rómulo de carvalho

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- Boletim Bibliográfico 10 - O Escritor do mês - novembro de 2015 - Rómulo de Carvalho - Aqui, e em todo o mundo (civilizado, é claro) a humanidade foi submeda a uma operação ditatorial que todos acolhem voluntariamente. Que estarão a fazer as pessoas nas suas casas, segregadas, com as janelas fechadas, sem darem sinais de vida?" “[Este modesto Bolem Bibliográfico é para si, meu amigo]”, poderia ser uma forma de co- meçar esta biografia, tal como Rómulo de Carvalho / António Gedeão tantas vezes fez nas suas obras. Rómulo de Carvalho foi professor, pedagogo, ciensta, poeta, divulgador de ciên- cia, invesgador, historiador, um homem de grande valor cívico. Rómulo de Carvalho nasceu em Lisboa, a 24 de novembro de 1906 e, desde cedo, revelou-se uma criança precoce. Cul- vou as Letras e as Ciências e nos dois domínios deu-nos grandes contributos para melhor co- nhecermos o Universo, a sua composição e, também, o Homem. Na data do seu nascimento, comemora-se a sua memória O dia nacional da cultura cienfica. Da sua extensa obra, podemos destacar um conjunto de áreas, registando alguns dos seus tulos mais marcantes. Ei-los: Divulgação Cienfica História do Telefone, (1952); História da Fotografia, (1952); História dos Balões, (1953); História da Electricidade Estáca, (1954); História do Átomo, (1955). História da Radioacvidade, Coimbra, (1957); História dos Isótopos, (1962); História da Energia Nuclear, (1962); Ciência Herméca, Colecção Cosmos, (1947); Embalsamento Egípcio, Colecção Cosmos, 142-143, (1948); Que é a Física?, (1959); A Física para o Povo, vols. I-II, Coimbra, (1968); «Sr. Tompkins explora o átomo», (1956). Cadernos de iniciação cienfica A Descoberta do Mundo Físico, Lisboa, (1979); A Experiência Cienfica, (1979); A Natureza Corpuscular da Matéria, (1979); Moléculas, Átomos e Iões, (1979); A Estrutura Cristalina, (1980); A Energia, Lisboa, (1980); As Forças, Lisboa, (1980); O Peso e a Massa, Lisboa, (1980); As Reacções Químicas, (1980); A Composição do Ar, (1982); A Pressão Atmosférica, (1982); A Electricidade Estáca, (1982); A Corrente Eléctrica, (1983); Magnesmo e Electromagnesmo, (1983); A Electrónica, (1983); A Radioacvidade, (1985); A Energia Radiante, (1985); Ondas e Corpúsculos, (1985). Livros - História História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa [1765-1772, (1959); História do Gabinete de Física da Universidade de Coimbra [1772-1790] desde a sua fundação em 1772 até ao Jubileu do Prof. Giovani António Dalla Bella, (1978); Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII , (1979); A Acvidade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX, (1981); A Física Ex- perimental em Portugal no Sécu1o XVIII , (1982); A Astronomia em Portugal no Século XVIII , (1985); História do Ensino em Portugal, desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar- Caetano, (1986); A História Natural em Portugal no Século XVIII , (1987); D. João Carlos de Bragança, 2 duque de Lafões fundador da Academia das Ciências de Lisboa, (1987); O material didácco dos séculos XVIII e XIX do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, (1993); O material etnográfico do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 2000. Na sua produção, podemos ainda disnguir Argos e Comunicações – Históricos e Comemo- ravos, Argos pedagógicos, Livros didácos e naturalmente Obras de ficção, com destaque para a figura de António Gedeão, seu pseudónimo na obra poéca. Quem conheceu Rómulo de Carvalho sente-lhe a saudade da sua presença imensa, da sua voz ligeiramente grave ado- çada de gestos de simpaa. Sente a falta de uma companhia que ensinava tanto, numa hu- mildade inesquecível. Com ele aprendemos tanto, ele que nos deixou lições de vida sobre o que significa a cidadania, sobre o que podemos fazer individualmente com as ideias, com o que senmos em eternas viagens entre a Ciência e a Poesia, a nossa humanidade. E ensinou- nos, com o seu exemplo, com as suas palavras, essa ideia essencial, de que somos o que faze- mos e o que pensamos. Nessa curiosidade, nesse sorriso pela descoberta do que nos rodeia, percebemos melhor o que podemos ser e que mundo decidimos construir. Rómulo foi uma reencarnação da Renascença, nessa ideia de procurar sempre no mundo formas para desco- brir sinais, realidades que podemos desvendar com o nosso raciocínio, com a nossa sensibili- dade e com essa máquina de futuros - a imaginação. Minha aldeia é todo o mundo. Todo o mundo me pertence. Aqui me encontro e confundo Com gente de todo o mundo Que a todo o mundo pertence.” “Minha aldeia”, Teatro do Mundo, 1958 . “Sejamos modestos. Compreendamos que tudo quanto po- demos pensar está limitado pelas nossas condições físicas, pelo meio cultural em que nascemos, por todos aqueles que nos antecederam. Sejamos modestos. Eu nem sei sequer como são as coisas que vejo. Só sei como as vejo. Sejamos modestos nas nossas “certezas” e na defesa das nossas “razões”. É comum ver os seres humanos encolerizarem-se para impor as suas razões. Eu, pessoalmente, pouca impor- tância atribuo às razões de cada um porque a razão é uma coisa que todos têm. Há alguém que não tenha razão? Não conheço”. (Memórias, p. 393)

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Boletim Bibliográfico sobre o Autor do mês na Biblioteca (ESRDA).

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Page 1: Rómulo de Carvalho

- Boletim Bibliográfico 10 - O Escritor do mês - novembro de 2015 - Rómulo de Carvalho -

“Aqui, e em todo o mundo (civilizado, é claro) a humanidade foi submetida a uma operação ditatorial que todos acolhem voluntariamente. Que estarão a fazer as pessoas nas suas casas, segregadas, com as janelas fechadas, sem darem sinais de vida?"

“[Este modesto Boletim Bibliográfico é para si, meu amigo]”, poderia ser uma forma de co-meçar esta biografia, tal como Rómulo de Carvalho / António Gedeão tantas vezes fez nas suas obras. Rómulo de Carvalho foi professor, pedagogo, cientista, poeta, divulgador de ciên-cia, investigador, historiador, um homem de grande valor cívico. Rómulo de Carvalho nasceu em Lisboa, a 24 de novembro de 1906 e, desde cedo, revelou-se uma criança precoce. Culti-vou as Letras e as Ciências e nos dois domínios deu-nos grandes contributos para melhor co-nhecermos o Universo, a sua composição e, também, o Homem. Na data do seu nascimento, comemora-se a sua memória O dia nacional da cultura científica. Da sua extensa obra, podemos destacar um conjunto de áreas, registando alguns dos seus títulos mais marcantes. Ei-los: Divulgação Científica História do Telefone, (1952); História da Fotografia, (1952); História dos Balões, (1953); História da Electricidade Estática, (1954); História do Átomo, (1955). História da Radioactividade, Coimbra, (1957); História dos Isótopos, (1962); História da Energia Nuclear, (1962); Ciência Hermética, Colecção Cosmos, (1947); Embalsamento Egípcio, Colecção Cosmos, 142-143, (1948); Que é a Física?, (1959); A Física para o Povo, vols. I-II, Coimbra, (1968); «Sr. Tompkins explora o átomo», (1956).

Cadernos de iniciação científica A Descoberta do Mundo Físico, Lisboa, (1979); A Experiência Científica, (1979); A Natureza Corpuscular da Matéria, (1979); Moléculas, Átomos e Iões, (1979); A Estrutura Cristalina, (1980); A Energia, Lisboa, (1980); As Forças, Lisboa, (1980); O Peso e a Massa, Lisboa, (1980); As Reacções Químicas, (1980); A Composição do Ar, (1982); A Pressão Atmosférica, (1982); A Electricidade Estática, (1982); A Corrente Eléctrica, (1983); Magnetismo e Electromagnetismo, (1983); A Electrónica, (1983); A Radioactividade, (1985); A Energia Radiante, (1985); Ondas e Corpúsculos, (1985).

Livros - História História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa [1765-1772, (1959); História do Gabinete de Física da Universidade de Coimbra [1772-1790] desde a sua fundação em 1772 até ao Jubileu do Prof. Giovani António Dalla Bella, (1978); Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII, (1979); A Actividade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX, (1981); A Física Ex-perimental em Portugal no Sécu1o XVIII, (1982); A Astronomia em Portugal no Século XVIII, (1985); História do Ensino em Portugal, desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano, (1986); A História Natural em Portugal no Século XVIII, (1987); D. João Carlos de Bragança, 2 duque de Lafões fundador da Academia das Ciências de Lisboa, (1987); O material didáctico dos séculos XVIII e XIX do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, (1993); O material etnográfico do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 2000.

Na sua produção, podemos ainda distinguir Artigos e Comunicações – Históricos e Comemo-rativos, Artigos pedagógicos, Livros didáticos e naturalmente Obras de ficção, com destaque para a figura de António Gedeão, seu pseudónimo na obra poética. Quem conheceu Rómulo de Carvalho sente-lhe a saudade da sua presença imensa, da sua voz ligeiramente grave ado-çada de gestos de simpatia. Sente a falta de uma companhia que ensinava tanto, numa hu-mildade inesquecível. Com ele aprendemos tanto, ele que nos deixou lições de vida sobre o que significa a cidadania, sobre o que podemos fazer individualmente com as ideias, com o que sentimos em eternas viagens entre a Ciência e a Poesia, a nossa humanidade. E ensinou-nos, com o seu exemplo, com as suas palavras, essa ideia essencial, de que somos o que faze-mos e o que pensamos. Nessa curiosidade, nesse sorriso pela descoberta do que nos rodeia, percebemos melhor o que podemos ser e que mundo decidimos construir. Rómulo foi uma reencarnação da Renascença, nessa ideia de procurar sempre no mundo formas para desco-brir sinais, realidades que podemos desvendar com o nosso raciocínio, com a nossa sensibili-dade e com essa máquina de futuros - a imaginação.

“Minha aldeia é todo o mundo. Todo o mundo me pertence. Aqui me encontro e confundo Com gente de todo o mundo Que a todo o mundo pertence.” “Minha aldeia”, Teatro do Mundo, 1958 .

“Sejamos modestos. Compreendamos que tudo quanto po-demos pensar está limitado pelas nossas condições físicas, pelo meio cultural em que nascemos, por todos aqueles que nos antecederam. Sejamos modestos. Eu nem sei sequer como são as coisas que vejo. Só sei como as vejo. Sejamos modestos nas nossas “certezas” e na defesa das nossas “razões”. É comum ver os seres humanos encolerizarem-se para impor as suas razões. Eu, pessoalmente, pouca impor-tância atribuo às razões de cada um porque a razão é uma coisa que todos têm. Há alguém que não tenha razão? Não conheço”. (Memórias, p. 393)

Page 2: Rómulo de Carvalho

Ficha Técnica

Redação: Equipa da Biblioteca Biblioteca: Escola Secundária Rainha Dona Amélia Periodicidade: Mensal (novembro) Distribuição/Publicitação:

(Afixação na Biblioteca / Plataformas digitais)

Encontrei uma preta que estava a chorar pedi-lhe uma lágrima para a analisar. ————————— Recolhi a lágrima com todo o cuidado num tubo de ensaio bem esterilizado. ————————— Olhei-a de um lado, Do outro e de frente: tinha uma ar de gota muito transparente. —————————- Mandei vir os ácidos, as bases e os sais, as drogas usadas em caso que tais. ————————— Ensaiei a frio, experimentei ao lume, de todas as vezes deu-me o que é costume: —————————- Nem sinais de negro, Nem vestígios de ódio (Água) quase tudo E cloreto de sódio. António Gedeão, “Lágrima Preta”.

- Boletim Bibliográfico 10 - O Escritor do mês - novembro de 2015 - Rómulo de Carvalho -

“Eu queria que o amor estivesse realmente no [coração, e também a Bondade, [e a Sinceridade, e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no [coração. Então poderia dizer-vos: "Meus amados irmãos, falo-vos do coração", ou então: "com o coração nas mãos." António Gedeão, “Poema do Coração”, in Linhas de força, 1967.

Viajei por toda a Terra desde o norte até ao sul; em toda a parte do mundo vi mar verde e céu azul. ———————————- Em toda a parte vi flores romperem do pó do chão, universais, como as dores do mundo que em toda a parte se dão. ———————————- Vi sempre estrelas serenas E as ondas morrendo em espuma. Todo o Sol um Sol apenas, e a Lua sempre só uma. ———————————- Diferente de quanto existe Só a dor que me reparte. Enquanto em mim morro triste, nasço alegre em toda a parte. António Gedeão, “Lírio Roxo”

Eu queria agradecer-te, Galileo, a inteligência das coisas que me deste. Eu, e quantos milhões de homens como eu a quem tu esclareceste, António Gedeão, “Poema para Galileo”.

Venho da terra assombrada do ventre de minha mãe não pretendo roubar nada nem fazer mal a ninguém Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci Trago boca pra comer e olhos pra desejar tenho pressa de viver que a vida é água a correr Venho do fundo do tempo não tenho tempo a perder minha barca aparelhada solta rumo ao norte meu desejo é passaporte para a fronteira fechada

Não há ventos que não prestem nem marés que não convenham nem forças que me molestem correntes que me detenham Quero eu e a natureza que a natureza sou eu e as forças da natureza nunca ninguém as venceu Com licença com licença que a barca se fez ao mar não há poder que me vença mesmo morto hei-de passar com licença com licença com rumo à estrela polar “Fala do Homem nascido”, in Teatro do Mundo, 1958 .