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    SEGURANÇA PÚBLICA

    REVISTABRASILEIRADE

    ISSN 1981-1659

    Volume 9Número 2

    agosto/setembro 2015

  • 8/17/2019 Revista17-Prev de Viol

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    Expediente

    Expediente

    Fórum Brasileiro de Segurança PúblicaElizabeth Leeds – Presidente de HonraHumberto Viana – Presidente do Conselho de Administração

    Renato Sérgio de Lima – Vice-Presidente do Conselho de AdministraçãoSamira Bueno – Diretora Executiva

    Expediente

    Comitê EditorialRodrigo Ghiringhelli de Azevedo (Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul - Porto Alegre/ Rio Grande do Sul/ Brasil)Renato Sérgio de Lima (Fórum Brasileiro de Segurança Pública –São Paulo / São Paulo / Brasil)Olaya Hanashiro (Fórum Brasileiro de Segurança Pública - SãoPaulo / São Paulo / Brasil)

    Conselho editorialElizabeth R. Leeds (Centro para Estudos Internacionais (MIT)e Washington Ofce on Latin America (WOLA)/ Estados Unidos)

    Antônio Carlos Carballo (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro– Rio de Janeiro/ Rio de Janeiro/ Brasil)Christopher Stone (Open Society Foundations - Nova Iorque/Estados Unidos)Fiona Macaulay (University of Bradford – Bradford/ WestYorkshire/ Reino Unido)Luiz Henrique Proença Soares (Fundação SEADE – São Paulo/São Paulo/ Brasil)Maria Stela Grossi Porto (Universidade de Brasília –Brasília/ Distrito Federal/ Brasil)Michel Misse (Universidade Federal do Rio de Janeiro -Rio de Janeiro/ Rio de Janeiro/ Brasil)Sérgio Adorno (Universidade de São Paulo – São Paulo/São Paulo/ Brasil)

    Esta é uma publicação semestral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.ISSN 1981-1659

    Rev. Bras. segur. pública vol. 9 n. 2 São Paulo ago/set 2015

    Equipe RBSPAna Lídia Santana, Cauê Martins, David Marques, Patrícia NogueiraPröglhöf e Roberta Astol

    Revisão de textosDenise Niy

    TraduçõesDavid Coles, Paulo Silveira e Miriam Palacios Larrosa

    Capa e produção editorial

    Urbania

    EndereçoRua Amália de Noronha, 151, Cj. 405Pinheiros, São Paulo - SP - Brasil - 05410-010

    Telefone(11) 3081-0925

    [email protected]

    ApoioOpen Society Foundations e Ford Foundation.

    Luciene Magalhães de AlbuquerqueMarcos Aurelio Veloso e SilvaMarlene Ines SpaniolRenato Sérgio de LimaRodrigo Ghiringhelli de AzevedoSérgio Roberto de AbreuSilvia Ramos de Souza

    Conselho de Administração

    Cássio Thyone Almeida de RosaCristiane do Socorro Loureiro LimaEdson M. L. S. RamosElizabeth LeedsHaydée Glória Cruz CarusoHumberto de Azevedo Viana Filho

    Jacqueline de Oliveira Muniz

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    Dossiê: Prevenção da Violência contra Criança na América Latina ............. 6Olaya Hanashiro

    Vitimização fatal de crianças no espaço público em decorrênciada violência interpessoal comunitária: um diagnóstico da magnitudee contextos de vulnerabilidade na América Latina........................................12Maria Fernanda Tourinho Peres, Caren Ruotti, Denise Carvalhoe Fernanda Lopes Regina

    A prevenção de homicídios de crianças na América Latina: um imperativode direitos humanos ................................................................................................50Paulo Sérgio Pinheiro e Marina A. Pinheiro

    Tendências criminais sul-americanas em perspectiva comparada............... 88Felipe Salazar Tobar

    Proposta de uma matriz de indicadores para as ações de gestãode informação da SENASP .....................................................................................110Marcelle Gomes Figueira

    Não-formal e informal no ensino policial........................................................130 Antonio Alberto Brunetta

    “Se não aguentar, corra!”: um estudo sobre a pedagogia do sofrimentoem um curso policial militar.................................................................................142Fábio Gomes França; Janaína Letícia de Farias Gomes

    A prática de execuções na região metropolitana de São Paulona crise de 2012: um estudo de caso ...............................................................160Camila Dias, Maria Gorete Marques, Ariadne Natal Mariana Possas e Caren Ruotti

    CONASP: um jovem conselho em busca de sua identidade.........................180 Ana Maura Tomesani Marques

    As possibilidades de redução da violência escolar: Sistema de Registrode Situações de Violências nas Escolas de Canoas (RS)................................198Luciane Oliveira de Mira e Evaldo Luis Pauly

    Polícia Comunitária: a estratégia de implantação do atual modelo ........... 218Carlos Alberto de Camargo

    ....................................................................................................................................234

    Sumário

    Apresentação

    Dossiê

    Artigos

    Nota técnica

    Depoimento

    Regras de publicação

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    Summary

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    Prevention of violence against children in Latin America...........................6Olaya Hanashiro

    Child fatalities in the public space caused by community interpersonalviolence: a diagnosis of the magnitude and the contexts of vulnerabilityin Latin America .......................................................................................................12Maria Fernanda Tourinho Peres, Caren Ruotti, Denise Carvalhoe Fernanda Lopes Regina

    Preventing homicides of children in Latin America: a humanrights imperative ......................................................................................................50Paulo Sérgio Pinheiro e Marina A. Pinheiro

    South American crime trends in a comparative perspective.........................88Felipe Salazar Tobar

    Proposal for a matrix of indicators for SENASP’sinformation management ....................................................................................110Marcelle Gomes Figueira

    The non-formal and the informal in police instruction................................130 Antonio Alberto Brunetta

    “Se não aguentar, corra!” (If you can’t take it, quit): a study of thepedagogy of suffering in a military police course.............................................142Fábio Gomes França; Janaína Letícia de Farias Gomes

    Executions carried out in Greater São Paulo during the 2012 crisis:a case study ............................................................................................................160Camila Dias, Maria Gorete Marques, Ariadne Natal Mariana Possas e Caren Ruotti

    CONASP: a young council in search of its identity..........................................180 Ana Maura Tomesani Marques

    How to reduce violence in schools: Register of Violence in Schoolsin the city of Canoas (Rio Grande do Sul)........................................................198Luciane Oliveira de Mira e Evaldo Luis Pauly

    Community policing: the implementation strategy of the current model........ 218Carlos Alberto de Camargo

    ....................................................................................................................................234

    Table of Contents

    Presentation

    Dossier

    Articles

    Technical Note

    Statement

    Publishing Rules

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    Dossiê: Prevenção daViolência contra Criança naAmérica LatinaOlaya Hanashiro

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    Há décadas convivemos com uma violência que já se tor-nou endêmica em muitos países da América Latina.

    Os altos índices de homicídios na região são a expressão maisdramática de uma violência que, em grande medida, resulta ese reproduz em diversas facetas da desigualdade social. Nessecontexto, a infância, ou seja, a criança e os diferentes aspectos deseu desenvolvimento, torna-se ainda mais vulnerável.

    Embora reconhecidas como sujeitos de direito, os mecanis-

    mos de proteção dos direitos das crianças ainda não alcançaramo desenvolvimento de outros mecanismos de proteção de direi-tos humanos. De fato, apenas a partir de 2003, com a nome-ação pelo Secretário Geral da ONU de Paulo Sérgio Pinheirocomo Especialista Independente para preparar um estudo sobreviolência contra crianças, é que se começa a introduzir o temana agenda internacional. A violência envolvendo crianças ocupaum tímido espaço na agenda de segurança pública, predomi-nando a questão do menor infrator através de políticas em que

    se perde a perspectiva desse menor, também como vítima deuma realidade de violações sistemáticas de direito. A violênciacontra criança não está restrita apenas aos contextos tradicionaisda família e escola, estes também ao alcance da responsabilidadedo Estado para protegê-las, mas vem crescendo na comunidade.

    A discussão sobre o tema reforça a compreensão atual de quea violência deve ser enfrentada através da articulação de políticas

    “Toda criança terá direito às medidas de proteçãoque a sua condição de menor requer, por parte da

    sua família, da sociedade e do Estado.” Artigo 19. Convenção Interamericana de Direitos

    Humanos (OEA, 1969)

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    de segurança pública e políticas sociais. Da mesma maneira quesuas causas tem caráter multifacetado, as soluções propostas de-vem envolver diferentes atores e instituições.

    Este dossiê apresenta dois papers produzidos para oworkshop “Prevenção da Violência contra a Criança na América Latina”.Por uma iniciativa da organização não-governamentalKnowViolence in Childhood , juntamente com o Fórum Brasileiro deSegurança Pública (FBSP) e a Escola de Direito da FundaçãoGetúlio Vargas (FGV-SP), oworkshopfoi realizado nos dias 28e 29 de julho 2015, durante o 9o Encontro Anual do FBSP noRio de Janeiro.

    O objetivo doworkshop foi discutir um possível plano deação e estratégias comuns para a América Latina a partir de es-forços já existentes para a prevenção da violência contra a crian-ça. Articulando programas ecientes, com objetivos e custos quepossam ser efetivamente implementados, o foco central do en-contro foi o empoderamento das crianças e suas comunidadesde maneira que propostas que venham a ser desenhadas possamresolver problemas particulares de cada contexto.

    Em “Vitimização fatal de crianças no espaço público em de-corrência da violência interpessoal comunitária: um diagnósticoda magnitude e contextos de vulnerabilidade na América La-tina”, Maria Fernanda . Peres et al . partem de uma discussãosobre os limites etários e conceituais sobre o tema da violênciacontra a criança para identicar problemas especícos da regiãoe os grupos de crianças mais vulneráveis.

    Dessa maneira, alguns contextos são destacados: (a) violência

    institucional praticada por autoridades policiais; (b) gangues egrupos de criminalidade organizada; (c) crianças em situação derua; (d) crianças em locais de conito armado; e (e) cruzamentode fronteira e crianças refugiadas.

    Pereset al. observam como ainda pouco se sabe sobre quãofrequente e de que forma crianças são assassinadas no espaçopúblico. No entanto, apesar da falta de estudos sobre vitimiza-

    ‘‘A violênciaenvolvendo criançasocupa um tímidoespaço na agenda desegurança pública,predominando aquestão do menorinfrator através depolíticas em que seperde a perspectiva

    desse menor,também como vítima

    de uma realidadede violaçõessistemáticasde direito.

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    ção da faixa etária abaixo dos 18 anos e sobre a socialização decrianças em ambiente de violência, sabe-se que as experiênciasde violência são interligadas e cumulativas, crianças tendem aser vítimas de violência em diferentes espaços e por diferentesperpetradores. Esses contextos, associados a fatores como pobre-za, desigualdade social, de renda e de gênero e exclusão social,entre outros, dão a dimensão da gravidade da vitimização fatalde crianças e do desao a ser enfrentado na América Latina. Empaíses como Panamá, Venezuela, El Salvador, Brasil, Guatemalae Colômbia o homicídio é a principal causa de morte na faixaetária de 10 a 19 anos para o sexo masculino.

    Em “A prevenção de homicídios de crianças na América

    Latina: um imperativo de direitos humanos”, Paulo Sérgio Pi-nheiro e Marina Pinheiro destacam a relevância da visibilidade,do problema da violência contra a criança e de sua introduçãonas agendas regionais e internacional. Com a adoção das Metasde Desenvolvimento Sustentável pós-2015, que substituem asMetas de Desenvolvimento do Milênio, e incluem a meta 16,cujo objetivo é uma sociedade mais pacíca e inclusiva, o acessoà justiça para todos, a construção de instituições mais ecazes,responsáveis e inclusivas em todos os níveis, espera-se que os me-

    canismos de monitoramento e proteção dos direitos da criançapossam ser fortalecidos.

    Nesse contexto, Pinheiro e Pinheiro identicam projetos eprogramas de prevenção ou redução de homicídios e violênciacontra a criança na região, incluindo programas que não te-nham como foco especíco a criança, mas que tenham impactona redução do homicídio infantil. Esses projetos e programasestão organizados em diferentes estratégias, são elas: (a) preven-

    ção e redução de homicídios por meio de abordagens distintas;(b) empoderamento de crianças e jovens que possam gerenciarriscos e desaos; (c) mudança de atitude e normas sociais queestimulem a violência e a discriminação; (d) apoio aos pais eresponsáveis para educar seus lhos em um ambiente seguro eamoroso; (e) fortalecimento da capacidade do Estado, incluindoa polícia comunitária, e o encorajamento de uma participaçãocidadã ativa e responsável; (f) realização de pesquisa e coleta de

    ‘‘Esses contextos,associados a fatorescomo pobreza,desigualdade social,de renda e degênero e exclusãosocial, entre outros,dão a dimensãoda gravidade davitimização fatal decrianças e do desaoa ser enfrentado na

    América Latina.

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    dados; e (g) uma estratégia complementar: o uso de novas mídiaspara a proteção das crianças contra a violência.

    As experiências bem sucedidas da região são evidências im-portantes de que o redirecionamento de políticas públicas paraa prevenção ou redução da violência contra crianças é possível eque a responsabilidade pela garantia dos direitos das crianças éde todos: Estado, sociedade civil e família.

    Se, por um lado, houve um grande avanço no reconhecimen-to dos direitos da criança, por outro lado, os avanços na pro-teção das crianças contra a violência têm sido lentos, desiguaise pontuais. Em comum, ca o desao de envolver as crianças

    nesse processo não apenas como sujeitos de direitos, mas comorelevantes agentes de mudança.

    A partir destes dois artigos e da discussão que propiciaramdurante oworkshop podemos destacar outros elementos impor-tantes que devem ser considerados nos programas ou projetos deprevenção e redução de homicídios de crianças:

    1- basear-se em dados;2-

    ter um foco territorial;3- ser intersetoriais, ou seja, articular diferentes dimensões;4- envolver atores relevantes da própria comunidade;5- envolver a comunidade como um todo, não apenas as

    crianças;6- respeitar as especicidades de cada comunidade;7- intervir nas normas culturais sexistas e de valorização

    da violência;8- focar na relação vítima-agressor;9- dar perspectiva de um futuro aos adolescentes;10- enfatizar para os adolescentes a importância de suas vidas;11- envolver atores da comunidade que sejam importantes

    para os adolescentes;12- estabelecer parceria com a mídia para dar maior visibili-

    dade ao problema e desconstruir valores que reforçam adesigualdade étnica-racial, social e de gênero;

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    13- dar suporte médico e psicológico às crianças que cres-cem em ambientes violentos;

    14- mudar a política de combate às drogas do paradigma dasegurança para o da saúde pública;

    15- controlar a circulação das armas de fogo;16- reorganizar as instituições da segurança pública, esta-

    belecendo protocolos e equipamentos adequados paratratar de crianças dentro do marco do estado de direitoe dos respeito aos direitos humanos;

    17- raticar a legislação internacional existente;18- utilizar as redes de proteção aos direitos humanos já

    existentes, como as de proteção aos direitos da mulher edas populações indígenas;

    19-

    avaliar os programas e projetos existentes; e20- promover um maior intercâmbio de informações entreas organizações e instituições atuantes na área.

    E, novamente enfatizamos, devem escutar as crianças, atorescentrais desses processos.

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    V i t i m i z a ç ã o f a t a l d e c r i a n ç a s n o e s p a ç o p ú b l i c o e m

    d e c o r r ê n c i a d a v i o l ê n c i a

    i n t e r p e s s o a l c o m u n i t á r i a :

    u m

    d i a g n ó s t i c o d a m a g n i t u d e e c o n t e x t o s d e

    v u l n e r a b i l i d a d e n a A m é r i c a L a t i n a

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    Vitimização fatal de crianças noespaço público em decorrência daviolência interpessoal comunitária:um diagnóstico da magnitude econtextos de vulnerabilidade naAmérica Latina1

    ResumoDesde a década de 1990 a América Latina é reconhecida como uma das áreas mais violentas do mundo. A violência, na região,é endêmica e as taxas de mortalidade por homicídio são extremamente elevadas. A vitimização de crianças não é exceção. Oobjetivo deste texto é sistematizar informações existentes sobre a vitimização fatal de crianças no espaço público em decorrên-

    cia da violência interpessoal comunitária nos países da América Latina. Os resultados encontrados permitem a rmar que esteé um problema grave na região, que envolve fatores de elevada complexidade. Embora existam diferenças importantes entreos países, um conjunto de fatores permite explicar os altos níveis de violência encontrados. A presença do crime organizado eas gangues, a violência policial, crianças em situação de rua, migração e con itos armados emergem em um cenário de po -breza e desigualdade que, juntos, tornam as crianças particularmente vulneráveis à violência comunitária com desfecho letal.

    Palavras-ChaveViolência interpessoal. Homicídios. Crianças. América latina.

    Maria Fernanda Tourinho PeresProfessora Doutora, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos da Violência, USP

    [email protected]

    Caren RuottiDoutoranda em Sociologia, Programa de pós-graduação em Sociologia, Faculdade de Filoso a, Letras e Ciências Humanas, USP.

    Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência, USP [email protected]

    Denise CarvalhoDoutoranda em Sociologia, Programa de pós-graduação em Sociologia, Faculdade de Filoso a, Letras e Ciências Humanas, USP

    [email protected]

    Fernanda Lopes ReginaMestranda em Ciência Política, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Faculdade de Filoso a, Letras e Ciências Humanas, USP

    [email protected]

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    V i t i m i z a ç ã o f a t a l d e c r i a n ç a s n o e s p a ç o p ú b l i c o e m

    d e c o r r ê n c i a d a v i o l ê n c i a

    i n t e r p e s s o a l c o m u n i t á r i a :

    u m

    d i a g n ó s t i c o d a m a g n i t u d e e c o n t e x t o s d e

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    INTRODUÇÃO

    Desde as últimas décadas do século XX,está em curso um processo de mu-dança na forma de compreender as situaçõesde violência, segurança e criminalidade e nasmaneiras de propor ações para seu enfrenta-mento. É possível armar, sem medo de errar,

    que uma das principais características desse pe-ríodo compreende uma certa abertura interdis-ciplinar/inter-setorial: problemas relacionadosà violência e à segurança estão gradualmentedeixando de ser temas especícos à área da se-gurança pública e da justiça criminal, passandoa ser compreendidos como problemas sociais,em um sentido amplo, com reexos no campoda saúde, educação, cultura, desenvolvimento

    e justiça social, entre outros. Outra caracterís-tica desse período, que pode ser consideradauma consequência do que foi destacado ante-riormente, é a emergência no espaço públicode problemas que eram tradicionalmente tra-tados como questões da esfera privada, a exem-plo da violência doméstica e familiar, entre asquais incluem-se as situações de violência degênero ou violência por parceiro íntimo, e de

    violência contra idosos e crianças.

    A violência contra a criança se consolidacomo um grave problema mundial, dadas asconsequências da vitimização (direta ou indi-reta) para o desenvolvimento cognitivo, afeti-vo e social das crianças, para a sua saúde física emental. Numerosos esforços vêm sendo feitos

    no sentido de estimar a magnitude do proble-ma, com alguns relatórios globais e outros tan-tos relatórios e estudos locais que tematizamespecicidades regionais importantes.

    Estudos comparativos globais sobre homi-

    cídios, a exemplo doWorld Report on Violenceand Health (2002) e oGlobal Status Report onViolence Prevention (2014), da OMS, a sérieGlobal Studies on Homicide , da UNODC, e orecém-lançadoHomicide Monitor , do Institu-to Igarapé, permitem visualizar a evolução notempo e a distribuição das mortes por homicí-dio no mundo. Não é novidade que a Améri-ca Latina (AL) destaca-se como a região com

    maiores níveis de violência, em especial dehomicídios. Pouco se sabe, entretanto, sobre avitimização fatal de crianças na região em de-corrência da violência comunitária. Ainda faltaum quadro comparativo geral – mundial e es-pecíco para a América Latina – que indiquecom que frequência e de que forma criançassão assassinadas em decorrência da violênciainterpessoal comunitária, ou seja, não familiar.

    O objetivo deste texto é sistematizar as in-formações existentes, dispersas em diferentesrelatórios, sobre a vitimização fatal de crian-ças no espaço público em decorrência da vio-lência interpessoal comunitária nos países da América Latina. Não se pretende coletar dadosnovos, mas tão somente identicar, nos dife-

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    d e c o r r ê n c i a d a v i o l ê n c i a

    i n t e r p e s s o a l c o m u n i t á r i a :

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    d i a g n ó s t i c o d a m a g n i t u d e e c o n t e x t o s d e

    v u l n e r a b i l i d a d e n a A m é r i c a L a t i n a

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    rentes estudos, as informações existentes sobreeste tipo especíco de violência contra criançaspara começar a compor um quadro de formamais compreensiva, assim como identicar aslacunas existentes, para um diagnóstico maispreciso do problema.

    Para tanto, três grandes seções foram es-truturadas. Na primeira, “Limites etários econceituais para compreensão da vitimizaçãofatal de crianças em decorrência da violênciainterpessoal comunitária na América Latina ”,busca-se denir os limites utilizados para

    caraterização da infância e discute-se breve-mente a denição de violência, em especialviolência contra crianças e violência interpes-soal comunitária. Debate-se ainda a impor-tância do tema e de suas consequências parao desenvolvimento social e cognitivo e para asaúde das crianças. Na segunda seção focaliza--se a América Latina e os fatores estruturais econtextuais que tornam as crianças vulnerá-

    veis à vitimização fatal em decorrência da vio-lência interpessoal comunitária. Problemascomo ação de grupos de extermínio, gangues,violência policial, crime organizado, situaçãoeconômica e social dos países, migração ile-gal, cruzamento de fronteiras, entre outras,são brevemente discutidos. O objetivo é apre-sentar as bases sobre as quais o problema sur-ge e se consolida. Na medida do possível, as

    questões gerais são aproximadas da realidaderegional e daquela especíca de alguns países.Na terceira seção, “A vitimização fatal: homi-cídios de crianças e adolescentes na AméricaLatina”, sistematizam-se os dados encontra-dos com o objetivo de montar um quadro,mesmo que parcial, que retrate a magnitudedo problema na AL e em seus países. Aqui

    serão utilizados sobretudo os relatórios comparativos. Por m, são apresentadas as consderações nais.

    LIMITES ETÁRIOS E CONCEITUAIS A COMPREENSÃO DA VITIMIZAÇÃOFATAL DE CRIANÇAS EM DECORRÊDA VIOLÊNCIA INTERPESSOALCOMUNITÁRIA NA AMÉRICA LATIN

    Apesar das diferenças culturais no modde conceber a maturação biológica e etária dnovas gerações, bem como de seu papel socia “infância” tem sido cada vez mais concebi

    como um momento diferenciado do processde desenvolvimento humano, que necessita dproteções especiais. Essa concepção ca expcita no âmbito jurídico, com a denição e adoção de instrumentos internacionais e nacionaa m de garantir direitos especícos a essa ppulação, cujo marco legal de maior referêncnos dias atuais é a Declaração sobre os Direitdas Crianças, de 1989. Como indicam Rosem

    berg e Mariano (2010), essa declaração, quado comparada às declarações internacionaanteriores, inovou não só por sua extensãomas por reconhecer a criança como detentorde todos os direitos e todas as liberdades incritas na Declaração dos Direitos HumanosIsso signica que foram outorgados a criançe adolescentes direitos de liberdade até entãreservados aos adultos. Contudo, a Declaraçã

    de 1989 não deixa de reconhecer a especicdade relacionada a esse momento etário, “adtando concepção próxima à do preâmbulo dDeclaração dos Direitos da Criança de 1959‘a criança, em razão de sua falta de maturidde física e intelectual, precisa de uma proteçespecial e de cuidados especiais, especialmede proteção jurídica apropriada antes e depo

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    do nascimento’” (ROSEMBERG; MARIANO, 2010, p. 699). Ademais, essa declaraçãoconcebe a infância como o período que vaidesde o nascimento até os 18 anos de idade.

    Diferentes estudos também têm seguido essadelimitação etária, inclusive aqueles voltados adimensionar a violência contra crianças e pro-por medidas de prevenção (ONU; PINHEI-RO, 2006; UNICEF, 2014a). Entretanto,subdivisões etárias também são adotadas comoforma de identicar as transformações que sesucedem nesse período, relacionadas a fases de

    desenvolvimento físico, mental e social, que in-uenciam nas formas de violência. No relató-rioHidden in plain sight: a statistical analysis ofviolence against children (UNICEF, 2014a) esseperíodo é subdividido em primeira infância, in-fância do meio, infância tardia e adolescência.Não há uma denição clara, ou um consensosobre os limites etários de cada uma dessas fa-ses, mas seguindo as denições estabelecidas

    peloCenter for Disease Control 2

    e pela própriaUnicef 3, é possível delimitar a primeira infânciacomo o período que vai do nascimento até os 5ou 6 anos de vida, a infância do meio estende--se entre 6/7 e 10/11 anos e a infância tardia eadolescência compreende o período que se ini-cia aos 11/12 anos e perdura até os 18/19 anosde idade. Nessas fases preponderam diferentesmanifestações de violência, bem como fatores

    de vulnerabilidade especícos.

    Assim como não há um consenso sobre adenição de infância e suas etapas, também nãoexiste uma única forma de denir violência, emgeral, e violência contra crianças, em particular. Aviolência contra a criança é um problema de es-cala mundial que pode apresentar-se de diferen-

    tes formas em função de características culturais,econômicas e sociais da região e dos países emque ocorrem. Considerando o seu caráter multi-facetado, diversos estudos sobre o tema (ONU;PINHEIRO, 2006; UNICEF, 2006a, 2014,2014a) adotam o estabelecido no artigo 19 daDeclaração sobre os Direitos das Crianças, de1989, que a compreende como “todas as formasde violência física ou mental, dano ou sevícia,abandono ou tratamento negligente; maus tratosou exploração, incluindo a violência sexual” quesão praticados contra a criança. Ou seja, embo-ra a Declaração não apresente uma denição de

    violência contra criança, torna explícita a respon-sabilidade dos Estados na proteção das criançascontra uma ampla gama de atos violentos.

    No World Report on Violence and Health (KRUG et al., 2002), a OMS dene violên-cia como:

    Te intentional use of physical force or po-wer, threatened or actual, against oneself,

    another person, or against a group or com-munity, that either results in or has a highlikelihood of resulting in injury, death,psychological harm, maldevelopment or de-privation. (KRUG et al., 2002, p. 5).

    Para a OMS, a violência pode ser classi-cada, considerando as características dos per-petradores e vítimas, como autoiningida, in-

    terpessoal ou coletiva. A violência interpessoal,por sua vez, subdivide-se em familiar e comu-nitária, e a violência contra crianças, segundo aOMS, corresponde a um subtipo de violênciainterpessoal familiar.

    No que se refere especicamente à deniçãode violência contra crianças, noGlobal Status

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    Report on Violence Prevention (WHO, 2014), aOMS dene maus-tratos contra crianças como

    [...] the abuse and neglect of children under18 years of age. It includes all types of phy-sical and/or emotional maltreatment, sexualabuse, neglect, negligence and commercial orother exploitation, which results in actual orpotential harm to the child’s health, survival,development or dignity in the context of arelationship of responsibility, trust or power.(WHO, 2014, p. 70).

    Assim como noWorld Report on Violence

    and Health, que situa a violência contra crian-ças como um subtipo de violência interpessoalfamiliar, os maus-tratos contra crianças estãoaqui limitados ao contexto de relações de con-ança e responsabilidade.

    As denições e tentativas de tipicaçãoapresentadas tornam evidentes as diculdadesexistentes no recorte do objeto especíco deste

    estudo: a vitimização fatal de crianças no espa-ço público em decorrência da violência inter-pessoal comunitária . Não se trata, portanto, deapresentar uma sistematização da situação de vio-lência contra crianças na América Latina (comoum tipo de violência familiar ou que ocorre espe-cicamente em contextos de conança e cuida-do), mas sim de trazer à luz em que medida umoutro tipo de violência (a violência interpessoal

    comunitária, típica dos espaços públicos) acome-te crianças fatalmente na região.

    A violência interpessoal comunitária é de-nida, pela OMS, como aquela que ocorre entreindivíduos que não possuem uma relação de pa-rentesco, embora possam ser conhecidos, e queocorre, geralmente, “fora de casa”, ou seja, em es-

    paços públicos e espaços institucionais como colas, ambiente de trabalho, instituições de corrção e outras (KRUG et al., 2002). As vítimas prferenciais são adultos jovens, em geral homeEntretanto, a denição de violência comunitárnão se restringe a um tipo especíco de vítima efunção de sua idade ou sexo, mas relaciona-selocal onde ocorre e ao tipo de relação entre vítime agressor. Dessa forma, seguindo a tipologia pposta pela OMS, a violência contra crianças poser familiar ou comunitária, em razão do tipo relação existente entre vítima e agressor, includo atos de natureza física, sexual e psicológic

    sob a forma de negligência e privação.Outra forma de abordar a violência contra

    crianças inclui considerar os diferentes espaçonde os episódios ocorrem, os quais incluea casa (compreendendo as relações familiarea escola, o ambiente de trabalho, as instituções de justiça e outras instituições de custóde a comunidade (ONU; PINHEIRO, 2006;

    UNICEF, 2006, 2014, Movimento Mundialpela Infância, 2011, 2012). Não cabe, aquifazer uma discussão aprofundada de cada udesses cenários, nem sobre os tipos e fatorde risco associados à violência em cada udeles. Em termos bastante gerais, todos os tpos de violência – física, psicológica, sexuana forma de negligência – podem ocorrer, emmaior e menor grau, em cada um desses esp

    ços. A composição dos perpetradores tambéé diversa e inclui os pais, cuidadores, familres, professores, autoridades responsáveis paplicação da lei e até mesmo outras criançaIsso porque os atos violentos cometidos cotra as crianças, por vezes, são legitimados peEstado e pela sociedade, pois ocorrem sob disfarces da “tradição” ou “disciplina”.

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    As consequências para as crianças asso-ciam-se à frequência, recorrência e gravidadedos atos e ao tipo de relação com os agresso-res. Cabe ressaltar ainda que não são poucosos estudos que armam que as experiênciasde violência são interligadas e cumulativas(UNICEF, 2006, 2014, 2014a) e que criançastendem a ser vitima de violência em diferentesespaços e por diferentes perpetradores.

    Neste trabalho interessa estabelecer os limi-tes da vitimização fatal de crianças no espaçopúblico em decorrência da violência inter-

    pessoal comunitária. Retomando a deniçãoproposta pela OMS, a violência interpesso-al comunitária é aquela que acontece fora dacasa, o que inclui quatro dos cinco cenáriosanteriormente descritos (a escola, o trabalho,as instituições de justiça e custódia e a comuni-dade). Assim, no presente artigo, focaliza-se avitimização fatal infantil decorrente da violên-cia interpessoal comunitária que se desenvolve

    no espaço da comunidade (excluindo os casosde violência entre pares, violência no ambienteescolar ebullying ).

    A vitimização fatal de crianças por vio-lência interpessoal comunitária ainda é algopouco explorado. Sabe-se pouco sobre o quan-to a violência na comunidade (como a crimi-nalidade urbana, ações de gangues, grupos de

    criminalidade organizada e outras formas) éresponsável pela morte de crianças no mundo:as informações existentes são escassas e poucosistematizadas, o que diculta um diagnósticoglobal mais preciso do problema em termos demagnitude e determinantes. Em sua maioria,os estudos que buscam estimar a prevalênciade vitimização na população geral são realiza-

    dos com amostras de populações adultas, sen-do raros os que incluem crianças. Esta lacuna éainda maior quando se consideram os casos devitimização fatal. A maioria dos estudos sobrehomicídios de crianças aborda situações ocor-ridas no contexto familiar ou apresenta dadossobre homicídios sem especicar o contexto noqual as mortes ocorreram. A maior parte dosestudos comparativos globais sobre homicídioslimita-se às taxas para a população geral, porsexo ou faixa etária de jovens. Uma exceção éo relatório da UNICEF (2014a), com dadospara a faixa etária entre 0 e 19 anos.

    Alguns estudos, entretanto, buscam deniros tipos de violência mais comuns nas dife-rentes faixas de idade4. Na primeira infância,as crianças pequenas são mais vulneráveis àviolência ocorrida no ambiente doméstico porparte de seus cuidadores – geralmente mães – edemais membros da família, em razão de suadependência e limitadas interações sociais fora

    do círculo doméstico. Já no período correspon-dente à infância do meio (entre 5/6 e 10/11anos), aumenta o risco à violência interpesso-al comunitária, uma vez que, de um lado, ascrianças atravessam períodos de crescente in-dependência em suas relações familiares, o quepode criar conitos e consequentemente pu-nições “disciplinares”, e de outro passam a fre-quentar os ambientes escolares, sujeitos a no-

    vas formas de vitimização. Na infância tardia eadolescência (entre 11/12 e 18 anos), tambémconhecido como o período da puberdade, ascrianças passam a explorar sua independênciae a frequentar outros espaços que não o seuambiente doméstico; nesta fase elas estão maispropensas a desenvolverem comportamentosde risco, como o consumo de drogas e álcool e

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    a prática de sexo sem proteção. Além disso, amaior interação social favorece o envolvimen-to em movimentos políticos, lutas armadasou atividades criminosas que atraem princi-palmente as crianças que vivem em contextossocioeconômicos desfavorecidos e marginali-zados, aumentando sobremaneira os riscos demorte por homicídio (UNICEF, 2014a).

    Independentemente do tipo de violênciaao qual as crianças estão expostas, é consensoque a vitimização ou a exposição à violência po-dem impactar a saúde física e mental da criança

    e mesmo seu processo de socialização futuro.Pesquisas indicam que quando não se tornamvítimas fatais, elas podem apresentar graves le-sões irremediáveis ao longo da vida e/ou abalospsicológicos de longa duração, como transtor-nos pós-traumáticos que podem afetar seu de-senvolvimento e consequentemente reduzir suacapacidade de aprendizado, atingindo inclusiveseu campo de relações sociais e afetivas (ONU;

    PINHEIRO, 2006; UNICEF, 2014a). Outrosestudos apontam que as crianças expostas à vio-lência sistemática, como aquelas que crescemem sociedades marcadas pela presença de orga-nizações terroristas ou de outros grupos arma-dos, têm alto risco de vitimização interpessoale muitas vezes tendem a se tornarem tambémviolentas (UNICEF, 2014a).

    A vulnerabilidade das crianças com relaçãoà violência é perceptível mesmo nos países queasseguram ocialmente o compromisso com osdispositivos de proteção dos direitos humanose de promoção do desenvolvimento infantil(ONU; PINHEIRO, 2006), comprovando acomplexidade dos elementos que estruturam,reiteram e legitimam a vitimização letal das

    crianças e a necessidade de serem desenvolviferramentas ecazes de mensuração deste prblema (HUNNICU ; LAFREE, 2008). Hánumerosos fatores que, quando combinadoexercem inuência para que a violência ocorSão eles: as características da vítima, da sua mília, do agressor, o contexto no qual a vítimestá inserida e as características gerais da sodade (ONU; PINHEIRO, 2006). Estes fatoresde risco transversais criam uma atmosfera socpropícia à violência e, como resultado, contrbuem mais especicamente para a vulnerabidade infantil com relação à violência com de

    fecho letal. Estes fatores de risco compreendecontextos singulares que envolvem a presençacrianças em fronteiras ou em locais de coniarmado, a custódia de crianças nos mais divesos meios – seja em instituições como o ambiete escolar, em redes de atenção e de cuidadalternativos, seja em instituições de detenção –a permanência de crianças em locais de trabale em situação de rua. Esses componentes ofer

    cem situações de risco que contribuem, muitvezes, para um desfecho letal. Os panoramasseguir representam uma convergência de elmentos que podem aumentar a vulnerabilidadde crianças da América Latina à violência fat

    FATORES ESTRUTURAIS E CONTEXTUATORNAM AS CRIANÇAS VULNERÁVEISVITIMIZAÇÃO FATAL EM DECORRÊNCIA

    VIOLÊNCIA INTERPESSOAL COMUNITÁNA AMÉRICA LATINA

    A América Latina é uma região ampla plural do ponto de vista cultural e socioeconômico. Compreende uma enorme extensãterritorial e inclui países da América Central América do Sul. Na abela 1, apresentam-se países que compõem a região, além de algu

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    FONTE: World Bank Group (www.worldbank.org); Global Status Report on Violence Prevention (WHO; UNODC; UNDP, 2014).(1) Renda nacional bruta (convertida em US$) dividida pela população na metade do ano.

    (2)Dados extraídos das tabelas apresentadas como anexo estatístico ao Global Status Report on Violence Prevention (WHO;UNODC; UNDP, 2014). Todos os demais dados foram extraídos dos pers de cada país apresentados no mesmo relatório.

    (3) Em virtude da ausência de dados referentes a 2014 foram inseridos nestes campos os últimos dados divulgados, emambos os casos, referentes a 2013.

    Tabela 1 – População, área territorial, densidade populacional, PIB percapita e taxa de mortalidade por homicídioAmérica Latina, 2014

    País Populaçãototal(hab.)

    Áreaterritorial(Km2)

    Densidadepopulacional(hab./km 2)

    PIB percapita(US$)(1)

    Taxa demortalidade porhomicídio (por100 mil hab.)

    Argentina 41.803.125 2.780.400 15 14,56 6,0(2)

    Belize 339.758 22.970 15 4,510(3) 39

    Bolívia 10.847.664 1.098.580 10 2,83 33

    Brasil 202.033.670 8.515.770 24 11,76 24,3

    Chile 17.772.871 756.096 24 14,9 4,6(2)

    Colômbia 48.929.706 1.141.748 44 7,78 34

    Costa Rica 4.937.755 51.100 97 9,75 8,8

    El Salvador 6.383.752 21.040 308 3,78 70

    Equador 15.982.551 256.370 64 6,04 13,79

    Guatemala 15.859.714 108.890 148 3,44 34,2

    Guiana 803.677 214.970 4 3,97 17

    Honduras 8.260.749 112.490 74 2,19 85,5

    México 123.799.215 1.964.380 64 9,98 24

    Nicarágua 6.169.269 130.370 51 1,83 12

    Panamá 3.926.017 75.420 53 10,97 17

    Paraguai 6.917.579 406.752 17 4,15 9,7(2)

    Peru 30.769.077 1.285.220 24 6,41 6,5

    Suriname 543.925 163.820 3 9,370(3) 9,4

    Uruguai 3.418.694 176.220 20 16,36 7,9(2)

    Venezuela 30.851.343 912.050 35 12,82 57,6(2)

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    dados por meio dos quais é possível percebera diversidade de cenários, considerando-se ograu de desenvolvimento socioeconômico e osníveis globais de violência, medidos por meioda taxa de mortalidade por homicídio ( MH)por 100 mil habitantes. Mesmo consideran-do a grande disparidade nas MH (cujosvalores variam entre 4,6, no Chile, e 85,5, eHonduras), desde meados da década de 1980reconhece-se a gravidade da situação na região.Com base nos dados doGlobal Status Report (WHO; UNODC; UNDP, 2014), observa-seque 13 entre os 20 países apresentam MH

    superior a 10 por 100 mil habitantes, e em 9as taxas superam 20 por 100 mil.

    Nesta seção discutem-se alguns dos aspec-tos contextuais, característicos de alguns paí-ses da América Latina, que concorrem para amaior vulnerabilidade de crianças à vitimiza-ção fatal em decorrência da violência comuni-tária. Não se pretende discutir exaustivamente

    os aspectos apontados, tampouco explorar aespecicidade de cada um dos países, o queestá além do escopo deste artigo.

    Pinheiro (ONU; PINHEIRO, 2006) armaque, quando o foco de análise é direcionado es-pecicamente à violência contra as crianças, épossível observar que os atos violentos não res-peitam as fronteiras geográcas, de classe, raça,

    religião e cultura. A violência contra as criançasabrange os mais diversicados locais: ambientedoméstico, escolas, locais de trabalho, espaçospara entretenimento, espaço público, centrosde cuidado e instituições de detenção (ONU;PINHEIRO, 2006; FINKELHOR; DZIUBA--LEA HERMAN, 1994). De fato, a violênciacontra crianças é um problema de ordem global

    com proporções epidêmicas que pode alcançqualquer criança em qualquer lugar (em casna escola ou nas ruas) e pode até mesmo atrvessar gerações (UNICEF, 2014).

    Embora a violência seja um problema desfera global que atinge crianças em todo mundo, é notório o fato de que algumas sãparticularmente vulneráveis devido a sua idadgênero, raça, origem étnica ou por algum tipde incapacidade ou status social. Além disscaracterísticas contextuais também resultam edistintos padrões de vulnerabilidade à violênc

    Em termos mundiais, todos os tipos de violêncestão associados a fatores sociais como pobrenormas sociais e culturais de gênero, desemprego, mudanças sociais bruscas, desigualdade gênero e renda (WHO; UNODC; UNDP,2014). Segundo dados da Unicef (2014), entras crianças que sofrem violência, 60% vivem condições de pobreza.

    Conquanto não seja possível compor umcenário unitário, no caso especíco da AmériLatina, os altos índices de violência apresentaconexão com a desigualdade, a dimensão cultudo machismo, a exclusão social – exposta pecontrastes entre a riqueza e a pobreza extremaas oportunidades de vida desiguais enfrentadpelos latino-americanos – tanto com relação adesenvolvimento educacional quanto ao merc

    do de trabalho, em função da alta concentraçãde jovens nesta região –, e com a débil legitimide do monopólio estatal da violência resultanda insuciência do Estado de Direito e das prácas corruptas difundidas na polícia, com um importante crescimento e a consolidação de grupde criminalidade organizada (IMBUSCH; MISSE; CARRIÓN, 2011; UNICEF, 2006).

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    VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL PRATICADA PORAUTORIDADES POLICIAIS

    O informeLa violencia contra niños, niñas yadolescentes(UNICEF, 2006) indica que a vio-lência institucional decorre de diferentes for-mas de violência praticadas pelas instituiçõesdo Estado, seus órgãos e agentes. A violênciainstitucional ocorre tanto no interior das insti-tuições e órgãos de reclusão de meninos, meni-nas e adolescentes que estão em conito coma lei penal, quanto no espaço público, espe-cialmente nas áreas urbanas, durante as rotinasde abordagem de meninos, meninas e adoles-

    centes considerados “em atitude suspeita” porparte das autoridades policiais. Este mesmoinforme demonstra que a violência policialcompreende a violência física (exemplicadatambém pela prática de execução sumária ex-trajudicial e pela falta de proteção dos direitosde pessoas que são vítimas de linchamento), aviolência emocional e patrimonial e tambémpode incluir abusos sexuais. Segundo a Unicef

    (2006), oComité de los Derechos del Niño temrecebido denúncias de maus-tratos e brutalida-de policial e que, apesar de a maioria dos paísesda América Latina proibir a pena de morte, aparticipação de autoridades policiais no assas-sinato de adolescentes em bairros pobres ouque vivem nas ruas parece ser mais frequentedo que informam os meios de comunicação.Em grande parte destes casos, a natureza das

    atividades da polícia é clandestina e não envol-ve políticas institucionais, mas sim a atividadede membros corruptos nas instituições (UNI-CEF, 2006). Nestes contextos, as violaçõessão cometidas por membros de instituiçõesque, a princípio, deveriam ser responsáveispela proteção das crianças e dos adolescentes(UNICEF, 2014). Dados apresentados pelo

    relatório do Movimento Mundial pela Infân-cia (2012)5 indicam que, em Honduras, umagrande quantidade de agentes policiais atua àmargem da justiça, em cumplicidade com seussuperiores e aliados a grupos do crime organi-zado, o que acarreta uma percepção negativaacerca da polícia, como instituição perigosae com funcionários facilmente subornáveis. Ainda de acordo com o Movimento Mundialpela Infância (2012), a polícia de El Salvadorinspira medo, e a população sofre com a faltade respeito e o risco de sofrer medidas repressi-vas sem motivo aparente. Entre as percepções

    apreendidas na Costa Rica, as exigências feitaspela polícia não merecem obediência em vir-tude da falta de exemplo por parte de algunsmembros da corporação. Segundo o relatórioEasy targets: Violence against children worldwi-de (HUMAN RIGH S WA CH, 2001), naGuatemala, as crianças sofrem, de forma ha-bitual espancamentos, furtos e abuso sexualnas mãos da Polícia Nacional e de guardas de

    segurança privada. Os delitos costumam ocor-rer no período da noite, quando é mais difícilidenticar pessoas que possam testemunhar asações, costumeiramente em áreas desertas, nosbecos e nos postos policiais. As crianças que vi-vem nas ruas da Guatemala também sofreramexecuções sumárias extrajudiciais. De acordocom o relatórioHomicídios de Crianças e Jovensno Brasil: 1980-2002 6 (PERES et al., 2006),

    no Brasil, a violência policial atinge mais de50% das vítimas de Graves Violações de Di-reitos Humanos (GVDH) com idade entre 0e 4 anos e 5 a 9 anos (53,66% e 54,14%, res-pectivamente) e também mais de 50% das ví-timas com idades de 10 a 14 e de 15 a 19 anos(52,83% e 53,50%, respectivamente). Aindacom base nos dados do NEV/USP (PERES et

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    al., 2006), 88% dos casos de linchamento e68,53% dos casos de violência policial come-tidos contra crianças e adolescentes de 0 a 19anos, no Brasil, ocorreram no interior de umadelegacia (PERES et al., 2006).

    Conforme armam Jesus & Jesus Filho(2012), os percentuais dos acórdãos proferidospelos ribunais de Justiça da Região Sudestedo Brasil em casos de crime de tortura con-tra crianças e adolescentes totalizam 35,1% douniverso, constituindo 25,7% contra criançase 9,4% contra adolescentes. Contudo, deve ser

    levado em consideração o fato de que, segundoos autores, a quantidade de casos que efetiva-mente são comunicados aos delegados de po-lícia ou a outras instâncias formais de controlenão parece retratar a quantidade real dos casosde relatos de tortura que ocorrem. Esse quadroalarmante se repete em Honduras, onde, entremaio de 2002 e março de 2004, 59 crianças e jovens com idade inferior a 23 anos de idade

    morreram na prisão, entre as quais 41, segun-do a alegação de ONGs locais, foram executa-das ilegalmente por agentes do Estado (ONU;PINHEIRO, 2006).

    No México, verica-se um crescimento daviolência nos últimos anos, inclusive dos ho-micídios, com consequências diretas para ascrianças. Conforme o Human Rights Watch

    (2011), a partir de 2006, por meio de umapolítica nacional de “guerra” ao narcotráco,empreendida especialmente pelo uso de forçasmilitares, várias têm sido as vítimas de execu-ções extrajudiciais, desaparecimentos e tortura.Dessa maneira, a política de segurança adotadanão só tem falhado em combater a criminali-dade, como tem promovido mais violência, ile-

    galidade e medo em muitas regiões do país. Asim, conforme indica Emmerich (2011), comresultado dessa política, quase mil criançasadolescentes perderam a vida. De dezembro d2006 a outubro de 2010, 994 crianças foramassassinadas na luta contra o crime organizdo. No período 2000-2006, esse número tinhsido de 503 crianças, o que indica o crescimeto desse tipo de violência em um curto períodde tempo. Ademais, observa-se um aumentacentuado do estigma contra as crianças qumorrem em uma ação militar contra o trácde drogas, imediatamente associando-as com

    atividade criminal, sem qualquer evidência oinvestigação. Os danos dessa “guerra” são mperversos para as crianças com escassos recsos nanceiros que habitam as regiões fronteriças com altos níveis de violência, como Cidad Juárez e ijuana. Além dos assassinatos dcrianças, muitas outras acabam cando órfpor conta da violência. Apesar dessa situaçãmuito pouco tem sido feito para apurar os ca

    sos e responsabilizar os culpados.

    GANGUES E GRUPOS DECRIMINALIDADE ORGANIZADA

    A violência relacionada ao uso e ao trácde drogas tem se tornado frequente, principalmente nas cidades que crescem rapidamente, mas que apresentam pouco investimento em infraestrutura ou no sistema de

    justiça. Na América Latina, os adolescenttêm sido as vítimas mais frequentes deste tipde violência. Em termos gerais, quase um teço de todos os assassinatos possuem relaçcom gangues ou quadrilhas7, envolvidas dealguma forma com o tráco de drogas ou outras mercadorias ilegais (UNICEF, 2014). Dacordo com Rodgers (1999), existem gangu

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    em diversos países da América Latina, comoPeru, México, Nicarágua, Costa Rica, Gua-temala, Chile, El Salvador, Brasil, Colômbiae Argentina. ambém há registros, emboraescassos, acerca da existência de gangues naVenezuela, no Panamá, Uruguai, Belize eem Honduras (RODGERS, 1999). SegundoImbusch, Misse e Carrión (2011), nos anos1990 iniciou-se um processo de crescimentode amplitude exponencial com relação à in-serção de membros muito jovens em ganguesna América Latina. Segundo a Unicef (2006),este processo se deu, em parte, em virtude das

    condições de pobreza e pela falta de opçõesde trabalho e estudo entre as crianças e jovensque residem em regiões que não são alcança-das pelas oportunidades de desenvolvimen-to. Condições como essas contribuem paraque crianças e adolescentes envolvam-se em

    atividades ilegais, clandestinas e criminosas.Como consequência, tornam-se alvo da arbi-trariedade, da violência policial e, em últimainstância, das execuções sumárias extrajudi-ciais (MOVIMIEN O MUNDIAL POR LAINFANCIA DE LA INOAMÉRICA Y ELCARIBE, 2012).

    Estimar dados relacionados às ganguescompreende grande diculdade, mas é notórioo fato de que o número delas se mostra signi-cativamente alto. De acordo com o relatórioCrime and violence in Central America: A De-

    velopment challenge (WORLD BANK, 2011),até 2011, existiam mais de 900 gangues atu-ando na América Central. A estimativa era deque cerca de 70 mil membros compunhamesses grupos, conforme a abela 2 (WORLDBANK 2011, p. 15):

    Tabela 2 – Número de gangues e de membrosPaíses da América Central, 2011

    País Número de membros dasgangues Número de gangues

    Honduras 36.000 112

    Guatemala 14.000 434

    El Salvador 10.500 4

    Nicarágua 4.500 268

    Costa Rica 2.660 6

    Panamá 1.385 94

    Belize 100 2

    Total 69.145 920

    Fonte: Crime and violence in Central America: A Development challenge (WORLD BANK, 2011).

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    O mesmo relatório (WORLD BANK,2011) mostra ainda que a atuação das ganguesda América Central envolve desde crimes depequena escala e delinquência (como roubos,assaltos e extorsão de empresas locais de ôni-bus e táxis em troca de proteção nos territóriosdominados por gangues, conforme evidencia aatuação dasmaras em Honduras, El Salvador ena Guatemala) até crimes que envolvem violên-cia extrema. Em El Salvador, estima-se que gan-gues foram responsáveis por 8% dos homicídiosem 2003, 9,9% em 2004, 13,4% em 2005 e10,7% em 2006. Na Guatemala, a participação

    de membros de gangues em homicídios tam-bém é bastante expressiva. Estima-se que, entre julho de 2002 e agosto de 2003, membros ouex-membros de gangues estiveram envolvidosem cerca de um terço do total de homicídios. Já em Honduras, estima-se que cerca de 15%dos homicídios estejam relacionados à atuaçãodireta das gangues (WORLD BANK, 2011).

    Em termos gerais, na América Central, tan-to os perpetradores quanto as vítimas da vio-lência são jovens do sexo masculino. Com re-lação a este ponto, na Nicarágua, por exemplo,cerca de metade dos homens que cometemhomicídios tem entre 15 e 25 anos de idadee, em El Salvador, a maioria das pessoas quecometem crimes violentos é homem e jovem,com idade estimada de 23 anos. Os homens

    também são maioria entre as vítimas de homi-cídio na América Central, com idade entre 15e 34 anos (WORLD BANK, 2011).

    O Banco Mundial (2011) faz uso domodeloecológico para delimitar quais são os fatores de ris-co para o envolvimento dos jovens com as gan-gues, e revela que aqueles que participam desses

    grupos pertencem a uma camada vulnerável sociedade. Entre os fatoressociais se destacam: a)cultura de violência, que inclui um conjunto dnormas, valores e atitudes que legitimam a prtica da violência; b) pobreza e desigualdade, qapesar de não apresentarem relação causal coa violência, inuenciam no abandono escolaque é um fator de risco; c) urbanização rápide descontrolada, que contribui para a desorgnização e para a falta de planejamento urbanresultando no aumento do grau de violência; ddesemprego e escassez de atividades para os vens, que aumentam a probabilidade de os jove

    exibirem comportamentos de risco; e) migraçãespecialmente entre crianças e jovens que caseparados de seus pais, como é o caso das crianque migram sozinhas para os EUA; f) tráco drogas, as quais geram comportamento violene dependência química, que por sua vez ocasioo envolvimento com atividades ilícitas e estima participação em redes de distribuição de droge no crime organizado.

    Os fatorescomunitários envolvem: a) bai-xo investimento no sistema escolar, que gerarisco de envolvimento em atividades “prossnais” criminosas; b) violência escolar, como pnição corporal provocada pelos professores atos violentos cometidos entre os próprios estdantes; c) acesso livre à circulação das armasfogo. Entre os fatores de ordeminterpessoal ou

    relacional , são destacados: a) pobreza em termode moradia, que obriga os pais a enfrentaremlongas jornadas de trabalho, deixando seus lhos fora de sua supervisão; b) desestruturaçfamiliar, com o enfrentamento de experiêncide violência no ambiente familiar; c) redes damizade com membros de gangues. Os fatorindividuais incluem o abuso de álcool e o pro-

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    cesso de construção de identidade entre os jo-vens e sua necessidade de pertencer a um grupo,em um sistema que é socialmente excludente.

    Embora se reconheça a participação, cadavez mais precoce, de crianças em grupos decriminalidade organizada e gangues, não exis-tem dados que permitam estimar a extensãodesse problema nem o quanto as crianças sãovitimadas, fatalmente ou não, pela violência(UNICEF, 2014).

    CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA

    O risco de ser vítima de violência por parte deautoridades policiais ou por prossionais respon-sáveis pela segurança privada é mais frequente en-tre crianças que estão em situação de rua. Os atosviolentos contra as crianças de rua cometidos pelapolícia envolvem extorsão, tortura, abuso sexual e,muitas vezes, a morte. As meninas que vivem narua correm o risco de serem abusadas sexualmen-te para que não sejam presas ou mesmo enquanto

    estão sob custódia da polícia. Entre os diversos fa-tores envolvidos nesses casos, o que se destaca é apercepção da polícia de que as crianças de rua sãovagabundas e criminosas, o que se alia à corrupçãoe à cultura de violência por parte dos agentes po-liciais, à inadequação e à falta de implementaçãode um sistema legal de proteção e à impunidadedaqueles que cometem delitos.

    As crianças de rua são vulneráveis porque,além de serem jovens, são pobres, não conhe-cem os seus direitos e frequentemente não es-tão sob a tutela de um adulto. Quando detidaspela polícia, algumas crianças cam sujeitas ainterrogatórios brutais e a métodos de torturaem troca de informações ou de uma supostaconssão. Com o intuito de obter informações,

    as autoridades policiais submetem crianças apunições corporais severas, isolamento, faltade alimentação, insultos e contenção física. A polícia, por vezes, também vê estas criançascomo fonte de dinheiro em troca de proteçãoe da elaboração ilegal de documentos de cus-tódia (HUMAN RIGH S WA CH, 2001).Cerca de 230 milhões de crianças não pos-suem identidade legal e, como consequência,não possuem qualquer possibilidade de acessoà justiça (UNICEF, 2014). Além disso, partedos abusos – que por vezes assumem um cará-ter sistemático e, em última instância, resultam

    em mortes – é fruto da falha das autoridadesgovernamentais em atuar de forma efetiva emfavor da punição dos perpetradores e em agircom rmeza diante de ameaças de retaliação(HUMAN RIGH S WA CH, 2001).

    De acordo com o Human Rights Watch(2001), na Guatemala, as crianças que vivemnas ruas sofrem sistematicamente com furto,

    abuso sexual e espancamento cometidos pelaPolícia Nacional e por guardas de segurançaprivada. Os delitos registrados no relatório cos-tumam ocorrer no período da noite, quando émais rara a presença de testemunhas das açõesilícitas. Por este motivo, os atos violentos sãocostumeiramente realizados em áreas desertas,nos becos e no interior dos postos policiais. En-tre os delitos de ordem mais grave ocorridos no

    país destacam-se casos de execuções sumáriasextrajudiciais cometidas contra crianças em si-tuação de rua (HUMAN RIGH S WA CH,2001). No Brasil também existem relatos e de-núncias de violência contra crianças em situaçãode rua, a exemplo da chacina ocorrida em 1993,que ganhou repercussão como o “Massacre daCandelária”, quando oito crianças foram exe-

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    cutadas por um grupo de extermínio, tambémdenominado esquadrão da morte, do qual par-ticipavam policiais (ROSENBLA , 2014).

    CRIANÇAS EM LOCAIS DE CONFLITO ARMADOEm situações de conito, as crianças são

    os alvos mais frequentes de ações violentas,brutais e indiscriminadas. De acordo com orelatório do Human Rights Watch (2001), aUnicef estima que, na década de 1990, cercade 2 milhões de crianças morreram diretamen-te em decorrência de conitos armados, tantopela atuação de grupos armados, quanto pela

    participação das crianças como “soldados”.Nesses locais, outro grupo de crianças vulne-ráveis compreende as refugiadas, que correm orisco de serem vítimas da violência no seu paísde origem e nas fronteiras onde se refugiam. Além da vulnerabilidade com relação à perdados pais, ao abuso físico, à violência e explora-ção sexual, essas crianças também correm o ris-co de sofrerem ataques, até mesmo letais, nas

    fronteiras (URUSQUIE A, 2014; HUMANRIGH S WA CH, 2001). As meninas apre-sentam maior vulnerabilidade a abusos sexuais.

    Por volta do nal do ano de 2000, observado-res independentes relataram para a Human Rig-ths Watch (2001) que o Exército guatemaltecohavia anunciado a captura de 32 crianças com17 anos ou menos, várias delas com menos de

    14 anos, sendo que um terço das crianças captu-radas era do sexo feminino. Nas guerrilhas, se ascrianças capturadas portam alguma informaçãodas forças de segurança, enfrentam a morte comopunição e esse caso não constituiu exceção: en-tre os soldados mortos em conitos armados, oExército declarou a presença de 20 crianças. Noperíodo de 1995 a 2000, o Human Rights Watch

    (2001) documentou também o recrutamento dcrianças como soldados em conitos armados Colômbia, colocando suas vidas em risco. Enelas, dezenas foram mortas ou capturadas apencontrarem tropas do governo ou das Força Armadas Revolucionárias da Colômbia (Far As forças paramilitares colombianas começava recrutar crianças a partir dos 8 anos de idade, de acordo com estimativas, mais de 50% dforças paramilitares era composta por crianças

    CRIANÇAS REFUGIADAS EM LOCAIS DFRONTEIRA

    As crianças que vivem em locais em guerou conito são postas em uma grave situação vulnerabilidade, como resultado dos riscos letprovenientes da guerra e de situações que as obgam a se retirarem dos seus países, às vezes acpanhadas por seus familiares e outras sem a proção de seus pais, em busca de auxílio em um pde exílio. Em 2013, 8 milhões de crianças foraforçadas a deixar seus países (UNICEF, 2014).

    razões pelas quais essas crianças partem sozinpara as regiões de fronteira podem compreenda busca por oportunidades de emprego ou educção; a fuga de uma situação crônica de pobrezafuga do abuso ou da violência doméstica; a buspor status, bens de consumo ou oportunidadede entretenimento; a busca pela reconstrução dsuas vidas, em resposta ao impacto causado pconitos, por catástrofes naturais ou pelo HIV

    AIDS; a fuga de situações de discriminação (R ALE, 2008). Em situação de guerra, as meninrefugiadas são mais vulneráveis a estupros e otras formas de violência sexual.

    De acordo com o American ImmigrationCouncil (2014), entre as crianças desacompnhadas que ingressaram ilegalmente nos EUA

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    Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 9, n. 2, 12-48, Ago/Set 2015

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    V i t i m i z a ç ã o f a t a l d e c r i a n ç a s n o e s p a ç o p ú b l i c o e m

    d e c o r r ê n c i a d a v i o l ê n c i a

    i n t e r p e s s o a l c o m u n i t á r i a :

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    d i a g n ó s t i c o d a m a g n i t u d e e c o n t e x t o s d e

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    maioria era proveniente do México, de Hondu-ras, Guatemala e El Salvador. Nesse mesmo rela-tório consta que 68.541 crianças foram apreendi-das desacompanhadas na fronteira sudoeste dosEUA 8 pelo Departamento de Alfândega e Prote-ção de Fronteiras, entre as quais 27% eram ori-ginárias de Honduras, 25% da Guatemala, 24%de El Salvador e 23% do México (AMERICANIMMIGRA ION COUNCIL, 2014). Ainda deacordo com o órgão americano, esse movimentode crianças –acompanhadas ou desacompanha-das – não se limita aos EUA, pois há um trânsitode pessoas que, devido às condições de insegu-

    rança que enfrentam em El Salvador, Guatemalae Honduras, têm partido destes países em buscade refúgio no México, na Nicarágua, no Panamá,na Costa Rica e em Belize.

    A VITIMIZAÇÃO FATAL: HOMICÍDIOS DE CRIANÇASE ADOLESCENTES NA AMÉRICA LATINA

    Homicídio é aqui entendido como a mor-te ilegal cometida de maneira intencional por

    uma pessoa. Suas motivações são geralmentemúltiplas e apresentam-se sobrepostas, in-cluindo conitos interpessoais, atividadescriminosas, entre outros (UNODC, 2013).Numa perspectiva de curso de vida, Christo-ffel (1984) indica a possibilidade de caracte-rizar os homicídios entre as crianças por meiode três subtipos, tendo como base mudançasde vulnerabilidades no desenvolvimento das

    crianças: infanticídio, abuso infantil e ne-gligência fatal, e homicídio na comunidade.Essa classicação sugere diferentes fatores,ambientes e atores envolvidos nessas mor-tes. O infanticídio estaria relacionado às di-culdades no cuidado parental no início davida, associadas a fatores de estresse e outrasdiculdades emocionais dos cuidadores que

    poderiam desembocar na vitimização fatal.Com o crescimento da criança, os homicídiosestariam fortemente atrelados à punição físicacomo forma de disciplinamento. Com o pas-sar do tempo, situações de interação na co-munidade seriam mais responsáveis por essetipo de violência, que passa a ser mais acentu-ada entre os meninos (UNICEF, 2014a).

    Assim, diferentes estudos têm indicado que aocorrência de homicídios entre as crianças variade acordo com a idade da vítima, de modo que afaixa-etária entre 15 e 17 anos exibe o maior risco.

    O segundo grupo é o de bebês. O risco de mortechega a ser três vezes maior para crianças menoresde um ano de idade do que para aquelas com ida-de entre 1 e 4 anos, que, por sua vez, enfrentamo dobro do risco de pessoas com idade entre 5 e14 anos (ONU; PINHEIRO, 2006). Além disso,quanto mais jovem a criança, maior a probabili-dade de sua morte ser causada por um membropróximo da família. A maioria dos assassinatos das

    crianças menores de um ano de idade é perpetradapor um ou ambos os pais da criança, frequente-mente a mãe. De 50% a 75% dos assassinatos decrianças com idade inferior a 10 anos são cometi-dos por membros da família. Essa proporção di-minui a cerca de 20% quando se consideram osassassinatos de crianças de 10 a 14 anos, e a 5%dos assassinatos de jovens de 15 a 19 anos (ONU;PINHEIRO, 2006). Em contraste, a vulnerabili-

    dade de uma criança à violência na comunidadeaumenta com a idade, maturidade e intensicaçãode contatos com outras esferas de sociabilidade.

    Apesar desses padrões gerais, outro aspecto deextrema importância na vitimização das criançaspor homicídio diz respeito aos contextos sociaisdos quais elas fazem parte. Assim, diferentes pa-

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