rosa visceral

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26 SALVADOR DOMINGO 11/3/2012 27 SALVADOR DOMINGO 11/3/2012 As atrizes Martha Kiss, Sara Antunes e Laila Garin ensaiam com Maurice Durozier Texto TATIANA MENDONÇA [email protected] Foto FERNANDO VIVAS [email protected] ROSA visceral Inspirado nas cartas de Rosa de Luxemburgo, Rouge, que estreia nacionalmente em julho, fez seus primeiros ensaios em Salvador N uma das salas de ensaios do Teatro Castro Alves, um homem e três mulheres acocoradas num círculo conversam em francês. O que se sabe é que ele tem, por missão, transformá-las em Rosa Lu- xemburgo, morta na noite de 15 de janeiro de 1919, durante a revolução alemã. No livro que Maurice Durozier segura nas mãos estão as pistas. São as cartas dei- xadas pela militante nos seus últimos anos de vida. As atrizes Martha Kiss, Sara Antu- nes e Laila Garin ouvem atentas seus der- radeiros escritos. Ali, aos poucos, vão fa- zendo nascer o espetáculo Rouge, com es- treia prevista para julho deste ano. A primeira semana de imersão aconte- ceu em Salvador, por uma soma de acasos. A paulistana Martha foi fazer um estágio no Théâtre du Soleil, na França, e depois de ler uma biografia de Rosa ficou prenhe de vontade de contar sua história. Queria que Maurice, um dos atores mais antigos da companhia, acompanhasse os primeiros passos da montagem. Ele aceitou na hora, mas tratou de avisar que no começo do ano estaria fazendo ofi- cinas com o Bando de Teatro Olodum, no Teatro Vila Velha. “Então OK, vamos para a Bahia”, Martha retrucou. A decisão ale- grou as outras atrizes, que têm uma rela- ção forte com a cidade. Sara foi casada com um baiano e Laila nasceu em Salvador. “É curioso começar aqui, um lugar onde a for- ça das mulheres é tão presente”, diz Sara. POTÊNCIA A atriz conta que a ideia não é construir uma peça histórica com ares de manifesto socialista, mas mostrar “o que há de potên- cia nas sementes que ela deixou”. Para Lai- la, é uma chance de voltar a acreditar na política. “Estar em contato com Rosa é reas- cender a possibilidade de sonhar mais”. Para além do engajamento nas lutas so- ciais, Maurice apaixonou-se pelas cartas por sua “dimensão humana”. “Ela era uma grande escritora, um grande espírito e um grande coração. Suas cartas são sublimes porque nos tocam a alma. Somos como ela fala dela, de suas amigas, de sua história, dos obstáculos que aparecem. Rosa tem um discurso universal”. E, assim, voltamos aos meios de salva- mento do mundo: “Precisamos de seres apaixonados como ela; dessa força femi- nina para sairmos da catástrofe. A mulher é a terra mesma, ancestralmente”. Os ensaios da peça seguem no Rio e em São Paulo, onde as atrizes vivem. A baila- rina Morena Nascimento irá se juntar ao elenco. “É engraçado que a Rosa era judia e errante, e a gente fica um pouco assim tam- bém”, lembra Martha. Maurice deu uma força organizando ini- cialmente o “caos da criação”, mas a peça será dirigida mesmo é pelo estreante Eryk Rocha, filho de Glauber, cineasta por he- rança e formação. No ano passado, ele fez seu primeiro longa de ficção, Transeuntes, e está mais que interessado em aprofundar seus estudos em dramaturgia. Quer explo- rar, no espetáculo, as potências “poética e política” de Rosa, exercitar o “épico e o in- timista”, ligar o “passado e o presente”. “A intenção é trazer as suas ideias para o con- texto de hoje, da mulher latina”. O pensamento inovador da revolucio- nária influencia também o formato da pe- ça, que, Eryk garante, não terá nada de convencional. “Vamos nos alimentar da dança, do cinema, do teatro, da instalação. Vai ser uma confluência de linguagens”. «

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Matéria da revista bahiana Muito, sobre a montagem da peça Rouge, sobre a vida e obra de Rosa Luxemburgo.

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Page 1: Rosa Visceral

26 SALVADOR DOMINGO 11/3/2012 27SALVADOR DOMINGO 11/3/2012

As atrizes Martha Kiss,

Sara Antunes e Laila

Garin ensaiam com

Maurice DurozierTexto TATIANA MENDONÇA [email protected] FERNANDO VIVAS [email protected]

ROSAvisceral

Inspirado nas cartas de Rosa deLuxemburgo, Rouge, que estreianacionalmente em julho, fez seusprimeiros ensaios em Salvador

Numa das salas de ensaios

doTeatroCastroAlves,um

homem e três mulheres

acocoradas num círculo

conversam em francês. O

que se sabe é que ele tem,

por missão, transformá-las em Rosa Lu-

xemburgo,mortananoitede15dejaneiro

de 1919, durante a revolução alemã.

No livro que Maurice Durozier segura

nas mãos estão as pistas. São as cartas dei-

xadas pela militante nos seus últimos anos

de vida. As atrizes Martha Kiss, Sara Antu-

nes e Laila Garin ouvem atentas seus der-

radeiros escritos. Ali, aos poucos, vão fa-

zendo nascer o espetáculo Rouge, com es-

treia prevista para julho deste ano.

A primeira semana de imersão aconte-

ceuemSalvador,porumasomadeacasos.

A paulistana Martha foi fazer um estágio

noThéâtreduSoleil,naFrança,edepoisde

ler uma biografia de Rosa ficou prenhe de

vontade de contar sua história. Queria que

Maurice, um dos atores mais antigos da

companhia, acompanhasse os primeiros

passos da montagem.

Eleaceitounahora,mastratoudeavisar

que no começo do ano estaria fazendo ofi-

cinas com o Bando de Teatro Olodum, no

Teatro Vila Velha. “Então OK, vamos para a

Bahia”, Martha retrucou. A decisão ale-

grou as outras atrizes, que têm uma rela-

çãofortecomacidade.Sarafoi casadacom

um baiano e Laila nasceu em Salvador. “É

curioso começar aqui, um lugar onde a for-

ça das mulheres é tão presente”, diz Sara.

POTÊNCIAA atriz conta que a ideia não é construir

uma peça histórica com ares de manifesto

socialista,masmostrar“oquehádepotên-

cia nas sementes que ela deixou”. Para Lai-

la, é uma chance de voltar a acreditar na

política.“EstaremcontatocomRosaéreas-

cender a possibilidade de sonhar mais”.

Paraalémdoengajamentonas lutasso-

ciais, Maurice apaixonou-se pelas cartas

porsua“dimensãohumana”. “Elaerauma

grande escritora, um grande espírito e um

grande coração. Suas cartas são sublimes

porquenostocamaalma.Somoscomoela

fala dela, de suas amigas, de sua história,

dos obstáculos que aparecem. Rosa tem

um discurso universal”.

E, assim, voltamos aos meios de salva-

mento do mundo: “Precisamos de seres

apaixonados como ela; dessa força femi-

ninaparasairmosdacatástrofe.Amulheré

a terra mesma, ancestralmente”.

Os ensaios da peça seguem no Rio e em

São Paulo, onde as atrizes vivem. A baila-

rina Morena Nascimento irá se juntar ao

elenco.“ÉengraçadoqueaRosaerajudiae

errante,eagenteficaumpoucoassimtam-

bém”, lembra Martha.

Maurice deu uma força organizando ini-

cialmente o “caos da criação”, mas a peça

será dirigida mesmo é pelo estreante Eryk

Rocha, filho de Glauber, cineasta por he-

rança e formação. No ano passado, ele fez

seu primeiro longa de ficção, Transeuntes,

eestámaisqueinteressadoemaprofundar

seus estudos em dramaturgia. Quer explo-

rar, no espetáculo, as potências “poética e

política” de Rosa, exercitar o “épico e o in-

timista”, ligar o “passado e o presente”. “A

intenção é trazer as suas ideias para o con-

texto de hoje, da mulher latina”.

O pensamento inovador da revolucio-

nária influencia também o formato da pe-

ça, que, Eryk garante, não terá nada de

convencional. “Vamos nos alimentar da

dança,docinema,doteatro,da instalação.

Vai ser uma confluência de linguagens”. «