conforme demonstra o Anexo A. Apesar do
grande potencial agrícola, o setor primário tem menor parcela de contribuição na
economia do município. As culturas predominantes são a orizicultura, a produção de
9
leite, a soja e o trigo. Na pecuária o município possui o 1º maior rebanho ovino do
estado e o 2º maior rebanho bovino (IBGE,2006).
A geração de emprego e a manutenção de postos de trabalho são questões
críticas para manter a atividade de produção primária. Promover culturas que
possam gerar e manter os postos de trabalho no campo é um desafio. A significativa
presença de propriedades rurais familiares estabelecidas pela reforma agrária que
iniciou em 1991 no município denota a importância de projetos que auxiliem no
desenvolvimento econômico e social destas famílias. Para que a agricultura familiar
venha a desenvolver-se recomenda-se a adoção de sistemas de produção
intensivos para aumentar o valor agregado por área de superfície e assim garantir o
desenvolvimento social e econômico familiar (SILVA NETO, 2010).
Os sistemas produtivos antigos coexistem com novos sistemas de produção
como a pecuária de leite, horticultura e a fruticultura, sendo estes últimos, praticados
em maior parte por unidades de produção familiar (GOMES; GUEDES, 2012).
1.1.2 O Processo de Reforma Agrária no País
A luta pela terra no Brasil é bastante antiga. Ainda sem denominação
apropriada, o que hoje conhecemos por “reforma agrária” refere-se à posse da terra
e distribuição da terra, questão esta que data desde o próprio descobrimento do
Brasil. Durante o período colonial os índios disputavam o espaço ocupado pelos
bandeirantes e colonizadores, enquanto os negros formavam suas comunidades
quilombolas onde poderiam ficar livres de seus senhores, todos violentamente
removidos de seus espaços. Depois da abolição da escravatura foi criada a Lei de
Terras que previa que o acesso a terra somente poderia ser dado através da
compra, discriminando assim o acesso desta aos pobres e negros. Impossibilitados
de ter sua própria terra, estes acabaram migrando para os grandes centros urbanos
formando vilas (INCRA, 2011; VILELA et. al. 2007).
Para resolver o problema da falta de mão de obra gerada com o fim da
escravidão, o governo incentivou a vinda de imigrantes europeus, principalmente
para a Região Sul do país. Cada família recebia 25 hectares que era cobrado pela
coroa, fazendo com que estes tivessem de trabalhar muitos anos para pagar a
porção de terra que “ganharam”. Já os imigrantes que foram trabalhar nas lavouras
cafeeiras de São Paulo não tinham acesso à terra, trabalhavam nas fazendas e em
10
troca podiam plantar em uma pequena porção de terra cedida pelos fazendeiros que
exploravam esta mão de obra barata (STÉDILE, 1997).
Por muitos anos o governo defendeu o interesse dos grandes latifundiários e
só a partir dos anos 60 a questão fundiária começou a ser discutida no país. Alguns
movimentos políticos e sociais tentaram em vão conseguir a distribuição da terra.
Em 1964 o governo militar promulgou a Lei nº 4.504, denominada Estatuto da Terra,
que criou o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de
Desenvolvimento Agrário (INDA). Na verdade o governo estava mais preocupado
em atender às solicitações dos grandes latifundiários que desejavam proteger seus
direitos de posse do que propriamente à distribuição de terras (INCRA, 2011;
VILELA et. al. 2007).
Durante a ditadura (1964 a 1982) o governo militar assegurava que iria
solucionar os conflitos no campo com a modernização da agricultura e o aumento
das exportações. A expansão da fronteira agrícola trouxe benefícios econômicos
para o país, contudo não modificou sua estrutura fundiária e ainda acarretou o
aumento de empresas de capital externo, a exploração do trabalhador, o êxodo rural
e um problema de abastecimento interno de alimentos (VILELA et. al. 2007).
A luta pela terra é retomada em 1983 pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-terra (MST), iniciando um processo histórico pela reforma agrária e por
uma sociedade mais justa e fraterna. A união de posseiros, atingidos por barragens,
migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem
terras, que estavam desprovidos do seu direito de produzir alimentos, tornou o MST
forte e internacionalmente conhecido. A pressão exercida por este e outros
movimentos sociais impulsionou a reforma agrária no país (MST, 2009; VILELA et.
al. 2007).
1.1.3 A Reforma Agrária na Fronteira: assentamentos rurais em Sant’Ana do
Livramento
No Brasil foram assentadas 1.235.130 famílias entre os anos de 1994 e 2011,
destas 16.018 no estado do Rio Grande do Sul, estabelecidas em 334
assentamentos. O apêndice A demonstra a distribuição dos assentamentos nas
cidades do estado (INCRA, 2012).
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O processo de reforma agrária iniciou no município em 1991. Decorridos 21
anos, hoje existem 30 assentamentos do INCRA que ocupam 25.587 ha o que
correspondem a 3,7 % do total da área do município. A figura 2 demonstra a
localização dos assentamentos no espaço agrário município. Os assentamentos
abrigam 941 famílias, entretanto, o município ainda apresenta grande concentração
fundiária - Apêndice B.
Figura 2: Localização dos assentamentos rurais no município de Sant'Ana do Livramento. Fonte: INCRA, 2008.
Atualmente, 30,95% dos estabelecimentos não familiares ocupam 91,95% da
área, enquanto os 69,05% dos estabelecimentos familiares ocupam somente 8,05%
do total da área do município (IBGE, 2006; INCRA, 2012).
Este cenário se repete em toda a Campanha Gaúcha (ANEXO B) onde
predomina historicamente a pecuária extensiva. Esta região caracteriza-se pela
baixa densidade demográfica e maior concentração da renda, consequência de um
processo lento de povoamento, o que dificultou a criação de núcleos de povoamento
que mais tarde se emancipariam, resultando na formação de municípios de maior
extensão territorial (SILVA NETO, 2010).
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O município abriga uma grande população rural, motivo pelo qual existe uma
permanente preocupação com a geração de emprego e renda. Um grande desafio é
possibilitar o desenvolvimento dos pequenos estabelecimentos rurais, para que as
famílias além de proverem seu sustento, possam permanecer no campo, não
necessitando vender sua mão-de-obra e tampouco migrar para as cidades em busca
de trabalho. A população rural do município é de 8054 pessoas, distribuídas entre os
sete distritos do município. O Apêndice C demonstra o número de habitantes por
distrito rural do município (IBGE, 2012).
Os distritos menos povoados do município são Espinilho, Cati e São Diogo,
que possuem solos basálticos, rasos, não apropriados para a agricultura. Este
espaço é destinado basicamente à pecuária extensiva praticada em grandes
propriedades. O distrito de Livramento, por sua localização periurbana, abriga
grande parte da população rural. As agroindústrias do município também estão
concentradas neste distrito. Os distritos de Pampeiro, Ibicuí e Upamaroti são os
locais onde estão os assentamentos rurais onde predominam os solos argilosos e a
produção é diversificada, variando da pecuária a grãos e frutas (SILVA NETO, 2010)
A adoção de sistemas de produção intensivos são os mais indicados para que
a pequena propriedade possa se desenvolver com equidade social. Nestes sistemas
há a ocupação contínua e completa do solo, favorecendo a policultura, além da
utilização de maior quantidade de mão de obra, o que é uma característica da
agricultura familiar (SILVA NETO E BASSO, 2005). O estabelecimento familiar, ao
adotar sistemas de produção intensivos, consegue absorver até sete vezes mais
postos de trabalho do que o estabelecimento patronal (BATISTELA, 2000).
1.2 A AGRICULTURA FAMILIAR
Atualmente no mundo se produz alimentos suficientes para alimentar o dobro
de sua população, contudo, 963 milhões de pessoas no mundo sofrem de
insegurança alimentar e nutricional sendo destes 80 % pertencem ao meio rural. No
Brasil, 72 milhões de pessoas sofrem com a insegurança alimentar, destas 13
milhões passam fome (ABRANDH, 2008). A produção de alimentos em grande
escala foi impulsionada pela chamada “Revolução Verde”, objetivando terminar com
a fome no mundo. Contudo, os pacotes tecnológicos necessários à produção
desconsideravam as condições econômicas dos agricultores, bem como as
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necessidades e aptidões agroecológicas de cada local. Embora o objetivo da
“Revolução Verde” fosse outro, como resultado obteve-se o aumento de
monoculturas, a dependência de insumos externos, a queda no preço dos produtos
agrícolas que em grande escala tornaram-se commodities, o aumento das dividas, o
empobrecimento das pequenas propriedades familiares e o êxodo rural
(GLIESSMAN, 2001).
Grande parte dos alimentos básicos que o brasileiro consome é proveniente
de estabelecimentos familiares (MDA, 2009). Pela Lei 11.326, de 24 de julho de
2006, agricultura familiar tem por definição:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e
empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III- tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Rocha (2003) abrange a definição de agricultura familiar, ao trazer também a
cena outros agentes que mantem diferentes relações de posse com a terra como: os
trabalhadores rurais que exploram uma parcela de terra na condição de proprietário,
posseiro, arrendatário, parceiro ou ocupante, desde que atendam os requisitos da lei
no que diz respeito à quantidade de terras, origem da renda, residência e mão de
obra.
Independentemente de conceitos, conforme demonstra o último censo
agropecuário do IBGE, a agricultura familiar responde pela produção de grande
parte dos alimentos que chegam à mesa da população. No país, a agricultura
familiar representa 84,4% dos estabelecimentos rurais o que corresponde a 4,3
milhões de estabelecimentos, absorvendo 75% da mão de obra do campo (MDA,
2009).
A agricultura familiar produz 84 % da mandioca, 67 % do feijão, 58 % dos
suínos, 54% do leite, 49 % do milho, 40 % das aves e ovos, 32 % da soja dentre
outro alimentos consumidos no país. Toda essa produção é feita em apenas 15 %
das terras, demonstrando seu grande potencial produtivo mesmo com a intensa
concentração fundiária que ainda perdura no país (MDA, 2009).
14
1.3 SEGURANÇA E SOBERANIA ALIMENTAR
A insegurança alimentar ainda é um mal que assola o mundo, sobretudo os
países mais pobres. Mesmo no mundo sendo produzidos alimentos em quantidade
suficiente para abastecer sua população, ainda perdura a insegurança alimentar.
Esta pode ser resultado de várias causas, como má distribuição, os preços abusivos
e a imposição de padrões alimentares que não respeitem a diversidade cultural.
Para o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA,
a segurança alimentar é:
Direito de todos e deve ser garantida através do acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (CONSEA, 2006).
No Brasil ainda são grandes os desafios para assegurar o acesso de
alimentos a todos. 18,7% dos domicílios nacionais convivem com insegurança
alimentar leve, 6,5% com insegurança alimentar moderada e 5,0% com insegurança
alimentar grave, este último representa 11,2 milhões de pessoas. A participação dos
alimentos na mesa dos brasileiros mais ricos em relação aos mais pobres também é
discrepante, 1,5 vezes maior para carnes, 3 vezes maior para leite e derivados,
quase 6 vezes maior para frutas e 3 vezes maior para verduras e legumes
(CONSEA,2012).
A mercantilização da produção agrícola, impulsionada pela revolução verde,
fez com que muitas famílias abandonassem antigas práticas agrícolas
conservadoras em busca de maiores lucros, vulnerabilizando sua segurança
alimentar. A modernização da produção resultou em transformações técnico-
produtivas que ocasionam a dependência de insumos externos à unidade, sem os
quais as culturas tornaram-se inviáveis (GAZZOLA, 2004).
A constante evolução da população mundial não permite a condenação do
agronegócio, nem tampouco este trabalho irá debater questões agroecológicas que
norteiam este tema. Porém o próprio Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional admite que o agronegócio, principalmente as monoculturas de soja, cana
de açúcar e eucalipto, crescem mais do que a agricultura familiar. O modelo de
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produção extensivo e as monoculturas têm ameaçado a segurança e a soberania
alimentar do país. Outro fator que possivelmente intervém na soberania alimentar
nacional é a inserção de sementes transgênicas que ameaçam a existência das
demais espécies, sobretudo as crioulas, e este cenário no que tudo indica tende a
aumentar. O órgão inclusive recomenda que o governo adote ações coibindo o uso
indiscriminado de agrotóxicos e que incentive a adoção de sistemas agroecológicos
de produção.
1.3.1 Políticas Públicas e Segurança Alimentar
É dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar,
monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação
adequada. A segurança alimentar é direito da população garantida pela Lei nº
11.346, de 15 de setembro de 2006, portanto o poder público deve adotar políticas e
ações necessárias para garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
Essas políticas devem considerar os aspectos ambientais, culturais, econômicos,
regionais e sociais (ABRANDH, 2012)
Algumas das políticas públicas que visam contemplar a segurança alimentar
são:
a) Agricultura Familiar: a Lei nº 11.947/2009 determina a utilização de, no
mínimo, 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação – FNDE, para alimentação escolar, na compra de produtos produzidos
pela agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações,
priorizando os assentamentos de reforma agrária, as comunidades tradicionais
indígenas e comunidades quilombolas. O valor anual de venda de cada produtor não
pode ultrapassar 20 mil reais. No município de Sant’Ana do Livramento no ano de
2010 foram comprados R$ 210.000,00 de alimentos da agricultura familiar.
b) Bolsa Família: Programa de transferência direta de renda que beneficia
famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. Beneficia 16
milhões de brasileiros que possuem renda familiar per capita inferior a R$ 70
mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos
serviços públicos. Em 2010 foram beneficiadas 6.590 famílias pelo programa, o valor
repassado foi de R$ 8.075.800,00.
16
c) Benefício de Prestação Continuada: benefício da Política de Assistência
Social, que integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS, benefício individual, não vitalício e intransferível, que
assegura a transferência mensal de um salário mínimo ao idoso, com sessenta e
cinco anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, as
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Em
ambos os casos, devem comprovar não possuir meios de garantir o próprio
sustento, nem tê-lo provido por sua família. A renda mensal familiar per capita deve
ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente. Em Sant’Ana do Livramento
no ano de 2010 foram contempladas pelo programa 3.502 pessoas, o valor total
pago foi de R$ 20.750.697,17.
d) Acompanhamento Nutricional das Crianças Beneficiadas pelo Bolsa Família:
o programa monitora se as crianças que estão incluídas estão sendo alimentadas
adequadamente. No município foram monitoradas 71,68% do total de crianças
beneficiadas.
e) Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE: conhecido como
Merenda Escolar, consiste na transferência de recursos financeiros do Governo
Federal, em caráter suplementar, aos estados, Distrito Federal e municípios, para a
aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar. Os beneficiários
da Merenda Escolar são alunos da educação infantil (creches e pré-escolas), do
Ensino Fundamental, da Educação Indígena, das áreas remanescentes de
quilombos e os alunos da Educação Especial, matriculados em escolas públicas
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Foram repassados para o
município de Sant’Ana do Livramento R$ 259.062,00 no ano de 2010, beneficiando
5.351 alunos.
f) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf):
financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores
familiares e assentados da reforma agrária. O programa possui as mais baixas taxas
de juros dos financiamentos rurais, além das menores taxas de inadimplência entre
os sistemas de crédito do País. No ano de 2010 foram beneficiados 689 produtores
do município com o investimento de R$ 5.003.669,65.
17
1.4 DO CAMPO AO PRATO, A PRODUÇÃO DESTINADA AO AUTOCONSUMO
A produção agrícola voltada para apenas para o mercado conduz o agricultor
familiar à vulnerabilidade da sua segurança alimentar, principalmente devido à perda
da diversidade produtiva, característica da produção familiar. Existem muitas
variáveis que condicionam a produção de autoconsumo dentro do estabelecimento
rural, são elas: a composição da unidade familiar, os fatores de produção
disponíveis (terra, capital e mão-de-obra), fontes de renda externas a unidade
(aposentadoria, pensão), questões culturais, proximidade com os mercados. Estes
fatores não são cumulativos, ou seja, não aparecem obrigatoriamente juntos,
mudando a cada família entrevistada (GAZZOLA, 2004).
1.4.1 A alimentação
O objetivo maior do ser humano ao se alimentar é atender as suas
necessidades orgânicas tanto qualitativa quanto quantitativamente. Uma
alimentação adequada é aquela que propicia o crescimento através do aumento ou
da manutenção do peso e da estatura do individuo. A alimentação saudável parte do
principio qualitativo, ou seja, deve suprir nossas necessidades nutricionais e esta
somente é alcançada quando consumimos alimentos que são fontes de vitaminas,
sais minerais, proteínas, lipídios e carboidratos. Os alimentos que são
indispensáveis ao regime diário recomendado são divididos em cinco grupos: leite e
derivados; cereais e derivados; carne e ovos; açúcares, óleos e gorduras e vegetais
e frutas (EVANGELISTA, 2003).
A produção familiar é diversificada, ainda que ao longo do tempo, algumas
práticas tenham sido perdidas. A produção vegetal e animal quando praticada com
certa variedade dentro da propriedade, torna os produtores praticamente
autossuficientes no que diz respeito á alimentação, dependendo pouco do mercado.
Se ao invés de adquirir o produto no varejo o agricultor o produzir dentro de sua
propriedade estará deixando de pagar o preço cobrado pelo varejo pagando apenas
o que lhe custa para produzir, esta diferença entre os valores de mercado e de
produção Garcia Filho (1996) chama de ganho de oportunidade.
A produção vegetal irá variar de acordo com a região, principalmente quando
se trata de produção de frutas. As frutas são alimentos de alto valor nutritivo que
18
colaboram com a segurança alimentar da família, além de proporcionar um ambiente
agradável. A horta também é apontada como importante fonte de vitaminas e sais
minerais para a dieta, além de produzir alimentos durante o ano inteiro não
necessitam de grandes espaços tampouco de grande aporte de insumos
(POZZEBON, LENZ, 2009).
A produção animal gera uma gama de alimentos ricos em proteínas, lipídios,
vitaminas e sais minerais. A carne de suínos e de aves está presente na mesa da
família, talvez pelo menor custo de produção e de tempo de acabamento, sejam
estas as que mais são consumidas. Além de carne, os suínos geram a gordura
“banha” e as aves fornecem os ovos, importante alimento que está presente em
muitas receitas e que por muitas vezes complementa a renda familiar (POZZEBON,
LENZ, 2007).
1.4.2 O Saber Fazer: influências da cultura na alimentação
O alimento consumido pelo brasileiro representa mais do que simplesmente
uma fonte nutricional. O comportamento alimentar esta atrelado a cultura de cada
povo e reflete sua identidade. Os costumes alimentares do povo brasileiro são
resultado das várias contribuições de diferentes culturas. Índios, portugueses,
escravos, espanhóis e mais tarde colonizadores italianos, alemães dentre outros,
que contribuíram para a diversidade de sabores que constitui a mesa do povo
brasileiro. Cada região do país tem sua peculiaridade gastronômica e sua culinária
adaptada ao clima e à geografia (MS, 2012).
A herança herdada pelos agricultores vai além da terra enquanto patrimônio,
já que se os filhos possuírem apenas os fatores de produção, sem o saber estes de
nada servem, pois a terra não se cultiva sozinha. Os pais deixam para seus filhos
suas experiências, seus conhecimentos, enfim, todo um patrimônio cultural
acumulado. O conhecimento adquirido ira embasar suas atividades agrícolas ao
longo de sua vida, atividades essas que implicarão no sustento de sua família, na
qualidade de vida, no desenvolvimento econômico, social e humano (GAZOLLA,
SCHNEIDER, 2007).
Assim como no ato de alimentar-se, no cultivo da terra também percebe-se a
influência cultural. A produção destinada ao autoconsumo reflete o saber-fazer de
cada indivíduo e que foi passado a este pelas gerações anteriores. O produtor utiliza
19
seu conhecimento e experiência acumulada ao longo de gerações para transformar
o meio agroecológico em que vive e dali promover o seu sustento. Estes produtores
conhecem os calendários de cada cultura, as condições ambientais (solo e clima),
estes elementos permitem à unidade familiar gerir e aproveitar melhor seus recursos
(GRISA, 2007).
Outro tipo de alimento bastante presente na mesa da família são os de
transformação caseira como: geleia, compota, queijo, conservas, pão, banha, etc.
Ao produzir estes alimentos, principalmente as mulheres, que são as responsáveis
pela produção, demonstram a influência de suas culturas e o saber fazer herdado de
suas mães (GRISA; SCHNEIDER, 2008).
1.4.3 Além da alimentação: o autoconsumo como instrumento de
sociabilização
As sementes, os animais e os alimentos produzidos pela família servem,
muitas vezes, como um instrumento de sociabilização entre estas. A sociabilidade
refere-se à forma como que os indivíduos, as famílias e os grupos sociais se
relacionam entre si. Em uma agricultura mais primitiva, a troca de alimentos e
insumos era chamada de “escambo”, onde a necessidade dos produtores guiavam
as trocas. Posteriormente, a troca de produtos dava-se pela distância que existia
entre os centros comerciais e os povoados. Passado o tempo, ainda hoje existe a
troca e a doação de alimentos e insumos entre as famílias rurais (GAZOLLA,
SCHNEIDER, 2007).
1.4.4 O autoconsumo e a questão de gênero.
A masculinização do campo é um fenômeno crescente e quem tem sido
amplamente discutido e estudado. A atual dinâmica produtiva da agricultura conduz
a uma situação na qual a mulher rural, na maior parte dos casos, passa do status de
mão-de-obra familiar que participa de inúmeras operações agrícolas à condição de
responsável pelas atividades ligadas ao cuidado com a casa. Atualmente cabe ás
mulheres o trabalho doméstico, da horta, das pequenas lavouras e criações voltadas
para o autoconsumo (GAZOLLA; SCHNEIDER, 2007).
20
Devido ao fato de a produção destinada ao autoconsumo não gerar
rendimentos quantificáveis monetariamente, esse trabalho é considerado invisível.
Segundo o IBGE cerca de 40% das mulheres que trabalhavam em atividades
agropecuárias não são consideradas trabalhadoras. Na agricultura familiar as
atividades de autoconsumo envolvem cerca de 40% do total de mão-de-obra
feminina e 8,9% da mão-de-obra masculina na agropecuária (IBGE, 2006). Tais
dados confirmam o papel e a importância feminina na produção agrícola, sobretudo
de subsistência. No município existem 2.456 homens maiores de 14 anos
trabalhando em propriedades familiares, enquanto mulheres o número é de 1.564.
O fato de existir um grande número de mulheres que vivem na zona rural e,
principalmente, por muitas destas não serem remuneradas, faz-se com que seja
necessária a adoção de medidas que possam contempla-la incentivando assim seu
reconhecimento, novas fontes de renda e trabalho e sua permanência no campo.
Desde o ano de 2004 foram lançadas pelo governo federal varias políticas públicas
que visam contemplar as mulheres rurais. Dentre estas ações destaca-se o
Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR) que
assegura às mulheres rurais, de forma gratuita, acesso a documentos civis e
trabalhistas; a ampliação dos direitos das mulheres à terra através da titulação
conjunta obrigatória dos lotes de assentamentos da reforma agrária; as famílias
chefiadas por mulheres passaram a ter preferência na sistemática de classificação
das famílias beneficiárias da reforma agrária; também o crédito através do Pronaf
que visa garantir a inclusão das mulheres na gestão do crédito familiar; as mulheres
também passaram a contar com uma política setorial de assistência técnica e
extensão rural (ATER) voltada exclusivamente para elas, onde o objetivo é fortalecer
a organização produtiva, promover a agroecologia, ampliar o acesso às políticas
públicas, especialmente as voltadas para a produção, comercialização e
fortalecimento dos empreendimentos econômicos (MDA, 2012).
As agroindústrias tem o potencial de absorver a mão-de-obra familiar,
sobretudo feminina e auxiliar no aumento da renda da família através da agregação
de valor aos produtos beneficiados nos estabelecimentos familiares. A agroindústria
torna aqueles produtos que até então eram apenas produzidos para o consumo
(queijo, geleias, compotas, doces, etc.) em produtos comerciais de alto valor
agregado. A comercialização fora do lote além do incremento financeiro propicia o
fortalecendo da identidade dessas famílias, já que na agroindústria familiar são
21
utilizados em grande parte os alimentos produzidos no lote que são transformados
através do saber fazer (conhecimento) que as famílias trazem consigo (DUVAL;
FERRANTE, 2010).
22
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Compreender a relação entre o autoconsumo e a matriz de produção de
alimentos em estabelecimentos rurais familiares da reforma agrária.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Analisar a composição da renda familiar de cada um dos estabelecimentos rurais
entrevistados sob a perspectiva econômica da Teoria dos Sistemas Agrários;
b) Verificar o aproveitamento dos fatores de produção agrícola familiar no cultivo de
alimentos para consumo e comercialização;
c) Conhecer à produção destinada ao autoconsumo dentro da propriedade
familiar;
d) Compreender a importância do autoconsumo no desenvolvimento sócio-
econômico das famílias assentadas.
23
3 METODOLOGIA
Este trabalho utilizará como referência metodológica o conceito dos Sistemas
Agrários (MAZOYER & ROUDART, 2001) e na Metodologia de Análise e Diagnóstico
dos Sistemas Agrários (GARCIA FILHO, 1996) para o estudo da realidade concreta
da agricultura e dos agricultores, utilizando o enfoque sistêmico e o principio da
recursividade.
O cálculo e a modelização econômica dos estabelecimentos familiares
seguirá a metodologia proposta por Lima et al. (2001), utilizando os seguintes
indicadores: produto bruto, consumo intermediário, valor agregado bruto,
depreciação, valor agregado, renda agrícola, produtividade do trabalho e
remuneração de trabalho.
O produto bruto (PB) representa o valor da produção gerada, durante um ano,
exclusivamente pela unidade de produção. Compõem o produto bruto somente o
valor dos produtos e serviços finais, tais como: a produção vendida, a produção
consumida pela família, a produção estocada, a variação do rebanho animal, a
remuneração de serviços prestados para terceiros pela mão-de-obra familiar.
O consumo intermediário (CI) representa o valor dos insumos e serviços
destinados ao processo de produção, adquiridos de outros agentes econômicos
(sementes, fertilizantes, corretivos, alimentação animal, energia...). Esses elementos
são considerados intermediários porque, por meio do trabalho e dos demais meios
de produção, vão ser transformados integralmente, durante um ciclo produtivo, em
produtos mais elaborados e de maior valor.
O valor agregado (VA) é uma medida de resultado econômico que avalia a
atividade produtiva da unidade de produção, independentemente se o agricultor é
proprietário ou não da totalidade dos meios (trabalho, terra, capital) utilizados no
processo de produção. O VA mede especificamente o valor gerado pela unidade de
produção durante um ano. O VA pode ser diferenciado em valor agregado líquido
(VAL) e valor agregado bruto (VAB), pelo fato de ter ou não deduzido a depreciação.
Assim, tem-se:
VAB= PB - CI VAL= PB – CI – D
24
A depreciação (D) ou consumo de capital fixo corresponde à fração do valor
dos meios de produção adquiridos de outros agentes (máquinas, equipamentos,
instalações, etc.) que não são integralmente consumidos no decorrer de um ciclo de
produção. São bens que se desgastam e, por isso, perdem progressivamente o valor
nos diferentes processos de produção dos quais participam ou por obsolescência.
Devido a essas características, uma fração do valor desses bens é descontada, a
cada ano, do valor dos produtos, durante a sua vida útil. O valor da depreciação será
o que a unidade de produção deverá guardar por ano para que no final da vida útil
do bem a propriedade tenha fundos para adquirir equipamentos novos ou recuperá-
los.
A renda agrícola (RA) representa a parte do valor agregado que fica com o
agricultor para remunerar o trabalho familiar e aumentar o seu patrimônio. O que não
for utilizado para a sobrevivência da família poderá ser reinvestido na unidade de
produção (pagamento de empréstimos, compra de terras, ampliação das
instalações, compra de novos equipamentos).
A produtividade do trabalho (PW) é tudo que um trabalhador produz de
riqueza em um ano de trabalho. Para chegar a esse indicador basta dividir o VAL
pela UTH (unidade de trabalho homem).
A remuneração do trabalho familiar (RWF) representa o que cada trabalhar
percebe efetivamente ao longo de um ano de trabalho. Para descobrir esse valor
dividimos a RA pelo número de trabalhadores.
RA = VA – S – I – J – RT
PW = VAL / UTH
RWF = RA / UTH
25
3.1 LOCAL DA REALIZAÇÃO DO ESTÁGIO E INSTRUMENTOS DE COLETA DE
DADOS
O estágio foi realizado no assentamento rural Leonel Brizola, localizado a
cerca de 40 km ao oeste da sede municipal de Santana do Livramento, no 3º distrito,
denominado Ibicuí (ANEXO C). O acesso principal ao PA é feito por estrada
municipal sem pavimentação, geralmente de boa trafegabilidade. Este assentamento
foi criado em 08/08/2005, possui área total de 353,34 hectares o que corresponde a
12,62 módulos fiscais. Possui capacidade para assentar ate 13 famílias em lotes de
27,18 hectares em média. Situa-se sobre a Bacia do Rio Santa Maria.
Foram empregados questionários abertos às 12 famílias que residem no
assentamento, com o intuito de captar toda a diversidade e a complexidade inerente
à produção desenvolvida por estas famílias.
As perguntas realizadas envolveram questões sobre a infraestrutura do
estabelecimento, itinerário técnico da produção, custos e rendas de cada
subsistema, os aspectos agroecológicos, a utilização dos fatores de produção (terra,
trabalho e capital) e principalmente quais os produtos que são produzidos e
consumidos por estas, sejam estes de consumo direto (leite, carne, etc) ou de
consumo indireto (milho que alimenta as vacas). Além destes dados também foram
feitos questionamentos sobre a origem do produtor e sua família, ano de chegada ao
assentamento, rendas provenientes de atividades externas a propriedade (trabalho,
aposentadoria, pensão, etc.), gênero e idade dos componentes do núcleo familiar.
3.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
Inicialmente foi feito o levantamento histórico cultural do município através de
revisão bibliográfica visando compreender a dinâmica social atual, posteriormente foi
feita a leitura da paisagem buscando contextualizar o espaço estudado dentro do
município quanto as suas características agroecológicas e sociais.
Após a contextualização do espaço estudado, foram feitas entrevistas com as
doze famílias que residem no assentamento Leonel Brizola, com a aplicação de
questionários abertos. Findadas as entrevistas, com os dados obtidos foi feita a
análise socioeconômica.
26
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estudo em questão propôs-se a entrevistar as 11 famílias residentes no
assentamento Leonel Brizola, contudo não foi possível desenvolver o trabalho com
todas devido à ausência de duas famílias assentadas durante o tempo de estágio.
Foram entrevistadas sete famílias, porém como algumas trabalham em conjunto ou
ocupam dois lotes, houve a impossibilidade de separar os dados, portanto os
resultados demonstraram os dados de seis famílias.
Com o propósito de tornar mais visível as diferenças socioeconômicas entre
as famílias, apresenta-se a Tabela 01 que demonstra a síntese dos dados
econômicos obtidos a partir das entrevistas.
Tabela 1: Síntese dos dados econômicos das famílias entrevistadas. Fonte: Elaboração do autor, 2012.
Foi constatado que nos estabelecimentos entrevistados predominam os
subsistemas autoconsumo, policultura e pecuária mista.
O subsistema autoconsumo é constituído em grande parte por alimentos que
permitem ao produtor alternar entre a comercialização e o consumo. Tal flexibilidade
é denominada por Gazolla e Schneider (2007) de princípio da alternatividade, este
proporciona ao agricultor certa autonomia produtiva e reprodutiva. Ao produzir seu
próprio alimento o produtor diminui sua relação de dependência com os bens
externos a propriedade e torna-se menos exposto as flutuações de preço. Ao vender
certa parte do que produz, o produtor pode adquirir outros alimentos e bens dos
quais não dispõe. O gráfico 1 demonstra qual a orientação predominante em cada
A B C D E F
Produto Bruto R$ 12.945,00 R$ 14.938,25 R$ 43.507,00 R$ 57.639,53 R$ 29.735,50 R$ 38.502,51
Custo Intermediário R$ 1.330,00 R$ 659,19 R$ 7.742,77 R$ 9.467,35 R$ 2.669,06 R$ 8.744,42
Valor Agregado
Bruto R$ 11.615,00 R$ 14.279,06 R$ 35.764,23 R$ 48.172,18 R$ 27.066,44 R$ 29.758,09
Depreciação R$ -00 R$ 120,00 R$ 353,00 R$ 350,00 R$ 350,00 R$ -00
Valor Agregado
Líquido R$ 11.615,00 R$ 14.159,06 R$ 35.411,23 R$ 47.822,18 R$ 26.716,44 R$ 29.758,09
Distribuição do
Valor Agregado R$ 86,02 R$ 103,68 R$ 530,60 R$ 1.072,47 R$ 582,21 R$ 651,36
Renda Agrícola R$ 11.528,98 R$ 14.055,38 R$ 34.880,63 R$ 46.749,71 R$ 26.134,23 R$ 29.106,73
PW= VAL/UT R$ 5.807,50 R$ 7.079,53 R$ 17.705,61 R$ 11.687,43 R$ 13.358,22 R$ 29.758,09
RWF = RA/UTH R$ 7.743,33 R$ 9.370,25 R$ 17.440,32 R$ 15.583,24 R$ 17.810,96 R$ 29.106,73
VAB/SAU R$ 1.052,56 R$ 879,25 R$ 1.610,28 R$ 892,08 R$ 1.194,04 R$ 654,74
FAMÍLIASCOEFICIENTE
27
família, identificada a partir da diferença entre o valor agregado bruto do
autoconsumo e da venda.
Gráfico 1: Diferença entre o valor agregado bruto da produção destinada á venda e ao autoconsumo. Fonte: Elaboração do autor, 2012.
As famílias B, D e E praticam os subsistemas autoconsumo, policultura e
pecuária mista. As famílias A, C, F praticam os subsistemas autoconsumo e
policultura.
A denominação policultura opõe-se ao conceito de monocultura, ou seja, não
há especialização produtiva. A policultura em questão caracteriza-se por várias
culturas sucessivas que utilizam o mesmo espaço agroecológico. As culturas mais
praticadas são a mandioca, a batata-doce, a moranga cabotiá, o feijão e o milho.
Todas estas culturas são vendidas e também consumidas confirmando o princípio
da alternatividade. O milho é a cultura que mais se destaca, pois é utilizado como
insumo para a alimentação de galinhas, suínos e principalmente para o rebanho
onde a pecuária mista é praticada, além de ser comercializado por algumas famílias.
A pecuária mista é assim denominada, pois não ser caracteriza como
pecuária exclusivamente leiteira ou de corte, ou seja, não há especialização. O
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
A B C D E F
VA
B (
%)
Famílias
Diferença entre o valor agregado bruto da produção destinada á venda e ao autoconsumo(%)
VAB VENDA VAB CONSUMO
28
produtor utilizar-se das crias do rebanho leiteiro para engorda e posterior
comercialização ou consumo. A produção de leite é presente na maioria dos
assentamentos do município. A atividade leiteira esta amplamente disseminada nos
estabelecimentos familiares e isso se deve ao fato do leite possibilitar a obtenção de
uma renda mensal, além disso, é um produto que propicia o consumo interno e a
comercialização ou processamento, permite ainda o uso de terras não nobres e
utiliza de forma intensiva a mão-de-obra familiar.
Observa-se no gráfico 1 que as famílias que praticam o subsistema pecuária
mista são as que possuem um valor agregado bruto maior de venda, principalmente
as famílias D e E. Isso se deve ao fato de que quando combinada com outros
subsistemas a atividade leiteira concorre pelo fator de produção mão-de-obra. Tal
correlação se confirma ao analisar os motivos pelos quais as outras três famílias não
praticam esse subsistema. Destas tem-se a família A que deixou de produzir leite há
pouco tempo por problemas com o armazenamento e falta de mão-de-obra; a família
F relatou não produzir por também não dispor da mão-de-obra necessária e a família
C também havia interrompido devido a problemas no armazenamento, e estava
iniciando a construção de um novo local para ordenha além de adquirir resfriador
próprio. A produção leiteira é extremamente atraente frente às demais, haja vista
que os ganhos representam uma renda garantida ao fim do mês para as famílias.
Como relatado pelos produtores, à composição da família é um condicionante
importante para determinar os sistemas de cultivo e criação que a família irá praticar.
Conforme Chayanov (apud GRISA; SCHNEIDER, 2007, p.9) a composição familiar e
as necessidades de consumo determinam a racionalidade produtiva das famílias.
Neste contexto procurou-se determinar o número total dos membros familiares, dos
membros consumidores e das unidades de trabalho para propor uma hipótese que
explique a produção de autoconsumo dentro das unidades familiares baseada na
quantidade de seus membros. A composição familiar esta classificada por idade dos
membros que compõe os núcleos familiares do assentamento, demonstrada na
Tabela 2.
29
Tabela 2: Número de residentes, consumidores, UTH por faixa etária. Elaboração do autor, 2012.
A família D apresenta um maior número de componentes, na verdade são
duas famílias juntas. Como dito anteriormente, não foi possível separar as duas
devido ao trabalho ser desenvolvido em conjunto pelos membros e ocupando os
dois lotes. Nas demais famílias observou-se uma média de dois ou três membros,
mostrando que são famílias pequenas. As crianças e adolescentes correspondem a
40% dos residentes no assentamento.
Observando o VAB do autoconsumo de cada família pode-se observar que
este tem relação com a quantidade de unidades de trabalho homem (UTH) de cada
estabelecimento familiar. As famílias A, B, E, F que apresentam menos UTH são as
que apresentaram também os menores valores agregados do autoconsumo,
diferentemente das famílias C e D apresentam maior número de UTH e maior VAB.
Infere-se a partir destes dados que a produção destinada ao aprovisionamento
familiar é determinada não somente pela quantidade de membros familiares
consumidores, mas principalmente pela quantidade de unidades de trabalho que a
família efetivamente dispõe.
Devido às famílias entrevistadas, em sua maioria, ser composta por jovens,
fica limitada a comparação, contudo a faixa etária também deve ser considerada
como um fator que pode interferir na quantidade produzida como um todo. Os
membros da família A, por exemplo, tem mais de 55 anos e relataram:
... eu (marido) cuido da lavoura e a mulher cuida da horta,
mas como ela andou meio doente, coisa de velho, a horta ficou atirada, cresceu o mato, eu não tenho idade pra cuidar de tudo sozinho...
30
Outro importante fator citado por vários autores (Zanetti e Menasche, 2007;
Gazolla e Schneider, 2007; Grisa, 2007) é o papel feminino na produção destinada
ao autoconsumo. Contudo esse trabalho muitas vezes não é valorizado
monetariamente embora seja reconhecido. Durante as entrevistas constatou-se que
as mulheres participam das decisões e sabem tanto quanto os homens (maridos,
filhos) acerca do que é produzido, consumido, vendido e gasto na propriedade. Em
pelo menos duas famílias as mulheres são as ‘chefes da família’, uma viúva e a
outra divorciada.
Já na primeira entrevista pode-se notar a importância feminina, quando ao
iniciar a conversa o marido chama a esposa:
Mulher faz o mate e vem te sentar aqui pra me ajudar a responde as perguntas da menina que das coisa da casa tu entende mais.
Esse fato aconteceu com praticamente todas as famílias entrevistas, as
mulheres participaram efetivamente das entrevistas. Pode-se observar no Gráfico 2
que no assentamento Leonel Brizola os homens são a maioria da população entre
18 e 55 anos. Estes são os responsáveis pelo trabalho na lavoura, já ás mulheres
cabe os trabalhos com o rebanho de leite, a ordenha das vacas, cuidado com a
horta e pelo trabalho da casa.
Gráfico 2: Composição do assentamento por idade e gênero. Elaboração do autor, 2012.
Pode-se considerar que o trabalho feminino não tem relação direta com o
VAB do autoconsumo, contudo influência na diversidade da produção. A família D,
31
na qual a proprietária é uma senhora viúva e aposentada, foi constatada uma
diversidade de frutas, inclusive nativas, e a existência de uma horta bastante
variada. Dados semelhantes já foram citados por Zanetti e Menasche (2007, p. 139)
cujos resultados demonstraram que nos estabelecimentos onde há presença ativa
de mulheres de mais idade, a diversidade de alimentos produzidos para o
autoconsumo é maior do que nas famílias em que as mulheres são mais jovens.
A produção familiar também é doada a vizinhos que não produzem
determinado alimento, assim torna-se além de uma importante fonte de
abastecimento familiar também uma forma de sociabilização entre os membros dos
assentamentos. Dentre os alimentos mais sociabilizados estão os ovos, as frutas e o
leite.
Durante as entrevistas pode-se observar que as mulheres do assentamento
produzem muitos alimentos derivados de frutas e do leite (compota, doces em calda,
geleia, schimia e queijo). Algumas dessas mulheres relataram que vende ou doam
os produtos para as vizinhas, mas que não vendem no centro da cidade devido às
dificuldades de transporte, ao fato de não haver uma organização para vender nas
feiras e a não valorização dos produtos. A instalação de uma agroindústria poderia
vir a auxiliar essas famílias. A Secretaria de Desenvolvimento Rural, desde o ano de
2004, apoia a implantação de agroindústrias familiares dentro dos estabelecimentos
rurais com a finalidade de possibilitar aos agricultores familiares à agregação de
valor a produção primária, contribuindo com o incremento da renda agrícola,
melhorando a qualidade de vida das famílias e contribuindo para o
desencadeamento de um processo de desenvolvimento socioeconômico em nível
municipal, regional e estadual (SDR, 2011). A agroindústria por si só não é a solução
de todos os problemas dos produtores, contudo pode utilizar-se do saber fazer
destas famílias e modificar o cenário atual onde as mulheres não tem a devida
remuneração e onde existe uma perda expressiva de alimentos.
Os alimentos mais consumidos pelas famílias estão demonstrados no Gráfico
3 e 4 e separados de acordo com sua origem (animal e vegetal).
32
Gráfico 3: Alimentos de origem animal mais consumidos pelas famílias entrevistadas. Fonte: Elaboração do autor, 2012
Gráfico 4: Alimentos de origem vegetal mais consumido pelas famílias. Fonte: Elaboração do autor, 2012.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas
(FAO) para a Agricultura e a Alimentação recomendam uma ingestão de 400 a 500
g/dia de frutas, legumes e verduras para reduzir o risco de doença coronariana e de
hipertensão arterial, esta quantidade corresponde a 3 porções de frutas e 3 porções
100% 100%
66% 66% 66%
50%
BATATADOCE
MANDIOCA CABOTIA FEIJAO FRUTAS HORTALIÇAS
Fa
mília
s (
%)
Alimentos
Alimentos de origem vegetal mais consumidos pelas famílias entrevistadas (%)
100% 100%
66% 66%
50%
16% 16%
CARNEBOVINA
LEITE CARNE DEAVES
OVOS CARNESUINA
MEL PEIXES
Fam
ília
s (
%)
Alimentos
Alimentos de origem animal mais consumidos pelas famílias entrevistadas (%)
33
de legumes e verduras. No caso das gorduras, a ingestão deve ser de 15 a 30% da
energia total consumida ou 1 porção do grupo de óleos e gorduras e deve-se
assegurar que o consumo de gordura saturada não exceda 10% das calorias totais e
o de ácidos graxos-trans seja inferior a 1% da energia total.
Dentre os alimentos de origem animal mais consumidos estão as carnes de
bovinos, suínos, aves e peixes assim como o leite, ovos e o consumo de mel. Dentre
os alimentos de origem vegetal estão as cucurbitáceas, o feijão e por último as frutas
e hortaliças. Algumas famílias não relataram o consumo de frutas e hortaliças o que
demonstra que não possuem uma alimentação adequada conforme o recomendado.
Um dos produtores entrevistados demonstrou a importância de produzir
alimentos para se obter uma alimentação adequada:
Feijão tem que ter na mesa, quem vai trabalhar na lavoura precisa de
feijão para aguentar o trabalho pesado, e as fruta eu planto pra não precisar comprar as com veneno que vende na cidade, dai a gente come no pé, a mulher faz doce, faz suco, doa para os vizinhos.
O Gráfico 5 demonstra o consumo quanto a origem do alimento por cada uma
das famílias entrevistadas.
Gráfico 5: Presença de alimentos de origem vegetal por família entrevistada. Elaboração do autor,2012.
38% 51% 46% 49%
16% 12%
62% 49% 54% 51% 84% 88%
A B C D E F
VA
B p
or
ori
gem
d
os a
lim
en
tos
(%)
Famílias
Participação dos alimentos de origem animal e vegetal no autoconsumo das famílias (%)
VEGETAL ANIMAL
34
Segundo pode-se observar no gráfico 5, apenas uma família tem o VAB da
produção vegetal maior do que a animal, demonstrando a importância da produção
de origem animal na esfera do autoconsumo familiar.
Além dos fatores citados anteriormente, a produção destinada ao
autoconsumo também sofre influência das rendas externas a propriedade como
pensão, aposentadoria, salários, etc. Na tabela 3 pode-se visualizar as principais
fontes de renda externas recebida pelas famílias.
Tabela 3: Origem das rendas externas recebidas pelas famílias entrevistadas. Fonte: Elaboração do autor, 2012.
TIPO DE RENDA EXTERNA A B C D E F
Trabalho Fora da Propriedade x
x x
Aposentadoria
x
Vab Autoconsumo (R$) 8.335,00 7.981,21 16.113,37 11.031,78 4.118,17 6.413,64
Os produtores A, C e D recebem rendas de atividades não agrícolas.
Contudo justamente os produtores que trabalham fora da propriedade obtiveram os
maiores VAB de autoconsumo em comparação àqueles que somente recebem
provimentos das atividades produtivas. A renda não agrícola já citada por Gazolla
(2004) e também por Grisa e Schneider (2007) pode em algumas famílias interferir,
para mais ou para menos, na produção de autoconsumo. Para avaliar esta questão
deve-se segundo os autores citados levar em considerações outras motivações do
produtor, seu ponto de vista, o próprio tempo em que a atividade externa demanda,
dentre outros fatores. Neste caso específico houve um incremento da produção
destinada ao autoconsumo, possivelmente por esta renda ter sido de alguma forma
utilizada como aporte financeiro para aquisição de bens e insumos para a produção.
Para uma melhor visualização da importância da produção destinada ao
autoconsumo os gráficos 6 e 7 demonstram a composição da renda das famílias C e
E que possuem respectivamente o maior e o menor VAB de autoconsumo.
35
Gráfico 6: Composição da renda agrícola da família C. Fonte: Elaboração do autor, 2012.
Gráfico 7: Composição da renda agrícola da família E. Fonte: Elaboração do autor, 2012.
Verifica-se na comparação entre os gráficos 6 e 7 a diferença na
intensificação do subsistema autoconsumo. Na família C o autoconsumo é o sistema
mais intensivo do que na família E, contudo essa diferença se deve a alguns outros
-
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
25.000,00
30.000,00
35.000,00
40.000,00
0 5 10 15 20 25
Ren
da A
grí
co
la (
R$)
Área (ha)
Composição da renda familiar da família C
AUTOCONSUMO
POLICULTURA
MEL
PSCICULTURA
-
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
25.000,00
30.000,00
35.000,00
40.000,00
0 5 10 15 20 25
Ren
da A
grí
co
la (
R$)
Área (ha)
Composição da renda agrícola da família E
AUTOCONSUMO
POLICULTURA
PECUARIA MISTA
36
fatores. Ambas as famílias contam com 2 unidades de trabalho, contudo a família E
dedica-se a pecuária mista, sistema que demanda uma maior quantidade de mão-
de-obra. Nesse caso pode-se concluir que existe uma maior dedicação pela família
E ao subsistema pecuária mista e policultura em detrimento ao subsistema
autoconsumo. Verifica-se também a diferença da área utilizada pelas famílias para
sua subsistência, enquanto a família C dispõe aproximadamente 15 ha, a família E
dispõe aproximadamente de 5 ha.
Durante o desenvolvimento deste estudo foram avaliadas algumas variáveis
com o objetivo de verificar se existe ou não alguma inter-relação entre estas e a
produção destinada ao autoconsumo. A partir das correlações estabelecidas
observou-se que algumas variáveis interferem de forma perceptível na produção
como a quantidade de unidades de trabalho que a família efetivamente dispõe, os
demais subsistemas que são praticados e a pluriatividade.
A partir dos dados analisados e das comparações estabelecidas concluiu-se
que a produção de autoconsumo é um importante subsistema na composição da
renda familiar. Se considerarmos que a metodologia determina que para o cálculo do
produto bruto do autoconsumo utiliza-se o valor do produto no mercado então se o
mesmo subsistema não fosse praticado, as famílias teriam de deduzir o mesmo valor
da sua renda agrícola para a compra de alimentos o que reduziria drasticamente sua
renda anual. Portanto, essa prática é essencial para o desenvolvimento social e
econômico destas famílias.
37
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do estudo realizado nas propriedades rurais familiares do
assentamento Leonel Brizola utilizando o método de análise diagnóstico de sistemas
agrários foi possível identificar os sistemas e subsistemas de cultivo e de criação, a
área física ocupada para cada subsistema e, principalmente a importância de cada
um destes subsistemas, em específico a produção de autoconsumo para a
reprodução econômica e social dos agricultores.
É errado pensar, no âmbito da agricultura familiar, que as famílias guiam-se
por uma única lógica produtiva: autoconsumo ou mercado. Não condiz com o perfil
das famílias entrevistadas, assim como na bibliografia consultada, que atualmente
as famílias pratiquem uma produção exclusivamente voltada para o consumo ou a
venda. O que foi verificado a campo, foram produtores cuja lógica produtiva
contempla as suas necessidades, tanto alimentares quanto econômicas e sociais.
A agricultura familiar atende aos princípios da complexidade e da diversidade.
Verificou-se que os produtores entrevistados articulam de formas distintas os fatores
de produção dos quais dispõe, utilizam-se do ecossistema e mantém relações com
os mercados também de forma diferentes. Portanto, por mais que se conclua que os
demais subsistemas praticados concomitantemente ao autoconsumo condicionam a
quantidade e a diversidade de alimentos produzidos pelas famílias não é o objetivo
deste estudo propor modificações nestas propriedades.
Este estudo conseguiu, através das contraposições estabelecidas,
proporcionar a compreensão dos principais fatores que influenciam as decisões dos
agricultores quanto ao que e quanto produzir para atender as necessidades
nutricionais de suas famílias. Além dos fatores já citados não pode ser
menosprezado o fato de que nem todos os agricultores têm as mesmas
necessidades, ou as atribui a mesma importância. A produção destinada ao
consumo esta intrinsecamente relacionada com a forma de vida, com a identidade,
com a cultura, com os saberes de cada produtor e como pressuposto tais
características devem ser respeitadas.
Não se deve negligenciar o fato de que essas famílias estão vivendo e
produzindo em um meio agroecológico distinto daquele de onde saíram antes de
serem assentadas, portanto iniciativas fomentando a implantação de culturas
38
adaptadas a região auxiliariam na diversidade dos alimentos produzidos pelas
famílias que ainda estão apresentando dificuldades de adaptação.
É notória a importância da produção de autoconsumo para as famílias
entrevistadas, e não foi observado entre estas uma relação de dependência
alimentar externa, ou seja, todas as famílias conseguem produzir a grande parte dos
alimentos que consome, uns em maior outros em menor quantidade e diversidade.
Seja no papel de provedora da alimentação familiar, como instrumento de
sociabilização ou como produto de venda, a produção de subsistência torna as
famílias mais autônomas, propicia uma alimentação adequada e de qualidade
retirando-as de uma possível situação de vulnerabilidade alimentar, também
contribui para a permanência destas famílias no meio rural e para com o seu
desenvolvimento econômico e social.
Por fim reafirma-se a importância da produção de autoconsumo que esta
arraigada nas dinâmicas produtivas da agricultura familiar. Embora grande parte dos
alimentos que as famílias utilizam para seu consumo não sejam produzidos com
uma única finalidade, estas famílias conseguem contemplar tanto as necessidades
alimentares, ampliando a segurança alimentar, quanto suas necessidades
econômicas. Assim, pode-se concluir a produção de autoconsumo é de grande
importância para reprodução social das famílias assentadas, objeto deste estudo.
39
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APÊNDICES
APÊNDICE A - Número de assentamentos do INCRA por município do Rio Grande do Sul. Fonte: INCRA, 2012. Elaboração do autor, 2012.
CIDADE NÚMERO DE
ASSENTAMENTOS DO INCRA
CIDADE
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS
DO INCRA
SANTANA DO LIVRAMENTO 30 CAPELA DE SANTANA 1
HULHA NEGRA 25 CAPIVARI DO SUL 1
CANDIOTA 24 CATUIPE 1
TUPANCIRETA 17 CERRITO 1
CANGUÇU 16 CHARQUEADAS 1
PIRATINI 15 CORONEL BICACO 1
SÃO GABRIEL 12 CRUZ ALTA 1
HERVAL 10 DAVID CANABARRO 1
JOIA 8 ERNESTINA 1
RONDA ALTA 8 ERVAL SECO 1
SÃO LUIZ GONZAGA 8 FAXINAL DO SOTURNO 1
PINHEIRO MACHADO 7 GARRUCHOS 1
ELDORADO 6 GRAMADO DOS LOUREIROS 1
ENCRUZILHADA DO SUL 6 GUABIJU 1
ACEGUA 5 GUAIBA 1
PEDRAS ALTAS 5 IBIACA 1
SARANDI 5 IBIRAIARAS 1
ARROIO GRANDE 4 ITACURUBI 1
BOA VISTA DO INCRA 4 JAGUARI 1
BOSSOROCA 4 LAGOA VERMELHA 1
CAPAO DO CIPO 4 MONTENEGRO 1
JULIO DE CASTILHOS 4 NÃO-ME-TOQUE 1
NOVA SANTA RITA 4 PALMARES DO SUL 1
PALMEIRA DAS MISSOES 4 PASSO FUNDO 1
SALTO DO JACUI 4 PEDRO OSORIO 1
SÃO BORJA 4 PINHAL DA SERRA 1
ALEGRETE 3 PINHAL GRANDE 1
ARAMBARE 3 QUATRO IRMAOS 1
CHIAPETA 3 QUEVEDOS 1
DOM PEDRITO 3 REDENTORA 1
ESMERALDA 3 RONDINHA 1
GIRUA 3 ROSARIO DO SUL 1
PONTAO 3 SANANDUVA 1
SÃO MIGUEL DAS MISSOES 3 SANTA MARGARIDA DO SUL 1
BAGE 2 SANTA MARIA 1
CARAZINHO 2 SANTA VITORIA DO PALMAR 1
CAXIAS DO SUL 2 SANTO ANTONIO DAS MISSOES 1
IJUI 2 SANTO AUGUSTO 1
JARI 2 SÃO FRANCISCO DE ASSIS 1
MANOEL VIANA 2 SÃO JERONIMO 1
VACARIA 2 SÃO JOSE DO OURO 1
BARRACAO 1 SÃO NICOLAU 1
BRAGA 1 SENTINELA DO SUL 1
BUTIA 1 TAPES 1
CAIBATE 1 TAQUARI 1
CAMAQUA 1 TRINDADE DO SUL 1
CAPAO BONITO DO SUL 1 URUGUAIANA 1
CAPAO DO LEAO 1 VIAMAO 1
43
APÊNDICE B – Relação dos assentamentos rurais localizados no município de Sant’Ana do Livramento – RS. Fonte: Dados INCRA, Elaboração do autor,2012.
APÊNDICE C - População por distrito do município de Sant’Ana do Livramento. Fonte: Dados do IBGE 2010. Elaboração do autor,2012.
DISTRITOS (ZONA RURAL)
POPULAÇÃO
TOTAL POR SEXO
HOMENS MULHERES
1º S. do Livramento 3.167 1.663 1.504
2 º Upamaroti 907 510 397
3 º Ibicuí 1.696 910 786
4 º Pampeiro 1.514 837 677
5 º São Diogo 303 169 134
6 º Espinilho 401 251 150
7 º Catí 66 33 33
ZONA RURAL 8.054 4.373 3.681
NOME DO PROJETO AREA FAMILIAS ASSENTADAS CRIAÇÃO PA CERRO DO MUNHOZ 1.577,00 63 1992
SÃO JOAQUIM 1.040,10 40 1996
SANTO ANGELO 481,4177 16 1996
APOLO 950,0589 34 1996
BOM SERÁ 747,8745 26 1996
COQUEIRO 980,1012 32 1996
SÃO LEOPOLDO 1.264,00 45 1996
RECANTO 665 23 1997
FRUTINHAS 565,28 20 1997
POSTO NOVO 665 21 1997
SANTA RITA II 697 22 1997
CAPIVARA 23 23 1998
PAMPEIRO 1.338,81 43 1998
SEPE TIARAJU III 1.340,71 41 2005
SÃO JOAO II 782,8475 33 2006
HERDEIROS DE OZIEL 997,2834 36 2006
BANHADO GRANDE 258,3857 11 2006
IBICUI 1.374,64 59 2006
UNIÃO RODOENSE 387 17 1982
NOVA ESPERANÇA 1.216 43 1998
ESPERANÇA DA FRONTEIRA 422 21 1999
NOVA MADUREIRA 596,8172 22 2001
TORRÃO 505,5424 21 2001
RINCÃO DA QUERENCIA 202,1173 4 2001
PARAISO II 136 7 2002
ROSELI NUNES 1742,371 56 2002
CONQUISTA DO CERRO DA LIBERDADE 2.475,57 72 2002
FIDEL CASTRO 1.499,88 58 2004
LEONEL BRIZOLA 353,3421 13 2004
FIGUEIRA 1185 41 1998
31 DE MARCÇO 301,8543 12 2005
TOTAL 26.772,01 975
44
APËNDICE D – Paisagem vista do assentamento Leonel Brizola. Fonte: Autor, 2012.
APËNDICE E – Pomar em um dos lotes do assentamento Leonel Brizola. Fonte: Autor,2012.
45
APËNDICE F – Residência de uma das famílias do assentamento Leonel Brizola. Fonte: Autor,2012.
APËNDICE G – Horta de uma das famílias do assentamento Leonel Brizola. Fonte: Autor,2012.
46
ANEXOS
ANEXO A - Produto Interno Bruto do Município. Fonte: IBGE, 2006.
ANEXO B – Distribuição dos estabelecimentos rurais no Estado do Rio Grande do Sul. Fonte: IBGE,2006.