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206 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (3): 206-209, jul.-set. 2003 Síndrome da artéria espinhal anterior: relato de caso Anterior spinal artery syndrome: case report SINOPSE Os autores relatam o caso de uma paciente de 49 anos que apresentou Síndrome da Artéria Espinhal Anterior. Essa síndrome é uma condição rara, caracterizada por paraple- gia com preservação da propriocepção. As causas são discutidas, assim como as suas característcas clínicas. UNITERMOS: Artéria Espinhal Anterior, Síndrome, Paraplegia. ABSTRACT The authors report a case of a female, 49 years old patient, who presented Anterior Spinal Artery Syndrome. This syndrome is a rare condition, characterized by paraplegia with preservation of proprioception. Causes are discussed, just as its clinical characte- ristics. KEY WORDS: Anterior Spinal Artery, Syndrome, Paraplegia. RELATOS DE CASOS MARIO GASPERIN POSTIGLIONE Professor Titular de Cirurgia Geral da Facul- dade de Medicina da Universidade de Ca- xias do Sul – RS. Titular da Sociedade Bra- sileira de Cirurgia Plástica. Titular do Colé- gio Brasileiro de Cirurgiões – TCBC. DÊNIS CONCI BRAGA – Acadêmico do oitavo semestre da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul – RS. Trabalho realizado durante a disciplina de Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul. Endereço para correspondência: Mario Gasperin Postiglione Rua Antonio Corsetti, 45 95012-080 – Caxias do Sul – RS – Brasil Fone (54) 225-1967 – Fax: (54) 223-0393 [email protected]. I NTRODUÇÃO A Síndrome da artéria Espinhal An- terior é uma complicação neurológica rara, caracterizada pelo desenvolvi- mento súbito de paraplegia, com pre- servação variável da propriocepção (1). A etiologia deve-se a um comprometi- mento no fluxo sangüíneo através da artéria espinhal anterior, ou de um de seus vasos colaterais maiores, como a artéria radicular magna (artéria de Ada- mkiewicz), levando a um quadro de isquemia medular (2). Pode ser transi- tória ou permanente. Diversas causas têm sido descritas como desencadean- tes dessa síndrome. Os autores relatam um caso de Síndrome da Artéria Espi- nhal Anterior e fazem uma revisão da literatura a respeito das suas possíveis etiologias. R ELATO DE CASO Paciente de 49 anos, branca, inter- nou-se para se submeter a gastroplas- tia por obesidade mórbida. Hipertensa prévia, há 5 meses fazia uso de enala- pril 100mg ao dia. Negava história de tabagismo, diabete mellitus e alcoolis- mo. Na avaliação pré-operatória sua pressão arterial encontrava-se em 150/ 90 mm Hg. A ausculta pulmonar reve- lou murmúrios vesiculares uniforme- mente distribuídos. O abdome era flá- cido, globoso e com presença de ruí- dos hidroaéreos. Nenhuma alteração foi vista ao exame da coluna vertebral. Seu peso era de 111 kg, a altura de 1,55 m e o seu Índice de Massa Cor- poral (IMC) de 46,20 kg/m 2 . Os exames pré-operatórios (hemo- grama, contagem de plaquetas, uréia, creatinina, glicemia e exame qualitati- vo de urina) encontravam-se dentro de seus valores normais. O eletrocardio- grama não revelou nenhuma alteração. A avaliação cardiológica da paciente classificou-a como tendo hipertensão arterial sistêmica moderada controla- da, permitindo a realização do proce- dimento cirúrgico. Radiografia de tórax evidenciou aterosclerose aórtica, discutível au- mento do ventrículo esquerdo e brôn- quios basais de paredes espessas, de- vendo-se correlacionar com quadro clí- nico de bronquite e/ou retenção de se- creções. Não foi feita administração profi- lática de heparina no período pré-ope- ratório. O procedimento cirúrgico foi rea- lizado sob bloqueio peridural, ao nível de T9-T10. O espaço peridural foi al- cançado com agulha n o 16 marca III, sendo injetados 10 ml de lidocaína 2% com vasoconstritor. O cateter epidural foi inserido a 3 cm no espaço peridu- ral. Sedação foi obtida com 2 mg de morfina. O procedimento cirúrgico incluiu uma incisão mediana supra-umbilical de aproximadamente 15 cm. A técnica usada foi a de Capella, uma gastroplas- tia vertical com bypass gastrojejunal em Y-de-Roux e uso de anel de silico- ne (Silastic). Três horas após o início da cirurgia o anestesista administrou 5 ml de neocaína 0,5%, e 30 minutos antes do término do procedimento, 10 ml de ropivacaína 7,5 mg/ml. O tem- po de cirurgia perfez quatro horas. A perda sangüínea durante esse período foi mínima. A pressão arterial no pe- ríodo transoperatório variou de 120/60

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DISSECÇÃO TRAUMÁTICA DA ARTÉRIA CARÓTIDA INTERNA... Abib et al. RELATOS DE CASOS

206 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (3): 206-209, jul.-set. 2003

Síndrome da artéria espinhal anterior:relato de caso

Anterior spinal artery syndrome:case report

SINOPSE

Os autores relatam o caso de uma paciente de 49 anos que apresentou Síndrome daArtéria Espinhal Anterior. Essa síndrome é uma condição rara, caracterizada por paraple-gia com preservação da propriocepção. As causas são discutidas, assim como as suascaracterístcas clínicas.

UNITERMOS: Artéria Espinhal Anterior, Síndrome, Paraplegia.

ABSTRACT

The authors report a case of a female, 49 years old patient, who presented AnteriorSpinal Artery Syndrome. This syndrome is a rare condition, characterized by paraplegiawith preservation of proprioception. Causes are discussed, just as its clinical characte-ristics.

KEY WORDS: Anterior Spinal Artery, Syndrome, Paraplegia.

RELATOS DE CASOS

MARIO GASPERIN POSTIGLIONE –Professor Titular de Cirurgia Geral da Facul-dade de Medicina da Universidade de Ca-xias do Sul – RS. Titular da Sociedade Bra-sileira de Cirurgia Plástica. Titular do Colé-gio Brasileiro de Cirurgiões – TCBC.DÊNIS CONCI BRAGA – Acadêmico dooitavo semestre da Faculdade de Medicinada Universidade de Caxias do Sul – RS.

Trabalho realizado durante a disciplina deCirurgia Geral da Faculdade de Medicina daUniversidade de Caxias do Sul.

Endereço para correspondência:Mario Gasperin PostiglioneRua Antonio Corsetti, 4595012-080 – Caxias do Sul – RS – BrasilFone (54) 225-1967 – Fax: (54) 223-0393

[email protected].

I NTRODUÇÃO

A Síndrome da artéria Espinhal An-terior é uma complicação neurológicarara, caracterizada pelo desenvolvi-mento súbito de paraplegia, com pre-servação variável da propriocepção (1).A etiologia deve-se a um comprometi-mento no fluxo sangüíneo através daartéria espinhal anterior, ou de um deseus vasos colaterais maiores, como aartéria radicular magna (artéria de Ada-mkiewicz), levando a um quadro deisquemia medular (2). Pode ser transi-tória ou permanente. Diversas causastêm sido descritas como desencadean-tes dessa síndrome. Os autores relatamum caso de Síndrome da Artéria Espi-nhal Anterior e fazem uma revisão daliteratura a respeito das suas possíveisetiologias.

R ELATO DE CASO

Paciente de 49 anos, branca, inter-nou-se para se submeter a gastroplas-

tia por obesidade mórbida. Hipertensaprévia, há 5 meses fazia uso de enala-pril 100mg ao dia. Negava história detabagismo, diabete mellitus e alcoolis-mo.

Na avaliação pré-operatória suapressão arterial encontrava-se em 150/90 mm Hg. A ausculta pulmonar reve-lou murmúrios vesiculares uniforme-mente distribuídos. O abdome era flá-cido, globoso e com presença de ruí-dos hidroaéreos. Nenhuma alteraçãofoi vista ao exame da coluna vertebral.Seu peso era de 111 kg, a altura de1,55 m e o seu Índice de Massa Cor-poral (IMC) de 46,20 kg/m2.

Os exames pré-operatórios (hemo-grama, contagem de plaquetas, uréia,creatinina, glicemia e exame qualitati-vo de urina) encontravam-se dentro deseus valores normais. O eletrocardio-grama não revelou nenhuma alteração.A avaliação cardiológica da pacienteclassificou-a como tendo hipertensãoarterial sistêmica moderada controla-da, permitindo a realização do proce-dimento cirúrgico.

Radiografia de tórax evidenciouaterosclerose aórtica, discutível au-mento do ventrículo esquerdo e brôn-quios basais de paredes espessas, de-vendo-se correlacionar com quadro clí-nico de bronquite e/ou retenção de se-creções.

Não foi feita administração profi-lática de heparina no período pré-ope-ratório.

O procedimento cirúrgico foi rea-lizado sob bloqueio peridural, ao nívelde T9-T10. O espaço peridural foi al-cançado com agulha no 16 marca III,sendo injetados 10 ml de lidocaína 2%com vasoconstritor. O cateter epiduralfoi inserido a 3 cm no espaço peridu-ral. Sedação foi obtida com 2 mg demorfina.

O procedimento cirúrgico incluiuuma incisão mediana supra-umbilicalde aproximadamente 15 cm. A técnicausada foi a de Capella, uma gastroplas-tia vertical com bypass gastrojejunalem Y-de-Roux e uso de anel de silico-ne (Silastic). Três horas após o inícioda cirurgia o anestesista administrou 5ml de neocaína 0,5%, e 30 minutosantes do término do procedimento, 10ml de ropivacaína 7,5 mg/ml. O tem-po de cirurgia perfez quatro horas. Aperda sangüínea durante esse períodofoi mínima. A pressão arterial no pe-ríodo transoperatório variou de 120/60

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O quadro de hipertensão arterialdesapareceu no período pós-operató-rio, não necessitando mais fazer uso dequaisquer medicamentos anti-hiperten-sivos.

Após três meses da cirurgia, a per-da ponderal foi de 28 kg.

D ISCUSSÃO

A Síndrome da Artéria EspinhalAnterior (SAEA) decorre de um com-prometimento no fluxo da artéria es-pinhal anterior, que é formada pelaunião de dois pequenos ramos das ar-térias vertebrais. Ela percorre a exten-são da medula espinhal na fissura me-diana anterior, suprindo seus dois ter-ços anteriores. Nos dois terços inferio-res da medula espinhal, a artéria espi-nhal anterior recebe quase todo seu flu-xo colateral de um único vaso, a arté-ria de Adamkiewicz. A origem dessevaso, na maioria das vezes, é do ladoesquerdo, a partir de uma artéria inter-costal inferior (T6 a T12) ou lombarsuperior (L1 a L3). Em 75% dos ca-sos, a artéria de Adamkiewicz se ori-gina ao nível de T10 e T11, motivopelo qual pacientes submetidos a ci-rurgias envolvendo a aorta torácicasão mais susceptíveis a essa síndro-me (Figura 1).

Descrições da SAEA têm sido fei-tas em associação com poliomielite,ressecção de aneurisma de aorta abdo-minal, protrusão de discos interverte-brais, fusão cervical anterior, nefrec-tomias esquerdas, esofagectomia, cor-reção de escoliose com osteotomiasvertebrais extensivas na coluna torá-cica e ressecções de tumores pancreá-ticos ou de outros tumores retroperito-neais (2-4).

Outros fatores têm sido implicadoscomo causadores da síndrome, incluin-do aterosclerose, embolismo pulmonar,espondilose, tumores de medula espi-nhal, trauma, estenose do canal verte-bral, malformações arteriovenosas ehemangiomas (4, 5).

As características clínicas da SAEAcompreendem um início súbito de fra-queza muscular, podendo haver desde

a 130/60 mmHg. O volume total defluidos do intra-operatório foi de 3.000ml de Ringer Lactato.

Após o término da operação, a pa-ciente foi para a Sala de Recuperação,sendo as primeiras cinco horas pós-operatórias caracterizadas pela ausên-cia de dor e por hipotensão arterial mo-derada. Os níveis pressóricos da pa-ciente variaram de 80/60 mmHg a 90/60 mmHg. Após, establizaram-se en-tre 130/80 mm Hg e 120/80 mm Hg. Afreqüência cardíaca manteve-se entrevalores de 74 a 80 bpm.

Ao acordar, a paciente referiu au-sência de movimentos nas suas per-nas. De imediato, a analgesia pelocateter epidural foi cancelada. Foisolicitada avaliação neurológica, queevidenciou sensibilidade termoalgé-sica preservada em ambos os mem-bros. O reflexo cutâneo-plantar emextensão estava ausente, assim comoo reflexo patelar bilateral. Apresen-tava hiporreflexia miotática nosmembros inferiores e hipoestesia emambos membros, sendo mais severaà esquerda. O grau de força foi clas-sificado como sendo “0” (zero), nomembro inferior esquerdo e de “2”, nomembro inferior direito. O tônus retalencontrava-se ausente, assim como otônus vesical.

A conduta a ser seguida incluiu aretirada do cateter epidural torácico, aadministração de dexametasona 4 mgpor 10 dias por via endovenosa, enca-minhamento para realização de resso-nância magnética, e início de sessõesde fisioterapia. A analgesia passou a serfeita apenas por via oral.

O exame de imagem revelou pre-sença de hemangiomas inexpressivosem vértebras lombares, discreta protru-são distal posterior difusa em L5-S1.A medula foi definida, com intensida-de de sinal normal e ausência de pro-cessos expansivos.

As primeiras duas semanas pós-operatórias caracterizaram-se por levemelhora da motricidade apenas da per-na direita e um aumento gradual dasensibilidade em ambos membros in-feriores. Após, observou-se mínimaamplitude de movimentos dos dedos do

pé esquerdo que, até então, eram imó-veis. A paciente encontrava-se comsondagem vesical de demora e, ainda,com ausência do tônus retal.

A lenta evolução do quadro levouà realização de eletroneuromiografia,um mês após a intervenção cirúrgica.A interpretação desse exame mostrouperda do recrutamento muscular bila-teral nos músculos vasto medial, gas-trocnêmio medial, tibial anterior e po-tenciais detectáveis apenas no gastroc-nêmio medial esquerdo. Potenciaisdesnervatórios foram vistos em todosmúsculos estudados. Mostrou ainda:abolição da neurocondução dos nervosfibular comum bilateralmente e tibialesquerdo; diminuição da amplitudecom velocidade de condução normalno tibial direito; neuroconduções sen-sitivas normais.

A conclusão do exame foi a presen-ça de sinais neurofisiológicos de lesão,com desnervação atual, com topogra-fia proximal ao gânglio da raiz dorsal,nas raízes ou neurônio motor do cornoanterior da medula nos metâmeroslombossacros, com maiores alteraçõesà esquerda.

Pequenos avanços na movimenta-ção da perna e pés direitos caracteri-zaram o segundo mês pós-operatório.A sonda vesical de demora foi retira-da, e a paciente iniciou com cateteris-mo vesical intermitente.

Uma nova ressonância magnéticafoi feita dois meses após a primeira eindicou, na transição tóraco-lombar, aonível de T12-L1, áreas de alteração deintensidade de sinal no cone medular,que se estendem por cerca de 4 a 5 cmno sentido caudal, comprometendo asubstância cinzenta, compatível comalterações relacionadas a infarto arte-rial prévio.

No terceiro mês pós-operatório ob-servamos discreto progresso na movi-mentação de seu membro inferior di-reito. Pequena evolução foi vista emrelação aos movimentos do membroinferior esquerdo.

Tem adquirido gradual aumento dotônus retal, e apesar de o tônus vesicalpermanecer ausente, já é possível sen-tir desejo miccional.

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monoparesias a quadriplegias, com fla-cidez ou espasticidade da musculatu-ra, e uma alta incidência de disfunçãoesfincteriana quando o segmento torá-cico inferior ou lombar são acometi-dos (6). O prognóstico é incerto, sen-do que 62% dos pacientes tem algumamelhora na função motora ou senso-rial, mas a recuperação da função ve-sical é pobre (7).

Em nossa paciente, algumas hipó-teses têm sido levantadas como desen-cadeantes da SAEA. A primeira delasé a ocorrência de traumatismos duran-te a passagem do cateter peridural. Aliteratura descreve que agulhas epidu-rais e cateteres têm sido responsáveispor traumatismos vasculares menorescom pequenos hematomas peridurais6.Esses hematomas não comprimem amedula espinhal e resolvem sem maio-res seqüelas. Contudo, quando soma-dos a condições patológicas prévias (apaciente apresentava à ressonânciamagnética presença de protrusão ver-tebral distal posterior difusa em L5 a

S1), e acúmulo de fluidos (como anes-tésicos locais), esses pequenos hema-tomas poderiam ser responsáveis porum aumento adicional da pressão epi-dural, levando à síndrome.

Apesar de não alterar o desfecho doquadro, a analgesia pós-operatória porcateter peridural pode retardar o diag-nóstico e ser falsamente culpada pelaparaplegia pós-operatória. Opióidessão preferidos em relação a anestési-cos locais para evitar o mascaramentode fraquezas na extremidade inferiorde início súbito (4, 7).

Abscessos peridurais podem ocor-rer, levando à compressão da artéria es-pinhal anterior. Geralmente apresen-tam-se num quadro de febre, mal-es-tar e dor nas costas. São vistos atravésde ressonância magnética, aparecendoem 1 a 3 dias após a manipulação. Oexame realizado na paciente no segun-do dia pós-operatório não mostrou al-terações. A ressonância magnética é oexame mais sensível para a avaliaçãodos casos de isquemia medular, embo-

ra possa não mostrar anormalidadessignificantes em fases recentes, ou depós-manipulação (9).

Mesmo não tendo história de taba-gismo, ou de doença isquêmica, a pa-ciente apresentava aterosclerose aórti-ca (evidenciada pela radiografia de tó-rax). Isso não exclui a possibilidade deque houvesse aterosclerose envolven-do a artéria espinhal anterior e seusramos aórticos. Haveria, então, umamaior dependência da artéria de Adam-kiewicz para o suprimento vascular.Suas protrusões em L5 a S1 poderiamter produzido uma maior compressãona artéria espinhal anterior e interferi-do no seu fluxo sangüíneo.

Paraplegia associada com quadrode hipotensão tem sido descrita na li-teratura (6). Embora os níveis tensio-nais durante o período transoperatóriotenham se mantido em valores normais(120/60 a 130/60 mmHg), as cinco pri-meiras horas pós-operatórias caracte-rizaram-se por hipotensão moderada(80/60 a 90/60 mmHg). Silver e Bux-ton (10) relataram que 10 de 11 pacien-tes que apresentaram SAEA tiveramepisódios hipotensivos prévios (76/45a 79/47mmHg). A hipotensão compro-meteria o fluxo sangüíneo da medulaespinhal, podendo estar associada àscondições patológicas previamentemencionadas, levando à isquemia me-dular.

Por fim, posições hiperlordóticasno intra-operatório têm sido implica-das na etiologia da paraplegia pós-ope-ratória, mas parecem envolver perío-dos de hipotensão considerável (7).Nossa paciente não experimentou po-sição hiperlordótica, devido à sua obe-sidade mórbida.

No relato apresentado, não ficou es-clarecida a etiologia da SAEA, contudonão devemos atribuir a realização da gas-troplastia por obesidade mórbida comouma possível causa desta síndrome.

A SAEA é uma complicação rara,mas deve ser lembrada em pacientesque apresentam fatores de risco, quan-do houver necessidade de serem sub-metidos a procedimentos cirúrgicos,principalmente na vigência de hipoten-são arterial nos períodos trans e pós-operatórios imediatos.

Veia espinhal posterior

Artéria espinhal posterior

Coroa arterial

Artérias radicularesposterioranterior

Veia espinhalposterolateral

Veia sulcalArtéria sulcal

Espinhais anterioresartéria

veia

Pia-máter

Aracnóide

Dura-máter

Plexo venoso vertebral interno

Gânglioespinhal

Artérias espinhais

Bainha dural da raiz

Figura 1 – Suprimento sangüíneo e drenagem venosa da medula espinhal.

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O acompanhamento pós-operatórioé de fundamental importância para ummelhor prognóstico. Assim, devemosestar atentos à variação da pressão ar-terial no período trans e pós-operató-rio, com o intuito de evitar a ocorrên-cia de picos hipotensivos.

R EFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

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