semeando agroecologia

69

Upload: phungdung

Post on 07-Jan-2017

228 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Projeto Cotriguau Sempre Verde

    Coordenao

    Renato farias

    Coordenao Assistente

    Camila Horiye Rodrigues

    Equipe Tcnica

    Andrs Emiliano Rodrigo Pasquis

    Camila Horiye Rodrigues

    Elisangela Sodr

    Joo Gilberto Peixoto Milanez

    Sandra Regina Gomes

    Suzanne Scaglia

    Publicao

    Organizao do contedo

    Camila Horiye Rodrigues

    Texto

    Andrs Emiliano Rodrigo Pasquis

    Camila Horiye Rodrigues

    Elisangela Sodr

    Suzanne Scaglia

    Reviso

    Daniela Torezzan

    Giselle Marques

    Fotos

    Acervo ICV

    Andrs Emiliano Rodrigo Pasquis

    Daniela Torezzan

    Projeto grfico, editorao, capa e finalizao

    To de Miranda (Teoimagem)

    Ficha catalogrfica

    Nomes dos participantes

    Adivaldo Francisco Pereira

    Angela Ferreira de Jess Oliveira

    Ccero Lopes

    Dieizi Valrio do Nascimento

    Gerci Laurindo de Oliveira

    Jaquicele Gomes de Oliveira Werner

    Jorge Belcavello Motta

    Luara Marchiori

    Maria Ferreira Miranda

    Maria Margarida de Oliveira Barbosa

    Selma Alves Vieira Guimares

    Terezinha Alves Ferreira Inhance

    Vitor Jaires Damasceno

    Atribuio-NoComercial-CompartilhaIgual CC BY-NC-SA

    Ficha catalogrfica elaborada pelo Bibliotecrio Douglas Rios (CRB1/1610)

    I59s Instituto Centro de Vida ICV. Semeando agroecologia: construo do conhecimento agroecolgico: experincias do programa de formao em agroecologia no projeto de assentamento Nova Cotriguau./ Instituto Centro de Vida. Cotriguau-MT: ICV (Instituto Centro de Vida), 2014. 72 p. ISBN 978-85-62361-08-1 1.Agricultura. 2.Agroecologia. 3.Conhecimento Agroecolgico. I.Ttulo. CDU 631 CDD 630

  • Cotriguau-MT 2014

    Semeando AgroecologiaConstruo do conhecimento agroecolgicoExperincias do Programa de Formao em Agroecologia no

    Projeto de Assentamento Nova Cotriguau

  • Apresentao

    OInstituto Centro de Vida (ICV) uma Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP), autnoma, apartidria e sem fins lucrativos, fundada em 1991, decretada de utilidade pblica em Mato Grosso pela lei estadual n 6.752/96. Nosso trabalho consiste em construir solues compartilhadas de sustentabilidade que visam conciliar a produo agropecuria e florestal com a conservao e recuperao dos sistemas naturais. Fazemos isso com base em estudos e anlises, bem como em experincias prticas no campo, sempre buscando a participao efetiva e ativa dos atores locais nesse processo. Nossa misso construir solues compartilhadas para a sustentabilidade do uso da terra e dos recursos naturais.

    O ICV iniciou os trabalhos no Projeto de Assentamento Nova Cotriguau em 2011, atravs do Cotriguau Sempre Verde (CSV), que um projeto desenvolvido por diferentes grupos da sociedade e prefeitura, com apoio do ICV e organizaes parceiras, no municpio de Cotriguau, no noroeste do Mato Grosso. O trabalho est pautado em aes que conciliem o desenvolvimento econmico da produo agropecuria, florestal e de base familiar com a contnua reduo do desmatamento e, tambm, da degradao florestal, com a preservao dos recursos naturais. Isso porque a regio noroeste do Mato Grosso representa o ltimo grande macio florestal do estado.

    As aes desenvolvidas no PA Nova Cotriguau buscam a melhoria da qualidade de vida dos agricultores (as) familiares assentados, atravs do fortalecimento da organizao comunitria, do apoio produo e comercializao. Nesse contexto, o Programa de Formao em Agroecologia tem um papel fundamental de trabalhar na construo de uma viso diferenciada sobre a produo, o uso dos recursos naturais e a convivncia com a floresta.

    Esse trabalho de sistematizao do Programa de Formao em Agroecologia visa relatar a experincia, refletir sobre as aprendizagens e os desafios encontrados.

    Esse material destinado a educadores e agricultores e agricultoras familiares que esto construindo os caminhos da agroecologia e que tambm, como ns, tm a misso de contribuir com uma agricultura familiar fortalecida, autnoma e sustentvel.

    O ICV agradece aos agricultores (as) das comunidades de Santa Clara, Ouro Verde, Nova Esperana e Novo Horizonte que participaram diretamente ou indiretamente dessa histria e que, atravs das suas prticas dirias, nos inspiram a continuar trabalhando pela promoo da agroecologia na regio!

  • Sumrio

    1. Introduo ..................................................................................9

    1.1. As contradies do atual modelo de desenvolvimento ...................... 10

    1.2. Agroecologia: outra proposta possvel ......................................... 14

    2. Por que sistematizar? ..................................................................17

    3. O programa de formao ........................................................... 19

    3.1 O caminho metodolgico ...........................................................20

    3.2. Navegando... ......................................................................... 233.2.1. A Histria da Agricultura ....................................................... 233.2.2 Construo do conceito da Agroecologia ...................................... 243.2.3 Solos .............................................................................. 253.2.4 A Sustentabilidade das Florestas ............................................... 333.2.5 Manejo Integrado de Pragas e Doenas ....................................... 363.2.6 Coleta, Seleo, Qualidade, Beneficiamento e Conservao de Sementes ........ 383.2.7 Princpios da Criao Ecolgica e da Integrao dos Sistemas de Produo ..... 403.2.8 Integrao entre Sistemas ...................................................... 423.2.9 Economia Solidria ............................................................. 473.2.10 Legislao e Cadeias de Produo Agroecolgica ........................... 523.2.11 Polticas Pblicas para Agricultura Familiar no Brasil e Agroecologia ...... 55

    4. Aspectos para reflexo: erros, acertos e aprendizados ...................... 59

    5. Referncias .............................................................................. 65Referncias bibliogrficas ............................................................. 65Filmes recomendados: .................................................................. 65

    Anexo A ........................................................................................ 66

  • 1. Introduo

    A regio noroeste do Mato Grosso formada por sete municpios: Aripuan, Rondolndia, Colniza, Juruena, Juna, Castanheira e Cotriguau, e de especial importncia para o estado por duas razes principais: a primeira que a regio uma das ltimas reas de floresta de Mato Grosso, os sistemas naturais da regio so ricos, frgeis e pouco estudados; o outro fator que chama ateno que ela est localizada na rota da expanso do desmatamento da Amaznia. Essa regio de fronteira agrcola, com extensas reas de florestas nativas, inserida no Arco de Desmatamento possui uma rea de 107.571 km (quase 12% da rea do estado), representando apenas 3% da populao estadual (em 1996), 60% dos municpios da regio noroeste de MT com populao abaixo de 15 mil habitantes, com caractersticas totalmente rurais e um ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) inferior ao do estado (0,796), e ao do pas (0,813).

    Cotriguau possui 9.460km, 78% da rea ainda com florestas. Emancipado em 1991, o municpio est dividido em trs reas de assentamentos (PA Nova Cotriguau, Cederes e Juruena), diversas propriedades privadas, uma Terra Indgena (TI Escondido) e duas Unidades de Conservao Parque Nacional do Juruena e Parque Estadual Igaraps do Juruena. Atualmente, Cotriguau est na lista do Ministrio do Meio Ambiente dos municpios da Amaznia Legal, considerados prioritrios para aes de controle e preveno do desmatamento.

    Figura 1 Mapa da cobertura do solo e estrutura fundiria de Cotriguau

    Fonte: Instituto Centro de Vida (2013).

  • Semeando Agroecologia

    10

    1.1. As contradies do atual modelo de desenvolvimento Em Cotriguau, as reas da agricultura familiar apresentam altos ndices de desmatamento e

    queimadas, principalmente, os assentamentos (no municpio, 65% das queimadas registradas em 2011 e cerca de 50% das reas de assentamento esto desmatadas). Esse cenrio resultado no somente do perfil dos agricultores que ali se instalaram, mas tambm consequncia do processo de reforma agrria, que se limita distribuio dos lotes e no oferece nenhum acompanhamento, seja no mbito da assistncia tcnica, seja na implementao de polticas pblicas destinadas a esse pblico.

    O projeto de assentamento Nova Cotriguau foi criado em 1992, com aproximadamente 100 mil hectares, a 70 km da sede do municpio. O processo migratrio e de ocupao do espao no assentamento, juntamente com caractersticas fsicas do meio levaram definio dos grandes processos de uso da terra atual. A regio sofre intensa presso de ocupao por parte de migrantes de diferentes regies do pas sendo que, atualmente, o maior fluxo imigratrio vem de Rondnia. Nas pequenas propriedades, a fora de trabalho familiar e o sistema de produo adotado, que muitas vezes inclui queimada para limpeza da rea, tem reduzida utilizao de prticas de manejo do solo e outras tecnologias. comum se deparar com a tradicional forma de uso do solo, com extrao de madeira, seguida pela roa e queima para abertura de reas agrcolas e de pastagens. Depois de um curto perodo de tempo, a pecuria entra em fase de abandono ou registra baixssima lotao animal. O agropecuarista do noroeste de Mato Grosso pratica agricultura apenas para o consumo, com pouqussimo excedente para comercializao.

    Atualmente, muitos deles esto migrando da agricultura para pecuria e, com isso, derrubando reas florestais para abrir pastagens e vendendo madeira para empresas da regio. Essas prticas associadas aos movimentos migratrios espontneos em busca de terra para caf esto dominando a paisagem das comunidades. A principal caracterstica a expanso da pecuria para os limites mximos possveis da rea disponvel. Esse tipo o que apresenta o maior percentual de rea desmatada, com 91% dos lotes com mais de 50% desmatados.

    S

  • 1. Introduo

    11

    Um dos principais desafios transformar essas formas atuais de produo para outras maneiras de produzir, que no s conciliem o uso eficiente e sustentvel

    dos recursos naturais, mantendo o equilbrio ambiental, mas tambm gerem renda e segurana alimentar para as famlias agricultoras.

    Outro fator referente ao processo de ocupao, em alguns casos, consiste apenas em aumentar o valor da terra, utilizando como insumo a mo de obra familiar. O processo comea com a chegada em terras de pouco valor comercial, geralmente sem infraestrutura e totalmente coberta por florestas. Em seguida, converte-se a floresta para agricultura e, posteriormente, em pastagens. A madeira vendida como forma de melhoria do acesso para abertura de estradas. Depois desse processo ocorre a migrao para outra regio que apresente a mesma caracterstica.

    H duas graves consequncias do processo de invaso da pecuria nas propriedades familiares, principalmente a de corte. Como a atividade no exige complexas organizaes para seu sucesso, visto que a rede de compradores e de fornecedores bem estabelecida (e muitas vezes monopolizada), observa-se a reduo da importncia das organizaes comunitrias. Outro fator que leva a essa desmobilizao a questo da concentrao fundiria, visto que parte dos proprietrios no residem ou no tem uma vida comunitria local. Desse modo, as organizaes passam a ser vistas como importantes somente para resolverem problemas fundirios e de regularizao ambiental, no produtivo.

    Muitas pessoas e movimentos lutaram para obter estas terras nas quais vivemos. Ento, triste ver como algumas pessoas derrubam tudo, alugam seus lotes s para colocar uma fazenda de novo. No foi para isso que recebemos essas terras, mas para famlias da pequena agricultura familiar que possam viver com dignidade. No para encher de gado e se tornar uma produo minifundiria, mas para lutar pela agricultura familiar. E a gente tem que falar disso, e lutar por isso.

    Agricultor familiar do assentamento referindo-se ao

    processo de pecuarizao no PA Nova Cotriguau

    S

  • Semeando Agroecologia

    12

    Com isso, os jovens tm sado para outros locais em busca de emprego, visto que atividades agropecurias possuem baixa taxa interna de retorno, no possibilitam o padro de consumo desejado e empregam pouca mo de obra. Com isso, o cenrio de concentrao fundiria com predominncia de pecuria torna-se bastante favorvel.

    Embora existam lotes nos quais possvel encontrar sistemas diversificados, raros so aqueles em que so empregados o uso intensivo de mo de obra. A produo leiteira, que exige mais concentrao de mo de obra, e possui mais liquidez, muitas vezes convertida para corte, pois o preo pago pelo litro de leite na regio irrisrio (de R$ 0,50 a R$0,55) e a infraestrutura para manter a atividade extremamente precria. Alm disso, a venda de bezerros machos, que poderia representar uma renda complementar atividade, tem baixo valor no mercado, pois so bezerros cruzados, ou seja, sem qualidade para engorda e corte.

    Como rochas, quem foi forte permaneceu, resistiu apesar das dificuldades. Vi gente que lutou tantos anos e quando estava melhorando desistiu, no aguentou. Quando vieram me vender eu disse: seu suor, sua luta de cinco anos vale dois mil reais? Alm disso, eu vim pra somar e no pra dividir. Se eu compro de voc, voc vai embora e de nada adianta

    Agricultor Familiar do PA Nova Cotriguau se referindo ao processo de

    migrao no qual comum a venda do investimento feito em um lote

    Existe tambm uma carncia generalizada quando se trata de assessoria tcnica: os profissionais e recursos so quase inexistentes no municpio. Quando h, limita-se a reproduzir os modelos convencionais de produo que levam ao desmatamento, dependncia dos produtos agropecurios e, por conseguinte, a degradao do solo e ao fomento da pecuria. Nas escolas rurais, a educao descontextualizada da realidade. Crianas e jovens do campo aprendem e se educam para viver na cidade, entendendo a vida rural como um retrocesso.

    Mudar esse cenrio requer propostas que valorizem e consolidem cadeias produtivas sustentveis (agroecolgicas e extrativistas), que auxiliem no manejo coletivo de recursos naturais e, ao mesmo tempo, promovam a autonomia das unidades familiares e das organizaes comunitrias.

    S

  • 1. Introduo

    13

    Essas estratgias precisam considerar objetivamente a presena da floresta, os cuidados requeridos para sua conservao, alm das possibilidades de aproveitamento econmico dos produtos associados biodiversidade.

    A verdadeira mudana se constri em cada local. Para isso necessrio que as pessoas entendam a prpria realidade e estejam motivadas a transform-la. O ICV trabalha atravs dos princpios da educao popular que valoriza os saberes tradicionais do povo e as realidades culturais na construo de novos saberes. Essa educao implica o desenvolvimento de um olhar crtico no estmulo ao dilogo, na participao comunitria, possibilitando uma melhor leitura de realidade social, poltica e econmica. Ao cruzar as fronteiras da escola, a educao popular busca o resgate da cidadania, assim como busca a necessidade de incluso em todos os sentidos.

    Em Cotriguau, o ICV assessora quatro comunidades do PA Nova Cotriguau: Ouro Verde, Nova Esperana, Santa Clara e Novo Horizonte. So sete grupos comunitrios, dentre eles, quatro grupos de mulheres rurais, as quais recebem apoio para o processo de organizao social, nas atividades produtivas (leite, cultivos perenes, hortifrutigranjeiro), no beneficiamento da produo e na comercializao. Todo o trabalho realizado a partir de uma viso da sustentabilidade ambiental (uso adequado dos recursos naturais), da autonomia e fortalecimento da agricultura familiar, da gerao de renda e da segurana alimentar. O ICV tambm trabalha junto com parceiros do municpio, buscando contribuir em outros espaos e para encontrar sinergias que fortaleam essas aes.

    Eu trouxe uma pedra. Eu no cheguei aqui na infncia, mas cheguei muito jovem, h 14 anos atrs. E era muito difcil, essas dificuldades, que so as pedras, ajudam a gente a ser forte e persistir. As pedras ensinam a gente a ser mais bondoso

    Jaquicele, utilizando uma pedra para representar sua chegada ao

    PA Nova Cotriguau, durante uma dinmica realizada.

    S

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Povo

  • Semeando Agroecologia

    141.2. Agroecologia: outra proposta possvel

    A Agroecologia vem sendo construda no dia a dia das atividades junto aos grupos e nas discusses sobre o desenvolvimento rural comunitrio em Cotriguau. E assim, tambm, que entendemos a Agroecologia: um conceito que se constri com os grupos atravs de suas prticas dirias!

    Esta prtica sustentvel oferece princpios e tcnicas para uma agricultura orgnica, que produza alimentos de alta qualidade, mantendo a produtividade da terra, com respeito a natureza, ampliando a diversidade de produtos para o consumo da famlia e para a venda. E, para isso, a Agroecologia mistura os saberes populares com os saberes cientficos.

    Cada etapa que vai se realizando, as pessoas esto mais confiantes, porque vocs (ICV) no esto aqui como professores, mas esto aqui para aprender e ensinar, e ns tambm. s vezes as pessoas podem saber muita coisa na teoria e na prtica no tm tanto conhecimento.

    E, assim, ns temos muito conhecimento na prtica, mas na teoria preciso aprofundar mais. por isso que essa forma de conversa muito boa para quem est aprendendo e ensinando e vice-versa

    Jaquicele

    S

  • 1. Introduo

    15

    Mas no apenas isso!

    A Agroecologia tambm visa uma economia justa e solidria. Isso significa solidariedade e, tambm, unio entre as famlias agricultoras, a cooperao, o beneficiamento local da produo, a criao de um mercado local forte, o preo justo, a venda direta e, principalmente, a participao ativa dos (as) agricultores (as) em todo o processo. A Agroecologia tambm valoriza o modo de vida dos (as) agricultores (as), o protagonismo da juventude e da mulher.

    A agroecologia olha para a produo, para a natureza e para as pessoas. O resultado disso so as famlias agricultoras mais autnomas, menos dependentes dos insumos, das lojas, do mercado, da assistncia tcnica e, consequentemente, com mais renda e qualidade de vida.

    Quando a gente produz, temos que fazer com qualidade, com um bom acompanhamento, porque se faz bem para minha sade, vai

    fazer bem para algum l fora e melhorar nosso comrcio.

    Sr. Dezi

    S

  • 2. Por que sistematizar?

    A sistematizao uma forma de observar criticamente o que foi vivido e experimentado. um processo que procura organizar as informaes de um determinado projeto, analis-las de forma minuciosa, aprender lies a partir delas. O objetivo principal de um processo de sistematizao a produo de um novo conhecimento. importante documentar e sistematizar essas prticas e atividades para poder utilizar as lies extradas na melhoria de nossas prprias iniciativas. Esse processo nos ajuda a valorizar os aspectos positivos da experincia, assim como prestar ateno em outros que podem ser aperfeioados.

    A sistematizao nos ajudar a produzir novos conhecimentos para melhorar nossas prticas, nossas aes ou nossos projetos e resultados!

    Os resultados, quando compartilhados, so fontes inspiradoras para outros grupos ou instituies que atuam com projetos similares. A sistematizao de experincias tem se estabelecido como uma atividade fundamental para o aprendizado coletivo de instituies, redes e movimentos sociais promotores da agroecologia. Os resultados de nossas experincias podem ser escritos e publicados e, assim, aumenta-se a possibilidade de compartilhar as informaes para que outros conheam nosso trabalho e tambm aprendam com nossas lies.

    Durante o processo de sistematizao, reunimos o maior nmero possvel de informaes; utilizamos toda a documentao disponvel do projeto (como os relatrios, vdeos e outros documentos), assim como as experincias e os depoimentos das pessoas que participaram do projeto e, tambm, daquelas que foram afetadas por ele. Como resultado desse trabalho, criamos essa cartilha, cuja abordagem est voltada para o processo de aprendizagem, que poder inspirar outros educadores e lideranas comunitrias na realizao de outros programas ou projetos educativos. O material tambm serve para divulgar boas experincias que vm acontecendo nas comunidades, podendo ser vivenciadas em outros locais se houver vontade e mobilizao para tal. No tivemos a pretenso de trazer a totalidade de contedos e resultados advindos da experincia.Nos atemos ao processo de construo do conhecimento em torno da agroecologia e procuramos destacar algumas ferramentas e contedos que, durante o processo de formao, chamaram mais a nossa ateno e dos agricultores (as).

  • Andr

    s P

    asqu

    is

  • 3. O programa de formao

    O Programa de Formao em Agroecologia foi realizado no Projeto de Assentamento Nova Cotriguau, municpio de Cotriguau, Mato Grosso. A formao foi dirigida aos agricultores e agricultoras do assentamento, como forma de atender a diversas demandas relacionadas principalmente assessoria dos sistemas de produo no assentamento. Essas demandas esto descritas no Diagnstico Social, Econmico e Ambiental e Planejamento Participativo (http://www.icv.org.br/site/wp-content/uploads/2013/08/29132cartilha_cotriguacu.pdf), documento que reuniu os planejamentos estratgicos dos grupos comunitrios que o ICV assessora.

    Ns j estvamos trabalhando com as meninas antes e a ideia do curso surgiu porque todas essas etapas, todos esses aprendizados falam na verdade da nossa vida, da nossa realidade, da agricultura, do que plantamos. A ideia surgiu por isso, pelo meio em que ns vivemos

    Jaquicele

    O programa teve trs principais objetivos: repassar os fundamentos da agroecologia, incentivar a adoo de prticas agroecolgicas e possibilitar a formao de um grupo de agricultores experimentadores. Dessa forma, a formao buscou criar capacidades locais para uma mudana no atual padro de uso dos recursos naturais (solo, gua, plantas), baseados apenas na explorao at o esgotamento desses recursos. Esses objetivos esto alinhados com a misso do prprio ICV, de construir com os atores sociais solues compartilhadas para a sustentabilidade do uso da terra e dos recursos naturais.

    O programa teve durao de sete meses, com quatro mdulos presenciais (totalizando 64 horas) realizados nos meses de setembro e novembro de 2013, fevereiro e abril de 2014.

    Eu, com meu irmo, meu marido, participvamos de movimentos sociais, e a gente viajava bastante: Porto Velho, Cacoal, Colniza... Eu gostava de participar e aprender, e quero ainda aprender mais

    do que aprendi, por isso este curso muito importante.

    Terezinha

    http://www.icv.org.br/site/wp-content/uploads/2013/08/29132cartilha_cotriguacu.pdfhttp://www.icv.org.br/site/wp-content/uploads/2013/08/29132cartilha_cotriguacu.pdf

  • Semeando Agroecologia

    203.1 O caminho metodolgico

    Como descrito anteriormente, adotamos como premissa os princpios da Educao Popular: aprender a partir do conhecimento do sujeito e ensinar a partir de palavras e temas do cotidiano dos agricultores, reconhecendo a importncia do saber popular e o saber cientfico. A educao vista como ato de conhecimento e transformao social, tendo um certo cunho poltico. A educao popular pode ser aplicada em qualquer contexto, mas as aplicaes mais comuns ocorrem em assentamentos rurais, em instituies socioeducativas, em aldeias indgenas e no ensino de jovens e adultos.

    Partindo disso, o programa foi planejado com enfoque em quatro grandes eixos pelos quais percorremos a agroecologia: Recursos Naturais, Sistemas de Produo Agroecolgica, Gesto de Agroecossistemas e Organizao Social. Havia tambm temas transversais como segurana e soberania alimentar, assessoria tcnica, gnero e juventude, sade, assentamentos e Amaznia que vieram tona, tanto pelos agricultores como pelos educadores durante todos os mdulos, politizando os contedos e trazendo para a realidade local.

    Temos que aprender a valorizar o que temos, o nosso potencial Sr. Dezi

    Eu participei do MST, que lutou em prol das pessoas que no tinham e precisavam de terra para produzir para si prprio. Este trabalho do ICV, este curso de agroecologia, tem uma ligao muito forte com esses movimentos, pois no final das contas uma busca pela vida digna e o bem estar de cada um.

    Sr. Gerci

    A proposta do programa foi de apresentar quatro mdulos presenciais que ocorreram em momentos coletivos com durao de dois dias cada um, alternando a teoria com a prtica e a experimentao. Para cada mdulo, trabalhamos contedos centrais que eram adequados s expectativas dos educandos.

    Com relao s expectativas, por parte dos homens, as grandes preocupaes foram a correo e a compreenso do solo, para poder plantar as espcies adequadas. As mulheres estavam, por sua vez, interessadas em conhecer, plantar e produzir mais espcies. Os participantes do curso tambm colocaram o quanto era importante sair um pouco da rotina: encontrar-se com outras pessoas para conhecer lugares,

    compartilhar experincias, histrias, pontos de vista, alm da motivao de aprender cada vez mais.

    Queremos poder cuidar do solo para cultivar outros produtos que sonhamos, como cacau ou seringa.

    Adivaldo

    A gente j tem um cultivo, mas se conseguimos aprender e variar, poderemos ter mais produtos e mais

    independncia para viver.

    D. Maria Parteira

    S

  • 3. O programa de formao

    21Os mdulos presenciais foram realizados em propriedades e comunidades diferentes para

    que pudssemos promover o intercmbio entre os agricultores. Foram momentos valiosos. Uma oportunidade de conhecer o outro e de inspirar novas ideias ao grupo.

    Uma coisa de muito valor que aprendi que sempre tem algum querendo nos acolher! Foi na minha casa, na casa do Seu Adivaldo, agora na casa da dona Maria, na da sua filha. s vezes moramos to perto e parece que estamos to longe, porque no tiramos momento para falar e compartilhar o que aprendemos, o que sabemos, e acaba dominando o individualismo, e isso no bom para ns. Estar com as pessoas, ser acolhido, acolher, a melhor coisa que est acontecendo nestes momentos.

    Jaquicele

    A gente tem o exemplo da Dona Maria, mas agora no vamos s copiar dela, vamos ser mais criativos, vamos inovar, buscar mais coisas! Porque a essa corrente vai ajudar os outros, e vo querer repetir, e quem sabe vo inovar ainda mais!

    Sr. Gerci

    As atividades prticas realizadas durante os mdulos buscavam facilitar a aplicao das aprendizagens nas propriedades. Durante o perodo entre mdulos, os agricultores tinham a oportunidade de realizar experincias e ter assessoria atravs das visitas dos tcnicos envolvidos na capacitao.

    Aprendi que num pedacinho de terra s, d para plantar muita coisa para se sustentar. E vou tentar seguir nisso o exemplo de Dona Maria.

    Terezinha

    O diagrama abaixo mostra o percurso da Formao em Agroecologia:

    Figura 2 Percurso da formao em Agroecologia

    Nota: construo dos autores.

    Colheita das expectativas dos agricultores e construo da idia geral do programa pela equipe

    Apresentao da proposta para as organizaes de base, mobilizao e convite participao

    Construo do contedo do primeiro mdulo e das ferramentas pedaggicas

    Mdulo presencial: apresentao do contedos e acordos, teoria, prtica, intercambio entre os agricultores

    Avaliao e encaminhamen-tos para o perodo entre mdulos e para o mdulo seguinte

    Perodo entre mdulos: aplicao das aprendizagens com assessoria

    Construo do contedo e ferramentas pedaggicas do modulo seguinte

    Avaliao final do Programa e encaminhamen-tos do grupo de experimen-tadores

    ...

    S

  • Semeando Agroecologia

    22Cada mdulo presencial iniciava-se com um resgate do mdulo anterior (com entrega do relatrio), com

    o compartilhamento das experincias entre os mdulos e com a entrega da apostila do mdulo em curso.

    Em todos os espaos, buscamos favorecer, ao mximo, o conhecimento pessoal de cada um, estimular a criatividade, a participao e criar um ambiente descontrado. Para tanto, a linguagem adequada, as diferentes ferramentas pedaggicas utilizadas (audiovisual, msicas, dinmicas, apresentaes tericas, rodas de conversa, exerccios prticos, desenhos, teatralizao) exercitaram o ouvir, o sentir, o fazer, o olhar e o criar.

    O programa tambm respeitou o ritmo e tempo dos agricultores, sendo realizado aos finais de semana, com as datas definidas pelo prprio grupo, e com alimentao agroecolgica e local!

    Com relao seleo dos participantes, a proposta do Programa foi apresentada aos agricultores, organizados atravs de associaes/grupos informais que tinham a liberdade de fazer a inscrio. Dentre os critrios para participao no curso, estabelecemos:

    1. A turma seria uma s;

    2. O agricultor e a agricultora deveriam participar dos quatro mdulos;

    3. Cada grupo deveria conter representantes das quatro comunidades;

    4. Haveria participao equilibrada de homens, mulheres e jovens;

    5. Todos teriam que repassar a aprendizagem a outras pessoas.

    A partir disso, no houve necessidade de fazermos uma seleo. Os critrios garantiram o nmero adequado de participantes: at 25 agricultores.

    Abaixo o diagrama com os objetivos principais dos mdulos presenciais:

    Figura 3 Objetivos dos mdulos presenciais

    Mdulo 1

    Mdulo 2

    Mdulo 3

    Mdulo 4

    Introduzir a agroecologia Passar fatos marcantes da histria da agricultura como a modernizao, a revoluo verde,

    a organizao do campesinato e o surgimento da agroecologia Construir conceitos de agroecologia de forma participativa com os agricultores Entender o trip gua-solo-planta: as relaes que ligam os trs e a noo de agroecossistema Entender a formao, composio dos solos tropicais e as prticas de manejo e conservao do solo, inclusive a importncia

    da matria orgnica e da vida do solo, e os fatores de degradao como o fogo, uso de agrotxicos e eroso.

    Entender as dinmicas de sucesso natural, os consrcios e a otimizao de ocupao dos espaos vazios Conhecer as interaes positivas e as plantas companheiras Debater a importncia, origem e o resgate da agrobiodiversidade e sementes crioulas: domesticao dos principais cultivos e

    melhoramento, perigos dos hbridos e da transgenia Fazer uma prtica de sementes: levantamento, coleta, tcnicas de conservao, banco de sementes comunitrio Discutir as prticas de plantio e realizar o planejamento e a implantao de um canteiro agroflorestal Resgatar prticas tradicionais e sabedoria popular (feira de trocas) Conhecer o controle biolgico e o manejo integrado de pragas: princpios e prtica (fabricao e aplicao de alguns defensivos naturais)

    Entender integrao animais x agricultura Realizar o zoneamento da propriedade Montar e analisar o fluxograma do sistema de produo familiar (energia, biomassa, recursos, capital) Conhecer ferramentas de administrao e noes de economia rural para agricultura familiar Debater a importncia do planejamento e a valorizao da mo de obra familiar (e gnero)

    Conhecer as redes e os movimentos sociais voltados para Agroecologia e resgatar a participao da cada um neles Discutir as polticas pblicas de Agroecologia e a importncia da participao e do controle social Entender os princpios da economia solidria e apresentar experincias de grupos de produtores agroecolgicos Apresentar o quadro legal sobre produo, transformao e comercializao agroecolgicas. Entender processos de transio e

    certificao Entender as ligaes entre Agroecologia, sade, segurana e soberania alimentar e organizao social Avaliar a formao com os participantes e construir encaminhamentos Entregar os certificados aos formandos e realizar uma comemorao

    Nota: construo dos autores.

    S

  • 3. O programa de formao

    233.2. Navegando...

    3.2.1. A Histria da Agricultura

    O ICV deixou coisa muito boa para a gente e aprendemos a histria da agricultura desde seu comeo, sua importncia e a ameaa que ela, se for mal feita, tem sobre as florestas.

    Sr. Dezi

    A proposta de iniciar o curso de formao com a histria da agricultura foi desconstruir a ideia de que a agricultura sempre foi assim e sempre ser, analisar de forma crtica como e por que os pacotes tecnolgicos foram criados, alm de entender as consequncias da escolha sobre os modos de produo e, sobretudo, a fim de despertar e sensibilizar para outra forma de fazer: aquela que resgata prticas do passado e as associa com os conhecimentos e tecnologias adquiridos nos ltimos anos.

    Todos os espaos tericos foram realizados utilizando-se a apresentao dialogada, na qual o facilitador pergunta, expe e recebe contribuies do grupo para formao de uma imagem consensuada. Iniciamos desde o perodo pr-histrico, passando pela inveno da agricultura e pela domesticao das espcies. Em seguida, trabalhamos o descobrimento do Brasil e a agricultura de explorao, a modernizao, a revoluo verde, dados atuais sobre utilizao de insumos qumicos, agrotxicos e transgnicos. Essa conversa relembrou aspectos do passado, evidenciou contradies do presente e consequncias do modelo adotado.

    Partimos, ento, para uma viso mais holstica sobre produtividade, agroecossistemas e equilbrio (teoria da trofobiose).

    S

  • Semeando Agroecologia

    243.2.2 Construo do conceito da Agroecologia

    Como dito anteriormente, a Agroecologia construda em cada local, a partir da prtica dos agricultores. Para o grupo do Programa de Formao, a reflexo sobre a pergunta O que a agroecologia? gerou um painel que foi organizado em quatro grandes eixos, como mostramos a seguir:

    AMBIENTAL TCNICO

    - Preservar o meio ambiente

    - gua e rios conservados

    - Conscientizao ambiental

    - Aumentar a fertilidade dos solos

    - Conhecer o seu ambiente e reconhecer suas potencialidades e fragilidades

    - Cuidado com os animais, com a vida

    - Mais sustentabilidade para o futuro

    - Menos impacto no clima

    - Cincia

    - Plantios consorciados e Sistemas Agroflorestais

    - Adubao orgnica

    - Controle biolgico de pragas

    - Respeitar a vida, no usar agrotxico

    - Sem veneno e sem fogo

    - Resgate e troca de sementes de variedades crioulas mais adaptadas

    - Uso de tecnologias adequadas

    - Uso da biodiversidade

    - Abelhas

    PRODUTIVO TRANSFORMAO SOCIAL

    - Produzir de tudo

    - Preferir qualidade quantidade

    - Produzir alimentos

    - Troca de experincia entre produtores e experimentao

    - Beneficiar e agregar valor produo

    - Valorizao da mo de obra familiar

    - Comercializao atravs de cooperativa e venda direta em feiras locais

    - Economia solidria

    - Unio

    - Agricultura familiar

    - Sade

    - Mais autonomia e Organizao

    - Associativismo

    - Incidncia sobre e acesso a polticas pblicas

    - Mutiro, troca de servios e trabalho coletivos

    - Solidariedade e valorizao da comunidade

    - Incluso e participao da Juventude

    - Educao e valorizao do conhecimento popular

    - Acesso a terra e meios de produo

    - Mais criatividade e desenho de solues locais

    Nota: construo coletiva.

    Essa atividade demonstrou as diferentes esferas que significam a agroecologia para as comunidades do PA Nova Cotriguau e suas inter-relaes.

    O trabalho pode ser feito por todos, mulher ou homem, igual para todos... Na verdade, descobri que a agroecologia vai muito alm de no mexer com agrotxicos e usar alternativas, naturais. um trabalho de todos, para o bem de todos.

    Angela

    A agroecologia no s preservar, mas um trabalho solidrio, todos juntos.

    Terezinha

    S

  • 3. O programa de formao

    253.2.3 Solos

    A partir de uma apresentao dialogada, foram discutidos com os participantes os principais pontos seguintes:

    A importncia do solo;

    O que um bom solo? Como a gente reconhece um solo frtil?

    A pedognese: a formao, os horizontes e as especificidades dos solos tropicais;

    A textura e a estrutura do solo;

    A importncia e ciclo da matria orgnica no solo;

    O solo como organismo vivo: a vida do solo;

    A qumica do solo: o pH e a disponibilizao dos nutrientes para as plantas

    Vale a pena ressaltar que, para os agricultores, a importncia do solo vai alm dos aspectos tcnicos. Tem um forte significado social, ligado s relaes com os outros, s expectativas de vida e ao bem estar de cada um.

    Dinmica: A Teia da VidaTodos os participantes receberam uma tarjeta

    com o nome de um elemento do sistema com qual eles se identificaram: gua, rio, peixe, famlia, sade, alimento,

    minhoca, solo frtil, associao de agricultores, renda, pasto, floresta, galinha, sementes de qualidade, gado, leite, etc.

    Depois, numa roda, eles ligaram os elementos entre si, jogando um barbante para visualizar a relao que existe entre, por exemplo: floresta - solo frtil - minhoca

    galinha - alimento - famlia - sade, etc. Logo, teceram uma teia muito densa e ficou claro que a teia da vida liga todos os elementos atravs de vrios caminhos interligando tudo. Foi observado que a teia bem resistente e foi explicado que isso um fator de resilincia do sistema, ou seja, que fica mais fcil recuperar-se depois de uma perturbao porque os elementos nunca ficam totalmente desconectados um dos outros. Os participantes comentaram ainda que tinham uns ns no sistema por onde passam mais barbantes, como os elementos de renda, da associao, famlia, gua, entre outros.

    Enfim, chegaram a trs elementos perturbadores: o fogo, os agrotxicos e os transgnicos que viram romper as ligaes, cortando os barbantes com tesoura onde provocam mais danos e explicando como se d a destruio da teia: por exemplo, o fogo rompeu a ligao entre solo frtil floresta - minhoca, ou ainda, sade - famlia e gua boa; os transgnicos desestruturam as relaes entre famlias sementes de qualidade - associao - renda e

    alimentos, e os agrotxicos atacaram tambm o sistema de forma geral: rio, sade, renda, solo frtil, minhocas, etc.

    Em pouco tempo, a teia ficou totalmente destruda, ao ponto que os elementos se encontravam soltos e a resilincia do sistema

    foi perdida. Os participantes comentaram que a vida resistente, porm, quando a perturbao forte

    demais, o processo de degradao torna-se inevitvel e o sistema fica desestruturado.

    S

  • Semeando Agroecologia

    26

    Voc conhece a TERRA PRETA DE NDIO - TPI?

    As Terras Pretas de ndio (TPI) so stios arqueolgicos encontrados principalmente na Amaznia (dados de pesquisas recentes indicam, tambm, a existncia de Terras Pretas no Mxico e na frica). Na Amaznia, esses solos tm sua origem relacionada a povos ancestrais pr-colombianos. Os TPIs so caracterizados pelo grande acmulo de matria orgnica, pois, apresentam grande disponibilidade de nutrientes como clcio, magnsio, zinco, mangans, fsforo e carbono e, por isso, so considerados entre os solos mais frteis do mundo, alm de conservarem a fertilidade por longo tempo.

    O mdulo dois foi realizado em uma propriedade que apresentava manchas da TPI! Foi um momento rico de troca, por meio do qual o agricultor explicou para todos a histria da famlia e a viso que tem em relao ao futuro e aos planos de produo. Neste momento, tivemos a oportunidade de debater sobre variedades agrcolas e de admirar a qualidade desse solo muito frtil, que continha tambm um grande nmero de cacos de potes de cermica.

    3.2.3.1 Observao de AgroecossistemasOs participantes foram divididos em trs grupos com a ideia de observarem os elementos do

    ambiente de trs agroecossistemas da propriedade: floresta (APP na beira do rio), pomar e pasto. Pediu-se que os grupos trouxessem amostras e uma lista de perguntas foi passada para guiar a observao de cada grupo:

    Que lugar esse?

    Que plantas tem? Elas esto bem?

    Qual diversidade de espcies que se pode contar em um quadrado de 2mx2m?

    Observar o perfil do solo: Que tipo de solo ? Olhem a cor, o cheiro.

    H muita matria orgnica? O solo duro? mido? Como esto as razes? Tem vida no solo?

    Qual o clima do lugar? Tem gua no lugar?

    Tem animais? Tem insetos?

    O que se produz no lugar? Colheita, animais, etc.

    Tem sinal de interveno ou de manejo do solo? Pode observar degradao? O que poderia ser feito para melhorar?

    Na volta do campo, cada grupo apresentou as observaes e os resultados foram sistematizados em um quadro comparativo:

    S

  • 3. O programa de formao

    27Quadro 1 Observaes sobre a floresta (APP na beira do rio), o pomar e o pasto

    MATA APP POMAR /ROADO PASTO

    PlantasVrios estratos de plantas

    Frutferas e plantas nativasVrios estratos

    Infelizes, sofridasCapim descontnuo, com manchas sem plantas

    Diversidade 24 espcies em 4 m 18 espcies em 4 m 6 espcies em 4 m

    Matria Orgnica

    Cobertura do solo boa6 cm de terra frtil escura

    Boa serapilheiraAt 10 cm de terra frtil

    pouca protena, pouco estercoSolo descoberto2 cm de terra frtil

    Vida no soloBastantes sementes e insetos

    InsetosMuitas razes

    Cupim Poucas razesPouca vida

    Tipo de SoloVermelho PretoDuro com razes

    Terra fofa e cheirosaTerra vermelha, mais arenosa e duraCompactada

    Clima Fresco, agradvel Bom Quente e Seco

    AguaRio com gua boa, solo mido

    Pouca guaFalta guagua escorre pelo lugar, vai embora no declive

    Produo No hColheita de frutos, caf e galinhas caipiras

    Capim e leite

    Sinais de degradao

    Entrada do gado para beber gua

    No

    Compactao do soloEroso Solo com estrutura que forma torres

    Proposta de Manejo

    Isolar a APPPreservar a mata

    No foi gradeado

    Para melhorar, pode-se pensar em:- Retirar o gado da rea e deixar a terra descansar, no mnimo, por seis meses;- Trabalho da terra para descompactar, usar curvas de nveis para facilitar a penetrao da gua na terra e acabar com a eroso;- Correo com calcrio;- Adubao e plantio de leguminosas para adubao verde e cobertura do solo;- Implantar um sistema silvopastoril, plantando mais rvores para ter sombra para o gado

    Nota: construo coletiva.

    S

  • Semeando Agroecologia

    28No meu sentido o que ficou mais marcante naquele trabalho que a terra transfere pra ns

    sempre uma boa coisa, mas requer de ns uma mnima coisa e ns no devolvemos pra ela que a cobertura do solo. A mata ganhou de todos por qu? Por causa da cobertura, porque era a mesma terra. Por exemplo, atravs do fogo a gente destri ns mesmos, destri a natureza e se destruindo a si prprio, ofendido de no usar um pouco da inteligncia.

    Sr. Dezi

    3.2.3.2 Laboratrio de SoloOs grupos montaram amostras de solo sobre folhas de papel branco para serem apresentadas e

    comparadas:

    Anlise sensorial: os participantes olharam, tocaram, cheiraram e at escutaram as diferentes amostras de solo;

    Teste com gua oxigenada para ver a presena de matria orgnica;

    Medio do pH, com um pHmetro eletrnico;

    Leitura da textura do solo: colocou-se o solo de floresta e de pasto cada um em um vidro com gua, agitou-se de forma a quebrar a estrutura dos solos e por fim, deixou-se para as partculas sedimentarem durante a noite. Tambm fez-se o teste de um charutinho com a terra (presena de argilas) e de escutar o solo entre os dedos (presena de areia).

    Resultados:

    Quadro 2

    MATA APP POMAR /ROADO PASTO

    Anlise sensorial

    Cor mais escura,

    Solo mais fofo e com aglomerados redondos

    Cheiro bom

    Cor escura,

    Solo mais fofo e com aglomerados redondos

    Cheiro bom

    Cor mais vermelha,

    Solo duro e com aspecto mais quadrado, superfcies de corte lisas, parecendo tijolo

    Sem cheiro

    Teste com gua oxigenada

    Muita efervescncia

    = presena de muita matria orgnica

    Boa efervescncia

    = presena de bastante matria orgnica

    Pouca efervescncia

    = presena de pouca matria orgnica

    pH 5,5 5,2

    4,7O solo do pasto est com um pH mais baixo em relao ao solo da floresta e do pomar, mostrando uma acidificao

    Nota: construo coletiva.

    Com o trabalho, os agricultores concluram que, alm de serem agricultores, os participantes esto se tornando pesquisadores e experimentadores, aprendendo, observando e reconhecendo os ensinamentos da natureza.

    S

  • 3. O programa de formao

    29Nota-se, tambm, um grande sentimento de orgulho. Em primeiro lugar, por estarem adquirindo

    novos conhecimentos, em segundo lugar, por serem capazes de transmitir o aprendizado para outras pessoas. Eles se sentem mais valorizados agora.

    Alm do que a gente aprende, aprendemos a nos conhecer e trocamos experincias! muito bom estar conhecendo mais pessoas e suas vidas!

    D. Nenm

    Mos na massa: Produzindo e colhendo Micro-organismos Eficientes (EM)

    Quinze dias antes do mdulo, na propriedade do agricultor Adivaldo, na comunidade Novo Horizonte, foi escolhido um local na mata virgem que tivesse bastante matria orgnica no solo para colocar a isca (arroz branco cozido sem sal nem temperos, protegido em um saco de estopa). A isca colocada no solo e coberta com material vegetal.

    Durante o mdulo, o grupo se dirigiu a floresta do stio para recolher a isca. Foram escolhidas as partes do material com manchas mais claras (brancas, amarelas e laranjadas), descartando as partes escuras (fungos no to benficos para a experincia em questo), e foram repartidas em trs garrafas PET, misturando e batendo com gua filtrada no tratada e com melado de cana, para ativar e multiplicar o EM. As garrafas com as mudas foram rotuladas com a data da captura e deveriam ser mantidas em um lugar ao abrigo da luz e do calor, lembrando-se de abrir a garrafa de dois em dois dias para o gs, produzido pelo EM, poder sair.

    O EM serve como ativador de composto, aumentando a velocidade de decomposio da matria orgnica; para recuperar a vida do solo degradado; para favorecer a ciclagem de nutrientes e tambm funciona como defensivo natural em plantas com doenas fngicas e bacterianas. Outra utilizao interessante a eficincia no combate ao mau cheiro e tratamento de efluentes da criao animal, como chiqueiro e curral.

    Depois de pronto, deve ser diludo e pulverizado sobre plantas, solo e mudas. Lembrando que um material vivo e que a bomba pulverizadora no pode ter sido utilizada por veneno de qualquer natureza.

    S

  • Semeando Agroecologia

    303.2.3.2 Experincia sobre Cobertura do SoloNum solo com um leve declive, foram preparados quatro quadrados diferentes, representando as

    seguintes situaes:

    Solo coberto com bastante matria orgnica (serapilheira de folhas e galhos), lembrando o solo de uma floresta ou de um pomar agroflorestal;

    Solo nu, trabalhado, com torres, lembrando um roado gradeado;

    Solo queimado com cinzas, lembrando uma roa de tocos, recentemente desmatada;

    Solo descoberto e endurecido, com uma crosta, lembrando um solo degradado;

    Os quadrados foram molhados com regador. Foi observado como a gua escorregou, de que modo correu, com que velocidade e em que quantidade saa dos quadrados, comparando os resultados entre eles e interpretando em termo de penetrao e reteno da gua no solo.

    Quadro 3 Resultados da experincia sobre lixiviao e infiltrao

    SOLO COBERTO COM SERAPILHEIRA

    SOLO NU COM TORRES

    SOLO QUEIMADOS COM CINZA

    SOLO COMPACTADO

    Quantidade de gua que corre

    + ++ +++ ++++

    Cor da gua que corre

    LimpaCarregada de terra

    Preta, carregada de cinzas

    Carregada de terra fina

    Reteno da gua na cobertura

    ++++ A serapilheira virou uma esponja

    No h cobertura

    +

    Quase toda a cinza foi embora

    No h cobertura

    Penetrao da gua no solo

    ++ A gua entrou um pouco na terra

    +++

    A gua entrou bem na terra trabalhada

    + A gua entrou um pouco na terra

    Nenhuma. A gua no entrou no solo

    Nota: construo coletiva.

    Foi ressaltado o papel fundamental da cobertura do solo para proteger da eroso, assim como, da matria orgnica para manter a umidade no solo. Nesse momento, todos os agricultores concordaram que queimar e trabalhar o solo facilita a produo no curto prazo, porm, acelera a degradao do solo, deixando-o mais suscetvel eroso e compactao, alm de destruir a vida existente no mesmo e facilitar a lixiviao dos nutrientes com a chuva.

    S

  • 3. O programa de formao

    31Foi discutido que processos de degradao so possveis de se reverter, porm, quanto mais

    degradado o solo, mais difcil se torna a recuperao da fertilidade e da estrutura. Para encerrar, trabalhamos mais uma vez atravs da apresentao dialogada os seguintes pontos:

    Nutrio das plantas, absoro e funo dos macro e micronutrientes e sintomas de deficincia;

    Teoria da Trofobiose ;

    Plantas bioindicadoras;

    Importncia da gua no solo;

    A adubao orgnica e o papel da matria orgnica;

    O trabalho do solo;

    Os processos de degradao de solo;

    O manejo do solo e a recuperao de reas degradadas;

    Concluiu-se a apresentao com a ideia de que o solo e a gua so recursos valiosos e no so garantidos para sempre sem o manejo e a utilizao correta. Por isso, necessrio que tais recursos recebam ateno, cuidados e que sejam sabiamente manejados pelos agricultores, j que representam o capital mais importante e a primeira riqueza.

    Jaquicele se surpreendeu:

    Eu queimava e utilizava muito fertilizante de agropecuria e achava que era bom!

    Uma coisa que eu vi, foi um p de urtiga em abundncia em cima daquela pedra. Dizem que em cima de laje no d nada. Pra mim, foi uma ilustrao muito boa. Outra coisa foi aquele baiano que comprou uma terra rejeitada e eu vi que ele puxou um p de mandioca que quase no deu conta. Ele devia ter pouco dinheiro e comprou aquela terra e deu de 10 a zero na terra boa. O que demonstrou que no existe terra ruim, existe um mau trabalho

    Sr. Dezi

    S

  • Semeando Agroecologia

    32

    Mos na massa: Preparao de Bokashi fosfatado

    Os participantes reuniram-se na sombra de uma mangueira para fazer a preparao do Bokashi. Foi explicado o que um Bokashi e quais so as diferenas que existem em comparao a um composto convencional: por que ele fica pronto mais rpido e por que ele o adubo mais completo e mais rico em vida. Depois, foram apresentados todos os elementos que seriam incorporados, o que eles trazem de nutrientes e de vida para o Bokashi, como se faz e se usa esse adubo orgnico, que rico em fosfatos (presentes no esterco de galinha, nos farelos de ossos e de arroz) e em clcio, alm de trazer muitos microrganismos para o solo (terra virgem, esterco, micro-organismos eficientes EM, e acar mascavo para ativ-los). Isso interessante j que o fsforo um dos elementos mais suscetveis a se perder com o mau manejo do solo e difcil de recuperar depois; os solos da regio, geralmente, so pobres em fsforo, nutriente muito importante para a florao e frutificao das plantas, e para a produo de leite na criao de gado.

    Os participantes comearam a preparar o adubo, contribuindo com o processo de medir, adicionar e misturar bem os componentes, um por um eles foram empilhados. Falou-se sobre a importncia de dinamizar o preparado, processo utilizado em homeopatia e agricultura biodinmica para transmitir energias preparao. Depois de pronto, verificou-se a umidade do Bokashi, fazendo um teste amassando e formando uma bola na palma da mo, sem que escorregue gua, e observando que o bolo se desmancha quando apertado.

    Enfim, explicou-se o processo de fermentao e como acompanhar a temperatura para saber o momento de revirar a pilha, normalmente, quando chega a 50C ou no terceiro dia. A partir da primeira revirada, a pilha tem de ser revirada mais duas ou trs vezes at completar uma semana e alcanar a homogeneizao. A recomendao era deixar a pilha descansar mais sete dias, at ela ficar bem fria. O Bokashi est pronto e pode ser seco no sol e armazenado ou pode ser usado como adubao de cobertura nos plantios de frutferas (na poca da induo floral em particular) e na horta.

    S

  • 3. O programa de formao

    333.2.4 A Sustentabilidade das Florestas

    Sem mata no h gua, sem sol no h chuva, sem homem no h planta! Tudo est ligado e temos que proteger esse funcionamento.

    Sr. Adivaldo

    Antes era s mato, fresquinho, agora, andando pelas estradas, no vejo a hora de chegar perto de uma rvore. A gente tem que se conscientizar.

    Luara

    Iniciamos a apresentao dialogada a partir da pergunta Quais so as principais dificuldades e problemas dos sistemas de produo do meu stio? A nossa proposta era entender porque esses problemas esto no nosso sistema de produo e no esto nos sistemas naturais. O objetivo foi fazer emergir a degradao comum que ocorre nos sistemas de produo convencional ao longo do tempo e as principais consequncias.

    Onde as pragas mais atacam onde tem mais pasto por perto. Maria Margarida

    A partir dos depoimentos dos agricultores e agricultoras, buscamos fazer a seguinte reflexo: por que a floresta dura milhares de anos e, ao invs de sofrer degradao, melhora o ambiente (solo, biodiversidade, entre outros aspectos) e se torna cada vez mais rica ao longo do tempo, ao contrrio dos nossos sistemas de produo? Qual a estratgia da floresta para se manter ao longo do tempo? possvel entender essas estratgias e utiliz-las em nosso benefcio?

    A partir do entendimento dos agricultores, foram trabalhadas e apresentadas as quatro principais estratgias para a sustentabilidade de uma floresta:

    Sucesso Natural

    Aqui, o que nasce bem depois de queimar a bandar (pinho cuiabano). Eu estava reparando na mata, onde a terra muito boa, existem sumama, jatob, ip;

    ficam to grandes que d gosto de ver e s nascem onde a terra boa mesmo. Jorge

    S

  • Semeando Agroecologia

    34Foi explicado o que a sucesso natural e como ela ocorre. Depois, foram mostrados esquemas de

    sucesso natural a partir de uma rea degradada, mas tambm em uma floresta primria atravs da queda de uma rvore, por exemplo, ou qualquer outro distrbio.

    Grande diversidade de vida e aproveitamento da luz e do espao

    Num espacinho de nada, voc tem de tudo. Maria Parteira

    Ciclagem de nutrientes

    Na mata, rvore que ca vira adubo. Maria Margarida

    Eficincia da conservao da gua e do solo

    A floresta j tem a cobertura natural dela a; isso j favorece, conserva o solo. Sr. Dezi

    A floresta protege do sol e guarda a umidade, por isso, to gostoso entrar num arvoredo. Angela

    Entendendo esses fatores que contribuem para a sustentabilidade das florestas, como podemos utiliz-los em nosso favor?

    Sempre falavam sobre o mato, ai que vergonha, tem muito mato! diziam. Que porque no passava veneno, era s passar veneno e j. Mas a a terra vai ficando dura e pobre. Quando comecei o curso, no deixei os meninos passarem mais veneno e agora a gente s roa. Antes eu usava muito veneno, para tudo ficar limpo, mas a aprendi que a terra tem que ter mato, no pode ficar limpa, como chamam.

    Maria Margarida

    A diversidade de plantas e o equilbrio do sistema protegem contra as pragas.

    A floresta puxa a gua como, por exemplo, uma castanheira grande que provoca chuva por cima dela.

    A ciclagem de nutrientes com rvore quando a gente poda, vira adubo.

    Adivaldo, falando sobre dinmicas florestais e suas aplicaes

    Ns sempre temos que deixar alguma coisa, a terra tem que produzir alguma coisa pra terra se alimentar. No s o fogo que destri, a enxada tambm destri se a gente s tirar e tirar.

    Sr. Gerci, explicando sobre um agricultor que deixou o mato crescer, ao invs de plantar feijo

    para depois roar e fazer adubo para o solo, deixando o solo se recuperar.

    Essa conversa abriu a possibilidade de apresentar os SISTEMAS AGROFLORESTAIS ou as AGROFLORESTAS. A apresentao dialogada sobre os sistemas diversificados e agroflorestais partiu do entendimento de que no existe receita, que toda experincia possvel e uma base de estudo!

    Apresentamos exemplos de Sistemas Agroflorestais no Brasil e apresentamos algumas possibilidades, sem focar em sistemas simples ou nos mais complexos, na tentativa de quebrar preconceitos e incentivar a criatividade. Foram apresentados os sistemas silvipastoris e pastagens arborizadas, sistemas de bancos de protenas, faixas de vegetao quebra-ventos e cercas vivas, sistemas agroflorestais biodiversos sucessionais de agricultores familiares, produzindo alimentos e outros recursos florestais, assim como experincias em recuperao de grandes reas de Preservao Permanentes (APP).

    S

  • 3. O programa de formao

    35 uma coisa boa que to trazendo. Muita gente aqui reclama que no tem espao pra plantar

    diversidade de planta. como se fosse uma floresta. Mas nenhuma t cobrindo a outra. Sr. Dezi

    Esse espao despertou o interesse em como fazer, por onde comear e o que necessrio. Seguimos com um passo a passo sobre o planejamento agroflorestal.

    Mos na massa:

    Para colocar em prtica e exercitar a aplicao do contedo, o grupo trabalhou o planejamento de um plantio, na casa do agricultor anfitrio. Esse planejamento saiu do papel em forma de mutiro e se transformou na primeira experincia de um plantio agroflorestal do grupo.

    O Sr. Adivaldo j tinha algumas ideias, ento, esse planejamento partiu do que ele colocou para o grupo, principalmente, com relao s espcies-chave e o formato do plantio.

    Material disponvel:

    Quadro 4:

    Pioneiras (alguns meses)

    Lavoura

    Secundrias I

    (at 2 anos)

    Lavoura

    Secundrias II

    (At 15 anos)

    Pomar diversificado

    Primrias Clmax (mais de 20 anos)

    Madeiras

    Batata doce

    Jil

    Quiabo

    Abbora

    Pepino

    Feijo de porco

    Feijo guandu

    Mandioca

    Abacaxi

    Crotalria

    Urucum

    Mandioca

    Banana

    Maracuj

    Caf (mdio)

    Jabuticaba (mdio)

    Ara boi (baixo)

    Poc (mdio)

    Pupunha (alto)

    Graviola (mdio)

    Acerola (baixo)

    Cupuau (mdio)

    Castanha

    Jatob

    Copaba

    Angico- amescla

    Nim

    Nota: construo coletiva.

    As diferentes etapas foram:

    Quebra de dormncia de sementes e preparo da muvuca com: hortalias de ciclo curto (por exemplo, quiabo), rvores do futuro de ciclo longo (por exemplo, copaba.);

    Limpeza do terreno: retirada das razes de capins e separao da matria orgnica do lado para servir de cobertura morta aps o plantio;

    Balizamento da carreira de plantio: 2x20m, orientada Oeste-Leste, e marcao das covas de mudas;

    Preparo das covas, adubao e plantio das mudas de frutferas, alternando estrato mdio (caf, cupuau e cacau) com estrato alto (pupunha) e estrato baixo (acerola, ara);

    Trabalho do solo e plantio das manivas de mandioca do outro lado da faixa, criando rvores do futuro e hortalias (muvuca);

    Plantio da linha de abacaxi no meio do canteiro;

    Cobertura morta e organizao da matria orgnica para proteger e adubar o plantio: disposio de tocos de madeiras rentes ao cho e de matria orgnica mais leve por cima: capim, folhas, etc.

    S

  • Semeando Agroecologia

    36Quero fazer um plantio desse em casa, nem que seja um pedacinho s. Maria Margarida

    Agradeo a Natureza, que chama nossa ateno todo dia. A gente tem de trocar o p de capim por um p de planta. Agradeo a instruo, e bom saber que tem gente correndo atrs disso no Brasil inteiro. Temos que trocar ideias e passar para mais pessoas.

    Adivaldo

    muito importante fazer na prtica tambm e ser solidrio um com o outro, doando e aceitando, receber e dar. De agora para frente, vamos colher o fruto da unio; importante que todos possam ter um futuro farto.

    Jaquicele

    3.2.5 Manejo Integrado de Pragas e Doenas

    A partir das perguntas O que uma praga? O que uma doena?, os agricultores deram exemplos de pragas e doenas que atacam a produo e de prticas de controle. Foi discutida a diferena entre a presena de poucos insetos que pode ser tolerada no plantio e o nvel em que a infestao se torna uma praga, causando severos danos econmicos, sendo importante entender porque est ocorrendo de forma descontrolada.

    Insetos e fungos no so a verdadeira causa da doena das plantas. Eles s atacam plantas ruins ou plantas cultivadas incorretamente. (Sir Albert Howard)

    Foram abordadas questes como o monitoramento dos plantios, diagnstico da praga ou doena e como obter e trocar mais informaes sobre o agente patgeno, seu ciclo e hbitos. No entanto, foi dito que o mais importante trabalhar pela preveno. Prevenir melhor do que curar!

    E, para isso, a conversa seguiu com uma reflexo sobre os seguintes pontos:

    Importncia da biodiversidade e de ter um sistema equilibrado:

    Barreiras naturais e abrigos para predadores naturais;

    Uso de plantas repelentes e atrativas;

    Cuidar do solo para ter um solo vivo e plantas saudveis, bem nutridas, mais resistentes: uso de cobertura do solo, adubos orgnicos, biofertilizantes e EM.

    Prticas culturais: rotao e associaes de plantas, uso do calendrio lunar para plantio.

    Armadilhas de diferentes cores (azul, amarelo, branco) segundo as diferentes pragas.

    Claro que existia uma ansiedade sobre os ataques que j estavam acontecendo. Por isso, falou-se sobre como controlar a praga precocemente e evitar mais contaminao: controle manual e eliminao dos agentes patgenos, homeopatia, uso de defensivo naturais e controle biolgico.

    S

  • 3. O programa de formao

    37Eu t usando na horta l em casa a calda de alho que aprendi no curso de horta. Amasso quatro

    dentes de alho, coloco em meio litro de lcool e completo com meio litro de gua e passo nas plantas. Foi muito bom pra controlar os insetos!

    Nenm

    Depois do curso de horta que teve aqui em casa, comecei a deixar os matinhos e plantar algumas plantas de cheiro ao redor da horta. Diminuiu bastante as pragas, nem preciso passar nada na horta.

    Adivaldo

    Os princpios de controle biolgico foram apresentados a partir das experincias e observaes colocadas pelos agricultores. Tambm foram apresentadas fotos de alguns insetos benficos, que so inimigos naturais das pragas e que, muitas vezes, os confundimos com as prprias pragas.

    Como atrair os inimigos naturais? Implantar cercas vivas e diversificadas, semear flores e plantas companheiras em associao, nas entrelinhas ou em faixas de vegetaes para servir de refgio e reservatrio para as populaes de insetos e para os pssaros e aranhas. preciso usar produtos repelentes (defensivos naturais) com o maior cuidado para que no atinjam, alm das pragas, as populaes de insetos benficos.

    Esse assunto atraiu bastante a ateno dos agricultores, por isso, foram entregues as apostilas com informao sobre plantas atrativas e repelentes, defensivos naturais, principais pragas e doenas. Em seguida, levantou-se a possibilidade de fazermos uma futura oficina somente sobre homeopatia e realizar prticas de combate a pragas e doenas usando remdios homeopticos visando atender s expectativas do grupo.

    Mos na massa: Fabricao de armadilhas

    Foram fabricadas armadilhas simples com garrafas PET transparentes para atrair a mosca da fruta que ataca os pomares.

    Na parte mediana das garrafas, pequenas janelas foram abertas, pintando a borda da janela de amarelo que uma cor atrativa para os insetos e colocando uma isca (mistura de vinagre, melado e gua) no fundo da garrafa para o cheiro atrair as moscas. Essas armadilhas podem ser penduradas nas rvores frutferas em vrios lugares do pomar, numa altura de um metro e meio, renovando a isca da armadilha quando ela tiver toda evaporada.

    S

  • Semeando Agroecologia

    383.2.6 Coleta, Seleo, Qualidade,

    Beneficiamento e Conservao de Sementes

    Numa conversa com os agricultores debateu-se sobre o conceito de semente, destacando a diferena entre sementes e gros, a importncia para o plantio, frisando que muito do resultado obtido depende da escolha certa da espcie e da boa qualidade da semente usada.

    Extrato da poesia: CUIDADO COM AS SEMENTES

    Tudo o que existe no mundo

    Desde o animal at a gente

    No poderia ter nascido

    Seno fosse a semente

    Ela que origina tudo

    Faz a vida continuar

    Por isso que preciso

    Da boa semente cuidar.

    (Eleni MMC Maranho)

    Falou-se a respeito da importncia de selecionar sementes oriundas de uma grande quantidade de plantasme, selecionadas por suas qualidades, de forma a manter uma diversidade gentica importante. Os critrios de qualidade dependem do que se espera da espcie. Por exemplo, para o milho: tamanho e nmero de espigas, resistncia falta de gua e qualidade do gro. Para o feijo: precocidade, resistncia mela e cor do gro.

    Do milho eu tiro as pontas e os ps das espigas e guardo s as sementes do meio da espiga.

    Maria Margarida

    Eu escolho as sementes dos ps de feijo que amadurece mais tarde. Adivaldo

    Dialogamos sobre os diferentes tipos de sementes, germinao e fenmeno de dormncia. Finalizamos com informaes sobre a coleta, beneficiamento e tcnicas de conservao das sementes.

    Para aprofundar o tema, foram entregues cartilhas sobre sementes florestais e organizao de viveiro.

    S

  • 3. O programa de formao

    39Vivenciando a Feira de SementesPara internalizar a conversa sobre o tema, realizou-se uma feira de sementes, mudas e estacas, onde

    os participantes trocaram variedades e levaram para casa muita coisa para plantar. um momento que os agricultores gostam bastante e, tambm, uma oportunidade para colocar em prtica o que foi aprendido durante o perodo entre mdulos.

    um privilgio de cada dia aprender junto de outras pessoas; sozinho no se tem oportunidade de aprender. com unio e irmandade que as coisas acontecem. Tem de reconhecer que estamos dentro de um conforto aqui, no meio da floresta, graas a Deus. Cuidar da vida um trabalho bom.

    Sr. Dezi

    Quando cheguei aqui tinha muito mato, no se via galho seco, tinha vida em abundncia, uma densa floresta. Mas, hoje, no. E isso um pouco por necessidade, um pouco por ganncia, porque o homem muito ambicioso, pensa s nele mesmo, no pensa no futuro... A gente tem que se conscientizar disso, porque seno a gente vai matando a me natureza que produz tantas coisas bonitas, tantas coisas boas, seno vai faltar gua, aumentar o calor em lugares, em outros chovendo muito, em outros os peixes morrendo, e a gente tem culpa nisso! Se a gente no pensar bem, a gente vai se matando, pensando s em dinheiro. Esse galho no pode secar, tem que continuar dando vida! E, por isso, temos que nos preocupar com o nosso futuro e o dos nossos filhos.

    Jorge

    S

  • Semeando Agroecologia

    403.2.7 Princpios da Criao Ecolgica e da Integrao dos Sistemas de Produo

    A partir de um questionamento sobre o que um sistema de criao animal foi montado um painel comparando a criao agroecolgica criao industrial: O que vocs esto criando? Como e por qu? O que precisa? Qual a diferena na produo industrial?

    Quadro 5

    CRIAO AGROECOLGICA CRIAO INDUSTRIAL

    Objetivos dos sistemas de produo

    Alimentao da famlia Comercializao e RendaSegurana da casaProteo contra pragasCompanhia, amizade, alegriaPoupana da famlia (gado)Trabalho (transporte/ trao)AduboRemdio (prpolis, por exemplo)PolinizaoL, couro, artesanatoConsumo local, Transformao dos produtos Autonomia do produtor

    Aproveitamento dos produtos e subprodutos (Ossos, por exemplo), visando mais rendimentoPropaganda falsaDependncia do sistemaVerticalizao da produo e da cadeia produtivaConsumo em grande escala

    Animais e manejo reprodutivo

    Diversidade de animaisSeres vivosRelao mais prxima com o criador que conhece seus animais individualmente,Carinho, bem estar (necessidades, costumes que deixam os animais felizes)Raas caipiras/ crioulas que foram selecionadas em cada local, adaptadas s diferentes regies/ condies, tendo em vista outras questes que no somente produtividadeRusticidade e resistncia

    Um tipo de bicho: especializao da criaoGrande nmero de cabeasProduo acelerada e precocidadePadronizao dos animaisSeleo gentica realizada por empresas e laboratrios que visam somente o maior rendimento: so animais frgeis que exigiro todo um ambiente adaptado

    Alimentao

    PastoDiversificao das forragensSombraCana e suplementao da alimentao animalgua limpaOferecer abundncia e diversidade ao longo do anoRao equilibrada, caseira, aproveitamento dos recursos da propriedade, como babau, por exemploAs raas caipiras so capazes de se alimentar valorizando uma grande diversidade de alimentos

    Crises e risco sanitrio muito grande: por exemplo, a doena da vaca louca. Rao comprada/ concentradoOs animais no tm escolha da sua alimentao e no so raas que sabem sobreviver com uma alimentao rstica

    S

  • 3. O programa de formao

    41

    CRIAO AGROECOLGICA CRIAO INDUSTRIAL

    Sade e manejo sanitrio

    Boa qualidade da carne, produtos mais nutritivos Sade do animal e do consumidorUso de plantas medicinais, remdios caseiros e homeopatiaPreveno

    SofrimentoMaus tratosTransporte em pssimas condiesHormniosRendimentoAntibiticosFalsa propaganda ao consumidor, mostrando um animal feliz e sadio

    Infraestruturas e espaos de criao

    Movimento livre/ pastoreioInfraestruturas adequadas aos animais Pode ser rstica, aproveitando materiais disponveis no stioOs resduos (esterco, adubo) retornam para a prpria propriedade: fecha-se o ciclo de produo e aumenta-se a autonomia do produtor

    Animais presos confinadosInfraestruturas desconectadas do seu ambiente, podendo ser implantadas em qualquer lugar que tenha uma estrada e guaNecessitam tratamento de efluentesProvocam problemas de poluio ambientais graves como contaminao da gua e dos solos

    Nota: construo coletiva.

    Na agroecologia, alm de pensarmos na produo, pensamos no bem estar animal, no ambiente, na qualidade do produto e, sobretudo, na valorizao da diversidade.

    Na atividade, tratou-se das Boas Prticas da pecuria leiteira e princpios da pecuria ecolgica, trazendo, tambm, elementos e resultados de outro projeto desenvolvido no PA Nova Cotriguau que trabalha o sistema rotacionado para o gado de leite.

    Uma vez era assim (pasto bom), mas a colocou muito gado e o capim sumiu. Era uma moita aqui e outra ali. Fizemos o sistema e voltou como se tivesse novo.

    Com o sistema de piquetes passei a ficar mais calma. No precisa mais correr atrs de bezerros e passar raiva.

    Angela

    S

  • Semeando Agroecologia

    423.2.8 Integrao entre Sistemas

    Para provocar um bom debate sobre integrao entre sistemas na propriedade, realizamos uma visita a propriedade e aos diferentes sistemas de produo da famlia de Dona Maria Margarida, agricultora familiar da comunidade Santa Clara.

    Comeamos pelo alto, perto da estrada, para fazer uma leitura da paisagem e seguimos pelo resto do stio. A agricultora apresentando seu trabalho e o da sua famlia, comentando sobre a importncia de cada um dos sistemas e respondendo s perguntas dos participantes. Depois, o grupo se reuniu e foi feita uma anlise da visita, observando como cada parte se integra ao resto do stio.

    Quadro 6

    SISTEMA DE PRODUO OBSERVAES

    Stio como um todo

    A maior parte dos sistemas e do trabalho est concentrada perto da casa.

    Toda famlia trabalha. Os filhos, s vezes, trabalham fora para ajudar na despesa

    No comeo, no houve planejamento.

    Teve que trocar o lugar da casa.

    Quando chegou em 2000, era mato onde hoje pasto. Houve queimada, os paus caram na gua e apodreceram. Teve que pegar gua do vizinho.

    Hoje, tem um bom aproveitamento do espao/ diversificao

    Ainda precisa comprar, de fora, milho, arroz e feijo

    1 Piquetes gado de leite

    Facilidade no trabalho e acesso gua

    Corredor dividindo piquetes

    18 piquetes que, agora, do conta para o gado de leite e antes no davam

    Frutferas na divisa

    Melhorou a qualidade do leite (a quantidade no mudou)

    Houve recuperao da pastagem: tiramos o gado e o pasto subiu.

    Foi aplicado o fungo duas vezes. Tinha muita cigarrinha e agora no ataca mais.

    2 Mandiocal

    Dela que tira o sustento da famlia.

    Tirou o capim para fazer a roa. Tem uma boa diversificao de plantas, inclusive cinco variedades de mandioca, alm de batatas, amendoim, milho crioulo, entre outras, para a famlia e para tratar dos bichos.

    Tambm fabrica a farinha de mandioca.

    Alicerce da famlia que ela plantou: mandioca, banana, frutas, inhame, fora o babau que j nativo. Foi uma boa ilustrao. Ela tira grande proveito dali.

    Dezi

    3 Roa diversificada/ Lavoura

    S

  • 3. O programa de formao

    43SISTEMA DE PRODUO OBSERVAES

    4 Babau

    No deixa mais derrubar os babaus, nem queimar.

    Aproveita os cocos por inteiros: faz a farinha de mesocarpo para humano e a rao para os animais; tira o carvo e o leo da amndoa, faz o sabo e, ainda, alguns doces.

    Muita gente substituiu o Sal Mineral pelo Babau. Eles esto dando apenas o sal branco e Babau e esto economizando muito.

    5 Horta

    A primeira horta foi num lugar de solo ruim, muito cheio de cascalho.

    Era o sonho da Maria ter uma horta organizada. Hoje, ela o realizou. Usa adubos como a palha de caf e o esterco do gado curtidos.

    Consorcia os plantios nos canteiros e usa plantas repelentes para controlar pragas.

    Ainda precisa comprar sementes mais diversificadas e de qualidade.

    6 Pequenos animaisGalinhas e porcos perto da casa. Come a carne, os ovos, usa a banha dos porcos.

    7 CanaO plantio tem um ano, isso j a rebrota (teve um corte).

    uma variedade bem adequada para o gado: lisa e sem pendo. Se tivesse a estrutura e o material necessrio, faria rapadura.

    8 PomarTem um plantio de frutas diversificadas no quintal da casa e no roado tambm.

    9 - CafQuando chegou, s tinha essa lavoura de caf. Hoje, est meio abandonada

    Nota: construo coletiva.

    Dona Maria est mostrando como no antepassado, que tinha fartura. Gerci

    J at comentei sobre o plantio de mandioca da Maria para meu pai. Em pequeno pedao de terra se planta muita coisa, no precisa de muita terra para viver.

    Selma

    Isso um verdadeiro modelo para a agricultura familiar e a sustentabilidade. Mostra a autossuficincia da famlia.

    Gezos

    Meu modo de pensar era uma coisa s, cada um por seu lado: s banana, s cana, s mandioca. Agora vou tentar seguir o exemplo da Maria.

    Terezinha

    S

  • Semeando Agroecologia

    443.2.8.1 Construo dos Fluxogramas das Propriedades A partir do exemplo bem detalhado de

    uma galinha considerada como um sistema, explicou-se para os (as) agricultores (as) a o que um fluxograma e como podemos evidenciar a integrao entre, por exemplo, uma galinha e um sistema da horta, em termos de trabalho: produtos, insumos, energia, biomassa, etc.

    Depois, a partir do caso imaginrio do stio de Seu Joo e Dona Antnia, elencamos os passos do fluxograma de um stio, ou sistema de produo familiar:

    1. Listar os diferentes sistemas de plantio e de criao, os recursos naturais presentes e as outras atividades desenvolvidas pela famlia na casa, como artesanato ou beneficiamento da produo por exemplo.

    2. Representar todos esses elementos com caixinhas na folha, dentro de um quadrado maior que representa a propriedade.

    3. Desenhar setas que mostram as ligaes entre os elementos, o que circula dentro do stio.

    4. Desenhar setas de dentro para fora do stio mostrando aquilo que se vende l, ou a mo de obra no caso de trabalho fora.

    5. Colocar setas de fora para dentro do stio indicando onde precisam ser comprados insumos de fora, alimentos para famlia, investimento em capital ou pagamento de dirias de servio, etc.

    Na sequncia, cada um dos participantes fez o desenho do fluxograma do seu stio ou da sua chcara.

    No final da construo, formou-se uma roda para conversar sobre o aprendizado do exerccio, chamando a ateno para a anlise de alguns pontos:

    Quais so os elementos centrais e os que tm mais setas ou interaes no sistema?

    Quais so os elementos que dependem muito de insumos de fora? Como isso poderia ser evitado ou substitudo para conquistar mais autonomia?

    Para evitar sobrecarregar o desenho com muitas setas, daria para fazer vrios fluxogramas temticos, como de recursos naturais (fertilidade, gua, ar), alimentao, trabalho, etc. Isso ajudaria a aprofundar a anlise.

    Cada um pde falar sobre o que o exerccio trouxe de novo e quais aprendizados permitiu sobre a realidade do prprio sistema de produo.

    Se o produtor tivesse o hbito de anotar e organizar, ele passaria menos aperto.

    Sandra

    Aps a apresentao de um grupo, os agricultores fizeram perguntas e sugestes a partir da leitura do fluxograma: o que poderia ser pensado para deixar o stio mais autnomo, mais integrado, mais diversificado.

    S

  • 3. O programa de formao

    453.2.8.2 Zoneamento: orientao e desenhos individuais, elementos geofsicos, infraestruturas, sistemas de produoContinuando com o exemplo da propriedade imaginria do stio de Seu Joo e Dona Antnia,

    passamos organizao do mapa do stio, colocando todos os elementos presentes no fluxograma e outros ligados paisagem, fatores fsicos, como sol e vento, ou ainda ameaas de incndios.

    Um ponto importante que o mapa no precisa ser da propriedade na situao atual, mas pode incluir desenhos de elementos que se quer desenvolver no futuro, facilitando, assim, o planejamento da propriedade.

    1. Colocar o nome do stio, do dono ou nmero do lote.

    2. Desenhar os elementos fixos: os limites da propriedade, as estradas, os rios, nascentes, morros, os diferentes tipos de solos e a casa, eventualmente.

    3. Orientar o desenho: importante ver o percurso do sol para pensar na orientao de alguns sistemas de produo e de criao (galinheiro, pastagens, etc.). Tambm pensar se existem corredores de ventos fortes, que podem provocar vendavais ou prejudicar a produo.

    4. Pensar em algumas ameaas que podem vir do entorno da propriedade: fogo entrando pelo pasto do vizinho, crrego que j vem poludo da propriedade situada rio acima.

    5. Desenhar as reservas de mata e de APPs, alm de localizar qual rea precisa ser recuperada para proteger as guas da propriedade.

    6. Colocar os sistemas de produo e de criao (roa, horta, pasto, etc.), localizando do jeito que j est ou avaliando qual local poderia ser mais interessante no futuro, e funo de melhores condies de solo, maior facilidade de trabalho e menor impacto sobre o meio ambiente.

    Para cada camada de informao colocada no mapa, pudemos aprofundar nossas reflexes sobre: a gesto do stio, o manejo das reas, os cuidados necessrios com os recursos naturais e os investimentos para melhor aproveitar todo o potencial da propriedade.

    Depois que todo mundo desenhou o prprio mapa, dois agricultores socializaram os desenhos, incluindo algumas reflexes sobre o planejamento ou readequao do stios que foram pensados a partir do desenho.

    Os outros participantes puderam comentar as reflexes a respeito do exerccio e de como eles completariam o exerccio do fluxograma.

    O desenho representa uma alerta, uma sacudida na conscincia: visualiza as consequncias e ajuda a acordar antes que seja tarde.

    Gerci

    Saber iniciar muito importante para no errar. Temos de amadurecer nosso planejamento.

    Adivaldo

    Discutiu-se, tambm, a questo da mo de obra familiar, mostrando a possibilidade de se listar os ativos, as atividades e localiz-la no zoneamento para fazer um melhor planejamento. importante que as atividades que demandam mais trabalho sejam localizadas numa zona no muito longe da casa.

    Colocou-se para o grupo que existem outras ferramentas para poder pensar melhor a administrao da mo de obra familiar, dos picos e acmulo das demandas de trabalho que podem constituir obstculo na hora de investir ou desenvolver um novo sistema de produo (construo de infraestrutura, trabalho de plantio e manejo dos cultivos).

    S

  • Semeando Agroecologia

    463.2.8.3 Debate sobre Economia da Famlia, Diversificao de AtividadeA partir do painel montado com palavras-chave que apareceram ao longo do dia, fizemos uma roda

    de conversa final, na qual cada um escolheu uma palavra e comentou o significado do termo escolhido.

    As palavras foram surgindo ao longo do dia e agrupadas no painel de acordo com suas complementaridades. Na coluna da esquerda, esto os destaques para os sentimentos, da vivncia em comunidade, esperana. J na coluna da direita, esto as palavras que demonstram mais o lado prtico de uma administrao da propriedade e da comunidade. Ambas, fundamentais para uma boa economia familiar.

    Quadro 7

    Vivncia em comunidade Administrao da propriedade

    Oportunidade

    Educao

    Exemplo

    Criatividade

    Qualidade de Vida

    Celebrar em comunidade

    Solidariedade

    Convivncia, amizade, unio, amor

    Lazer

    Felicidade

    Curiosidade

    Juventude

    Organizao

    Conhecer o potencial da propriedade

    Mo de obra

    Iniciar aos poucos

    Integrao do sistema

    Escoamento e acesso

    Agricultura familiar

    Planejamento

    Viso de futuro

    Objetivos e investimentos

    Contabilizar renda

    Valorizar o que temos

    Avaliar vantagens e desvantagens

    Administrar a propriedade

    Manejo

    Nota: construo coletiva.

    Ficou clara a importncia do planejamento e que nunca deve ser individual se a propriedade de toda a famlia.

    Jaquicele

    S

  • 3. O programa de formao

    473.2.9 Economia Solidria

    A partir de algumas perguntas simples e das colocaes do grupo foi resgatado o sentido da Economia solidria e alguns de seus princpios.

    Quadro 8

    Economia Solidria

    Juntar dinheiro

    Trabalho comunitrio

    Comprar se o necessita

    Conscientizao

    Partilha

    Nota: construo coletiva.

    Economia solidria uma forma de produo, consumo e distribuio de riqueza (economia) centrada na valorizao do ser humano e no do

    capital. Tem base associativista e cooperativista. voltada para a produo, consumo e comercializao de bens e servios de modo autogerido, tendo

    como finalidade a reproduo ampliada da vida.

    S

  • Semeando Agroecologia

    48Para ilustrar de forma mais concreta de que se trata essa nova forma de fazer economia,

    a turma foi dividida em dois grupos e cada um recebeu consignas (tarjetas com algumas indicaes sobre o papel de cada participante, descrevendo sua personagem e alguns elementos do cenrio). Os grupos reuniram-se para preparar uma encenao e, depois, apresentaram-na ao outro grupo:

    Quadro 9

    Grupo 1 Economia Solidria

    Cenrio

    um grupo de produtores que faz parte de uma associao. Trabalham em forma de mutiro, respeitando uns aos outros, respeitando o meio ambiente e fazem reunies, periodicamente, para planejar o passo a passo das atividades: discutem a venda dos produtos, os preos, etc. O grupo comercializa seus produtos na feira local.

    Personagens

    Presidente da Associao

    Produtor de Hortalias

    Faz parte da diretoria da associao e produz hortalias orgnicas. Tem uma famlia grande e todos ajudam no trabalho da horta. Ele est pensando em aumentar o tamanho da sua horta, mas, para isso, precisa de um emprstimo.

    Produtor de galinha caipira

    um jovem que tambm faz parte da Associao, ajuda famlias no stio e gosta muito de trabalhar com as galinhas caipiras. Ele fez um curso bsico e comeou a preparar o galinheiro. Precisa ter mais pintinhos, pois a procura de frangos caipira aumentou.

    Produtora de babau

    uma jovem que trabalha no aproveitamento do coco de babau e vende os diferentes subprodutos na feira.

    Produtora de polpas

    uma produtora que trabalha fazendo polpas. Possui diversas frutas no quintal e sempre consegue buscar em vizinhos tambm. Vende na feira e na escola. Seu sonho agora compra a despolpadeira de frutas.

    Nova consumidora na feira

    a primeira vez que vem feira. desconfiada, questiona os preos e a qualidade dos produtos.

    Freguesa cliente fiel da feira, conhece os produtores, confia neles e j fez visitas aos stios. Ela valoriza e defende a qualidade dos produtos.

    A histria comea...

    O grupo est preparando, na Associao, os produtos para levar para feira. Eles vo trabalhando junto, contando histrias, dando risadas.

    Depois, param para discutir os preos que iro vender os produtos e quais so as prioridades da Associao no momento.

    Decidem reservar uma parte da renda que cada um fizer para Associao e fazer um fundo rotativo.

    Nota: construo coletiva.

    S

  • 3. O programa de formao

    49Quadro 10

    Grupo 2 Economia Capitalista

    Cenrio

    dia de pagamento e o fiscal do patro organiza os empregados para irem receber o salrio. Na porta do escritrio, comeam a falar da situao. O patro chama um por um, paga e, depois de receberem, eles vo fazer compra no mercadinho que pertence ao mesmo patro e deixam o dinheiro l.

    O patro passa no mercado, recolhe o dinheiro e leva para o banco.

    Personagens

    Patro da madeireira e do mercado local

    muito rico, mas seu dinheiro no fica nem na vila, nem no municpio. Ele coloca no banco e faz investimentos em outros lugares. Nem os produtos da sua casa ele compra no municpio. Alis, ele nem mora na cidade onde tem a madeireira e o mercado.

    O fiscal empregado do patro

    Faz o jogo do patro. Posiciona-se contra os empregados se organizarem e conversarem para procurar seus direitos. Afirma que os empregados devem gratido ao patro e, por isso, no precisam reclamar.

    Atendente do mercado empregada do patro

    Entende a situao dos outros empregados, por isso, tenta ser solidria, confortar e intervir junto ao patro para ele ajudar.

    Empregados da madeireira

    Uma empregada est com filho doente, vrias dificuldades em casa e precisa de um adiantamento do patro. Outras, j esto com praticamente todo o dinheiro comprometido nas contas do mercadinho.

    A histria comea...

    Chegou o dia do pagamento: o fiscal manda os empregados fazerem fila. Entram, recebem e saem desanimados e reclamando. Um fala que o salrio todo foi descontado para pagar o adiantamento da mercadoria, outra insiste que eles tm de procurar uma maneira de melhorar suas vidas.

    Mas todos tem de comer e o que lhes resta pegar o pouco dinheiro e ir ao mercadinho comprar alimentos.

    Nota: construo coletiva.

    Depois das duas apresentaes, os atores foram parabenizados pelas suas performances e, ento, houve um debate sobre as diferenas que existem entre as duas situaes, a partir das seguintes perguntas:

    O que chamou mais a ateno?

    Como aconteceu com a circulao do dinheiro dentro e fora do municpio?

    Como se deu a organizao, em particular, dos jovens e das mulheres?

    Houve trabalho coletivo?

    Qual foi a valorizao do trabalho, da renda e do meio ambiente?

    Na economia capitalista, como os empregados podem mudar a situao? Quem procurar? Como?

    S

  • Semeando Agroecologia

    50Na realidade de hoje, quem tem mais quer acumular mais ainda, e quem quer

    ser solidrio ou reclamar das injustias recebido com ignorncia. As pessoas esto sendo humilhadas e se abrir a boca, mandado embora.

    O primeiro grupo mais sustentvel, tem organizao com associao, mais produo e respeito ao meio ambiente, existe uma valorizao, se

    investe no local e existe uma verdadeira discusso no grupo.

    No caso da feira, o dinheiro volta para o produtor de novo, que compra o que precisa.

    Vitor