sigmund freud, a educação e as crianças
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Sigmund freud, a educação e as criançasTRANSCRIPT
Artigo
S I G M U N D FREUD,
A E D U C A Ç Ã O E
AS C R I A N Ç A S 1
Leandro de La jonqu iè re
É poss ível a p l i c a r a
p s i c a n á l i s e à e d u c a ç ã o
nos t e rmos de u m a
p r o f i l a x i a das neu roses
do ato c i v i l i z a c i o n a l ?
Nos textos de Freud,
essa ques t ão osc i la en
tre o necessár io e o
con t ingen te , p róp r io
das cond ições po l í t i ca s ,
soc i a i s e r e l i g io sas de
sua época.
P s i c a n á l i s e e e d u c a
ç ã o ; c i v i l i z a ç ã o ; edu
c a ç ã o dc c r i a n ç a s
S I G M U N D FREUD, THE
EDUCATION A N D THE
CHILDREN
Is it possible to
apply psychoanalisis to
education in terms ot
neurosis prophylaxis
and civilization action?
In the works of Freud,
this question hesitates
between the necessary
and contingent,
constitued by political,
social and religious
conditions of this time.
Psychoanalisis and
education; civilization;
education of children
Em não poucas oportunidades, Freud exprimiu
sua pretensão de que a psicanálise não viesse a ficar
restrita ao âmbito da "cura de certas formas da ner¬
vosidade" (1913a, p. 1851). Em 1913, afirmou em
Scientia que a psicanálise reveste um múltiplo interes
se. Já em 1932, lembrou o auditório imaginário da
Lección XXXIV da pertinência das "aplicações não
médicas da psicanálise" (1932a, p. 3184). Porém, não
se l imitou a colocar o acento na possibi l idade de
expandir a teoria para além das fronteiras estritas da
clínica. De fato, deteve-se também a justificar expres
samente o manuseio da própria psicanálise por parte
de profanos, como em 1926, por ocasião do affaire
Reik2. Obviamente, depois de um século de psicaná
lise, nem a impugnação do monopólio médico no
exercício clínico nem o múlt iplo interesse da teoria
analítica "para as ciências não psicológicas" são objeto
de surpresa (Freud, 1913a, p. 1847). Entretanto, a
questão da incidência da psicanálise além das suas
fronteiras disciplinares hoje consagradas volta ao cen
tro do debate quando se lembra que, nessas mesmas
oportunidades, Freud fez referência ora à "aplicação
da psicanálise à pedagogia", ora ao exercício de "ana
líticos pedagogos ou pedagogos analíticos".
• Psicanalista, Professor Associado da Universidade de
São Paulo, Co-Coordenador do LEPSI.
O que se começou a chamar nos últimos tempos, e em alguns
países, de conexão p s i c a n á l i s e - e d u c a ç ã o , cuja origem remonta às
referências que o próprio Freud fez à educação infantil e ao ide
ário pedagógico de sua época, dista de ser um campo de grandes
acordos. Talvez não pudesse ser de outra forma, considerando-se
não só que - como o próprio Freud o confessara em várias passa
gens de sua obra - o seu "aporte pessoal a esta aplicação da psica
nál ise" foi de fato escasso, mas também porque é em torno das
crianças que gravitam todas as ilusões adultas sobre um "mundo
melhor" (1925, p. 3216). Além do fato de Freud não ter sido ex
plíci to o suficiente, poder-se-ia também pensar que essa falta de
consenso revela que, precisamente, neste contexto de suposta "apli
cação" revela-se implicada uma incidência possível da psicanálise no
social e no pol í t ico 3 . Assim, não teríamos muito do que estranhar,
pois o debate acerca dessa incidência recobre, por sua vez, aquele
outro em torno dos limites da própria psicanálise.
Mais ainda, caberia também afirmar que o fato de os adultos
perderem a clareza espir i tual quando tanto se fala de cr ianças
como dos tempos futuros pode alertar no sentido de não nos es
pantarmos com os próprios ziguezagues freudianos em matéria da
"aplicação da psicanálise à pedagogia". Como se sabe, Freud feste
jou os empreendimentos de sua filha Anna, bem como não dei
xou de esperar que esta "aplicação não médica" viesse a garantir
um futuro não só para essa, mas também a sua outra est imada
criatura - a ps icanál i se 4 .
Nos primeiros tempos desta "aplicação" - que se chamou de
p e d a g o g i a p s i c a n a l í t i c o 5 - os empreendimentos e adeptos não fo
ram, como sabemos, poucos. Entretanto, em contraposição ao en
tusiasmo pouco cuidadoso dos pioneiros, hoje em dia já conta
mos com um pouco mais de duas décadas de ceticismo e cuida
do reflexivo. De fato, a e lucidação da imposs ib i l idade de uma
pedagogia analítica, empreendida dentre outros por C. Millot , J -
C. Bigeault e G. Terr ier 6 , acertou as contas com a ilusão psicana-
lítica na educação.
Porém, a impugnação criteriosa da suposta pertinência de uma
educação justificada psicanaliticamente - fruto da superposição dos
lugares do analista e do educador e, portanto, dotada de suposta
potestade profilática em matéria psíquica - incorreu, por sua vez,
num pequeno descuido quando, sem mais , sentenciou, por um
lado, que as referências freudianas ao assunto devem ser considera
das como meras "exortações à mesura" (Millot, 1979, p. 204) e, por
outro, que "a incidência da psicanálise na civilização moderna não
passa em modo algum por uma reforma educativa" (p. 157). Ao
nosso ver, embora ambas afirmações sejam em certo sentido verda¬
deiras, as incursões de Freud na Pe
dagogia reclamam um outro exame
na espera de se poder recolocar sob
outro ângulo a pergunta pela possi
bilidade da incidência da psicanálise
no social e no pol í t i co , ao menos
quando se trata de crianças.
Dessa forma, embora também
seja verdade, conforme aponta Mi¬
l lot , que "o ún ico a u x í l i o que a
psicanálise parece capaz de apontar à
educação (..). seja de caráter (...) ana
lítico", talvez se possa pensar que esse
" aux í l i o a n a l í t i c o " não se reduz à
proposta de cura analítica em massa
para crianças e educadores.
O termo pedagogia psicanalítica
não recobre o conjunto das incur
sões psicanalít icas na educação. En
tende-se por tal a pretensão de se
encontrar uma educação "no ponto",
ou seja, uma matriz de intervenções
junto às crianças capaz de vir a con
vertê-las em adultos sem padecimen-
tos psíquicos. Essa nova pedagogia,
resultante da conjugação de um pou
co de educação e um outro tanto
de psicanál ise teria, então, poderes
prof i lá t icos . Em suma, quando se
pensa em termos de pedagogia psica
nalítica, almeja-se encontrar a fórmu
la do b a l a n c e i o para c r i anças do
processo civilizacional.
Hoje em dia, não há, ao menos
no campo psicanalítico, nenhuma pre
tensão nesse sentido. Entretanto, sabe
mos que não foi sempre assim. Basta
l e m b r a r o p i o n e i r i s m o de A n n a
Freud, dentre muitos outros empreen
dedores no mundo da psicoprofilaxia
para crianças, em particular.
Toda pretensão de se preveni
rem as neuroses e as perversões gra¬
ças a uma suposta educação adequada está alicerçada numa leitura
dos textos freudianos que desconhece a estrutura paradoxal do
desejo revelada pela experiência psicanalítica. Essa "leitura parcial"
de Freud pode ser creditada na conta do tempo, ou seja, no tem
po que foi necessário para o advento lacaniano de um "retorno a
Freud". Mas também cabe lembrar que a pretensão psicoprofilática,
que se reivindicou freudiana, esqueceu simplesmente de ler a adver
tência da sua impossibilidade estrutural que o próprio Freud for
mulara, com clareza e distinção, em Análisis terminable e intermi
nable (1937). Em suma, mesmo tendo lhe sido possível brandir a
seu favor La ilustración sexual dei nino (1907) y La moral sexual
"cultural" y la nerviosidad moderna (1908), não poderia não ter
avançado mais um pouco na leitura ao menos cronológica.
Entretanto, o fato de não haver dúvidas sobre a impertinência
da psicoprofilaxia não implica, necessariamente, a existência de um
"primeiro" e "segundo Freud" em matéria educativa como, dentre
outros, sustentara C. Mil lot . Em outras palavras, a desilusão do
próprio Freud com relação à psicoprofilaxia não arrasta consigo
sua esperança de que a "aplicação da psicanálise (...) à educação das
gerações vindouras" (1932a, p. 3184) venha a alterar o status quo
pedagógico, responsável pelo cumprimento imperfeito da sua devida
missão (p. 3186).
A esperança de uma outra educação é uma constante nos tex
tos freudianos. De fato, ela está, até certo ponto, colada à ilusão
profilática como, por exemplo, nos textos de 1907, 1908, no Pre
facio para un libro de Oskar Pfister (1913) , na Lección XXIII
(1915-17) e em Análisis profano (1926), mas a separação processa-se
ao longo da obra. Já em 1909, por ocasião de Análisis de Ia fobia
de un nino de c i n c o anos, ao mesmo tempo em que reconhece ser
no mínimo problemática a questão da profilaxia, mantém a aposta
na troca dos fins educat ivos 7 . Logo, na Lección XXXIV - consi
derada classicamente como o enterro de toda esperança - Freud
observa mais uma vez a dificuldade de se levar à prática a profila
xia junto às crianças, ao mesmo tempo em que esboça a análise
dos educadores como uma possibilidade sui g e n e r i s para que a edu
cação venha a encontrar seu caminho.
Os remanejamentos do modelo pulsional, que culminaram no
postulado da irredutibilidade antinômica entre as pulsões de vida
e de morte, foram corroendo a ilusão profilática, quando possibi
litavam o reconhecimento de que "o plano da Criação não inclui
o propósito de que o homem seja feliz" (Freud, 1929, p. 3025),
até o abandono expl íc i to da mesma no texto de 1937. Porém,
Freud manteve firme sua esperança a qual batizou, finalmente, de
"educação para a realidade" (1927, p. 2988). Essa, diferentemente
daquela proposta na sua época - em particular, pela "piedade cris
tã" (1932b, p. 3205) à moda do idealismo germânico ou da cultu
ra norte-americana 8 , mas também pelo bolchevismo russo 9 - , deve
ria evitar a "miséria psicológica das massas"(1929, p. 3049), apesar
de não poder mudar "notadamente a essência psicológica do ho
mem" (1927, p. 2991). Em suma, a esperança freudiana manteve-se
constante na medida em que não se articula como mais uma re
forma educativa em sentido estrito, ou seja, em prol de um fim
profilático desejado.
Por outro lado, cabe observar que ao longo dos textos freudi
anos também se processa, de forma cruzada à anterior e não menos
tensa, uma outra distinção importante: aquela que medeia entre a
psicanálise com crianças e a educação infantil resultante da dita
aplicação da psicanálise. No início, a primeira empresa se anuncia
através da segunda e ambas se confundem nas mãos de Pfister e de
Anna. Porém, ambas deixam de se recobrir totalmente, embora
Freud continue a manter uma certa oscilação, talvez devida ao fato
de sua filha estar, precisamente, no meio deste affaire.
Dessa forma, primeiramente encontramos, sem lugar a dúvidas,
que ao processo educativo de uma criança pode se lhe acrescentar,
com fins profiláticos, um pouco de psicanálise como, por exemplo,
em Multiple interés dei psiconálisis, Prefacio para un libro de
Pfister e em Análisis profano. Freud refere-se ao resultado dessa
conjunção em termos de "tratamento misto" e "análise de crianças".
Assim, a psicanálise enxerta-se na educação e produz como novida
de um tratamento psicoprofilático que, por sua vez, reforça a de
fesa freudiana do exercício profano da psicanál ise 1 0 .
Entretanto, em segundo lugar, em Prefacio para un libro de
A. Airchhorn (1925), Freud declara, por um lado, que a tarefa
pedagógica é algo sui g e n e r i s que não pode ser confundida nem
substituída pela influência psicanalítica e, por outro, a "psicanálise
de cr ianças" pode intervir como "um recurso aux i l i a r " quando
assim for necessário. Mais ainda, apesar de a psicanálise do adulto
neurótico ser equivalente a uma reeducação, frisa que a educação
das crianças reclama "outra coisa diferente da análise mesmo que
coincida com ela no objetivo". Esta "outra coisa" só pode ser uma
outra educação que não a proposta pela pedagogia da época. Ela,
em virtude de ser o resultado da "aplicação" de uma sobre a ou
tra, passaria a compartilhar o objetivo da "situação analí t ica" que
pelo fato de exigir "o desenvolvimento de determinadas estruturas
psíquicas e uma atitude singular perante o analista" não pode ser
aplicada a um "ser imaturo". Essas "condições particulares" faltam
também no "jovem abandonado" - campo de intervenção de Aich¬
horn - e no "criminal impulsivo". Aquilo que falta - sinal de uma
espécie de imaturidade que reclama à
educação - é condição da operativida-
de da situação anal í t ica que, em se
tratando de adultos, eqüivale a uma
reeducação. Em suma, lembrando que
o objetivo de uma análise é, em ter
mos freudianos, levar o adulto neuró
tico a reconhecer aqui lo de que se
defende sintomaticamente - a lei do
desejo - devido a um inevitável defei
to educativo, podemos concluir que a
imaturidade infantil reclama por uma
intervenção que, à diferença da peda
gogia da época, enverede a criança
rumo à castração que humaniza.
Finalmente, na Lección XXXIV,
Freud manifesta rapidamente sua sa
tisfação pelo fato de sua filha estar
empenhada naquilo que ele considera
tanto importante quanto promissor.
Porém, logo mais, detém-se a exami
nar a "missão primeira da educação",
declara que até esse momento a edu
cação cumpriu imperfeitamente sua
missão, bem como a "educação psica-
n a l í t i c a " visa fazer da cr iança um
"homem sadio e eficiente", que não
venha a se colocar "ao lado dos ini
m i g o s do p r o g r e s s o " . Em s u m a ,
Freud acaba recuperando a distinção,
apresentada em 1925, entre a psicaná
lise com cr ianças e uma esperada
educação, capaz de submeter as cri
anças à castração que de outra forma
bem poderia vir a não operar psi
quicamente.
Dessa forma, temos que a psico¬
profilaxia ou garantia antecipada de
bem-estar é, de fato, abandonada; a
nascente psicanálise com crianças re
vela-se incapaz de substituir a educa
ç ã o primordial, bem como esta últi
ma, ao reclamar o auxíl io analít ico,
uma vez que a pedagogia atrapalha
m a i s do que a juda , i s to o c u p a o
foco das preocupações de um Freud
sempre "fascinado" pelos "problemas
culturais" - como diria de si mesmo
em Autobiografia (1924).
A crítica freudiana à pedagogia
da época começou a ser esboçada
em Tres ensayos para una teoria
sexual (1905) quando da aval iação
do estatuto da educação na produ
ção dos "d iques a n í m i c o s que se
opõem ao in s t i n to sexua l " . Logo,
em Ilustración sexual dei nino,
Freud a considerou expressamente
perniciosa do ponto de vista psíqui
co, uma vez que se fundamenta no
"engano no terreno sexual e na in
t imidação no terreno re l ig ioso" . J á
em La moral sexual cultural y la
nerviosidad moderna, volta à crítica
da educação, pois ela veicula desde
a infância a "moral sexual cultural"
em causa na "nervosidade moderna"
que atinge os adultos.
Dessa forma, parece que, se a
crí t ica visa ao caráter excessivo da
moral adulta em voga e veiculada já
na i n f â n c i a pela e d u c a ç ã o , en tão
Freud pressupõe que o mal-estar na
civilização é contingente, a total satis
fação p u l s i o n a l é p o s s í v e l , bem
como urge uma reforma educat iva
com fins profiláticos à luz da psica
nálise. Mais ainda, se assim fosse, te
ríamos um "primeiro Freud" que a
p romoção da pu l são de mor te na
teoria anal í t ica teria se encarregado
de soterrar , apesar do desconheci
mento dos partidários da pedagogia
psicanalítica. Porém, parece-nos, por
um lado , que tanto esses ú l t i m o s
quanto seus justos detratores supõem
que o problema em pauta na época
seria quantitativo e, por outro, que,
embora o próprio Freud tenha feito
várias referências à possibil idade da
psicoprofilaxia, já há elementos nos
textos, anteriores a 1920, que tanto
inva l ida r i am a i lusão da ha rmonia
quanto permitiriam ler, ao contrário,
n u m a chave qua l i t a t iva a cr í t ica à
pedagogia da época.
Na contramaré das aparências de
um "pr imeiro Freud", encontramos
uma reflexão sobre a irredutibilidade
estrutural do desprazer ps íquico e,
por tanto, da imper t inênc ia de pre
tender encontrar uma dosagem me
lhor das restrições civilizadoras.
Já antes de 1900, no Manuscrit
K, endereçado a Fliess em 0 1 / 0 1 /
1896, Freud, reexaminando o estatu
to da relação entre pudor, moralida
de, recalcamento e desprazer, afirma
que "deve haver na sexualidade uma
fonte independente de desprazer; se
essa fonte existir, ela pode alimentar
as sensações de nojo e dar força à
moral idade" (1987-1902, p. 131). Na
carta datada de 14 /11 /1897 , afirma
que a mora l , ao con t rá r io do que
poderia se pensar, resulta do recalca
mento que, por sua vez, possui "um
elemento orgânico" - "abandono das
antigas zonas sexuais" devido à con
quista da posição ereta do homem
(p. 205) . A i r redut ib i l idade do des
prazer ps íquico é também referida
no Projeto de una psicologia para
n e u r ó l o g o s (1895). A organização psí
quica é pensada em termos de uma
"adquisição biológica" de "barreiras"
contra a "ameaça de desprazer", deri
vada da própria "tendência básica do
sistema rieurônico"11. Assim, haveria
uma "defesa normal" e um "recalque
h i s t é r i c o " peran te uma inva r i áve l
ameaça de desprazer. Por outro lado, Freud alude ao caráter res
tritivo inevitável da civilização, quando afirma, no Manuscrit N,
em 31/05/1897: "o incesto é um fato anti-social ao qual a socie
dade deveu aos poucos renunciar para poder existir" (p. 186).
Logo após a virada do século, Freud se refere, em Tres en¬
sayos, à existência de impulsos em si mesmos perversos que po
dendo acarretar só desprazer reclamam pela "ação de forças psíqui
cas contrárias". Em 1912, em Sobre una degradación general de la
vida erótica, declara que o resto de insatisfação, inerente à "natu
reza mesma do instinto sexual", é "fonte de máximos rendimentos
culturais" quando "submetido às primeiras normas da civilização".
E, finalmente, em El males tar en Ia cultura (1929), Freud afirma,
já sem rodeios, que o desprazer é o efeito inevitável da humani-
zação, devido à tensão contradi tór ia inerente à b issexual idade
constitutiva, ao fato da relação erótica comportar também "ten
dências agressivas diretas", bem como, fundamentalmente, à "adoção
da postura bípede e à desvalorização das sensações olfativas".
Dessa forma, em se tratando de uma impossibilidade estrutu
ral de haver uma satisfação total e prazerosa, Freud não se ilude
nunca com uma educação "no ponto" capaz de não implicar des
prazer psíquico. Mais ainda, se houvesse a possibilidade de encon
trar a quantidade certa de satisfação/restrição, daí não reservaria à
educação um papel modesto na modificação do quadro de base.
Desde o início, consta o reconhecimento de uma eficácia li
mitada à educação ou, em outras palavras, do fato de a margem
de manobra dos adultos junto às crianças padecer de uma certa li
mitação intrínseca. Em Tres ensayos, após afirmar que os "diques"
contra o "instinto sexual" são obra da educação, Freud declara que
a evolução sexual encontra-se "organicamente condicionada e fixa
da pela herança e pode se produzir sem auxílio nenhum da edu
cação" de forma tal que essa úl t ima se mantém "dentro de seus
l imites, restringindo-se a seguir as trilhas do organicamente pré-
formado ". Pois bem, se lembrarmos que o apelo às teses da he
rança filogênica e da pré-formação orgânica ou adquisição bioló
gica era o recurso disponível na época para se estabelecer na refle
xão uma determinação estrutural, então Freud reconhece no adul
to uma possibi l idade l imi tada de vir a conjurar a desarmonia
quantitativa implicada na evolução da criança.
Essa oposição necessário/contingente se reinscreve, em Multiple
interés dei psicoanálisis, na forma espontâneo/exterior. Na oportu
nidade, afirma que a "repressão violenta dos instintos" "produzida
do exterior" não eqüivale à "produção espontânea" de repressões
por parte da própria criança que, assim, repete "uma parte da his
tória da civilização", a qual "produzida do exterior" significa de
forma extemporânea ou sem guardar as devidas proporções 1 2 no
interior de um processo de evolução psíquica determinado estrutu
r a l m e n t e 1 3 , ou seja, em si mesmo "espontâneo", uma vez que não
obedece ao livre-arbítrio dos partícipes.
Em suma, Freud, apesar de se i ludir com a possibilidade da
profilaxia, não cifra suas esperanças em um manejo quantitativo da
intervenção educativa.
Nesse sentido, se lembrarmos que a crí t ica à educação da
época é uma constante nos textos freudianos, ainda caberia anali
sar qual seria o objeto da mesma, ou seja, o estofo de sua criti
cada violência não-natural. Para tanto, pensamos ser necessário
colocar o problema num viés quali tat ivo. Isto é, não se trataria
de pressupor que Freud num primeiro momento iludiu-se com
uma educação menos repressiva, mas sempre esperou por uma
qualidade diferente de intervenção dos adultos junto às crianças -
ou seja, que os adultos pudessem vir a se endereçar às crianças
em nome de outra coisa que a moral de seu tempo - batizada
de "educação para a realidade".
Na mesma Lección XXXIV, Freud afirma, por oposição ao
ideário pedagógico hegemônico no início deste século, que a edu
cação deve "buscar seu caminho entre o laisser-faire e a frustração",
bem como a "missão" da "educação ps icana l í t i ca" 1 4 consiste em
fazer do educando um "homem sadio e eficiente" com vistas a não
acabar se colocando "ao lado dos inimigos do progresso". Ou seja,
estabelece uma diferença substancial entre o que deveria ser o fruto
da, assim chamada por Freud, "aplicação da psicanálise" e a educa
ção de sua época, implementada à luz de uma pedagogia de cunho
religioso-moral. Nessa oportunidade, não faz mais do que recupe
rar a diferença já assinalada em "El porvenir de una ilusión" entre,
por um lado, a natureza "irreligiosa" da "educação para a realida
de", promovida pela psicanálise, e, por outro, o "programa peda
gógico" da época, centrado na "demora da evolução sexual e a
precocidade da influência religiosa", responsável pela coerção da
atividade e curiosidade in te lec tuais 1 5 .
A e d u c a ç ã o para a realidade adquire sentido por oposição
àquela promovida pela pedagogia religiosa das primeiras décadas do
século XX. A realidade para Freud está longe de ser a dita realida
de cot id iana e, portanto, o seu anseio não deve ser entendido
num sentido psicológico-adaptacionista 1 6 . Por um lado, cabe lem
brar que essa proposição educativa está sobreposta à definição da
educação, em si mesma, como "o es t ímulo ao venc imento do
princípio de prazer e a substituição do mesmo pelo princípio de
realidade" (Freud, 1911, p. 1641) e, por outro, a realidade cotidi¬
ana, produto das ilusões rel igiosas,
não é outra coisa que uma espécie
de grande "neurose coletiva" - obje
to de um futuro estudo sobre a "pa
tologia das comunidades cu l tura i s"
(1929, p. 3067).
Assim sendo, educar para a reali
dade é s inôn imo de educar para o
d e s e j o ou, se preferirmos, de educar
com vistas a possibilitar o r e c o n h e c i
mento da impossível realidade do de
s e j o - ou seja, o caráter artificialista
de seu estofo -, aquela que, precisa
mente, as ilusões religiosas mascaram.
Em c o n t r a p a r t i d a , é poss íve l
apurar o teor da crítica à moral re
ligiosa no contexto da análise freu
d i a n a acerca da i m p e r t i n ê n c i a de
considerar a teoria psicanalítica uma
Weltanschauung p a r t i cu l a r . Freud
afirma que "a religião. . .explica (aos
homens) a origem e gênese do Uni
verso, assegura-lhes proteção e gozo
final nas vicissitudes da vida e ori
enta suas opiniões, bem como seus
atos com prescr ições que sustenta
com toda sua autor idade. Cumpre ,
ass im, três funções: (.. .) satisfaz a
vontade de saber dos homens (. . . ) ;
mitiga o medo dos homens perante
os perigos e as vicissi tudes da vida
(...); formula prescrições, proibições
e r e s t r i ç õ e s " (1932b, p. 3193). Con
tinuando, sustenta que "As exigências
éticas, às quais a re l ig ião quer dar
sustentação, demandam, pelo contrá
rio, um fundamento diferente, pois
são indispensáveis à sociedade huma
na" (p. 3197).
Em suma, a c r í t ica à r e l ig i ão
não parece ser o reverso de uma in
gênua esperança libertária, embora
seja, como o próprio Freud confes
sara ao pastor Pfister, um produto
de sua condição de "herético e ímpio" (1909-1939, p. 162). A reli
gião parece focalizar de fato seu cunho justif icacionista, isto é,
obturadora da mesmíssima dimensão ética do agir humano. Freud,
por um lado, parece estar persuadido de que, na medida em que
o homem obedece em nome de algum Deus 1 7 , sua ação encontra
justificativa em uma realidade espiritual transcendente à vida social,
bem como ganha uma certeza subjetiva. Assim, quando de suas
mãos escorrega toda ilusão divina, torna-se possível formular a per
gunta sobre o d e s e j o que anima seu ato e, por conseguinte, venha
a se perfilar no horizonte uma nuvem de incerteza espiritual ou
inquietação moral. Entretanto, Freud assinala não só a necessidade
em si das exigências morais mas também de vir a lhes outorgar
um outro " fundamento" 1 8 . De fato, acredita-se possível considerar
a empre i tada freudiana de subs t i tu i r os mot ivos re l igiosos da
moral por outros puramente terrenos, como uma crítica a todo es-
sencialismo ético, tendente sempre a recusar, como lembrara Lacan
no Seminário VII, o caráter ex nihilo das criações discursivas mo
rais ou, se preferirmos, a fragilidade inerente à existência artifici-
alista do homem.
Nesse sentido, a "moral sexual cultural" dos adultos, considera
da "hipócrita", pois impede o homem de "viver com regularidade
sua verdade psicológica" (Freud, 1915, p. 2107), apõe-se no início
da reflexão freudiana à moral "natural". Isto é, na "moral sexual
cultural", o homem não pode se reconhecer enquanto dividido e
desejante. Mais ainda, a pedagogia da época produz "conflito psí
quico" (1908, p. 1264) ou "recalque violento" (1913a, p. 1866) uma
vez que, ocultando sistematicamente o sexual e intimidando no ter
reno religioso, torna a tramitação das pulsões infantis um fato de
difícil acontecimento, e não, como muitos autores pensaram, por
que ela exagerasse na quantidade de restrições comportamentais.
Embora cientes do caráter rico em nuanças, bem como espi
nhoso, do debate religião-psicanálise e/ou ciência, consideramos ser
possível observar que Freud não chega em momento algum a sus
tentar em nome da psicanálise a inverdade das doutrinas religio
sas, embora, é claro, o tenha feito em nome próprio. Apenas, na
medida em que indaga a significação psicológica das mesmas, con
clui que se trata de ilusões, isto é, crenças não necessariamente er
radas nem improváveis de responderem aos cânones da razão cien
tífica da época.
Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que pretendia elucidar um as
pecto em especial das doutrinas religiosas que, hoje, bem poderia ser
chamado de fundamentalismo r e l i g i o s o . Assim, caberia a possibilidade
de se demarcar uma diferença sutil entre religiosidade e fundamen
talismo, isto é, uma crença fora de medida ou de toda razão.
Em suma, seria psiquicamente possível acreditar em doutrinas
religiosas sem cair nas garras do fundamentalismo religioso ou no
impasse próprio de um justificacionismo ético, seja ele religioso
ou não. Como reza a letra de uma música popular latino-america
na - "solo le pido a Dios que el futuro no me sea indiferente"
(L. Gieco) - , o sujeito bem pode apenas pedir a Deus que não
lhe tire sua própria responsabilidade pelo futuro, a possibilidade
de se empenhar existencialmente num ato ou de vir a agir em
nome do desejo 1 9 . Mas também seria psiquicamente possível bran
dir um certo ateísmo e, entretanto, estar espiritualmente tomado
num ilusionismo fundamentalista como, por exemplo, no caso do
bolchevismo russo. Bem como, finalmente, um sujeito irreligioso -
no caso Sigmund Freud - bem pode ter a esperança de que o fu
turo da humanidade seja desprovido de ilusões religiosas, ou não,
apesar de estar ciente da dif iculdade de que tal coisa venha a
acontecer 2 0 .
Nesse contexto, parece que a persistente crítica freudiana à
educação da época não só não é a expressão de nenhuma espécie
de cinismo socioeducativo, como aponta para o aspecto central do
ideário educativo hegemônico nas primeiras décadas - seu justifi-
cacionismo pedagógico, epifenômeno do fundamentalismo cultural
que tomava conta da cultura, em particular no mundo germânico,
nos EUA e na Rússia.
A e d u c a ç ã o para a realidade, que Freud "i ludiu", poderia ser
pensada como uma educação além do justificacionismo pedagógico
de cunho moral-religioso hegemônico na sua época. E provável
que essa idéia tenha acompanhado Freud durante anos, pois consta
ter afirmado, já em 1907: "A substituição do catecismo por um tra
tado elementar dos direitos e deveres do cidadão, como a imple
mentada pelo Estado francês, parece-me um grande progresso na
educação infantil" (Freud, 1907, p. 1248).
Dessa forma, Freud estaria esperando apenas que o futuro
nos reserve uma "educação libertada das doutrinas religiosas" mes
mo se ela não for capaz de mudar "notadamente a essência psico
lógica do homem" (1927, p. 2991), isto é, de produzir a harmonia
psíquica que faz falta. Mais ainda, Freud considerava que, apesar de
ser improvável que sua esperança viesse algum dia a se concretizar,
"valia a pena tentar" (1927, p. 2987).
Nesse contexto, caberia afirmar que a crítica freudiana à pe
dagogia da época, imbuída de certo fundamentalismo religioso ou
não, pressupunha a possibilidade de uma e d u c a ç ã o à s e c a . Freud
estaria criticando a pedagogia fundamentalista enquanto apostava
numa humilde educação sem fundamento transcendental algum e,
portanto, na possibilidade de que o homem já adulto viesse a ex¬
per imentar algo como "o m u n d o não é uma nursery" (Freud,
1932b, p. 3197) ou, se preferirmos, que o homem uma vez adulto
suportasse a vida preparando-se para a morte 2 1 . Em outras palavras,
mesmo que seja inevitável a vida se sustentar em ilusões, nada im
pede que o homem saiba inconscientemente que elas são isso mes
mo, ou seja, a marca do desamparo existencial e não indícios de
nenhuma transcendência. Assim, quando uma ilusão se sabe ilusão
fica resguardada a distância entre o sujeito e o registro dos ideais,
que não é outra que a fenda mesma do d e s e j o .
Entretanto, independentemente de que semelhantes suposições
possam dar lugar a uma questionável "psicologia do autor", cabe
observar que estamos persuadidos de que na letra freudiana opera
em fi l igrana uma diferença entre e d u c a ç ã o e p e d a g o g i a . Isto é,
entre, por um lado, os efeitos subjetivantes ou formativos deriva
dos para a criança de sua relação com os adultos e, por outro, o
conjunto dos saberes positivos sobre uma suposta adequação entre
os meios e os fins da educação. Mais ainda, pensamos que essa
disjunção educação-pedagogia é capaz de elucidar também os impas
ses da educação de nossos dias.
A "educação" atual - em part icular no império espir i tual à
moda ianque - está impregnada, à diferença de outrora, de certo
fundamentalismo psiconaturalista. A educação nos dias de hoje é
pensada como o processo de estimulação metódica e científica de
uma série sem fim de capacidades psicomaturacionas. Assim reduzi
da, por um lado, a criança fica como objeto de saberes psicológi
cos especializados e, por outro, as vicissitudes do ato de educar
para o desenvolvimento de uma racionalidade didático-instrumental
acabam tornando improcedente ao adulto manter aberta a interro
gação sobre o impossível em torno do qual se articula sua própria
relação com a criança.
O fundamentalismo psiconatural que alimenta o ideário peda
gógico atual é, na mesma linha dos ganhos religiosos, capaz de er
radicar a vontade de saber, bem como de mi t igar o medo dos
adultos perante os perigos e as vicissitudes da vida - escolar ou
não - junto às crianças, na medida em que formula prescrições,
proibições e restrições sempre justificadas.
Porém, em um ponto, as ilusões psiconaturalistas de hoje ga
nham das religiosas do tempo de Freud no que diz respeito à edu
cação: tornam o reconhecimento do desejo que anima o ato um fato
de difícil acontecimento e, portanto, reduzem toda e qualquer ins
tância ou práxis educativa a uma resignada prática psicopedagógica.
A insistência religiosa em dominar o desejo, como, aliás, toda
empresa neurótica, não faz senão colocar, uma e outra vez, o sujei¬
to em uma mesma encruzilhada, qual
seja aquela do reconhecimento de sua
impossível realidade. Mas, embora a
re l ig ião não recuse a rea l idade do
desejo, ela condena o sujeito à reite
ração do fracasso do recalque. Entre
tanto, essa "neurose co le t iva" que
toma conta do mundo adulto alimen
ta, segundo Freud na Lección XX-
XIV, o risco das crianças virem, num
futuro, a se colocar do lado dos "ini
migos do progresso". Além disso, a
forclusão do desejo, implicada nas ilu
sões psicopedagógicas atuais, dá mar
gem a que as crianças venham a ado
ecer de resignado cinismo.
Há, por def in ição , a n t i n o m i a
entre a natureza artificial do d e s e j o
e o justificacionismo moral, próprio
de todas as ilusões pedagógicas. Mas,
o fato de a pedagogia moderna estar
imbuída de um justificacionismo na
turalista, ou seja, da certeza de que
haveria uma adequação natural entre
a intervenção educativa e o suposto
nível psicológico da criança, implica
a forclusão do d e s e j o . Como Lacan
o assinalara no seu Seminário VII,
trata-se da marca própria da espiritu
al idade cientif icista atual , so l idár ia
com u m a m o r a l ao " s e r v i ç o dos
bens" e, portanto, antinômica a uma
"ética do desejo".
Obviamente, tanto um quanto
outro risco de fracasso educativo, ou
seja, tornar-se um i n i m i g o do pro
gresso ou um c ín i co , re levam um
problema político. Assim, neste pon
to, a ps icanál ise encontra seu pró
prio l imi te e o dever que se acaba
colocando é, simplesmente, aquele de
ag i r no mesmo n íve l p o l í t i c o do
problema, conforme observara, de
forma expressa, Maud Mannoni em
Education impossible (1973). Por si
nal, talvez, ela tenha, nesse ponto,
sabido seguir Freud, apesar de ele
ter deixado em aberto a questão por
ocasião da Lección XXXIV. De fato,
é factível que Freud tenha querido
marcar uma precavida distância das
posições de Reich, para assim prote
ger a sua cr ia tura ps icana l í t i ca do
naz i smo 2 2 . Mas, por que não pensar,
também, se, ao afirmar que "não é
missão do analítico decidir entre os
par t idos em pugna" uma vez que,
por um lado, "toda educação é par
cial" e, por outro, a psicanálise não
está nor teada por um fim parcia l ,
Freud estaria, aqui, assinalando um
limite intransponível para a psicanáli
se? (Freud, 1932a, p. 3 1 8 6 / 7 ) . Se,
porventura, assim fosse, então, chega
dos à beira do limite, seriamos obri
gados a deixar de analisar.
Antes de chegarmos às fronteiras
da psicanálise, cabe prestar um auxí
lio anal í t ico. O cumprimento desse
dever desloca sempre mais um pouco
o l i m i t e da p r ó p r i a p s i c a n á l i s e ,
como Freud demonstrou com suas
incursões além do terreno terapêuti
co. Em princípio, a expansão ao in
finito converteria à psicanálise numa
visão de mundo. Todavia, semelhante
risco só existe na medida em que o
analista venha a esquecer que, apesar
de sua insistência, nem tudo é anali-
sável neste, nosso ún i co , m u n d o .
Nesse sentido, ao menos temos que,
com a "aplicação da psicanálise" à edu
cação - consistente na tarefa de corro
ermos as ilusões (psico)pedagógicas no
interior mesmo do campo educativo
a fim de tentar sempre uma educa
ç ã o para a realidade impossível do
desejo - , o ana l i s ta depara-se com
um limite já não mais deslizante. Se
melhante situação reclama do analista
um outro engajamento para dar sus
tentação a uma verdade construída
paradoxalmente pela "apl icação" da
própria psicanálise, bem como vivi-
fica a teoria, uma vez que esta se
confronta com o seu avesso.
A p s i c a n á l i s e e s p r e i t a - s e na
fronteira com a educação e assim
ganha après coup u m l i m i t e , en
quanto o anal is ta perde tal condi
ção, por ter acabado passando dos
l i m i t e s . Porém, u m a vez l ivre do
dever de anal isar , pode tomar par
tido em nome própr io nas discus
sões educativas visando, como dizia
H a n n a A r e n d t 2 3 , co locar u m a e
outra vez o m u n d o no seu ponto
justo e dessa forma i n o c u l a r nas
c r i anças o germe do m o v i m e n t o
de tentar o impossível . •
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N O T A S
1 Versão por tuguesa , p a r c i a l m e n t e modi f i
cada , do texto p u b l i c a d o em L'Infantile,
no 1, pp. 31-48, M a r t i n M e d i a È d i t i o n s e
Un i t é de Recherche Psychonèse et Psycho¬
pa to log i e de Par is XIII, 2 0 0 1 .
2 Defesa expressa do e x e r c í c i o por pa r te
de p e d a g o g o s , r e i t e r a d a na Autobiografia
(1924 ) , bem como no Prefacio para un li
bro de A. Aichhorn ( 1 9 2 5 ) .
3 Poss íve l i m p l i c â n c i a , v i s l u m b r a d a por
F r e u d em " A n á l i s i s de la f o b i a de un
n ino de c inco a n o s " (1909 ) .
4 Em carta a Pfister de 0 9 / 0 1 / 1 9 0 9 , expri
me "Esperamos que a c h a m a que preserva
mos l a b o r i o s a m e n t e de sua e x t i n ç ã o a t i¬
çando-a em nosso ter reno, t ransformar-se-á
no vosso n u m i n c ê n d i o no qua l nós pos
samos ir buscar u m a brasa i n c a n d e s c e n t e "
( p . 4 8 ) . J á n u m a o u t r a , em 0 2 / 0 5 / 1 9 1 2 ,
declara " (...) eu estou tentado pela certeza
de g a n h a r u m n o v o c í r c u l o de l e i t o r e s
entre os pedagogos (.. .) Nossa força de ex
pansão no meio méd ico é i n f e l i zmen te es
t rei ta ; é impor t an t e que botemos um pé lá
fora onde for poss íve l " (p . 9 6 / 6 ) . C o r r e s ¬
pondence avec le pasteur Pfister, P a r i s ,
G a l l i m a r d , 1 9 9 1 . V i n t e a n o s d e p o i s , na
"Lección XXXIV", refere-se à " ap l i c ação da
p s i c a n á l i s e à p e d a g o g i a " c o m o a " a t i v i d a
de cap i ta l da a n á l i s e " (p. 3 1 8 4 ) .
5 Parece que o s u r g i m e n t o do te rmo está
a t r e l a d o à a p a r i ç ã o em 1926 - s a u d a d a
com en tus i a smo por Freud - de Zeitschrift
für psychoanalytische Pädagogik, sob a res
ponsab i l i dade ed i tor ia l de Henr ich Meng e
Ernest Schne ider . A pub l i cação encerrou-se
em 1937 devido ao avanço nazis ta .
6 Freud AntiPedagogo, Buenos Aires: Pai-
d ó s , 1982 ; L'illusion psychnalytique en
education, Paris : PUF, 1978.
7 P r o p õ e t r o c a r a " d o m i n a ç ã o ( . . . ) dos
i n s t i n t o s " pela tarefa de to rna r o " i n d i v í
duo c a p a z de c u l t u r a e s o c i a l m e n t e u t i l i
zável à cus ta de um m í n i m o de perda de
sua a t i v i d a d e " (p. 1439) .
8 Consta que Freud fez exp l ic i t amente pre
o c u p a d a s r e f e r ê n c i a s à s i t u a ç ã o c u l t u r a l
nos EUA em "El porveni r de una i l u s i ó n "
(p. 2 9 8 2 ) , "El males ta r en la c u l t u r a " (p .
3049) e em "El p roblema de la concepción
dei u n i v e r s o " (p. 3205) .
9 Freud, em "El porveni r de una i l u s i ó n " ,
refere-se à Revo lução Bo lchev ique nos ter
mos de " g r a n d e e x p e r i ê n c i a c u l t u r a l " (p .
2 9 6 4 ) , e n q u a n t o c r i t i c a a p r e t e n s ã o de
u m a " p i e d o s a A m é r i c a " de v i r a ser
God 'own country (p . 2 9 7 0 ) . E n t r e t a n t o ,
c i n c o a n o s m a i s t a r d e , em a " L e c c i ó n
XXXV" cr i t i ca de t i damen te o fato de a ex
per iênc ia bo lchev ique ter se conver t ido em
m a i s u m a v i s ã o do m u n d o .
10 A s s i m , t a m b é m , ins t a l a - se , sob os ofí
c ios de A n n a , u m a ilusão pedagógica na
o r i g e m m e s m a da p s i c a n á l i s e com c r i a n
ç a s , cu j a i m p u g n a ç ã o p r i m e i r a c o u b e a
M. Kle in .
11 Logo mais sentencia : "o desprazer con
t i n u a s endo o ú n i c o m e i o de e d u c a ç ã o " .
Ass im temos que a defesa contra a ameaça
do inev i t áve l desprazer o r g a n i z a ou educa
ps iqu icamente .
12 Uma in t e rvenção i n c a p a z de desdobra r
a metáfora pa ren ta l .
13 Por i s so F reud d e c l a r a em " M u l t i p l e
interés dei p s i c o a n á l i s i s " que a "velha afir
m a ç ã o de que a n e r v o s i d a d e era um pro
du to da c i v i l i z a ç ã o tem (apenas ) uma par
te de ve rdade" (p. 1866) .
14 Observe-se que nesta o p o r t u n i d a d e em
l u g a r de u s a r o t r e m o pedagogia, F r e u d
vale-se de educação.
15 Cf. "La i l u s t r a c i ó n s e x u a l dei n i n o " ;
"La mora l sexual cu l tu ra l y la ne rv ios idad
m o d e r n a " ; "El p o r v e n i r de u m a i l u s i ó n " .
16 Cf. a aná l i s e exaus t iva de Nelson Coe
lho J r . A Força da Realidade na Clínica
Freudiana, São P a u l o , 1995 . No e n t a n t o ,
nos d i s t a n c i a m o s no q u e d i z r e s p e i t o ao
t r a t a m e n t o da " e d u c a ç ã o para r e a l i d a d e " ,
v. pág. 103.
17 Na "Lecc ión XXXV", in op. ci t , Freud
c o l o c a n u m m e s m o p a t a m a r o l u g a r que
as o b r a s de M a r x p o s s u í a m na R ú s s i a
com a B íb l i a e o C o r ã o .
18 F r e u d v i s a v a d e s s a c r a l i z a r a m o r a l
r e l i g i o s a de sua é p o c a , ou se ja , t o r n á - l a
u m a p r o d u ç ã o l o g i c a m e n t e c o n t i n g e n t e
da h i s t ó r i a dos h o m e n s , a s s i m c o m o o
era a p r ó p r i a t r a d i ç ã o c i e n t í f i c a e, por
t an to , não p r e t e n d i a es tabe lece r uma fun
d a m e n t a ç ã o n ã o - i l u s ó r i a , n u m real e m p í
r i c o , de u m a nova m o r a l . A sua p re t en
s ã o de e m b a s a r a m o r a l n u m a e s p é c i e
de c á l c u l o r a c i o n a l ou d i á l o g o f ra te rno a
s e r v i ç o de u m a s o b r e v i d a da e s p é c i e hu
m a n a com r e l a ç ã o à " v e r d a d e p s i c o l ó g i
c a " n ã o i m p l i c a n e c e s s a r i a m e n t e a d e r i
v a ç ã o l ó g i c a de u m a m o r a l do r e a l da
c i ê n c i a c o m o se c o s t u m a p e n s a r . Cf. de
m i n h a a u t o r i a " P s i c a n á l i s e , M o d e r n i d a d e
e F r a t e r n i d a d e " . In M . R. K e h l ( o r g . )
Função Fraterna, R i o de J a n e i r o , RJ : Re
l u m e D u m a r a .
19 Na " L e c c i ó n XXI", in op . c i t . , Freud
a f i r m a que "o É d i p o é, no f u n d o , u m a
obra i m o r a l , pois s u p r i m e a r e s p o n s a b i l i
dade do h o m e m " (p. 2 3 2 9 ) .
20 A le i tura recente de Psicanálise, Judaís
mo: Ressonâncias, São P a u l o , SP: Escuta ,
1 9 8 7 , de R e n a t o M e z a n , c h a m o u n o s s a
a tenção para um c o m e n t á r i o de Freud em
u m a de suas car tas ao Pastor Pfister . Esta
n ã o t i n h a s i d o n o t a d a q u a n d o da reda
ção or ig ina l deste texto. Nessa carta de 0 9 /
1 0 / 9 8 Freud re fere-se a si m e s m o c o m o
" u m j u d e u a b s o l u t a m e n t e a t e u " . A s u t i l
a n á l i s e que Mezan r ea l i za da car ta abre a
p o s s i b i l i d a d e de r e tomar no fu turo a tese
ap resen tada neste pa rág ra fo .
21 Cf. " C o n s i d e r a c i o n e s de a c t u a l i d a d
sobre la gue r r a y la m u e r t e " . In op . c i t . ,
p. 2117 .
22 Tese sus ten tada , em p a r t i c u l a r , por M.
C i f a l i em Freud pedagogue?. Par is : InterE-
d i t ions , 1982.
23 Cf. "La cr is is de la e d u c a c i ó n " . In En
tre el pasado y el futuro. Barcelona: Penín
sula , 1996.