robertinho - revista backstage para ir à praia e acaba nunca indo ou quando compra uma casa com...
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REPORTAGEM
RobertinhoRobertinhode Recife
oi fazendo experimentos, misturando notas, combi-
nando dissonâncias, somando acordes e dosando fre-
qüências que ele se tornou uma referência nacional com o
som de sua guitarra e produziu discos de grande sucesso,
como Leão do Norte (Elba Ramalho), Antologia Acústica
(Zé Ramalho) e Parceria dos Viajantes (Zé Ramalho), que
Claudia [email protected]
Um Cientista MusicalFazer música pode ser uma arte e uma ciência quando falamos do músicoe produtor Robertinho de Recife
Feste ano concorre ao Grammy, na categoria Melhor Disco
de Música Brasileira.
Seu laboratório, atualmente, é um estúdio que leva
seu nome, localizado no Pólo de Cine e Vídeo, na Barra
da Tijuca, Rio de Janeiro. Foi lá que fizemos essa entre-
vista em uma tarde muito divertida, na qual ele falou
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REPORTAGEM
sobre sua trajetória profissional, o
mercado e tendências. Entre risos e
grandes histórias, vê-se em Rober-
tinho de Recife a maturidade de
quem tem um olhar atento, a des-
contração de uma mente aberta e
um espírito que não esconde traços
de uma jovem rebeldia.
Aproveite você também um pou-
co do nosso bate-papo. A entrevis-
ta começa com a continuação de
uma conversa sobre como anda a
criatividade no mundo da música
hoje em dia…
LIBERDADEBackstage: …antigamente os
músicos “culpavam” as gravadoras
pela falta de liberdade para produ-
zir o que se queria. Os anos 80 e
90 foram uma época em que o ar-
tista dizia que tinha que fazer o que
a indústria ditava. Agora, com
Internet e o fim da hegemonia das
grandes gravadoras, pode-se pro-
duzir qualquer coisa e ainda assim,
tudo soa meio parecido, temos a
impressão de que todo mundo se
copia. Você concorda?
Robertinho de Recife: Existe a
Internet, de fato, mas também exis-
tem as referências e as tribos. Geral-
mente, as pessoas querem fazer al-
guma coisa que agrade a sua tribo.
Isso ainda as mantém presas a um
formato, de certa forma. A não ser
que surja um “papa” ou um “malu-
co” que consiga fazer algo diferente
e ainda assim ser aceito. Mas, ao que
parece, não vemos mais esses “he-
róis”. E o mercado se viciou nesta
coisa de só consumir o que já foi
aprovado por todo mundo. Até na
tecnologia é assim. Só se compra o
que todo mundo está comprando.
Backstage: Você foi um desses
“heróis”?
Robertinho: Se existe um cara no
Brasil que arriscou o tempo todo,
fui eu. Minha carreira sempre foi
uma grande confusão e me orgulho
disso. Eu era meio “antiartista”, no
sentido de me dar o direito de fazer
o que quisesse. Não me importava
de ser tachado de ridículo ou malu-
co. Acho que sou meio como um
“cientista musical”.
O “Jardim da Infância”, por exemplo,
foi o primeiro disco infantil no Brasil.
Até então só existia o Palhaço Care-
quinha fazendo música para crianças.
Na verdade, eu nem tinha a intenção de
fazer um disco para crianças, mas resolvi
colocar minha filha e filhas dos músicos
para cantarem um trecho porque achei
que ia soar legal, e deu resultado.
Backstage: Este tipo de postura inde-
pendente gera admiração de uns e du-
ras críticas de outros, não? Vem sendo
assim ao longo dos anos para você?
Robertinho: Quem me ama, me
ama profundamente e quem me ode-
ia, me odeia mesmo! Mas não faço
nada para agradar a ninguém. Prefiro
ouvir minha voz interna. Acho que
existem ditados totalmente equivo-
cados. Essa história de que “a voz do
povo é a voz de Deus” é coisa de polí-
tico. Na verdade, se você começar a
ouvir demais “a voz do povo”, deixa
de ouvir “a voz de Deus”.
ESTÚDIOBackstage: Você aluga este estú-
dio para terceiros ou ele só atende às
suas produções próprias? Desde
quando está em funcionamento?
Robertinho: Uso para minhas pro-
duções, mas cedo para amigos produ-
tores e estúdios parceiros. Meu pri-
meiro estúdio foi o Lagoa. Fiquei lá
por 7 anos. Depois tive o Special, na
Barra, e, há dois anos, montei este
aqui, no Pólo de Cine e Vídeo.
Quando as grandes gravadoras
começaram a fechar seus estúdios, eu
queria ter um laboratório, um espaço
para experimentar, gravar meus dis-
cos. Mas, na verdade, nunca gravei
nada meu nos meus estúdios. Acho
que é como quando você compra um
carro para ir à praia e acaba nunca
indo ou quando compra uma casa
com piscina, achando que vai usá-la
todo dia e, no final, quem acaba
usando a piscina são seus amigos.
Mas, de certa forma, considero todos
os trabalhos que eu produzi como
meus também, porque minha alma
“Geralmente, aspessoas querem
fazer alguma coisaque agrade a sua
tribo. Isso ainda asmantém presas a um
formato, de certaforma”
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está ali. Eu me entrego totalmente.
No fundo, o que estou fazendo para
outros, estou fazendo por mim tam-
bém. Sempre gostei de ajudar às pes-
soas, dar condições a quem tem talen-
to. Eu tinha um selo, o Special Discos
e lancei muitos trabalhos de forró por
ele. Outras pessoas como Liminha e
Guto Graça Melo também partiram
para a empreitada de montar estúdios
próprios, no final da década de 80.
Backstage: De quem é o projeto
deste estúdio?
Robertinho: É meu.
Cheguei a chamar arquitetos,
mas o que eles apresentaram não
era bem o que queria. Eu tinha par-
ticipado da construção dos outros
estúdios que tive e a gente aprende
mesmo é com os próprios erros.
Com os dos outros, a gente não
aprende nada.
Backstage: O que exatamente não
correspondeu às suas expectativas
no projeto dos arquitetos?
Robertinho: Eles apresentaram
um trabalho muito bacana, mas com
a característica comercial que nor-
malmente encontramos nos estúdi-
os de mercado.
Eu queria que esse fosse um estúdio
para “produtor trabalhar”, não para
“cliente ver”.
Você nunca vai conseguir tocar guitarra
Quem vê Robertinho de Recife dedi-
lhando as cordas de uma guitarra com
a agilidade de quem move os dedos no
ar pode pensar que ele nasceu com
este dom e que, para ele, sempre foi
fácil tocar qualquer música. O começo
de sua história, entretanto, é uma boa
lição para quem acha que só vence na
vida quem tem talento.
Aos 11 anos, Robertinho morava em
Recife e estava hospitalizado após um
grave acidente. Sua distração, enquan-
to se recuperava, era assistir a televisão.
Certo dia, ficou deslumbrado com um
objeto curioso que emitia um som meio
metálico, nas mãos de um cantor cha-
mado Elvistone, que fazia uma espécie
de cover do ídolo Elvis Presley. A partir
de então, Robertinho começou a pedir
insistentemente ao seu pai que, sem
pensar, negou na hora, por se tratar de
um instrumento pertencente a um ícone
que, para ele, representava “frango”
(naquela época, em pleno nordeste
brasileiro, artista como Elvistone era
considerado gay, ou seja, “frango”).
Não satisfeito com a resistência do
pai ao seu desejo de conseguir o tal
objeto, Robertinho recorreu ao avô, que
após alguns dias, chegou com a surpre-
endente revelação de que o objeto tão
desejado se tratava de uma monola, e
que iria comprá-la para o neto.
Já fora da cama de hospital e com
sua monola em mãos, Robertinho come-
çou a ter aulas com um músico local,
que se apresentava na praça em troca
de uns tostões. Uma semana de aulas
diárias se passou, mas quando o avô de
Robertinho foi saber dos progressos do
neto com o professor de monola, não teve
uma resposta muito receptiva. O professor
disse que Robertinho não levava jeito e que
era melhor desistir.
Neste meio tempo, Robertinho havia co-
nhecido um grupo que estava ficando famo-
so na região: Os Fabulosos. Um belo dia, um
amigo o convidou para ver um ensaio da ban-
da. Ele quase desmaiou de tanta excitação e
disse que não perderia a oportunidade por
nada. Pegou sua monola, ainda se apoiando
nas muletas, e partiu para aquele que seria o
dia em que ele teria a chance de tocar, nem
que fosse um só acorde, com músicos que
apareciam na televisão. Chegando lá, assistiu
ao ensaio e, no final, rolou aquele bate-papo,
quando ele pôde, finalmente, mostrar seu ta-
lento e pedir conselhos para melhorar sua
performance. O guitarrista do grupo o ouviu
atentamente e aconselhou:
– Você tem que comer muita carne de
pavão e ir para o tanque lavar bastante rou-
pa. Lava mesmo, o máximo que puder, por-
que só assim sua mão vai crescer!
A gargalhada generalizada foi o bastan-
te para Robertinho perceber que estava
sendo motivo de deboche. A humilhação
chegou ao limite, quando o guitarrista
acrescentou que Robertinho nunca seria
capaz de tocar guitarra.
Robertinho voltou para casa aos prantos e
se fechou em seu quarto. Ele estava arrasa-
do. A família toda tentou saber o que tinha
acontecido, mas ele só chorava, até que re-
solveu contar o incidente para sua mãe.
– Ele disse isso?! Mas disse mesmo?!
Pois você vai tocar melhor que ele! Você
vai tocar essa monola como ninguém! –
profetizou Dona Clea.
A mãe de Robertinho tinha uma bela
voz e cantava muito bem. Chegou a se
apresentar em praça pública algumas ve-
zes, mas não levou a carreira adiante, pois
engravidou aos 13 e quis dedicar-se a seu
filho. E foi naquele momento que ela deu a
ele o maior patrimônio de sua vida, algo
que ninguém poderia lhe tirar: determina-
ção, autoconfiança e percepção musical.
Ela, então, começou a cantar nota
por nota, diariamente, para que ele as
reproduzisse na monola. Primeiro, com
uma corda só, depois com duas, três,
até conseguir reproduzir qualquer nota
nas seis cortas, de trás para frente e de
frente para trás.
Uns poucos anos mais tarde, uma
banda estava fazendo uma audição na
cidade para conseguir um guitarrista.
Robertinho se inscreveu. Chegando lá,
deu de cara com aquele músico dos Fa-
bulosos, que o havia feito se sentir a mais
triste das criaturas. Candidatos tocaram,
o tal músico tocou, Robertinho tocou e
conseguiu a vaga e antes mesmo do re-
sultado, o então ex-guitarrista dos Fabu-
losos dirigiu-se a ele e, visivelmente des-
concertado se desculpou, dizendo que
nunca havia visto alguém tocar tão bem
quanto Robertinho naquele dia.
De lá para cá, o garoto de mãos pe-
quenas, sem ritmo e incapaz de dar uma
nota no tom virou uma referência nacio-
nal. Ele se transformou no guitarrista
Robertinho de Recife.
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Backstage: Como assim? Por que este
não é um estúdio para “cliente ver”?
Robertinho: Não temos sala de si-
nuca! A filosofia aqui é ser objetivo,
“fazer andar”, não enrolar, não deixar
a hora passar. Não tenho assistente e
só três técnicos trabalham comigo, vin-
dos de estúdios parceiros: o Felipe Ma-
grinelli que é do estúdio do Mazola, o
Gabriel Martau e Vitor Farias, que são
do Liminha. Imagina se vou deixar qual-
quer um colocar a mão na minha mesa!
Se botar o pé, então, leva tapa!
Outra característica daqui é a mesa
Euphonix. É um console muito rápi-
do. Todo o conceito de projeto aqui foi
baseado em ter distâncias reduzidas,
evitar o uso de longos cabos e perdas
de sinal. A Euphonix também tem
este conceito. A fiação mais longa dela
tem 5 cm. E este é um detalhe que faz
diferença. É uma mesa para produtor,
com Total Recall realmente.
Backstage: Que mídia você usa para
gravação? E qual é a monitoração?
Robertinho: Trabalho com ProTools.
A monitoração é Yamaha e Mackie.
Tenho também um subwoofer Mackie.
Em termos de periféricos, tenho Ru-
pert Neve 9098, Drawmer Pré-val-
vulado, Eventide, Harmonizer H300
e outros mais, mas mantenho muita
velharia guardada e as uso, eventualmen-
te. Ainda tenho um SPX90!
Backstage: Você é “resistente” ao
uso de novidades?
Robertinho: De jeito nenhum.
Adoro novidades, mas não me des-
lumbro por elas. Eu as uso se preci-
so, se são o que melhor se adequa a
uma determinada situação. Às ve-
zes, meus clientes chegam aqui e
perguntam se tenho este ou aquele
lançamento. Eu brinco e digo que
eles estão lendo muita revista, es-
tão lendo muita Backstage! Há vá-
rios estúdios que são verdadeiros
“showrooms” de lançamentos.
Não tenho nada contra, mas,
como falei aqui, não temos o obje-
tivo de ser um estúdio para o clien-
te e sim, para o produtor.
PRODUÇÃOBackstage: Como é o produtor
Robertinho de Recife? O quanto
você interfere ou participa musical-
mente dos trabalhos que produz?
Robertinho: Digo a quem vem me
procurar que a palavra do meio é sem-
pre a do artista, mas a primeira e a últi-
ma são minhas. Aqui o cliente nunca
tem razão! Estou brincando... Tento
sempre entender o que o artista quer,
“Às vezes, meus clientes chegam aqui e perguntamse tenho este ou aquele lançamento. Eu brinco e
digo que eles estão lendo muita revista, estão lendomuita Backstage!”
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mas é importante fazê-lo compreen-
der que, como em tudo na vida, existe
uma diferença entre o possível e o de-
sejável, principalmente em trabalhos
artísticos. É muito comum o cara che-
gar aqui com o disco de algum artista
ou grupo que tem como referência e
dizer: “Quero um som igual a este”.
Tenho que explicar que igual nunca
vai ficar. Nem o grupo ou artista origi-
nal conseguiria fazer exatamente a
mesma coisa duas vezes. Cada take é
um take e, além disso, ninguém é igual
a ninguém. Sendo assim, o que faço é
procurar atender aos meus artistas
dentro das referências que eles bus-
cam. Faço de tudo para chegar o mais
perto do desejável, dentro do possível.
Backstage: Seus discos, os da sua
carreira solo, chegaram o mais perto
possível do desejável?
Robertinho: Meus discos são tecnica-
mente ruins e digo isso sem constrangi-
mentos. Foram todos feitos com “sobras
de estúdio” e em um esquema meio “la-
boratório”. Eu era guitarrista do Fagner,
por exemplo, e em um dos álbuns que ele
estava gravando sobraram três dias de
estúdio do que estava reservado para
aquele trabalho. Aí a gravadora me deu
aquelas horas para fazer um disco. Era
impossível. Três dias?! Naquela época?!
Mas eu fiz. Foi o “Jardim da Infância”.
Outro, o “Rapsodia Rock” foi gravado
em uma semana de sobra da gravação do
Yahoo. Nos meus discos eu improvisava,
fazia minhas experiências. Sou da gera-
ção em que cada faixa tinha 10 minutos
de solo. A gente só parava quando a fita
saía do carretel!
Backstage: O que muda, em ter-
mos de gravação e produção, nesta
era MP3?
Robertinho: Acho que estamos no
meio de uma transição, inclusive de
formatos. Tenho conversado com
pessoas de masterização e a preocupa-
ção de todo mundo é volume. Hoje,
este é o grande parâmetro. Mas volu-
me em excesso implica muitas distor-
ções. A gente tem que comprimir o
sinal final e, assim, começa a ficar
tudo fora de equilíbrio. Tem música
que não comporta distorção, não se
pode saturar nada. O rock já é “sujo”,
saturado, mas nem todos os estilos
são assim, nem todos aceitam satura-
ção. Em samba, por exemplo, com um
instrumento como o surdo, não se
pode ter volume em excesso. O alto-
falante trabalha com o movimento
de push e pull. Se determinadas fre-
qüências o estão levando para frente
e outras já puxando para trás, corre-
se o risco de um cancelamento. Eu,
particularmente, tento segurar um
pouco o volume para não saturar as
freqüências, mas não dá. O artista
quer o ouvido “sangrando”.
Backstage: Ao longo de todos es-
ses anos de carreira e das suas expe-
riências, seus laboratórios, o que
ainda permanece igual?
Robertinho: A gente aprende a
cada trabalho que faz. Recentemente,
gravei um artista chamado Thomas
Morkos, que é fã do Oasis, e gravei o
Abel Duerê, que faz música angolana.
Quando o Thomas chegou com um
CD do Oasis, eu não conhecia muito
o trabalho deste grupo, mas ouvi com
atenção. Achei Oasis ruim, mas meu
objetivo é chegar perto do desejável
para o artista que vem me procurar,
não para mim. Dou minhas sugestões,
oriento sobre o que pode ficar bom e o
que provavelmente não vai ficar, digo
onde eu “dancei” quando ainda não
tinha a maturidade e experiência de
hoje, falo sobre o que pode levar
aquele artista a se desenvolver e o que
só vai atrapalhar. O cara termina me
amando e me odiando ao mesmo
tempo, porque questiono mesmo.
Tento sempre acrescentar algo àquela
experiência pela qual ele está passan-
do. Eu me preocupo com o gosto mu-
sical dele, o seu futuro. Mas vou até
aonde o artista quer e pode ir. Cada
um tem o seu momento.
Sobre o que permanece igual, ao
longo de todos esses anos, acho que é
essa minha busca por sempre chegar o
mais perto possível do desejável. Ti-
rei o máximo de cada produção que fiz
até hoje. Disso eu tenho certeza abso-
luta. Minha dedicação é total. Mergu-
lho fundo no projeto das pessoas, na
personalidade delas. É um trabalho
quase que espiritual!
Para saber maisDISCOGRAFIA:
www.robertinhoderecife.com.br