st germain - santissima trinosofia pt

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A Santíssima Trinosofia Copyright @ 2003 de Philosophical Research Society Todos os direitos reservados. ISBN 85-7272-170-3 Revisão: WagnerD'Ávilla Maria Aparecida Costa Capa: Sidney Guerra Diagramação: Lilian Meio' Sidney Guerra Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Saint-Germain, Conde de, m. 1784? A santíssima trinosofia : Conde de Saint-Germain / Comentários de Manly P. Hall ; tradução Júlia Bárány. - São Paulo: Mercuryo, 2003. Título original: The most holy trinosophia of lhe comte de St.-Germain 1. Alquimia 2. Cabala 3. Manuscritos franceses 4. Ocultismo I. Hall, Manly P.. 11. Título. 2003 Todos os direitos reservados à Editora Mercuryo Ltda. AI. dos Guaramomis, 1267, Moema, São Paulo, Sp, Brasil CEP 04076-012, Fone/Fax: (11) 5531-8222 / 5093-3265 E-mail: atendimento@ mercuryo.com.br - http://www.mercuryo.com.br Bons livros, bons homens, inspirando para o crescimento

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  • A Santssima Trinosofia

    Copyright @ 2003 de Philosophical Research Society Todos os direitos reservados.

    ISBN 85-7272-170-3

    Reviso: WagnerD'villa Maria Aparecida Costa

    Capa: Sidney Guerra

    Diagramao: Lilian Meio' Sidney Guerra

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Saint-Germain, Conde de, m. 1784?A santssima trinosofia : Conde de Saint-Germain / Comentrios de Manly P. Hall ; traduo Jlia Brny. - So Paulo: Mercuryo, 2003.

    Ttulo original: The most holy trinosophia of lhe comte de St.-Germain

    1. Alquimia 2. Cabala 3. Manuscritos franceses 4. Ocultismo I. Hall, Manly P.. 11. Ttulo.2003Todos os direitos reservados Editora Mercuryo Ltda. AI. dos Guaramomis, 1267, Moema, So Paulo, Sp,

    Brasil CEP 04076-012, Fone/Fax: (11) 5531-8222 / 5093-3265 E-mail: atendimento@ mercuryo.com.br - http://www.mercuryo.com.br Bons livros, bons homens, inspirando para o crescimento

  • "Um homem que sabe tudo e no morre jamais."Foi assim que Voltaire se referiu a este enigmtico personagem que apareceu na Histria durante o

    sculo XVIII e o incio do XIX, o conde de Saint-Germain.Falava com perfeio 30 lnguas antigas e modernas, reunia todos os conhecimentos da poca e

    assombrou as cortes europias, atuando em todos os campos do saber humano.Conhecedor dos segredos da alquimia, transmutava metais e pedras preciosas.

    Afirmava saber preparar o elixir da eterna juventude.Profetizou os tempos trgicos na

    Europa e teve atuao nos rumos que a Histria tomou.Sua misso jamais foi entendida pelos homens comuns, por isso foi acusado de charlatanismo.

    Visite o site elaborado especialmente para este livro www.mercuryo.com.br/trinosofm

    SUMRIO

    Introduo Edio Brasileira de Jlia Brny

    Parte 1- Notas Introdutrias de Manly P. HallApresentao1. O Homem que no Morre2. O Mais Raro dos Manuscritos Ocultos

    Parte 2 - A Santssima Trinosofia do Conde de Saint-Germain3. Traduo do Manuscrito A Santssima Trinosofia

    Parte 3- Comentrios de Manly P. Hall4. Os Mistrios5. Interpretao de Figuras e Texto

    Parte IV - La Trs Sainte Trinosophie6. Fac-smile do Manuscrito La Trs Sainte Trinosophie do Conde Saint-Germain

    Sobre Manly P. Hall

  • Curieux scrutateur de la Nature entiere, J'ai connu du grand tout le principe et la fino J'ai vu l'or en puissanceau fond de sa riviere

    J'ai saisi sa matiere et surpris son levain.

    J'exPliquai par quel art l'me auxflancs d'une mere Fait sa maison, l'emporte, et comment un ppin Mis contre un grain de bl, sous l'humide oussiere; L'un plante et l'autre cep, sont le pain et le vin.

    Rien n'tait, Dieu voulant, rien devint quelque chose, J'en doutais, je cherchai sur quoi l'universe pose. Rien gardait l'quilibre et servait de soutien.

    Enfin avec le poids de l'loge et du blme Je pesai l'ternel; il appella mon me: Je mourrai, j'adorai, je ne savais plus rien.

    Curioso escrutinador da natureza inteira, Conheci do grande todo o princPio e o fim. Vi o ouro em potncia no fundo de sua jazida Apresei sua substncia e surpreendi seu fermento.

    ExPliquei com que arte a alma no seio de uma me Faz sua morada e leva, como uma semente Posta junto a um gro de trigo, sob a poeira mida; Uma planta e o outro cepa, so po e vinho.

    Nada existia, pela vontade de Deus, nada se tornara algo, Duvidando, eu buscava sobre que o universo repousa. Nada mantinha o equilbrio e servia de esteio

    Enfim com o peso do louvor e da censura Eu pesava o eterno; ele reclamou minha alma; Eu morria, eu adorava, eu nada sabia.

    Conde de Saint-Germain

    Traduo de Mauricio Toledo Pisa

  • INTRODUO EDIO BRASILEIRA

    Este escrito de mxima importncia para todos os estudiosos das cincias ocultas, por isso ao preparar a edio brasileira, fui pesquisar as edies existentes em outras lnguas, e encontrei a da Philosophical Research Society, a mais completa.

    Como hoje as atenes se voltam novamente para a figura enigmtica do conde de Saint-Germain, a Editora Mercuryo brinda seus leitores com uma traduo extremamente cuidadosa do texto original em francs, junto com uma introduo histrica e o trabalho raro de decodificao dos criptogramas feito pelo doutor Edward C. Getsinger, eminente autoridade em alfabetos e lnguas antigas.

    Para o leitor que est se familiarizando com o assunto, este adendo de inestimvel valor para conseguir enxergar a beleza escondida no escrito. Aquele que j se debrua h algum tempo sobre os significados ocultos, poder desfrutar de novos vislumbres e articular ligaes.

    O texto em si no longo, trazendo em 96 pginas a descrio do caminho inicitico.O que realmente me deixou fascinada foi descobrir que o original COLORIDO! Nenhuma das

    edies existentes reproduziu o original em cores. A presente publicao faz uso de cpias digitalizadas do original, adquiridas pela Editora Mercuryo da Bibliotheque de Troyes, guardi atual do manuscrito.Boa leitura!

    Jlia Brny Editora

  • PARTE 1

    NOTASINTRODUTRIAS

    Manly P. Hall

    APRESENTAO

    Uma referncia interessante a Saint-Germain apareceu no London Chronicle, de 31 de maio a 3 de junho, 1760, sob o ttulo "Histrias de um misterioso estrangeiro":

    "Da Alemanha ele levou para a Frana a reputao de grande e poderoso alquimista, que possua o p secreto e, por conseqncia, o remdio universal. Corriam rumores de que o estrangeiro sabia fabricar ouro. A forma dispendiosa na qual vivia parecia confirmar esse relato, mas o ministro da poca, a quem o assunto fora confidenciado como importante, respondeu sorrindo que o resolveria rapidamente. Ele ordenou um inqurito para determinar de onde vinham as remessas que ele (Saint-Germain) recebia, e disse queles que o procuraram que logo lhes mostraria quais eram as riquezas produzidas pela pedra deste filsofo. Os meios que aquele homem ilustre utilizou para explicar o mistrio, embora muito sensatos, s serviram para aument-lo. No se sabe se o estrangeiro tomou conhecimento do inqurito que foi ordenado e encontrou meios de burl-lo, ou por quaisquer outros motivos desconhecidos, o fato que no espao de dois anos, enquanto era observado, ele viveu como de costume, pagando tudo em dinheiro vivo e, no entanto, no entrou no reino nenhuma remessa que lhe fosse destinada."(Reimpresso nas pginas 95-96, Secret Societies and the French Revolution [Sociedades Secretas e a Revoluo Francesa], de Una Birch.)

    Podem-se citar numerosos autores que tiveram alguma relao passageira com o conde de Saint-Germain, porm, a maioria dos incidentes registrados no fornece pista alguma sobre suas convices religiosas ou filosficas, ou as instrues secretas que supostamente ele ministrava a um pequeno crculo de discpulos aceitos.

    Tanto La Tres Sainte TrinosoPhie da Biblioteca de Troyes, na Frana, quanto o manuscrito

  • criptografado La Magie Sainte, da Biblioteca de nossa Sociedade, so dedicados inteiramente aos segredos mais profundos da tradio esotrica. H relatos sobre a existncia de um terceiro manuscrito que, de acordo com Lionel Hauser, membro do Conselho Diretor da Sociedade de Teosofia da Frana, pertence coleo de um homem altamente iluminado que reside no sul da Frana.

    Les Mysteres de Ia Science, de Louis Figuier, Paris, 1881?, inclui uma concepo de um artista sobre a iniciao do conde e da condessa Cagliostro aos ritos secretos, presidida pelo conde de Saint-Germain. Este quadro parece ter sido inspirado por uma descrio que aparece in Memoires Authentiques pour Servir a I'Histoire du Conde de Cagliostro. Este livro foi publicado anonimamente em 1785 e costuma ser atribudo ao marqus de Luchet. De acordo com este pequeno volume, Cagliostro requisitou o favor de uma audincia secreta com Saint-Germain para si e para a esposa.

    O encontro foi marcado para as duas horas da manh. O santurio estava iluminado por centenas de velas e Saint-Germain sentava-se num palanque no meio da sala. No decurso do ritual, um livro misterioso foi aberto e Cagliostro ouviu a leitura de seu prprio futuro, com a descrio detalhada de sua perseguio, julgamento, desonra e priso. Em A Modern Panarion, H. P. Blavatsky escreve sobre Saint-Germain: "O tratamento que este grande homem, este aluno dos hierofantes hindus e egpcios, este conhecedor da sabedoria secreta do Oriente teve por parte dos escritores ocidentais uma mancha na natureza humana."

    Em muitos pases europeus, especialmente a Frana e a Alemanha, houve um forte reflorescimento das crenas esotricas na segunda metade do sculo XVIII. A confuso poltica daquele tempo inspirou muitas pessoas preocupadas com a situao a explorar a sabedoria do mundo antigo. As convices miraculosas eram sustentadas por referncias escola alexandrina, que interpretava a teologia dos egpcios mais recentes em termos de magia e metafsica. Houve um forte reflorescimento do movimento rosacruz, da alquimia, astrologia, das artes hermticas, cabala e magia cerimonial. Apareceu uma literatura considervel e a ignorncia dos crdulos foi explorada para fins de lucro pessoal.

    Embora Saint-Germain atuasse em meio confuso prevalecente dessas doutrinas, no foi tocado pelo psiquismo popular. Ele nunca foi acusado de fraude, embora fossem feitos muitos esforos para estragar sua reputao. Suas habilidades e realizaes eram as maravilhas daquele tempo. Pessoa clebre, transitava pelos altos crculos da sociedade, sendo um artista talentoso, msico, qumico competente e um dedicado estudioso das disciplinas iogues e tntricas, que ele dominava, as quais, segundo a crena, aprendera durante sua viagem ndia na companhia de lorde Clive. Quando na companhia de eruditos, provou ser letrado em quase todos os ramos da erudio.

    Saint-Germain era reconhecido por ter uma memria extraordinria, que disse ter sido disciplinada por meio da leitura regular do IL Pastor Fido de Battista Guarini (1538-1612), o clebre poeta italiano corteso renascentista. Depois de uma associao mais ou menos infeliz com o duque de Ferrara, Battista se retirou para sua fazenda ancestral e escreveu Il Pastor Fido (O Fiel Pastor). Guarini era um polemista e, como Tasso, defendia uma reforma universal da sociedade humana. O Pastor Fido tem uma forte caracterstica rococ. elegante e foi dramatizado vrias vezes. Diz-se que inspirou The Faithful ShePherdess (A Pastora Fiel) de John Fletcher.

    A presente obra d algumas indicaes do conhecimento que Saint-Germain tinha das cincias obscuras. Como de se esperar, parte do manuscrito est em cdigo e no h uma chave bvia para ele. H smbolos gnsticos e algumas ilustraes que tambm parecem sugerir os mistrios gregos. As escolas francesas de Eliphas Levi, De Guaita e Papus no sculo XIX parecem ter herdado muito do seu simbolismo do reflorescimento da antiga sabedoria no sculo XVIII. Muitos estudiosos das cincias esotricas parecem no ter conhecimento dessas escolas francesas, que estavam fortemente comprometidas com as artes e cincias secretas.

    Embora quase duzentos anos tenham se passado desde sua morte ou desaparecimento, a pesquisa sobre

  • o carter e a carreira de Saint-Germain continua. Foi chamado "o homem que no morre", e certo que o interesse por sua pessoa ainda est bem vivo. Ele pertencia a uma tradio na qual muitas pessoas querem acreditar. Ele testemunha a possibilidade da imortalidade e da conquista da sabedoria. Saint-Germain foi um iniciado da Tradio dos Mistrios e deve ser includo entre aqueles que os rosacruzes chamaram de servos do Generalssimo do Mundo e fiis secretrios da Natureza.

    CAPTULO 1

    O HOMEM QUE NO MORRE

    O grande iluminista, rosacruz e maom que se denominava conde de Saint-Germain sem dvida a mais intrigante personalidade da histria moderna. Seu nome era um sinnimo de mistrio e o enigma de sua verdadeira identidade ficou insolvel, tanto para seus contemporneos como par pesquisadores posteriores. Ningum questionava o bero nobre ou a ilustre propriedade do conde. Sua personalidade como um todo levava a marca indelvel da educao aristocrtica. A graa e a dignidade que caracterizavam sua conduta, junto com sua perfeita serenidade em todas as situaes, atestavam refinamento inato e a cultura de algum acostumado a um posio elevada.

    Uma publicao londrina faz a seguinte anlise breve de sua ancestralidade:

    "Ser que ele, em sua velhice, contou a verdade a se entusistico protetor e admirador, prncipe Charles d Hesse CasseI? Segundo a histria contada por este se ltimo amigo, ele era filho do prncipe Rakoczy, da Transilvnia, e sua primeira esposa, uma Takely. Quando beb, foi confiado proteo do ltimo Mdici, Gian Gastone. J adulto, soube que seus dois irmos, filhos da princesa Hesse Rheinfels, de Rothenburg, haviam recebidos os nomes de Santo Charles e Santa Elizabeth, decidiu tomar o nome Santo Germanus, de seu irmo santo. Qual era verdade? Apenas uma coisa certa: ele era protegido do ltimo Medici."

    Caesare Cantu, bibliotecrio em Milo, tambm apia a hiptese Rakoczy, acrescentando que Saint-Germain foi educado na Universidade de Siena.

    Na sua excelente monografia, The Comte de St.Germain, lhe Secret of Kings, a senhora Cooper-Oakley lista os nomes mais importantes sob os quais esta pessoa espantosa se disfarou entre os anos 1710 e 1822. "Durante esse tempo", escreve ela, "temos M. de Saint-Germain como o marqus de Montferrat, conde Bellamarre ou Aymar em Veneza, chevalier Schoening em Pisa, chevalier Weldon em Milo e Leipzig, conde Soltikoff em Geneva e Leghorn, graf Tzarogy em Schwalback e Triesdorf, prncipe Ragotzky em Dresden, e conde de Saint-Germain em Paris, Hague, Londres e So Petersburgo."

    A esta lista pode-se acrescentar que houve uma tendncia entre escritores msticos a conect-Io com o misterioso conde de Gabalais, que apareceu ao abade Villiers e pronunciou vrios discursos sobre espritos sobrenaturais. Nem impossvel que ele seja o mesmo notvel signor Gualdi, cujas exploraes Hargrave Jennings relata em seu livro The Rosicrucians, their Rites and Mysteries. Suspeita-se tambm que seja o conde Hompesch, o ltimo Grande Mestre dos Cavaleiros de Malta.

    Quanto aparncia pessoal, o conde de Saint-Germain descrito como tendo altura mediana, corpo

  • bem proporcionado. e traos regulares e agradveis. Ele era moreno e seu cabelo escuro, embora freqentemente empoado. Vestia-se com simplicidade, usualmente de preto, mas suas roupas tinham bom corte e eram da melhor qualidade. Seus olhos possuam um grande fascnio e aqueles que se fixavam neles eram profundamente influenciados. Segundo madame de Pompadour, ele afirmava possuir o segredo da juventude eterna e, em certa ocasio, afirmou ter conhecido Clepatra pessoalmente e, em outra, ter "conversado intimamente com a rainha de Sab!" No fosse por sua personalidade notvel e seus poderes aparentemente sobrenaturais, o conde sem dvida teria sido considerado louco, mas seu gnio transcendente era to evidente que era meramente chamado de excntrico.

    No Souvenirs de Marie Antoinette, da condessa d'Adhemar, temos uma excelente descrio do conde, a quem Frederico, o Grande se referia como "o homem que no morre":

    "Em 1743 propagou-se o rumor de que um estrangeiro, enormemente rico, a julgar pela magnificncia de suas jias, acabara de chegar a Versalhes. Ningum jamais foi capaz de descobrir de onde viera. Sua figura era bem proporcionada e graciosa, suas mos delicadas, seus ps pequenos, e as pernas bem formadas, realadas por meias de seda bem justas. Seu vesturio bem talhado sugeria uma forma de rara perfeio. Seu sorriso mostrava dentes magnficos, uma bonita covinha marcava-lhe o queixo, seu cabelo era negro e o olhar doce e penetrante. E, oh, seus olhos! Jamais vi semelhantes. Ele parecia ter cerca de quarenta ou quarenta e cinco anos de idade. Freqentemente podia-se encontr-lo nos aposentos particulares reais, onde tinha admisso irrestrita no incio de 1768." .

    O conde de Saint-Germain era reconhecido como um estudioso e lingista eminente da poca. Sua habilidade lingstica beirava o sobrenatural. Ele falava alemo, ingls, italiano, portugus, espanhol, francs com sotaque piemonts, grego, latim, snscrito, rabe e chins com tal fluncia que em cada pas que visitava era aceito como nativo. "Erudito", escreve um autor, "falando cada lngua civilizada admiravelmente, um grande msico, um excelente qumico, ele desempenhava o papel de prodgio perfeio." At os seus detratores mais impiedosos admitiam que o conde possua conhecimentos quase inacreditveis em cada rea do saber.

    Madame de Pompadour exalta o gnio de Saint-Germain nas seguintes palavras:

    "Um conhecimento profundo de todas as lnguas, antigas e modernas; uma memria prodigiosa; erudio, da qual podia-se captar vislumbres entre os caprichos de sua conversa, que sempre era divertida e, ocasionalmente, muito envolvente; uma habilidade inesgotvel em variar o tom e os assuntos de sua conversa; ser sempre renovado e infundir o inesperado nos discursos mais triviais faziam dele um interlocutor excelente. s vezes, ele contava anedotas da corte de Valois ou de prncipes ainda mais remotos, com tal preciso em cada detalhe que quase criava a iluso de que ele fora testemunha ocular daquilo que narrava. Havia viajado pelo mundo todo e o rei ouvia interessado as narrativas de suas viagens pela sia e frica, e suas histrias sobre as cortes da Rssia, Turquia e ustria. Ele parecia ter um conhecimento mais ntimo dos segredos de cada corte do que o prprio charge d'allaires do rei."

    O conde era ambidestro a tal ponto que conseguia escrever o mesmo artigo com as duas mos simultaneamente. Quando as duas folhas de papel eram depois sobrepostas e colocadas contra a luz, a escrita de uma folha cobria exatamente a da outra. Conseguia recitar pginas impressas aps uma nica leitura. Para provar que os dois hemisfrios de seu crebro podiam trabalhar independentemente, escrevia uma carta de amor com a mo direita e um conjunto de versos msticos com a esquerda, ambos ao mesmo tempo. Ele tambm cantava maravilhosamente. .

    Por meio de algo semelhante telepatia, esta pessoa notvel era capaz de sentir quando sua presena

  • era necessria em alguma cidade ou estado distante e foi at registrado que ele tinha o hbito desconcertante de aparecer em seus alojamentos e nos de seus amigos sem recorrer ao uso convencional da porta.

    Ele foi, por alguma circunstncia curiosa, o patrono das estradas de ferro e dos navios a vapor. Franz Graeffer, em seu Recoliections 01 Vienna, relata o seguinte incidente na vida do surpreendente conde:

    "Saint-Germain foi, gradualmente, adquirindo um ar solene. Durante alguns segundos, ficou rgido como uma esttua; seus olhos, que sempre eram expressivos alm das palavras, tornaram-se opacos e sem cor. De repente, porm, seu ser inteiro se reanimou. Esboou um gesto com a mo, como que em sinal de despedida, depois disse: 'Estou partindo (lch scheide). No me visiteis. Ireis ver-me uma vez mais. Amanh noite partirei. Precisam de mim em Constantinopla, depois na Inglaterra, para preparar ali duas invenes que tereis no prximo sculo - trens e navios a vapor.'"

    Como historiador, o conde possua um conhecimento preciso de todos os fatos dos dois mil anos anteriores e, em suas lembranas, descrevia nos mnimos detalhes os fatos dos sculos precedentes nos quais desempenhara papis importantes. "Ele falava de cenas da corte de Francisco I como se as tivesse visto, descrevendo exatamente a aparncia do rei, imitando sua voz, suas maneiras e sua linguagem - sugerindo o tempo todo ter sido testemunha ocular. No mesmo estilo, entretinha sua audincia com histrias agradveis sobre Luis XIV, e os presenteava com descries vvidas de lugares e pessoas." (Ver Ali the Year Round).

    A maioria dos bigrafos de Saint-Germain menciona seus hbitos peculiares com relao alimentao. Era a dieta, declarava ele, combinada com seu maravilhoso elixir, que constitua o verdadeiro segredo da longevidade e, embora convidado aos mais suntuosos banquetes, recusava-se terminantemente a comer qualquer alimento que no fosse especialmente preparado para ele e de acordo com suas receitas. Sua alimentao consistia na maior parte em aveia, smola e carne branca de frango. Sabe-se que em raras ocasies bebeu um pouco de vinho e sempre tomava elaboradas precaues contra a possibilidade de contrair resfriado. Freqentemente convidado para jantar, dedicava o tempo, durante o qual deveria estar comendo, a entreter os outros convidados com histrias de magia e feitiaria, aventuras fantsticas em lugares remotos e episdios ntimos da vida dos poderosos.

    Numa dessas histrias sobre vampiros, Saint-Germain mencionou de forma despretensiosa que possua a vara, ou o basto, com o qual Moiss fizera brotar gua das pedras, acrescentando que havia sido presenteado na Babilnia, durante o reinado de Ciro, o Grande. Os memorialistas admitem no saber o que dizer quanto veracidade das afirmaes do conde. O bom senso da poca lhes assegurava que a maioria dos relatos deveriam estar inseridos num todo maior. Por outro lado, a informao dada por ele era to precisa e sua erudio to transcendente em todos os aspectos, que suas palavras vinham carregadas de convico. Numa ocasio, ao relatar uma histria sobre suas experincias num tempo remoto, falhou-lhe a lembrana clara de um detalhe que considerava relevante. Virouse para seu pajem e perguntou: "Ser que me enganei, Roger?" O bom homem respondeu no mesmo instante: "O senhor conde esquece que eu estou com ele h apenas quinhentos anos. Portanto, no poderia ter estado presente nessa ocasio. Deve ter sido o meu predecessor."

    Os menores atos de uma pessoa to incomum como Saint Germain eram, sem dvida, notados meticulosamente. Existem vrias informaes interessantes e divertidas relativas residncia que mantinha em Paris. Ele tinha dois camareiros. O primeiro, Roger, j mencionado, e o segundo, um parisiense, empregado por conhecer a cidade e outras informaes locais teis.

    "Alm disso, a criadagem consistia em quatro lacaios em uniformes cor de rap com gales dourados.

  • Ele alugava uma carruagem a quinhentos francos por ms. Como trocava freqentemente de casaco e colete, possua uma rica e dispendiosa coleo deles, mas nada se aproximava da magnificncia de seus botes, abotoaduras, relgios, anis, correntes, diamantes e outras pedras preciosas. Possua uma grande quantidade desses objetos e variava a cada semana."

    Certa vez, ao encontrar-se com Saint-Germain num jantar, o baro Gleichen teve a oportunidade de focalizar a conversa na Itlia e a sorte de agradar Saint-Germain, que, voltando-se para ele, observou: "Gostei muito de ti, e te mostrarei uma dzia de quadros, tais que tu no viste nada igual na Itlia." Segundo as palavras de Gleichen:

    "De fato, ele quase manteve a palavra, pois os quadros que me mostrou eram todos marcados pela singularidade ou perfeio, que os tornava mais interessantes do que muitas obras de primeira linha. Acima de tudo, havia uma Famlia Sagrada de Murillo, de beleza igual de Raffaello, em Versalhes. Mas ele me mostrou outras maravilhas - uma grande quantidade de jias e diamantes coloridos de tamanho e perfeio extraordinrios. Pensei que estivesse diante dos tesouros da Lmpada Maravilhosa de Aladim. Dentre outras pedras preciosas, havia uma opala de tamanho monstruoso, e uma safira branca (?) do tamanho de um ovo, que, por sua luminosidade, ofuscava todas as pedras comparadas com ela. Eu me gabo de ser um conhecedor de pedras preciosas, mas posso afirmar que era impossvel detectar qualquer razo para duvidar da autenticidade dessas jias, ademais que no estavam montadas."

    Como crtico de arte, Saint-Germain podia detectar instantaneamente as falsificaes mais bem forjadas. Ele mesmo pintava bastante, conseguindo uma cor incrivelmente luminosa. Tal era o seu sucesso que Vanloo, o artista francs, implorou-lhe que divulgasse o segredo de seus pigmentos, mas ele recusou. Acredita-se que ele conseguiu esses resultados espantosos ao pintar jias misturando madreprola em p com suas tintas. No se sabe o que aconteceu com sua coleo inestimvel de pinturas e jias aps sua morte ou desaparecimento. possvel que o conhecimento de qumica do conde compreendesse a manufatura de tinta fosforescente como a que hoje usada nos mostradores de relgio. Suas habilidades de qumico eram to profundas que conseguia remover defeitos de diamantes e esmeraldas, faanha essa que, de fato, realizou a pedido de Lus XV em 1757. Pedras de valor comparativamente pequeno eram transformadas em pedras preciosas de primeira gua depois de permanecer com ele por um curto perodo de tempo. Caso as afirmaes de seus amigos sejam confiveis, ele realizava este experimento freqentemente. H tambm uma histria popular que dizia que colocava pedras preciosas no valor de milhares de dlares junto aos cartes com os nomes dos convidados indicando o seu lugar na mesa nos banquetes que promovia.

    Foi na corte de Versalhes que o conde de Saint-Germain encontrou-se frente a frente com a condessa de Gergy, j em idade avanada. Ao ver o clebre mago, a velha senhora recuou espantada e ocorreu entre os dois a seguinte conversa, bem autenticada por documentao.

    - H cinqenta anos - disse a condessa - eu era embaixatriz em Veneza e me lembro ter-vos visto l com a mesma aparncia de agora, talvez um pouco mais maduro, pois rejuvenescestes desde ento.

    Com uma profunda mesura, o conde respondeu com dignidade:- Sempre me considerei feliz por ser capaz de me fazer agradvel para as senhoras.Madame de Gergy ento continuou:- Naquela poca vs vos chamveis marqus Balletti.O conde fez outra mesura e respondeu:- E a memria da condessa Gergy ainda to boa quanto h cinqenta anos.A condessa sorriu.- Isso eu devo a um elixir que me destes no nosso primeiro encontro. Sois realmente um homem extraordinrio. Saint-Germain assumiu uma expresso grave.

  • - Esse marqus Balletti tinha uma m reputao? perguntou.- Ao contrrio - respondeu a condessa -, ele era muito bem aceito na sociedade.O conde encolheu os ombros expressivamente, dizendo:- Bem, como ningum se queixa dele, estou disposto a adot-Io como meu av.

    A condessa d'Adhemar estava presente durante toda a conversa e atesta a exatido de todos os detalhes.Madame du Hausset, dama de companhia de madame de Pompadour, escreve sobre o espantoso

    homem que costumava visitar sua senhora. Ela registra uma conversa que aconteceu entre Pompadour e Saint-Germain:

    - verdade, madame, que conheci madame de Gergy h muito tempo - afirmou o conde em voz baixa.- Mas, de acordo com isso - respondeu a marquesa vs deveis agora ter mais de cem anos de idade.- Isso no impossvel - retrucou enigmaticamente o conde, com um leve sorriso - mas admito que

    mais possvel que essa senhora, por quem tenho infinito respeito, esteja falando bobagens.Respostas como essa levaram Gustave Bord a escrever sobre Saint-Germain que: "Ele permite que

    paire certo mistrio sobre ele, um mistrio que desperta curiosidade e simpatia. Sendo um virtuoso na arte de despistar, ele nada diz que seja inverdade, C..) Tem o raro dom de permanecer em silncio e se beneficiar disso." (Ver La Franc-Maonnerie en France, etc.)

    Mas, voltando histria de madame du Hausset.- Destes a madame de Gergy - pressionou Madame Pompadour - um elixir de efeitos surpreendentes.

    Ela afirma que, durante muito tempo, parecia ter no mais de vinte e quatro anos de idade. Por que no dais um pouco disso ao rei?

    . Saint-Germain deixou uma expresso de terror espalharse por seu rosto:- Ah! Madame, eu seria verdadeiramente louco se tivesse a idia de dar ao rei uma droga desconhecida!O conde estava em termos bem amigveis com Lus XV, Com quem mantinha longas discusses sobre

    o tema de pedras preciosas, sua fabricao e purificao. Lus ficava espantado e entusiasmado. Jamais urna pessoa to extraordinria havia pisado os recintos sagrados de Versalhes. A corte toda estava alvoroada e milagres eram a ordem do dia. Cortesos de fortunas exauridas vislumbravam a multiplicao mgica de seu ouro e senhoras de idade incerta sonhavam com a volta da juventude e da atrao por meio dos fabulosos elixires do homem misterioso. fcil entender corno um personagem to fascinante podia aliviar o tdio de um rei que havia passado sua vida corno mrtir de costumes reais e privado dos prazeres do trabalho honesto devido sua posio. Graas a isso, os soberanos se tornam vtimas dos modismos, e o prprio Lus praticava superficialmente a alquimia e outras artes ocultas. verdade que o rei era apenas um diletante, cuja vontade no era forte o bastante para faz-Io aterse a um objetivo de longo prazo, mas Saint-Germain era atraente, sob o ponto de vista de vrias qualidades, para a natureza real. O embasamento de seu conhecimento, a habilidade com a qual reunia os fatos para o entretenimento e a edificao de suas audincias, o mistrio que cercava suas aparies e desaparecimentos, sua habilidade consumada tanto de crtico quanto de tcnico nas artes e nas cincias, sem mencionar suas jias e sua fortuna, despertavam a estima do rei. Se Lus tivesse se beneficiado da sabedoria e dos avisos profticos do misterioso conde, o Reino do Terror poderia ter sido evitado. Saint-Germain sempre foi o protetor, jamais o protegido. Lus havia encontrado o diplomata sem mcula.

    Madame de Pompadour escreve:"Ele enriqueceu o gabinete do rei com seus quadros de Velasquez e Murillo, e presenteou ao marqus

    as mais inestimveis e belas pedras preciosas. Pois esse homem singular passava por fabulosamente rico e distribua diamantes e jias com liberalidade espantosa."

    Urna evidncia no menos admirvel do gnio do conde era sua compreenso penetrante da situao

  • poltica da Europa, e a habilidade evidente com a qual conseguia a confiana de seus adversrios diplomticos. Em todas as ocasies, tinha credenciais que lhe davam entrada nos mais exclusivos crculos da nobreza europia. Durante o reinado de Pedro, o Grande, Saint-Germain estava na Rssia, e entre os anos 1737 e 1742, na corte do X da Prsia corno hspede honrado. Sobre o terna de suas andanas, Una Birch escreve o seguinte:

    "As viagens do conde de Saint-Germain cobriam um perodo longo, de muitos anos, e urna grande variedade de pases. Ele era conhecido e respeitado da Prsia Frana, e de Calcut Roma. Horace Walpole falou com ele em Londres em 1745. Clive o conheceu na ndia em 1756. Madame d'Adhemar afirma que o encontrou em Paris em 1789, cinco anos depois de sua suposta morte, enquanto outras pessoas afirmam ter tido conversas com ele no incio do sculo XIX. Ele estava em termos familiares e ntimos com as cabeas coroadas da Europa e era amigo honrado de muitas pessoas distintas de todas as nacionalidades. Ele at mencionado nas memrias e cartas da poca, e sempre corno um homem misterioso. Frederico o Grande, Voltaire, madame de Pompadour, Rousseau, Chatham e Walpole, todos que o conheceram pessoalmente, rivalizavam entre si na curiosidade sobre suas origens. Durante as muitas dcadas nas quais ele esteve diante do mundo, ningum conseguiu descobrir porque apareceu corno agente jacobita em Londres, conspirador em Petersburgo, alquimista e conhecedor de quadros em Paris, ou general russo em Npoles. (...) De vez em quando a cortina que oculta suas aes afastada e nos permitido v-lo tocando violino na sala de msica em Versalhes, trocando idias com Horace Walpole em Londres, sentado na biblioteca de Frederico o Grande em Berlirn, ou conduzindo reunies de ilurninistas nas cavernas ao longo do Reno." (Ver The Nineteenth Century, Janeiro, 1908.)

    No campo da msica, Saint-Germain foi igualmente um mestre. Durante sua estada em Versalhes, dava concertos de violino e, ao menos numa ocasio durante um vida cheia de eventos, regeu urna orquestra sinfnica sem a partitura. Em Paris, Saint-Germain foi o diplomata e o alquimista, em Londres foi o msico. "Ele deixou atrs de si um registro musical para lembrar os ingleses de sua breve estada neste pas. Muitas composies suas foram publicadas por Walsh, na Catherine Street, no Strand, e sua primeira cano inglesa, Oh, wouldst thou know what sacred charms. foi publicada ainda durante sua primeira visita a Londres; ao deixar esta cidade, confiou a Walsh outras composies, tais corno jove, when he saw, e as rias de sua pequena pera L'[nconstanza Delusa, que foram publicadas durante sua ausncia da Inglaterra. Quando voltou, em 1760, deu ao mundo muitas'novas canes, seguidas em 1780 por um conjunto de solos para violino. Era um artista capaz e prolfico, e atraiu muita ateno dos apreciadores, tanto corno compositor, quanto corno intrprete."

    Um velho jornal ingls, The London Chronicle, na edio de junho, 1760, contm a seguinte anedota:

    "Com relao msica, ele no s tocava corno compunha, fazendo ambas as coisas com elevado bom gosto. Ora, suas prprias idias eram ajustadas arte, e nas ocasies que no tinham relao com a msica, encontrava maneiras de se expressar em termos figurados, deduzidos desta cincia. No poderia haver urna maneira mais artstica de mostrar sua ateno ao assunto. Lembro-me de um incidente que ficou profundamente marcado na minha memria. Tive a honra de estar numa reunio de lady..., que acrescentava a muitas outras grandes virtudes um gosto to delicado pela msica, que foi eleita para ser juza numa competio de mestres. Esse estrangeiro devia participar e, ao final da noite, chegou com sua costumeira conduta livre e bem educada, mas com mais pressa do que o usual, e com os dedos tampando os ouvidos. Posso imaginar que na maioria dos homens isso seria considerado urna atitude indelicada, e at mesmo mal educada, mas seus modos tornavam tudo agradvel. Tinham esvaziado urna carreta de pedras frente da porta, para consertar a pavimentao. Jogou-se numa cadeira e, quando a senhora perguntou qual era o

  • problema, apontou para o lugar e disse: 'Estou entontecido por urna carreta cheia de desarmonia'."

    Em suas memrias, o aventureiro italiano Jacques de Casanova de Seingalt faz numerosas referncias a seu relacionamento com Saint-Germain. Casanova admite, a contragosto, que o conde era um iniciado em artes mgicas, um lingista habilidoso, msico e qumico que ganhou o favor das senhoras da corte francesa no s pelos ares gerais de mistrio que o envolviam, corno tambm por sua habilidade suprema em preparar pigmentos e cosmticos com os quais lhes preservava pelo menos urna sombra da fugaz juventude.

    Casanova descreve um encontro com Saint-Germain que aconteceu na Blgica sob as circunstncias mais incomuns. Chegando a Tournay, ficou surpreso ao ver alguns pagens conduzindo cavalos fogosos para cima e para baixo. Perguntou a quem pertenciam esses belos animais e lhe disseram: "Ao conde de Saint-Germain, o iniciado, que est aqui h um ms e jamais sai. Todos que passam pelo lugar querem v-lo, mas ele no aparece para ningum." Isso foi o suficiente para atiar a curiosidade de Casanova, que escreveu pedindo um encontro. Ele recebeu a seguinte resposta: "A seriedade de minha ocupao me compele a excluir todos, mas em vosso caso farei urna exceo. Vinde quando quiserdes e sereis admitido. No precisais mencionar meu nome nem o vosso. No vos convido a partilhar de minha refeio, pois o meu alimento no adequado para os outros, principalmente para vs, se o vosso apetite continua o mesmo de antes."

    . As nove horas, Casanova chegou e descobriu que o conde havIa deixado crescer urna barba de cinco centmetros de comprimento. Conversando com Casanova, o conde explicou sua presena na Blgica dizendo que o conde Cobenzl, embaixador austraco em Bruxelas, desejava estabelecer uma fbrica de chapus e que ele estava cuidando dos detalhes. Ao dizer a SaintGermain que estava sofrendo de uma doena aguda, Casanova foi convidado a ficar para tratamento, dizendo o conde que prepararia quinze plulas que em trs dias restituiriam ao italiano a sade perfeita.Casanova escreve:

    "Ento ele me mostrou seu magistrum, que chamou de athoeter. Era um lquido branco contido num frasco bem fechado. Ele me disse que este lquido era o esprito universal da Natureza e que se retirasse a cera da tampa, omnimo que fosse, o contedo todo desapareceria. Supliquei- -I lhe que fizesse a experincia. Com isso, ele me deu o frasco e o alfinete e eu mesmo furei a cera. O frasco ficou vazio."

    Casanova, sendo ele mesmo um tanto falastro, duvidava de todos. Portanto, recusou-se a permitir que Saint-Germain tratasse sua doena. No podia negar, porm, que Saint-Germain era um qumico de conhecimentos extraordinrios, cujas realizaes eram espantosas, se no prticas. O iniciado recusou-se a revelar o propsito para o qual esses experimentos qumicos se destinavam, afirmando que essa informao no podia ser dada.

    Casanova relata ainda um incidente no qual Saint-Germain transmutou uma moeda de cobre em uma moeda de ouro puro. Sendo um So Tom, Casanova declarou ter certeza de que SaintGermain havia substitudo uma moeda pela outra. Intimou o conde, que respondeu: "Aqueles que so capazes de guardar dvidas sobre a minha obra no merecem falar comigo", e com uma mesura convidou o italiano a se retirar. Esta foi a ltima vez que Casanova viu Saint-Germain.

    H outra evidncia de que o clebre conde possua o p alqumico com o qual possvel transmutar metais bsicos em ouro. De fato, realizou este feito em pelo menos duas ocasies, como atestam os escritos de contemporneos. O marqus de Valbelle, ao visitar Saint-Germain em seu laboratrio, encontrou o alquimista ocupado com seus fornos. Este pediu ao marqus uma moeda de prata de seis francos e, cobrindo-a com uma substncia negra, a exps ao calor de uma pequena chama ou forno. M. de Valbelle viu a moeda

  • mudar de cor at um vermelho vivo. Alguns minutos depois, quando esfriou um pouco, o iniciado tirou-a da vasilha de resfriamento e devolveu-a ao marqus. Essa pea no era mais de prata, mas do mais puro ouro. A transmutao fora completa. A condessa d'Adhemar teve a posse dessa moeda at 1786, quando foi roubada de sua escrivaninha.

    Um autor conta-nos que "Saint-Germain sempre atribuiu seu conhecimento da qumica oculta sua estada na sia. Em 1755, ele foi para o Oriente pela segunda vez e, escrevendo ao conde von Lamberg, afirmou: 'Devo meu conhecimento de fundir pedras preciosas minha segunda viagem ndia.'"

    Existem demasiados casos autnticos de transmutao metlica para que no se possa condenar Saint-Germain como charlato por causa dessa faanha. A medalha Leopold-Hoffman, ainda em posse dessa famlia, o exemplo mais notrio da transmutao de metais j registrado. Dois teros desta medalha foram transformados em ouro pelo monge Wenzel Seiler, deixando o equilbrio-da prata que era seu estado original. Neste caso, a fraude era impossvel, j que existia apenas uma cpia da medlha. A facilidade com que condenamos, como fraudulenta e irreal, qualquer coisa que transcenda nosso entendimento fez recair injustificada calnia sobre nomes e memrias de muitas pessoas ilustres.

    A crena popular de que o conde de Saint-Germain no passava de um aventureiro no sustentada por um partcula sequer de evidncia. Nunca detectaram qualquer subterfgio nele e jamais ele traiu, mesmo num mnimo grau, a confiana que lhe dedicavam. Sua grande fortuna - pois sempre teve abundncia dos bens deste mundo - no era tomada daqueles com quem teve contato. Todos os esforos para determinar a fonte e o tamanho de sua fortuna foram vos. Ele no usava banco nem banqueiro, no entanto movia-se numa esfera de crdito ilimitado, que no era questionado pelos outros e do qual ele no abusava.

    Referindo-se aos ataques ao seu carter, H. P. Blavatsky escreveu em The Theosophist, de maro de 1881:

    "Ser que charlates desfrutam da confiana e admirao dos estadistas e nobres mais inteligentes da Europa durante longos anos, e nem mesmo sua morte mostram o que quer que seja para provar que no eram merecedores dessa imagem? Alguns enciclopedistas (ver New American Cyclopedia, xiv. 266) dizem: 'Supe-se que ele foi empregado durante a maior parte de sua vida como esPio nas cortes nas quais morou.' Mas qual a evidncia na qual se baseia essa suposio? Ser que algum a encontrou em quaisquer documentos estatais nos arquivos secretos de uma dessas cortes? Nenhuma palavra, nenhum fato para construir essa calnia jamais foram encontrados. simplesmente uma mentira mal-intencionada. O tratamento que esse grande homem, esse aluno dos hierofantes hindus e egpcios, esse perito na sabedoria secreta do Oriente, teve por parte dos escritores ocidentais um estigma sobre a natureza humana."

    Nada se sabe a respeito da fonte do conhecimento oculto do conde de Saint-Germain. Com toda a certeza, ele no s demonstrava possuir uma vasta sabedoria, mas tambm deu muitos exemplos corroborando suas reivindicaes. Quando lhe perguntaram uma vez sobre ele mesmo, respondeu que seu pai era a Doutrina Secreta e sua me, os Mistrios. Saint-Germain tinha total domnio dos princpios do esoterismo oriental. Praticava o sistema oriental de meditao e concentrao, tendo sido visto, em vrias ocasies, sentado com os ps cruzados e mos unidas na posio de um Buda hindu. Possua um retiro no corao do Himalaia para onde se retirava, periodicamente, do mundo. Em certa ocasio, declarou que permaneceria na ndia por oitenta e cinco anos e depois retomaria cena de seus trabalhos na Europa.

    Em diversas ocasies, admitiu que obedecia as ordens de um poder mais alto e maior que ele mesmo. O que no disse era que este poder superior era a Escola de Mistrios que o enviara para o mundo a fim de realizar uma misso especfica. O conde de SaintGermain e sir Francis Bacon so os dois maiores emissrios enviados ao mundo pela Irmandade Secreta nos ltimos mil anos.

    Os princpios disseminados pelo conde de Saint-Germain eram sem dvida de origem rosacruz e

  • permeados pelas doutrinas dos gnsticos. O conde foi o esprito impulso r do movimento rosacruz durante o sculo XVIII - possivelmente, o verdadeiro chefe dessa ordem - e suspeita-se que foi o grande poder por trs da Revoluo Francesa. Existe razo tambm para acreditar que o famoso romance de lorde Bulwer-Lytton, Zanoni, seja na verdade o relato da vida e das atividades de Saint-Germain. Geralmente, considerado como uma figura importante nas primeiras atividades dos maons. Entretanto, foram feitas vrias tentativas no sentido de desacreditar sua afiliao manica, por motivos que ainda permanecem ocultos. Maags de Londres esto oferecendo venda um livrinho manico no qual aparecem as assinaturas do conde de Saint-Germain e do marqus de Lafayette. Ainda ser estabelecido, alm de qualquer dvida, que o conde foi maom e templrio. De fato, as memrias de Cagliostro contm uma afirmao direta de sua prpria iniciao na ordem dos Cavaleiros Templrios pelas mos de Saint-Germain. Muitos personagens ilustres com quem o conde se associava eram maons de altos graus, e foram preservadas suficientes anotaes com respeito s discusses que mantiveram, para provar que era um mestre do conhecimento maom.

    Madame d'Adhemar que preservou tantas histrias da vida do "homem maravilha", copiou de uma das cartas de SaintGermain os seguintes versos profticos pertinentes queda do Imprio Francs:

    "O tempo se aproxima rapidamente quando a Frana imprudente, Cercada pela desgraa que ela poderia ter-se poupado,Evocar um inferno tal qual Dante pintou.Veremos cair cetro, turbulo, balana,Torres e brases, at a bandeira branca.Grandes rios de sangue correm em cada cidade; Somente soluos ouo e exlios vejo.De todos os lados a discrdia civil troveja altoE emitindo gritos, de todas os lados a virtude foge Enquanto da Assemblia votos de morte se erguem. Grande Deus, quem pode responder aos juizes assassinos? E sobre que augustas frontes eu vejo descerem as espadas!

    Maria Antonieta ficou muito perturbada pela natureza medonha das profecias e perguntou a madame d'Adhemar sua opinio quanto ao seu significado. Madame respondeu: "So desoladoras mas, certamente, no podem afetar Vossa Majestade."

    Madame d'Adhemar tambm relata um incidente dramtico. Saint-Germain ofereceu-se para encontrar a boa senhora na Igreja de Recollets por volta da missa das oito horas. Madame foi ao lugar de encontro numa liteira e registrou a seguinte conversa entre ela e o misterioso iniciado:

    Saint-Germain: - Sou Cassandra, profetisa do mal... Madame, aquele que semeia vento colhe tempestade... eu nada posso fazer; minhas mos esto atadas por algum mais forte do que eu.

    Madame: - Ireis ver a rainha?Saint-Germain: - No. Ela est condenada.Madame: - Condenada a qu?Saint-Germain: - Morte.Madame: - E vs - vs tambm?Saint-Germain: - Sim - como Cazotte -. Voltai ao Palcio; dizei rainha que se cuide, que este dia ser

    fatal para ela. Madame: - Mas o senhor de Lafayette...Saint-Germain: - Um balo inflado de vento. Agora mesmo esto decidindo o que fazer com ele, se

    ser instrumento ou vtima. At o meio-dia tudo ser decidido. A hora do descanso acabou, e os decretos da Providncia devem ser cumpridos.

    Madame: - O que eles querem?

  • Saint-Germain: - A runa total dos Bourbons. Eles os expulsaro de todos os tronos que ocupam e, em menos de um sculo, voltaro em todos os seus diferentes ramos para a classe de simples indivduos. A Frana, como reino, repblica, imprio e governo misturado ser atormentada, agitada, rasgada. Das mos dos tiranos de classe ela passar para aqueles que so ambiciosos e destitudos de mrito.

    O conde de Saint-Germain desapareceu do palco do misticismo francs to repentinamente e inexplicavelmente como havia aparecido. Nada se sabe com certeza depois desse desaparecimento. Dizem os transcendentalistas que ele se retirou para a ordem secreta que o enviara para o mundo com um propsito especfico e peculiar. Tendo realizado essa misso, desapareceu. Das Memoirs de Mon Temps, de Charles, Landgrave (nobre proprietrio) de Hesse CasseI, obtemos vrios detalhes com relao aos ltimos anos antes da morte ou desaparecimento do iniciado hngaro. Charles tinha profundo interesse no oculto e nos mistrios maons, e uma sociedade secreta, da qual era o esprito propulsor, realizava reunies ocasionais em sua propriedade. Os propsitos desta organizao eram semelhantes, se no idnticos, ao ritual egpcio de Cagliostro. De fato, depois de estudar os fragmentos deixados pelo Landgrave, a alegao de Cagliostro de que tinha sido iniciado na maonaria egpcia por Saint-Germain fica comprovada alm de qualquer dvida razovel. O "Homem Maravilha" esteve presente em pelo menos algumas dessas reunies secretas e de todos que conheceu durante a vida, confiava mais no prncipe Charles do que em qualquer outro homem. Os ltimos anos da vida conhecida de Saint-Germain foram, portanto, divididos entre sua pesquisa experimental em alquimia com Charles de Hesse e a Escola de Misterios de Louisenlund, em Schleswig, onde se discutiamproblemas filosficos e polticos.

    De acordo com a tradio popular, foi na propriedade do prncipe Charles que Saint-Germain finalmente morreu numa data divulgada como sendo 1784. As estranhas circunstncias ligadas ao seu falecimento levam-nos a suspeitar de que foi um funeral falso, semelhante ao dado ao iniciado ingls, -lorde Bacon. Observou-se que "Grande incerteza e impreciso cercam seus ltimos dias, pois no se pode confiar no anncio da morte de um iluminado feito por outro iluminado, pois, como bem se sabe, todos os meios para assegurar o fim eram justificveis em seu cdigo, e pode ter sido do interesse da sociedade que Saint-Germain fosse considerado morto." H. P. Blavatsky observa:

    "No absurdo supor que, se ele realmente morreu naquela poca e lugar mencionados, teria sido colocado na terra sem pompa e cerimnia, sem a superviso oficial e o registro na polcia que atendem os funerais de homens de sua classe e notoriedade? Onde esto estes dados? Ele desapareceu da vista pblica h mais de um sculo, no entanto, nenhum livro de memrias os contm. Um homem que viveu assim na luz total da publicidade no poderia ter desaparecido, se realmente tivesse morrido naquele tempo e lugar, sem deixar pistas. Alm do mais, temos a alegada prova positiva de que ele estava vivo vrios anos depois de 1784. Dizem que teve uma conferncia particular muito importante com a Imperatriz da Rssia em 1785 ou 1786, e que apareceu princesa de Lambelle quando ela estava diante do tribunal, poucos minutos antes que fosse derrubada com uma barra de ferro, e um aprendiz de aougueiro decepasse sua cabea; e para Jeanne Dubatry, amante de Lus xv, quando ela esperava no cadafalso, em Paris, o golpe da guilhotina nos Dias do Terror em 1793."

    Deve-se acrescentar que o conde de Chalons, quando voltou de uma embaixada a Veneza em 1788, disse que havia conversado com o conde de Saint-Germain na praa de So Marcos, na noite anterior sua partida. A condessa d'Adhemar tambm o viu e falou com ele depois de sua presumida morte, e a Enciclopdia Britnica nota que dizem que ele participou de uma conferncia manica vrios anos depois de relatada sua morte. Na concluso de um artigo sobre a identidade do inescrutvel conde, Andrew Lang escreve: "Ser que Saint-Germain realmente morreu no palcio do prncipe Charles de Hesse por volta de

  • 178G-85? Ser que ele, por outro lado, fugiu da priso francesa onde Grosley acreditou t-Io visto, durante a Revoluo? Ser que lorde Lytton o conheceu por volta de 1860? (...) Ser ele o misterioso conselheiro moscovita do Dalai Lama? Quem sabe? Ele o fogoftuo dos bigrafos do sculo XVIII." (Ver Historical Mysteries.)

    O verdadeiro propsito pelo qual Saint-Germain labutou deve continuar obscuro at a aurora de uma nova era. Homero se refere Corrente Dourada com a qual os deuses conspiraram amarrar a terra ao pinculo do Olimpo. Em cada era aparecem algumas poucas pessoas cujas palavras e aes demonstram claramente que so de uma ordem diferente do resto da sociedade. A humanidade guiada atravs de perodos crticos no desenvolvimento da civilizao por foras misteriosas como as personificadas no excntrico conde de Saint-Germain. Enquanto no reconhecermos a realidade das foras ocultas que operam na vida cotidiana, no poderemos captar nem o significado do homem, nem de sua obra. Para os sbios, Saint-Germain no nenhuma maravilha - para aqueles que so limitados pela crena na inevitabilidade do lugar comum, ele de fato um mago, que desafia as leis da natureza, e viola a presuno dos pseudoeruditos.

  • CAPITULO II

    O MAIS RARO DOS MANUSCRITOS OCULTOS

    Este manuscrito nico, La Tres Sainte TrinosoPhie, de mxima importncia para todos os estudiosos da maonaria e das cincias ocultas. No s o nico escrito mstico do conde de Saint-Germain, como tambm um dos documentos mais extraordinrios relativos s cincias hermticas jamais compilado. Embora as bibliotecas dos rosacruzes e dos cabalistas europeus contenham muitos tesouros raros do antigo saber filosfico, extremamente duvidoso que qualquer uma delas tenha um tratado de maior valor ou importncia. H um persistente rumor de que Saint-Germain possua uma magnfica biblioteca e que preparou certa quantidade de manuscritos sobre as cincias secretas para o uso de seus discpulos. Por ocasio de sua morte ou desaparecimento, esses livros escritos desapareceram, provavelmente ocultos nos arquivos de sua sociedade, e nenhuma informao confivel est hoje disponvel quanto ao seu paradeiro.

    Sabe-se que o misterioso conde possua numa poca uma cpia do manuscrito da Cabala, pertencente ao Vaticano, obra de extraordinria profundidade que descrevia as doutrinas dos Luciferianos, Lucianistas e dos Gnsticos. O segundo volume de A Doutrina Secreta de H. P. Blavatsky (pp. 582-83 da edio normal) contm duas citaes de um manuscrito "supostamente de autoria do conde Saint-Germain". As partes dos pargrafos atribudos ao iniciado hngaro no so claramente indicados, mas como o texto inteiro aborda o significado dos nmeros, razovel inferir que seus comentrios sejam interpretaes msticas dos numerais 4 e 5. Os dois pargrafos so semelhantes em contedo ao Puissance des nombres d'apres Pythagore de Jean Marie Ragon. O Mahatma Koot Hoomi menciona um "Ms. cifrado" de SaintGermain que ficou com seu fiel amigo e patrono, o bondoso prncipe Charles de Hesse-Cassel (ver Mahatma Letters to A. P. Sinnett). Referncias a Saint-Germain comparativamente pouco importantes, e especulaes mirabolantes quanto sua origem e ao propsito de suas atividades europias so abundantes, mas a pesquisa extremamente exaustiva da obra dos bigrafos do sculo XVIII em busca de informaes relativas s doutrinas manicas e metafsicas que ele promulgou foram infrutferas. At onde foi possvel assegurar, a presente traduo e publicao de La Tres Sainte TrinosoPhie oferece a primeira oportunidade para possuir uma obra que mostra... da usual maneira velada e simblica... as doutrinas esotricas de Saint-Germain e seus associados.

    *** Desde a primeira publicao desta obra, outro manuscrito de Saint-Germain foi encontrado. Est em minha posse e ser publicado em breve. (M. P. H.)

    La Tres Sainte Trinosophie MS. nQ 2400 na Biblioteca Francesa de Troyes. A obra no extensa, consistindo em noventa e seis folhas escritas de um s lado. A caligrafia excelente. Embora um tanto irregular na ortografia e na acentuao, o francs usado de forma erudita e dramtica, e o texto adornado por numerosas figuras, bem desenhadas e de cores brilhantes. Alm dos desenhos de pgina inteira, h pequenos smbolos no incio e no fim de cada seo. Pelo texto francs esto espalhadas letras, palavras e frases em vrias lnguas antigas. H tambm smbolos mgicos, figuras parecidas com hierglifos egpcios e algumas palavras numa escrita que parece cuneiforme. No final do manuscrito h vrias folhas escritas em criptogramas arbitrrios, possivelmente o cdigo usado pela sociedade secreta de SaintGermain. A obra foi provavelmente executada no final do sculo XVIII, embora a maior parte do material pertena a um perodo consideravelmente anterior.

    Infelizmente, muito pouco se sabe quanto histria deste notvel manuscrito. O ilustre mrtir maom,

  • o conde Allesandro Cagliostro, levava consigo este livro, entre outros, durante sua desventurada viagem a Roma. Depois do encarceramento de Cagliostro no Castelo San Leo, todos os vestgios do manuscrito foram temporariamente perdidos. Finalmente seus pertences literrios acabaram caindo em posse de um general do exrcito de Napoleo, e com a morte deste oficial, La Tres Sainte Trinosophie foi comprada a um preo simblico pela Biblioteca de Troyes. Em seu Muse des Sorciers, Grillot de Givry acrescenta algo s minguadas notas com relao ao manuscrito. Ele afirma que o volume foi comprado na venda das posses de Messena, que na frente do livro h uma nota de um filsofo que assina como "I. B. C. Philotaume", que declara que o manuscrito lhe pertencia e a nica cpia existente da famosa TrinosoPhie do conde de Saint-Germain, cujo original o prprio conde destruiu numa de suas viagens. A nota acrescenta, ento, que Cagliostro havia possudo o volume, mas que a Inquisio o confiscou em Roma quando ele foi aprisionado no final de 1789. (Deve-se lembrar que Cagliostro e sua esposa visitaram Saint-Germain num castelo em Holstein). De Givry resume o contedo de La Tres Sainte TrinosoPhie como "alquimia cabalizada" e descreve Saint-Germain como "um dos personagens enigmticos do sculo XVIII... um alquimista e homem do mundo que passou pelas salas de estar de toda a Europa e acabou caindo nas masmorras da Inquisio em Roma, se acreditarmos no manuscrito."

    ttulo do manuscrito, La Tres Sainte TrinosoPhie, traduzido para o portugus significa "A Santssima Trinosofia" ou "A Santssima Sabedoria Trplice". O prprio ttulo abre um campo considervel de especulaes. Existe alguma ligao entre La Trs Sainte TrinosoPhie e a irmandade manica de Ls TrinosoPhists, que foi fundada em 1805 pelo eminente maom e mstico belga Jean Marie Ragon, j mencionado? O conhecimento do ocultismo que Ragon possua mencionado em termos de altssimo respeito por H. P. Blavatsky que diz dele que "durante cinqenta anos, estudou os antigos mistrios onde quer que encontrasse relatos deles". Seria possvel que Ragon, quando Jovem, tivesse conhecido Saint-Germain ou contatado sua sociedade secreta? Ragon foi definido por seus contemporneos como "o mais erudito maom do sculo XIX". Em 1818, perante a Loja de Les TrinosoPhists, ele deu uma srie de palestras sobre iniciao antiga e moderna, que repetiu a pedidos daquela loja em 1841. Essas palestras foram publicadas com o ttulo Cours Philosophique et lnterprtatif des lnitiations Anciennes et Modernes. Em 1853, Ragon publicou sua obra mais importante Orthodoxie Maonnique. Ragon morreu em Paris por volta de 1866 e dois anos depois seus manuscritos inacabados foram adquiridos de seus herdeiros pela Grand Orient da Frana por mil francos. Um maom de grau elevado disse a Madame Blavatsky que Ragon havia se correspondido durante anos com dois orientalistas na Sria e no Egito, um dos quais era um cavalheiro copta.

    Ragon definiu a Loja dos TrinosoPhistas como "aqueles que estudam trs cincias". Madame Blavatsky escreve: "E sobre as propriedades ocultas das trs linhas ou lados iguais do Tringulo que Ragon baseou seus estudos e fundou a famosa Sociedade Maom dos TrinosoPhistas." Ragon descreve substancialmente o simbolismo do tringulo conforme se segue: "O primeiro lado ou linha representa o reino mineral, que o estudo adequado para Aprendizes. A segunda linha representa o reino vegetal que os Companheiros deveriam aprender a entender porque nesse reino comea a gerao dos corpos. A terceira linha representa o reino animal de cuja explorao o Mestre Maom deve completar sua educao." Dizem sobre a Loja dos Trinosofistas que "houve uma poca em que foi a mais inteligente sociedade manica jamais conhecida. Ela aderia aos antigos Preceitos mas fornecia interpretaes mais claras e mais satisfatrias dos smbolos da maonaria do que as dadas nas Lojas simblicas", Ela praticava cinco graus. No terceiro, os candidatos iniciao recebiam uma explicao filosfica e astronmica da lenda de Hiram.

    A interpretao egipcianizada do simbolismo maom, que to evidente nos escritos de Ragon e outros estudiosos maons franceses do mesmo perodo (tais como Court de Gebelin e Alexandre Lenoir), tambm est presente nas figuras e no texto do manuscrito de Saint-Germain. Em seus comentrios sobre o Ritual de Misraim, chamado de Ritual Egpcio, Ragon distingue 90 graus dos Mistrios Maonicos. Do primeiro ao 33 graus ele chama de simblico; do 34 ao 66 graus, filosfico; do 67 ao 77 graus, mstico; e do 78 ao

  • 90, cabalstico. A Maonaria Egpcia de Cagliostro pode tambm ter derivado de Saint-Germain ou de algum corpo comum de lluministas de quem Saint-Germain era o esprito propulsor. As memrias de Cagliostro contm uma afirmao direta de sua iniciao na Ordem dos Cavaleiros Templrios pelas mos de Saint-Germain. De Luchet fornece o que um escritor moderno sobre Cagliostro chama de relato fantstico da visita que Allesandro e esposa, a condessa Felicitas, fizeram a Saint-Germain na Alemanha, e sua subseqente iniciao por ele na seita dos rosacruzes - da qual ele era o Grande Mestre, ou chefe. No h nada de improvvel na suposio de que Cagliostro tenha recebido La Tres Sainte TrinosoPhie de Saint-Germain e que o manuscrito seja, em todos os aspectos, um autntico ritual desta sociedade.

    A palavra TrinosoPhie infere bem apropriadamente um significado triplo ao contedo do livro, em outras palavras, que seu significado deveria ser interpretado com a ajuda de trs chaves. Segundo o simbolismo, parece que uma dessas chaves alquimia, ou qumica da alma. Outra, Cabalismo Essnio, e a terceira, Hermetismo Alexandrino, o misticismo dos egpcios mais recentes. Segundo fragmentos do saber rosacruz que hoje existem, torna-se evidente que os Irmos da Rosa Cruz eram especialmente ligados a essas trs formas de sabedoria antiga, e escolheram os smbolos dessas escolas como veculos de suas idias.

    A tarefa tcnica de decodificar os hierglifos que aparecem em La Tres Sainte TrinosoPhie foi designada ao doutor Edward C. Getsinger, eminente autoridade em alfabetos e lnguas antigas, que agora est empenhado em decodificar os criptogramas PrImitivos do Livro do Gnese. Algumas palavras de suas anotaes daro a idia das dificuldades envolvidas na decodificao:

    "Os escritos arcaicos costumam ser num sistema de letras ou caracteres, mas aqueles dentre os antigos, que estavam de posse dos mistrios sagrados da vida e de certos ciclos astronmicos secretos, nunca confiaram esse conhecimento escrita comum, mas inventaram cdigos secretos com os quais ocultavam sua sabedoria dos no merecedores. Cada uma dessas comunidades ou fraternidades dos iluminados inventava seu prprio cdigo. Por volta de 3000 a. C., somente os Iniciados e seus escribas sabiam ler e escrever. Naquele perodo, estavam em voga os mtodos mais simples de ocultamento, um dos quais era omitir determinadas letras das palavras, de maneira que as letras remanescentes ainda formassem uma palavra que, porm, transmitia um sentido totalmente diferente. Com a sucesso das eras, outros sistemas foram inventados, at que a engenhosidade humana excedeu os limites no empenho de ocultar, e ao mesmo tempo, perpetuar o conhecimento sagrado.

    Com o intuito de decifrar escritos antigos de uma natureza religiosa ou filosfica, primeiro necessrio descobrir o cdigo ou mtodo de ocultamento usado pelo escriba. Em todos os meus vinte anos de experincia como leitor de escritos arcaicos, nunca encontrei cdigos e mtodos de ocultamento to engenhosos como os encontrados neste manuscrito. Em apenas poucos casos, frases completas so escritas no mesmo alfabeto; usualmente duas ou trs formas de escrita so usadas, com letras escritas de cabea para baixo, invertidas ou com o texto escrito de trs para a frente. Freqentemente, as vogais so omitidas, e s vezes, vrias letras esto faltando com apenas pontos para indicar sua quantidade. Todas as combinaes de hierglifos pareciam infrutferas no incio, no entanto, aps horas de dissecao alfabtica, aparecia uma palavra conhecida. Isto dava uma dica quanto linguagem usada, e estabelecia um lugar onde a combinao de palavras poderia comear, e ento, uma sentena se desdobrava gradualmente.

    Os diversos textos so escritos em hebraico caldeu, grego jnico, rabe, siraco, cuneiforme, hierglifos gregos e ideogramas. A nota chave neste material a da aproximao da era em que a Perna do Grande Homem e o Aqurio do Zodaco iro se encontrar em conjuno no equincio e terminar um grande ciclo de 400.000 anos. Isto aponta para uma culminao de ons, conforme mencionado no Apocalipse: 'Vejam! Eis que eu crio um novo cu e uma nova terra', significando uma srie de novos ciclos e uma nova humanidade.

    O personagem que reuniu o material neste manuscrito foi de fato algum cujo entendimento espiritual

  • poderia ser invejado. Sem dvida, ele encontrou estes diversos textos em diferentes partes da Europa. Que ele possua o verdadeiro conhecimento de sua importncia provado pelo fato de que tentou ocultar cerca de quarenta textos antigos fragmentados, espalhando-os dentro das linhas de sua escrita. No entanto, seu prprio texto no parece ter qualquer conexo com estes escritos antigos. Caso um decifrador se guiasse pelo que este erudito eminente escreveu, ele jamais decifraria o mistrio oculto dentro das palavras crticas. H uma maravilhosa histria espiritual escrita por esse sbio, e uma ainda mais maravilhosa que ele entreteceu dentro do padro de sua prpria narrativa. O resultado uma histria dentro de uma histria."

    A reimpresso do texto francs de La Tres Sainte TrinosoPhie um facsimile fotosttico completo da obra original que est na biblioteca de Troyes. O presente manuscrito sem dvida uma cpia, como "Philotaume" afirmou. Os caracteres arcaicos e os hierglifos revelam pequenas imperfeies de fonao devido ao copista no ter familiaridade com os alfabetos usados. A considervel extenso das notas e dos comentrios tornou aconselhvel coloc-los juntos no final da obra em vez de quebrar a continuidade do texto com freqentes interpolaes.

    La Tres Sainte Trinosophie no um manuscrito para principiantes. Somente um profundo estudo e reflexo iro desvelar o complicado tecido de seu simbolismo. Embora a matria do texto seja tratada com a maior simplicidade, cada linha um profundo enigma. Um cuidadoso estudo do livro, e meditao sobre seu contedo, convencero o estudioso de que ele foi denominado apropriadamente de "o mais precioso manuscrito de ocultismo conhecido".

  • PARTE II

    A SANTSSIMA TRINOSOFIA

    Conde de Saint-Germain

    CAPITULO 3

  • TRADUO DO MANUSCRITO

    SEO I

    Dentro da priso, dentro dos crceres da Inquisio, que teu amigo traa estas linhas que devem servir tua instruo. Sonhando com as vantagens inestimveis que deve te conferir este escrito de amizade, eu sinto mais doces os horrores de uma priso to longa quanto pouco merecida... Tenho prazer em pensar que, cercado de guardas, impedido por ferros, um escravo ainda pode elevar seu amigo acima dos poderosos, dos monarcas que governam este lugar de exlio.

    Vais penetrar, meu caro Philochale, no santurio das cincias sublimes. Minha mo vai levantar para ti o vu impenetrvel que oculta aos olhos do vulgo o tabernculo, o santurio onde o Eterno deposita os segredos da natureza, segredos que Ele reserva para alguns privilegiados, para os Eleitos que sua onipotncia cria para Ver, para elevar ao seu lado na imensido de sua Glria, e despejar sobre a espcie humana um dos raios que brilham ao redor do seu trono de ouro.

    Possa ser o exemplo de teu amigo uma lio salutar e eu bendirei os longos anos de provas que os perversos me fizeram sofrer.

    Dois obstculos igualmente perigosos se apresentaro sempre diante de teus passos. Um ultrajaria os direitos sagrados de cada indivduo: o Abuso do poder que Deus te confiou. Outro causaria tua runa: a Indiscrio... Ambos nasceram da mesma me, ambos devem sua existncia ao Orgulho. A fraqueza humana os alimenta. Eles so cegos, sua me os conduz. Com sua ajuda, estes dois monstros vo levar seu alento impuro at os coraes dos Eleitos do Altssimo. Infeliz daquele que abusar das ddivas do cu para servir suas paixes. A mo toda poderosa que submete os Elementos o destruir como a um frgil graveto.

    Uma eternidade de tormentos mal poder expiar o seu crime.Os espritos infernais riro com desdm das lgrimas do ser cuja voz ameaadora os fez freqentem

    ente tremer no fundo dos seus abismos de fogo.No por ti, Philochale, que esboo esta cena assustadora - o amigo da humanidade jamais ser seu

    perseguidor...., mas a Indiscrio, meu filho, essa necessidade imperiosa de inspirar espanto e admirao, eis o precipcio que eu receio por ti. Deus deixa aos homens a tarefa de punir o ministro imprudente que permite ao olho profano penetrar no santurio misterioso.

    Philochale, que minhas desventuras estejam sempre presentes em teu esprito. E eu tambm conheci a bondade. Coberto de bnos dos cus, cercado de um poder tal que o entendimento humano no pode conceber, comandando os gnios que dirigem o mundo, feliz pela bondade que eu fazia nascer,

    desfrutei, no seio de uma famlia adorada, a felicidade que o Eterno' presenteia aos seus filhos queridos. Um instante destruiu tudo, eu falei, e tudo se desfez como uma nuvem.

    , meu filho, no sigas os meus rastros... Que um vo desejo de brilhar aos olhos do mundo no cause tambm tua runa. Pensa em mim, dentro de um crcere, com o corpo marcado pelas torturas, que teu amigo te escreve.

    Philochale, reflete que a mo que traa estas letras leva a marca dos ferros que a oprimem... Deus me puniu. Mas, o que fiz eu aos homens cruis que me perseguem? Que direito tm eles de interrogar o ministro do Eterno? Eles me perguntam quais so as provas de minha misso. Meus testemunhos so os meus prodgios. Meus defensores: minhas virtudes, uma vida intacta, um corao puro. Que digo eu, tenho ainda o direito de me queixar? Eu falei. O Altssimo me deixou sem fora e sem poder, merc dos furores do avaro fanatismo. O brao que outrora podia conter um exrcito, hoje mal pode levantar as correntes que o oprimem.

  • Eu me perdi. Devo render graas Eterna Justia... o Deus vingador perdoou seu filho arrependido. Um esprito Areo atravessou as paredes que me separam do mundo resplandecente de luz. Ele se apresentou diante de mim, fixou o trmino do meu cativeiro. Dentro de dois anos, meus infortnios findaro. Meus carrascos, ao entrar em meu crcere, o acharo vazio. E logo, purificado pelos quatro elementos, puro como o gnio do fogo, eu recuperarei o lugar glorioso para onde a bondade divina me elevou. Mas, o quanto este final ainda est longnquo!

    Quo longos parecem dois anos para aquele que os passa em sofrimentos, em humilhaes! No contentes de me fazerem sofrer os suplcios mais horrveis, meus perseguidores empregaram para me atormentar os meios mais srdidos, mais odiosos ainda. Eles chamaram a infmia sobre minha cabea. Eles fizeram de meu nome um objeto de escrnio. Os filhos dos homens recuam com pavor quando o acaso os faz aproximaremse das paredes da minha priso. Eles crem que um vapor mortal escape pela abertura estreita, que deixa passar, como um lamento, um raio de luz em minha cela. Philochale! o golpe mais cruel que eles podiam desferir em mim...

    Ignoro ainda se poderei enviar-te esta obra... Julgo as dificuldades que enfrentarei para faz-la sair deste lugar de tormentos, e o que devo vencer para termin-la. Privado de todo auxlio, compus eu mesmo os elementos que me so necessrios. O fogo de minha lmpada, algumas moedas e um pouco de substncias qumicas, escondidas aos olhares perscrutadores de meus carrascos, produziram cores que ornam este fruto dos lazeres de um prisioneiro.

    . Aproveita as lies de teu infortunado amigo, elas so to claras, que existe o perigo de que este escrito caia em outras mos que no as suas... Lembra-te somente que tudo deve te servir. Uma linha mal explicada, uma letra esquecida, te impediriam de levantar o vu que a mo do Criador pousou sobre a Esfinge.

    Adeus, Philochale. No me lamentes. A Clemncia do Eterno iguala sua justia. primeira assemblia misteriosa revers teu amigo. Eu te sado em Deus. Em breve darei o beijo da paz em meu irmo.

    SEO II

    Era noite, a lua coberta pelas nuvens sombrias no lanava mais que um claro incerto sobre os blocos de lava que envolviam a Solfatara1. A cabea coberta com um vu de linho, tendo em minhas mos o ramo de ouro, avancei sem medo para o lugar onde recebia ordem de passar a noite. Errando sobre uma areia quente, senti-a, a cada instante, ceder sob meus passos. As nuvens acumulavam-se sobre minha cabea. O relmpago rasgava o vazio e dava uma cor de sangue s chamas do vulco...

    Enfim eu chego, encontro um altar de ferro, a deposito o ramo misterioso... pronuncio as palavras temveis... No mesmo instante, a terra treme sob meus ps, o trovo eclode... os bramidos do Vesvio respondem aos seus golpes redobrados. Seus fogos se juntam aos fogos do raio... Os coros dos gnios se elevam nos ares e fazem repetir em ecos os louvores do Criador... O ramo consagrado que eu coloquei sobre o altar triangular se inflama imediatamente e, logo, uma espessa fumaa me envolve. Eu cesso de ver. Mergulhado em trevas, acredito descer a um abismo. Ignoro quanto tempo estive nessa situao mas, abrindo os olhos, procurei em vo pelos objetos que h pouco tempo estiveram ao meu redor. O altar, o Vesvio, o campo de Npoles ficaram longe de meus olhos, eu estava em um vasto subterrneo, s, isolado do mundo inteiro... Perto de mim estava uma veste longa, branca. Seu tecido fino pareceu-me composto de fios de linho. Sobre uma pedra de granito estava uma lmpada de cobre; embaixo, uma mesa negra, gravada com caracteres gregos, me indicava a rota que eu devia seguir.

    1 Solfatara: cratera de vulco em estgio senil, que expele gs sulfdrico ou vapores de enxfre.

  • Peguei a lmpada e, depois de vestir a roupa, entrei numa passagem estreita, cujas paredes eram revesti das de mrmore negro... Tinha trs milhas de extenso. Meus passos ressoavam de maneira espantosa sob as abbadas silenciosas. Enfim encontrei uma porta; ela conduzia a degraus, eu os desci. Depois de andar muito tempo, acreditei ver um claro errante minha frente e tampei a lmpada. Fixei os olhos sobre o objeto que eu entrevia; ele se dissipou, se esvaiu, como uma sombra.

    Sem censuras pelo passado, sem medo pelo futuro, continuei avanando. O caminho se tornava cada vez mais penoso... sempre confinado nas galerias de pedra negra... eu no ousava prever o trmino de minha viagem subterrnea. Enfim, depois de uma caminhada imensa, cheguei a um recinto quadrado. Uma porta se abria no meio de cada uma de suas quatro faces; elas eram de cores diferentes e cada uma situada em um dos quatro pontos cardeais. Entrei por aquela do Setentrio: era negra. A que estava minha frente era vermelha, a porta do Oriente era azul, a que lhe estava oposta era de uma brancura ofuscante. No centro desta sala, havia uma pedra quadrada, uma estrela de cristal brilhava em seu centro. Via-se uma pintura sobre a face setentrional; representava uma mulher nua at a cintura, uma saia preta lhe caa sobre os joelhos, duas fitas de prata ornavam sua vestimenta. Em sua mo havia uma varinha. Ela a pousava sobre a fronte de um homem colocado sua frente. Uma mesa apoiada num nico p estava entre eles; sobre a mesa estavam uma taa e uma ponta de lana. Uma chama tnue se elevava da terra e parecia dirigir-se ao homem. Uma inscrio explicava o significado dessa pintura; outra indicava os meios que eu devia empregar para sair da sala.. Desejei me retirar depois de olhar o quadro e a estrela. Eu Ia entrar pela porta vermelha, quando esta, girando sobre seus gonzos com um barulho espantoso, se fechou diante de mim. Tentei o mesmo com aquela que tinha a cor do cu, ela no se fechou, mas um rudo repentino me fez voltar a cabea. Vi a estrela se agitar; ela se deslocou, revolveu e se lanou rapidamente pela abertura da porta branca. Eu a segui imediatamente.

    SEO III

    Um vento impetuoso se elevou, me custava manter minha lmpada acesa. Enfim, uma plataforma de mrmore branco se ofereceu minha vista; subi at ela por nove degraus. Chegado ao ltimo, divisei uma imensa extenso de gua. minha direita se faziam ouvir torrentes impetuosas. minha esquerda, uma chuva fria misturada a pedaos de granizo caa perto de mim. Eu contemplava esta cena majestosa, quando a estrela que me havia guiado at a plataforma e que se balanava lentamente sobre a minha cabea, lanou-se ao abismo. Acreditei ler as ordens do Altssimo. Eu me precipitei ao meio das ondas.

    Uma mo invisvel pegou minha lmpada e a colocou no alto de minha cabea. Abri com o peito a onda espumosa, esforando-me para chegar ao ponto oposto quele de onde parti. Enfim vi no horizonte uma fraca claridade e me apressei; eu estava em meio das guas e o suor cobria meu rosto, eu me esgotava em vos esforos. A margem que mal podia enxergar afastavase diante de mim medida que eu avanava. Minhas foras me abandonavam, eu no temia a morte, e sim morrer sem ser iluminado... Perdi a coragem e, levantando para o firmamento meus olhos banhados em lgrimas, exclamei: Pronuncia minha sentena e me redime. Pela tua palavra vivifica-me. Ondica judicium meum et redime me; propter eloquium tuum, vivifica me).

    Mal podendo agitar meus membros fatigados, eu afundava cada vez mais, quando percebi um barco perto de mim. Um homem coberto de ricas vestes o conduzia. Reparei que a proa estava voltada para a margem que eu havia deixado. Ele se aproxima, uma coroa de ouro brilha em sua fronte: Venha comigo, disse-me ele, que eu, o prncipe da terra, te mostre aqui o caminho da evoluo (ou: Venha comigo, que

  • meus princpios da terra mostrem-te o caminho pelo qual deves evoluir). (Vade me cum, mecum principium in terris, instruam-te in via hac qu gradueris).Eu lhe respondi no mesmo instante: E melhor esperar no senhor do que confiar nos prncipes. (Bonum est sperare in domino quam confidere in principibus).

    Num instante, o barco e o monarca desapareceram no rio. Uma fora nova pareceu correr em minhas veias: consegui alcanar o alvo dos meus esforos. Encontrei-me numa praia coberta de areia verde. Um muro de prata estava diante de mim. Duas lpides de mrmore vermelho estavam incrustadas em sua estrutura. Eu me aproximei... uma delas estava gravada com caracteres sagrados, sobre a outra estava gravada uma linha de letras gregas; entre as duas lpides havia um crculo de ferro. Dois lees, um vermelho, outro negro, repousavam sobre nuvens e pareciam guardar uma coroa de ouro colocada acima deles. Via-se ainda perto do crculo um arco e duas flechas. Li alguns caracteres escritos sobre os flancos de um dos lees. Mal havia observado esses diferentes emblemas quando eles desapareceram junto com a muralha que os continha.

    SEO IV

    Em seu lugar, um lago de fogo se apresentou minha frente. O enxofre e o betume rolavam suas ondas inflamadas. Eu tremi. Uma voz trovejante me ordenou atravessar essas chamas. Eu obedeci e as chamas pareceram ter perdido sua atividade. Por muito tempo caminhei no meio do incndio. Chegado a um espao circular, contemplei o pomposo espetculo que a bondade do cu se dignou me fazer desfrutar.

    Quarenta colunas de fogo decoravam a sala onde eu me encontrava. Um lado das colunas brilhava com um fogo branco e vivo. O outro permanecia na sombra e uma chama escura o cobria.

    No centro desse lugar se elevava um altar em forma de serpente. Um ouro esverdeado enfeitava suas escamas matizadas, sobre as quais se refletiam as chamas que a cercavam. Seus olhos pareciam rubis. Havia uma inscrio prateada perto dela. Uma rica espada estava cravada na terra ao lado da serpente. Uma taa repousava sobre sua cabea.

    Ouvi o coro dos espritos celestes e uma voz me disse: "o trmino dos teus trabalhos se aproxima. Toma a espada e golpeia a serpente." Tirei a espada de sua bainha e me aproximei do altar. Peguei a taa com uma mo e com a outra desferi um terrvel golpe no pescoo da serpente. A espada ricocheteou, o golpe ressoou como se eu tivesse atingido um sino de bronze. Mal tinha obedecido a voz, quando o altar desapareceu. As colunas perderam-se na imensido. O som que eu tinha ouvido ao atingir o altar se repetia como se mil golpes estivessem sendo desferidos ao mesmo tempo. Uma mo me agarrou pelos cabelos e me elevou at o teto: este se abriu para me dar passagem. Diferentes fantasmas se apresentaram diante de mim: as Hidras, as Lamies me cercaram de serpentes. A viso da espada que eu tinha na mo afugentou essa multido imunda, como os primeiros raios do dia dissipam os sonhos, frgeis filhos da noite.

    Depois de subir numa linha perpendicular atravs das diferentes camadas que compem as paredes do globo, eu revi a luz do dia.

    SEO V

    Mal retomei superfcie da terra, quando meu guia invisvel me arrastou mais depressa ainda. A velocidade com a qual percorremos os espaos areos s comparvel a ela mesma. Num instante perdi de vista os planos sobre os quais eu dominava. Observei admirado que sa do seio da terra, longe dos campos de

  • Npoles. Uma plancie deserta e algumas massas triangulares eram os nicos objetos que eu conseguia perceber. Em breve, malgrado as provas que padeci, um novo terror veio me assaltar. A Terra no me parecia mais do que uma nuvem confusa. Eu fora alado a uma altura imensa. Meu guia invisvel me abandonou. Tornei a descer por um tempo bastante longo, eu rolava no espao, a terra j se aproximava de meus olhos turvos... Eu pude calcular quantos minutos se passariam antes de me estatelar contra um rochedo.

    Em seguida, rpido como um pensamento, meu guia se precipita minha frente, agarra-me e me eleva outra vez. Ele me deixa cair novamente, enfim, eleva-me consigo a uma distncia incomensurvel. Eu via os globos girarem ao meu redor, as terras gravitarem aos meus ps.

    De repente, o gnio que me levava me tocou os olhos e perdi os sentidos. Ignoro quanto tempo passei nesse estado.

    Quando voltei a mim, encontrei-me deitado sobre um rico leito; flores e aromas perfumavam o ar que eu respirava. Uma veste azul, semeada de estrelas de ouro, havia substitudo a veste de linho. minha frente havia um altar amarelo. Um fogo puro exalava dele, sem que nenhuma outra substncia, que no o prprio altar, o alimentasse. Caracteres negros estavam gravados em sua base. Junto havia um crio aceso que brilhava como o sol. Abaixo havia um pssaro cujos ps eram negros, o corpo de prata, a cabea vermelha, as asas negras e o pescoo de ouro. Ele se agitava sem parar, mas sem fazer uso das asas. Ele s podia voar quando se encontrava no meio das chamas. No seu bico havia um ramo verde, seu nome Hkim (sbio)

    e o nome do altar Hallah (caldeiro).

    O altar, o pssaro e o crio so os smbolos de tudo. Nada pode ser feito sem eles, que so tudo o que bom e grande.

    O crio se chama Majsi (mazdeano-aluso ao culto do fogo).

    Quatro inscries cercavam esses diferentes emblemas.

  • SEO VI

    Eu me virei e percebi um palcio imenso. Sua base repousava sobre nuvens. Mrmores compunham-lhe a estrutura e sua forma era triangular. Quatro andares de colunas se elevavam uns sobre os outros. Uma bola de cristal; rematava esse edifcio. A primeira fileira de colunas era branca, a segunda negra, a terceira verde, a ltima, de um vermelho brilhante.

    Depois de admirar essa obra dos artistas eternos, desejei' retomar ao lugar onde estavam o altar, o pssaro e o crio, pois queria observ-los mais. Eles tinham desaparecido. Procurava os com os olhos, quando as portas do palcio se abriram. Delas saiu um ancio venervel. Sua roupa era semelhante minha, exceto que um sol dourado brilhava sobre seu peito. Sua mo direita segurava um ramo verde, a outra carregava um incensrio. Uma corrente de madeira estava presa ao seu pescoo; uma tiara pontiaguda como a de Zoroastro cobria sua cabea branca. Ele se aproximou de mim, o sorriso da benevolncia se mostrava em seus lbios: "Adora Deus," disse-me em lngua persa, "foi Ele que te susteve durante as provas, seu esprito est contigo. Meu filho, tu deixaste passar a oportunidade, podias num instante pegar o pssaro Hakim,

    o crio Majsi,

    e o altar Hallj

    tu voltars, a seu tempo, ao Altar, Pssaro e Crio. preciso agora, para alcanar o lugar mais secreto do Palcio das cincias sublimes, que tu percorras todos os desvios, vem... devo primeiro apresentar-te aos meus irmos." Pegou-me pela mo e me introduziu numa vasta sala.

    Os olhos vulgares no podem conceber a forma e a riqueza dos ornamentos que a enfeitavam. Trezentas e sessenta colunas a cercavam de todos os lados. No teto havia uma cruz vermelha, branca, azul e negra, sustentada por uma argola de ouro. No centro da sala havia um altar triangular composto pelos quatro elementos; sobre seus trs ngulos estavam pousados o pssaro, o altar e o crio. "Eles trocaram de nome",

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  • disse-me meu guia "aqui se chamam: o pssaro - Aspirna (advrbio, significa diligentemente),

    o altar - Kahena (padre, forma caldia),

    e o crio-Nephrith (?).

    A sala chamada Hajalah (cmara nupcial),

    o altar triangular - Athanor.

    Em volta do altar estavam dispostos oitenta e um tronos, subia-se a cada um por nove degraus de altura desigual, cobriamnos tapetes vermelhos.

    Enquanto eu examinava os tronos, fez-se ouvir o som de uma trombeta. A este rudo as portas da sala Hajalah

    se abriram para deixar passar setenta e nove pessoas, todas vestidas como o meu guia. Eles se

    Pg 62

  • aproximaram lentamente e sentaram-se sobre os tronos. Meu guia se ps de p ao meu lado. Um ancio que se distinguia de seus irmos por um manto prpura, cujas bordas eram gravadas por caracteres bordados, se levantou, e meu guia tomou a palavra em lngua sagrada:

    "Eis", disse ele, "um dos nossos filhos que Deus quer que seja to grande quanto seus pais". "Que a vontade do Senhor seja cumprida", respondeu o ancio. "Meu filho," acrescentou ele, dirigindo-se a mim, "teu tempo de provas fsicas terminou... Resta-te fazer grandes viagens. De hoje em diante te chamars EI Tam (o alimento?).

    Antes de percorrer este edifcio, eu e oito de meus irmosvamos te fazer, cada um, um presente".

    Ele veio a mim e me deu, com um beijo da paz, um cubo deterra cinza. Chamam-no Human (cinzas ou lava de vulco).

    o segundo, trs cilindros de pedra negra, chamada Qenka (teu ninho).

    o terceiro, um pedao de cristal arredondado que se chama - (caracteres desconhecidos, talvez srios).

    o quarto, um penacho de penas azuis chamado Ashqushaq (?).

    o quinto presenteou um vaso de prata que tem o nome de Geshem (chuva ou corpo).

  • o sexto, um cacho de uva, conhecido entre os sbios com o nome de Mara-resha, (a primeira palavra significa amargura, a segunda uma forma caldia rasch, talvez cabea).

    o stimo me presenteou uma figura de pssaro semelhante forma Evei (a palavra hebraica lEVE, escrita no sentido inverso) ,

    mas sem suas cores brilhantes, era de prata; "Ele tem o mesmo nome," disse-me ele, "cabe a ti dar-lhe as mesmas virtudes". O oitavo me deu um pequeno altar lembrando tambm o altar Nephrith.

    Finalmente, meu guia me colocou na mo um crio composto como Marah,

    de partculas brilhantes, mas estava apagado: "Cabe a ti, acrescentou ele, como os que o precederam, "dar-lhe as mesmas virtudes" .

    "Reflete sobre estas ddivas" disse-me, em seguida, o chefe dos sbios, "todos tendem igualmente

  • perfeio, mas nenhum perfeito por si mesmo. E de seu conjunto que deve sair a obra divina. Sabe ainda que todos so nulos, se no forem empregados segundo a ordem na qual te foram dados. O segundo, que serve para utilizar o primeiro, no ser mais que uma matria bruta, sem calor, sem utilidade, sem o auxlio daquele que o segue. Guarda cuidadosamente os presentes que recebeste e comea tuas viagens depois de ter bebido na taa da vida".

    Ele me apresentou numa taa de cristal, um licor brilhante e aafranado. Seu gosto era delicioso, um perfume esquisito exalava dele. Eu quis devolver a taa depois de molhar meus lbios no licor. "Acaba," disse-me o ancio "essa bebida ser o nico alimento que tomars durante o tempo de tuas viagens". Obedeci e senti um fogo divino percorrer todas as fibras do meu corpo. Eu estava mais forte, mais corajoso, minhas faculdades intelectuais pareciam redobradas.

    Apressei-me a saudar com a saudao dos sbios a ilustre assemblia que iria deixar e, sob as ordens do meu guia, introduzime numa longa galeria que se encontrava minha direita

    SEO VII

    A entrada dessa galeria estava colocada uma vasilha de ao. Ao me aproximar, ela se encheu de uma gua pura como cristal, que vinha se purificar sobre uma areia branca e fina. A vasilha era oval e se apoiava sobre trs ps de bronze. Uma lmina negra incrustada sobre o lado que dava para a porta continha alguns caracteres. Perto da vasilha havia um vu de linho, abaixo dela, duas colunas de mrmore verde sustentavam uma placa arredondada de mrmore. Via-se nela, cercada por duas inscries, a figura do selo sagrado, formado de uma cruz de quatro cores, afixada a uma faixa de ouro que sustinha (H) dois outros crculos concntricos, o maior, negro, o outro vermelho. A uma das colunas estava afixado um machado de prata cujo cabo era azul. Ele se chama "qualqanthm", (calcantha, nome que os antigos davam ao sulfato de cobre).

    Depois de ler as inscries, aproximei-me da vasilha e a me lavei, comeando pelas mos; terminei mergulhando por inteiro.

    A fiquei trs dias. Ao sair da gua, percebi que ela havia perdido sua transparncia: sua areia ficou acinzentada. Partculas cor de ferrugem se agitavam no lquido. Quis me enxugar com o auxlio do vu de linho mas novas gotas de gua substituam sem cessar aquelas que o linho enxugava. H Dois crculos que rodeiam

    Desisti de me enxugar com o vu e, colocando-me na sombra, fiquei imvel durante seis dias inteiros.Ao final desse tempo, a fonte