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VOLUME REVISTA TRIMESTRAL DE JURISPRUDÊNCIA julho a setembro de 2016 237

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VOLUME

REVISTA TRIMESTRALDE JURISPRUDÊNCIA

julho a setembro de 2016

237

volume 237julho a setembro de 2016

REVISTA TRIMESTRAL DE JURISPRUDÊNCIA

Solicita-se permuta.Pídese canje.On demande l’échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.Wir bitten um Austausch.

(Supremo Tribunal Fe deral — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Fe deral. – V. 1, n. 1 (abr./jun. 1957) – . – Brasília : STF, 1957‑ .

v. ; 22 x 15 cm.

Trimestral.

Título varia: RTJ.

Repositório Oficial de Jurisprudência do Supremo Tribunal Fe deral.

Nome do editor varia: Imprensa Nacional / Supremo Tribunal Fe deral, 1957 a 2001; Editora Brasília Jurídica, 2002 a 2006; Supremo Tribunal Fe deral, 2007‑ .

Disponível também em formato eletrônico a part. r de abr. 1957: http://www.stf.jus.br/portal/indiceRtj/pesquisarIndiceRtj.asp.

ISSN 0035‑0540.

1. Tribunal supremo, jurisprudência, Brasil. 2. Tribunal supremo, periódico, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Fe deral (STF). Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. II. Título: RTJ.

CDD 340.6

Edição Secretaria de Documentação / Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência

Capa e projeto gráfico Eduardo Franco Dias

Diagramação Camila Penha Soares, Eduardo Franco Dias, Neir dos Reis Lima e Silva, Patrícia Amador Medeiros e Roberto Hara Watanabe

Livraria do SupremoSupremo Tribunal Fe deral, Anexo II-A, Cobertura, Sala 624 Praça dos Três Poderes – 70175-900 – Brasília-DF [email protected] Fone: (61) 3217-4780

SU PRE MO TRIBUNAL FEDERAL

Mi nis tro Enrique Ricardo Lewandowski (16‑3‑2006), Presidente

Mi nis tra Cármen Lúcia Antunes Rocha (21‑6‑2006), Vice‑Presidente

Mi nis tro José Celso de Mello Filho (17‑8‑1989), Decano

Mi nis tro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (13‑6‑1990)

Mi nis tro Gilmar Ferreira Mendes (20‑6‑2002)

Ministro José Antonio Dias Toffoli (23‑10‑2009)

Ministro Luiz Fux (3‑3‑2011)

Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa (19‑12‑2011)

Ministro Teori Albino Zavascki (29‑11‑2012)

Ministro Roberto Barroso (26‑6‑2013)

Ministro Luiz Edson Fachin (16-6-2015)

SUMÁRIO

Acórdãos � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 7

Índice alfabético � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 353

Índice numérico � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 365

ACÓRDÃOS

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO 22 — DF

Relatora: A sra. ministra Cármen LúciaRequerente: Procurador‑geral da RepúblicaInteressados: Presidente da República

Congresso NacionalAmici curiae: Associação Brasileira da Indústria da Cerveja – CERVBRASIL

Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP

Ação direta de inconstitucionalidade por omissão� Regulamentação de propaganda de bebidas de teor alcoólico inferior a treze graus Gay Lussac (13 °GL)� Ausência de omissão� Atuação do Poder Legisla‑tivo� Art� 2º da Constituição da República� Impossibilidade de atuar o Supremo Tribunal Federal como legislador positivo, substituindo‑se ao Poder Legislativo na definição de critérios adotados na aprovação das normas de propaganda de bebidas alcoólicas: precedentes� Ação julgada improcedente� Decisão com efeitos vinculantes�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, por maioria, em conhecer da ação, vencido o Ministro Marco Aurélio, que declarava o autor parcialmente carecedor da ação� Por unanimi‑dade, julgou improcedente a ação, acentuando‑se que, transitada em julgado, esta decisão tem efeito vinculante, tudo nos termos do voto da Relatora� Impe‑dido o Ministro Teori Zavascki� Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto

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Barroso, que representa o Tribunal na “Brazil Conference”, na Universidade de Harvard, e na “Brazilian Undergraduate Student Conference”, na Universidade de Columbia, Estados Unidos� Falaram, pelo amicus curiae Associação Brasileira da Indústria da Cerveja – CERVBRASIL, o Dr� Gustavo Binenbojm e, pelo amicus curiae Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, o Dr� Eduardo Antônio Lucho Ferrão�

Brasília, 22 de abril de 2015 — Cármen Lúcia, Relatora�

RELATÓRIO

A sra. ministra Cármen Lúcia: 1. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão proposta pelo Procurador‑Geral da República contra “omissão legis-lativa parcial, tendo em vista ausência prolongada de regulamentação acerca da propaganda de bebidas de teor alcoólico inferior a treze graus Gay Lussac (13 ºGL), em desacordo com o comando constitucional previsto no art. 220, § 4º”�

O caso2. O Autor sustenta que, embora o art� 220, § 4º, da Constituição da República preveja que “a propaganda de bebidas alcoólicas estará sujeita a restrições legais, incluída advertência , sempre que necessário, sobre os malefícios decorrentes de seu uso”, a Lei nacional n� 9�294/1996, que cuida da matéria, prevê “regulamen-tação (…) apenas parcial, visto que a própria lei, no que tange especificamente às bebidas alcoólicas, restringiu seus efeitos àquelas bebidas com teor alcoólico superior a treze graus (13 ºGL)” (grifos nossos).

Assevera o Autor coincidir o objeto da presente ação com o da Ação Direta de Inconstitucionalidade n� 1�755/DF que, nos termos do voto do Ministro Nelson Jobim, então relator, não foi conhecida, por maioria, pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal porque “se tratava, na hipótese, de uma omissão legislativa parcial, de modo que a declaração de inconstitucionalidade do dis-positivo legal impugnado não se prestaria para atingir a finalidade almejada – a regulamentação constitucional e, em última análise, a proteção da sociedade – o que somente seria possível através da extensão da norma (legislador positivo), e não de sua supressão”.

Destaca haver projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional (PL 2�733 e PL 4�846, por exemplo) que, entretanto, não têm sido objeto de deliberações pelas Casas Legislativas, o que evidenciaria a “omissão legislativa parcial, agravada pelo desarrazoado transcurso de tempo, em assunto de relevante interesse social”�

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Pede “seja declarada a mora legislativa parcial quanto à regulamentação do art. 220, § 4º, da Constituição, com extensão das normas previstas na Lei n. 9.294/96 a todas as bebidas alcoólicas, independentemente do seu teor de álcool, até que seja superada a lacuna legislativa”.

3. Em 10‑12‑2012, adotei o rito do art� 12 da Lei n� 9�868/1999�4. A CERVBRASIL – Associação Brasileira da Indústria da Cerveja e a ABERT

– Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão foram admitidas como amici curiae.

5. Em suas informações, o Senado Federal manifestou‑se pelo não conheci‑mento da ação e, no mérito, por sua improcedência�

Após relatar a tramitação do Projeto de Lei (n� 4�556/1989 – Câmara dos Deputados e n� 114/1992 – Senado Federal) que se converteu na Lei n� 9�294/1996, o Senado Federal argumentou que “o pedido formulado pelo autor na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade desborda do regramento legal aplicável à espécie [porque] a lei não autoriza o Supremo Tribunal Federal, sponte propria, a suprir a eventual omissão inconstitucional, mas prescreve tão somente que a Corte determine a adoção de providências – e possibilita, em caso de cautelar (art. 12-F), a suspensão da eficácia da norma impugnada no caso de omissão parcial (…) Assim, diante da impossibilidade jurídica do pedido, requer-se o não conhecimento da ADO”.

No mérito, defendeu a improcedência do pedido�Alegou que “a motivação para a rejeição da emenda citada, que previa a apli-

cação das restrições a todas as bebidas alcoólicas, consta do Parecer do Senador Gilvam Borges, aprovado pelo Plenário da CAS, e diz respeito a dois fundamentos: primeiro, porque a emenda modificava as regras estabelecidas e amplamente aceitas pela sociedade civil no CONAR (Código Nacional de Autorregulamen-tação Publicitária); segundo, por alegadamente desprezar os debates havidos, até então, com as entidades da sociedade civil. Veja-se, portanto, que o Senado Federal debateu efetivamente a questão, entendendo adequada a restrição da publicidade, por meio de Lei, apenas para as bebidas alcoólicas com titulação superior a 13 °Gay Lussac”.

Invocando o princípio da subsidiariedade, alegou que o Conselho Nacio‑nal de Autorregulamentação Publicitária – CONAR “conta com a adesão dos maiores veículos de comunicação de nosso País, tendo força expressiva e sufi-ciente para fazer valer as suas decisões em caso de violações éticas ou ao Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária. (…) O fato deste controle – e, por-tanto, do amparo ao bem jurídico constitucionalmente tutelado – ser exercido

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prevalentemente por uma entidade da sociedade civil não deve causar espanto, nem provocar, per se, o entendimento de omissão inconstitucional do legislador”�

Pondera que “a decisão de não legislar pode ser, como parece o caso presente, uma decisão legítima, desde que o bem jurídico continue amparado (…). O Con-gresso Nacional entendeu, no momento da elaboração da lei pertinente, que a publicidade de bebidas alcoólicas com teor inferior a 13° já estava bastante limi-tada pelos controles sociais pertinentes; parece que tal entendimento, de fato, é razoável, pois obedece ao princípio da subsidiariedade – que é uma decorrência da dignidade humana e da liberdade, ambos preceitos elevados ao mais alto patamar de proteção constitucional na ordem jurídica pátria”�

Conclui que “a limitação, por via de lei ordinária, da publicidade de bebidas alcoólicas inferiores a 13° não passou pelo teste de proporcionalidade efetuado pelo legislador, dada a ausência, no caso, do subprincípio da necessidade – em vista da existência presente de meio menos gravoso para a realização dos mesmos objetivos, notadamente a autorregulamentação. (…) Desse modo, quanto às bebi-das de teor alcoólico menor, percebe-se que não haveria também proporcionali-dade em sentido estrito entre os bens restringidos (liberdade de comunicação e de imprensa, livre atividade econômica, com efeitos em todo mercado publicitário, etc.) e o mal a ser evitado (publicidade de bebidas como cervejas e vinhos, cujas restrições já existem por via de autorregulamentação)”�

6. A Advocacia‑Geral da União manifestou‑se, preliminarmente, pela “ impos-sibilidade jurídica do pedido (…) [porque] a pretensão (…) não encontra guarida na jurisprudência desse Excelso Tribunal, que é pacífica no sentido de não ser possível ao Poder Judiciário adotar providências com o objetivo de suprir a ina-tividade do órgão legislativo inadimplente, pois isso afrontaria a independência conferida ao Poder Legislativo para o exercício de sua função precípua de legislar”.

No mérito, sustentou a improcedência do pedido ao argumento de ter sido “uma opção consciente do legislador excluir as bebidas de baixo teor alcoólico da regulamentação levada a efeito pela Lei n. 9.294/96, (…) resta[ndo] evidente que tal exclusão não se deu de modo arbitrário ou insipiente, mas após a ponderação dos diversos fatores sociais e econômicos envolvidos e diante da participação da sociedade civil no debate”�

Destacou que no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária “ há normas específicas quanto à publicidade de bebidas alcoólicas (…), [a evidenciar] a existência de mecanismos aptos a garantir à sociedade a possibilidade de se defender da propaganda de bebidas alcoólicas que possam ser nocivas à saúde. Tais mecanismos encontram-se consubstanciados tanto na Lei federal n. 9.294/96

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quanto na autorregulamentação do tema por parte da sociedade civil, através de órgãos como o CONAR”.

Aduziu “não se verifica[r] abstenção legislativa justificadora do cabimento de ação direta de inconstitucionalidade por omissão quanto ao artigo 220, § 4°, da Lei Maior, razão pela qual não deve ser acolhida a pretensão do autor”�

7. A Procuradoria‑Geral da República, reiterando os argumentos apresentados na petição inicial, manifestou‑se “pelo conhecimento e procedência do pedido”.

É o relatório, cuja cópia deverá ser encaminhada a cada um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (art� 9º da Lei n� 9�868/1999 c/c art� 87, inc� I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal)�

VOTO

A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): 1. Objeto da presente ação é alegada omissão parcial inconstitucional do Congresso Nacional em regulamentar a propaganda de bebidas alcoólicas com teor inferior a 13 °Gay Lussac�

2. O Autor sustenta que, embora previsto no art� 220, § 4º, da Constituição da República que “a propaganda de bebidas alcoólicas estará sujeita a restrições legais, incluída advertência, sempre que necessário, sobre os malefícios decorrentes de seu uso”, na Lei nacional n� 9�294/1996, sobre a matéria, está estabelecida a “regulamentação (…) apenas parcial, visto que a própria lei, no que tange especi-ficamente às bebidas alcoólicas, restringiu seus efeitos àquelas bebidas com teor alcoólico superior a treze graus (13 °GL)” (grifo nosso).

3. O art� 220, § 4º, da Constituição da República dispõe:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

(…)§ 3º Compete à lei federal:(...)II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibili-

dade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medi-camentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os male-fícios decorrentes de seu uso.”

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4. A discussão sobre propaganda de bebidas alcoólicas não é inédita neste Supremo Tribunal�

5. Na assentada de 15‑10‑1998, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionali‑dade n� 1�755/DF, Relator o Ministro Nelson Jobim, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal concluiu:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI FEDERAL. RESTRIÇÕES AO USO E À PROPAGANDA DE PRODUTOS FUMÍGEROS, BEBIDAS ALCOÓLICAS, ETC. IMPUGNAÇÃO DO DISPOSITIVO QUE DEFINE O QUE É BEBIDA ALCOÓLICA PARA OS FINS DE PROPAGANDA. ALEGADA DISCRIMINAÇÃO LEGAL QUANTO ÀS BEBIDAS COM TEOR ALCOÓLICO INFERIOR A TREZE GRAUS GAY LUSSAC. A SUBTRAÇÃO DA NORMA DO CORPO DA LEI, IMPLICA EM ATUAR ESTE TRIBUNAL COMO LEGISLADOR POSITIVO, O QUE LHE E VEDADO. MATÉRIA PARA SER DIRIMIDA NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL. PRECEDEN-TES. AÇÃO NÃO CONHECIDA.” (DJ 18-5-2001)

Em seu voto, o Ministro Nelson Jobim destacou:

“O dispositivo impugnado define o âmbito de aplicação das regras limitadoras da propaganda comercial.

Leio:Art. 1º. (...)

Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.

O legislador entendeu de limitar a aplicação das específicas restrições que criou às bebidas com teor alcoólico superior a 13°Gay Lussac.

Está a Câmara dos Deputados discutindo o Projeto de Lei 3.358/97 (Dep. Elias Murad).Lá se debate a extensão, ou não, dessas mesmas restrições às bebidas com teor

alcoólico inferior a 13°Gay Lussac.Vê-se, desde logo, que o pedido, nesta ação, importa em pretender transformar o

STF em legislador positivo.Se declararmos a inconstitucionalidade da regra, estaremos estendendo as res-

trições da lei a âmbito por ela não alcançado e desejado.A Constituição determina que “a propaganda comercial de ... bebidas alcoólicas,

... estará sujeita a restrições legais, ...” (art. 220, §4º).Atribui a Constituição à “ lei federal ... estabelecer os meios legais que garantam à

pessoa e à família a possibilidade de se defenderem ... da propaganda de produtos ... nocivos à saúde ...” (art. 220, §3º, II).

O legislador, na linha determinada pela Constituição, resolveu dispor, na Lei 9.294/96, sobre o uso e a propaganda de “produtos fumígeros”, “ de bebidas alcoóli-cas com teor superior a 13°Gay Lussac”, de medicamentos e de defensivos agrícolas.

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Não dispôs a lei sobre bebidas com teor alcoólico inferior a 13°Gay Lussac (cer-veja, vinhos, etc.).

Poderia fazê-lo, mas não o fez. O projeto do Deputado Elias Murad, em tramitação na Câmara dos Deputados,

quer estender as restrições da lei a todas as bebidas com qualquer teor alcoólico.Já o Relator do Projeto diverge.Quer a introdução de restrições diferenciadas às mencionadas bebidas:(a) não inserção “... em programas destinados à infância, nem nos intervalos

comerciais imediatamente anteriores ou posteriores, inclusive nos filmes de clas-sificação livre para qualquer idade”;

(b) conter “... a advertência que o uso excessivo é prejudicial à saúde nos pôsteres, painéis, cartazes, jornais e revistas;

(c) não utilização “... de modelos ou personagens menores de 18 anos” (fls. 194/195).Está a Câmara dos Deputados discutindo a matéria.Na verdade, o PARTIDO LIBERAL pretende, ao fim e ao cabo, ampliar o âmbito

de aplicação da lei, que foi expressamente definido pelo legislador.Não será este Tribunal, pela via da declaração de inconstitucionalidade, que irá

decidir qual a melhor forma de tratar o tema.Tal pretensão fere jurisprudência assentada.Leio:

“Ao Supremo Tribunal Federal, em sede de controle normativo abstrato, somente assiste o poder de atuar como legislador negativo. Não lhe compete, em consequência, praticar atos que importem em inovação de caráter legisla-tivo, tal como a modificação da data já fixada pelo Congresso Nacional para a realização de eleições municipais.” (ADI 779, CELSO DE MELLO)

Poder-se-ia, no máximo, entender que há omissão do Congresso Nacional na disciplina da propaganda das bebidas com teor alcoólico inferior a 13 ºGay Lussac.

O pedido do PARTIDO LIBERAL é pela declaração da inconstitucionalidade de dispositivo expresso.

Nada quanto à eventual inconstitucionalidade por omissão.O lugar próprio para a pretensão do PARTIDO LIBERAL é o Congresso Nacional.Não conheço da ação” (DJ 18‑5‑2001)�

O Ministro Sepúlveda Pertence enfatizou:

“não conheço da ação direta pois, de fato, o que se tem é uma imputação de incons-titucionalidade por omissão: pretende o Partido que se deveria ter restringido, também, a publicidade de bebidas alcoólicas de menor teor alcoólico. (…)

Gramaticalmente, sim, daria para cortar palavras. Mas, na verdade, o que se pre-tende é abranger hipótese que o legislador não quis compreender na norma proibitiva.

Indaga-se: a Constituição manda estendê-la? Não, a Constituição submete a pro-paganda de bebidas alcoólicas às restrições da lei: não obriga a existência de tais restrições; e, sobretudo, não pode obrigar a que as restrições da lei, sejam estendidas

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à universalidade das bebidas alcoólicas. O legislador será o juiz do alcance das restrições que estabelecer.” (DJ 18‑5‑2001)�

Ao votar, o Ministro Néri da Silveira ponderou:

“Mas aqui o que a Constituição quer? Quer que haja uma proteção para saúde, impedindo propaganda quanto a bebidas alcoólicas. Agora, o que são bebidas alcoólicas?” (DJ 18‑5‑2001)�

Seguiram‑se os debates:

“O SR. MINISTRO MOREIRA ALVES: Vejam V. Exª, o Ministro Velloso, a princípio, parece que estava interpretando esse inciso da Constituição no sentido de que todas as bebidas alcoólicas, necessariamente, têm que sofrer restrição, mas não é isso, por isso que salientei: E os medicamentos? Quer dizer que todos os medicamentos têm que ter uma restrição de propaganda?

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: E mais, restrições idênticas. Ainda que na Constituição se pudesse ler que todas as bebidas devessem sofrer restrições, então o legislador teria cumprido pela metade o seu mandato. Mas isso é inconstitucio-nalidade por omissão relativa.

O SR. MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: Veja o que diz o § 4º: “A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre malefícios decorrentes do seu uso.”

Então a Lei entende que o legislador é quem vai disciplinar essa matéria.Agora, vem uma determinada disciplina contra a qual se diz ser ela uma disciplina

que atenta contra essa norma. Se atenta contra essa norma, ou não atenta, é mérito.É razoável estabelecer que somente as bebidas que tenham um teor acima de treze

graus é que ficam sujeitas? Vamos ver se isso é razoável ou não. Se entendemos que é razoável, estamos fazendo um juízo de mérito. Estaremos, por isso mesmo, julgando improcedente a ação, entendendo que esta Lei não é inconstitucional.” (DJ 18‑5‑2001)

6. Naquele julgamento, este Supremo Tribunal Federal, por maioria, assen‑tou o não cabimento da ação, ao fundamento de não lhe competir agir como se legislador fosse, para ampliar as restrições afetas à propaganda de bebi‑das alcoólicas�

7. Na espécie vertente, autuado o processo originalmente como Ação Direta de Inconstitucionalidade n� 4�881, busca o Autor “seja declarada a mora legisla-tiva parcial quanto à regulamentação do art. 220, § 4º, da Constituição, com exten-são das normas previstas na Lei n. 9.294/96 a todas as bebidas alcoólicas, inde-pendentemente do seu teor de álcool, até que seja superada a lacuna legislativa”.

8. A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou, com fun‑damento na interpretação dos princípios da harmonia e independência entre

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os poderes, a impossibilidade de, em sede jurisdicional, criar‑se norma geral e abstrata em substituição ao legislador�

9. No julgamento da Medica Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionali‑dade n� 1�439/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, o Plenário deste Supremo Tribunal afirmou:

“EMENTA: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO. MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situa-ção de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a incons-titucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de pres-tação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto consti-tucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. (...) INCONSTITUCIO-NALIDADE POR OMISSÃO. DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judi-cial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerro-gativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente.” (DJ 30-5-2003, grifos nossos)

10. Na espécie em foco, o primeiro item a ser considerado é se haveria a alegada parcial omissão inconstitucional em matéria de propaganda de bebida alcoólica�

11. No exercício da atribuição conferida pelo Poder Constituinte Originário, o legislador federal aprovou a Lei n� 9�294/1996:

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“Lei n. 9.294, de 15 de julho de 1996Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas

alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal.

Art. 1º O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, de bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.”

Constava do Projeto de Lei n� 4�556/1989, de autoria do Deputado Elias Murad e outros:

“Art. 5º Considera-se, para efeito desta Lei, bebida alcoólica, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a 13 (treze) graus Gay Lussac.”

No projeto se apresentam as seguintes justificativas:

“Os produtos alcoólicos completam o elenco daqueles sujeitos à propaganda com restrições. Aqui, as nuances são evidentes: não há dúvida de que sua ingestão moderada pode ser até mesmo estimulada. Ao que parece, o álcool em pequena quantidade, pode até ser benéfico à saúde, diminuindo a formação das chamadas lipoproteínas de alta densidade e contribuindo para reduzir o risco de infarto no miocárdio. Além disso, desde tempos imemoriais, o vinho acompanha o homem e, ainda hoje, é produto alimentício cotidiano em diversos países da Europa, geral-mente sem prejuízo da saúde. De outro lado, o abuso do consumo de bebida forte, destilada acima de 40% em volume, tem constituído grave problema em quase todo o mundo. Assim, há que, desde logo, distinguir-se a bebida leve da bebida forte.

O projeto de lei que ora apresentamos procura equilibrar todos os aspectos. De um lado por considerar que a publicidade é um fator ponderável ao estímulo do consumo, consequentemente da produção e da geração de empregos. De outro, porque pode e deve ser utilizada nos dois sentidos, quando promover a utilização abusiva de produtos necessários, mas de utilização perigosa. E, finalmente, quando conscientiza o cidadão sobre os riscos do consumo e de outros produtos.

Acreditamos que o presente projeto se situa dentro do razoável e representa uma importante conquista para aqueles que são vítimas, indiretas e inocentes, do uso indiscriminado e abusivo dos produtos cuja publicidade esta lei regulamenta.”

O Presidente do Senado Federal expõe em suas informações que

“o projeto ganhou substitutivo na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, ocupando a disposição em tela o parágrafo único do art. 1°, com idêntico teor ao art. 5º da proposição original.

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Finalmente aprovado na Câmara, por meio das comissões, o projeto seguiu para o Senado Federal, onde a proposta foi autuada como Projeto de Lei da Câmara n. 114/1992 e apensada a outras propostas análogas.

Com base na aprovação de requerimento n° 196/93, o projeto foi submetido à deliberação do plenário, onde recebeu parecer de plenário, de relatoria de Sua Excelência o Senador CID SABÓIA DE CARVALHO, em substituição à Comissão de Assuntos Sociais.

Neste parecer, o relator enfrentou o mérito da questão, posicionando-se contraria-mente a distinção entre bebidas alcoólicas fortes ou fracas. Argumentou, de modo central, que o favorecimento de bebidas ‘ de iniciação’, cujo uso é mais frequente entre adolescentes.

Afirma o relator:Discordamos, no caso das bebidas alcoólicas, do disposto no parágrafo único, do art. 1°, do PLC n° 114, de 1992, de autoria do eminente Deputado Elias Murad e outros, quando diz: “Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeito desta lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a 13 (treze) graus Gay Lussac”.Ora, a exclusão de bebidas alcoólicas de titulação abaixo de 13° vem frustrar completamente o escopo da própria lei, pois favorece ainda mais aquelas bebidas chamadas pela literatura especializada ‘ de iniciação’, que se situam em graus alcoólicos abaixo dos )3”, sendo as mais comuns o vinho e a cerveja. Esta, sobre-tudo, é a responsável pelo estupendo aumento do consumo de álcool, no mundo, nos últimos vinte anos, coincidentemente pela elevação rápida e exponencial de seu uso na América Latina, na Ásia, e nos países africanos, geralmente após a implantação de cervejarias transnacionais, o que parece não ser o caso do Brasil, mas que de qualquer forma entrou na onda de publicidade massificante. É de se ressaltar que seu uso é de longe mais frequente entre a população jovem, inclusive adolescentes, daí o seu epíteto de ‘ bebida de iniciação’. (…)

Ademais, tanto a cerveja quanto o vinho levam facilmente à embriaguez ou senão a alterações fisiológicas importantes e potencialmente nocivas ao indi-víduo ou a terceiros”.

No substitutivo apresentado, é excluído o parágrafo único do art. 1º do projeto de lei.Em virtude de aprovação de requerimento de tramitação conjunta, o processo

voltou à Comissão de Assuntos Sociais, sem votação do parecer anteriormente apresentado pelo Relator em Plenário, Senador CID SABÓIA, em substituição ao Senador AMIR LANDO.

Na Comissão, o projeto recebeu o Parecer n° 332, de 1995, de autoria do Sena-dor GILVAM BORGES. Aqui, o anterior substitutivo foi convertido em proposta de emenda nº I, analisada no parecer nos seguintes termos:

Trata-se de substitutivo integral que, sem dúvida, enriquece a discussão da matéria, mas altera integralmente o texto original do PLC 114/92, modificando substancialmente regras já estabelecidas e aceitas por toda a sociedade como

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o Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR. Além de desprezar três anos de discussão da matéria com entidades da sociedade civil.Pela rejeição”�

Este parecer foi aprovado pela Comissão em 3-5-1995. Assim, o substitutivo apresen-tado pela Comissão de Assuntos Sociais voltou a contar com o parágrafo único do art. 1°, considerando bebidas alcoólicas apenas aquelas com titulação superior a 13°.

Encaminhado o processo à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, foi emitido o Parecer n° 333, de 1995, também de autoria do Senador GILVAM BORGES. Neste documento, Sua Excelência ressalta:

Submetido à apreciação do Senado Federal, o Projeto de Lei da Câmara nº 114, de 1992, de autoria do ilustre Deputado Federal Elias Murad, foi inicialmente distribuído à Comissão de Assuntos Sociais, em 11 de dezembro de 1992.Durante a tramitação das proposições em epígrafe, foi deliberado, através do Requerimento n° 839, de 1993, subscrito pelo ilustre Senador João Rocha, que estas deveriam ser submetidas à apreciação desta Comissão de Assuntos Eco-nômicos do Senado Federal.

Louvável e compreensível a preocupação do Senador João Rocha, quanto aos aspectos econômicos envolvidos na matéria em discussão, haja vista que o objeto dos projetos de lei atingem a indústria do fumo e derivados, de bebidas alcoó-licas, de terapia e de defensivos agrícolas. Estes setores, conforme é de público conhecimento, representam parcela considerável do produto interno bruto bra-sileiro, além de grande fonte de arrecadação tributária.

Convém ressaltar, contudo, que, por maior que sejam esta importância e rele-vância elas devem ser meras coadjuvantes à preocupação do poder público com a saúde da população. Será portanto, dentro deste espírito, que apreciaremos o mérito das proposições.

Ao Projeto de Lei da Câmara, n. 114, de 1992, foram anexadas o Projeto de Lei da Câmara n° 131, de 1992, (PL n° 1.603-B de 1991 na origem), que institui a obrigato-riedade da colocação de frase de advertência nas embalagens, rótulos e bulas de medicamentos “e os Projetos de Lei do Senado n. 344, de 1991, que regulamenta e disciplina o uso de propagandas de bebidas alcoólicas e dá outras providências”, e n° 19, de 1995, que” obriga a inserção da advertência, no rótulo dos recipientes de bebidas alcoólicas, de serem os efeitos destas bebidas prejudiciais à saúde e dá outras providências. Também foram apresentadas ao PLC n. 114, de 1992, na Comissão de Assuntos Sociais, 17 emendas, subscritas pelos Senhores Senadores Amir Lando, Meira Filho e Esperidião Amin.

A Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal aprovou, por unanimi-dade, Substitutivo (em anexo) que representou grande união de esforços, no sentido de conferir ao tema tratamento infraconstitucional compatível com a realidade nacional. Nesse sentido, buscou-se conciliar o inarredável interesse dos consumidores, com as políticas governamentais consubstanciadas no Por-taria Interministerial n. 477, de 24 de março de 1995, firmada pelos Ministros da Saúde, Adib Jatene, da Justiça, Nelson Jobim e das Comunicações, Sergio Motta.

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A citada Portaria, convém sublinhar, resulta de compromisso amplamente negociado por diversas entidades civis representativas, tais como: a ABERT – Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão, a ABA – Associação Brasileira de Agências de Propaganda, a ANJ – Associação Nacional de Jornais, a ANER – Associação Nacional dos Editores de Revistas, e a ABIFUMO – Asso-ciação Brasileira da Indústria do Fumo.

Em face de todo o exposto, somos favoráveis à aprovação, por esta Comissão de Assuntos Econômicos, do Projeto de Lei da Câmara n. 114, de 1992, nos termos do substitutivo aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais desta Casa, reiterando que o mesmo conferirá normatividade infraconstitucional à matéria em confor-midade com o preceito insculpido n§ 4º do artigo 220, da Constituição Federal, pela prejudicialidade das demais emendas apresentadas, e pelo arquivamento dos seguintes projetos de lei: PLC n. 131, de 1992, PLS n. 344, de 1991 e PLS n. 19, de 1995, cujos escopos foram alcançados pelos Substitutivos apresentado.

Levado ao Plenário, o projeto foi aprovado com a redação oferecida pela Comissão Diretora, conforme Parecer n. 418, de 1995, com mesma redação do substitutivo, no que tange às disposições de que se trata na presente ação.

Encaminhado à Câmara, a emenda do Senado Federal foi integralmente aprovada e submetida à sanção presidencial, o que ocorreu em 15 de julho de 1996.”

12. Nesse quadro, o Presidente do Senado Federal afirma que

“a motivação para a rejeição da emenda citada, que previa a aplicação das restri-ções a todas as bebidas alcoólicas, consta do Parecer do Senador Gilvam Borges, aprovado pelo Plenário da CAS, e diz respeito a dois fundamentos: primeiro, porque a emenda modificava as regras estabelecidas e amplamente aceitas pela sociedade civil no CONAR (Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária); segundo, por alegadamente desprezar os debates havidos, até então, com as entidades da sociedade civil.

Veja-se, portanto, que o Senado Federal debateu efetivamente a questão, enten-dendo adequada a restrição da publicidade, por meio de Lei, apenas para as bebi-das alcoólicas com titulação superior a 13 ºGay Lussac.

E mais: houve expressa manifestação do Poder Legislativo, no caso, no sentido da suficiência dos padrões já utilizados quanto às limitações de publicidade de cervejas e vinhos, notadamente em virtude da autorregulamentação publicitária realizada pela sociedade civil por meio do CONAR.

Aqui, vem à baila um instituto de importância enorme no direito e na filosofia: o princípio da subsidiariedade� (…)

O princípio da subsidiariedade, em síntese, determina que a sociedade maior (como o Poder Público) somente deve agir quando as sociedades menores não puderem, por suas próprias forças, deixar suficientemente a salvo as exigências do bem comum.

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ADO 22

Em outras palavras, o Poder Público não deve tomar o lugar na proteção de um determinado bem jurídico se uma comunidade menor (a família, a associação pro-fissional, etc.), por outros meios, tutela o mesmo bem suficientemente. (…)

O citado conselho conta com a adesão dos maiores veículos de comunicação de nosso País, tendo força expressiva e suficiente para fazer valer as suas decisões em caso de violações éticas ou ao Código Nacional de Autorregulamentação Publici-tária. Há, portanto, eficácia no controle empregado.

Ora, o citado código traz uma série de normas pertinentes à publicidade de bebidas alcoólicas. O anexo P, que trata especificamente de cervejas e vinhos, por exemplo, tem como princípios: a proteção de crianças e adolescentes, vedando o direcionamento da propaganda para este público; o consumo com responsabilidade social, determinando que a publicidade não possa induzir consumo exagerado ou irresponsável; a obrigatoriedade de cláusula de advertência; entre outros.

Verifica-se objetivamente a existência de um controle eficaz sobre a publicidade de bebidas alcoólicas. Não fosse assim, não haveria advertência contra abuso em todo comercial de cervejas, o que decerto ninguém ignora.

O fato deste controle – e, portanto, do amparo ao bem jurídico constitucional-mente tutelado – ser exercido prevalentemente por uma entidade da sociedade civil não deve causar espanto, nem provocar, per se, o entendimento de omissão inconstitucional do legislador.

Certamente o legislador não está obrigado a atuar sempre e em qualquer caso, mas apenas no patamar necessário – e segundo uma orientação própria, de conve-niência legislativa – para se buscar a realização plena da vontade da Constituição.

Assim, a decisão de não legislar pode ser, como parece o caso presente, uma deci-são legítima, desde que o bem jurídico continue amparado.

Com efeito, em vista do citado princípio da subsidiariedade, pode o Poder Público deixar de cuidar de assuntos que já tenham gestão satisfatória no âmbito da sociedade civil.

O Congresso Nacional entendeu, no momento da elaboração da lei pertinente, que a publicidade de bebidas alcoólicas com teor inferior a 13° já estava bastante limitada pelos controles sociais pertinentes; parece que tal entendimento, de fato, é razoável, pois obedece ao princípio da subsidiariedade que é uma decorrência da dignidade humana e da liberdade, ambos preceitos elevados ao mais alto patamar de proteção constitucional na ordem jurídica pátria.”

13. O Advogado‑Geral da União também se manifestou sobre a ausência de omissão a ser declarada nessa via processual:

“Todavia, tal omissão não se verifica. Isso porque, consoante bem explanado nas informações prestadas pelo Senado Federal, foi proposital a imposição de limite às restrições e condições fixadas pela lei às propagandas de bebidas. De fato, após a realização de diversos debates e proposições legislativas, sobreveio a conclusão no sentido de ser desproporcional a aplicação isonômica de tais restrições às bebidas

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alcoólicas e àquelas consideradas potáveis com teor alcoólico inferior a 13°GL. Tal distinção repousa, inclusive, em previsão expressa constante do parágrafo único do artigo 1º da Lei n. 9.294/96.

Nessa linha, a justificativa da proposta que originou o mencionado ato legislativo federal já pontuava a necessidade de criar distinção entre bebidas de baixo e alto teores alcoólicos, tendo em vista, dentre outros aspectos, que o consumo moderado de álcool é fato comum e a sua utilização, em doses recomendadas, pode até trazer benefícios à saúde. Veja-se (fl. 6 das informações do Senado): (...)

Quando referido projeto legislativo fora submetido à deliberação do Plenário do Senado Federal, o respectivo Relator, Senador Cid Sabóia de Carvalho, posicionara--se contrariamente à distinção entre bebidas de alto ou baixo teores alcoólicos, tendo apresentado um substitutivo no qual se excluía o parágrafo único do artigo 1º, em que se fazia tal diferenciação. No entanto, esse substitutivo foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, uma vez que ele modificaria “regras já estabelecidas e aceitas por toda a sociedade como o Código Nacional de Autorre-gulamentação Publicitária – CONAR, além de desprezar três anos de discussão da matéria com entidades da sociedade civil” (fl. 8 das informações do Senado Federal).

Após parecer favorável da Comissão de Assuntos Econômicos da referida Casa Legislativa – no qual se pontuara que o projeto “representou grande união de esfor-ços, no sentido de conferir ao tema tratamento infraconstitucional compatível com a realidade nacional Nesse sentido, buscou-se conciliar o inarredável interesse dos consumidores, com as políticas governamentais (...)” – e nova apreciação por parte do Plenário do citado órgão legislativo, o projeto fora aprovado e encaminhado à Câmara dos Deputados, que também o aprovou integralmente e o submeteu à sanção presidencial.

Diante desse breve histórico, vê-se claramente que foi uma opção consciente do legislador excluir as bebidas de baixo teor alcoólico da regulamentação levada a efeito pela Lei n° 9.294/96. Também resta evidente que tal exclusão não se deu de modo arbitrário ou insipiente, mas após a ponderação dos diversos fatores sociais e econômicos envolvidos e diante da participação da sociedade civil no debate.

(…)Acerca da regulação do assunto por parte da sociedade civil, oportuno fazer refe-

rência ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, asso-ciação sem fins lucrativos que, de acordo com seu estatuto social (artigo 5º, incisos I e V), tem por finalidades, dentre outras, “zelar pela comunicação comercial, sob todas as formas de propaganda, fazendo observar as normas do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que prevalecerão sobre quaisquer outras” e “atuar como instrumento de concórdia entre veículos de comunicação e anuncian-tes, e salvaguarda de seus interesses legítimos e dos consumidores.

O referido Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária foi insti-tuído em 1980 por seis associações ligadas às agências de propaganda e veículos de comunicação, tendo posteriormente havido a adesão de outras associações,

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representativas de outros veículos, como emissoras de televisão por assinatura e internet.” (Grifos nossos)

14. A constatação de ter sido a matéria amplamente debatida durante sete anos nos quais o Projeto de Lei n� 4�556/1989 tramitou nas Casas do Congresso Nacional é também demonstrada pela aprovação, pelo Poder Legislativo, do Decreto n� 2�018/1996 (regulamentador da Lei n� 9�294/1996), seguida pela insti‑tuição da Política Nacional sobre o Álcool, pela qual se dispõe sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool e respectiva associação com a violência e criminalidade, aprovada pelo Decreto n� 6�117/2007 e complementada pela regulamentação e fiscalização implementadas pelo CONAR�

Consta do Anexo A do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária:

“BEBIDAS ALCOÓLICASConsidera-se bebida alcoólica, para os efeitos da ética publicitária, aquela que

como tal for classificada perante as normas e regulamentos oficiais a que se subor-dina o seu licenciamento. Este Código, no entanto, estabelece distinção entre três categorias de bebidas alcoólicas: as normalmente consumidas durante as refeições, por isso ditas de mesa (as Cervejas e os Vinhos, objetos do Anexo “P”); demais bebidas alcoólicas, sejam elas fermentadas, destiladas, retificadas ou obtidas por mistura (normalmente servidas em doses, cuja publicidade é disciplinada pelo Anexo “A”); e a categoria dos “ ices”, “coolers”, “ álcool pop”, “ready to drink”, “malternatives”, e produtos a eles assemelhados, em que a bebida alcoólica é apresentada em mis-tura com água, suco ou refrigerante, enquadrada em Anexo próprio (o Anexo “T”), e no Anexo “A”, quando couber.

As normas éticas que se seguem complementam as recomendações gerais deste Código e, obviamente, não excluem o atendimento às exigências contidas na legis-lação específica.

A publicidade submetida a este Anexo:1. Regra geral: por tratar-se de bebida alcoólica — produto de consumo restrito

e impróprio para determinados públicos e situações — deverá ser estruturada de maneira socialmente responsável, sem se afastar da finalidade precípua de difundir marca e características, vedados, por texto ou imagem, direta ou indiretamente, inclusive slogan, o apelo imperativo de consumo e a oferta exagerada de unidades do produto em qualquer peça de comunicação.

2. Princípio da proteção a crianças e adolescentes: não terá crianças e adoles-centes como público-alvo. Diante deste princípio, os Anunciantes e suas Agências adotarão cuidados especiais na elaboração de suas estratégias mercadológicas e na estruturação de suas mensagens publicitárias. Assim:

a. crianças e adolescentes não figurarão, de qualquer forma, em anúncios; qual-quer pessoa que neles apareça deverá ser e parecer maior de 25 anos de idade;

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ADO 22

b. as mensagens serão exclusivamente destinadas a público adulto, não sendo justificável qualquer transigência em relação a este princípio. Assim, o conteúdo dos anúncios deixará claro tratar-se de produto de consumo impróprio para menores; não empregará linguagem, expressões, recursos gráficos e audiovisuais reconhecida-mente pertencentes ao universo infantojuvenil, tais como animais “ humanizados”, bonecos ou animações que possam despertar a curiosidade ou a atenção de meno-res nem contribuir para que eles adotem valores morais ou hábitos incompatíveis com a menoridade;

c. o planejamento de mídia levará em consideração este princípio, devendo, por-tanto, refletir as restrições e os cuidados técnica e eticamente adequados. Assim, o anúncio somente será inserido em programação, publicação ou website dirigidos predominantemente a maiores de idade. Diante de eventual dificuldade para afe-rição do público predominante, adotar-se-á programação que melhor atenda ao propósito de proteger crianças e adolescentes;

d. os websites pertencentes a marcas de produtos que se enquadrarem na cate-goria aqui tratada deverão conter dispositivo de acesso seletivo, de modo a evitar a navegação por menores.

3. Princípio do consumo com responsabilidade social: a publicidade não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo exagerado ou irresponsável. Assim, diante deste princípio, nos anúncios de bebidas alcoólicas:

a. eventuais apelos à sensualidade não constituirão o principal conteúdo da men-sagem; modelos publicitários jamais serão tratados como objeto sexual;

b. não conterão cena, ilustração, áudio ou vídeo que apresente ou sugira a inges-tão do produto;

c. não serão utilizadas imagens, linguagem ou argumentos que sugiram ser o consumo do produto sinal de maturidade ou que ele contribua para maior cora-gem pessoal, êxito profissional ou social, ou que proporcione ao consumidor maior poder de sedução;

d. apoiados na imagem de pessoa famosa, adotar-se-ão as mesmas condicio-nantes dispostas no item 2, letras “a”, “ b”, “c” e “ d” do Anexo “Q” – Testemunhais, Atestados e Endossos;

e. não serão empregados argumentos ou apresentadas situações que tornem o con-sumo do produto um desafio nem tampouco desvalorizem aqueles que não bebam; jamais se utilizará imagem ou texto que menospreze a moderação no consumo;

f. não se admitirá que sejam elas recomendadas em razão do teor alcoólico ou de seus efeitos sobre os sentidos;

g. referências específicas sobre a redução do teor alcoólico de um produto são aceitáveis, desde que não haja implicações ou conclusões sobre a segurança ou quantidade que possa ser consumida em razão de tal redução;

h. não se associará positivamente o consumo do produto à condução de veículos;i. não se encorajará o consumo em situações impróprias, ilegais, perigosas ou

socialmente condenáveis;

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j. não se associará o consumo do produto ao desempenho de qualquer atividade profissional;

k. não se associará o produto a situação que sugira agressividade, uso de armas e alteração de equilíbrio emocional e

l. não se utilizará uniforme de esporte olímpico como suporte à divulgação da marca.4. Horários de veiculação: os horários de veiculação em Rádio e TV, inclusive por

assinatura, submetem-se à seguinte disciplinação:a. quanto à programação regular ou de linha: comerciais, spots, inserts de vídeo,

textos-foguete, caracterizações de patrocínio, vinhetas de passagem e mensagens de outra natureza, inclusive o merchandising ou publicidade indireta, publicidade virtual e as chamadas para os respectivos programas só serão veiculados no período compreen-dido entre 21h30 (vinte e uma horas e trinta minutos) e 6h (seis horas) (horário local);

b. quanto à transmissão patrocinada de eventos alheios à programação normal ou rotineira: as respectivas chamadas e caracterizações de patrocínio limitar-se--ão à identificação da marca e/ou fabricante, slogan ou frase promocional, sem recomendação de consumo do produto. As chamadas assim configuradas serão admitidas em qualquer horário.

5. Cláusula de advertência: Todo anúncio, qualquer que seja o meio empregado para sua veiculação, conterá “cláusula de advertência” a ser adotada em resolução específica do Conselho Superior do CONAR, a qual refletirá a responsabilidade social da publicidade e a consideração de Anunciantes, Agências de Publicidade e Veículos de Comunicação para com o público em geral. Diante de tais compromis-sos e da necessidade de conferir-lhes plena eficácia, a resolução levará em conta as peculiaridades de cada meio de comunicação e indicará, quanto a cada um deles, dizeres, formato, tempo e espaço de veiculação da cláusula. Integrada ao anúncio, a “cláusula de advertência” não invadirá o conteúdo editorial do Veículo; será comunicada com correção, de maneira ostensiva e enunciada de forma legível e destacada. E mais:

a. em Rádio, deverá ser inserida como encerramento da mensagem publicitária;b. em TV, inclusive por assinatura e em Cinema, deverá ser inserida em áudio e

vídeo como encerramento da mensagem publicitária. A mesma regra aplicar-se-á às mensagens publicitárias veiculadas em teatros, casas de espetáculo e congêneres;

c. em Jornais, Revistas e qualquer outro meio impresso; em painéis e cartazes e nas peças publicitárias pela internet, deverá ser escrita na forma adotada em resolução;

d. nos vídeos veiculados na internet e na telefonia, deverá observar as mesmas prescrições adotadas para o meio TV;

e. nas embalagens e nos rótulos, deverá reiterar que a venda e o consumo do pro-duto são indicados apenas para maiores de 18 anos.

6. Mídia exterior e congêneres: por alcançarem todas as faixas etárias, sem pos-sibilidade técnica de segmentação, as mensagens veiculadas em Mídia Exterior e congêneres, sejam “outdoors”, “ indoors” em locais de grande circulação, telas e painéis eletrônicos, “ back e front lights”, painéis em empenas de edificações, “ bus‑doors”, envelopamentos de veículos de transporte coletivo, peças publicitárias de

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qualquer natureza no interior de veículos de transporte, veículos empregados na distribuição do produto; peças de mobiliário urbano e assemelhados etc., quais-quer que sejam os meios de comunicação e o suporte empregados, limitar-se-ão à exibição do produto, sua marca e/ou slogan, sem apelo de consumo, mantida a necessidade de inclusão da “cláusula de advertência”.

7. Exceções: estarão desobrigados da inserção de “cláusula de advertência” os formatos abaixo especificados que não contiverem apelo de consumo do produto:

a. a publicidade estática em estádios, sambódromos, ginásios e outras arenas desportivas, desde que apenas identifique o produto, sua marca ou slogan;

b. a simples expressão da marca, seu slogan ou a exposição do produto que se utiliza de veículos de competição como suporte;

c. as “chamadas” para programação patrocinada em rádio e TV, inclusive por assinatura, bem como as caracterizações de patrocínio desses programas;

d. os textos-foguete, vinhetas de passagem e assemelhados.8. Comércio: sempre que mencionar produto cuja publicidade é regida por este

Anexo, o anúncio assinado por atacadista, importador, distribuidor, estabeleci-mento varejista, bar, restaurante e assemelhado estará sujeito às normas aqui previstas, especialmente as contidas no item 5.

9. Salas de espetáculos: a veiculação em cinemas, teatros e salões levará em con-sideração o disposto no item 2, letra “c”.

10. Ponto de venda: a publicidade em pontos de venda deverá ser direcionada a público adulto, contendo advertência de que a este é destinado o produto. As men-sagens inseridas nos equipamentos de serviço, assim compreendidos as mesas, cadeiras, refrigeradores, luminosos etc., não poderão conter apelo de consumo e, por essa razão, ficam dispensadas da “cláusula de advertência”.

11. Consumo responsável: este Código encoraja a realização de campanhas publicitárias e iniciativas destinadas a reforçar a moderação no consumo, a proibição da venda e da oferta de bebidas alcoólicas para menores, e a direção responsável de veículos.

12. Interpretação: em razão da natureza do produto, o CONAR, os Anunciantes, as Agências de Publicidade, as Produtoras de filmes publicitários e os Veículos de comunicação adotarão a interpretação mais restritiva para as normas dispostas neste Anexo.

Aprovado pelo Conselho Superior do CONAR em 18/02/08.Resolução que disciplina a formatação das “cláusulas de advertência”.

Nos termos da Resolução n� 1/2008 do Conselho Superior do CONAR, no Anexo A do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária se estabelece:

“Conselho Superior do CONARRESOLUÇÃO Nº 01./08 REF. ANEXO “A”Complementa o Anexo “A” – Bebidas Alcoólicas,do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária,

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de 18/2/08.O Conselho Superior do CONAR resolve:1. A “cláusula de advertência” prevista no item 5 do Anexo “A” conterá uma das

seguintes frases:– “BEBA COM MODERAÇÃO”– “A VENDA E O CONSUMO DE BEBIDA ALCOÓLICA SÃO PROIBIDOS PARA MENORES”– “ESTE PRODUTO É DESTINADO A ADULTOS”– “EVITE O CONSUMO EXCESSIVO DE ÁLCOOL”– “NÃO EXAGERE NO CONSUMO”– “QUEM BEBE MENOS, SE DIVERTE MAIS”– “SE FOR DIRIGIR NÃO BEBA”– “SERVIR BEBIDA ALCOÓLICA A MENOR DE 18 É CRIME”Obs.: As frases acima não excluem outras, que atendam à finalidade e sejam

capazes de refletir a responsabilidade social da publicidade.1.1. No meio Rádio, será veiculada durante fração de tempo suficiente para sua

locução pausada e compreensível.1.2. Nos meios TV, inclusive por assinatura e Cinema, quaisquer que sejam os

suportes utilizados para o comercial, será veiculada em áudio e vídeo durante fração de tempo correspondente a, pelo menos, um décimo da duração da mensa-gem publicitária.

Utilizar-se-á o seguinte formato: cartela única, com fundo azul e letras brancas de forma a permitir perfeita legibilidade e visibilidade, permanecendo imóvel no vídeo ou na tela. A cartela obedecerá ao gabarito RTV de filmagem, no tamanho padrão de 36,5 cm x 27 cm (trinta e seis e meio centímetros por vinte e sete centímetros); as letras serão da família tipográfica Univers, variação Médium, corpo 48, caixa alta. A locução constará apenas da leitura da frase escolhida.

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

1.3. No meio Jornal, será inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Jornal Tamanho Padrão (*)

Anúncio “Cláusula de advertência”

1 Página Corpo 36

1/2 Página Corpo 24

1/4 Página Corpo 12

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ADO 22

Jornal Tamanho Tablóide (*)

Anúncio “Cláusula de advertência”

1 Página Corpo 24

1/2 Página Corpo 15

1/4 Página Corpo 12

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados tomando-se por base a definição para 1/4 de página.

1.4. No meio Revista será inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Anúncio (*) “Cláusula de advertência”

Página Dupla/Página Simples Corpo 18

1/2 Página Corpo 12

1/4 Página Corpo 6

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados tomando-se por base a definição para 1/4 de página.

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ADO 22

1.5. Na mídia exterior e congêneres, quaisquer que sejam os suportes utilizados para o anúncio, será incluída em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Anúncio (*) “Cláusula de advertência”

0 a 250 cm2 Corpo 16

251 a 500 cm2 Corpo 20

501 a 1000 cm2 Corpo 24

1000 a 1500 cm2 Corpo 26

1501 a 2000 cm2 Corpo 30

2001 a 3000 cm2 Corpo 36

3001 a 4000 cm2 Corpo 40

4001 a 5000 cm2 Corpo 48

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados, tomando-se por base a definição para 500 cm2.

1.6. No meio Internet, integrará a mensagem publicitária, qualquer que seja a forma adotada.

1.7. Nos cartazes, pôsteres e painéis exibidos no ponto de venda, além da “cláusula de advertência” de moderação mencionada no item 5 do Anexo “A”, será inscrita também de forma legível, em cores contrastantes com o fundo da mensagem, a seguinte frase: “VENDA E CONSUMO PROIBIDOS PARA MENORES DE 18 ANOS”.

Obs.: Determinação contida no art. 81, nº II do Estatuto da Criança e do Adoles-cente, artigo 81, n° II.

2. Na interpretação das recomendações dispostas no Anexo “A” e nesta Resolução, seja para efeito de criação, produção e veiculação do anúncio, seja no julgamento de infração ética por seu descumprimento, levar-se-á em conta:

a. o conteúdo da mensagem;b. o meio de comunicação empregado.c. a intenção de permitir a perfeita comunicação das “cláusulas de advertência”

e de facilitar sua apreensão pelo público;3. Estão dispensadas da “cláusula de advertência” a publicidade legal, as cam-

panhas de cunho institucional e os formatos expressamente especificados no item 7 do Anexo “A”.

* * *Esta resolução entra em vigor nesta data, exigindo-se seu cumprimento a partir

do dia 10 de abril de 2008.

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ADO 22

No Anexo P do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, no qual se trata da publicidade de cervejas e vinhos, está previsto:

“Conselho Superior do CONARRESOLUÇÃO Nº 02./08 REF. ANEXO “P”Complementa o Anexo “P” – Cervejas e Vinhos,do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária,de 18/2/08.O Conselho Superior do CONAR resolve:1. A “cláusula de advertência” prevista no item 4 do Anexo “P” conterá uma das

seguintes frases:– “BEBA COM MODERAÇÃO”– “CERVEJA É BEBIDA ALCOÓLICA. VENDA E CONSUMO PROIBIDOS PARA MENORES”– “ESTE PRODUTO É DESTINADO A ADULTOS”– “EVITE O CONSUMO EXCESSIVO DE ÁLCOOL”– “NÃO EXAGERE NO CONSUMO”– “QUEM BEBE MENOS, SE DIVERTE MAIS”– “SE FOR DIRIGIR NÃO BEBA”– “SERVIR CERVEJA A MENOR DE 18 É CRIME”Obs.: As frases acima não excluem outras, que atendam à finalidade e sejam

capazes de refletir a responsabilidade social da publicidade.1.1. No meio Rádio, será veiculada durante fração de tempo suficiente para sua

locução pausada e compreensível.1.2. Nos meios TV, inclusive por assinatura e Cinema, quaisquer que sejam os

suportes utilizados para o comercial, será veiculada em áudio e vídeo durante fração de tempo correspondente a, pelo menos, um décimo da duração da men-sagem publicitária.

Utilizar-se-á o seguinte formato: cartela única, com fundo azul e letras brancas de forma a permitir perfeita legibilidade e visibilidade, permanecendo imóvel no vídeo ou na tela. A cartela obedecerá ao gabarito RTV de filmagem, no tamanho padrão de 36,5 cm x 27 cm (trinta e seis e meio centímetros por vinte e sete centímetros); as letras serão da família tipográfica Univers, variação Médium, corpo 48, caixa alta. A locução constará apenas da leitura da frase escolhida.

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

32 | Revista Trimestral de Jurisprudência

ADO 22

1.3. No meio Jornal, será inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Jornal Tamanho Padrão (*)

Anúncio “Cláusula de advertência”

1 Página Corpo 36

1/2 Página Corpo 24

1/4 Página Corpo 12

Jornal Tamanho Tablóide (*)

Anúncio “Cláusula de advertência”

1 Página Corpo 24

1/2 Página Corpo 15

1/4 Página Corpo 12

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados tomando-se por base a definição para 1/4 de página.

1.4. No meio Revista será inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Anúncio “Cláusula de advertência”

Página Dupla/Página Simples Corpo 18

1/2 Página Corpo 12

1/4 Página Corpo 6

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados tomando-se por base a definição para 1/4 de página.

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 33

ADO 22

1.5. Na mídia exterior e congêneres, quaisquer que sejam os suportes utilizados para o anúncio, será incluída em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Anúncio (*) “Cláusula de advertência”

0 a 250 cm2 Corpo 16

251 a 500 cm2 Corpo 20

501 a 1000 cm2 Corpo 24

1000 a 1500 cm2 Corpo 26

1501 a 2000 cm2 Corpo 30

2001 a 3000 cm2 Corpo 36

3001 a 4000 cm2 Corpo 40

4001 a 5000 cm2 Corpo 48

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados, tomando-se por base a definição para 500 cm2.

1.6. No meio Internet, integrará a mensagem publicitária, qualquer que seja a forma adotada.

1.7. Nos cartazes, pôsteres e painéis exibidos no ponto de venda, além da “cláusula de advertência” de moderação mencionada no item 4 do Anexo “P”, será inscrita também de forma legível, em cores contrastantes com o fundo da mensagem, a seguinte frase: “VENDA E CONSUMO PROIBIDOS PARA MENORES DE 18 ANOS”.

Obs.: Determinação contida no art. 81, nº II do Estatuto da Criança e do Adoles-cente, artigo 81, n° II.

2. Na interpretação das recomendações dispostas no Anexo “P” e nesta Resolução, seja para efeito de criação, produção e veiculação do anúncio, seja no julgamento de infração ética por seu descumprimento, levar-se-á em conta:

a. o conteúdo da mensagem;b. o meio de comunicação empregado.c. a intenção de permitir a perfeita comunicação das “cláusulas de advertência”

e de facilitar sua apreensão pelo público;3. Estão dispensadas da “cláusula de advertência” a publicidade legal, as cam-

panhas de cunho institucional e os formatos expressamente especificados no item 6 do Anexo “P”.

Esta resolução entra em vigor nesta data, exigindo-se seu cumprimento a partir do dia 10 de abril de 2008.

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ADO 22

No Anexo T do Código de Autorregulamentação, complementado pela Reso‑lução n� 3/2008 do Conselho Superior do CONAR, versando sobre ices e bebidas assemelhadas, determina‑se:

“Conselho Superior do CONARRESOLUÇÃO Nº 03./08 REF. ANEXO “T”Complementa o Anexo “T” – Ices e Bebidas Assemelhadas,do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária,de 18/2/08.O Conselho Superior do CONAR resolve:1. A “cláusula de advertência” prevista no item 4 do Anexo “P” conterá uma das

seguintes frases:– “BEBA COM MODERAÇÃO”– “A VENDA E O CONSUMO DE BEBIDA ALCOÓLICA SÃO PROIBIDOS PARA MENORES”– “ESTE PRODUTO É DESTINADO A ADULTOS”– “EVITE O CONSUMO EXCESSIVO DE ÁLCOOL”– “NÃO EXAGERE NO CONSUMO”– “QUEM BEBE MENOS, SE DIVERTE MAIS”– “SE FOR DIRIGIR NÃO BEBA”– “SERVIR BEBIDA ALCOÓLICA A MENOR DE 18 É CRIME”Obs.: As frases acima não excluem outras, que atendam à finalidade e sejam

capazes de refletir a responsabilidade social da publicidade.1.1. No meio Rádio, será veiculada durante fração de tempo suficiente para sua

locução pausada e compreensível.1.2. Nos meios TV, inclusive por assinatura e Cinema, quaisquer que sejam os

suportes utilizados para o comercial, será veiculada em áudio e vídeo durante fração de tempo correspondente a, pelo menos, um décimo da duração da men-sagem publicitária.

Utilizar-se-á o seguinte formato: cartela única, com fundo azul e letras brancas de forma a permitir perfeita legibilidade e visibilidade, permanecendo imóvel no vídeo ou na tela. A cartela obedecerá ao gabarito RTV de filmagem, no tamanho padrão de 36,5 cm x 27 cm (trinta e seis e meio centímetros por vinte e sete centímetros); as letras serão da família tipográfica Univers, variação Médium, corpo 48, caixa alta. A locução constará apenas da leitura da frase escolhida.

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

1.3. No meio Jornal, será inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 35

ADO 22

Jornal Tamanho Padrão (*)

Anúncio “Cláusula de advertência”

1 Página Corpo 36

1/2 Página Corpo 24

1/4 Página Corpo 12

Jornal Tamanho Tablóide (*)

Anúncio “Cláusula de advertência”

1 Página Corpo 24

1/2 Página Corpo 15

1/4 Página Corpo 12

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados tomando-se por base a definição para 1/4 de página.

1.4. No meio Revista será inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Anúncio “Cláusula de advertência”

Página Dupla/Página Simples Corpo 18

1/2 Página Corpo 12

1/4 Página Corpo 6

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados tomando-se por base a definição para 1/4 de página.

36 | Revista Trimestral de Jurisprudência

ADO 22

1.5. Na mídia exterior e congêneres, quaisquer que sejam os suportes utilizados para o anúncio, será incluída em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Univers 65 Bold, caixa alta, nas seguintes dimensões:

Anúncio (*) “Cláusula de advertência”

0 a 250 cm2 Corpo 16

251 a 500 cm2 Corpo 20

501 a 1000 cm2 Corpo 24

1000 a 1500 cm2 Corpo 26

1501 a 2000 cm2 Corpo 30

2001 a 3000 cm2 Corpo 36

3001 a 4000 cm2 Corpo 40

4001 a 5000 cm2 Corpo 48

Obs.: Outros formatos alternativos poderão ser considerados desde que aten-dam à finalidade de orientar o público e estejam em conformidade com o item 2 desta Resolução.

(*) Os tamanhos não especificados serão proporcionalizados, tomando-se por base a definição para 500 cm2.

1.6. No meio Internet, integrará a mensagem publicitária, qualquer que seja a forma adotada.

1.7. Nos cartazes, pôsteres e painéis exibidos no ponto de venda, além da “cláusula de advertência” de moderação mencionada no item 4 do Anexo “T”, será inscrita também de forma legível, em cores contrastantes com o fundo da mensagem, a seguinte frase: “VENDA E CONSUMO PROIBIDOS PARA MENORES DE 18 ANOS”.

Obs.: Determinação contida no art. 81, nº II do Estatuto da Criança e do Adoles-cente, artigo 81, n° II.

2. Na interpretação das recomendações dispostas no Anexo “T” e nesta Resolução, seja para efeito de criação, produção e veiculação do anúncio, seja no julgamento de infração ética por seu descumprimento, levar-se-á em conta:

a. o conteúdo da mensagem;b. o meio de comunicação empregado.c. a intenção de permitir a perfeita comunicação das “cláusulas de advertência”

e de facilitar sua apreensão pelo público;3. Estão dispensadas da “cláusula de advertência” a publicidade legal, as cam-

panhas de cunho institucional e os formatos expressamente especificados no item 6 do Anexo “T”.

Esta resolução entra em vigor nesta data, exigindo-se seu cumprimento a partir do dia 10 de abril de 2008.

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ADO 22

15. Não se demonstra, pois, omissão inconstitucional na espécie�16. J� J� Gomes Canotilho adverte que

“omissão, em sentido jurídico-constitucional, significa não fazer aquilo a que se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa, para ganhar significado autónomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de ação, não bastando o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão inconstitucional.

As omissões legislativas inconstitucionais derivam desde logo do não cumpri-mento de imposições constitucionais legiferantes em sentido estrito, ou seja, do não cumprimento de normas que, de forma permanente e concreta, vinculam o legislador à adoção de medidas legislativas concretizadoras da constituição.” (CANOTILHO, J� J� Gomes� Direito constitucional e teoria da constituição. 7� ed� Coimbra: Almedina, 1997� p� 1033‑1034)

Para Jorge Miranda,

“por omissão entende-se a falta de medidas legislativas necessárias, falta esta que pode ser total ou parcial. A violação da Constituição, na verdade, provém umas vezes da completa inércia do legislador e outras vezes da sua deficiente actividade, competindo ao órgão de fiscalização pronunciar-se sobre a adequação da norma legal à norma constitucional. (…) A inconstitucionalidade por omissão não surge apenas por carência de medidas legislativas, surge também por deficiência delas.” (MIRANDA, Jorge� Manual de Direito Constitucional. 2� ed� Coimbra: Coimbra Editora� Tomo II, 1988� p� 406‑409�)

17. Sem desconsiderar os relevantes argumentos de cunho social trazidos pelo Autor, relativos à saúde pública e à proteção da família, a análise dos dados constantes da norma vigente e mesmo do elemento histórico (não o melhor cri‑tério de interpretação, mas de se aproveitar como fator demonstrativo da ação legislativa, a deitar por terra a afirmativa de omissão do legislador), comprovam que a questão novamente trazida à apreciação do Supremo Tribunal Federal está afeta ao Poder Legislativo, no qual foi cuidada segundo a Constituição determina e concluiu ele no exercício legítimo de suas competências�

18. A irresignação do Autor quanto ao critério fixado no parágrafo único do art� 1º da Lei n� 9�294/1996 não é suficiente para evidenciar a alegada omissão inconstitucional�

Está demonstrado nos autos ter sido a matéria relativa à propaganda de bebi‑das alcoólicas objeto de amplos debates em ambas as Casas do Poder Legislativo brasileiro, que, no exercício de sua função legislativa, nos sete anos durante os quais tramitou o Projeto de Lei n� 4�556/1989, observou as normas do devido

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ADO 22

processo legislativo e, de forma legítima, aprovou a lei formal exigida pelo art� 220, § 4º, da Constituição da República: Lei n� 9�294/1996�

Ainda que se possam considerar relevantes as razões sociais motivadoras do agir da Procuradoria‑Geral da República no ajuizamento da presente ação, o pedido não pode prosperar� Tão importante quanto a preservação da saúde daqueles que se excedem no uso de bebidas alcóolicas e que poderiam consumi‑‑las em níveis menores é a observância de princípios fundamentais do direito constitucional, como o da separação dos poderes�

Para afirmar omissão inconstitucional na espécie em tela, este Supremo Tribunal teria de analisar a conveniência política de normas legitimamente elaboradas pelos representantes eleitos pelo povo, ocupantes de cargos no Poder Legislativo e no Executivo, que, tendo recebido projeto de lei votado e aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sem veto, sancionou e promul‑gou a lei em questão�

Reconhecer a insuficiência da Lei n� 9�294/1996, nos termos postos pelo Pro‑curador‑Geral da República, significa, a um só tempo, ultrapassar a barreira que fundamenta o princípio da separação dos poderes, cuja integração há se dar à luz dos princípios da harmonia e independência e, ainda, desconsiderar a validade também das normas criadas pelo Conselho Nacional de Autorregu‑lamentação Publicitária�

Improcedente, portanto, a alegação do Autor de,

“no que se refere às bebidas com teor alcoólico inferior a 13 GL, permanece, até a pre-sente data, sem qualquer regulamentação, de modo que essas bebidas não sofrem, desde a promulgação da Constituição Federal, nenhum tipo de restrição legal.”

Não se há de desconsiderar a existência de normas infraconstitucionais regu‑larmente aprovadas pelo Poder Legislativo federal e de normas validamente estabelecidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária�

Parece, pois, evidente a impossibilidade da acolhida do pedido formulado na inicial, pois importaria, ainda que em medida mínima (tendo em vista o pedido consistir na declaração da omissão legislativa), em convalidar a condição de legislador positivo dos membros do Poder Judiciário, em absoluto descompasso com o afirmado reiteradas vezes pelo Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – RESOLUÇÃO Nº 16.336/90 – INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO – MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – BANCADA PAULISTA NA CÂMARA FEDERAL – ELEVAÇÃO IMEDIATA PARA 70 DEPUTADOS FEDERAIS – FUNÇÃO DO STF NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE – SUA ATUAÇÃO COMO

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LEGISLADOR NEGATIVO – CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 45, § 1º) – REGRA QUE NÃO É AUTOAPLICÁVEL – MORA CONSTITUCIONAL – IMPOSSIBILIDADE DE ELEVAÇÃO AUTO-MÁTICA DA REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR – SUSPENSÃO CAUTELAR INDEFERIDA – A norma consubstanciada no art. 45, § 1º, da Constituição Federal de 1988, reclama e necessita, para efeito de sua plena aplicabilidade, de integração normativa, a ser operada, mediante adequada intervenção legislativa do Congresso Nacional (interpositio legislatoris), pela edição de lei complementar, que constitui o único e exclusivo instrumento juridicamente idôneo, apto a viabilizar e concretizar a fixação do número de Deputados Federais por Estado-membro. – A ausência dessa lei complementar (vacuum juris), que constitui o necessário instrumento norma-tivo de integração, não pode ser suprida por outro ato estatal qualquer, especial-mente um provimento de caráter jurisdicional, ainda que emanado desta Corte. – O reconhecimento dessa possibilidade implicaria transformar o STF, no plano do controle concentrado de constitucionalidade, em legislador positivo, condição que ele próprio se tem recusado a exercer. – O Supremo Tribunal Federal, ao exer-cer em abstrato a tutela jurisdicional do direito objetivo positivado na Constitui-ção da República, atua como verdadeiro legislador negativo, pois a declaração de inconstitucionalidade em tese somente encerra, em se tratando de atos (e não de omissões) inconstitucionais, um juízo de exclusão, que consiste em remover, do ordenamento positivo, a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo jurídico-normativo consubstanciado na Carta Política. – A suspensão liminar de eficácia de atos normativos, questionados em sede de controle concentrado, não se revela compatível com a natureza e a finalidade da ação direta de inconstitu-cionalidade por omissão, eis que, nesta, a única consequência político-jurídica possível traduz-se na mera comunicação formal, ao órgão estatal inadimplente, de que está em mora constitucional.” (ADI 267 MC/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 19‑5‑1995, grifos nossos)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 8.713/93 (ART. 8º, § 1º, E ART. 9º) – PROCESSO ELEITORAL DE 1994 – SUSPENSÃO SELETIVA DE EXPRESSÕES CONSTANTES DA NORMA LEGAL – CONSEQUENTE ALTERAÇÃO DO SENTIDO DA LEI – IMPOSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGIR COMO LEGISLADOR POSITIVO – DEFINIÇÃO LEGAL DO ÓRGÃO PARTIDÁRIO COMPETENTE PARA EFEITO DE RECUSA DA CANDIDATURA NATA (ART. 8º, § 1º) – INGERÊNCIA INDEVIDA NA ESFERA DE AUTONOMIA PARTIDÁRIA – A DISCIPLINA CONSTITUCIONAL DOS PARTIDOS POLÍTICOS – SIGNIFICADO – FILIA-ÇÃO PARTIDÁRIA E DOMICÍLIO ELEITORAL (ART. 9º) – PRESSUPOSTOS DE ELEGIBILI-DADE – MATÉRIA A SER VEICULADA MEDIANTE LEI ORDINÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE PRESSUPOSTOS DE ELEGIBILIDADE E HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE – ATIVIDADE LEGISLATIVA E OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW – CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO – MEDIDA LIMINAR DEFERIDA EM PARTE. AUTO-NOMIA PARTIDÁRIA: (...) O STF COMO LEGISLADOR NEGATIVO: A ação direta de incons-titucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o Supremo

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Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o Supremo Tribunal Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador. (...) SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGIS-LATIVA: A cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. O magistério doutrinário de CAIO TÁCITO. Observância, pelas normas legais impug-nadas, da cláusula constitucional do substantive due process of law�” (ADI 1�063 MC/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 27‑4‑2001, grifos nossos)

“EMENTA: RECLAMAÇÃO – ALEGADA TRANSGRESSÃO À AUTORIDADE DA DECISÃO PRO-FERIDA, COM EFEITO VINCULANTE, NO EXAME DA ADPF 53 MC/PI E SUPOSTO DESRES-PEITO AO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 04 – INOCORRÊNCIA – ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO – INADMISSIBILIDADE – DOUTRINA – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.” (Rcl 14�075 AgR/SC, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 16‑9‑2014�)

Confiram‑se também os seguintes julgados: Rcl 14�075 AgR/SC, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 16‑9‑2014; ADI 267 MC/DF, Relator o Minis‑tro Celso de Mello, Plenário, DJ 19‑5‑1995; RE 614�407 AgR‑segundo/DF, Relatora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 15‑12‑2014; AI 831�965 AgR/RJ, Rela‑tora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 11‑11‑2014; RE 599�850 AgR/DF, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJ 14‑8‑2014; RE 595�921 AgR/RS, Relator o Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ 20‑11‑2014; RE 742�352 AgR/RJ, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJ 15‑8‑2014; ARE 810�559 ED/SP, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 18‑8‑2014; ARE 787�994 AgR/GO, Relator o Ministro

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Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ 23‑6‑2014; ARE 638�634 AgR/SP, Relator o Minis‑tro Teori Zavascki, Segunda Turma, DJ 29‑4‑2014; ARE 750�532 AgR/SP, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJ 1º�4�2014; ARE 750�531 ED/SP, de minha relatoria, Segunda Turma, DJ 2‑4‑2014; AI 494�225 AgR‑segundo/PI, de minha relatoria, Segunda Turma, DJ 20‑3‑2014; RE 602�890 AgR/PR, Relator o Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 25‑3‑2014; ARE 723�248 AgR/SP, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJ 3‑2‑2014; ARE 691�852 AgR/RS, Relatora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 21‑11‑2013; AI 702�590 AgR/RS, de minha relatoria, Segunda Turma, DJ 26‑9‑2013; RE 586�997 AgR/PR, Relator o Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ 16‑10‑2013; RE 606�179 AgR/SP, Relator o Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, DJ 4‑6‑2013; RE 208�684 EDv‑AgR‑segundo/SP, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 24‑5‑2013; RE 473�216 AgR/MG, Relator o Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ 20‑3‑2013; RE 631�641 AgR/RS, Relator o Ministro Ricardo Lewan‑dowski, Segunda Turma, DJ 13‑2‑2013; RE 709�315 AgR/RS, Relator o Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 14‑12‑2012; AI 764�201 AgR/PR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJ 23‑4‑2012; AI 744�887 AgR/SC, Relator o Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, DJ 12‑4‑2012; RE 432�460 ED‑AgR‑ED/DF, Relator o Ministro Cezar Peluso, Segunda Turma, DJ 26‑2‑2010�

19. Como assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança n� 22�690/CE, Relator o Ministro Celso de Mello:

“O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL TRADUZ LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO. – A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas maté-rias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. – Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legisla-tiva – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes.” (DJ 7‑12‑2006)

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20. Ademais, a Lei n� 9�294/1996 não contradita a Lei n� 11�705/2008, pela qual instituída chamada Lei Seca, estabelecendo‑se restrições ao uso de álcool por motoristas�

A circunstância de ter‑se, na Lei n� 11�705/2008, considerar‑se alcoólica, para os fins e nos termos nela previstos, a bebida contendo teor alcoólico em con‑centração igual ou superior a meio grau Gay Lussac não altera a conclusão no sentido de inexistir regulamentação quanto à bebida com concentração superar a 13 ºGay Lussac�

Ao disciplinar e restringir a propaganda de produtos com concentração alcoólica superior a 13 °Gay Lussac, a Lei n� 9�294/1996 não nega o teor alcoólico das demais bebidas com concentração alcoólica inferior ao padrão de medição definido, limitando‑se a restringir àquelas as exigências estabelecidas�

Cervejas e vinhos, por exemplo, objeto de destaque pelo Ministro Carlos Velloso no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n� 1�755/DF, são bebidas alcoólicas cujo consumo deve ser evitado em caso de direção veicular, como as bebidas com índice alcoólico superior a 13 °Gay Lussac� A diferença entre ambas (as de maior e as de menor teor alcoólico) está nas regras publici‑tárias, mais ou menos restritivas, a serem observadas pelas empresas respon‑sáveis pelos respectivos anúncios�

21. São numerosos os projetos de lei em tramitação nas Casas do Congresso afetos à matéria, sendo exemplo disso o Projeto n� 2�733/2008, pelo qual se “reduz de treze para meio grau Gay-Lussac – GL, o teor alcoólico a partir do qual, para todos os efeitos legais, uma bebida será considerada como alcoólica”, apensado ao Projeto de Lei n� 4�846/1994�

Não compete, entretanto, ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art� 103, § 3º, e como destacado pelo Ministro Celso de Mello,

“substituir, [também] nessa matéria, por seus próprios critérios, aqueles que só podem emanar, legitimamente, por expressa determinação constitucional, do legislador.

Com efeito, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legis-lativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes.

Não constitui demasia observar, por oportuno, que a reserva de lei – consoante adverte JORGE MIRANDA (“Manual de Direito Constitucional”, tomo V/217-220, item n. 62, 2ª ed., 2000, Coimbra Editora) – traduz postulado revestido de função excludente, de caráter negativo (que veda, nas matérias a ela sujeitas, como sucede no caso ora em exame, quaisquer intervenções, a título primário, de órgãos

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ADO 22

estatais não legislativos), e cuja incidência também reforça, positivamente, o princípio que impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos fundados em norma legal, de tal modo que, conforme acentua o ilustre Professor da Universidade de Lisboa, “quaisquer intervenções – tenham conteúdo normativo ou não normativo – de órgãos administrativos ou jurisdicionais só podem dar-se a título secundário, derivado ou executivo, nunca com critérios próprios ou autônomos de decisão” (Rcl 14�075 AgR/SC, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 16‑9‑2014)�

22. Inexistente a alegada omissão inconstitucional, voto pela improcedên-cia da presente ação.

VOTO (Aditamento)

A sra. ministra Cármen Lúcia (relatora): Senhor Presidente, acentuo apenas que, sendo uma espécie das ações de controle abstrato, eu tenho que qualquer decisão aqui tomada haverá de ser considerada com o seu efeito vinculante, para impedir que essas ações que foram noticiadas da tribuna, nos autos, em memoriais – e que são objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 333 –, que dão notícia de algumas dezenas de decisões também ajuizadas pelo próprio Ministério Público em outras fases, que descumprem aquilo que o Supremo tinha dito, ainda que obiter dictum em alguns casos, mas que se afirma agora, qualquer que seja o julgamento, pelos juízes, em outras instâncias� Ou seja, eu estou acentuando o efeito vinculante de qualquer decisão que venha a ser tomada hoje�

É como voto, Senhor Presidente�

VOTO

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, a Lei nº 9�294/96, quando se limita a normatizar a propaganda de bebidas alcoólicas, ao feitio constitucio‑nal, àquelas que ostentam um teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac em absoluto traduz, a meu juízo, qualquer omissão legislativa capaz de ensejar a procedência de uma ação desse jaez – ação direta de inconstitucionalidade por omissão; traduz, isto sim, como foi muito bem acentuado no voto sempre brilhante da eminente Ministra Relatora, uma legítima escolha do legislador no exercício da liberdade de conformação que a própria tessitura constitucional, como também se destacou da tribuna, assegura à casa legislativa

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Então, louvando as bem‑lançadas sustentações orais e também, como disse, o sempre belo voto da eminente Relatora, eu acompanho sua Excelência, jul‑gando improcedente a presente ação�

VOTO

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, egrégio Pleno, ilustre Representante do Ministério Público, Senhores Advogados e Juízes presentes, aqui, da Turquia, como Vossa Excelência mencionou�

Meu voto na presente ADO se fundamenta em três pontos básicos� Passo a expô‑los�

Ponto 1

A inexistência de omissão constitucional na hipótese.

O art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.294/96 veicula opção legislativa legítima.Em primeiro lugar, não se extrai do art� 220, §4º, da CRFB um dever peremp‑

tório de restrição da propaganda de bebidas alcoólicas em todo e qualquer caso� Confira‑se a redação do dispositivo:

Art. 220� A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, obser‑vado o disposto nesta Constituição�

(���)§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medi‑

camentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso�

O dispositivo, ao mesmo tempo em que estabelece reserva legal qualificada para a matéria, atribui ao legislador ordinário a competência exclusiva para definir a regulação da publicidade das bebidas alcoólicas� É evidente, pois, a delegação do legislador constituinte ao legislador ordinário da autoridade para disciplinar a matéria como entender mais adequado à luz de cada quadra histórica vivida�

Na espécie, o legislador ordinário optou por estabelecer uma distinção razoável entre bebidas fracas e fortes para fins de publicidade, tal qual defi‑nido no art� 1º, parágrafo único, da Lei nº 9�294/96� Trata‑se, a meu sentir, de

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opção legislativa legítima, em tudo compatível com a Constituição brasileira de 1988� Também é esse o entendimento do professor Daniel Sarmento, em parecer acostado aos autos pela ABERT, admitida no feito como amicus curiae:

“Numa democracia, a primazia para a ponderação de interesses constitucionais conflitantes é do legislador� Ao regular, por exemplo, algum setor da economia, o legislador pondera a livre iniciativa com outros princípios, como o da prote‑ção ao consumidor� Ao estabelecer o prazo para contestação no processo civil, o parlamento pondera a ampla defesa com a duração razoável do processo� Em conflitos principiológicos desta natureza, não se extrai, no mais das vezes, uma resposta única da Constituição� Por isso, o Poder Legislativo realiza a pondera‑ção, dentro de uma margem de escolha política e técnica emoldurada pela Lei Maior, no interior da qual as suas opções são legítimas�

(���) existiam diversas possibilidades para a concretização do disposto no art� 220, §4º, da Constituição, resultantes tanto da abertura estrutural da Lei Maior em relação à tensão potencial entre liberdade de expressão e direito à saúde, como à incerteza epistêmica sobre variáveis empíricas, notadamente as atinentes aos efeitos sobre a saúde da população da propaganda não enganosa de bebidas de baixo teor etílico, cujo consumo moderado pode até fazer bem� O legislador, no legítimo exercício da sua competência constitucional, optou por uma dessas possibilidades, depois de sopesar tanto a proteção à saúde, como a liberdade de expressão� Os princípios da separação de poderes e da democracia postulam que tal decisão seja respeitada pela jurisdição, que não pode, no desempenho das suas funções, amesquinhar o espaço de deliberação e escolha, que cabe ao Parlamento numa democracia constitucional” (p� 19‑23)�

Ponto 2

A opção legislativa foi realizada expressamente durante a tramitação do PL que deu origem à Lei nº 9.294/96

Em segundo lugar e tal como apontado nas informações prestadas pelo Senado Federal, a suposta omissão inconstitucional objeto da presente ADO foi amplamente debatida durante a tramitação do Projeto de Lei nº 4�556/89, que deu origem à Lei nº 9�294/96� Desde a sua redação original, o PL fazia uma distinção clara e motivada entre bebidas fortes e fracas� Veja‑se o seguinte trecho da sua exposição de motivos:

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“Os produtos alcoólicos completam o elenco daqueles sujeitos à propaganda com restrições� Aqui as nuanças são evidentes: não há dúvidas de que sua inges-tão moderada pode ser até mesmo estimulada. Ao que parece, o álcool, em pequena quantidade, pode até ser benéfico à saúde, diminuindo a formação das chamadas lipoproteínas de alta densidade e contribuindo para reduzir o risco do infarto do miocárdio� Além disso, desde tempos imemoriais, o vinho acompanha o homem e, ainda hoje, é produto alimentício cotidiano em diversos países da Europa, geralmente sem prejuízo à saúde� De outro lado, o abuso do consumo de bebida forte, destilada acima de 40% em volume, tem constituído grave problema em quase todo o mundo� Assim, há que, desde logo, distinguir-se a bebida leve da bebida forte. O projeto de lei que ora apresentamos procura equilibrar todos esses aspectos. De um lado, por considerar que a publicidade é um fator ponderável ao estímulo do consumo, consequentemente da produ-ção e da geração de empregos. De outro, porque pode e deve ser utilizada nos dois sentidos, quando promover a utilização abusiva de produtos necessários, mas de utilização perigosa.” (Grifou‑se)

Quando o referido projeto de lei foi encaminhado ao Senado, o relator nesta Casa Legislativa posicionou‑se contrariamente a essa distinção surgida na Câmara dos Deputados� Contudo, o substitutivo que ele apresentou foi rejei‑tado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado� Na ocasião, a comissão ressaltou que a matéria já era suficientemente regulada pelo CONAR e que a opção do projeto decorria de amplo debate com a sociedade civil� De acordo com o parecer da comissão, “[t]rata-se de substitutivo integral que, sem dúvida, enriquece a discussão da matéria, mas altera integralmente o texto original do PLC 114/92, modificando substancialmente regras já estabelecidas e aceitas por toda a sociedade, como o Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR. Além de desprezar três anos de discussão da matéria com entidades da sociedade civil. Pela rejeição.”

Assim é que, embora tenha sido expressamente ventilada no Congresso a opção de restringir a publicidade de todas as bebidas, independentemente do seu teor alcoólico, venceu, no debate técnico e democrático, o entendimento de que a disciplina jurídica atual é a mais razoável à luz do art� 220, §4º, da CRFB�

Nesse cenário, entendo haver situação que clame por autocontenção judi-cial� Sobre o tema, revela‑se propício trazer à colação trecho esclarecedor do precioso estudo conduzido por Carlos Alexandre de Azevedo Campos, profes‑sor da Faculdade de Direito da UERJ� Na categorização apresentada pelo autor, entendo ser esta ADO oportunidade para exercício pela Corte da autorrestrição estrutural (structural self-restraint), assim explicada pelo professor fluminense:

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“(���) a autorrestrição estrutural (���) tem no elemento deferência o seu núcleo� A deferência é reconhecida como valor político de um governo democrático e de poderes separados� É a clássica autolimitação do poder judicial como exigência da própria ideia de estrutura de divisão de poderes constitucionalmente estabe‑lecida� Trata‑se, então, de elemento estrutural das relações institucionais entre o Judiciário e os outros ramos autônomos e independentes de governo� (���) A defe‑rência responderá a duas distintas razões – o juiz constitucional deve ser defe‑rente aos outros poderes em razão tanto da autoridade jurídico‑constitucional (deferência à autoridade) como da capacidade epistêmica superior (deferência epistêmica) desses poderes para decidir sobre as questões em jogo�” (CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo� Dimensões do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal� Rio de Janeiro: Forense, 2014� p� 180�)

Na espécie, acredito estarem presentes as duas razões que fundamentam a autorrestrição estrutural do Poder Judiciário� Por um lado, a autoridade jurí-dico-constitucional do Congresso Nacional é indisputável� O artigo 220, §4º, da CRFB atribui expressamente ao legislador – e não ao Poder Judiciário – a tarefa de definir as restrições concretas à publicidade de bebidas alcoólicas� Ante essa evidente atribuição de autoridade do Poder Legislativo, o Supremo Tribu‑nal Federal deverá ser deferente às escolhas legislativas, o que se reforça pela trajetória do processo legislativo que marcou a aprovação da Lei nº 9�294/96, marcada pelo diálogo com a sociedade civil�

Há mais� Ao lado da legitimidade democrática, vislumbro na espécie maior capacidade epistêmica do Poder Legislativo para tratar do assunto� Como se pode notar pelos documentos anexados ao PL nº 4�556/89, que resultou na lei ora questionada, o tema em questão é marcado por debates técnicos que fogem ao conhecimento convencional e ao raciocínio puramente jurídico� Nesse contexto, o debate travado no Congresso Nacional com especialistas na área recomenda autêntica humildade judicial na apreciação desta ADO� Inexistindo evidente equívoco do legislador, deve‑se prestigiar as suas escolhas, como deve ser o caso na presente ADO�

Ponto 3

A publicidade de bebidas com baixo teor alcoólico está sujeita a outras limitações nor-mativas que não as da Lei nº 9.294/96

Por fim, vale ressaltar que a inaplicabilidade das restrições contidas na Lei nº 9�294/96 à publicidade de bebidas fracas não importa na ausência de limita‑ções normativas a essas propagandas� A elas se aplicam as restrições do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente, além das

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restrições da autorregulação realizada pelo CONAR� Não faltam, portanto, restrições jurídicas à propaganda das bebidas de teor alcoólico fraco�

Em síntese, Senhor Presidente, o voto se ampara nestas três premissas básicas:(i) Não há que se falar, na presente ADO, em omissão inconstitucional� O art�1º,

parágrafo único, da Lei nº 9�294/96 resultou de escolha deliberada do Congresso Nacional, que optou por estabelecer uma distinção razoável entre bebidas fracas e fortes para fins de publicidade� É o que sobressai da análise do processo legislativo que resultou no aludido diploma (vontade histórica do legislador)�

(ii) Essa escolha legislativa deve ser respeitada em razão tanto da autoridade jurídico‑constitucional (deferência à autoridade) do Poder Legislativo como da sua capacidade epistêmica superior (deferência epistêmica) para decidir sobre as questões técnicas em jogo�

(iii) A inaplicabilidade das restrições contidas na Lei nº 9�294/96 à publi‑cidade de bebidas fracas não importa na ausência de limitações normativas a estas propagandas� A elas se aplicam as restrições do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente, além das restrições da autorregulação realizada pelo CONAR� Não faltam, portanto, restrições jurí‑dicas à propaganda das bebidas de teor alcoólico fraco�

Com esses fundamentos acompanho o voto da Ministra relatora e julgo improcedente o pedido, reconhecendo que o legislador infraconstitucional realizou uma interpretação legítima do art� 220, §4º, da CRFB e optou por regu‑lamentar na Lei nº 9�294/96 apenas a restrição de propaganda de bebidas com teor alcoólico superior a 13 °Gay Lussac�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, o ministro Luiz Fux livrou‑me do cabotinismo, já que o autor citado por Sua Excelência – Dr� Carlos Alexandre Campos – integra, no Gabinete, a minha equipe�

Presidente, o gênero masculino chegou a se mostrar preocupado com esta ação direta de inconstitucionalidade por omissão, tendo em conta a visão segundo a qual se deveria transportar, para o campo da publicidade, conside‑radas as bebidas alcoólicas, a tolerância zero que se tem na Lei Seca, como res‑saltado da tribuna pelo Doutor Ferrão� Mostrou‑se preocupado porque talvez se afastasse da televisão um anúncio muito interessante – Vem Verão –, admirado, em termos de inteligência, em termos de se mexer com a psique masculina�

Presidente, o Ministério Público Federal perdeu um grande quadro� Refiro‑me à exoneração do Procurador Daniel Sarmento� Ganhou a comunidade jurídica

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em maior diapasão, no que poderemos contactar, mais vezes, com a proficiência do ilustre professor, douto professor da Universidade do Rio de Janeiro�

Começo dizendo que, pedagogicamente, devemos declarar o autor desta ação, em parte, carecedor da ação proposta, porque acabou por formular, no fecho da inicial, pedido, considerados os cumulativos, que discrepa, a mais não poder, do Estado Democrático de Direito tal como definido pela Carta de 1988�

O que pediu – sem demérito para os subscritores da peça inicial – o Ministério Público? Pleiteou não só a declaração de inconstitucionalidade por omissão – e não poderíamos sequer assinar prazo para a prática do ato se acolhêssemos esse pedido, porque se trata de ato a ser formalizado, segundo o pedido, pelo Poder Legislativo –, como também a extensão – atuando, muito embora de forma tempo‑rária, o Supremo como legislador positivo – às bebidas em geral do que previsto na Lei nº 9�294/96� Nesse ponto, há a carência da ação, e ela precisa ficar registrada�

No mais, Presidente, é sintomático, o que também foi ressaltado da tribuna, que a questão alusiva à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, o fato de se remeter ao legislador as res‑trições esteja no capítulo V da Carta de 1988, que versa a comunicação social� Não podemos interpretar o parágrafo dissociando‑o da cabeça do artigo – a regra é a liberdade de expressão�

O que houve na espécie? Como disse o ministro Luiz Fux, ocorreu uma opção político‑normativa, uma opção do legislador, no que, observando o que reco‑mendado, o que imposto pela Carta da República, estabeleceu restrições e não versou as bebidas alcoólicas de teor inferior a treze por cento�

Creio que as colocações da ministra Cármen Lúcia são irrespondíveis� Por isso, em um primeiro passo, declaro o autor, o requerente desta ação direta de inconstitucionalidade – para utilizar a nomenclatura já consagrada, porque não temos partes propriamente ditas em processo objetivo –, carecedor da ação, pela impossibilidade jurídica flagrante do pedido formulado no fecho da peça, ou seja, que o Tribunal – e não almejo cadeira no Parlamento – atue como legislador positivo� No mais, subscrevo integralmente o voto prolatado pela ministra Cármen Lúcia�

VOTO

O sr. ministro Celso de Mello: Senhor Presidente, desejo registrar, antes de mais nada, o magnífico voto proferido pela eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA, cujos fundamentos perfilho integralmente�

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Em consequência, conheço da presente ação direta e, quanto ao fundo da controvérsia, julgo-a improcedente�

É o meu voto�

VOTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu também peço vênia para conhecer da ação integralmente e acompanho no mérito a Relatora, Ministra Cármen Lúcia, no sentido da improcedência�

Eu faço coro aos votos que já foram proferidos, afirmando, também, que se tratou claramente de uma opção do legislador, opção consciente como, agora, agrega o nosso Decano, opção essa tomada dentro das competências que a Cons‑tituição defere aos legisladores, que são os representantes da soberania popular�

DEBATE

A sra. ministra Cármen Lúcia (Relatora): Neste caso, Presidente, eu pedi a ênfase, considerando que há ainda decisões judiciais em ações que alguns mem‑bros do Ministério Público, enfim, que outras entidades poderiam alegar que, antecedendo a nossa decisão de hoje, poderia prevalecer um entendimento sin‑gular de um juiz� Não! Aqui, a ação é para a inconstitucionalidade por omissão�

O sr. ministro Marco Aurélio: Porque declaramos a constitucionalidade da lei�A sra. ministra Cármen Lúcia (Relatora): Nós dissemos que, desde sempre,

só prevalece essa lei e que qualquer decisão, mesmo anterior à data de hoje, não vale�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois, não� Então essa decisão, obviamente depois de transitada em julgado���

O sr. ministro Marco Aurélio: Depende, não posso chegar a esse ponto, porque, se transitou em julgado, a própria Carta���

A sra. ministra Cármen Lúcia (Relatora): Não vale� Não, não, não ! Sim, não vale no sentido de que, uma decisão hoje, proferida hoje, pendente, não pode levar um juízo a alegar de que só hoje nós declaramos que não havia inconsti‑tucionalidade por omissão� Não! O Supremo já tinha dito isso em 1998, e, desde sempre, inconstitucionalidade por omissão não houve�

O sr. ministro Luiz Fux: Não, o Supremo declarou a lei constitucional�A sra. ministra Cármen Lúcia (Relatora): É isso mesmo, efeito vinculante�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Constitucional, é exata‑

mente, transitada em julgado, vincula todos os juízes do País�

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A sra. ministra Cármen Lúcia (Relatora): É só a ênfase na vinculação, só isso�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Todos de acordo com

essa conclusão também?Pois não?O sr. ministro Gilmar Mendes: Desculpa…O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): A Ministra Cármen Lúcia

gostaria que nós déssemos ênfase no julgamento, quer dizer, além de julgarmos improcedente, dizermos que essa decisão, uma vez transitada em julgado, vin‑cula todos os juízes do Brasil�

O sr. ministro Celso de Mello: Eventual descumprimento da eficácia vin-culante que resulta dos julgamentos proferidos em sede de controle normativo abstrato autoriza a utilização, perante esta Suprema Corte, do instrumento constitucional da reclamação�

A sra. ministra Cármen Lúcia (Relatora): Gera reclamação� A via da reclamação�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Da reclamação, se for o caso�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): A reclamação para

desconstituir�O sr. ministro Celso de Mello: A decisão a ser proferida nesta sede proces‑

sual não implicará invalidação de outros julgamentos já ocorridos em processos de índole objetiva, que tenham apreciado situações concretas e individuais�

A sra. ministra Cármen Lúcia (Relatora): Para isso, nós temos uma ADPF nº 333, que trata do mesmo assunto em relação a certas decisões�

Agora, o que eu estou só afirmando é porque não consta ali decisão com trânsito em julgado, claro, constam decisões que ainda prevaleceriam e, como é lembrado no processo – chegou a ser lembrado hoje –, deram prazo para que todos os anúncios fossem tirados do ar até agora, mês de maio� Nós estamos dizendo: não existe essa inconstitucionalidade por omissão, logo, para isto, há ênfase no efeito vinculante�

EXTRATO DE ATA

ADO 22/DF — Relatora: Ministra Cármen Lúcia� Requerente: Procurador‑‑geral da República� Interessados: Presidente da República e Congresso Nacio‑nal (Advogado: Advogado‑geral da União)� Amici curiae: Associação Brasileira da Indústria da Cerveja – CERVBRASIL (Advogados: André Cyrino e outros), Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT (Advogados:

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ADO 22

Eduardo Antônio Lucho Ferrão e outros) e Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP (Advogados: Alan Vendrame e outros)�

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação, vencido o Ministro Marco Aurélio, que declarava o autor parcialmente carecedor da ação� Por unanimidade, julgou improcedente a ação, acentuando‑se que, transitada em julgado, esta decisão tem efeito vinculante, tudo nos termos do voto da Rela‑tora� Impedido o Ministro Teori Zavascki� Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Barroso, que representa o Tribunal na “Brazil Conference”, na Universi‑dade de Harvard, e na “Brazilian Undergraduate Student Conference”, na Univer‑sidade de Columbia, Estados Unidos� Falaram, pelo amicus curiae Associação Brasileira da Indústria da Cerveja – CERVBRASIL, o Dr� Gustavo Binenbojm e, pelo amicus curiae Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, o Dr� Eduardo Antônio Lucho Ferrão� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki� Procurador‑Geral da República, Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros�

Brasília, 22 de abril de 2015 — Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Assessora‑‑Chefe do Plenário�

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.699 — PE

Relator: O sr. ministro Celso de MelloRequerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do BrasilInteressados: Governador do Estado de Pernambuco

Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE INSTITUI EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO RECURSAL NO VALOR DE 100% DA CONDENAÇÃO COMO PRESSUPOSTO DE INTERPOSIÇÃO DE QUALQUER RECURSO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL: TÍPICA MATÉRIA DE DIREITO PROCESSUAL – TEMA SUBMETIDO AO REGIME DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (CF, ART� 22, INCISO I) – USURPA-ÇÃO, PELO ESTADO-MEMBRO, DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PROCESSUAL – OFENSA AO ART� 22, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – INCONSTITUCIONALI-DADE FORMAL DECLARADA – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE�

– Os Estados‑membros e o Distrito Federal não dispõem de com‑petência para legislar sobre direito processual, eis que, nesse tema, que compreende a disciplina dos recursos em geral, somente a União Federal – considerado o sistema de poderes enumerados e de repar‑tição constitucional de competências legislativas – possui atribui‑ção para legitimamente estabelecer, em caráter de absoluta privativi-dade (CF, art� 22, n� I), a regulação normativa a propósito de referida matéria, inclusive no que concerne à definição dos pressupostos de admissibilidade pertinentes aos recursos interponíveis no âmbito dos Juizados Especiais� Precedentes�

ADI 2�699

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ADI 2.699

– Consequente inconstitucionalidade formal (ou orgânica) de legislação estadual que haja instituído depósito prévio como requi-sito de admissibilidade de recurso voluntário no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis� Precedente: ADI 4.161/AL, Rel� Min� CÁRMEN LÚCIA�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em julgar procedente a ação direta, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 4º e 12 da Lei nº 11�404, de 19 de dezembro de 1996, do Estado de Pernambuco, nos termos do voto do Relator, firmada a seguinte tese: “A previsão em lei estadual de depósito prévio para interposição de recursos nos Juizados Especiais Cíveis viola a competência legislativa privativa da União para tratar de direito processual (art. 22, I, da Constituição)”� Ausente, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio�

Brasília, 20 de maio de 2015 — Celso de Mello, Relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Celso de Mello: Trata-se de ação direta de inconstitucio‑nalidade que, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tem por finalidade questionar a validade jurídico-constitucional dos artigos 4º e 12 da Lei nº 11�404, de 19 de dezembro de 1996, editada pelo Estado de Pernambuco�

A Lei estadual em questão foi editada com o objetivo de “consolidar as normas relativas às Taxas, Custas e aos Emolumentos, no âmbito do Poder Judi-ciário”, havendo instituído, nos dispositivos questionados, a exigência de depó-sito recursal no valor de 100% (cem por cento) da condenação para efeito de interposição de qualquer recurso no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis do Estado de Pernambuco�

Os mencionados dispositivos legais possuem o seguinte conteúdo norma‑tivo (fls. 15/16):

“Art. 4º – A interposição de qualquer recurso nos Juizados Especiais dependerá da efetivação de depósito recursal, custas e taxas, conforme determinado no capítulo II desta Lei.

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ADI 2.699

(���)Art. 12 – O valor do depósito recursal cível será sempre 100% (cem por cento) do

valor da condenação, efetuado no prazo da Lei, acrescido da despesa cobrada para reduzir a escrito o conteúdo da fita magnética referente à audiência de 1º grau, excetuado o previsto no art. 13 e seu parágrafo único.” (Grifei)

O autor da presente ação direta assim fundamentou, em seus aspectos essen-ciais, a pretensão de inconstitucionalidade que deduziu em face dos textos normativos ora impugnados nesta sede de controle abstrato (fls� 03/07):

“Os artigos supratranscritos são inconstitucionais por ofenderem a competência federal para legislar sobre direito processual (art. 22, I, da C.F.), bem como por atentarem contra as garantias do direito de defesa e devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da C.F.).

Depósito recursal (no valor de 100% da condenação) configura-se como requisito de recorribilidade. Trata-se de instituto de feição processual, chamado também de garantia de instância, que tem por escopo desestimular a interposição de recursos, assim como garantir em certos casos futura execução. Na Enciclopédia Saraiva de Direito, depósito para recurso é assim conceituado:

‘Diz-se do depósito efetuado para garantia de instância. O recolhimento deve anteceder à propositura do recurso, como pressuposto. É exigido em algumas legislações, como a trabalhista e a tributária, vinculando-se à sua realização a dedução do recurso.’ (pág. 430, Vol. 23)

Custas processuais, por outro lado, são taxas. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal consagrado, dentre outros, no julgamento da ADIMC – 1444. ‘Verbis’:

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLU-ÇÃO Nº 7/95 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. MEDIDA CAUTELAR.

1. A Ação Direta de Inconstitucionalidade, como proposta, pode ser exami-nada, ainda que impugnando apenas a última Resolução do Tribunal de Justiça do Paraná, que é a de nº 07/95, pois o ataque se faz em face da Constituição Federal de 1988.

2. A Resolução regula as custas e emolumentos nas serventias judiciais e extra-judiciais, que são tributos, mais precisamente taxas, e que só podem ser regula-dos por Lei formal, excetuada, apenas, a correção monetária dos valores, que não é o de que aqui se trata.

3. A relevância jurídica dos fundamentos da ação (plausibilidade jurídica) (‘ fumus boni iuris’) está evidenciada, sobretudo diante dos precedentes do STF, que só admitem Lei a respeito da matéria, não outra espécie de ato normativo.

4. Presente, também, o requisito do ‘periculum in mora’, pois, durante o curso do processo, os que têm de pagar custas e emolumentos, nas serventias judiciais

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e extrajudiciais do Paraná, terão de fazê-lo no montante fixado na Resolução impugnada, quando só estariam sujeitos ao previsto em Lei.

5. Medida cautelar deferida, para suspensão, ‘ex nunc’, da eficácia da Resolu-ção impugnada, até o julgamento final da ação.

6. Plenário. Decisão unânime.Pois bem. Como assevera Sacha Calmon, em palestra publicada na Revista de

Direito Tributário, n° 47, página 186:‘A base de cálculo das taxas tem que medir necessariamente a atuação do Estado, e não se reportar a um fato estranho à sua hipótese de incidência.’

Ainda Sacha Calmon , ‘ in’ ‘O Controle da Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988’, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1992, páginas 266 a 269:

‘Sendo a taxa um tributo cujas hipóteses de incidência (fatos geradores) confi-guram atuações do estado relativamente à pessoa do obrigado, a sua base de cálculo somente pode mensurar tais atuações. Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe uma relação de inerência quase carnal (inhaeret et ossa) uma relação de pertinência, de harmonia. Do contrário, estaria insta-lada a confusão e o arbítrio com a prevalência do nomen juris, i. e., da simples denominação formal sobre a antologia jurídica e conceitual dos tributos, base científica do Direito Tributário.’

Depósito para recorrer no valor de 100% da condenação, por não estar a remu-nerar o serviço judicial, por não tomar por base a atividade estatal, por não ter qualquer objetivo fiscal, não se caracteriza, a toda evidência, como custas (às quais podem ser objeto de legislação estadual – art. 24, IV, da C.F.). Trata-se de requisito processual de admissibilidade de recurso.

Detendo, pois, natureza de direito processual, não pode ser instituído (o depó-sito) por meio de legislação estadual, uma vez que compete exclusivamente à União legislar sobre processo, nos termos do que estabelece o artigo 22, I, da Lei Fundamental. Sua instituição por lei estadual é a toda evidência inconstitucional.

Não se identifica o depósito recursal, aduza-se ainda, como mero tema de pro-cedimento (de detalhamento de institutos processuais) que pode ser objeto de disposição estadual (art. 24, XI, da C.F.). As normas estaduais meramente proce-dimentais, por serem complementares à legislação federal, não podem inaugurar um tema. O depósito instituído, contudo, inovando e sem qualquer conteúdo de complementação à legislação federal, agregou àqueles requisitos de admissi-bilidade previstos na lei federal um outro nela não previsto. Foi muito além de regrar procedimento.

Porque invadiu o depósito estabelecido nos artigos 4° e 12 da Lei pernambucana 11.404 a competência federal para legislar, há de ser declarado inconstitucional; ambos os preceitos legais devem ser, por ofensa ao artigo 22, I, da Constituição, expurgados do ordenamento jurídico pátrio.

Não fosse essa inconstitucionalidade, aduza-se, a instituição de depósito em valor corresponde a 100% da condenação configura atentado aos preceitos

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constitucionais que garantem o direito de defesa e o devido processo legal. O valor exigido é desarrazoado, desproporcional, maculando o princípio da razoabilidade. Há ofensa ainda por parte do 12 da lei fustigada ao artigo 5°, incisos LIV e LV, da Lei Fundamental.” (Grifei)

O Senhor Governador do Estado de Pernambuco, ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, limitou-se a sustentar a inexistência dos requisitos legais para a concessão da medida liminar pleiteada (fls. 171/173)�

A Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, por sua vez, ao mani-festar-se nestes autos, destacou a validade constitucional dos dispositivos ora questionados, apoiando-se, para tanto, nos seguintes fundamentos (fls. 39/40):

“A iniciativa do Estado em estabelecer que a interposição de recurso nos Juizados Especiais dependerá da realização de depósito recursal surgiu em decorrência da mais estrita observância das normas processuais relativas à competência.

Certo temos que o inc. I do art. 22 da Constituição Federal imputa à União a com-petência privativa de legislar sobre direito processual. Todavia, não podemos nos afastar que relativamente ao procedimento as regras de competência legislativa são determinadas pelos §§ 1º a 4º do art. 24. Desse modo, a competência da União ficará limitada a estabelecer normas gerais em matéria processual, não excluída a suplementar dos Estados, que poderão exercer competência legislativa plena na hipótese de inexistência de normas gerais.

No caso dos recursos no âmbito dos Juizados Especiais a legislação Federal prevê apenas a necessidade de preparo sem, no entanto, estabelecer por que forma se dará esse preparo e, principalmente, sua exata quantificação. A única norma inserida no corpo da Lei nº 9.099/95 que dá ideia do montante do preparo é a contida no texto do parágrafo único do art. 54:

‘Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de juris-dição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, com-preenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em pri-meiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.’

Claro está que tal preceito dá apenas meros contornos do montante devido a título de preparo (todas as despesas processuais). No vácuo dessa previsão, é evi-dente que cumpre ao Estado exercer sua competência legislativa concorrente e, legislando sobre procedimento, definir a quantificação das despesas processuais.

No caso em questão, o Estado de Pernambuco escolheu o critério do valor da causa como sendo o que representaria aquilo que a lei nacional previu como ‘ des-pesas processuais’.

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Daí deflui fácil a conclusão de que as disposições dos arts. 4º e 12 da Lei Esta-dual nº 11.404/96 são produtos do legítimo exercício da competência legislativa do Estado de Pernambuco, motivo pelo qual não cabem ser questionados sob alegação de atentado à regra inscrita no inc. I do art. 22 da Constituição Federal.

Por outro lado, é de se atentar que as normas questionadas estão vigentes já quase seis anos, tempo em que foi possível constatar o sucesso da opção adotada pelo Estado de Pernambuco, principalmente quanto à celeridade da tramitação das ações movidas perante os Juizados Especiais criados pelo Poder Judiciário.

A agilização desses feitos decorre não apenas da intimidação ao manejo indis-criminado de recursos meramente protelatórios, como também faz com que, depois de processado o recurso, o curso da ação seja sobremaneira expedido, vez que se simplificam as medidas tendentes à satisfação material da pretensão acolhida em juízo.” (Grifei)

O eminente Advogado‑Geral da União opinou pela constitucionalidade das regras legais ora impugnadas (fls. 177/183)�

O eminente Procurador‑Geral da República pronunciou-se pela procedên-cia parcial desta ação direta, em parecer do qual destaco os seguintes trechos (fls. 186/188):

“5. Os dispositivos estaduais ora impugnados, ao disporem sobre a efetivação de depósito recursal, custas e taxas, ao contrário do que entende o Requerente, não disciplinaram matéria afeta a processo, mas sim, tema referente ao procedimento a ser adotado por ocasião da interposição de qualquer recurso nos Juizados Especiais do Estado de Pernambuco. Dessa feita, não há que se falar em ofensa ao disposto no inciso I do art. 22 da Constituição Federal, por não ter a norma pernambucana disciplinado matéria de competência privativa da União.

6. Por outro lado, no que se refere à alegada ofensa ao disposto nos incisos LIV (‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’) e LV (‘aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela ine-rentes’), ambos do art. 5º da Constituição Federal, vale tecer algumas considerações.

7. A lei pernambucana em comento, em seus artigos 14 e 15, prevê, respectiva-mente, que:

‘ julgado procedente o recurso, o depósito efetuado, e os acréscimos decorrentes da conta de poupança, excetuada a despesa da inscrição da fita magnética, serão levantados em favor do recorrente, sem qualquer despesas’,‘ julgado improcedente o recurso, será revertido em favor do recorrido o valor depositado, juntamente com os acréscimos da conta vinculada, exceto da taxa de transcrição de fita magnética (TAM), para cumprimento do disposto na sen-tença de 1ª instância’.

8. Ora, apesar de existir a previsão legal de que o depósito será revertido a quem de direito, da leitura dos dispositivos acima mencionados pode-se observar que a

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exigência de mencionado depósito está a obstar a possibilidade de interposição de recurso pela parte sucumbente, ante ao montante a ser por ela despendido. Com efeito, exigir da parte irresignada um depósito recursal no valor total da con-denação, é antecipar os efeitos de uma decisão judicial sem o devido respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

9. Na esteira desse entendimento, forçoso concluir que o art. 12 da Lei estadual nº 11.404/96, ao exigir um depósito recursal no valor da própria condenação, para que se possa interpor qualquer recurso nos Juizados Especiais do Estado de Pernambuco, viola brutalmente o disposto no inciso LV do art. 5º da Carta Magna – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

10. Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, opina o Ministério Público Federal, em atenção ao r. despacho de fls. 175, pelo deferimento da medida cautelar quanto ao art. 12, e, por economia processual, manifesta-se desde já pela procedência parcial da presente ação direta, para que seja declarada a inconstitucionalidade do mesmo artigo da Lei estadual nº 11.404, de 19 de dezembro de 1996, do Estado de Pernambuco.” (Grifei)

Este é o relatório, de cujo texto a Secretaria remeterá cópia a todos os Senho‑res Ministros deste Egrégio Tribunal (Lei nº 9.868/99, art� 9º, “caput”; RISTF, art� 172)�

VOTO

O sr. ministro Celso de Mello (Relator): Altamente relevante a matéria ora submetida ao exame desta Suprema Corte, eis que se discute, neste processo, um dos postulados estruturantes da organização institucional do Estado brasileiro, qual seja, o princípio da Federação.

A resolução da presente controvérsia constitucional, por isso mesmo, supõe a definição e a identificação da pessoa estatal investida de competência para legislar sobre direito processual�

Todos sabemos que a Constituição da República proclama, na complexa estrutura política que dá configuração ao modelo federal de Estado, a coe-xistência de comunidades jurídicas responsáveis pela pluralização de ordens normativas próprias, que se distribuem segundo critérios de discriminação material de competências fixadas pelo texto constitucional�

O relacionamento normativo entre essas instâncias de poder – União, Estados‑membros, Distrito Federal e Municípios – encontra fundamento na Constituição da República, que representa, no contexto político-institucional

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do Estado brasileiro, a expressão formal do pacto federal, consoante ressal-tam, em autorizado magistério, eminentes doutrinadores (PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol� 1/374, 1989, Saraiva; MICHEL TEMER, “Elementos de Direito Constitucional”, p� 55/59, 5ª ed�, 1989, RT; CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol� 1/216‑221, 1988, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol� I/131, item n� 38, 1989, Forense Universi‑tária; RAUL MACHADO HORTA, “Direito Constitucional”, p� 309/328, 5ª ed�, atualizada por Juliana Campos Horta, 2010, Del Rey, v.g.)�

O estatuto constitucional da República, no qual reside a matriz do pacto federal, estabelece entre a União e as pessoas políticas locais uma delicada rela-ção de equilíbrio, consolidada num sistema de discriminação de competências estatais, de que resultam – considerada a complexidade estrutural do modelo federativo – ordens jurídicas parciais e coordenadas entre si, subordinadas à comunidade total, que se identifica com o próprio Estado Federal (cf� HANS KELSEN, comentado por O� A� BANDEIRA DE MELLO, “Natureza Jurídica do Estado Federal”, “apud” GERALDO ATALIBA, “Estudos e Pareceres de Direito Tributário”, vol� 3/24‑25, 1980, RT)�

Na realidade, há uma relação de coalescência, na Federação, entre uma ordem jurídica total (que emana do próprio Estado Federal, enquanto comu-nidade jurídica total, que se expressa, formalmente, nas leis nacionais) e uma pluralidade de ordens jurídicas parciais, que resultam da União Federal (leis federais), dos Estados‑membros (leis estaduais), do Distrito Federal (leis distri-tais) e dos Municípios (leis municipais)�

Nesse contexto, as comunidades jurídicas parciais são responsáveis pela instauração de ordens normativas igualmente parciais, sendo algumas de natu-reza central, imputáveis, nessa hipótese, à União (enquanto pessoa política de caráter central), e outras de natureza regional (Estados‑membros/DF) ou de caráter local (Municípios), enquanto comunidades periféricas revestidas de autonomia institucional�

Essa partilha de competências, Senhor Presidente, reflete uma das mais expressivas características do Estado Federal, cujo ordenamento constitu-cional disciplina, harmoniosamente, competências privativas e competências concorrentes, preservando, assim, a autonomia das unidades que lhe compõem a estrutura jurídico‑institucional, investidas, para efeito do concreto exercício das atribuições normativas, de poderes enumerados – que resultam, explícita ou implicitamente, da própria Lei Fundamental – ou, então, de poderes resi-duais ou remanescentes�

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O exame do Estado Federal brasileiro permite que nele se reconheça a pos-sibilidade de a União Federal, no sistema de repartição constitucional de com-petências estatais, exercer, legitimamente, as atribuições enumeradas que lhe foram conferidas, em caráter privativo, pela Carta Política, sem que a prática dessa competência institucional implique transgressão à prerrogativa básica da autonomia político‑jurídica constitucionalmente reconhecida aos Estados‑‑membros, ao Distrito Federal e aos Municípios�

De outro lado, e como tem sido historicamente recorrente na evolução consti-tucional de nossa organização federativa, são atribuídas aos Estados‑membros as competências que não tenham sido expressamente outorgadas ou que não resultem, implicitamente, do sistema de poderes enumerados estabelecido pela Constituição da República em favor das demais pessoas estatais�

Daí a observação da doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol� 1/204, 1990, Saraiva) no sentido de que, considerada a técnica de repartição de competências institucio-nais adotada pelo sistema constitucional brasileiro, “À União cabem apenas os poderes que, explícita ou implicitamente, a Constituição lhe reservou; aos Esta-dos, tudo o mais. Diga-se melhor. Aos Estados cabem todos os demais poderes, exceto aqueles que a Constituição Federal confere, explícita ou implicitamente, aos Municípios. Desse modo, a verdadeira significação do preceito em exame está em afirmar que tudo o que remanesce, extraída a competência da União e a dos Municípios, é da competência dos Estados. União e Municípios, portanto, não têm mais do que os poderes que lhes são, explícita ou implicitamente, atribuí-dos. Em termos reais, a competência estadual é, em face da competência da União, como fazem fé os arts. 21 e 22 acima examinados, das mais reduzidas, seja em extensão, seja em importância. Aparece nisso um sinal seguro e insofismável da centralização de que sofre o federalismo brasileiro” (grifei)�

A cláusula inscrita no art� 25, § 1º, da Constituição da República – que con-sagra, na perspectiva do federalismo brasileiro, a doutrina dos poderes residuais, reflexo de uma tendência histórica que se registra a partir da Décima Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América – representa, nesse contexto, um dos “cornerstones”, verdadeira pedra angular sobre a qual se estrutura, em nosso país, o edifício do Estado Federal�

Em outras palavras, a reserva constitucional de poderes residuais em favor dos Estados‑membros tem um significado preciso, assim exposto, em clássica monografia, por OSWALDO TRIGUEIRO (“Direito Constitucional Estadual” p� 84/85, item n� 48, 1980, Forense):

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“(...) Em princípio, pois, os poderes dos Estados se estendem a tudo o que não lhes é proibido por norma constitucional federal, ou não haja sido atribuído privativamente à União, quer por preceito explícito, quer por estar implicita-mente contido nos poderes expressos.

Decerto, o princípio é importante e até considerado essencial à conceituação do regime federal. Mas, no Brasil atual, ele dá aos Estados um resíduo de competência a bem dizer ilusório. Por um lado, os Estados não podem invocar poderes de que houvessem sido titulares antes de sua incorporação à União. Por outro, o campo do direito federal tem sido ampliado em tais proporções, de uma Constituição para outra, que a competência remanescente se tornou insignificante. A expansão do poder federal deixou o campo residual tão esvaziado que dificilmente se poderá apontar tema legislativo sobre o qual os Estados possam editar regras jurídicas autônomas.” (Grifei)

Entendo, Senhor Presidente, considerados os fundamentos deduzidos pelo autor desta ação direta, que o tema veiculado na legislação editada pelo Estado de Pernambuco compreende-se, inteiramente, na esfera de competência nor‑mativa que a Constituição da República reservou, em caráter privativo, à União Federal, em razão de tratar‑se de típica matéria de direito processual�

Na realidade, os Estados‑membros e o Distrito Federal não dispõem de competência para legislar sobre direito processual, eis que, nesse tema, que compreende a disciplina dos recursos em geral, somente a União Federal – considerado o sistema de poderes enumerados e de repartição constitucional de competências legislativas – possui atribuição para legitimamente estabelecer, em caráter de absoluta privatividade (CF, art� 22, n� I), a regulação normativa a propósito de referida matéria, inclusive no que concerne à definição dos pres-supostos de admissibilidade pertinentes aos recursos interponíveis no âmbito dos Juizados Especiais�

É por isso que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente julga-mento a propósito de controvérsia essencialmente idêntica à ora versada nestes autos, reconheceu pertencer à União Federal – e a esta, apenas – a competência para legislar sobre direito processual, cuja abrangência conceitual estende--se à regulação normativa dos recursos em geral e respectivos pressupostos de interposição e de admissibilidade:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.816/2007 DE ALAGOAS, INS-TITUINDO DEPÓSITO PRÉVIO DE 100% DO VALOR DA CONDENAÇÃO PARA A INTER-POSIÇÃO DE RECURSO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DO ESTADO. INCONSTITU-CIONALIDADE FORMAL: COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE MATÉRIA PROCESSUAL. ART. 22, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA

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DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.” (ADI 4.161/AL, Rel� Min� CÁRMEN LÚCIA, Pleno – Grifei)

Vê-se, daí, que, tratando-se de matéria subsumível à noção de direito pro-cessual, há, em face da privatividade da competência normativa outorgada à União Federal, clara interdição constitucional ao poder do Estado‑membro para legislar sobre esse tema, como tem reiteradamente advertido a jurispru‑dência desta Corte Suprema (ADI 2.257/SP, Rel� Min� EROS GRAU – ADI 2.855/MT, Rel� Min� MARCO AURÉLIO – ADI 2.970/DF, Rel� Min� ELLEN GRACIE – ADI 3.041/RS, Rel� Min� RICARDO LEWANDOWSKI, v.g.):

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO JUDICIÁRIO N. 006/99 DO TJ/BA. FISCALIZAÇÃO DO VALOR DA CAUSA NO ATO DA DISTRIBUIÇÃO. INCONSTITUCIO-NALIDADE FORMAL.

1. O quanto respeite ao valor da causa consubstancia matéria de direito pro-cessual, adstrita à lei federal, nos termos do disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição do Brasil.

2. Pedido de inconstitucionalidade julgado procedente.” (ADI 2.052/BA, Rel� Min� EROS GRAU – grifei)

“COMPETÊNCIA LEGISLATIVA – PROCEDIMENTO E PROCESSO – CRIAÇÃO DE RECURSO – JUIZADOS ESPECIAIS. Descabe confundir a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre procedimentos em matéria processual – artigo 24, inciso XI – com a privativa para legislar sobre direito processual, prevista no artigo 22, inciso I, ambos da Constituição Federal. Os Estados não têm competência para a criação de recurso, como é o de embargos de divergên-cia contra decisão de turma recursal.” (AI 253.518 AgR/SC, Rel� Min� MARCO AURÉLIO – Grifei)

No caso ora em exame, o Estado de Pernambuco inovou em matéria pro-cessual, ao criar, como pressuposto adicional de recorribilidade, requisito obrigatório – exigência de depósito recursal equivalente a 100% do valor da condenação – para efeito de interposição do recurso inominado a que alude o art� 42, “caput”, da Lei nº 9�099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais�

Na realidade, longe de estabelecer qualquer disciplina peculiar ao preparo do recurso em questão, o Estado de Pernambuco criou requisito de admissibili-dade recursal inexistente na legislação nacional editada pela União Federal, assim transgredindo, mediante usurpação, a competência normativa que foi outorgada, em caráter privativo, ao poder central (CF, art� 22, n� I)�

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Sendo assim, e em face das razões expostas, julgo procedente a presente ação direta, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 4º e 12 da Lei nº 11�404, de 19 dezembro de 1996, do Estado de Pernambuco�

É o meu voto�

VOTO

O sr. ministro Roberto Barroso: Senhor Presidente, acompanho integralmente o voto do Ministro Celso de Mello� Eu, apenas, para acompanhar o padrão que tenho seguido, e com a licença do Ministro Celso de Mello, mas acho que é fiel com precisão ao que Sua Excelência votou, a minha tese de julgamento é a seguinte: A previsão em lei estadual de depósito prévio para interposição de recursos nos Juizados Especiais Cíveis viola a competência legislativa privativa da União para tratar de Direito Processual (art� 22, I, da Constituição)�

O sr. ministro Celso de Mello (Relator): Perfeito!O sr. ministro Roberto Barroso: Aí fica em uma proposição� Tenho feito esse

esforço, Ministro Celso, com o apoio do Presidente� Nesse caso, é muito simples e o voto de Vossa Excelência é inequívoco, mas, às vezes, como os nossos votos são agregativos, há uma certa dúvida de qual foi a tese que prevaleceu� Embora esse não fosse o caso, eu fiz questão de enunciar a tese, Presidente, porque aí mantemos um padrão�

EXTRATO DE ATA

ADI 2�699/PE — Relator: Ministro Celso de Mello� Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Maurício Gentil Monteiro e Rafael Barbosa de Castilho)� Interessados: Governador do Estado de Pernambucoe Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco�

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 4º e 12 da Lei nº 11�404, de 19 de dezembro de 1996, do Estado de Pernambuco, firmada a seguinte tese: “A previsão em lei estadual de depósito prévio para interposição de recursos nos Juizados Especiais Cíveis viola a competência legislativa privativa da União para tratar de direito processual (art� 22, I, da Constituição)”� Ausente, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski�

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Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso� Procurador‑Geral da República, Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros�

Brasília, 20 de maio de 2015 — Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Assessora‑‑Chefe do Plenário�

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.081 — DF

Relator: O sr. ministro Roberto BarrosoRequerente: Procurador‑geral da RepúblicaInteressado: Tribunal Superior Eleitoral

DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL� AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU‑CIONALIDADE� RESOLUÇÃO Nº 22�610/2007 DO TSE� INAPLICABILIDADE DA REGRA DE PERDA DO MANDATO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA AO SISTEMA ELEITORAL MAJORITÁRIO�

1� Cabimento da ação� Nas ADIs 3�999/DF e 4�086/DF, discutiu‑se o alcance do poder regulamentar da Justiça Eleitoral e sua competência para dispor acerca da perda de mandatos eletivos� O ponto central discutido na presente ação é totalmente diverso: saber se é legítima a extensão da regra da fidelidade partidária aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário�

2� As decisões nos Mandados de Segurança 26�602, 26�603 e 26�604 tiveram como pano de fundo o sistema proporcional, que é adotado para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores� As carac‑terísticas do sistema proporcional, com sua ênfase nos votos obti‑dos pelos partidos, tornam a fidelidade partidária importante para garantir que as opções políticas feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam minimamente preservadas� Daí a legitimidade de se decretar a perda do mandato do candidato que abandona a legenda pela qual se elegeu�

3� O sistema majoritário, adotado para a eleição de presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional� As características do sistema majoritário,

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com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (CF, art� 1º, parágrafo único; e art� 14, caput)�

4� Procedência do pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, na con‑formidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer da ação e julgar procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade, quanto à Resolução 22�610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, do termo “ou o vice”, constante do art� 10; da expressão “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário”, constante do art� 13, e para conferir interpretação conforme à Constituição ao termo “suplente”, constante do art� 10, com a finalidade de excluir do seu alcance os cargos do sistema majoritário� Fixada a tese com o seguinte teor: “A perda do mandato em razão da mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor”, nos termos do voto do Relator�

Brasília, 27 de maio de 2015 — Roberto Barroso, Relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Roberto Barroso: 1� Trata‑se de ação direta de inconstitucio‑nalidade proposta pelo Procurador‑Geral da República em face dos arts� 10 e 13 da Resolução nº 22�610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral� Confira‑se o teor dos dispositivos:

Art� 10� Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias�

(…)Art� 13� Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando‑se

apenas às desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário�

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2� A requerente alega que os termos “suplente” e “ou o vice”, constantes no art� 10, e o trecho “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário”, inscrito no art� 13, violam o sistema eleitoral e o estatuto constitucional dos congressistas, especialmente os arts� 14, caput; 46, caput; 55, caput; e os parágrafos do art� 77, todos da Constituição�

3� Preliminarmente, a autora defende o cabimento da ação, uma vez que a ADI 3�999/DF e a ADI 4�086/DF proclamaram a constitucionalidade formal da Resolução nº 22�610/2007, sem analisar questões substantivas� No mérito, entende que os Mandados de Segurança nº 26�602, nº 26�603 e nº 26�604 ana‑lisaram a perda do mandato por desfiliação exclusivamente para cargos eleti‑vos do sistema proporcional, tendo se assinalado que o propósito da perda é a retomada do mandato pelo partido lesado� Alega que a Corte teria articulado um princípio de pertencimento do cargo eletivo de deputado ao partido, que resultaria (i) da intermediação necessária da legenda partidária para a disputa eleitoral e (ii) da natureza do sistema eleitoral proporcional, em que o eleitor vota no partido mais do que no candidato�

4� À vista de tais considerações, a autora sustenta a inaplicabilidade da regra da fidelidade partidária ao sistema majoritário� Isso porque o vínculo do man‑dato com o partido no sistema majoritário é mais tênue, pois não se orienta pela mesma lógica do sistema proporcional� Neste, deduz‑se a primazia da esco‑lha de legendas partidárias para compor o poder político, enquanto naquele o destaque maior reside no candidato� Afirma ainda que a perda de mandato no sistema majoritário não necessariamente beneficiaria o partido, pois as chapas em eleições majoritárias são formadas, em diversos casos, por candidatos de diferentes agremiações partidárias�

5� Em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, apliquei o rito do art� 12 da Lei nº 9�868/1999�

6� Em informações, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral limitou‑‑se a registrar que a Resolução foi editada com fundamento no art� 23, IX, do Código Eleitoral, tendo regulamentado o tema da perda de cargo eletivo por desfiliação partidária�

7� A Advocacia‑Geral da União, em preliminar, defende o não conhecimento da ação direta, considerando que, no julgamento da ADI 3�999/DF e da ADI 4�086/DF, foram discutidas a constitucionalidade formal e material da Resolu‑ção, tendo‑se inclusive utilizado como parâmetros os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança� No mérito, opina pela improcedência do pedido, alegando que a obrigação de filiação partidária como condição de ele‑gibilidade, disposta no art� 14, §3º, V, da Constituição, e o dever de fidelidade

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partidária, imposto pelo art� 17, §1º, incidem tanto para eleições proporcionais quanto para eleições majoritárias, inexistindo restrição constitucional expressa à sua incidência nos pleitos regidos pelo sistema majoritário�

8� A Procuradoria‑Geral da República opina pelo conhecimento da ação e, no mérito, pela procedência do pedido, sustentando que a aplicação da fideli‑dade partidária para o sistema majoritário ofende a soberania popular (art� 14, caput, CF), as características constitucionais do sistema majoritário (arts� 46, caput, e 77, CF) e as hipóteses de perda de mandato parlamentar (art� 55, CF)�

9� É o relatório� Distribuam‑se cópias aos Senhores Ministros (Lei nº 9�868/1999, art� 9º)�

VOTO

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator):

PRELIMINARMENTE

I. Cabimento da ação direta1� Preliminarmente, analiso a questão do cabimento da presente ação direta�

É fato que a constitucionalidade da Resolução nº 22�610/2007 do TSE já foi objeto de controle concentrado nas ADIs nº 3�999/DF e 4�086/DF, propostas, respectiva‑mente, pelo Partido Social Cristão e pela Procuradoria‑Geral da República� Nas referidas ações, foram discutidas e decididas as seguintes matérias: (i) violação à reserva de lei complementar para definição das competências de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais (art� 121, da CF); (ii) usurpação de competência do Legislativo e do Executivo para dispor sobre matéria eleitoral e processual civil (art� 22, I; arts� 48 e 84, IV, da CF); (iii) desrespeito à reserva de lei em sentido estrito para a criação de nova atribuição ao Ministério Público por resolução (art� 128, § 5º, e art� 129, IX, da CF); e (iv) prejuízo ao princípio da separação dos poderes (arts� 2º e 60, § 4º, III, da Constituição)�

2� O Tribunal enfrentou todas essas questões, em acórdão assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE� RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22�610/2007 e 22�733/2008� DISCIPLINA DOS PROCEDI‑MENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO� FIDELIDADE PARTIDÁRIA� 1� Ação direta de inconstituciona‑lidade ajuizada contra as Resoluções 22�610/2007 e 22�733/2008, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária� 2� Síntese das violações constitucionais arguidas� Alegada contrariedade do

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art� 2º da Resolução ao art� 121 da Constituição, que ao atribuir a competência para examinar os pedidos de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária ao TSE e aos Tribunais Regionais Eleitorais, teria contrariado a reserva de lei complementar para definição das competências de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais (art� 121 da Constituição)� Suposta usurpação de competência do Legis‑lativo e do Executivo para dispor sobre matéria eleitoral (arts� 22, I, 48 e 84, IV, da Constituição), em virtude de o art� 1º da Resolução disciplinar de maneira inovadora a perda do cargo eletivo� Por estabelecer normas de caráter processual, como a forma da petição inicial e das provas (art� 3º), o prazo para a resposta e as consequências da revelia (art� 3º, caput e par� ún�), os requisitos e direitos da defesa (art� 5º), o julgamento antecipado da lide (art� 6º), a disciplina e o ônus da prova (art� 7º, caput e par� ún�, art� 8º), a Resolução também teria violado a reserva prevista nos arts� 22, I, 48 e 84, IV, da Constituição� Ainda segundo os requerentes, o texto impugnado discrepa da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal nos precedentes que inspiraram a Resolução, no que se refere à atribuição ao Ministério Público eleitoral e ao terceiro interessado para, ante a omissão do Partido Político, postular a perda do cargo eletivo (art� 1º, § 2º)� Para eles, a criação de nova atribuição ao MP por resolução dissocia‑se da necessária reserva de lei em sentido estrito (arts� 128, § 5º, e 129, IX, da Constituição)� Por outro lado, o suplente não estaria autorizado a postular, em nome próprio, a apli‑cação da sanção que assegura a fidelidade partidária, uma vez que o mandato “pertenceria” ao Partido� Por fim, dizem os requerentes que o ato impugnado invadiu competência legislativa, violando o princípio da separação dos poderes (arts� 2º, 60, §4º, III, da Constituição)� 3� O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança 26�602, 26�603 e 26�604, reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária� Ressalva do entendimento então manifestado pelo ministro‑relator� 4� Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucio‑nal sem prever um instrumento para assegurá‑lo� 5� As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcional e transitório, tão somente como mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar� 6� São constitucionais as Resoluções 22�610/2007 e 22�733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral� Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente�

3� Como se constata singelamente, o Supremo Tribunal Federal somente se pronunciou sobre a constitucionalidade formal da Resolução, tendo rejei‑tado a tese da ocorrência de usurpação de competência legislativa� A questão da ilegitimidade constitucional da perda de mandato nas hipóteses de cargos eletivos do sistema majoritário, objeto da presente ação, não foi suscitada em nenhum momento, seja na inicial, seja no voto do Ministro Relator ou nas demais

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manifestações proferidas em Plenário� Como a causa de pedir nas ações de controle concentrado de constitucionalidade é aberta, nada impediria que esta questão fosse discutida nas ADIs 3�999/DF e 4�086/DF� Isso, porém, não ocorreu�

4� Nesses casos, em que esta Corte não se manifestou sobre a questão consti‑tucional específica, entendo ser cabível a reapreciação da norma anteriormente considerada válida pelo Tribunal, sobretudo quando a análise da constitucio‑nalidade do ato normativo ocorreu apenas sob o aspecto formal� A coisa jul‑gada e a causa de pedir aberta no controle abstrato não devem funcionar como mecanismos para impedir a análise de questões constitucionais não apreciadas sobre o respectivo ato normativo� Caso assim não fosse, esta Corte permitiria a manutenção no ordenamento jurídico de dispositivos em aparente desacordo com a Constituição pelo simples fato de a sua validade, sob o ponto de vista formal, já haver sido atestada em julgamentos anteriores� A validade formal do diploma legal não garante imunidade a vícios de natureza material, e não se pode realisticamente supor que o Tribunal irá antever todos os possíveis vícios de inconstitucionalidade material nestas hipóteses�

5� Aliás, esse entendimento não é novo nesta Corte� Na ADI 2�182, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de questão de ordem, entendeu que a impug‑nação de diploma legislativo sob o ponto de vista formal não obriga a sua aná‑lise sob a perspectiva material, que poderia eventualmente ser reapreciada em outra ação específica com essa finalidade� Confira‑se a ementa do julgado:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE� 1� QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI� IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL� 2� MÉRITO: ART� 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA� INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8�429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA� 1� Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucio‑nalidade material dos dispositivos da Lei 8�429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma� 2� Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República� O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão� 3� Ação direta de inconstitucionalidade improcedente�

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6� O ponto central a ser discutido na presente ação não possui qualquer semelhança com as ações diretas já julgadas por esta Corte� Não se pretende reapreciar a competência do Tribunal Superior Eleitoral para dispor sobre perda de mandatos eletivos, questão decidida nas ADIs anteriores e coberta pela coisa julgada, mas sim a legitimidade da extensão de tal previsão aos candidatos elei‑tos pelo sistema majoritário� Não há que se falar, portanto, em descabimento da ação por suposta prejudicialidade� Superada a preliminar de descabimento da ação, passo à análise do mérito�

NO MÉRITO

BREVE ANÁLISE DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO7� Para equacionar adequadamente a questão trazida a julgamento, impõe‑se

um relato sumário que permita a compreensão do sistema político brasileiro, tanto em matéria eleitoral quanto partidária� É o que se faz a seguir�

II. O sistema eleitoral brasileiro8� A expressão sistema eleitoral identifica as diferentes técnicas e procedi‑

mentos pelos quais se exercem os direitos políticos de votar e de ser votado� No conceito se inclui a divisão geográfica do país para esse fim, bem como os critérios do cômputo dos votos e de determinação dos candidatos eleitos� Os dois grandes sistemas eleitorais praticados no mundo contemporâneo são o majoritário e o proporcional� Ambos são adotados no Brasil�

II. 1. O sistema majoritário9� Entre nós, o sistema eleitoral majoritário é utilizado na eleição de Prefeitos,

Governadores, Senadores e do Presidente da República� Nessas eleições, cha‑madas majoritárias, é considerado vencedor o candidato que obtém o maior número de votos� Os votos dados aos demais candidatos são desconsiderados, não contribuindo para a composição dos governos� Adota‑se o sistema majo‑ritário simples para a eleição de Senadores e de Prefeitos em Municípios com até 200 mil eleitores� E adota‑se o sistema majoritário em dois turnos para a eleição do Presidente da República, dos Governadores de Estado e dos Prefei‑tos de Municípios com mais de 200 mil eleitores� As grandes dificuldades do sistema eleitoral brasileiro não se encontram no sistema majoritário, mas nos arranjos institucionais associados ao sistema proporcional�

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II. 2. O sistema proporcional10� O sistema proporcional é adotado entre nós para a eleição de Vereadores,

Deputados Estaduais e Deputados Federais� Nas eleições para Deputado Federal e Estadual, a circunscrição (i�e�, o espaço geográfico no qual o candidato fará campanha e poderá ser votado) corresponde ao Estado, ao passo que nas elei‑ções para Vereador, será o Município� Pelo sistema proporcional, o número de cadeiras que cada partido terá na Casa Legislativa relaciona‑se à votação obtida na circunscrição� No sistema brasileiro, que é de lista aberta, o eleitor escolhe um candidato da lista apresentada pelo partido (não é possível candidatar‑se sem filiação a um partido), não havendo ordem predeterminada dos que serão eleitos, como ocorre no sistema de lista fechada� A ordem de obtenção das cadei‑ras pelos candidatos é ditada pela votação que individualmente obtiveram� Porém, o sucesso do candidato dependerá, de modo decisivo, da quantidade de votos que o partido ao qual ele está filiado recebeu� A seguir, breve descrição do sistema proporcional no Brasil�

11� O total de votos válidos recebidos por todos os candidatos e partidos é dividido pelo número de cadeiras a preencher� Esse resultado corresponde ao denominado quociente eleitoral� Se um partido não obtiver número de votos pelo menos igual ao quociente eleitoral, não elegerá nenhum candidato� O passo seguinte é dividir o número de votos obtidos por cada partido ou coligação partidária pelo quociente eleitoral� Esse resultado corresponde ao quociente partidário e equivale ao número de candidatos eleitos pelo partido� A ordem de preferência dos candidatos é determinada pelo eleitor, na medida em que obterão as cadeiras os candidatos individualmente mais votados no partido, até o limite do quociente partidário� Ou seja: para eleger‑se, o candidato depende dos votos obtidos pelo partido (quociente partidário) e de sua votação própria�

II. 3. As disfunções do sistema proporcional12� O sistema proporcional no Brasil, pelo qual se elegem os membros da

Câmara dos Deputados, da Assembleia Legislativa e das Câmaras Municipais, é uma usina de problemas� O modelo adotado, como visto, é o proporcional com lista aberta� Nas eleições para Deputado Federal, por exemplo, os candidatos fazem campanha e podem ser votados no território de todo o Estado, e o elei‑tor pode escolher qualquer nome das listas partidárias� Há disfunções muito visíveis nessa fórmula�

13� A primeira delas é o custo elevadíssimo da campanha em todo o território do Estado� O segundo é o fato de que menos de dez por cento dos candidatos são eleitos com votação própria� Quase todos são eleitos por transferência de votos

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do partido� O eleitor, na verdade, nem sabe quem está elegendo de fato (o que é ainda mais grave no caso de coligações)� O terceiro problema é que o principal adversário do candidato do partido A é o outro candidato do partido A� Vale dizer: em lugar de ser um debate programático entre candidatos de partidos diversos, o processo se torna uma disputa personalista entre candidatos do mesmo partido� Em suma: o sistema é caríssimo, o eleitor não sabe quem elegeu e o debate público não é programático, mas personalizado� Sem surpresa, os eleitores, poucas semanas depois da eleição, já não têm qualquer lembrança dos candidatos em quem votaram nas eleições proporcionais� Como consequência, os eleitos acabam não devendo contas a ninguém�

III. O sistema partidário brasileiro14� A história dos partidos políticos no Brasil é acidentada, marcada por

severas restrições à sua organização e funcionamento, sobretudo nos perío‑dos ditatoriais� Em reação ao passado, a Constituição de 1988 optou por um desenho institucional que fortaleceu os partidos� Nessa linha, inscreveu o plu‑ralismo político como um dos fundamentos da República (art� 1º, V), assegurou a liberdade de associação (art� 5º, XVII) e consagrou, expressamente, a livre criação de partidos e o pluripartidarismo (art� 17)� Além disso, enfatizando o papel proeminente a eles reservado, exigiu a filiação partidária como condição de elegibilidade dos candidatos (art� 14, § 3º, V)�

15� Além desse fortalecimento institucional, uma outra disposição consti‑tucional funcionou como um grande incentivo à multiplicação de partidos no Brasil� Trata‑se do art� 17, § 3º, que tem a seguinte dicção: “Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televi‑são, na forma da lei”� Este cenário é agravado pela admissibilidade de coligações partidárias nas eleições proporcionais� Tal circunstância permite que partidos que não têm densidade eleitoral mínima para atingir o quociente eleitoral – e, portanto, ter representação na Câmara dos Deputados, por exemplo – possam obtê‑lo coligando‑se com partidos maiores�

III.1. As disfunções do sistema partidário16� O sistema partidário é caracterizado pela multiplicação de partidos de

baixa consistência ideológica e nenhuma identificação popular� Surgem, assim, as chamadas legendas de aluguel, que recebem dinheiro do Fundo Partidário – isto é, recursos predominantemente públicos – e têm acesso a tempo gratuito de televisão� O dinheiro do Fundo é frequentemente apropriado privadamente e o tempo de televisão é negociado com outros partidos maiores, em coligações

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oportunistas e não em função de ideias� A política, nesse modelo, afasta‑se do interesse público e vira um negócio privado� Devo dizer, a bem da verdade, que quando estive no Congresso Nacional por ocasião da minha sabatina para ingressar no Supremo Tribunal Federal, em junho de 2013, estive com as prin‑cipais lideranças partidárias� E esse diagnóstico que estou aqui apresentando era compartilhado por quase todos os parlamentares com os quais estive�

17� A combinação do sistema proporcional de lista aberta, direito a recursos do fundo partidário, acesso gratuito ao rádio e à televisão, possibilidade de coligações em eleições proporcionais e ausência de cláusula de barreira produz uma Babel partidária, de efeitos sombrios sobre a legitimidade democrática, a governabilidade e a decência política� A pulverização partidária encontra‑se documentada em números bastante eloquentes: desde a redemocratização do Brasil, quase uma centena de agremiações partidárias estiveram em funciona‑mento � Em abril de 2015, havia 32 (trinta e dois) partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral� Desnecessário enfatizar a evidência de que esta multiplica‑ção de partidos não está associada ao ímpeto de contribuir efetivamente para programas de governo ou para a definição de políticas públicas� Há razoável consenso de que o dinheiro do Fundo Partidário e a negociação do tempo de televisão são as motivações principais�

III.2. O fenômeno da infidelidade partidária18� Neste cenário descrito acima, em que numerosos partidos funcionam

como embalagens para qualquer produto, não é surpresa a tradição brasileira de infidelidade partidária e de constantes migrações de parlamentares de um partido para outro� Relembre‑se que no sistema eleitoral e partidário vigen‑tes, a eleição de um candidato para vaga em uma Casa Legislativa depende de uma complexa – e nem sempre lógica – equação entre a votação obtida por ele e a votação de seu partido ou coligação partidária� De nada lhe adiantará ter alcançado uma votação expressiva se seu partido não atingir o quociente eleitoral� E, inversamente, não é incomum que candidatos com votação baixa se elejam em função de seu partido ter sido beneficiado por votação expressiva�

19� Tais variáveis funcionam como incentivos à infidelidade partidária� Can‑didatos, compreensivelmente, buscam legendas que potencializam as suas chances de eleição� Assim, tradicionalmente, às vésperas de encerramento do prazo de filiação partidária para fins de candidatura, ocorria grande migração de parlamentares e candidatos� Isso em razão da influência determinante do partido em suas chances de eleição� Outro momento típico de troca de partidos por candidatos eleitos se dava entre a eleição e a posse do candidato� Isto porque

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o art� 47, § 3º, da Lei nº 9�504/97, antes das alterações da Lei nº 11�300/2006, deter‑minava que, para fins de divisão do tempo da propaganda eleitoral gratuita, seria considerada a representação partidária na Câmara dos Deputados na data de início da legislatura em curso� Com a mudança, os eleitos eram computa‑dos, para efeito de cálculo da parcela de horário eleitoral gratuito, nos quadros dos partidos em que ingressaram, não nos daqueles pelos quais foram eleitos�

20� Levantamentos estatísticos confirmam a extensão e alcance do problema� Entre os anos de 1995 a 2007, ocorreram 810 (oitocentos e dez) migrações, envol‑vendo um total de 581 (quinhentos e oitenta e um) parlamentares, o que significa que muitos deles trocaram de partido mais de uma vez� Este quadro sofreu o impacto relevante – e positivo – das decisões do Supremo Tribunal Federal, proferidas em 2007, no âmbito dos Mandados de Segurança nº 26�602, nº 26�603 e 26�604� A seguir, breve análise de tais pronunciamentos�

IV. A decisão do STF nos mandados de segurança sobre fidelidade partidária e seus fundamentos

21� A posição do Supremo Tribunal Federal acerca da fidelidade partidária e da mudança de partido por parlamentares havia sido fixada no julgamento do Mandado de Segurança n� 20�927, da relatoria do Min� Moreira Alves, julgado em 1989, quando se assentou:

“Em face da Emenda n° 1, que, em seu artigo 152, parágrafo único (que, com alte‑ração de redação, passou a parágrafo 5º desse mesmo dispositivo, por força da Emenda Constitucional n° 11/78), estabelecia o princípio da fidelidade partidária, Deputado que deixasse o Partido sob cuja legenda fora eleito perdia o seu man‑dato� Essa perda era decretada pela Justiça Eleitoral, em processo contencioso em que se assegurava ampla defesa, e, em seguida, declarada pela Mesa da Câmara (arts� 152, § 5º; 137, IX; e 35, § 42)�

Com a emenda Constitucional n° 25/85, deixou de existir esse princípio de fideli‑dade partidária, e, em razão disso, a mudança de Partido por parte de Deputado não persistiu como causa de perda de mandato, revogado o inciso V do artigo 35 que enumerava os casos de perda de mandato�

Na atual Constituição, também não se adota o princípio da fidelidade partidá‑ria, o que se tem permitido a mudança de Partido por parte de Deputados sem qualquer sanção jurídica, e, portanto, sem perda de mandato�

Ora, se a própria Constituição não estabelece a perda de mandato para o Depu‑tado que, eleito pelo sistema de representação proporcional, muda de partido e, com isso, diminui a representação parlamentar do Partido por que se elegeu (e se elegeu muitas vezes graças aos votos de legenda), quer isso dizer que, apesar de a Carta Magna dar acentuado valor à representação partidária (artigos 5º,

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LXX, “a”; 58, § 1º; 58, § 4º; 103, VIII), não quis preservá‑la com a adoção da sanção jurídica da perda do mandato, para impedir a redução da representação de um partido no Parlamento� Se o quisesse, bastaria ter colocado essa hipótese entre as causas de perda de mandato, a que alude o artigo 55�”

22� Entendia o Tribunal, portanto, que não vigorava entre nós a exigência de fidelidade partidária, nem tampouco era possível decretar a perda de mandato do parlamentar que mudasse de partido, à falta de previsão constitucional expressa� Posteriormente, no entanto, o Tribunal veio a rever sua posição, pro‑curando mitigar os efeitos graves da migração partidária no sistema político brasileiro� Tal virada jurisprudencial se deu no julgamento dos Mandados de Segurança nºs 26�602, 26�603 e 26�604, decididos em 2007� A importância da compreensão adequada destes precedentes para a solução da presente ação direta justifica uma breve síntese do seu contexto fático e dos seus fundamentos�

23� Em 1º�3�2007, o Partido Democratas (DEM) formulou a Consulta nº 1�398/2007 perante o Tribunal Superior Eleitoral, na qual questionava se os partidos e coligações possuíam o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema proporcional em caso de desfiliação� O TSE pronunciou‑se no sentido de que os mandatos obtidos em eleição proporcional pertencem ao partido político, e, portanto, que a mudança de agremiação partidária, após a diplomação, dá ao respectivo partido o direito de postular a retenção do mandato eletivo�

24� Diante da negativa do Presidente da Câmara dos Deputados em dar posse aos deputados suplentes mesmo após o julgamento da referida Consulta, três partidos prejudicados pela recusa impetraram os Mandados de Segurança de nº 26�602 (PPS), 26�603 (PSDB) e 26�604 (DEM)� Ao final do julgamento, esta Corte, por maioria de votos – vencidos os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa – chancelou o entendimento do TSE, modificando a sua antiga jurisprudência, para reconhecer a existência do dever constitucional de observância da regra da fidelidade partidária�

25� Em síntese, os principais fundamentos da decisão foram os seguintes: (i) a essencialidade dos partidos políticos para a conformação do regime democrá‑tico, a ponto de existir uma denominada “democracia partidária”; (ii) a interme‑diação necessária das agremiações partidárias para candidaturas aos cargos eletivos, conforme disposto no art� 14, § 3º, V, da Constituição; (iii) a vinculação inerente entre mandato eletivo e partido como consequência imediata do sis‑tema proporcional, no qual os cargos são distribuídos de acordo com o quociente eleitoral, obtido pelo partido, e não pelo candidato; e (iv) a infidelidade como atitude de desrespeito do candidato não apenas em face do seu partido político,

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mas, sobretudo, da soberania popular, sendo responsável por distorcer a lógica do sistema eleitoral proporcional�

26� Conforme se verifica, a decisão teve como pano de fundo o sistema propor‑cional� Não poderia ser diferente, pois os mandados de segurança tratavam de cargos cuja eleição foi regida por esse sistema� Os argumentos veiculados con‑sideravam os problemas específicos do sistema proporcional, que deveriam ser mitigados pela permanência do mandato no partido nos casos de infidelidade partidária� De fato, as características do sistema proporcional tornam a fide‑lidade partidária importante para a preservação da sua legitimidade e, acima de tudo, para garantir que as opções políticas feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam mantidas�

27� A partir desses precedentes, coube ao Tribunal Superior Eleitoral, por determinação do Supremo Tribunal Federal, regulamentar a perda de mandato por infidelidade partidária, o que ocorreu por meio da Resolução nº 22�610/2007, de 25 de outubro de 2007� Em princípio, caberia à Corte eleitoral apenas dispor sobre a perda de cargos eletivos por infidelidade partidária no sistema pro‑porcional, nos moldes da decisão proferida pelo STF� Ocorre que a elaboração da resolução foi antecedida de outro julgamento que acabou influindo decisi‑vamente na conformação do seu texto final� Trata‑se de Consulta formulada perante o Tribunal Superior Eleitoral (nº 1�407/2007), em que se questionava se a mesma linha de entendimento era aplicável ao sistema majoritário�

28� O TSE entendeu que sim� Os principais fundamentos desta decisão foram os seguintes: (i) a centralidade dos partidos políticos no regime democrático; e (ii) o fato de os candidatos do sistema majoritário também se beneficiarem da estrutura partidária para se eleger, diante das exigências de filiação partidária, escolha dos candidatos em convenção, registro das candidaturas na Justiça Eleitoral, identificação dos concorrentes pela legenda do partido, celebração de alianças; financiamento da campanha com recursos do fundo partidário, utilização dos espaços de rádio e de televisão para a propaganda individual etc� Portanto, haveria um dever jurídico de fidelidade dos candidatos às agremiações partidárias que os colocaram no poder, inclusive no sistema majoritário� Por essas razões, a infidelidade partidária teria a mesma consequência em ambos os sistemas eleitorais: a “devolução” do mandato ao respectivo partido�

29� Com base em tais premissas, a Resolução nº 22�610/2007 acabou por dis‑ciplinar a perda de mandato para todos os cargos eletivos, indo além dos fun‑damentos dos citados mandados de segurança, que se ativeram à hipótese do sistema proporcional� O que se pretende demonstrar no capítulo final do pre‑sente voto é que a fidelidade partidária, nos moldes decididos por esta Corte,

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somente se justifica no âmbito do sistema proporcional� A sua extensão ao sistema majoritário, além de incompatível com a sua lógica, acaba por violar a soberania popular, pedra de toque da democracia� É o que passo a expor�

V. Inaplicabilidade da fidelidade partidária às eleições majoritárias30� Convém esclarecer, preliminarmente, que não há, na Constituição de 1988,

qualquer previsão expressa da “regra da fidelidade partidária”� A Constituição de 1969 previa a infidelidade partidária como hipótese explícita de perda do mandato de deputados e senadores (art� 35, V)� A Carta de 1988, contudo, não reproduziu a sanção, que de resto já havia sido suprimida do texto anterior pelo art� 8º da Emenda Constitucional nº 25/1985�

31� Ademais, as propostas formuladas no sentido da introdução de disposição deste teor na Constituição até o presente momento não foram aprovadas� Além disso, o STF tradicionalmente considera que o artigo 55 contém rol taxativo de hipóteses de perda do mandato parlamentar, e, como se sabe, nele não se encontra a troca de partido por parlamentar� Não foi por outra razão que o STF entendia inexistir, na hipótese, fundamento para a perda do mandato, e assim o ocupante de mandato eletivo o mantinha mesmo após a migração partidária (v� as citadas decisões nos MS 20�2927, Rel� Min� Moreira Alves; MS 23�405, Rel� Min� Gilmar Mendes)�

32� O que se quer destacar é que a afirmação da “regra da fidelidade partidá‑ria”, à míngua de previsão constitucional explícita, deve decorrer de maneira clara e inequívoca da Constituição� No sistema proporcional há fundamento constitucional consistente para a sua construção jurisprudencial; porém, no sistema majoritário, não há� É o que se procura demonstrar a seguir�

33� Como já assinalado, um dos mais complexos problemas do sistema propor‑cional brasileiro é a extensão do fenômeno da transferência de votos� A Secreta‑ria Geral da Mesa da Câmara dos Deputados noticiou, em 7‑10‑2014, que apenas 36 (trinta e seis) dos 513 (quinhentos e treze) deputados eleitos para a legisla‑tura em curso (2015/2018) atingiram votação igual ou superior ao quociente eleitoral� Assim, apenas 7% (sete por cento) dos deputados federais brasileiros foram eleitos com votos próprios, sendo que nenhum o foi nos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rio Grande do Sul, Tocantins e no Distrito Federal� Logo, nada menos que 93% (noventa e três por cento) da composição da Câmara dos Deputados deve o seu mandato à transferência dos votos dados ao seu partido ou aos seus correligionários�

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34� Este modelo produz relevantes distorções� Na última eleição, o Estado de São Paulo forneceu um bom exemplo do que aqui se vem de afirmar: diante da votação extraordinária obtida por Celso Russomano (1,52 milhão de votos), candidatos do seu partido (PRB) foram eleitos com votações baixas no Estado mais populoso do país, como se deu com Fausto Binato, que obteve apenas 22 (vinte e dois) mil votos� Na mesma eleição, candidatos muito mais votados não se elegeram, como foi o caso de Antônio Carlos Mendes Thame, do PSDB, que obteve 106,6 mil votos� O sistema permite, portanto, que um candidato com 20 mil votos derrote outro com 100 mil�

35� A situação torna‑se ainda mais grave com a admissão das coligações par‑tidárias, muitas das quais são firmadas por motivos mais ligados à estratégia eleitoral do que à afinidade ideológica das agremiações que a integram� Cláudio Pereira de Souza Neto traz interessante exemplo: a coligação entre o PT e o PRB nas últimas eleições em Minas Gerais� Embora o primeiro partido tenha em seus quadros candidatos que desfraldam bandeiras feministas, o segundo conta com muitos membros conservadores, havendo claros antagonismos entre eles em questões morais, como, e.g., a descriminalização do aborto� Entretanto, diante do massivo processo de transferência que aqui se vem noticiando, o voto dado a um progressista ajudará a eleger um conservador, e vice‑versa�

36� Como se vê, a possibilidade de coligações eleitorais, aliada à dimensão adquirida pelo fenômeno da transferência de votos impede que o sistema pro‑porcional cumpra satisfatoriamente a sua função precípua: dar às diferentes ideologias representação parlamentar proporcional à sua acolhida no tecido social, tornando o Parlamento um espelho da sociedade� Havendo volumosa transferência de votos, e notadamente entre candidatos que se situam em pontos tão distintos do espectro político, o sistema entra em curto‑circuito e se distan‑cia do princípio da proporcionalidade da representação da Câmara dos Depu‑tados (art� 45, caput, da CF/88) e da soberania popular (art� 1, § único, da CF/88)�

37� Tais problemas eram sensivelmente agravados pelas numerosas migrações partidárias� Com efeito, se no momento da divulgação do resultado das elei‑ções a proporcionalidade entre a pluralidade ideológica existente na sociedade e a sua representação parlamentar já se encontrava debilitada pelas extensas transferências de voto e pelo esvaziamento da dimensão programática dos par‑tidos, que dirá se, em seguida, se instalar prática – igualmente abrangente – de migrações partidárias? Pois era exatamente isso que ocorria antes das corretas decisões proferidas pelo STF nos Mandados de Segurança nº 26�602, nº 26�603 e nº 26�604� De acordo com os já mencionados dados, ocorreram, entre os anos de 1995 a 2007, nada menos que 810 (oitocentos e dez) casos de mudança de partido�

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38� Este cenário representava clara deturpação da vontade política do elei‑tor, pois o amplo êxodo partidário alterava a divisão de forças estabelecida ao final das eleições, tendendo a inflar os partidos integrantes da base aliada em detrimento dos de oposição� É absolutamente incoerente que determinado parlamentar seja eleito em razão dos votos dados à legenda ou a um correli‑gionário com votação extraordinária e, durante seu mandato (muitas vezes logo no seu início), migre para outro partido que em nada colaborou para a sua eleição� A infidelidade partidária, principalmente na proporção assumida no Brasil, representava completo desvirtuamento do sistema proporcional, da democracia representativa e da soberania popular� Portanto, veio em boa hora a alteração da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pois a regra da fidelidade partidária busca corrigir graves problemas do sistema�

39� O mesmo não ocorre no sistema majoritário� Neste, como a fórmula elei‑toral é a regra da maioria e não a do quociente eleitoral, o candidato eleito será o mais bem votado� Como serão desconsiderados os votos dados aos candida‑tos derrotados, não se coloca o fenômeno da transferência de votos� Assim, no sistema majoritário a “regra da fidelidade partidária” não consiste em medida necessária à preservação da vontade do eleitor, como ocorre no sistema propor‑cional, e, portanto, não se trata de corolário natural do princípio da soberania popular (arts� 1º, parágrafo único, e 14, caput, da Constituição)�

40� Muito pelo contrário� No sistema majoritário atualmente aplicado no Brasil, a imposição de perda do mandato por infidelidade partidária se anta‑goniza como a soberania popular, que, como se sabe, integra o núcleo essencial do princípio democrático� Um simples exemplo ajuda a esclarecer a afirmação� Imagine‑se que um candidato eleito para cargo de Senador, por qualquer motivo, troque de partido durante o mandato� Ao se aplicar a Resolução nº 22�610/2007, nos termos atualmente dispostos, a consequência da migração seria a perda do mandato� Em consequência, o suplente assumiria o cargo eletivo, conforme determina a redação atual do art� 10 da Resolução� Ocorre que o suplente, muitas vezes, sequer é conhecido do eleitor e não recebeu qualquer voto na eleição� A vontade política expressa no momento da eleição acaba por ser claramente vio‑lada, agravando‑se o problema da débil legitimidade democrática dos suplentes de Senador no Brasil�

41� Ademais, se o objetivo da fidelidade partidária é devolver o mandato ao partido político que o conquistou através do voto, a aplicação da perda de man‑dato ainda menos se justifica para o cargo de Chefe do Poder Executivo� Isso porque não há obrigatoriedade de que titular e vice sejam do mesmo partido� Aliás, não é raro que, por conta das coligações partidárias, os componentes da

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chapa sejam de distintas agremiações partidárias� Nesses casos, a perda de man‑dato favoreceria candidato e partido que não receberam votos, em detrimento de candidato que obteve, no mínimo, a maioria absoluta dos votos colhidos no pleito� Assim, a substituição de candidato respaldado por ampla legitimidade democrática por vice carente de votos, claramente se descola do princípio da soberania popular e, como regra, não protegerá o partido prejudicado com a migração do Chefe do Executivo eleito pelo povo�

42� Por fim, cumpre verificar se a alegada centralidade dos partidos políti‑cos na democracia brasileira, decorrente da necessária filiação partidária, do emprego de recursos do Fundo Partidário e de tempo de propaganda em rádio e televisão etc�, constitui motivo suficiente para estender a regra da fidelidade partidária ao sistema majoritário� A resposta é negativa� Com efeito, o vín‑culo entre partido e mandato é muito mais tênue no sistema majoritário do que no proporcional, não apenas pela inexistência de transferência de votos, mas pela circunstância de a votação se centrar muito mais na figura do can‑didato do que na do partido� Com efeito, nos pleitos majoritários os eleitores votam em candidatos e não em partidos, o que é reconhecido pela própria Constituição Federal ao prever, em seu artigo 77, § 2º, que “será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos (���)”�

43� Não se pretende negar o relevantíssimo papel reservado aos partidos políticos nas democracias representativas modernas� Porém, não parece certo afirmar que o constituinte de 1988 haja instituído uma “democracia de partidos”� Com efeito, o art� 1º, parágrafo único, da Constituição é inequívoco ao estabe‑lecer a soberania popular como fonte última de legitimação de todos os pode‑res públicos, ao proclamar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”�

44� Se a soberania popular integra o núcleo essencial do princípio democrá‑tico, não se afigura legítimo estender, por construção jurisprudencial, a regra da fidelidade partidária ao sistema majoritário, por implicar desvirtuamento da vontade popular vocalizada nas eleições, como antes se expôs� Tal medida, sob a justificativa de contribuir para o fortalecimento dos partidos brasileiros, além de não ser necessariamente idônea a esse fim, viola a soberania popular, ao retirar os mandatos de candidatos escolhidos legitimamente por votação majoritária dos eleitores� Se o objetivo perseguido é o aperfeiçoamento da demo‑cracia representativa e do modelo eleitoral brasileiro, a extensão da fidelidade partidária ao sistema majoritário subverte esse propósito, agravando o problema sob o pretexto de saná‑lo�

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45� Em suma, entendo que os arts� 10 e 13 da Resolução nº 22�610/2007, ao igua‑larem os sistemas proporcional e majoritário para fins de fidelidade partidária, violam as características essenciais dos sistemas eleitorais dispostos na Cons‑tituição, extrapolam indevidamente os fundamentos das decisões proferidas por esta Corte nos Mandados de Segurança nº 26�602, nº 26�603 e nº 26�604 e, sobretudo, afrontam a soberania popular�

VI. Conclusão46� Diante do exposto, julgo procedente o pedido para declarar inconstitu‑

cional o termo “ou vice”, constante do art� 10 da Resolução nº 22�610/2007, e a expressão “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sis‑tema majoritário”, constante do art� 13� Por fim, confiro interpretação conforme à Constituição ao termo “suplente”, constante do art� 10, com a finalidade de excluir do seu alcance os cargos do sistema majoritário� A tese que embasa o meu voto é a seguinte: “A perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor”�

É como voto�

VOTO

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, o voto do Ministro Barroso é claro, didático, exaustivo e convincente�

Penso que, se não é um princípio constitucional o da fidelidade partidária, é pelo menos uma recomendação da Constituição� A disciplina e a fidelidade partidária estão no artigo 17, § 1º, e isso tem que gerar alguma consequência� Se é certo que, no campo dos cargos eletivos obtidos em votação proporcional, se pode retirar da Constituição a consequência da perda do mandato, pelas razões indicadas pelo Ministro Relator, essa mesma lógica não parece tão clara, tão evidente ou tão natural em se tratando de cargo obtido por eleição majoritária� Seria uma consequência que não decorre da Constituição e, pelo menos em rela‑ção ao sistema eleitoral que hoje nós temos, seria absolutamente incompatível com esse sistema que, havendo mudança de partido, a consequência seria essa tão drástica perda do cargo�

De modo que eu acompanho Sua Excelência, cumprimentando‑o pelo belo voto�

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VOTO

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, da mesma forma, saúdo e cumprimento o Ministro Luís Roberto pelo belo voto apresentado e não tenho dúvida em subscrever os fundamentos de Sua Excelência quanto ao sistema majoritário�

Confesso a Vossa Excelência, com todo o respeito que me merece a jurispru‑dência desta Corte, que tenho algumas dúvidas, até, talvez, por não ter parti‑cipado da construção e das reflexões que foram feitas no que tange ao sistema proporcional, quando alterada a orientação até então vigorante nesta Casa� Mas, com relação ao que estamos apreciando aqui, eu estou endossando na íntegra o voto do Ministro Luís Roberto�

É como voto, Presidente�

VOTO (Antecipação)

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, louvo o voto proferido pelo eminente Relator – o qual adianto que acompanho –, mas, em razão dos muitos adjetivos e opiniões de ordem pessoal de Sua Excelência – opiniões pessoais que, em sua maioria, eu não subscrevo –, eu gostaria de trazer aqui alguns elemen‑tos que já apresentei no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4�430, que tratou daquela questão relativa à criação de novos partidos, da mudança de parlamentares para esses novos partidos e de como ficava a situa‑ção do tempo de rádio e televisão e do fundo partidário�

Naquela oportunidade, eu destaquei as razões históricas que levaram à adoção do modelo brasileiro de voto proporcional para as casas de represen‑tação do povo: a Câmara de Vereadores, a Câmara Distrital, as Assembleias Legislativas e a Câmara dos Deputados, com base proporcional, mas com listas abertas para o eleitor escolher dentre os candidatos que os partidos políticos lançam� A razão de ser disso – diante da imposição legal, inicialmente, com a Lei Agamenon Magalhães, que, amanhã, dia 28 de maio, completa setenta anos de idade, mesma data em que a Justiça Eleitoral completa setenta anos de sua reinstalação (amanhã, inclusive, haverá uma sessão solene do Tribunal Superior Eleitoral, às dezenove horas, em comemoração à reinstalação da Justiça Eleito‑ral) – foi a necessidade de se manter a opção do eleitor em voto aberto em seu candidato e a necessidade de se introduzirem no Brasil os partidos nacionais, que não havia na República Velha� Havia os “PRs”, os partidos republicanos�

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Não existe elite nacional no Brasil� Digo, redigo e volto a reproduzir� Todos nós que estamos aqui em Brasília estamos de passagem� Alguns por mais tempo, até os setenta e cinco anos; outros à disposição do mandato popular, a cada quatro anos; ou, no caso de Senador da República, a cada oito anos�

Não existe, na nação brasileira, e não houve, na sua história, uma elite nacio‑nal� Há uma ficção de elite nacional� É por isso que há uma dificuldade de com‑preensão da ausência de partidos políticos que efetivamente representem uma base social nacional, porque não há uma base social nacional que, do Oiapoque ao Chuí, tenha os mesmos interesses� Dentro da classe trabalhadora, há diver‑gências� Dentro da classe empresarial, há divergências, há disputas; vide, por exemplo, a guerra fiscal, as migrações atrás de empregos�

É por isso que, por outro lado, nós temos segmentos ou estamentos, para usar a expressão de Faoro, que conseguem ter uma perenidade de força política, como, por exemplo, os servidores públicos; porque esses, sim, têm interesses comuns do Oiapoque ao Chuí� Desde o servidor de uma municipalidade até um servidor que trabalhe na Esplanada dos Ministérios ou no Supremo Tribunal Federal, esse estamento consegue ter uma unidade de força e de representação nacional muito grande�

Poderia citar outros� Na área do capital, o sistema financeiro� O sistema finan‑ceiro – ao contrário dos empresários, que têm segmentos que disputam entre si – tem interesses comuns, que são transversais a todo o território nacional, e consegue, então, ter uma força política unitária na sua defesa� Pois bem� O que nós temos? Nós temos, realmente, uma ficção de partidos nacionais� Na rea‑lidade, os partidos foram colocados na Constituição de 1946 – em dispositivo repetido hoje no art� 17 da Constituição de 1988 – como sendo obrigatoriamente nacionais por uma única razão: se a obrigatoriedade de serem nacionais está na Constituição, é porque naturalmente eles não o seriam� Se não fosse a obri‑gatoriedade da vinculação constitucional, eles não seriam nacionais�

A Lei Agamenon Magalhães, de 28 de maio de 1945, é que inaugura a exclu‑sividade dos partidos nacionais na Nação brasileira� Qual é a contrapartida? É preciso criar partidos nacionais sem que exista uma elite nacional� Como que se contrapõe isso às forças políticas locais ou como se admite sua criação? A Lei Agamenon é um decreto‑lei de Getúlio, da fase de transição do Getúlio enfraquecido para a democracia� Não havia parlamento ainda� O parlamento seria eleito em 2 de dezembro de 1945, nas primeiras eleições ocorridas após o Estado Novo� E vejam, a Justiça Eleitoral – Ministro Gilmar, Vossa Excelên‑cia que será o presidente a partir do ano que vem – foi reinstalada em 28 de maio de 1945 e em seis meses organizou uma eleição, desde o cadastramento do

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eleitor, que não existia mais, até a instituição das mesas e o preparo de toda a regulamentação das eleições� No dia 2 de dezembro, o País pôde ir novamente às urnas, elegendo o presidente e elegendo o Congresso Constituinte de 46� E foi uma deliberação, Ministro Celso – Vossa Excelência sabe muito bem –, do Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, que foi colocado como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e que também chegou a ocupar, já no final de 45, a Presidência da República, que outorgou os poderes ao Congresso Constituinte� Nas palavras de Sua Excelência: “o Congresso a ser eleito em 2 de dezembro de 1945 terá poderes ilimitados”� E isso, então, fez com que aquele Congresso, por uma deliberação de José Linhares, se tornasse um Congresso Constituinte, elaborando a Constituição de 1946�

E aí sim, pela voz popular, não mais por um Decreto‑Lei de 28 de maio de 1945, como fora a Lei Agamenon Magalhães, a Constituição de 46 estabelece a obrigatoriedade de os partidos serem nacionais�

Só que não existia elite nacional� Como fazer, então, para permitir essa auto‑rização pelas elites locais para que a Constituição estabelecesse a determinação de partidos nacionais? Dando‑se às elites locais a possibilidade de se fazerem representar por meio do voto nominal de listas abertas e com base de circuns‑crição eleitoral em todo o estado� É por isso que não subscrevo os adjetivos críticos formulados pelo Ministro Relator em relação a esse sistema, porque esse sistema tem uma explicação histórica, que eu desenvolvi de maneira mais elaborada e acurada no meu voto na ADI 4�430, no item 8�1 do meu voto, que, por ser extenso, não vou reproduzir oralmente, mas registro que farei a juntada de todo ele, como um complemento do voto que profiro agora oralmente nesta ação que estamos a julgar�

É necessário lembrar que eu falo aqui de elites não como conceito de classe� Muitas pessoas às vezes confundem� Quando eu falo de elites locais, ou de elites, eu estou falando das elites no seu conceito histórico, que surgiu na teoria socioló‑gica, até como um contraponto a Karl Marx, quando ele falava de classe, porque existe elite de trabalhadores, existe elite sindical, existe elite religiosa� O con‑ceito de elite não se confunde com o conceito de classe, como muitas vezes se pensa: aqueles que têm mais capital, ou aqueles que são os donos do dinheiro, ou do poder, são elites� Todas essas elites são representadas no Congresso Nacional graças a esse sistema político eleitoral tão criticado�

Esse sistema que se desenhou, não de uma maneira muito elaborada, em 1932, e que foi se aperfeiçoando a partir de 1945 e com a Constituição de 1946 é que permite, exatamente, que, no Parlamento brasileiro haja uma ampla oxigena‑ção na nossa base parlamentar� Embora, por um lado, tenhamos a crítica de se

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ter um sistema pluripartidário, por outro lado, nós temos as vozes de todas as elites ali representadas, desde as elites das minorias (mulheres, homossexuais, índios, negros etc�) até as elites representantes do capital agrário, da agrope‑cuária, do capital financeiro, dos sindicalistas, dos trabalhadores etc� Isso traz dificuldades ao governante – não tenham dúvida –, isso dificulta formar uma base, formar maiorias� Mas, por outro lado, nós não temos no nosso sistema – como ocorreu, agora, no dia 7 de maio nas eleições do Reino Unido – um partido com 13% dos votos e um parlamentar eleito e outro partido com 7% dos votos e 50 parlamentares eleitos, numa Casa de 650 cadeiras�

Então, essas são questões sobre as quais nós temos que refletir� E, em todo o mundo, há amplas críticas ao sistema em que se vive, porque não há um sis‑tema perfeito� Nós temos que ter clareza que esse sistema, criado no Brasil, foi um sistema para permitir que nós tivéssemos partidos nacionais, superando momentos do passado, em que esse país foi conflagrado a lutar – foram muitas, não poucas, as guerras civis no país, omitidas da nossa educação oficial� Basta dizer, por exemplo, Ministra Rosa, Ministro Teori, a Guerra do Contestado – foi um Deputado, quando era Governador de Santa Catarina, que resgatou a história da Guerra do Contestado – ocorrida nos limites de Paraná e Santa Catarina� A primeira guerra no mundo, Presidente, em que houve o uso de força aérea no combate militar ocorreu no Brasil, na Guerra do Contestado, antes da Primeira Guerra Mundial�

Para superar aqueles momentos anteriores das elites locais que pegavam em armas – e a Revolução de 30 assim o deixa claro – é que se cria a ideia de Par‑tidos Nacionais sem se ter uma elite nacional� Em contrapartida, se entrega às elites locais a possibilidade de o eleitor fazer a escolha de quem será o seu repre‑sentante, mediante o sistema de listas abertas, ficando, no entanto, proibidas, a partir da Lei Agamenon Magalhães, de 28 de maio de 1945, as candidaturas avulsas� Desde então, no Brasil, os partidos políticos são os intermediários exclusivos entre o povo e o acesso a mandatos eletivos� Então, o partido político tem esse poder de ser o exclusivo intermediário de acesso à representatividade�

É por essas razões históricas, Senhor Presidente, que o Congresso Nacional continua e continuará, por um longo tempo, imagino eu, a rejeitar, a não con‑seguir consensos em superar essa solução criada ao longo da década de 30, implementada a partir de 1945 e solidificada na Constituição de 1946�

Com essas considerações – que eu entendi, por bem, fazer, Senhor Presi‑dente, que resumem o voto que eu proferi na Ação Direta 4�430, no capítulo que eu denominei “Processo histórico de formação dos partidos políticos no Brasil e o processo de implantação da representação proporcional: sistema de

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listas abertas”, o qual farei juntar a este voto –, eu acompanho o voto do Rela‑tor, também entendendo que, no que diz respeito aos cargos majoritários, não há possibilidade de o partido político requerer esse cargo em razão de uma infidelidade�

Vamos, por hipótese, imaginar que a Presidenta Dilma Rousseff se desfi‑liasse, hoje, do PT e fosse para outro partido� O PT iria pedir o cargo majoritário para quem?

A sra. ministra Cármen Lúcia: Ministro, e se o Vice que assumisse também fizesse isso?

O sr. ministro Marco Aurélio: A essa altura, prevalecente o voto do ministro Luís Roberto, que vou encampar e elogiar, a Presidente já pode deixar o Partido!

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas ia pedir para quem a Presidência da Repú‑blica? Para o Rui Falcão, que é o presidente do partido?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Talvez, com votos de boa‑viagem�A sra. ministra Cármen Lúcia: Ministro Dias Toffoli, Vossa Excelência

me permite? Se a Presidente da República, um Governador ou se um Prefeito mudasse de partido e perdesse o cargo, pelo nosso sistema, iria o Vice� E se o Vice também mudasse de partido? O povo eleitor iria saber, afinal, o que está acontecendo?

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Iria acabar o presidente do Tri‑bunal de Justiça, sem nenhum voto, sendo o governador�

O sr. ministro Dias Toffoli: Nós vivemos em um mundo real� E por isso mesmo eu gostaria de louvar���

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Ministro Lewandowski, aumen‑taram as suas chances�

O sr. ministro Dias Toffoli: Eu queria louvar o Ministro Relator, Luís Roberto, por trazer esse tema, neste momento, e louvar Vossa Excelência por tê‑lo pautado� Por quê? Porque, ontem mesmo, foi protocolado no Tribunal Superior Eleitoral um pedido do Partido dos Trabalhadores em relação à mudança de partido da Senadora Marta Suplicy, que teve milhões de votos em São Paulo�

O sr. ministro Marco Aurélio: E ficamos frustrados porque não pudemos ouvir a Relatora, a ministra Luciana Lóssio�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Com certeza�O sr. ministro Dias Toffoli: E Vossa Excelência sempre acompanhando o

Tribunal Superior Eleitoral�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministro Toffoli, nós

pautamos esse tema e todos outros que tiverem natureza política como uma contribuição ao Congresso Nacional, que está se debruçando sobre a reforma

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política� Portanto, a urgência se deve não a esse caso concreto, que eu pes‑soalmente nem sabia, que havia sido ajuizada essa ação no TSE, mas, sim, em função do momento em que nós vivemos, em que a nação está discutindo a reforma política�

O eminente Procurador está dizendo também que é contribuição da Pro‑curadoria‑Geral da República para esse debate importante que se trava nesse momento histórico�

O sr. ministro Dias Toffoli: É muito importante, então, que se defina isso neste Colegiado, que é o Colegiado Supremo, pois já decidimos isso aqui de maneira definitiva�

Mas, já que eu falei do caso específico da Senadora Marta Suplicy, vejam, também que, neste caso, nós temos a seguinte situação: ela foi candidata pelo Partido dos Trabalhadores� O seu primeiro suplente é de outro partido, Antô‑nio Carlos Rodrigues, hoje Ministro das Cidades� E o segundo suplente é do PT� Então o pedido faz a seguinte ginástica: a vaga é do PT e ela tem que perder o mandato, por quê? Porque o primeiro suplente não está no exercício porque é Ministro, e o segundo suplente é do Partido dos Trabalhadores� Então esse segundo suplente vai assumir o mandato� Mas e o primeiro suplente como é que fica, se ele deixa o Ministério, pois tem um direito, foi diplomado como tal, como primeiro suplente, não como segundo, e é de outro partido?

Imaginem se não fosse essa a solução e a solução fosse de que o partido pudesse, então, requerer o mandato quando aquele que foi eleito pelo partido a cargo majoritário saísse de seu partido para um outro� Como é que ficariam essas situações em que vices e suplentes não são do mesmo partido? Ou, no caso de senador, que tem primeiro e segundo suplente? Seriam inúmeras situações extremamente complexas, Senhor Presidente�

Mas aproveitando: temos uma outra questão que está colocada no Tribunal Superior Eleitoral, e que penso que poderíamos também trazer diretamente à Corte – e, aí, eu vou conversar com os eminentes Relatores da Ação Direta nº 5�105, proposta pelo Partido Solidariedade, cujo Relator é o Ministro Luiz Fux, já há também parecer da Procuradoria‑Geral da República; e da Ação Direta nº 5�311, essa de relatoria da Ministra Cármen Lúcia�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Essa já foi liberada�O sr. ministro Dias Toffoli: A cautelar já liberada��� Para que nós decidísse‑

mos isso, porque há consultas também no Tribunal Superior Eleitoral sobre os temas aqui envolvidos que dizem respeito à criação de partidos�

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A sra. ministra Cármen Lúcia: No meu caso, é criação de partidos�O sr. ministro Dias Toffoli: A fusão de partidos, e como Vossa Excelência e

todos nós temos acompanhado, há vários partidos que estão em tratativas de fusão, e as consequências para os parlamentares que deixarem esses partidos ou que não concordarem com a fusão, em relação a tempo e a todos aqueles agregados que o voto popular dá aos partidos políticos, em razão do voto que os parlamentares receberam�

São temas que seriam importantes, Senhor Presidente, tal qual este, já serem definitivamente decididos pela Corte Suprema, de tal sorte que, aí, a Justiça Eleitoral já aplicaria não um julgado dela, mas um julgado da Suprema Corte, pacificando de vez esses debates�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois, não�O sr. ministro Dias Toffoli: Com essas observações, agradecendo a paciên‑

cia dos Colegas, eu acompanho o Relator, Senhor Presidente�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministro Toffoli, eu já

estou determinando à secretária que paute já o voto da Ministra Cármen Lúcia�A sra. ministra Cármen Lúcia: Eu devo ter liberado nesta semana, Presidente�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Já liberado, já para a pró‑

xima semana, e o voto do Ministro Fux, segundo eu fui informado agora, ainda não está disponível� Mas, se Vossa Excelência, talvez, como Presidente do TSE, conversar com ele, tenho certeza de que ele liberará o mais rapidamente possível�

VOTO (Aditamento)

O sr. ministro Dias Toffoli: Em complementação, conforme mencionei no voto que proferi, faço juntada da explicação histórica acerca do processo de formação dos partidos políticos no Brasil e da implantação da representação proporcional (sistema de listas abertas), a qual desenvolvi no item 8�1 de meu voto na ADI 4�430/DF (DJe 19/9/13):

“8.1) Processo histórico de formação dos partidos políticos no Brasil e o Processo de implantação da representação proporcional (sistema de listas abertas)

A história dos partidos políticos no Brasil e a adoção do sistema proporcional de listas abertas demonstram, mais uma vez, a importância do permanente debate entre ‘elites locais’ e ‘elites nacionais’ no desenvolvimento de nossas instituições.

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Na presente análise, essa ideia recai sobre a histórica dificuldade de surgi‑mento e fortalecimento dos partidos nacionais, diante da inegável força das autoridades locais�

Durante o Brasil Colônia, a ideia mais próxima de posições partidárias – embora eles mais se aproximassem de ‘simples facções’, para usar a expressão de Afonso Arinos – se configurava no debate entre o grupo republicano, defensor da inde‑pendência, e o dos ‘corcundas’, portugueses regressistas�

Relativamente ao Período Imperial, afirma Samuel Dal‑Farra Naspolini que, ‘nos primeiros anos de sua vida independente, a Nação brasileira não conhecia partidos propriamente ditos’ (op� cit� p� 136)� Foi durante o Período Regencial (1831‑1840), em razão da ausência temporária do Poder Moderador, que surgiram, com força, as primeiras tendências de opinião relativamente estáveis:

‘(���) os restauradores unir‑se‑iam paulatinamente à ala moderada do pensa‑mento liberal brasileiro (regressistas), advogando sobretudo a centralização do poder no Rio de Janeiro, enquanto uma maior autonomia para as províncias e uma interpretação ampliativa das liberdades públicas reconhecidas pela Constituição de 1824 eram princípios defendidos pela corrente oposta, a dos liberais autênticos’ (NASPOLINI, Samuel Dal‑Farra� op� cit�, p� 137)�

Desses grupos surgem os dois grandes ‘partidos’ do Império, os partidos Conser‑vador e Liberal, que divergiam, sobretudo, em relação ao grau de centralização política do Império e ao poder deferido às províncias�

Com a República e a adoção do federalismo, sobressaem as antigas províncias, agora Estados‑membros� Afonso Arinos lembra que ‘[a] mentalidade republicana era federal em primeiro lugar; em segundo, antipartidária, no sentido nacio-nal’, tendo a nova elite republicana verdadeira ojeriza, hostilidade aos partidos nacionais (História e teoria dos partidos políticos no Brasil� 3� ed� São Paulo: Alfa‑Omega, 1980� p� 53‑54)�

Em consequência disso, ganham poder e espaço as oligarquias rurais regionais, sobressaindo, conforme retratado por Victor Nunes Leal em sua clássica obra Coronelismo, enxada e voto, a chamada ‘política dos governadores’, cujo elo primário era a ‘política dos coronéis’�

Com o ‘coronelismo’, e seu inerente sistema de reciprocidade, dá‑se a mani‑pulação do voto pelos chefes locais, em torno dos quais se arregimentavam as oligarquias locais� Nas palavras de Nunes Leal, ‘[e]ssa poderosa realidade reflete--se de modo sintomático na vida dos partidos, agravando os embaraços que lhes advêm da organização federativa do país’ (Coronelismo, enxada e voto� 3� ed� Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997� p� 271)�

Com efeito, o eleitorado era dominado pelas situações estaduais� A base da política era o domínio dos governadores sobre o voto� Deixava‑se de lado a ideia de partidos nacionais, que poderiam trazer riscos para a autonomia dos Esta‑dos, e surgiam ‘os famosos ‘P. R.’ [Partidos Republicanos] em quase todo o Brasil’ (Afonso Arinos� op� cit� p� 57)�

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Como explicita Samuel Dal‑Farra Naspolini:‘As atividades partidárias, conquanto exista, desenvolve‑se em termos estri‑tamente regionais, tratando‑se, no mais das vezes, de grupos oligárquicos reunidos em torno de um líder ou família� As iniciativas pioneiras de partidos nacionais, todas elas genuinamente parlamentares, malogram: assim o Par‑tido Republicano Federal de Francisco Glicério (1893‑1897), o Partido Republi‑cano Conservador de Pinheiro Machado (1910‑1914) e o Partido Republicano Liberal de Rui Barbosa� Dominam a cena política os partidos republicanos regionais dos dois Estados mais ricos da Federação, São Paulo e Minas Gerais, que, de forma praticamente ininterrupta, se revezam na presidência da Repú‑blica por cerca de quarenta anos’ (op� cit�, p� 139)�

De igual modo, juridicamente, os partidos então existentes não tinham sequer disciplina específica, fundavam‑se no direito geral de associação civil, regulado pelo Código Civil de 1916�

Foi somente após a Revolução de 1930 e de suas históricas consequências no Direito Eleitoral nacional, com a edição do Decreto 21�076, de 1932, primeiro Código Eleitoral brasileiro, que se passou a ter um instrumento jurídico nacio-nal reconhecendo a existência jurídica dos partidos políticos e regulando o seu funcionamento� De acordo com esse regramento, os partidos políticos podiam ser (art� 18): (i) permanentes, adquirindo personalidade jurídica mediante inscri‑ção no registro a que se refere o art� 18 do Código Civil; (ii) provisórios, formados transitoriamente para disputar as eleições; ou (iii) equiparados às associações de classe legalmente constituídas� Segundo aquele dispositivo legal, eram admitidas, ainda, as candidaturas avulsas (art� 88, parágrafo único), desde que requeridas por um número mínimo de eleitores, e permitidos os partidos estaduais�

Mudanças como essas não surtiriam efeitos de um dia para o outro� Nas pala‑vras de Afonso Arinos,

‘[a] nacionalização dos partidos só poderia vir mais tarde. Não estava, ainda, dentro da mentalidade da época. Seria fruto da evolução natural do pensamento político e também da experiência centralizadora da ditadura’ (op� cit� p� 63, grifos nossos)�

Como esperado, o domínio dos partidos estaduais perdurou� Como lembra Samuel Dal‑Farra Naspolini, não obstante o surgimento de algumas novas legen‑das, derivadas de rupturas nas oligarquias locais produzidas pelo Movimento de 1930, tais como o Partido Democrático Paulista e o Partido Libertador Gaúcho,

‘[esses] tímidos avanços refletem, a bem da verdade, muito da origem social e ideológica dos revolucionários, divididos entre o movimento tenentista, reformador, mas, por essência, avesso ao pluralismo e aos partidos políticos, e oligarquias regionais, como a mineira e a gaúcha, que enxergavam na Revo‑lução apenas um instrumento para apear do poder federal a elite cafeicultora paulista’ (op� cit�, p� 142)�

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Com o golpe de 1937, um dos primeiros atos do Estado Novo foi a edição do Decreto‑lei nº 37, de 2 de dezembro de 1937, que dissolveu compulsoriamente todos os partidos políticos, cominando penas severas aos seus transgressores�

Esse decreto‑lei somente foi revogado com a edição, em 1945 – já no final da dita‑dura Vargas mas se beneficiando de sua influência centralizadora, do Decreto--lei nº 7.586, também conhecido como ’Lei Agamenon Magalhães’, com o qual, finalmente, se passou a exigir dos partidos políticos uma atuação em âmbito nacional� Segundo Afonso Arinos,

‘Neste ponto a influência centralizadora do Estado Novo foi benéfica� Aquilo que não tinha conseguido a Constituinte de 1934 – o reconhecimento solene dos partidos como instrumento de governo e a imposição do seu caráter nacional – a Constituição de 1946 já encontra feito, através da lei eleitoral da ditadura�

E, achando o caminho aberto, não teve mais que conservá‑lo, o que fez sem dificuldades� Foi, não há dúvida, um grande passo, o do decreto 7�586�

O processo histórico da nacionalização dos partidos achou neste diploma uma acolhida estimulante para seu desenvolvimento� As condições gerais eram mais favoráveis a essa acolhida� Progredira a mentalidade partidária e se enriquecera com a experiência de 1932‑1937’ (op� cit� p� 80)�

Procurava‑se, então, estimular a mentalidade partidária nacional, impondo a criação de partidos em bases nacionais (LEAL, Victor Nunes� op� cit�, p� 262)� Buscava‑se, com isso, diminuir a força das elites regionais, afastando‑se, junta‑mente com os partidos estaduais, a sombra das disputas locais e a possibilidade de captura do poder central por partido de caráter (interesse) fracionário�

Inegavelmente, a ausência de representatividade histórica dos partidos políticos brasileiros e o permanente debate sobre a contraposição entre a unidade nacio‑nal e a força das elites locais refletem no próprio desenvolvimento do sistema de representação proporcional brasileiro�

O fato de não se conhecer um verdadeiro sistema partidário de âmbito nacional (presente o mundo real), embora necessário para assegurar a unidade da Nação, e de se ter, primordialmente, uma base eleitoral regional revela a necessidade de se conferir, embora adotando o sistema proporcional, representação às elites locais, por intermédio do voto uninominal em circunscrição que coincide com os estados da federação�

Como já salientado, o sistema proporcional no Brasil teve seu início em 1932, com o Código Eleitoral, consubstanciado pelo Decreto nº 21�076, sob a égide da Constituição de 1891, que consagrava o princípio da representatividade�

Contudo, ainda durante o Império, ilustres como o maranhense João Mendes de Almeida e o cearense José de Alencar, em razão dos reflexos das ideias de represen‑tação que afloravam na Europa, já defendiam a tese da representação proporcional�

Como informa Juliano Machado Pires, em dissertação sobre o processo de implantação da representação proporcional no Brasil, em 1870, João Mendes de Almeida, eleito deputado pela província de São Paulo, apresentou o Projeto de

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Lei nº 251, propondo que o país adotasse a ‘representação pessoal com voto con‑tingente’, que consistia na ‘divisão dos votos por classe e dependendo da quanti-dade e do tipo de votos recebidos, os candidatos seriam separados em três tipos de turmas, chamadas de especiais, gerais ou subsidiárias’� Embora sequer tenha sido discutida, a proposta ‘demonstra a presença dos pensamentos de representação proporcional entre os parlamentares brasileiros’ (A invenção da lista aberta: o processo de implantação da representação proporcional no Brasil� Dissertação apresentada ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/Iuperj para a obtenção da titulação de Mestre em Ciência Política� Brasília: 2009� fl� 22)�

Três anos depois, em 1873, José de Alencar, parlamentar pelo Ceará, apresentou um projeto de Reforma Eleitoral, abordando, de forma profunda, a questão da representação das minorias e a necessidade de um sistema apto a viabilizar ‘a genuína representação’� Mas, nas palavras do escritor:

‘Há anos que o autor desta obra se occupou da questão eleitoral, base do governo representativo�

Em janeiro de 1859 inseriu no Jornal do Commercio alguns artigos no desíg‑nio de resolver o difficil problema da representação da minoria� Propunha o meio pratico de restricção do voto de modo a deixar margem sufficiente para que fosse também apurado o voto das fracções�

Em termos mais positivos, o numero de votados devia ser inferir ao número de eleitos na proporção conveniente para garantir uma representação à mino‑ria sem risco da maioria’ (Systema representativo� ed� fac‑sim� Brasília: Senado Federal, 1996� p� 3)�

Os questionamentos de Alencar acerca do sistema eleitoral brasileiro vieram a refletir, inicialmente, na edição do Decreto nº 2�675, de 1875, conhecido como Lei do Terço, e, finalmente, no Código Eleitoral de 1932�

A Lei do Terço foi assim chamada porque os eleitores votavam em dois terços do número total de candidatos a serem eleitos, sendo dois terços dos cargos preenchidos pela maioria e um terço, pela minoria� Essa foi a primeira formula‑ção legal de representação das minorias no Brasil�

Com a edição da Lei nº 3.029, de 1881, denominada Lei Saraiva – que recebeu essa denominação porque o Conselheiro Saraiva foi o responsável pela reforma eleitoral, tendo encarregado Rui Barbosa de redigir o projeto da nova lei – abo‑liram‑se as eleições indiretas, adotadas desde 1821, introduzindo-se, assim, as eleições diretas e por distrito para deputados da Assembleia Nacional�

Precursor do sistema proporcional na República, Assis Brasil publicou, em 1893, seu principal livro, Democracia representativa – do voto e do modo de votar, escrito como justificativa para mais um projeto de reforma da legislação elei‑toral brasileira� Nas ainda atuais palavras de Assis Brasil, que se autointitulava ‘representante da Nação’:

‘Antes de tudo, e não tendo em vista se não o mais elementar espírito de jus‑tiça, parece claro que a maioria dos eleitores deve fazer a maioria dos repre‑sentantes, mas não a unanimidade da representação se esta representação

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é nacional e não de um partido, ela deve refletir, tanto quanto possível como hábil miniatura, a situação geral, a soma das opiniões do povo que compõem a nação� A minoria tem o direito de ser representada, e é preciso reconhecê‑lo e satisfazê‑lo’ (Democracia representativa – do voto e do modo de votar� 3� ed, refundida, Lisboa: Guillard, Aillaud & C�a, pref� 1893� p� 131, grifos nossos)�

Defendia, ainda, Assis Brasil a necessidade de formação de uma única circuns‑crição nacional como instrumento de se obter o que chamava de ‘nacionalização do voto e da representação’� Mas teve de ceder dessa proposição, em razão da vasta extensão do país, preferindo, por fim, a representação por Estado,

‘pois não é de esperar que jamais se estabeleça unidade de collegio neste incommensurável colosso, cujas provincias, federadas por um vinculo mais sentimental do que politico, são mais diversas em muitos casos entre si do que algumas nações independentes em relação a outras e encerram muitas d’ellas mais territorio ou mais população do que quasi todos os Estados sobe‑ranos da America Latina’ (op� cit� p� 213‑214, grifos nossos)�

Assis Brasil reconhecia a dificuldade para a emergência de verdadeiros partidos políticos no País, ponderando, não obstante, que tal razão não se poderia transfor‑mar em um empecilho ao desenvolvimento de um sistema de representação, pois

‘[a] divisão dos cidadãos em partidos se torna fenômeno inevitável logo que a vida nacional começa a formalizar‑se, ainda que não mui nitidamente� A existência de partidos é, pois, um fato com o qual se tem de contar necessaria‑mente na evolução das nações’ (apud BROSSARD, Paulo (org�)� Ideias políticas de Assis Brasil� Brasília: Senado Federal, 1989� v� 3� p� 317‑335)�

Com efeito, embora a adoção do sistema proporcional seja obra do Código Elei‑toral de 1932, resultado da Revolução de 1930, foram as obras de Assis Brasil que, ‘desde os primórdios do regime republicano até as vésperas da Revolução, [foca‑lizaram e expuseram] assim o máximo problema político da Nação, jamais resol‑vido e que nunca se tentara resolver integral e racionalmente’ (CABRAL, João C� da Rocha� Código Eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil – Decreto n� 21�076, de 24 de fevereiro de 1932� 3� ed� Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1934� p� 6)�

Juliano Machado Pires cita interessante detalhe desse momento histórico, que bem demonstra a importância para Assis Brasil do sistema por ele defendido:

‘Antes de tomar posse, Vargas já articulava a escolha dos nomes que iriam inte‑grar o ministério do Governo Provisório� Escolhe Assis Brasil para a pasta da Agricultura, Indústria e Comércio� Conforme Vargas escreveu em seu diário, a escolha e a própria nomeação de Assis se deram sem que o líder do Partido Libertador tivesse sido consultado� Getúlio não quis correr o risco de ouvir uma resposta negativa (VARGAS, 1995)� Assis Brasil aceitou por telegrama a oferta�

Os jovens adeptos do Partido Libertador reagiram mal ao convite� Eles não aceitavam que o propagandista da república e líder civil dos maragatos e tenentistas, aceitasse ser auxiliar do ‘nouveau riche da República’� Afinal, para esses jovens, o correto seria o contrário� Em visita ao jornal Estado do Rio

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Grande, órgão oficial do P�L�, Assis disse ao jornalista Mem de Sá, então com 26 anos, ‘olhe, menino, saiba que todo homem tem seu preço� Eu tenho o meu� Não é o Ministério da Agricultura, não� É o Código Eleitoral, que considero a Carta de Alforria do povo brasileiro� Vou arrancá‑la do Governo; é o meu preço’� (SÁ, 1973, p� 124‑125)� Augusto Ribeiro, (2001, p� 137) em um livro pró‑Vargas, afirma que Assis Brasil teria dito: ‘Getúlio vai nos dar a anistia, o voto secreto e o voto proporcional� É por isso que lutamos há tanto tempo!’ (op� cit� p� 50‑51)�

Foi assim, sob forte influência do sistema proposto por Assis Brasil, que o pri‑meiro Código Eleitoral brasileiro foi publicado, como o Decreto‑lei nº 21�076, em 24 de fevereiro de 1932, trazendo uma série de inovações à legislação eleitoral, como o voto secreto, a Justiça Eleitoral e o voto feminino, mas, principalmente, o primeiro modelo de representação proporcional do país�

Segundo Assis Brasil, a referida legislação ‘tem muito de original; não é cópia de lei alguma, começa por isto: somos o primeiro país do mundo que fez um Código Eleitoral’ (op� cit� v� 2, p� 184)�

A representação proporcional estava disposta no art� 58 do Decreto e, já nessa época, enunciavam as ideias de quociente eleitoral e quociente partidário� O quo‑ciente eleitoral era determinado pela divisão entre o número de eleitores que concor‑ressem à eleição e o número de lugares a serem preenchidos, desprezando‑se a fração� Já para a determinação do quociente partidário, dividia‑se o quociente eleitoral pelo número de votos emitidos em cédulas sob a mesma legenda, também desprezando a fração� A votação acontecia em dois turnos simultâneos e cada eleitor podia votar, no primeiro turno, em um só nome e, no segundo turno, em vários, a depender do número de lugares a preencher� Consideravam‑se eleitos em primeiro turno aqueles candidatos que alcançassem o quociente eleitoral e, na ordem da votação obtida, tantos candidatos registrados sob a mesma legenda quanto indicasse o quociente partidário� Em segundo turno, eram eleitos os demais candidatos mais votados, até que fossem preenchidos todos os lugares não preenchidos no primeiro turno�

De acordo com o Código de 1932, o eleitor votava em um candidato e essa vota‑ção pessoal recebida pelo candidato seria útil à legenda na hora de se dividir as vagas do segundo turno (restos após a aplicação dos quocientes)�

O sistema adotado era, em verdade, um sistema misto: proporcional no pri‑meiro turno e majoritário no segundo, pois contemplava a eleição, em segundo turno, dos mais votados entre os que não haviam alcançado o quociente eleitoral�

Ademais, o Decreto 21�076/32 permitia, ainda, a apresentação de candidatu‑ras avulsas, sem vinculação à legenda partidária, o que somente foi vedado na década de 40�

A Constituição de 1934 manteve a importância do regime representativo� O seu art� 23 determinou que os representantes do povo na Câmara dos Deputados fossem eleitos mediante sistema proporcional�

Mas, como salienta Vitor Nunes Leal, ‘as críticas ao código eleitoral, suscitadas pelos pleitos de maio de 1933 e outubro de 1934, motivaram a promulgação de outro – lei nº 48, de 4 de maio de 1935’ (op� cit� p� 158)�

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Com efeito, a Lei nº 48, de 1935, modificou o Código Eleitoral de 1932, passando--se a adotar o sistema que hoje conhecemos como de listas abertas, de forma que as cédulas eleitorais passavam a conter apenas um único nome, dando novos contornos ao sistema eleitoral brasileiro�

Dos debates travados acerca do projeto de lei que resultou nas referidas alte‑rações, colhidos do estudo realizado por Juliano Machado Pires, sobressaem importantes contribuições para a presente análise�

Cite‑se, por oportuno, trecho do debate em torno do voto uninominal:‘Barreto Campelo – [���] O Código colheu o voto natural do brasileiro, o voto espontâneo, o voto primitivo, que é o voto uninominal� Na verdade, a maneira instintiva, primária e humana de votar é o voto individual�

Pedro Aleixo – Não conheço outro voto que não seja individual; mesmo dentro das organizações é sempre assim�

Barreto Campelo – Não é exato; o voto de partido é voto de consórcio; não se vota aí de homem para homem�

Pedro Aleixo – Mas é sempre de modo individual que se vota, preferindo este ou aquele partido�

Barreto Campelo – O voto de legenda é completamente oposto ao princípio individualista; é uma forma coletivista, em oposição à individualista (DPL, 1935, p� 1201‑1206)’ (op� cit� p� 110)�

Ainda sobre a escolha do sistema proporcional, vale mencionar a defesa de João Villasbôas da adoção do sistema de listas fechadas, de forma que a ordem de votação dos candidatos fosse aquela dada no registro pelos respectivos partidos� O sistema proposto, no entanto, foi combatido por Pedro Aleixo:

‘João Villasbôas – A classificação deve ser dada pelos partidos� Se o partido arca com a responsabilidade de colocar determinados candidatos na cabeça das cédulas, em primeiro turno, se ele tem a certeza de que não serão vitorio‑sos nas urnas todos os candidatos e de que fará, apenas, um representante, por que não assume a responsabilidade da colocação de todos os demais nomes?Adolfo Bergamini – Por ordem preferencial partidária?Pedro Aleixo – Meu receio é que fossemos instituir dentro dos partidos a pos‑sibilidade de abusos pelas direções partidárias� Preferi entregar aos eleitores do partido a escolha dos seus candidatos a deixar que a direção partidária fique discricionariamente dispondo da colaboração dos candidatos (DPL, 1935, p�1227‑1229)’ (op� cit� p� 115)�

Embora a Lei nº 48 sequer tenha sido colocada em prática, pois, em 10 de novembro de 1937, antes das eleições previstas, houve a deflagração do regime ditatorial do Estado Novo e uma nova Constituição foi outorgada – da qual se depreende que os representantes do povo eram eleitos indiretamente –, a novidade do sistema de listas abertas passou a estar presente em toda a legislação eleitoral brasileira.

Completando, ainda, o sistema eleitoral proporcional utilizado até os dias atuais, com a publicação do Decreto‑Lei 7�586, de 28 de maio de 1945, foi,

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finalmente, extinta a possibilidade de candidaturas avulsas, ganhando os par-tidos políticos o monopólio do lançamento de candidaturas, exigindo-se, em contrapartida, a atuação em âmbito nacional�

O sistema eleitoral brasileiro de representação proporcional de lista aberta surgiu, portanto, desses embates, resultado que foi da conjugação de nossa ausên‑cia de tradição partidária com a força das nossas bases eleitorais regionais: diante das dificuldades históricas de desenvolvimento de forças partidárias nacio-nais, não havia como forçar os eleitores do país a votar em partidos�

Como já asseverava Assis Brasil, ‘[é] assim o caso brasileiro um d’aquelles em que a natureza das cousas sancciona a quebra dos principios’ (op� cit� p� 214)�

Diante dessa realidade, diferentemente de outros modelos proporcionais, na maiorias das vezes de listas fechadas, desenvolveu‑se, no Brasil, sistema pro‑porcional peculiar e diferenciado – sistema semelhante, segundo informa Scott Mainwaring, é adotado, com certas diferenças, na Finlândia e no Chile�

Na prática, esse modelo, fruto da cultura política brasileira, contribuiu, em muito, para o processo de personalização do voto e, em consequência, para a continuidade do enfraquecimento dos partidos políticos� Como destaca Olavo Brasil de Lima Júnior, esse modelo

‘encorajava a vida partidária, mas, ao mesmo tempo, incentivava o desen‑volvimento de fortes lideranças individuais, criando um espaço propício ao confronto entre partidos e líderes, o que acarretaria o enfraquecimento dos primeiros diante das grandes lideranças individuais’ (Partidos Políticos bra-sileiros – 1945 a 1964� Rio de Janeiro: Graal, 1983, p� 56)�

Esse continua a ser o nosso sistema atual�Com efeito, a Constituição Federal de 1988, dando sequência ao modelo adotado

desde 1932, estabeleceu, em seu art� 45, o sistema proporcional para as eleições de deputados federais, de deputados estaduais e de vereadores� Não adentrou o texto constitucional no modelo especificamente a ser adotado, embora, durante os debates da Assembleia Nacional Constituinte, se tenha tentado adotar modelos específicos, como o sistema distrital misto�

Pessoalmente, entendo que a conjugação do sistema proporcional de listas abertas e de votação uninominal com a exigência constitucional de partidos nacionais, com bases distritais nas unidades da Federação – Estados‑membros e Distrito Federal –, é, acima de tudo, solução adequada à representação fede-rativa no âmbito da Nação�

Em verdade, entendo que se trata de um sistema de freios e contrapesos, muta-tis mutandis, similar àquele necessário para garantir a independência e a har‑monia entre os Poderes do Estado (art� 2º da Constituição)�

Explico: exige‑se dos partidos o caráter nacional, mas se permite que sejam eles formados pelas elites/bases regionais� Ao mesmo tempo, confere‑se ao povo/eleitor a possibilidade de, ao eleger seus representantes parlamentares, fazer uso do voto uninominal, garantindo‑se, assim, que o representante eleito represente sua base eleitoral, os interesses locais, mas sem riscos para a Nação, já que essa

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representação se dá no âmbito de uma plataforma ideológica nacional – o partido nacional�

Ao mesmo passo não se dá aos partidos o poder de dispor sobre a ordem da lista, evitando a criação de uma elite política nacional.

Além disso, impede‑se a formação de uma ‘elite nacional’, também pela impos‑sibilidade de candidaturas ao Parlamento pelo ‘distrito da Nação’� Não existem ‘deputados nacionais’� Os distritos são os Estados e o Distrito Federal�

Como se vê, o sistema de votação uninominal, de lista aberta de candidatos, traz consequências e questionamentos de difícil solução, não se admitindo, nessa seara, afirmações absolutas ou que desconsiderem as peculiaridades que resul‑tam desse sistema�

A minha conclusão é que, no nosso sistema proporcional, não há como afir-mar, simplesmente, que a representatividade política do parlamentar está atrelada à legenda partidária para a qual foi eleito, ficando, em segundo plano, a legitimidade da escolha pessoal formulada pelo eleitor por meio do sufrágio�

Pelo contrário, em razão das características próprias do sistema de listas abertas, diversas daquelas das listas fechadas, o voto amealhado dá prevalên-cia à escolha pessoal do candidato pelo eleitor, em detrimento da proposta partidária.

Como explicita Maurizio Cotta, a escolha do sistema partidário não se resume à forma de decidir quais são os eleitos; a escolha entre o sistema de listas abertas e listas fechadas significa também decidir qual o aspecto da representação que se quer ressaltar (Dicionário de Política. 13� ed� Brasília: UnB, 2010� v� 2, p� 1105)�

Desse modo, embora a filiação partidária seja condição de elegibilidade (art� 14, § 3º, V, CF/88), não se admitindo candidaturas avulsas, o voto só na legenda partidária é apenas uma faculdade do eleitor (art� 176 do Código Eleitoral), opção exercida por uma pequena minoria de eleitores. Conquanto se faculte a possibilidade do voto de legenda, a verdade é que o voto do eleitor brasileiro, mesmo nas eleições proporcionais, em geral, se dá em favor de determinado candidato�

Basta ver os números das últimas eleições para deputado federal (2010): segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, do total de votos válidos, 9,19% foram de legenda e 90,81%, votos nominais�

Bem por isso, o ‘peso’ do parlamentar, eleito nominalmente, deve ser conside‑rado, sim, para fins de representatividade, no caso de criação de novo partido político para o qual migrou o deputado (assim como nos casos de fusão e de incorporação)�”

Com essas considerações, acompanho o voto do Relator, também enten‑dendo que a perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos cargos majoritários�

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VOTO

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, eu não posso deixar de fazer observações quanto à excelência do voto, mais uma vez, do Ministro Luís Roberto, que, a meu ver, trata de uma forma extremamente percuciente o tema�

Eu só tinha visto a manifestação expressa sobre essa matéria numa con‑sulta formulada no TSE, que é a 1�407, relatada pelo Ministro Carlos Britto, que expressamente tratou do tema da perda dos mandatos, dos cargos, tanto na proporcional quanto no sistema majoritário, concluindo no sentido de que seria a mesma solução, haveria uma linearidade�

Eu não participava, porque essa consulta foi formulada e respondida em 2007, mas tenho como fundamentada a distinção dos dois casos, exatamente, porque, num caso, escolhe‑se o partido, e, então, é que se leva à conclusão sobre os elei‑tos, e, no caso da majoritária, como foi muito bem exposto aqui por todos que me antecederam, o que se elege é uma pessoa que está vinculada a um cargo, em face da impossibilidade de haver candidaturas avulsas�

Portanto, Senhor Presidente, acompanho o voto do Ministro Relator, rigoro‑samente tal como por ele concluído�

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, rememoro que, quando discutimos esse tema, já nos idos de 2007/2008, foi destacado que a temática da fidelidade partidária, sob a Constituição de 88, fora discutida já no Mandado de Segurança nº 26�602� E, naquele momento, se perguntou se, de fato, fazia sentido não dar consequência a situações de infidelidade partidária� O ministro Celso de Mello – estavam na Corte outros ministros que se manifestaram nesse sen‑tido –, Paulo Brossard, Carlos Madeira e Sidney Sanches alinharam‑se em que “a despeito da aparente omissão inconstitucional, a ideia da fidelidade partidá-ria era integradora do mandato para fins de vinculação ao partido político”� Isso ficou muito claro em todas aquelas manifestações� Eu lembrava, então, também, do voto do ministro Francisco Rezek, que se filiou à corrente divergente, mas que disse algo de muito peculiar em seu próprio estilo� Disse Sua Excelência:

“Sei que o futuro renderá homenagem à generosa inspiração cívica da tese que norteou os votos dos eminentes Ministros Celso de Mello, Paulo Brossard, Carlos Madeira e Sidney Sanches.”

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A despeito de ele se filiar à corrente vencedora, dizendo que a letra do texto não permitia, a seu ver, outra interpretação, ele antecipava, talvez, a evolução que teríamos e que foi belamente descrita, aqui, no voto do ministro Roberto Barroso, chamando atenção a esse fenômeno do troca‑troca partidário, dos transfuguismos, especialmente em se tratando dos mandatos parlamentares obtidos com a votação proporcional� E, naquele momento, não se sabia nada ainda de tudo o que viria a ocorrer no Brasil, nesta seara, mas essas palavras do ministro Rezek – eu registrei naquele momento – revelavam‑se verdadeira‑mente proféticas� Posteriormente, tivemos várias discussões sobre esse assunto, claro, mas ficou assentado que a jurisprudência do Tribunal estava pacificada naquela linha do precedente então fixado�

Quando se colocou o debate nas ADI 1�351 e 1�354, essas da relatoria do minis‑tro Marco Aurélio sobre a cláusula de barreira, embora o tema não fosse exata‑mente esse – aqui era a discussão sobre a justeza do modelo de reforma que se imaginava, não era exatamente essa discussão, mas apenas a chamada cláusula de barreira à brasileira –, eu tive a oportunidade de dizer que aquele modelo, que levava à inanição os partidos, parecia‑me inconstitucional� Mas, hoje, quer dizer, acompanhando todas essas discussões, vejo que, pelo menos, houve, muito provavelmente, um gap, que não é imputável ao Relator, entre a decisão inicial, que indeferiu a liminar e a decisão final, que levou o estamento político à ilusão de que o tema estava pacificado na Corte� Na verdade, a lei fora feita com todo o cuidado que o Congresso pudera ter e imaginava fazer uma longa transição, dez anos, para que o sistema fizesse seus ajustes� A matéria veio ao Supremo, os partidos pequenos pediram a inconstitucionalidade em sede de liminar, e o Supremo indeferiu a liminar� E esses anos, portanto, fluíram� Quando vieram as eleições e os partidos necessariamente começavam as tratativas para esta nova realidade, claro que eles também voltaram ao Supremo� E, aí, num outro contexto, o Tribunal se manifestou agora pela inconstitucionalidade� Tanto é que toda vez que nós conversamos no ambiente político, eles dizem: “Ah! A culpa também é do Supremo”, quanto ao não andamento da reforma política�

Estou descrevendo o quadro, grosso modo, para chamar a atenção aos esfor‑ços que se têm feito em termos de reforma política� E é até um desses cuidados que se impõem, quando se fala de reforma política� Porque, como se trata de consertar o avião em pleno voo, obviamente que é preciso de ter uma cláusula de transição� É necessário que haja um tipo de encaminhamento� Os debates de ontem, no Congresso Nacional, mostram bem que todos relutam em dar um salto no escuro, mudar de um modelo a outro, considerando que eles vieram ao Congresso Nacional por conta de um dado modelo, já aqui descrito pelo ministro

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Barroso e agora, também, destacado no voto do ministro Toffoli� Então, é impor‑tante que nós vejamos essa questão, tendo em vista esses diversos esforços�

Eu continuo considerando que aquela decisão que nós tomamos, a partir desse caso – foi na cláusula de barreira que, talvez, tenhamos concitado até os partidos políticos a provocar o TSE para rediscussão do tema da fidelidade partidária –, eu continuo considerando que aquela decisão foi extremamente importante� Porque era uma prática comum, nos três níveis, o fenômeno da cooptação logo após as eleições� Definido quem seria o chefe do Poder Execu‑tivo, encetavam‑se essas negociações� E, aí, havia esse processo, os números são expressivos, em todos os planos: na esfera federal, nas esferas estaduais e, também, nos planos municipais� Quando não ocorriam mudanças formais, era aquela adesão branca que se fazia de composição de bancada� Mas nós tivemos casos, os relatos aparecem nos debates, de um mesmo deputado que, numa legislatura, mudou quatro ou cinco vezes de partido� Portanto, veja a que ponto nós tínhamos chegado�

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Ministro Gilmar, só porque Vossa Excelência suscitou, e acho que é um foro privilegiado desse debate, na reforma política, que aparentemente se frustrou nesse momento, eu fiz uma tabulação de todas as propostas existentes, por uma razão acadêmica� E descobri, Ministro Gilmar, que há um consenso entre todo mundo: todo mundo é a favor do fim das coligações nas eleições proporcionais e todo mundo é a favor da cláusula de barreira�

Esse consenso já mudaria, e muito, para melhor, o sistema eleitoral brasi‑leiro� Já seria muito bom se pelo menos isso fosse aprovado� Apenas aproveito a carona de Vossa Excelência ter suscitado a questão, porque seria muito bom�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Em algum momento também, é importante anotar, eu acho que agora há uma dúvida, por conta da reforma que se fez, acho que no momento da verticalização e depois da emenda da desverticalização, mas, em princípio, a coligação ou a proibição de coligação não demandaria sequer emenda constitucional�

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Não�O sr. ministro Gilmar Mendes: Quer dizer, a previsão está no texto legal�

Mas aí há dificuldade de se fazerem os arranjos institucionais�E, veja, isso depois tem reflexo no debate que se trava no âmbito das eleições

também majoritárias� Por quê? Hoje, a contagem de tempo de TV, e é um fator importante, faz‑se a partir desse somatório de apoios�

O sr. ministro Marco Aurélio: Na Câmara�

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O sr. ministro Gilmar Mendes: E, hoje, nós sabemos que essa é uma questão delicada� Chegamos a ponto de dispensar – no plano do Executivo isso ocorreu, liberou o partido político� O partido político procedeu à coligação, para fins das eleições majoritárias, mas cada um seguiu seu caminho nos estados, porque o que importava não era o apoio da agremiação, mas a concessão do tempo de TV�

O sr. ministro Marco Aurélio: Por isso se diz haver partido de aluguel!O sr. ministro Gilmar Mendes: Esse é um caso específico� Quer dizer, o par‑

tido cedeu seu tempo� Portanto, fez a coligação para esse fim, mas liberou seus coligados, seus membros para fazer suas escolhas nos estados, sem nenhum compromisso� Então, essa é uma questão realmente muito sensível nessa sis‑temática� E, claro, como Vossa Excelência bem observa, a coligação contribui decididamente para falsear o modelo, porque, do contrário, o próprio quociente eleitoral já seria uma cláusula de barreira, criaria���

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): E frauda a vontade do eleitor� Há um caso, citado pelo professor Cláudio Pereira de Sousa Neto, em Minas, que foi uma coligação do PT com o, se não me engano, PRB� O PT tinha uma posição, por exemplo, pela descriminalização do aborto e o outro partido tinha uma posição conservadora em relação ao aborto, mas, como estavam na mesma coligação, quem votou no candidato do PT estava, em última análise, votando num candi‑dato que tinha uma posição oposta� Quer dizer, você frauda a vontade do eleitor�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Essa é uma outra questão� E a suprema fraude é a possibilidade de mudar as vezes de agremiação, indo inclusive ao ponto contrário àquele que foi disputado nas eleições�

Então, tivemos todos esses debates� Considero que a decisão foi realmente importante, porque evitou, naquele momento, uma hemorragia no sistema, que comprometia a própria democracia� Era uma fraude do próprio sistema� Mas, na época, nós roçamos, acho que nos debates, essa questão das eleições majo‑ritárias� Mas todo o centro da argumentação, como Vossa Excelência demons‑trou, estava realmente concentrado, o núcleo essencial da argumentação, na questão da eleição proporcional� Aí, era evidente, são raríssimos os casos dos candidatos que, por sua própria força, atingem o quociente eleitoral� Esses são casos dignos, inclusive, de registro na crônica jornalística� Num caso ou outro���

O sr. ministro Marco Aurélio: Há dois casos típicos, aliás, três� Dois casos positivos quanto à eleição, e um negativo, porque não houve a eleição� Qual foi esse? Dante de Oliveira, o Senhor “Diretas Já”� O mais votado no Estado e, no entanto, não foi eleito�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Porque o partido não conseguiu o quociente eleitoral�

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O sr. ministro Marco Aurélio: Porque o partido não teve quociente eleitoral�Os outros dois casos vêm inclusive de São Paulo� Ainda estamos lembrados

daquele candidato: “Meu nome é Enéas”� E, atualmente, o Deputado Federal Tiririca, que, de certa forma, alavancou certo deputado que, posteriormente, caiu em desgraça: Valdemar Costa Neto�

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Ministro Marco Aurélio e Ministro Gilmar, no meu voto, cito o caso, em São Paulo, do candidato Celso Russomanno, que teve um milhão e meio de votos� Portanto, na sua coligação, elegeu‑se um candidato com vinte e dois mil votos, em São Paulo� Ao passo que o candidato Antônio Carlos Mendes Thames, do PSDB, que teve cento e seis mil votos, ficou de fora� O sistema é intrinsecamente injusto�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas é claro� Como disse também o ministro Dias Toffoli, num país complexo como o Brasil, a questão da representativi‑dade, especialmente da representação das minorias, há de ser contemplada� Esse paradoxo, que foi mostrado aqui, é objeto de um estudo de Kelsen� Ele fala do tal paradoxo da democracia, quando ele diz que é possível, no sistema estritamente majoritário distrital, fazer‑se com que – o exemplo que o ministro Toffoli deu foi nessa linha – o partido que teve mais votos não seja o vencedor das eleições, porque, como a eleição se desdobra em distritos, obviamente que, dependendo da diferença, especialmente porque esse modelo é indutor de um sistema bipartidário, pelo menos na prática�

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Majoritário, geralmente é�O sr. ministro Gilmar Mendes: É� Portanto, produz uma terceira força que,

às vezes, se torna segunda, em suma, como uma alternativa�Mas acontece esse fenômeno, de um partido, portanto, com 13% dos votos,

que logrou uma ou duas cadeiras porque a eleição é disputada em cada distrito�Mas esse modelo – e o ministro Celso, inclusive, lembrava – não é estranho a

nossas tradições, nem no regime monárquico, nem no início da República, a ideia do voto distrital� E, agora, inclusive, há uma proposta – que, aparentemente, logrou apoio no Senado, um tipo de experimento institucional do senador José Serra – de haver o voto distrital nos municípios com mais de duzentos mil eleitores, portanto, naqueles que podem ter eleições em segundo turno para Chefia do Poder Execu‑tivo� Ele está propondo que se adote um modelo distrital, mas, notoriamente, como experimento, para saber como vai funcionar, porque, claro, falando do modelo eleitoral, do sistema eleitoral, nós estaremos também falando de todos os elemen‑tos que compõem: propaganda eleitoral, modelo de financiamento e tudo o mais�

Eu, também, queria só recordar que, quando nós começamos a desenhar o debate desse tema aqui, fomos nós, também, que sugerimos que o TSE fizesse a

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resolução um pouco na linha daquilo que se assentara no célebre caso de Mira Estrela, porque ali, também, se colocou essa questão� Tratou‑se do número de vereadores, mas se disse: “E, aí, quem é que vai implementar esse cálculo para dizer qual é o numero de vereadores em cada comunidade, tendo em vista as balizas fixadas pelo Supremo?

E foi o ministro Pertence, que ficara vencido no julgamento do caso Mira Estrela, porque entendia que a questão, aqui, era uma questão política, o tal chamado critério da proporcionalidade, que diz “ninguém melhor do que o pró‑prio TSE”� E foram essas pegadas, essas orientações que nós, também, adotamos no caso da fidelidade partidária� Mas é claro que as resoluções, as disposições constantes da resolução do TSE têm sido objeto de muitas ressalvas, reservas� Uma delas é esta que o Procurador‑Geral se dignou a trazer ao Tribunal�

Mas há, por exemplo, debates sobre a legitimação que se deu ao Ministério Público para impugnar a fidelidade partidária� No ambiente político, há muita estranheza em relação a isso, porque, muitas vezes, a desistência ou a transferên‑cia do mandato, se dá numa base de consenso, tendo em vista os incômodos que ocorrem no ambiente partidário� E, aí, o próprio partido não vindica o mandato, no caso da eleição proporcional� Mas, na resolução do TSE, deu‑se legitimidade ao Ministério Público para fazer essa cobrança, esse pedido de perda�

O sr. Rodrigo Janot (Procurador‑Geral da República): Bem outorgado�O sr. ministro Gilmar Mendes: Pois é� Há controvérsias, diria, mas, claro,

dentro do espírito que se desenvolveu, naquele contexto, entendia‑se que não estava só à disposição do partido, mas que deveria haver um agente que defen‑desse o interesse geral� Mas eu digo que esse é um ponto que é sempre criticado, porque, muitas vezes, esse abandono de partido, essa ida para uma outra agre‑miação, faz‑se até numa base de consenso, no ambiente político�

De modo que a mim me parece que é extremamente importante a questão que hoje o ministro Barroso traz, com o brilho notório e acho também que é de se entender, como Sua Excelência já apontou, Presidente, que a questão real‑mente não foi definida nas ADI anteriores, tanto que é possível fazer a revisão�

É verdade que, ainda que nós tivéssemos declarado a constitucionalidade da resolução em sua inteireza, isso poderia também ser passível, tecnicamente, de uma revisão�

Eu cumprimento o eminente ministro Barroso pelo brilhante voto que trouxe e acho extremamente importante proceder a essa distinção�

Só queria lembrar que, no TSE, recentemente, não faz muito tempo, nós tive‑mos um caso em que se vindicava o mandato de um senador e se colocava exa‑tamente a questão que o ministro Toffoli apontou: os suplentes eram de outros

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partidos e eles também tinham participado dessa atividade migratória, quando viram a possibilidade de abocanhar o mandato deste suposto trânsfuga, então, voltaram à agremiação de origem�

Portanto, tudo isso acaba sendo muito dinâmico no processo, e nós então assentamos que:

“3. Considerando-se que os suplentes do mandato em disputa foram eleitos por partido político diverso, não será possível à legenda requerente recuperar a vaga ocupada pelo parlamentar trânsfuga�”

Então, deixamos isso assente, fazendo um distinguishing em relação à situa‑ção que se colocava, tal como apontou o ministro Toffoli�

Cumprimentando, portanto, Presidente, o belo voto do ministro Barroso e, também, destacando essas pontuações que já foram feitas pelo ministro Teori, pela ministra Rosa, pela ministra Cármen e pelo ministro Toffoli, eu acompa‑nho o voto proferido�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, preciso reconhecer que, no cená‑rio nacional, há um grande hiato entre o formal e a realidade, considerados os partidos políticos�

Em 2003, imaginamos que estaria surgindo um grande partido, inclusive em tamanho, e ficamos todos, cidadãos brasileiros, decepcionados com o que ocorreu relativamente a integrantes�

Este julgamento é uma avant-première do caso que está submetido ao Tribu‑nal Superior Eleitoral, envolvendo o Partido dos Trabalhadores e a ex‑Prefeita, hoje Senadora da República, Marta Suplicy, que, a esta altura, deve estar de alma lavada, para dizer o mínimo�

Presidente, o tema da fidelidade partidária, consideradas eleições proporcio‑nais e majoritárias, não foi ferido quando do exame das duas ações diretas de inconstitucionalidade mencionadas – e o fato foi ressaltado também por Sua Excelência o relator, ministro Luís Roberto� Pegando as notas taquigráficas – não posso falar mais em notas taquigráficas, porque não temos no centro do Plenário as taquígrafas –, as notas degravadas da sessão de julgamento, tive oportunidade de ressaltar esse aspecto no voto que proferi de improviso:

A fidelidade partidária não está em jogo, não está em discussão, consideradas as balizas objetivas do processo em julgamento – eram as duas ADIs –, é um

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princípio constitucional que já foi reconhecido – porque está mencionado ao término da cabeça, creio, do artigo 17: o problema da fidelidade pelo Supremo�

Disse o que estaria em jogo: aspecto ligado ao direito substancial, que seria a definição da justificativa pelo candidato, considerada migração – e tem‑se agora, cogitando de um casamento, um acasalamento, para falar melhor, impossível, sob a minha óptica, do PTB com o DEM� Afirmei que estaria em jogo a justifi‑cativa da saída, a migração legítima para outra legenda, e também a disciplina de normas instrumentais pelo Tribunal Superior Eleitoral� Vem‑nos do Código Eleitoral que o Tribunal pode baixar resolução, mas resolução para a execução do que previsto na lei complementar que é o Código Eleitoral�

Presidente, o que há no cenário? E ouvimos um voto elaborado com profi‑ciência pelo ministro Luís Roberto, tendo em conta, inclusive, a sensibilidade de jurista de Sua Excelência� Estão em jogo dois sistemas, aliás, um grande sis‑tema que se biparte em eleições proporcionais e em eleição majoritária� Além dos cargos do Executivo nos três patamares (municipal, estadual e nacional), há também a eleição, majoritária, para o Senado da República�

O que nos vem do Código Eleitoral? Uma disciplina toda própria, mas ligada apenas à espécie proporcional, não alcançando, como está nos artigos 106, 107, 109 do Código Eleitoral, as eleições majoritárias� E surgem dois institutos: o primeiro instituto, o do quociente eleitoral� Como é que se encontra o quo‑ciente eleitoral por definição normativa do artigo 106? Dividindo‑se os votos válidos da eleição, na região geográfica respectiva, pelo número de cadeiras a serem preenchidas – é a primeira conta que se faz� Posteriormente, então, passa‑se para outro quociente, que é o partidário, para saber quantas cadei‑ras serão preenchidas por esta ou aquela legenda� De que forma? Mediante a divisão do quociente eleitoral pelos votos atribuídos – o eleitor sabe que vota no candidato, mas também na legenda, e os dois primeiros algarismos nas elei‑ções proporcionais a revelam – a quem? Ao eleito? Não� Sabe‑se o número de cadeiras a serem preenchidas pelo partido, dividindo‑se o quociente eleitoral pelos votos da legenda� Há mais: somente o partido que alcança o quociente partidário participa da distribuição das sobras, a teor do disposto no artigo 109 do Código Eleitoral�

Vem‑nos, Presidente, sob o ângulo da fidelidade, da Lei dos Partidos Políticos – de nº 9�096/95 –, regra que sinaliza a distinção entre eleições proporcionais e majoritárias� Que regra é essa? Que há perda pelo parlamentar – e o vocábulo deve ser entendido de forma estrita, não alcançando o senador –, no caso de infidelidade partidária�

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Citei os exemplos que tivemos� Num passado mais remoto, relativamente ao candidato que chegava à televisão e apenas tinha tempo para dizer “meu nome é Enéas”, e que teve votação estrondosa no Estado, que é um estado‑país dentro do país, São Paulo, inclusive elegendo outros Deputados com diferença enorme nos votos atribuídos a cada qual�

Há também o exemplo em Mato Grosso, relativo ao Senhor das Diretas, o saudoso Dante de Oliveira� Foi o candidato mais votado no Estado para a Câmara dos Deputados e não se elegeu, porque a legenda não alcançou o quociente eleitoral�

Presidente, nas eleições majoritárias, não cabe estender a disciplina norma‑tiva do Código Eleitoral, como ressaltou o ministro Luís Roberto, à das eleições proporcionais� Não se pode colocar na mesma vala, dessas eleições proporcio‑nais, a eleição para o Senado da República, a eleição para a chefia do Executivo municipal, para a chefia do Executivo do Estado, e, muito menos, o exemplo foi dado pelo ministro Dias Toffoli, a eleição do Presidente e do Vice‑Presidente da República� Não se aplica a teoria dos quocientes eleitoral e partidário às eleições majoritárias�

Ante esse contexto, volto a dizer – o ministro Eros Grau não gostava que o fizesse – que Direito é ciência e, como ciência, possui institutos, princípios, expressões e vocábulos com sentido próprio� Não podemos afirmar que as elei‑ções proporcionais e as majoritárias têm a mesma regência� O eleitor, quando elege o senador da República, elege o prefeito, elege o governador, elege o pre‑sidente, considera, substancialmente, o perfil do candidato� E não se chega à conclusão sobre a vitória, no certame eleitoral, tendo em conta os votos atri‑buídos à legenda que tenha capitaneado a eleição�

Por isso, enaltecendo, Presidente – e apenas posso enaltecer quando voto de forma sintonizada, é aquela questão que digo que é um início muito ruim para os advogados quando, às vezes, o Colega começa elogiando a sustentação da tri‑buna para posteriormente votar contra a posição do constituinte do advogado –, o raciocínio técnico e humanístico do Relator, subscrevo o voto proferido por Sua Excelência, registrando que é contribuição efetiva para robustecer‑se o Estado Democrático de Direito�

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VOTO

O sr. ministro Celso de Mello: O brilhante voto proferido pelo eminente Minis‑tro ROBERTO BARROSO, Relator da presente causa, permite distinguir a situação ora em exame neste processo (perda de mandato, por infidelidade partidária, de candidato eleito pelo sistema majoritário) daquela que constituiu objeto de julgamento por esta Corte, em 4‑10‑2007, no MS 26.603/DF, de que fui Relator, em cujo âmbito se controverteu – à semelhança do que se registrara no MS 26�602/DF e no MS 26�604/DF – sobre a perda de mandato, por infideli-dade partidária, de candidato eleito pelo sistema proporcional�

O Plenário desta Suprema Corte, ao julgar o MS 26�603/DF, de que fui Relator, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“PARTIDOS POLÍTICOS E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.– A Constituição da República, ao delinear os mecanismos de atuação do regime

democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às instituições partidárias, consagrou, em seu texto, o próprio estatuto jurídico dos partidos políticos, definindo princípios, que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização e funcionamento das agremiações partidárias. Precedentes.

– A normação constitucional dos partidos políticos – que concorrem para a formação da vontade política do povo – tem por objetivo regular e disciplinar, em seus aspectos gerais, não só o processo de institucionalização desses corpos inter-mediários, como também assegurar o acesso dos cidadãos ao exercício do poder estatal, na medida em que pertence às agremiações partidárias – e somente a estas – o monopólio das candidaturas aos cargos eletivos.

– A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto histórico que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo – fonte de que emana a soberania nacional – tem, nessas agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado.

As agremiações partidárias, como corpos intermediários que são, posicio-nando-se entre a sociedade civil e a sociedade política, atuam como canais ins-titucionalizados de expressão dos anseios políticos e das reivindicações sociais dos diversos estratos e correntes de pensamento que se manifestam no seio da comunhão nacional.

A NATUREZA PARTIDÁRIA DO MANDATO REPRESENTATIVO TRADUZ EMANAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O ‘SISTEMA PROPORCIONAL’�

– O mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titu-larizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que

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deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político, cuja titula-ridade sobre as vagas conquistadas no processo eleitoral resulta de ‘ fundamento constitucional autônomo’, identificável tanto no art. 14, § 3º, inciso V (que define a filiação partidária como condição de elegibilidade) quanto no art. 45, ‘caput’ (que consagra o ‘sistema proporcional’), da Constituição da República.

– O sistema eleitoral proporcional: um modelo mais adequado ao exercício democrático do poder, especialmente porque assegura, às minorias, o direito de representação e viabiliza, às correntes políticas, o exercício do direito de oposição parlamentar. Doutrina.

– A ruptura dos vínculos de caráter partidário e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito (infidelidade ao partido e infideli-dade ao povo), subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabili-dade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de desestabilização na prática do poder e gerando, como imediato efeito perverso, a deformação da ética de governo, com projeção vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados pelo sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado pela Constituição da República.

A INFIDELIDADE PARTIDÁRIA COMO GESTO DE DESRESPEITO AO POSTULADO DEMOCRÁTICO.

– A exigência de fidelidade partidária traduz e reflete valor constitucional impregnado de elevada significação político-jurídica, cuja observância, pelos detentores de mandato legislativo, representa expressão de respeito tanto aos cidadãos que os elegeram (vínculo popular) quanto aos partidos políticos que lhes propiciaram a candidatura (vínculo partidário).

– O ato de infidelidade, seja ao partido político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, constitui grave desvio ético-político, além de representar inadmis-sível ultraje ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem sempre motivadas por justas razões, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade por elas conquistada nas urnas –, mas cul-minam por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em clara fraude à vontade popular e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política.

A prática da infidelidade partidária, cometida por detentores de mandato par-lamentar, por implicar violação ao sistema proporcional, mutila o direito das minorias que atuam no âmbito social, privando-as de representatividade nos corpos legislativos, e ofende direitos essenciais – notadamente o direito de oposição – que derivam dos fundamentos que dão suporte legitimador ao próprio Estado Democrático de Direito, tais como a soberania popular, a cidadania e o pluralismo político (CF, art. 1º, I, II e V).

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– A repulsa jurisdicional à infidelidade partidária, além de prestigiar um valor eminentemente constitucional (CF, art. 17, § 1º, ‘ in fine’), (a) preserva a legitimidade do processo eleitoral, (b) faz respeitar a vontade soberana do cidadão, (c) impede a deformação do modelo de representação popular, (d) assegura a finalidade do sistema eleitoral proporcional, (e) valoriza e fortalece as organizações partidárias e (f) confere primazia à fidelidade que o Deputado eleito deve observar em rela-ção ao corpo eleitoral e ao próprio partido sob cuja legenda disputou as eleições.

HIPÓTESES EM QUE SE LEGITIMA, EXCEPCIONALMENTE, O VOLUNTÁRIO DESLIGA-MENTO PARTIDÁRIO.

– O parlamentar, não obstante faça cessar, por sua própria iniciativa, os víncu-los que o uniam ao partido sob cuja legenda foi eleito, tem o direito de preservar o mandato que lhe foi conferido, se e quando ocorrerem situações excepcionais que justifiquem esse voluntário desligamento partidário, como, p. ex., nos casos em que se demonstre ‘a existência de mudança significativa de orientação programática do partido’ ou ‘em caso de comprovada perseguição política dentro do partido que abandonou’ (Min. Cezar Peluso).

A INSTAURAÇÃO, PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO.

– O Tribunal Superior Eleitoral, no exercício da competência normativa que lhe é atribuída pelo ordenamento positivo, pode, validamente, editar resolução destinada a disciplinar o procedimento de justificação, instaurável perante órgão competente da Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da ‘analogia legis’, mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar nº 64/90.

– Com esse procedimento de justificação, assegura-se, ao partido político e ao parlamentar que dele se desliga voluntariamente, a possibilidade de demonstrar, com ampla dilação probatória, perante a própria Justiça Eleitoral – e com pleno respeito ao direito de defesa (CF, art. 5º, inciso LV) –, a ocorrência, ou não, de situações excepcionais legitimadoras do desligamento partidário do parlamen-tar eleito (Consulta TSE nº 1.398/DF), para que se possa, se e quando for o caso, submeter, ao Presidente da Casa legislativa, o requerimento de preservação da vaga obtida nas eleições proporcionais.

INFIDELIDADE PARTIDÁRIA E LEGITIMIDADE DOS ATOS LEGISLATIVOS PRATICADOS PELO PARLAMENTAR INFIEL.

A desfiliação partidária do candidato eleito e a sua filiação a partido diverso daquele sob cuja legenda se elegeu, ocorridas sem justo motivo, assim reconhecido por órgão competente da Justiça Eleitoral, embora configurando atos de trans-gressão à fidelidade partidária – o que permite, ao partido político prejudicado, preservar a vaga até então ocupada pelo parlamentar infiel –, não geram nem provocam a invalidação dos atos legislativos e administrativos, para cuja formação

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concorreu, com a integração de sua vontade, esse mesmo parlamentar. Aplicação, ao caso, da teoria da investidura funcional aparente. Doutrina. Precedentes.

REVISÃO JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA: A INDICAÇÃO DE MARCO TEMPORAL DEFINIDOR DO MOMENTO INICIAL DE EFICÁCIA DA NOVA ORIEN-TAÇÃO PRETORIANA.

– Os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham múl-tiplas e relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir previsibi-lidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide e em decorrência deles, gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado.

– Os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no passado e anterio-res aos marcos temporais definidos pelo próprio Tribunal. Doutrina. Precedentes.

– A ruptura de paradigma resultante de substancial revisão de padrões juris-prudenciais, com o reconhecimento do caráter partidário do mandato eletivo proporcional, impõe, em respeito à exigência de segurança jurídica e ao princípio da proteção da confiança dos cidadãos, que se defina o momento a partir do qual terá aplicabilidade a nova diretriz hermenêutica.

– Marco temporal que o Supremo Tribunal Federal definiu na matéria ora em julgamento: data em que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF (27-3-2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi submetida.

A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.

– O exercício da jurisdição constitucional, que tem por objetivo preservar a supre-macia da Constituição, põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder.

– No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordi-nária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que ‘A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la’. Doutrina. Precedentes.

– A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – a quem se atribuiu a função eminente de ‘guarda da Cons-tituição’ (CF, art. 102, ‘caput’) – assume papel de fundamental importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de

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que o modelo político-jurídico vigente em nosso País conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental.”

(MS 26.603/DF, Rel� Min� CELSO DE MELLO, Pleno)

Vê-se, daí, que esse julgamento – de cujas premissas e conclusão continuo a guardar firme convicção – cingiu-se ao exame do mandato representativo examinado na perspectiva do sistema eleitoral proporcional�

Ocorre, no entanto, que a discussão suscitada nesta sede de controle nor‑mativo abstrato envolve aspectos que, bem destacados neste julgamento, autorizam o “distinguishing” a que procedeu o eminente Relator, especial-mente no ponto em que Sua Excelência corretamente assinalou que o sistema majoritário possui lógica e dinâmica diversas daquelas que se revelam inerentes ao sistema proporcional�

Ao acolher a substanciosa fundamentação em que se apoia o eminente Rela‑tor, também julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e registro a minha concordância com a tese segundo a qual “A perda do mandato em razão da mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor” (grifei)�

É o meu voto�

DEBATE

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas faço uma ponderação� Deve‑mos ficar na tese central, que é não se ter a vinculação à legenda nas eleições majoritárias� Por que assim devemos proceder? Ante o receio de que se passe, se versamos o problema das eleições proporcionais, à bateção de carimbo e se retire, inclusive, a possibilidade de o parlamentar, nas eleições proporcionais, justificar a migração�

O sr. ministro Dias Toffoli: É que há, inclusive, previsão, e isso é jurisdicio‑nalizado na Justiça Eleitoral� Eu também ficaria só com o ponto da declaração de inconstitucionalidade�

O sr. ministro Marco Aurélio: Mesmo porque jurisdicionalizado pela reso‑lução que nós referendamos – contra o meu voto, é certo –, ter‑se‑á exame pela Justiça Eleitoral caso a caso�

O sr. ministro Celso de Mello: Acho importante ouvir a tese enunciada pelo eminente Relator�

O sr. ministro Marco Aurélio: O Relator leria a tese para conhecimento geral?

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O sr. ministro Celso de Mello: É relevante explicitar‑se a tese jurídica, mesmo porque o voto do eminente Relator cinge-se ao exame da perda de mandato por infidelidade partidária de candidato eleito pelo sistema majoritário (Presidente da República, Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito Municipal e Senador)�

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Eu tenho por hábito, Presidente, como Vossa Excelência bem sabe – e até com apoio de Vossa Excelência e outros colegas –, sempre explicitar qual foi a tese jurídica que embasou a construção do meu raciocínio� Em matéria de repercussão geral, eu entendo que essa é uma exigência legal� A gente ter uma súmula, acho que é o termo da lei� Aqui não há uma exigência legal� Mas eu me lembro, Ministro Marco Aurélio, do tempo em que era advogado, como o sistema de votação no Supremo é agregativo, cada um traz o seu voto, e, com frequência, a ementa era feita pelo Relator, e expressava a posição do Relator, eu, mais de uma vez, flagrei situações em que a ementa não refletia o que efetivamente havia sido deliberado�

O sr. ministro Marco Aurélio: Os advogados têm os embargos declaratórios, porque, inclusive, a ementa compõe o acórdão, a teor do disposto no Código de Processo Civil�

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Exatamente� Por esta razão, para que não ocorra esse risco, eu cultivo o hábito de sempre explicitar qual a tese que embasa o meu raciocínio� E Vossa Excelência gentilmente, com frequência, submete a tese ao Plenário�

A tese, Ministro Marco Aurélio, que embasou o meu raciocínio é a seguinte – mas que aqui não faz coisa julgada nem integra, é apenas, digamos, uma expli‑citação para a comunidade jurídica: a perda do mandato, em razão de mudança de partido por candidato eleito pelo sistema proporcional, decorre logicamente da Constituição para que se preserve a soberania popular e as escolhas feitas pelo eleitor� Essa proposição é a que se extrai daqueles mandados de segurança anteriores que o Supremo julgou� Em seguida, eu acrescento: a mesma lógica não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministro Barroso, para afastar as dúvidas do eminente Ministro Marco Aurélio, e, claro, se não houver prejuízo nenhum para a lógica do seu voto, que é uma lógica brilhante e convin‑cente, se a sua tese fosse condensada na seguinte expressão: A perda do man‑dato, em razão de mudança de partido por candidato eleito, não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania

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popular e das escolhas feitas pelo eleitor� Não faríamos alusão, assim, ao sistema proporcional, que comporta exceções, que estão, inclusive, consubstanciados numa resolução do TSE, que eu também subscrevi�

O sr. ministro Dias Toffoli: De acordo�O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Então, veja, Vossa Excelência�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Por exemplo, nós supri‑

miríamos, sem prejuízo da lógica – insisto – do seu brilhante voto, essa menção, na primeira frase, ao sistema proporcional e à decorrência lógica� Só nos refe‑riremos ao���

O sr. ministro Marco Aurélio: A tese do Tribunal está ligada às eleições majoritárias�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Sim� Aí, então, diríamos: A perda do mandato em razão da mudança de partido não se aplica a candidato eleito pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular das escolhas feitas pelo eleitor�

O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Veja Vossa Excelência que esta proposição é a que consta da ementa� A minha proposição da ementa é a seguinte:

“O sistema majoritário, adotado para eleição de presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional� As carac‑terísticas do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (���)�”

De modo que não me oponho a que fique sendo esta a tese de julgamento, se é a preferência dos Colegas�

O sr. ministro Dias Toffoli: De acordo�O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Eu gostaria até de defender a

minha anterior, mas não há nenhuma razão para eu polemizar� Estou de acordo�O sr. ministro Marco Aurélio: Ministro, de qualquer forma, não retiraria

os elogios, merecidos, feitos ao voto de Vossa Excelência�O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Muito gentil� Então, vou colocar

como tese de julgamento esta proposição que consta da ementa�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não�O sr. ministro Celso de Mello: A tese que vem de ser enunciada resulta,

claramente, dos próprios fundamentos e da parte dispositiva que integram a estrutura do voto do eminente Relator�

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O sr. ministro Roberto Barroso (Relator): Sim� A referência à proporcional era quase para dizer: “Olha, acho que o Supremo acertou na outra, e essa situa‑ção é diferente”, mas���

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não� Acho que está bem�

VOTO (Antecipação)

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, estou habilitado, mas, em relação ao Ministro Barroso, atuo como aquele leitor que afirma: “Não li, mas já gostei”� Então, primeiramente, queria me justificar que estava na sala de inquirição aqui do Supremo Tribunal Federal fazendo interrogatório importante para um processo que exigia a minha presença�

Vou citar apenas três trechos, três frases do meu voto, o qual juntarei, e que são convergentes com o entendimento ora esposado�

Em primeiro lugar, assento que o sistema majoritário não empresta papel de destaque às agremiações partidárias� E cito aqui a doutrina do professor Paulo Bonavides: “Assento que, descritivamente, o candidato nas eleições majoritárias é mais importante do que os partidos políticos” – e aqui discorro com a dou‑trina do professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho� E concluo que “a extensão da regra da fidelidade partidária nos pleitos majoritários importa inequívoca vulneração da soberania popular”�

E, com esses fundamentos que aqui constam, acompanho o brilhante voto do Ministro Luís Roberto�

VOTO

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, preliminarmente, verifico de plano a legitimidade ativa ad causam do Requerente, porquanto legitimado universal, status jurídico que outorga, na esteira da remansosa doutrina constitucional pátria (ver por todos BARROSO, Luís Roberto� Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 5ª ed� São Paulo: Saraiva, 2011� p� 183) e da jurisprudência desta Corte, o papel institucional de impugnar, em sede de fiscalização abstrata, qualquer lei ou ato normativo, federal ou estadual, que desafie a Constituição da República�

Prosseguindo no exame, destaco que as normas impugnadas (arts� 10 e 13 da Resolução nº 22�610/2007) revelam‑se aptas para figurar como objeto no con‑trole concentrado de constitucionalidade, visto que dotadas de generalidade,

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abstração e autonomia, consoante admite a iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal� Aliás, como pontuado pelo próprio Arguente, esta Suprema Corte já apreciou integralmente a constitucionalidade da Resolução‑TSE nº 22�610/2007, nos autos das ADIs nº 3�999/DF e nº 4�086/DF, de relatoria do Min� Joaquim Barbosa�

Questão preliminar relevante cinge‑se em saber se o pedido deduzido na presente ação direta é suscetível de conhecimento, autorizando que o Supremo Tribunal Federal proceda ao reexame das normas adversadas, justamente porque já houve a análise de sua compatibilidade nas aludidas ações diretas�

De um lado, o Procurador‑Geral da República defende que o Plenário da Corte, quando do julgamento das ADIs nº 3�999/DF e nº 4�086/DF, equacionou a controvérsia apenas e tão somente sob o prisma formal, sem adentrar em qual‑quer análise substantiva� De outro lado, e em sentido oposto, o Advogado‑Geral da União sustenta o não conhecimento da ação, articulando que a questão de fundo fora decidida tanto formal quanto materialmente�

Bem delimitada a discussão no ponto, e postas as teses em confronto, passo a decidir� E, antecipo, voto pelo conhecimento da ação direta� Há duas razões que amparam o conhecimento da ação�

Em primeiro lugar, a extensão do pronunciamento proferido pelo Plenário do Supremo, no julgamento das ADIs nº 3�999/DF e nº 4�086/DF, diversamente do que suscitado pelo AGU, adstringiu‑se a aspectos meramente formais, sem adentrar em quaisquer ofensas de cunho substantivo.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal analisou quatro questões naquela oportunidade: (i) a usurpação de função típica do Poder Legislativo e ofensa ao princípio da reserva legal (CRFB/88, art� 2º e art� 5º, II), (ii) a ofensa à reserva de lei complementar para definição das competências de tribunais, juízes e juntas eleitorais (CRFB/88, art� 121); (iii) a usurpação da competência dos Pode‑res Legislativo e Executivo para dispor sobre matéria eleitoral (CRFB/88, art� 22, I e XIII, art� 24, XI, art� 48 e art� 84, IV); e (iv) o ultraje à reserva de lei para outorga de atribuição ao Ministério Público (CRFB/88, art� 128, § 5º, e art� 129)�

No caso sub examine, todavia, a questão de fundo consiste em verificar a compatibilidade material (i.e., de conteúdo) entre os arts� 10 e 13 da Resolução com os cânones constitucionais da soberania popular, ex vi do art� 14, caput, as hipóteses de perda de mandato, a teor do art� 55, e o complexo normativo atinente ao sistema majoritário, previsto no art� 46, caput, e art� 77 e §§�

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De fato, não se postula aqui, como supõe o AGU, a rediscussão dos aspec‑tos formais da Resolução nº 22�610/2007, devidamente examinados pela Corte ADIs nº 3�999/DF e nº 4�086/DF, motivo que de per si é suficiente para rejeitar a preliminar de não conhecimento suscitada pelo defensor legis�

Mas não é só�Ademais, e em segundo lugar, há um argumento jurídico-dogmático� Ainda

que a questão tivesse sido examinada sob o prisma material, afigura‑se perfei‑tamente possível eventual reanálise da matéria de fundo travada em nova ação direta� Convém melhor desenvolver�

Com efeito, é lição elementar de jurisdição constitucional que, nas hipóteses em que a Suprema Corte julga pela procedência do pedido veiculado numa ação direta de inconstitucionalidade, eventual pronunciamento de invalidade atinge diretamente as leis ou atos normativos impugnados, que não mais poderão produzir seus efeitos no ordenamento jurídico.

O mesmo não ocorre quando o Plenário entende pela improcedência dos pleitos, exatamente a hipótese dos autos� Tal compreensão decorre da noção de que a eficácia vinculante das decisões proferidas em sede de controle abs‑trato de constitucionalidade não atinge o próprio STF� Consectariamente, é perfeitamente possível a alteração das circunstâncias fáticas ou da axiologia subjacente à tomada de decisão pela Suprema Corte� Noutros termos: a possi‑bilidade de rejulgamento se justifica em virtude da premissa (correta) de que a realidade social é mais rica e dinâmica do que qualquer teoria jurídica, bem como a possibilidade de se lançarem novos argumentos jurídicos que possam conduzir à revaloração do que fora decidido pela Corte�

Similar entendimento é defendido, em sede doutrinária pelo Professor e Ministro Gilmar Mendes, quando afirma que “declarada a constitucionali-dade de uma lei, ter-se-á de concluir pela inadmissibilidade de que o Tribunal ocupe uma vez mais da aferição de sua legitimidade, salvo no caso de significativa mudança das circunstâncias fáticas ou de relevante alteração das concepções jurídicas dominantes.” (MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo� Curso de Direito Constitucional� 9ª ed� São Paulo: Saraiva, 2014� p� 1315)�

Em verdade, pode o Tribunal reapreciar a questão sempre que se verificar a existência da perda do substrato jurídico da decisão proferida pela Corte, cir‑cunstância que autoriza a cognominada anticipatory overruling (SUMMERS, Robert� Precedent in the United States (New York State)� In: Interpreting Prece-dents: A Comparative Study� London: Dartmouth, 1997, p� 394 e ss)� Trata‑se, à evidência, de situação excepcional e inelutável que justifica a prolação de novo pronunciamento por este Supremo Tribunal Federal�

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Com isso, não se pretende advogar a ausência de autovinculação da Corte a seus próprios precedentes� A superação do precedente se impõe ante a alteração do quadro empírico, da realidade social sobre a qual a norma pretenda confor‑mar, a modificação da axiologia até então predominante na sociedade, da evolu‑ção da tecnologia ou da alternância da concepção geral do direito, (MARINONI, Luiz Guilherme� Coisa Julgada Erga‑Omnes e Eficácia Vinculante� Disponível em http://www�academia�edu/218739/Coisa_ Julgada_Erga_Omnes_e_Efica‑cia_Vinculante, acesso em 20‑10‑2014)� Registro apenas, por oportuno, que é o Supremo Tribunal Federal, e não os demais órgãos do Poder Judiciário, que deve pronunciar‑se a respeito, sob pena de amesquinhar a eficácia ínsita às decisões prolatadas em sede de fiscalização de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade�

É precisamente a possibilidade de mutação do conteúdo constitucional (inconstitucionalidade superveniente) que autoriza, a meu sentir, o novo pronun‑ciamento da Corte acerca da validade jurídico‑constitucional das disposições hostilizadas, ainda que se considere que o equacionamento das questões deba‑tidas nas ADIs nº 3�999/DF e nº 4�086/DF ancorou‑se em argumentos formais e materiais, o que se afirma, ressalvo, ad argumentandum tantum�

Conheço, pois, da presente ação direta�

II. Breve análise histórica da discussão sobre fidelidade partidária no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral

Em breve e perfunctório inventário, consta precedente na Suprema Corte (MS 23�405/GO, rel� Min� Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j� 22‑3‑2004, DJ de 23‑4‑2004) em que se rejeitou a declaração de perda de mandato do titular por sua migração para outra grei partidária� Nas palavras do Relator, “embora a troca de partidos por parlamentares eleitos sob regime da proporcionalidade revele-se extremamente negativa para o desenvolvimento e continuidade do sis-tema eleitoral e do próprio sistema democrático, é certo que a Constituição não fornece elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo requerente [a perda do mandato dos parlamentares trânsfugas]”� Eis a ementa do aresto:

“Mandado de Segurança. 2. Eleitoral. Possibilidade de perda de mandato parla-mentar. 3. Princípio da fidelidade partidária. Inaplicabilidade. Hipótese não colo-cada entre as causas de perda de mandado a que alude o art. 55 da Constituição. 4. Controvérsia que se refere a Legislatura encerrada. Perda de objeto. 5. Mandado de Segurança julgado prejudicado”.

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Ao que interessa ao presente caso, a discussão, política e jurídica, sobre fide‑lidade partidária teve sua origem em 2007, quando o PFL (atual DEM) formu‑lou Consulta, autuada sob nº 1�398/DF, ao Tribunal Superior Eleitoral, na qual questionava se “Os partidos e coligações t[inham] o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houve[sse] pedido de cance-lamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”. Em março de 2007, o Tribunal, acompanhando o voto relator Min� César Asfor Rocha, respondeu afirmativamente a Consulta, em aresto assim ementado:

“Consulta. Eleições proporcionais. Candidato eleito. Cancelamento de filiação. Transferência de partido. Vaga. Agremiação. Resposta afirmativa” (Resolução 22�526/2007)�

Em vista disso, o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido da Social Demo‑cracia Brasileira (PSDB) e o Democratas (DEM) impetraram mandados de segu‑rança perante o Supremo Tribunal Federal, contra decisão do Presidente da Câmara dos Deputados, que indeferiu requerimentos formulados pelas referidas agremiações a fim de reconhecer a vacância dos cargos dos Deputados Federais que haviam mudado de filiação partidária após as eleições de 2006�

No julgamento dos MSs nº 26�602, 26�603 e 26�604, a Corte chancelou a orien‑tação do TSE, materializada na Resolução nº 22�610/2007� Para a Corte, a titulari‑dade do mandato, em pleitos proporcionais (i.e., deputados federais, estaduais, distritais e vereadores) seria do partido, e não do candidato, de forma que a mudança de agremiação partidária, sem justa causa, ensejaria nova hipótese de perda do mandato, para além das hipóteses encartadas no rol do art� 55 da Constituição�

Na ocasião, a Corte não se pronunciou acerca da extensão da regra de fide‑lidade partidária para as eleições majoritárias (i.e., Presidente da República, Governadores de Estado e do Distrito Federal, Prefeitos e Senadores)�

Referida extensão veio a ocorrer, pouco tempo depois, na sessão de 16-10-2007, em que o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder positivamente à Consulta nº 1�407/DF, rel� Min� Ayres Britto, entendeu que também nos pleitos majoritários aplicar‑se‑ia a regra da fidelidade partidária�

Poucos dias depois, em 25-10-2007, aquela Corte Superior Eleitoral editou a Resolução nº 22�610/2007, tomando como fundamento o art� 23, XVIII, do Código Eleitoral, e a necessidade de observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26�602, 26�603 e 26�604�

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Em seguida, a Resolução 22�610/2007 do TSE foi questionada quanto à sua constitucionalidade perante o STF no bojo das ações diretas nos 3�999/DF e 4�086/DF, ambas de relatoria do Min� Joaquim Barbosa� A primeira de autoria do Partido Social Cristão (PSC), e a segunda ajuizada pelo Procurador‑Geral da República�

No julgamento das ADIs 3�999/DF e nº 4�086/DF, o Plenário da Corte, por maioria, vencidos o Min� Eros Grau e Marco Aurélio, assentou que a atuação do TSE seria medida urgente e indispensável para proteção do direito reconhecido pelo STF aos partidos até que a disciplina legislativa conformasse a matéria� Em seu voto, o Min� Relator Joaquim Barbosa consignou que “a demarcação do âmbito de atividade do Legislativo deve ser sensível às situações extraordinárias, marcadas pela necessidade de proteção de um direito que emana da própria Cons-tituição”� Para concluir que “a atividade normativa do TSE recebe seu amparo da extraordinária circunstância de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a fidelidade partidária como requisito para permanência em cargo eletivo e a ausência expressa de mecanismo destinada a assegurá-lo” (trecho do voto do Min� Joaquim Barbosa, ADI nº 3�999, Plenário, j� 12‑11‑2008, DJe‑071 de 16‑4‑2009)�

Como dito, a análise feita pelo Tribunal cingiu‑se a aspectos meramente for‑mais, circunstância que autoriza o (novo) debate agora por um viés material, de sorte a perquirir a validade da extensão da regra da fidelidade partidária a pleitos majoritários� É o que passo a examinar no próximo tópico� Antes, porém, convém estabelecer algumas premissas teóricas que irão conduzir minhas conclusões�

III. Premissas Teóricas: sistemas eleitorais proporcional e majoritário, soberania popular e fidelidade partidária

No sistema eleitoral brasileiro, convivem, em relativa harmonia, o modelo proporcional e o majoritário, cada qual comportando regra de decisão e repre-sentatividade próprias� No sistema proporcional, utilizado nas eleições para deputados federais, estaduais, distritais e vereadores, são eleitos os candidatos ou partidos que alcançarem um determinado número de votos (n), o que sig‑nifica que um partido consegue tantos mandatos quantas vezes seu número total de votos contiver n (SILVA, Virgílio Afonso� A inexistência de um sistema eleitoral misto e suas consequências na adoção do sistema alemão no Brasil)� Aqui, a unidade fundamental é o partido político1, na medida em que a distribuição

1 A expressão partido político será utilizada em sua acepção ampla, de modo a abarcar também as Coligações.

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das cadeiras é proporcional aos votos atribuídos à lista partidária (NICOLAU, Jairo� Sistemas Eleitorais� 6ª ed� FGV: Rio de Janeiro� p� 47)�

Já no majoritário, a regra de decisão reclama que o vencedor da eleição é aquele candidato que obtiver a maioria, absoluta ou relativa, dos votos válidos� Trata‑se de modelo aplicável em pleitos para Presidente da República, Gover‑nadores de Estado e do Distrito Federal, Prefeitos e Vereadores�

Por outro lado, sob o enfoque de representatividade (ou princípio represen-tativo), o sistema proporcional procura refletir tanto quanto possível, no Con‑gresso Nacional, a heterogeneidade e o pluralismo existentes na sociedade, em especial para “viabilizar a presença de correntes minoritárias de pensamento no âmbito do Parlamento.” (passagem do voto do Ministro Celso de Mello no MS nº 26�603/DF), ao passo que o princípio majoritário objetiva simplesmente formar uma maioria partidária, ou, fazendo uma pequena adaptação da frase do romance Quincas Borba, “ao vencedor, tudo”2�

No julgamento dos mandados de segurança nº 26�602, 26�603 e 26�604, a “imposição sistêmica do mecanismo constitucional da representação proporcio-nal” (expressão extraída do voto Min� Cézar Peluso, na Consulta nº 1�398/DF) foi um dos fundamentos determinantes para a construção da regra da fidelidade partidária�

Ao lado desse argumento, a Corte valeu‑se do desenho institucional engen‑drado pelo constituinte de 1988, que outorgou certa proeminência às agremia‑ções partidárias (e.g., filiação partidária como condição de elegibilidade, esta‑tuto constitucional dos partidos etc�)�

De fato, o construtivismo hermenêutico restou acertado� Como é sabido, no sistema proporcional, dificilmente um candidato obtém número de votos equi‑valente ou superior ao quociente eleitoral, i.e., número suficiente para garantir, por si, sua eleição� A maioria dos candidatos eleitos só conquista a vaga pela sistemática de redistribuição de votos no interior do partido� A rigor, esses can‑didatos eleitos, embora tendo obtido votações nominais em proporção inferior ao quociente, conquistam sua vaga beneficiando‑se dos votos partidários: (i) os votos excedentes dos candidatos que alcançaram o quociente eleitoral, (ii) os votos dos candidatos partidários que não são eleitos e (iii) os votos conferidos à legenda partidária (ou coligação)� Em nosso modelo proporcional (de lista aberta), há necessariamente o compartilhamento de votos entre candidato e partido, notadamente porque a redistribuição de votos no interior do partido

2 A expressão original é “Ao vencedor, as batatas”.

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é insuscetível de controle pelo cidadão‑eleitor� Este, quando do exercício do ius suffragii vota não apenas no candidato mas também, como decorrência de nossa regra de decisão, no partido político�

Justamente por essa razão, o dever de observância à soberania popular, sem que haja qualquer ultraje ao modelo proporcional tal como erigido pelo legis‑lador, perpassa a fortiori pela imposição da regra de fidelidade partidária, nos exatos termos em que definidos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral� Em termos mais claros: o fato de o candidato não depen‑der única e exclusivamente dos votos a ele atribuídos para vencer as eleições transfere ao partido político a titularidade do mandato, autorizando o reco‑nhecimento da perda do mandato em caso de desfiliação partidária sem justa� Em suma: foi a força partidária que o elegeu, razão por que é o partido, e não o candidato eleito, que titulariza o mandato�

Essa lógica, todavia, não é aplicável ao sistema majoritário� Diversamente do modelo proporcional, o sistema majoritária não empresta papel de destaque às agremiações partidárias� Ao revés, existe maior protagonismo do candidato, na medida em que o eleitor procede à escolha do seu voto através de qualidade políticas subjetivas do postulante (BONAVIDES, Paulo� Ciência Política� 16ª ed� São Paulo: Malheiros� p� 266)� Com efeito, o modelo majoritário tende a fortalecer e a valorizar a figura pessoal do candidato em detrimento da imagem institu‑cional do partido� Ninguém ousaria discordar que os eleitores da Presidente Dilma ou do concorrente Aécio Neves escolheram a pessoa, e não o partido a cujos quadros eles integram� É dizer: descritivamente, o candidato, nas eleições majoritárias, é mais importante do que os partidos políticos3�

Por reconhecer essa personificação na competição eleitoral majoritária, e que inexiste no proporcional, que se deve interditar, a meu sentir, a aplicação da racionalidade subjacente ao imperativo de fidelidade partidária, nas hipóteses de filiação partidária� Aqui, inclusive, a extensão da regra fidelidade partidária, nos pleitos majoritários, importa em vulneração da soberania popular� O eleitor votou no titular da chapa, e não no vice ou nos suplentes� Em verdade, não raro sequer se conhecem os demais integrantes da chapa� Daí que, caso se entenda

3 Perfilhando similar entendimento, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que “o elemento pessoal continua a pesar e não raro a preponderar. Mormente hoje, quando os meios de comunica-ção de massa valorizam as personalidades em detrimentos das ideias. No Brasil, especialmente, é generalizado o desapreço pelos programas partidários, visto como mero blábláblá que ninguém, inclusive os candidatos, leva a sério. A política brasileira é uma disputa personalista; vale mais o candidato que o partido.” (Curso de Direito Constitucional. 31ª Ed. São Paulo: Saraiva, p. 126).

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que a desfiliação de um candidato eleito para Senador, por exemplo, acarretar a perda do mandato, estar‑se‑ia desprezando a legítima vontade do eleitor�

Nestas hipóteses, a vontade do povo por um candidato individual seria tão cristalina que determinar a perda do seu mandato pela troca de partido configuraria inquestionável afronta à soberania popular, representando censurável atuação contramajoritária�

Não bastasse isso, o art� 17, §1º, da CRFB também milita em favor da procedên‑cia dos pedidos deduzidos nesta ação direta� Com efeito, referido dispositivo faz expressa referência à fidelidade partidária, mas remete sua disciplina aos esta‑tutos dos partidos� Isso sugere, sem poder‑se inferir nada além, que a desfiliação partidária injustificada teria consequências jurídicas confinadas apenas e tão somente ao âmbito interno da agremiação, sem qualquer repercussão sobre a titularidade do mandato eletivo� Pensamento oposto, chancelando a perda do mandato nestes casos, ensejaria efeitos externos que não encontram lastro no texto constitucional: os reflexos de eventual desfiliação, aqui, são meramente internos, i.e., impactam tão só a relação entre o filiado e o partido político�

E concluo que “a extensão da regra da fidelidade partidária nos pleitos majo-ritários importa inequívoca vulneração da soberania popular”�

Com esses fundamentos que aqui constam, acompanho o brilhante voto do Ministro Luís Roberto�

VOTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Também reitero os encô‑mios feitos ao Excelente voto apresentado agora pelo Ministro Barroso, que foi acompanhado pela unanimidade, inclusive por mim, e, claro, não vou repetir todos os argumentos que já foram, com muito brilho, desfiados pelos meus cole‑gas que me antecederam, mas gostaria de salientar um aspecto interessante que consta do parecer do eminente Procurador‑Geral da República: que levar às últimas consequências a conclusão da Corte aplicada ao sistema proporcio‑nal levaria a criarmos uma nova hipótese de perda de mandato não prevista no art� 55 da Constituição� E, além disso, configuraria uma ofensa a uma das características mais expressivas do sistema majoritário: a imediatidade da rela‑ção entre os eleitores e o eleito, coisa que não ocorre no sistema proporcional, onde a tônica é a mediação desta relação entre eleitores e eleito por um partido político� Daí a conclusão que tomamos nos mandados de segurança quanto à perda de mandato�

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ADI 5.081

Então, acompanho integralmente o doutíssimo voto do Ministro Roberto Barroso�

EXTRATO DE ATA

ADI 5�081/DF — Relator: Ministro Roberto Barroso� Requerente: Procurador‑‑geral da República� Interessado: Tribunal Superior Eleitoral�

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conhe‑ceu da ação e julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconsti‑tucionalidade, quanto à Resolução 22�610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, do termo “ou o vice”, constante do art� 10; da expressão “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário”, constante do art� 13, e para conferir interpretação conforme à Constituição ao termo “suplente”, constante do art� 10, com a finalidade de excluir do seu alcance os cargos do sistema majoritário� Fixada a tese com o seguinte teor: “A perda do mandato em razão da mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sis‑tema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor”� Falou, pelo Ministério Público Federal, o Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador‑Geral da República� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso� Procurador‑Geral da República, Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros�

Brasília, 27 de maio de 2015 — Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Assessora‑‑Chefe do Plenário�

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AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 16.619 — SC

Relator: O sr. ministro Edson FachinAgravante: Município de FlorianópolisAgravado: Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de FlorianópolisInteressada: Adelaide da Silva Jardim

AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO� DIREITO TRIBUTÁRIO� ISS� SERVIÇOS DE REGISTROS NOTARIAIS E CARTORÁRIOS� ADI 3�089� PERTI‑NÊNCIA TEMÁTICA� TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES�

1� É improcedente a reclamação que trate de situação que não guarda relação de estrita pertinência com o parâmetro de controle�

2� A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de ser incabível reclamação fundada na teoria da transcen‑dência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante�

3� Agravo regimental a que se nega provimento�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator�

Brasília, 6 de outubro de 2015 — Edson Fachin, Relator�

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RELATÓRIO

O sr. ministro Edson Fachin: Trata‑se de agravo regimental em reclamação interposto em face de decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski, meu antecessor na relatoria do feito, cujo teor reproduz‑se a seguir:

“Trata‑se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta pelo Muni‑cípio de Florianópolis/SC, contra sentença proferida, em 3‑9‑2013, pela 3ª Vara da Fazenda Pública de Florianópolis (Comarca da Capital) nos autos da Ação Ordinária 0041611‑98�2012�8�24�0023, ajuizada por Adelaide da Silva Jardim�

O reclamante alega, em síntese, que o entendimento firmado no referido deci-sum desrespeitou a autoridade da decisão proferida pelo Plenário desta Corte no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3�089/DF, Redator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, uma vez que declarou a inexistência de relação jurídica tributária entre o ora reclamante e a autora da ação no Juízo de origem, afastando, assim, a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) nos serviços notariais e registrais�

Aduz que o órgão judiciário reclamado confirmou a tese da autora, ora inte‑ressada, no sentido de que a decisão proferida por esta Corte na ADI 3�089/DF não tem o poder de desconstituir relação jurídica já sedimentada, uma vez que

“estaria amparada por decisão judicial transitada em julgado, prolatada em sede de mandado de segurança coletivo (autos Nº 2005.026027-8), através da qual, mediante declaração incidental de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Municipal que instituíram a exação sobre os serviços em tela (art. 247, itens 21 e 21.01 da Lei Complementar Municipal Nº 007/2007 [sic] – Consolidação Munici-pal das Leis Tributárias), foi afastada a possibilidade de exigência do tributo”�

Narra que,“amparado pela nova situação fático-jurídica advinda após a decisão proferida por esta Corte nos autos da ADI 3089, limitou-se a efetuar o lançamento de ISS sobre fatos geradores ocorridos posteriormente à referida decisão, surgidos, ressalte-se, no contexto de relação jurídica de trato sucessivo ou continuativo”�

Alega que, no caso de relação jurídica de prestação continuada ou sucessiva,“o superveniente efeito vinculante em sentido contrário de provimento judicial em controle abstrato de constitucionalidade inibe os efeitos futuros de relação jurí-dica firmada em julgado anterior, independentemente da rescisão da sentença”�

Afirma que o decisum reclamado descumpriu a decisão desta Corte na ADI 3�089/DF, dotada de efeitos erga omnes e eficácia vinculante, “a qual sepultou eventuais dúvidas sobre a constitucionalidade da incidência de ISS sobre serviços notariais e de registros públicos”�

Acrescenta que, “reconhecida a constitucionalidade da previsão genérica cons-tante da lei complementar federal, não se pode chegar a outra conclusão no que toca à lei complementar municipal”�

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Sustenta que a decisão proferida em sede de controle concentrado de consti‑tucionalidade configura circunstância jurídica nova, para fins de aplicação do art� 471, I, do Código de Processo Civil�

Aponta, ainda, o teor da Súmula 239 do STF, no sentido de que “decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”�

Aduz, mais, que“ofensa à coisa julgada haveria se o Município de Florianópolis pretendesse efetuar a cobrança do tributo em relação a fatos geradores ocorridos anterior-mente à aludida decisão do STF, período indiscutivelmente protegido pela efi-cácia vinculante da coisa julgada. Neste caso, a exigência da exação, de fato, somente poderia ser legitimada mediante ação rescisória fundada no art. 485, inciso V do CPC”�

Afirma que estão presentes os requisitos que ensejariam a concessão da medida liminar, pugnando pela sua concessão para “cassar imediatamente” a decisão reclamada�

No mérito, requer, mais uma vez, a cassação da sentença ora atacada�É o relatório necessário�Decido�Bem examinados os autos, verifico que a pretensão não merece acolhida, pois o

pedido formulado não se enquadra em nenhuma das duas hipóteses permissivas inscritas no art� 102, I, l, da Constituição Federal, ou seja, não se objetiva preservar a competência desta Corte, tampouco garantir a autoridade de suas decisões�

Isso porque esta reclamação utiliza como paradigma o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3�089/DF, Redator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, cuja ementa transcrevo:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE.

Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21�1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN�

Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, por-quanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º, da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados.

As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art� 150, § 3º, da Constituição�

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O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva�

A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de enti‑dades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequí‑voco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados�

Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos con‑cedidos e a não tributação das atividades delegadas�

Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.”Naquela assentada, o Plenário desta Casa julgou improcedente a ação para

declarar a constitucionalidade dos itens 21 e 21�1 da Lista Anexa à Lei Comple‑mentar 116/2003�

No entanto, a sentença reclamada fundamenta‑se na existência de coisa jul‑gada em relação a acórdão prolatado pela 2ª Câmara de Direito Público do Tri‑bunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que, ao julgar a Apelação Cível no Mandado de Segurança Coletivo 2005�026027‑8, negou provimento ao recurso do ora reclamante e declarou, incidentalmente, “a inconstitucionalidade da Lei Complementar do Município de Florianópolis n. 126/03, itens 21 e 21.01” (grifei)� Transcrevo, por oportuno, os fundamentos adotados pelo Juízo de 1º Grau para decidir a questão:

“A autora, não há dúvida, foi beneficiada por mandado de segurança coletivo. Lá se assentou que o ISS não se justifica perante sua atividade registrária.

O acórdão do TJSC teve esta ementa:PROCESSUAL CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – ART� 1º DA LEI N� 1�533/51 –

CABIMENTO‘É cabível mandado de segurança contra lei tributária capaz de produzir

efeitos concretos na esfera patrimonial dos contribuintes, o que afasta a aplicação da Súmula 266/STF’ (REsp n� 56096, Ministra Eliana Calmon)�

TRIBUTÁRIO – ISS SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS – INCONSTITUCIONALIDADE – DECLARAÇÃO INCIDENTAL – PRONUNCIAMENTO DO PLENÁRIO DO TJ/SC

‘A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos ser‑viços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando‑se como taxas remuneratórias de serviços público [���]� A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando‑se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público’ (ADI 1�378 MC/ES, Min� Celso de Mello)�

É inconstitucional a cobrança do ISS sobre serviços notariais e regis‑trais porque não há como incidir imposto sobre os referidos serviços que já são remunerados mediante taxa� (MS 2005�026027‑8, rel� Des� Luiz Cézar Medeiros)

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Depois, é certo, em controle abstrato de constitucionalidade, o STF reco‑nheceu a validade da imposição fiscal�

Essa decisão, porém, não tem o poder de desconstituir relações jurídicas já sedimentadas:

‘Assim considerado o termo a quo do efeito vinculante, explica-se por que as decisões tomadas em ações de controle concentrado não produzem a automática desconstituição das relações jurídicas anteriores a elas contrárias. Para que se desfaçam tais relações, notadamente quando afirmadas por sentença judicial, é insuficiente a sentença proferida no âmbito do controle abstrato. Em outras palavras: não basta que sejam situações incompatíveis com a Constituição; é indispensável que essa incompatibilidade seja também reconhecida por ato estatal específico, com força vinculativa, ato esse que, nas situações examinadas, não exis-tia à época em que as referidas relações jurídicas foram constituídas. O efeito vinculante da sentença no controle concentrado foi-lhes super-veniente. Por outro lado, a natureza objetiva do processo, no qual não figuram partes nem se levam em consideração relações jurídicas ou direi-tos subjetivos, importa a consequência de inviabilizar, nele mesmo, em regra, a adoção de providências de natureza executiva. Não é processo com caráter satisfativo, ‘não legitima, em face de sua natureza mesma, a adoção de quaisquer providências satisfativas tendentes a concretizar o atendimento de injunções determinadas pelo Tribunal. Em uma pala-vra: a ação direta não pode ultrapassar, sob pena de descaracterizar-se como via, que se traduzem na exclusão, do ordenamento estatal, dos atos incompatíveis com o texto da Constituição’. Essa a jurisprudência antiga do Supremo Tribunal Federal, que, em linhas gerais, permanece aplicável, no que se refere às situações jurídicas constituídas em data anterior ao julgamento da ação de controle abstrato.

Indaga-se, por isso, sobre o modo de dar cumprimento ao julgado. Publi-cada no Diário Oficial da União, a sentença de mérito na ação de controle concentrado assume eficácia erga ommes, cabendo aos interessados pro-mover o ajustamento das situações anteriores com ela incompatíveis. Se isso não ocorrer de forma espontânea e extrajudicial, faculta-se, a quem se sentir prejudicado, além de invocar o tema como matéria de defesa, tomar a iniciativa de promover ação própria a fim de obter, por sentença e, se for caso, por execução forçada, o reconhecimento do seu direito e as providências necessárias ao referido ajustamento. Utilizará, para tanto, entre as vias comuns ordinárias, a que for adequada à peculiaridade da ameaça ou da lesão imposta a seu direito, deduzindo o correspondente pedido de tutela jurisdicional, declaratório, constitutivo, condenatório, executivo ou mandamental. Tal demanda se submete aos pressupos-tos processuais e às condições próprias de qualquer outra, inclusive no que se refere a prazos prescricionais. O que a distingue das demais é,

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unicamente, o efeito vinculante a que esta sujeito o juiz que a apreciar: o julgamento do mérito do pedido, nesse caso concreto, deverá ser compa-tível com a sentença da ação proferida na ação de controle concentrado.

Pode ocorrer que, quando do advento da sentença no controle abs‑trato, já esteja em curso demanda individual com matéria jurídica semelhante� Nesse caso, cumpre ao órgão jurisdicional competente, seja em primeiro grau, seja em grau de recurso, decidi‑la em conformi‑dade com o conteúdo daquela sentença, atendendo o efeito vinculante que dela decorre�

É possível que a situação jurídica concreta tenha sido objeto de sentença individual já transitada em julgado. Sobrevindo sentença em sentido contrário na ação de controle concentrado, o ajustamento e a compati-bilização do direito subjetivo terão de ser promovidos por ação rescisó-ria, tema que é objeto de análise em capítulo próprio. Esgotado o prazo decadencial dessa ação, a situação jurídica objeto da sentença individual restará consolidada e insuscetível de ajustamento. É situação em que a declaração, com efeitos ex tunc, de validade ou invalidade da norma não produzirá, na prática, nenhum efeito concreto, nomeadamente em se tratando de relação jurídica de prestação instantânea. Porém, se a sentença do caso concreto tratou de relação jurídica de prestação conti-nuada ou sucessiva, o superveniente efeito vinculante em sentido contrá-rio do provimento judicial em controle abstrato inibirá os efeitos futuros daquela relação jurídica, independentemente da rescisão da sentença. A eficácia das sentenças nas relações de trato sucessivo e a ação rescisó-ria em matéria constitucional são temas objeto de análise em capítulos específicos.’ (Teori Albino Zavascki, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, RT, 2001, n. 2.8.2, p. 55-56)

Assim, julgo procedente o pedido para declarar a inexistência de relação tri-butária entre a autora e anular o lançamento” (grifos no original)�

Como se vê, o que se decidiu por ocasião do julgamento da ADI 3�089/DF não alcança o caso concreto, porquanto não foi objeto de análise por esta Corte a Lei Complementar 126/2003 do Município de Florianópolis, que deu nova reda‑ção à Lei Complementar Municipal 7/1997, mas tão somente dispositivos da Lei Complementar 116/2003�

Como bem observado pela Ministra Cármen Lúcia na decisão proferida na Rcl 10�548/CE, no direito brasileiro “ainda prevalece o entendimento de que declara-ção judicial de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade circunscreve-se à norma específica, e não à matéria”�

Ressalto, nessa linha, que o Plenário desta Corte manifestou‑se contrariamente à chamada “transcendência” ou “efeitos irradiantes” dos motivos determinan‑tes das decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas, como se depreende da ementa da Rcl 3�014/SP, Rel� Min� Ayres Britto:

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“RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. ALEGADO DESRESPEITO AO ACÓRDÃO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.868. INEXISTÊNCIA. LEI 4.233/02, DO MUNI-CÍPIO DE INDAIATUBA/SP, QUE FIXOU, COMO DE PEQUENO VALOR, AS CONDENAÇÕES À FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL ATÉ R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). FALTA DE IDEN-TIDADE ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O ACÓRDÃO PARADIGMÁTICO.

1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.868, examinou a validade constitucional da Lei piauiense 5.250/02. Diploma legislativo que fixa, no âmbito da Fazenda estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Por se tratar, no caso, de lei do Município de Indaiatuba/SP, o acolhimento do pedido da reclamação demandaria a atribuição de efeitos irradiantes aos motivos deter-minantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. Tese rejeitada pela maioria do Tribunal.

2� Inexistência de identidade entre a decisão reclamada e o acórdão paradig‑mático� Enquanto aquela reconheceu a inconstitucionalidade da Lei municipal 4�233/02 ‘por ausência de vinculação da quantia considerada como de pequeno valor a um determinado número de salários mínimos, como fizera a norma constitucional provisória (art� 87 do ADCT)’, este se limitou ‘a proclamar a possibilidade de que o valor estabelecido na norma estadual fosse inferior ao parâmetro constitucional’�

3� Reclamação julgada improcedente”�Por fim, a jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que a reclamação

não pode ser utilizada como sucedâneo de recurso ou de ação rescisória�Assim, diante da ausência de identidade material entre os fundamentos do

ato reclamado e o que foi efetivamente decidido na ação direta de inconstitu‑cionalidade apontada como paradigma, não merece seguimento a pretensão do reclamante�

Destaco, ainda, que o Plenário desta Casa reconheceu a validade constitucional da norma legal que inclui na esfera de atribuições do relator a competência para negar seguimento, por meio de decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando inadmissíveis, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante deste Tribunal�

Nesse sentido, nos termos do art� 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, poderá o relator

“negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, impro-cedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, limi-narmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil”�

Isso posto, nego seguimento a esta reclamação (RISTF, art� 21, § 1º), ficando prejudicado, por conseguinte, o exame do pedido de medida liminar�

Publique‑se�”

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Nas razões do agravo, sustenta‑se que o STF, ao julgar a ADI 3�089, reconheceu “a constitucionalidade da incidência do ISS sobre serviços notariais e de registros públicos” (eDOC 7, p� 3)�

Alega‑se, ainda, que a Lei Complementar 126/06 teve a inconstitucionalidade reconhecida pelo juízo reclamado, uma vez que reproduziu texto idêntico ao da Lei Complementar Federal 116/03, objeto da ADI 3�089�

Pugna‑se, portanto, pela impossibilidade de se ter entendimento diverso na interpretação de legislações análogas, ainda que editadas por entes federativos diversos�

É o relatório�

VOTO

O sr. ministro Edson Fachin (Relator): Verifica‑se que não assiste razão à parte Agravante�

A parte insurgente não trouxe novos argumentos com aptidão suficiente para infirmar a decisão ora agravada�

A reclamação é o instrumento previsto pela Constituição Federal, em seu art� 102, I, “l”, para a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal e garantia da autoridade de suas decisões� Nesse último caso, a decisão deve ter sido proferida com efeitos vinculantes ou prolatada no caso concreto�

A partir da vigência da Emenda Constitucional 45/04, também passou a ser cabível o ajuizamento de reclamação por violação de Súmula Vinculante (art� 103‑A, § 3º, da CF/88)�

Nesse sentido, tem‑se como requisito indispensável para o cabimento de reclamação a relação de pertinência estrita entre o ato reclamado e o parâme‑tro de controle, não sendo possível a sua utilização como sucedâneo recursal�

Confiram‑se, a propósito, os seguintes precedentes: Rcl 7�082 AgR, Rel� Min� Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 11�12�2014; Rcl 11�463 AgR, Rel� Min� Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 13�02�2015; Rcl 15�956 ED, Rel� Min� Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 05�03�2015; Rcl 12�851 AgR‑segundo, Rel� Min� Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 26�03�2015�

Ao apreciar a ADI 3�089, esta Corte concluiu pela incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) nos serviços notariais e registros públicos, pois declarou constitu‑cional os itens 21 e 21�1 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, em acórdão que restou assim ementado:

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“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE� CONSTITUCIONAL� TRIBUTÁRIO� ITENS 21 E 21�1� DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003� INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS� CONSTITUCIONALIDADE� Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21�1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN� Alegada violação dos arts� 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão somente sobre a prestação de serviços de índole privada� Ademais, a tributação da pres‑tação dos serviços notariais também ofenderia o art� 150, VI, a e §§ 2º e 3º, da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados� As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os res‑pectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art� 150, § 3º, da Constituição� O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva� A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particula‑res que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados� Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não tributação das atividades delegadas� Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente�”

Dessa forma, ao julgar apelação e manifestar‑se pela inconstitucionalidade incidental da Lei Complementar Municipal 216/2006, o ato reclamado tratou de matéria estranha ao decidido na ADI 3�089�

Assim, a presente reclamação é incabível, por tratar de situação que não guarda relação de pertinência estrita com o parâmetro de controle�

Veja‑se o seguinte julgado:

“Agravo regimental na reclamação� Ausência de identidade de temas entre o ato reclamado e a ADI nº 4�389/DF‑MC� Agravo regimental não provido� 1� É necessário haver aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo da decisão paradigmática do STF para que seja admitido o manejo da reclamatória constitucional� 2� Por atribuição constitucional, presta‑se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art� 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação das súmulas vinculantes (art� 103‑A, § 3º, CF/88)� 3� Agravo regimental não provido�” (Rcl 15�789, Rel� Min� Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 03�04�2014)

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Cito também os seguintes precedentes: Rcl 17�217, Rel� Min� Ricardo Lewan‑dowski, DJe de 24�04�2014; Rcl 21�002 ED, Rel� Min� Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 14�09�2015; Rcl 20�063 AgR, Rel� Min� Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 10�08�2015�

Na verdade, a parte ajuizou a presente reclamação com base em fundamen‑tos presentes na argumentação do voto do Ministro Relator, contudo a juris‑prudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser incabível o presente remédio processual, quando ele estiver fundado na transcendência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante, uma vez que esse efeito abrange apenas a parte dispositiva do julgado�

A esse respeito, confiram‑se os seguintes julgados:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO� CONCURSO PÚBLICO� AFRONTA À ADI 2�602� INOCORRÊNCIA� INTRANSCEDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES� 1� No julgamento da ADI 2�602, este Tribunal declarou a inconstitucionalidade do Pro‑vimento nº 55/2001 do Corregedor‑Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, que previa a sujeição de notários e registradores à regra de aposentadoria com‑pulsória dos servidores públicos (art� 40, II, da CRFB/1988)� 2� No caso, impugna‑‑se ato de comissão de concurso público que concluiu, para o fim de valoração de títulos, estar contido no conceito de cargo de carreira jurídica o exercício de atividades notariais e de registro� 3� A eficácia vinculante dos acórdãos proferidos em processos de controle concentrado de constitucionalidade abrange apenas o objeto da ação� Inaplicabilidade da transcendência dos motivos determinantes� Precedentes� 4� Agravo regimental ao qual se nega provimento�” (Rcl 4�454 AgR, Rel� Min� Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 17�3�2015)

“AGRAVO REGIMENTAL� RECLAMAÇÃO� ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO POR ESTA CORTE NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 3�715/TO, 1�779/PE e 849/MT� AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL� AGRAVO DESPROVIDO� I – A jurisprudência desta Corte é contrária à chamada “transcendência” ou “efei‑tos irradiantes” dos motivos determinantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas� Precedentes� II – O ato reclamado não guarda identidade material com as decisões apontadas como supostamente afrontadas� III – A reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo ou substitutivo de recurso próprio� Precedentes� IV – Agravo regimental a que se nega provimento� (Rcl 11�484 AgR, Rel� Min� Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 15�8�2014)

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Rcl 16.619 AgR

No mesmo sentido, vejam‑se os seguintes feitos: Rcl 2�916 AgR, Rel� Min� Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 19�08�2014; Rcl 18�634 AgR, Rel� Min� Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 20�11�2014; Rcl 10�125 AgR, Rel� Min� Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 06�11�2013; Rcl 2�107 AgR, Rel� Min� Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 02�09�2014; Rcl 4�818 AgR, Rel� Min� Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 03�06�2014; Rcl 11�478 AgR, Rel� Min� Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 21�06�2012�

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental�

EXTRATO DE ATA

Rcl 16�619 AgR/SC — Relator: Ministro Edson Fachin� Agravante: Município de Florianópolis (Procurador: Procurador‑geral do Município de Florianópolis)� Agravado: Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Florianó‑polis (Advogado: sem representação nos autos)� Interessada: Adelaide da Silva Jardim (Advogados: Fabiano Henrique da Silva Souza e outros)�

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator� Unânime� Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber�

Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber� Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Roberto Barroso e Edson Fachin� Subpro‑curadora‑Geral da República, Dra� Cláudia Sampaio Marques�

Brasília, 6 de outubro de 2015 — Carmen Lilian Oliveira de Souza, Secretária da Primeira Turma�

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HABEAS CORPUS 127.900 — AM

Relator: O sr. ministro Dias ToffoliPacientes: Blenner Antunes Vieira

Maick Wander Santana de SouzaImpetrante: Defensoria Pública da UniãoCoator: Superior Tribunal Militar

Habeas corpus� Penal e processual penal militar� Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar (CPM, art� 290)� Crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar� Competência da Justiça Castrense configurada (CF, art� 124 c/c CPM, art� 9º, I, b)� Pacientes que não integram mais as fileiras das Forças Armadas� Irrelevância para fins de fixação da competência� Interrogatório� Realização ao final da instrução (art� 400, CPP)� Obrigatoriedade� Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei 11�719/2008, em detrimento do art� 302 do Decreto‑Lei 1�002/1969� Precedentes� Adequação do sistema acusatório democrático aos pre‑ceitos constitucionais da Carta de República de 1988� Máxima efetivi‑dade dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art� 5º, inciso LV)� Incidência da norma inscrita no art� 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso� Ordem denegada� Fixada orien‑tação quanto a incidência da norma inscrita no art� 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação

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especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado�

1� Os pacientes, quando soldados da ativa, foram surpreendidos na posse de substância entorpecente (CPM, art� 290) no interior do 1º Batalhão de Infantaria da Selva em Manaus/AM� Cuida‑se, por‑tanto, de crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar, o que atrai a competência da Justiça Castrense para processá‑los e julgá‑los (CF, art� 124 c/c CPM, art� 9º, I, b)�

2� O fato de os pacientes não mais integrarem as fileiras das Forças Armadas em nada repercute na esfera de competência da Justiça especializada, já que, no tempo do crime, eles eram soldados da ativa�

3� Nulidade do interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art� 302)�

4� A Lei 11�719/2008 adequou o sistema acusatório democrático, integrando‑o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucio‑nais da Carta de República de 1988, assegurando‑se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art� 5º, inciso LV)�

5� Por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constitui‑ção Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto‑‑Lei 1�002/1969), a regra do art� 400 do Código de Processo Penal�

6� De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art� 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sen‑tença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29‑7‑14�

7� Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art� 400 do Código de Processo Penal comum aplica‑se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os proce‑dimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do Senhor Ministro

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Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das notas taqui‑gráficas, por unanimidade de votos, em indeferir a ordem� Acordam, ademais, os Ministros, por maioria de votos, em modular a decisão, tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio�

Brasília, 3 de março de 2016 — Dias Toffoli, Relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Dias Toffoli: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Blenner Antunes Vieira e Maick Wander Santana de Souza, apon‑tando como autoridade coatora o Superior Tribunal Militar, que negou provi‑mento à Apelação nº 120‑30�2013�7�12�0012/AM�

Sustenta a impetrante, em linhas gerais, a incompetência da Justiça Militar para processar e julgar a ação penal à qual respondem os pacientes� Aduz, para tanto, que eles

“já não se encontram na condição de militares, pois já estão licenciados das Forças Armadas, sendo assim, entende‑se que a Justiça Penal Comum é a com‑petente para processar e julgar os pacientes, por ser esta justiça menos rigorosa do que a justiça castrense” (fl� 3 da inicial)�

Ainda sobre a questão, argumenta que,

“no momento em que a Administração Militar, considerou discricionária e des‑necessária a manutenção dos pacientes como militares, licenciando‑os, abriu mão também de puni‑los sob a legislação penal castrense, na medida em que só a esta interessa o acionamento do dispositivo castrense�

Não há como se admitir que os agora civis sejam submetidos à legislação penal militar se não mais militares, num regime de normalidade institucional�

Assim, mostra‑se descabida a aplicação de uma sanção penal militar aos ora pacientes que sequer estão na condição de militares, porquanto a lei penal comum é menos rigorosa e seria mais adequado aplicar a este caso concreto por ter sanção mais branda para o delito cometido pelos pacientes, e que tem a condição de civis neste momento” (fl� 3 da inicial)�

Alega, por fim, a nulidade do interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual, realizado na forma do art� 302 do Código de Processo Penal Militar�

Afirma a impetrante que o art� 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 11�719/2008, por melhor atender às garantias constitucionais do

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contraditório e da ampla defesa, deve também ser aplicado ao procedimento especial da Justiça Militar�

Requer o deferimento da liminar para suspender o julgado proferido pelo Superior Tribunal de Militar na Apelação nº 120‑30�2013�7�12�0012/AM� No mérito, pede a concessão da ordem para que seja reconhecida a incompetência da Jus‑tiça Castrense para processar e julgar os pacientes ou que seja determinada “a realização de ‘novo interrogatório’ ao final da instrução criminal para possibi‑litar ao paciente a contradição a todas as provas produzidas” (fl� 8 da inicial)�

Em 28‑4‑2015, deferi a liminar para suspender o andamento da Apelação nº 120‑30�2013�7�12�0012/AM à qual respondem os pacientes e solicitei informações à autoridade coatora, que foram devidamente prestadas�

O Ministério Público Federal, em parecer de lavra da Subprocuradora‑Geral da República Dra� Deborah Duprat, opinou pela denegação da ordem�

Diante da relevância da matéria e considerando que o tema relativo à inci‑dência do art� 400 do Código de Processo Penal não está pacificado na jurispru‑dência desta Corte, determinei, nos termos do art� 21, inciso XI, do Regimento Interno desta Corte, a remessa deste habeas corpus ao julgamento do Plenário�

É o relatório�

VOTO

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Conforme relatado, volta‑se a impetração contra ato do Superior Tribunal Militar, que negou provimento à Apelação nº 120‑30�2013�7�12�0012/AM�

Narra a impetrante, na inicial, que

“[o]s pacientes foram denunciados em 24 de setembro de 2013, pela prática do delito descrito no art� 290, caput, do CPM� Fato ocorrido em 13‑9‑2013� (fls� 67/72)�

No dia 19‑9‑2013, a DPU requereu o relaxamento da prisão em flagrante ou a concessão de liberdade provisória aos pacientes�

Em 24‑9‑2013 foi denegado o relaxamento da prisão ou a concessão de liberdade provisória e foi convertida a prisão em flagrante em prisão preventiva�

O STM deferiu a liminar em Habeas Corpus em 14‑10‑2013, expedindo alvará de soltura em favor dos pacientes�

A sentença foi proferida em 29‑7‑2014 e publicada em 6‑8‑2014, com fulcro no art� 290, caput, do CPM, à pena definitiva de 01 (um) ano de reclusão, com direito a apelarem em liberdade e o benefício da suspensão condicional da execução da pena – sursis – pelo prazo de dois anos�

A Defesa apelou da sentença, alegou‑se violação ao parágrafo 4º do art� 394 do CPP, e requereu a preliminar para anular o feito, ab initio, a partir do recebimento

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da denúncia, inclusive, a sentença recorrida, por entender que o interrogatório se constitui em último ato da instrução processual, e que a Justiça Militar da União é incompetente para processar o feito uma vez que os réus agora são civis, ou ainda a reforma da sentença para absolver os pacientes com base na aplicação do princípio da insignificância�

O MPM apresentou as contrarrazões ao apelo defensivo�O STM por unanimidade de votos conheceu e negou provimento ao apelo da

Defesa” (fl� 2 da inicial)�

Eis a ementa do acórdão proferido por aquela Corte Castrense:

“APELAÇÃO� DEFESA� POSSE DE ENTORPECENTE EM ÁREA SUJEITA À ADMI‑NISTRAÇÃO MILITAR� COMPETÊNCIA DA JMU PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO� INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DECORRENTE DA NÃO OBSERVÂN‑CIA DA LEI Nº 11�719/08� VALIDADE DO LAUDO PERICIAL SUBSCRITO POR UM ÚNICO PERITO� INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA�

1� Compete à Justiça Militar da União processar e julgar crimes relacionados à posse e ao uso de entorpecente em lugar sujeito à Administração Militar, com supedâneo no art� 9º, inciso I, do CPM�

2� As alterações trazidas pela Lei nº 11�719, de 20 de junho de 2008, não se apli‑cam à Justiça Militar da União� Ausência de demonstração do prejuízo sofrido pelos Apelantes�

3� É válido o laudo pericial subscrito por um perito oficial, principalmente quando o exame de corpo de delito for requisitado pela autoridade policial militar ou judiciária a institutos ou laboratórios oficiais civis, os quais seguem as regras do Código de Processo Penal� Inteligência do art� 318 do CPPM�

4� O porte de droga em local sob administração militar, independentemente da quantidade, compromete não só a segurança e a integridade física dos mem‑bros das Forças Armadas que, usualmente, portam armas letais, como atenta, também, contra os princípios basilares da hierarquia e da disciplina militares�

5� É inaplicável o Princípio da Insignificância ao delito de porte de substân‑cia entorpecente praticado em local sujeito à Administração Militar, conforme remansosa jurisprudência� Preliminares rejeitadas por unanimidade� Recurso conhecido e não provido� Decisão unânime” (fl� 275 do anexo 3)�

Essa é a razão pela qual se insurge a impetrante neste writ�No que concerne à alegada incompetência da Justiça Militar, anoto que os

pacientes, quando soldados da ativa, foram surpreendidos na posse de subs‑tância entorpecente (CPM, art� 290) no interior do 1º Batalhão de Infantaria da Selva em Manaus/AM� Cuida‑se, portanto, de crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar, o que atrai

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a competência da Justiça Castrense para processá‑los e julgá‑los (CF, art� 124 c/c CPM, art� 9º, I, b)�

Diga‑se, ademais, que o fato de os pacientes não mais integrarem as fileiras das Forças Armadas em nada repercute na esfera de competência da Justiça especializada, já que, no tempo do crime, eles eram soldados da ativa�

Nesse sentido, HC nº 117�179/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 7‑11‑2013:

“HABEAS CORPUS” – TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE OU SUBSTÂNCIA DE EFEITO SIMILAR (CPM, ART� 290) – ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR – DELITO PRATICADO, EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR, POR SOLDADO EM SITUAÇÃO DE ATIVIDADE – INTERPRETAÇÃO DO ART� 9º, II, “b”, DO CÓDIGO PENAL MILITAR – CRIME MILITAR PLENAMENTE CONFIGURADO – POSTERIOR EXCLUSÃO DO SERVIÇO ATIVO DAS FORÇAS ARMADAS – IRRELEVÂNCIA – CONDIÇÃO MILITAR DO AGENTE QUE DEVE SER AFERIDA NO MOMENTO EM QUE COMETIDO O DELITO – PRECEDENTES – PEDIDO INDEFERIDO�

Por outro lado, reconheço a plausibilidade jurídica dos argumentos relati‑vos à nulidade do interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art� 302)�

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a realização do interrogatório ao final da instrução criminal, prevista no art� 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 11�719/2008, também se aplica às ações penais em trâmite na Justiça Militar, em detrimento do art� 302 do Decreto‑Lei 1�002/1969� Confira‑se:

“HABEAS CORPUS� DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR� CRIME DE USO E POSSE DE ENTORPECENTE EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR (CPM, ART� 290)� ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL MILITAR (LEI 8�457/1992)� IMPROCEDÊNCIA� EXISTÊNCIA DE GARANTIAS PRÓPRIAS E IDÔNEAS À IMPARCIALIDADE DO JULGADOR� SIMETRIA CONSTITU‑CIONAL� ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVA DO FATO CRIMINOSO� COMPROVAÇÃO DO ILÍCITO POR LAUDO PERICIAL SUBSCRITO POR UM ÚNICO PERITO� VALIDADE� INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 361 DO STF� PERITO OFICIAL� PRECEDENTES� INTER‑ROGATÓRIO NAS AÇÕES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR� ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO� NOVA REDAÇÃO DO ART� 400 DO CPP� PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AÇÃO PENAL 528)� ORDEM CONCEDIDA�

1� A Lei 8�457/1992, ao organizar a Justiça Militar da União criando os Conse‑lhos de Justiça (art� 1º c/c art� 16) e confiando‑lhes a missão de prestar jurisdição criminal, não viola a Constituição da República ou a Convenção Americana de

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Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), porquanto assegura a seus respetivos membros garantias funcionais idôneas à imparcialidade do ofício judicante, ainda que distintas daquelas atribuídas à magistratura civil�

2� O Enunciado nº 361 da Súmula da Jurisprudência Dominante do Supremo Tribunal Federal não é aplicável aos peritos oficiais, de sorte que, na espécie, exsurge válido o laudo pericial assinado por um só perito da Polícia Federal� Precedentes do Supremo Tribunal Federal: HC 95�595, Relator(a): Min� EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 4‑5‑2010� HC 72�921, Relator(a): Min� CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 21‑11‑1995)�

3� O art� 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11�719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal, sendo certo que tal prática, benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais em trâmite perante a Justiça Militar, em detrimento do previsto no art� 302 do Decreto‑Lei 1�002/1969, como corolário da máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CRFB, art� 5º, LV), dimensões elementares do devido processo legal (CRFB, art� 5º, LIV) e cânones essenciais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art� 1º, caput)� Precedente do Supremo Tribunal Federal (Ação Penal 528 AgR, rel� Min� Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j� em 24‑3‑2011, DJe‑109 divulg� 7‑6‑2011)�

4� In casu, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército (5ª CJM) rejei‑tou, 27‑2‑2012, o requerimento da defesa quanto à realização do interrogatório do paciente ao final da sessão de julgamento, negando aplicação do art� 400 do Código de Processo Penal, o que contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal�

5� Ordem de habeas corpus concedida para anular os atos processuais praticados após o indeferimento do pleito defensivo e permitir o interrogatório do paciente antes da sessão de julgamento, com aplicação subsidiária das regras previstas na Lei 11�719/2008 ao rito ordinário castrense” (HC 115�530/PR, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 14‑8‑2013)�

Nesse sentido votei em caso levado à Primeira Turma:

“Habeas corpus� Penal e Processual Penal� Crime militar� Peculato‑furto� Artigo 303, § 2º, do Código Penal Militar� Nulidades� Reconhecimento pretendido� Paciente indultado� Afastamento, em caráter excepcional, da Súmula 695 do Supremo Tribunal Federal� Hipótese em que, além de subsistirem os efeitos secun‑dários da condenação, como a reincidência, o Superior Tribunal Militar, ao julgar a apelação do paciente, rejeitou a mesma preliminar de nulidade do processo suscitada na impetração� Inviabilidade de se relegar, para a revisão criminal, de competência da mesma Corte, a rediscussão da matéria, uma vez que sobre ela já se manifestou, por unanimidade� Necessidade de sua apreciação, desde logo, pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de ofensa ao princípio da proteção judicial efetiva (art� 5º, XXXV, CF)� Óbice processual ao conhecimento da impetração

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afastado� Testemunhas� Inquirição por carta precatória� Não apresentação de réu preso à audiência no juízo deprecado� Nulidade inexistente� Defesa do paciente que, apesar de intimada do ato, não requereu expressamente sua participação na audiência� Ausência de prejuízo, uma vez que as testemunhas nada de substancial trouxeram para a apuração da verdade processual� Presença do paciente no juízo deprecado que não teria o condão de influir nos depoimentos nem de alterar o seu teor� Precedentes� Interrogatório� Realização ao final da instrução (art� 400, CPP)� Obrigatoriedade� Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei nº 11�719/2008, em detrimento do art� 302 do Decreto‑Lei nº 1�002/1969� Precedentes� Nulidade absoluta� Prejuízo evidente� Subtração ao réu do direito de, ao final da instrução, manifestar‑se pessoalmente sobre a prova acusatória desfavorável e de, no exercício do direito de audiência, influir na formação do convencimento do julgador. Condenação� Anulação em sede de habeas corpus� Indulto� Subsistência dos seus efeitos, na hipótese de nova condenação� Impossibilidade de o writ agravar a situação jurídica do paciente� Vedação da reformatio in pejus. Ordem concedida” (HC 121�907/AM, de minha relatoria, DJe de 24‑10‑2014)�

Esse entendimento, todavia, não encontra ressonância na voz da Segunda Turma, que, em algumas oportunidades, decidiu que o regramento processual militar, em razão do princípio da especialidade, prevalece sobre o regramento processual comum� Confira‑se:

“Recurso ordinário em habeas corpus� 2� Lei processual penal militar� Especiali‑dade� 3� Interrogatório� Momento da realização� 4� Prevalece a norma processual penal militar diante do regramento comum, alterado pela Lei 11�719/2008, haja vista a previsão expressa existente na norma castrense� Precedentes� 5� Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento” (RHC 123�473/BA, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 6‑11‑2014);

“HABEAS CORPUS� CONSTITUCIONAL� PENAL� CRIME DE FURTO EM RECINTO CAS‑TRENSE� APLICAÇÃO DO RITO PREVISTO NA LEI 11�719/2008 COM A REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO� ART� 302 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR� NORMA ESPECIAL� PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE� ORDEM DENE‑GADA� 1� A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não se pode mesclar o regime penal comum e o castrense, de modo a selecionar o que cada um tem de mais favorável ao acusado, devendo ser reverenciada a especialidade da legislação processual penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação processual penal comum do crime militar devidamente caracterizado� Precedentes� 2� Se o paciente militar foi denunciado pela prática de crime de furto em recinto castrense, o procedimento a ser adotado é o do art� 302 e seguintes do Código de Processo Penal Militar� 3� Ordem denegada com revogação da liminar deferida” (HC 122�673/PA, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 1º‑8‑2014)�

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Como se verifica, a Segunda Turma, resolvendo a antinomia jurídica aparente entre as regras no mesmo plano hierárquico, adotou o critério da especialidade�

Entretanto, com as venias daqueles que pensam de modo diverso, reitero o entendimento que externei por ocasião do julgamento do HC 121�907/AM� Penso que a Lei 11�719/2008 adequou o sistema acusatório democrático, integrando‑o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando‑se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art� 5º, inciso LV)�

Nesse particular, por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Cons‑tituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto‑Lei 1�002/1969), a regra do art� 400 do Código de Processo Penal, devendo ser ressal‑tado que sua observância não traz, sob nenhuma hipótese, prejuízo à instrução nem ao princípio da paridade de armas entre acusação e defesa�

A meu ver, a não observância do CPP na hipótese acarreta prejuízo evidente à defesa dos pacientes, em face dos princípios constitucionais em jogo, pois a não realização de novo interrogatório ao final da instrução subtraiu‑lhes a possibilidade de se manifestarem, pessoalmente, sobre a prova acusatória coli‑gida em seu desfavor (contraditório) e de, no exercício do direito de audiência (ampla defesa), influir na formação do convencimento do julgador (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antônio� As nulidades do processo penal� 12� ed� São Paulo: Revista dos Tribu‑nais, 2011� p� 75�)�

Nas palavras de Juarez de Freitas, se a norma especial colidir, parcial ou totalmente, com o princípio superior, há de preponderar o princípio superior (A Interpretação Sistemática do Direito� 5� ed� São Paulo: Malheiros, 2010� p� 108�)�

Anoto, ademais, que, em detrimento do princípio da especialidade, o Supremo Tribunal Federal tem assentado a prevalência das normas contidas no Código de Processo Penal em feitos criminais de sua competência originária, que, como se sabe, são regidos pela Lei 8�038/1990� Cito, por exemplo, a AP 679 QO/RJ, DJe de 30‑4‑2013; e a AP 441/SP, DJe de 6‑6‑2012, ambas de minha relatoria�

Desse modo, não vejo óbice à incidência do art� 400 do Código de Processo Penal (com a redação dada pela Lei 11�719/2008) aos feitos penais militares, devendo ele, portanto, ser observado pela Justiça Castrense�

Todavia, de modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art� 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29‑7‑2014�

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Com essas considerações, voto pela denegação da ordem de habeas corpus e pela cassação da liminar anteriormente deferida�

Em vista das razões de meu voto e das substanciosas ponderações lançadas pelos membros da Corte durante os debates que acolho, proponho, como orien‑tação, que: a norma inscrita no art� 400 do Código de Processo Penal comum se aplique, a partir da publicação da ata deste julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, tenho convencimento diverso�Entendo que se define a controvérsia pelo princípio da especialidade� Há

regência específica do tema, no Código de Processo Penal Militar, e essa deve ser observada� A lei que cuidou da reforma do Código de Processo Penal não repercutiu quanto à disciplina no âmbito do processo penal militar�

Indefiro a ordem� É como voto�

VOTO

O sr. ministro Roberto Barroso: Presidente, em primeiro lugar, eu cumpri‑mento o eminente Defensor Público, que sempre se desempenha com grande proficiência e aplicação na tribuna, tanto aqui quanto na Turma�

Presidente, eu devo dizer que eu também acho melhor que o interrogatório seja ao final� E, portanto, eu acho que a mudança prevista na Lei 11�719, ao alterar o artigo 400 do Código de Processo Penal, houve‑se bem� Penso ser essa uma inovação positiva�

Porém, Presidente, eu me preocupo com o risco que uma decisão como a nossa possa ter sobre todos os processos que seguem rito especial, não apenas do Código de Processo Penal Militar, como também o da Lei de Drogas� E, por‑tanto, não gostaria de ser responsável pela deflagração de uma revisão ampla que permitisse tanto revisões criminais como ações que visem a anular deci‑sões já proferidas�

De modo que eu penso que essa decisão – embora eu concorde com o fundo da proposição do Ministro Toffoli e do ilustre Defensor – seria um pouco, como se diz na roça, “comprar nabos em saco”� A gente não sabe bem o que pode sair

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daí� E eu tenho muita preocupação com o impacto que isso possa ter sobre processos já transcorridos�

E aqui, Presidente, eu verifico que o legislador penal teria competência para modificar o Código de Processo Penal Militar, como teria também para modi‑ficar a Lei de Drogas, no mesmo pacote� E, portanto, se o legislador fez a opção de modificar apenas o procedimento comum, apenas o procedimento geral, eu acho que essa é uma opção legítima� Não considero que seja a melhor, mas considero que seja uma opção legítima� Eu até faria um apelo ao legislador para que, em momento próximo, modifique as leis especiais para permitir o interro‑gatório ao final, porque acho que isso é melhor� Porém, não ousaria dizer que todas as leis que dispuseram de maneira diferente são tacitamente revogadas e, de certa forma, eu teria que presumir uma inconstitucionalidade dessas Leis, o que pessoalmente não acho ser o caso, apenas acho que não é a melhor opção�

De modo, Presidente, que, primeiro, cumprimentando o Ministro Dias Toffoli por ter trazido a matéria a Plenário, porque a pior coisa que existe no Supremo é a existência de decisões contraditórias; se a Primeira Turma decide diferen‑temente da Segunda Turma, pior do que não ter a solução ideal é não ter uma solução uniforme� Só por isso já valeria ter trazido a matéria� Mas eu vou pedir vênia a Sua Excelência para, não propriamente reformando a minha opinião, porque acompanhei a jurisprudência da Primeira Turma, mas, expressando a opinião que me parece melhor, reconhecer, na linha da divergência que o Minis‑tro Marco Aurélio mais de uma vez capitaneou, que aqui se deve aplicar o prin‑cípio da especialidade, e consequentemente não vejo nulidade� Como também não veria nulidade se a autoridade militar optar pelo interrogatório ao final, como até acho melhor que faça, mas nulidade não gostaria de reconhecer aqui�

De modo que estou votando, com todas as vênias, em sentido divergente do Ministro Dias Toffoli e estou denegando a ordem�

VOTO (Antecipação)

O sr. ministro Edson Fachin: Senhor Presidente, eminente Relator, muito sucintamente, por igual, para seguir o exemplo de Sua Excelência, o Relator, quero inicialmente cumprimentar a análise sempre percuciente, que também se espraia neste voto do eminente Ministro Dias Toffoli� Examinei a matéria e proferi por escrito uma declaração de voto, mas que, em síntese, acompanha a conclusão de Sua Excelência, precisamente na direção que foi aqui apontada�

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Apenas trouxe e trago à colação dois aspectos a serem considerados� O pri‑meiro é que inseri também na fundamentação a não recepção, no meu modo de ver, pelos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, do artigo 302, em causa, do Código Processual Penal Militar� Permito‑me apenas rememorar, que é precisamente o texto que está no pano de fundo desta dis‑cussão, reza o artigo 302:

“Art� 302� O acusado será qualificado e interrogado num só ato, no lugar, dia e hora designados pelo juiz, após o recebimento da denúncia; e, se presente à ins‑trução criminal ou preso, antes de ouvidas as testemunhas�”

Tenho para mim que este dispositivo não está recepcionado, mas isso em nada altera o acompanhamento que estou a fazer da acutíssima conclusão de Sua Excelência, o Ministro Dias Toffoli�

O outro aspecto, Senhor Presidente, e foi ressaltado pelo ilustre defensor da tribuna, de que essa conclusão aplicar‑se‑á aos processos que estão em trâ‑mite� Expressei e reitero uma preocupação com os atos já praticados e com um mínimo de observância do postulado da segurança jurídica� Então, neste sen‑tido, permito‑me sugerir, reiterando que estou acompanhando o Relator, que se adote, em relação a esse pronunciamento, tendo em vista que ele poderá produ‑zir efeitos espraiados, uma eficácia ex nunc, ou seja, a contar deste julgamento�

Dito isso, e com essas pequenas achegas, acompanho Sua Excelência, o Relator�

VOTO

O sr. ministro Edson Fachin: Senhor Presidente, quanto à preliminar sobre a competência da Justiça Militar acompanho o eminente Relator�

No que diz respeito à aplicabilidade da regra do art� 400 do Código de Pro‑cesso Penal ao rito previsto no Código de Processo Penal Militar tenho com‑preensão ligeiramente diversa da manifestada pelo eminente Relator, a quem, embora o acompanhe quanto ao deferimento da ordem, peço vênia para expor meu ponto de vista�

Não há dúvida, sob a minha ótica, de que a realização do interrogatório do acusado após a oitiva das testemunhas tem como efeito maximizar as garan‑tias do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (art� 5º, LV e 5º, LVI, da Constituição da República)� Afinal, como é um ato de autodefesa, ao acusado se dá a oportunidade de esclarecer ao julgador eventuais fatos contra si relatados pelas testemunhas� Falando por último, o réu tem ampliada suas possibilidades de defesa�

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A questão que se impõe, então, é saber se a regra do art� 302 do Código de Processo Penal Militar, que prevê o interrogatório do acusado antes da oitiva das testemunhas é incompatível com a Constituição ou não�

Digo isso porque o art� 3º do Código de Processo Penal Militar admite a apli‑cação subsidiária das regras do processo penal comum apenas para os casos omissos� Quanto ao momento em que deva se proceder ao interrogatório do acusado não há omissão na lei especial que implique em complementação pela legislação comum�

Sendo assim, com a devida vênia de compreensões contrárias, não vejo como se possa, sem declarar a não recepção da regra especial que estabelece o inter‑rogatório como tendo lugar antes da oitiva das testemunhas, determinar‑se que se realize o interrogatório nos termos do que impõe a legislação processual penal comum�

Não desconheço que esta Suprema Corte já se manifestou sobre a possibili‑dade de se determinar o interrogatório do acusado após a oitiva das testemu‑nhas, mesmo quando presentes situações em que o rito preveja o interroga‑tório como o primeiro ato de oitiva e tem, inclusive, sufragado nos processos penais de sua competência originária, a despeito do disposto no art� 7º da Lei 8�038/1990, determinações dos eminentes pares que designam interrogatórios para o final da instrução�

Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL� INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF� ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO� NOVA REDA‑ÇÃO DO ART� 400 DO CPP� AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO�

I� O art� 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11�719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal�

II� Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais origi‑nárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art� 7º da Lei 8�038/1990 nesse aspecto� Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou�

III� Interpretação sistemática e teleológica do direito�IV� Agravo regimental a que se nega provimento�(Ação Penal 528 AgR, rel� Min� Ricardo Lewandowski, j� em 24‑3‑2011)�

Apenas a título de registro, no julgamento da Ação Penal 528 AgR, cuja ementa acima transcrevi, não se cogitou de se declarar a inconstitucionali‑dade do art� 7º da Lei 8�038/1990�

Há, também, como ressaltado pelo eminente Relator, julgados enfrentando a específica questão ora em julgamento, determinando que se aplique ao processo

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penal militar a regra do art� 400 do CPP� Nesse sentido, anoto os seguintes pre‑cedentes: HC 121�877, Rel� Min� Luiz Fux; RHC 126�848 MC, Rel� Min� Dias Toffoli; HC 121�907/AM, Rel� Min� Dias Toffoli; HC 126�080, Rel� Min� Rosa Weber, julgado em 12-2-2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 13-2-2015 PUBLIC 18-2-2015); HC 125.052 MC, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 20-11-2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 24-11-2014 PUBLIC 25-11-2014.

Com a devida vênia, cumpre ir além para saber a essência da questão quando em causa o procedimento especial previsto na Lei 11�343/2006, esta Suprema Corte tem se manifestado no sentido contrário, ou seja, tem dado relevo à regra especial do art� 57 da Lei de Drogas� Nesse sentido:

HABEAS CORPUS� PROCESSUAL PENAL� PACIENTE CONDENADO PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS SOB A ÉGIDE DA LEI 11�343/2006� PEDIDO DE NOVO INTERROGA‑TÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL� ART� 400 DO CPP� IMPOSSIBILIDADE� PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE� AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO� CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART� 33, § 4º, DA LEI 11�343/06� PREENCHI‑MENTO DOS PRESSUPOSTOS� QUESTÃO QUE DEMANDA REVOLVIMENTO DE ELE‑MENTOS FÁTICO‑PROBATÓRIOS� IMPOSSIBILIDADE� ORDEM DENEGADA� I – Se o paciente foi processado pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei 11�343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido nos arts� 54 a 59 do referido diploma legal� II – O art� 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que prevê o art� 400 do Código de Processo Penal� III – Este Tribunal assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, “a teor do art� 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC 85�155/SP, Rel� Min� Ellen Gracie)� IV – No tocante à incidência da causa de diminuição de pena prevista no art� 33, § 4º, da Lei 11�343/2006, as instâncias anteriores entenderam de modo diverso quanto ao preenchimento dos requisitos exigidos no referido diploma legal, de modo que a questão posta não é passível de ser decidida em sede de habeas corpus, por demandar o revolvimento de elementos fático‑probatórios� V – Ordem denegada� (HC 122�229, Rel� Min� Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 13‑5‑2014)�

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS� PROCESSUAL PENAL� PACIENTE PRO‑CESSADA PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS SOB A ÉGIDE DA LEI 11�343/2006� PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL� ART� 400 DO CPP� IMPOSSIBILIDADE� PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE� AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO� RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO� I – Se a

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paciente foi processada pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei 11�343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabe‑lecido nos arts� 54 a 59 do referido diploma legal� II – O art� 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento anterior à oitiva das teste‑munhas, diferentemente do que prevê o art� 400 do Código de Processo Penal� III – Este Tribunal assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, “a teor do art� 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disci‑plina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolu‑tas” (HC 85�155/SP, Rel� Min� Ellen Gracie)� IV – Recurso ordinário improvido� (RHC 116�713, Rel� Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 11‑6‑2013)�

1� Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo� 2� Processo Penal� 3� Momento do interrogatório nas ações penais relativas ao crime de tráfico ilí‑cito de entorpecentes� Adoção do procedimento previsto na Lei de Drogas (Lei 11�343/2006) ofenderia o art� 5º, LV, da CF (ampla defesa)� 4� Necessidade de rever interpretação da origem à legislação infraconstitucional� Providência vedada no âmbito do recurso extraordinário� Ofensa reflexa� 5� Rito especial da Lei n� 11�343/2006� O art� 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento, ocorrendo em momento anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que dispõe o artigo 400 do CPP� 6� Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada� 7� Agravo regimental a que se nega provimento�(ARE 823�822 AgR, Rel� Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 12‑8‑2014)�

Assim, observo que este Supremo Tribunal Federal não enfrentou até o momento questão que reputo essencial, qual seja, a afirmação da compatibili‑dade, ou não, com a Constituição, das regras processuais penais que imponham, num específico rito, a realização do interrogatório do acusado antes da oitiva das testemunhas�

Vejo, portanto, incompatibilidade com a Constituição, por ofensa aos prin‑cípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, nas regras que impõe o interrogatório do acusado em momento anterior ao da oitiva das tes‑temunhas, a qual reputo deva ser declarada�

Esta declaração de incompatibilidade com a Constituição não significa, entre‑tanto, afirmar que o Código de Processo Penal, na sua redação anterior à Lei 11�719/2008, que também previa o interrogatório do acusado antes da oitiva das tes‑temunhas, não teria sido recepcionado, porque desconforme com a Constituição�

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Quando da modificação operada pela Lei 11�719/2008, o Texto Constitucio‑nal já estava em vigor há quase 20 anos� Uma interpretação de tal jaez poderia significar, levada às últimas consequências, a nulidade de uma infinidade de processos penais�

Sendo assim, apesar de acompanhar o eminente Relator quanto às suas con‑clusões, de que o interrogatório do acusado após a oitiva das testemunhas, em qualquer rito, no processo penal, é regra que melhor se adapta aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, entendo que há que se adotar concepção mais maximizada desses princípios, a impor, inclusive, a con‑clusão pela inconstitucionalidade de norma que subtraia do acusado seu direito de ser interrogado após ouvidas as testemunhas� Essa concepção, entretanto, deve ser compreendida como sendo fruto de uma interpretação evolutiva da Constituição� Afinal, não se pode dizer que, pela sistemática anterior, não estava resguardado o direito da defesa, de se opor à acusação� A atual compreensão dá apenas uma maior amplitude a esses princípios�

Destarte, considero que se está diante do fenômeno da mutação constitucio-nal o qual, segundo o eminente Ministro Gilmar Mendes, em obra doutrinária escrita em coautoria com Paulo Gustavo Gonet Branco, descreve com sendo “uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Consti-tuição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se, aí, uma mudança da norma, mantido o texto�” (Curso de direito constitucional� 10 ed� São Paulo : Saraiva, 2013, p� 134)�

No mesmo sentido, cito a lição do eminente Ministro Luís Roberto, também em obra doutrinária, quando explicita que “a interpretação evolutiva é um pro-cesso informal de reforma do texto da Constituição. Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes” (Interpretação e aplicação da constituição� 7 ed� São Paulo: Saraiva, 2009, p� 151)�

Portanto, acompanho o Eminente Relator, mas declaro a não recepção do art� 302 do Código de Processo Penal Militar, na parte em que prevê o interro‑gatório do acusado antes da oitiva das testemunhas�

Por não ser um sentido extraível da compreensão histórica do texto consti‑tucional e por ser a primeira vez que este Plenário analisa a questão sob a ótica da constitucionalidade, proponho que reste declarado no acórdão que este entendimento é válido ex nunc, ou seja, a partir da data desta sessão�

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Sendo assim, acompanho o eminente Relator para conceder a ordem no caso que resta apreendido por esta mutação constitucional, consignando‑se, quanto ao mais, eficácia ex nunc à compreensão de incompatibilidade com a Consti‑tuição das regras que prevejam o interrogatório do acusado antes da oitiva das testemunhas no processo penal�

É como voto�

OBSERVAÇÃO

O sr. ministro Roberto Barroso: Presidente, também para ajudar o ilustre Defensor, eu gostaria de dizer que eu, ao ingressar na Primeira Turma, acom‑panhei a jurisprudência da Primeira Turma, que tinha apenas a divergência do Ministro Marco Aurélio� Mas, vindo a matéria a Plenário, isso não significa que eu vá manter a posição, porque a minha posição era a de acompanhar a jurisprudência, e não uma posição formada por juízo próprio�

Como a matéria veio à discussão no Plenário, eu me reservo o direito de me pronunciar diferentemente�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Então, é melhor trazermos isso a jul‑gamento com a composição completa�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Então, vamos conceder a palavra ao Advogado�

O sr. ministro Roberto Barroso: Acho que era melhor ouvir o advogado, o Defensor, o ilustre Defensor�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Claro, que iria se pro‑nunciar de qualquer maneira�

VOTO

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, da mesma forma que o Minis‑tro Barroso, também concordo que talvez seja mais adequado com os postulados da ampla defesa que o interrogatório seja feito ao final, como é no procedimento comum penal agora, a partir da modificação do artigo 400�

Mas me preocupo muitíssimo, também como o Ministro Barroso, com a simples afirmação, agora, de que o artigo 302 do Código Penal Militar ou está revogado por incompatível com o Código Penal, ou com a Constituição� Realmente, para sustentar que esse dispositivo está revogado, teremos que afirmar que as regras do processo comum ordinário penal aplicam‑se aos procedimentos especiais� Qual é a consequência disso? Além de ferir uma jurisprudência antiga do Supremo, a

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consequência prática é a eliminação dos procedimentos especiais� Se nós disser‑mos que, aos procedimentos especiais, aplica‑se a regra do procedimento comum, acabou‑se o procedimento especial, ou, pelo menos, os procedimentos especiais, de um modo geral, ficarão severamente comprometidos�

Penso que só tem sentido imaginar procedimentos especiais se nós disser‑mos que os procedimentos especiais podem ser regidos por regra diferente do procedimento comum�

O sr. ministro Roberto Barroso: Ministro Teori, Vossa Excelência me per‑mite só um comentário? O que Vossa Excelência está dizendo vai ao encontro da textualidade do artigo 394 do Código de Processo Penal, que diz:

“Art� 394� O procedimento será comum ou especial�(���)§ 2º Aplica‑se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições

em contrário deste Código ou de lei especial�”

O sr. ministro Teori Zavascki: Exatamente�O sr. ministro Edson Fachin: Ministro Teori, Vossa Excelência me permite?O sr. ministro Teori Zavascki: Claro�O sr. ministro Edson Fachin: Todavia, Ministro Barroso, acho que vai de

encontro, com a de devida vênia, aos Princípios Constitucionais do contradi‑tório e da ampla defesa� E não acredito que gera insegurança se delimitarmos a eficácia de um pronunciamento dessa ordem; não acredito que haja uma espe‑cialidade tal que, como regra, prevalece a lei especial sobre a geral, a regra do procedimento especial em relação à regra do procedimento geral, mas não acredito, Ministro Teori, que essa prevalência se dê em face de um princípio de índole constitucional, que, como norma, também tem eficácia vinculante� Foi por essa razão que acompanhei o ilustre Ministro Dias Toffoli�

O sr. ministro Roberto Barroso: Essa é a nossa divergência, pedindo vênia ao Ministro Teori ainda para continuar o aparte�

O sr. ministro Teori Zavascki: Eu ia enfrentar esse ponto justamente agora, na segunda parte do meu voto�

O sr. ministro Roberto Barroso: É que eu acho que é uma questão de conve‑niência, e não propriamente uma questão de validade ou não da norma, eu acho que é melhor, mas não acho que seja inconstitucional, porque senão nós teríamos que reconhecer que, durante vinte anos, toda a Justiça brasileira e o Supremo Tri‑bunal Federal aplicaram uma norma inconstitucional� Não é que isso não possa acontecer, mas eu acho que isso seria uma conclusão problemática, inclusive sobre o impacto relacionado às condenações anteriores� Eu não gostaria de dizer que

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a decisão só vale ex nunc, e que os que foram condenados anteriormente, com violação do contraditório, não têm problema, esses ficam pra trás�

O sr. ministro Edson Fachin: Mas, com a devida vênia, Ministro Barroso, o argumento me parece que verticaliza na hipótese mais excepcional, porque esse fenômeno que, a rigor, pode se agasalhar no sentido de uma mutação cons‑titucional – como, aliás, reconhecido esse fenômeno teórico e, na prática, por muitos dos ilustres Pares aqui da Corte – é compatível com um entendimento que, num dado momento, altera a percepção que tem a Corte sobre um deter‑minado dispositivo�

Mas não vou me alongar� De qualquer maneira, apenas estou���O sr. ministro Roberto Barroso: Eu concordo com a premissa teórica de

que pode haver mutação constitucional, e mudar quer a percepção social, quer a própria realidade fática� Eu concordo plenamente, mas não acho que este seja o caso�

Eu devolvo a palavra ao Ministro Teori, agradecendo o aparte�O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, para retomar o raciocí‑

nio, eu estava dizendo que, para não aplicar o artigo 302 do Código de Processo Penal Militar, que prevê o interrogatório ao final, nós teríamos que enquadrar esse artigo em uma de duas situações: ou ele foi revogado pela lei geral super‑veniente – e isso compromete o princípio da especialidade –; ou então ele não foi recepcionado pela Constituição – essa seria a segunda���

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Não, nenhum desses dois é o meu fun‑damento� Eu acabei resumindo, mas, só para deixar claro, meu fundamento é: há lei mais benéfica posterior e ela, então, beneficia todos os réus�

O sr. ministro Teori Zavascki: Sim, Vossa Excelência está dizendo que a lei mais benéfica posterior revogou a anterior� Vossa Excelência está dizendo que revogou� Quer dizer, o artigo 302 está revogado pela lei���

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Mas eu não faço juízo hierárquico de normas�

O sr. ministro Teori Zavascki: Certo, mas eu penso que não podemos fugir desse juízo: ou ela está revogada, que é a tese de Vossa Excelência, pela superve‑niência de uma lei geral mais benéfica – e aí há o comprometimento do princípio da especialidade –; ou, então, haveria um direito constitucional do réu de ser ouvido ao final� Se nós partíssemos para essa segunda hipótese, de que o artigo 302 não foi recepcionado, nós teríamos de dizer também que não foram recep‑cionados o Código de Processo Penal comum na redação original bem como os procedimentos especiais com idêntica previsão� E isso poderia abrir margem à anulação, como está se propondo anular aqui – de todos os processos em que

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ocorreu interrogatório ao início� É preocupante essa consequência� Ou seja, se nós considerarmos que o interrogatório ao final é um direito constitucional do réu, e que, portanto, sua inobservância gera a nulidade do processo, como é a decorrência do que está se aplicando aqui, nós vamos ter uma consequência enorme em relação aos casos já passados� Eu me preocupo com isso� Penso que, na melhor das hipóteses, seria, então, o caso de adotar a prudência do voto do Ministro Fachin�

Mas, de qualquer modo, convencido, como já me manifestei na Segunda Turma, de que o artigo 302 do Código de Processo Penal Militar não foi revogado pela norma comum, geral, nem é incompatível com a Constituição, penso que ele deve ser aplicado� Isso leva a, lamentavelmente, divergir do voto do Relator�

Eu acompanho a divergência�O sr. ministro Roberto Barroso: Presidente, só um breve comentário� É

que o Ministro Toffoli deduziu um novo fundamento� Portanto, poderia ter sido por inconstitucionalidade, mas o argumento de Sua Excelência é que a lei mais benéfica se aplicaria retroativamente, tese com a qual���

O sr. ministro Teori Zavascki: Mas não é só isso, leva à revogação da anterior�O sr. ministro Roberto Barroso: Certo�Tese que eu estaria pronto para endossar em outro cenário� Mas aqui é uma

norma processual, não é uma norma de direito material, por exemplo, abolindo um tipo� De modo que, se fosse uma norma de Direito substantivo, eu talvez pensasse, porque, se tivesse sido descriminalizada supervenientemente à con‑duta, nós não teríamos dúvida� Mas aqui é uma norma de natureza processual que mudou o momento no tempo de um ato processual� Por essa razão���

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): De maneira mais adequada ao princípio da���

O sr. ministro Roberto Barroso: Por essa razão é que não estou aderindo à posição do Ministro Toffoli, porque com a premissa dele, de que a lei penal substantiva, pelo menos, mais favorável deve retroagir, eu concordo� Aqui, por ela ser uma norma de natureza processual, talvez em um aspecto que eu não considere tão essencial, é que eu não estou aderindo a esse ponto de vista�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não�Eu queria participar deste debate, ainda em caráter preliminar, dizendo

o seguinte: os autores que analisaram a alteração do art� 400 do Código de Processo Penal, que foi introduzida pela Lei 11�719/2008, apontam para o fato de que essa mudança se fez necessária porque, como se sabe, o Código de Pro‑cesso Penal é anterior à Constituição de 1988, e dizem que a antiga dicção do CPP estava em contradição com o que consta da nova Lei Maior, especialmente

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com o princípio da ampla defesa� E nós, aqui, como foi dito da tribuna, quando reapreciamos a questão do interrogatório na Lei 8�038, que trata dos processos originários, dissemos também: “Olha, o interrogatório tem que vir ao final, porque é isso que é mais compatível com a ampla defesa”� Quando se mudou, a meu ver, o Código de Processo Penal, especificamente o art� 400, em 2008, houve uma alteração do paradigma processual, que, a meu ver, aplica‑se a todo o processo penal ou, enfim, congênere em todas as esferas, mesmo nas áreas especializadas, data venia� É como eu penso�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): No caso da Justiça Eleitoral, esse tema não vem para cá, porque o próprio Ministério Público fiscaliza o andamento processual e aponta o interrogatório como último ato processual�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): E depois não há prejuízo nenhum, não haverá prejuízo nenhum�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Penso que, na Lei de Drogas, também, em geral, isso já vem sendo aplicado pelos juízes�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Também�O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Então, não há essa preocupação� A

Defensoria Pública pode dar o testemunho em relação à Lei de Drogas� Esse tema não chega aqui, porque já é atendido nas instâncias ordinárias�

O sr. ministro Roberto Barroso: Que foi o que eu disse� Eu acho que é melhor� Todos estamos de acordo que é melhor o interrogatório ao final� A minha preo‑cupação principal é o impacto que nós dizermos que é nulo terá sobre todos os processos já decididos�

O sr. ministro Marco Aurélio: Desaparecendo o fator interruptivo da pres‑crição, porque se volta ao estágio anterior�

O sr. ministro Roberto Barroso: Também�

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, eu gostaria de dar uma opinião a propósito desse assunto e também votar�

Acho que o tema está devidamente debatido e o ministro Teori feriu questão que preocupa porque, se nós caminharmos no sentido de um juízo de inconsti‑tucionalidade, certamente haverá alegação em relação a processos que tiveram aplicação do Código de Processo Penal e, portanto, não há mãos mais a medir em termos de revisão�

O que nós podemos assentar? Garantias que são importantíssimas, como a garantia do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, é claro,

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têm um forte caráter institucional� Significa dizer: a toda hora, elas são passí‑veis de aprimoramento� E isso acontece� Agora, não significa que aquilo que foi praticado no passado era ilegítimo, ilegal, mas se trata de���

O sr. ministro Marco Aurélio: Aprimoramento por opção normativa�O sr. ministro Gilmar Mendes: Por opção normativa, mas, veja, por uma

evolução que se dá�Por isso, vou tentar me adaptar à proposta do ministro Fachin, mas aí eu

indeferiria o habeas corpus e tentaria assentar um marco para dizer “a partir deste momento”� Portanto, nos casos em que ainda não houve interrogatório no processo militar, deve‑se aplicar a norma porque, claro, também não faz sentido se, de fato, passamos a dizer que isso honra o princípio do contradi‑tório e da ampla defesa, é mais adequado, é mais justo, que discriminemos por rito especial�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): O Colegiado tem essa vantagem de deba‑termos e construirmos soluções� E penso que é possível a solução nesse sentido�

O sr. ministro Teori Zavascki: Eu penso que talvez essa seja uma boa solução�O sr. ministro Gilmar Mendes: A mim me parece que nesse sentido porque,

senão, veja, o risco não está só no processo militar� Mesmo os processos anti‑gos, já julgados, serão passíveis de revisão, porque estaríamos a dizer que esse procedimento��� E, claro, os autores, como o Presidente acaba de sinalizar, fizeram nessa perspectiva, de que atenderia, de forma mais adequada, ao princípio do contraditório e da ampla defesa – o ministro Celso já também ressaltou esse aspecto –, que a oitiva se desse, a final, quando já conhecidos todos os fatos, portanto, parece ser mais condizente� Mas, até pouco tempo, era reconhecido legítimo�

O sr. ministro Marco Aurélio: Até 2009�O sr. ministro Gilmar Mendes: Até 2009�Portanto, isso teria enorme repercussão sobre todo o sistema e nós, ao invés

de estar assegurando um quadro de segurança jurídica, estaríamos produzindo um quadro de instabilidade�

Então, eu proporia, na linha do que foi levantado pelo ministro Fachin, a tentativa de fixar uma evolução, um marco, quer dizer, subscreveria as razões trazidas pelo ministro Toffoli, mas, no habeas corpus específico, indeferiria, para não anular�

O sr. ministro Roberto Barroso: É o caso�Ministro Gilmar, quer dizer, todos nós, Presidente, estamos de acordo que o

interrogatório ao final é melhor, eu penso, acho que até o Ministro Marco Aurélio�

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O sr. ministro Marco Aurélio: Isso aí em termos de sinalização ao Con‑gresso Nacional�

O sr. ministro Roberto Barroso: Portanto, a questão agora é saber se essa é uma competência que nós devemos exercer, desde logo, e generalizar essa regra, que valeria para o processo penal comum, e nós a generalizamos também para o processo especial� É só uma questão de definir se essa é uma competência nossa ou se essa é uma competência que deve ser deferida ao legislador�

Eu votei achando que essa é uma competência que deve ser deferida ao legis‑lador, seguindo o princípio da especialidade� Mas, se a maioria do Tribunal se inclinar para generalizar a partir de agora, sem anular nada do que passou, eu também não me oponho�

O sr. ministro Marco Aurélio: Mas, Ministro, há uma lei complementar, que disciplinou o processo legislativo, afastando do cenário jurídico a revoga‑ção tácita, tanto assim que os diplomas legais – inclusive esse em discussão, a Lei nº 11�719, de 20 de junho de 2008 – passaram a ter artigo explícito quanto a dispositivos revogados� O que houve na espécie? Não se caminhou para a revo‑gação do Código de Processo Penal Militar�

Mas, há mais, Presidente� O problema da especialidade: a aplicação subsidiá‑ria do Código de Processo Comum ao Processo Militar somente cabe no caso de lacuna� O Código de Processo Militar apenas afasta a aplicação das regras, nele contidas, quando se tem tratado e convenção, em que seja signatário o Brasil, prevendo de forma diversa, o que não é o caso�

Em síntese, o legislador comum apenas alterou – não o fazendo quanto aos procedimentos especiais – o Código de Processo Penal�

Sobre os precedentes, se houvesse específico do Plenário, a Segunda Turma não teria afetado este habeas ao Colegiado maior�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu apenas me permitiria, Ministro Barroso, com o devido respeito, mas já vejo que Vossa Excelência, como intelectual de escola, sempre está pronto a elaborar melhor o seu pensamento, quer dizer, quando se tratou da Lei 8�038, que é uma lei importantíssima, que rege os procedimentos aqui na Suprema Corte, nós já demos esse passo� Em vez de aguardarmos uma alteração legislativa, nós, aqui, por uma opção juris‑prudencial, estabelecemos que o interrogatório se dará ao final da instrução processual, por unanimidade�

O sr. ministro Marco Aurélio: Mas, com isso, Presidente, a separação dos Poderes vai por terra, e a segurança jurídica também�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Não, eu só quero apontar que esse passo nós já demos�

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VOTO (Retificação)

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Senhor Presidente, eu vou, então, diante dos debates e como Relator, readequar a conclusão do meu voto para o seguinte: denego a ordem, mas, em razão dos debates e dos fundamentos presentes nos votos proferidos, proponho que, nos processos que ainda estejam na fase de instrução, não encerrados, a partir da data da publicação da ata deste julga‑mento – caso prevaleça, evidentemente, essa posição –, sejam feitos os inter‑rogatórios por último�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Ao final, não é?O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Ao final�O sr. ministro Roberto Barroso: Sem nenhuma repercussão sobre os pro‑

cessos em que o interrogatório já tenha ocorrido�O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Não, sem nenhuma repercussão; a

partir da publicação da ata deste julgamento, como nós fazemos nas ADIs e na repercussão geral�

O sr. ministro Marco Aurélio: Estamos julgando caso concreto, Presidente� Vamos transformar o habeas corpus em processo objetivo?

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Mas nós somos uma Corte Suprema, Ministro Marco Aurélio�

O sr. ministro Marco Aurélio: Sei que não se tem órgão com competência para apreciar o merecimento das nossas decisões� Mas, por isso mesmo, deve‑mos uma fidelidade maior ao Direito positivo�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Nós somos uma Corte Suprema, nós não temos que aguardar que os milhares de processos venham aqui, um a um� Não vamos nos despir da supremacia�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, só em reforço à posição do ministro Toffoli�

O sr. ministro Marco Aurélio: Não podemos tudo� Podemos o que está auto‑rizado pelo Direito positivo�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): É a guarda da Constituição�O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, eu gostaria de dizer só que já

fizemos modulação de efeito em casos semelhantes� Por exemplo, na hipótese, a questão da progressão do crime hediondo� Inicialmente, todos sabem, o Tri‑bunal declarava constitucional a impossibilidade de progressão em caso de condenação por crime hediondo� Depois, adotando, inclusive, uma posição do ministro Marco Aurélio, houve por bem dizer que tendo em vista o “Princípio

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da Individualização da Pena” era de se impor, sim, a progressão de regime� E declarou inconstitucional, portanto, o artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos� Sua Excelência há de se lembrar, mas havia uma preocupação do Tribunal àquela época; foi, também, um habeas corpus, inclusive, histórico, porque um daqueles feito pelo próprio paciente, réu, e o impetrante foi alguém que trouxe seu pleito; ele estava preso e trouxe essa questão� É do tipo de um caso Gideon brasileiro� Mas não mereceu tamanha divulgação, um aparato cinematográfico, como esse que tem nos Estados Unidos�

Bem, mas nós tínhamos uma preocupação, porque o Tribunal, anteriormente, tinha declarado constitucional a norma� E muitas pessoas cumpriram a pena em regime integralmente fechado…

Então, nós, naquele habeas corpus, dissemos que quem estivesse cumprindo a pena em regime integralmente fechado agora poderia evoluir, passava a fazer jus à progressão� Mas aqueles que já tivessem cumprido a pena em regime integral‑mente fechado não poderiam ir a juízo pedir responsabilidade civil do Estado porque, do contrário, teria havido erro judiciário e tudo mais� Portanto, não é incomum que o Tribunal faça isso em processo de índole subjetiva, mas com essa conotação ampla� Tanto é que, naquele caso, também, assentamos que, em função do novo entendimento, ficavam os ministros autorizados a decidir monocraticamente o habeas corpus� Vossa Excelência também há de se lembrar�

De modo que é importante que fixemos, porque, no fundo, acaba ocorrendo, quando a gente está discutindo uma tese como esta – e eu, também, cumpri‑mento a Defensoria Pública pela iniciativa� É claro que estamos discutindo, mas tendo em vista a situação concreta; estamos discutindo a tese, por isso, inclusive, o debate�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Ministro Gilmar, Vossa Excelência citou um caso da Suprema Corte Americana� Em um outro caso da Suprema Corte Americana, que é o conhecidíssimo caso “Roe vs. Wade”, sobre aborto, quando a Suprema Corte Norte Americana decidiu sobre o direito a aborto, a criança já tinha 3 anos de idade� Aqui nós julgaríamos prejudicado e não enfrentaríamos a tese nunca�

O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência me permite?Em última análise, Presidente, estaremos aplicando o Código de Processo

Civil, que ainda não entrou em vigor, no que trará norma segundo a qual, havendo desistência do recurso, mas tendo sido admitida a repercussão geral, poderemos julgar, não o caso concreto, mas em tese�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não� Mas, então, nessa linha, acho extrema‑mente importante essa decisão e, claro, os próprios americanos, por exemplo,

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nos casos de busca e apreensão que eram feitas sem juiz, introduziram a ideia de modulação de efeitos, na Suprema Corte, caso “Mapp vs Ohio”, não é, com esse propósito, porque, se a gente for perguntar, e fizemos essa pergunta na progressão de regime, quem estava certo? A Corte de ontem, que declarou que a progressão de regime era condizente com a individualização da pena, ou a Corte posterior, que declarou que era inconstitucional? A resposta correta é estavam, ambas, corretas, a Corte de antes e a Corte de depois, quer dizer, no fundo, naquele momento, aquele entendimento era amplamente aceito, tanto é que durou doze anos�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): E outros casos: fidelidade partidária, como tivemos aqui�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Isso� E tantos outros�Então, a mim me parece que o encaminhamento é correto e é condizente com

os ditames de justiça porque, quando a gente pensa que estado de direito tem, sim, a dimensão da legitimidade, da legalidade, de outro lado, tem a dimensão da segurança jurídica�

Então, a mim me parece que este encaminhamento é correto� Por quê? Real‑mente, como já foi apontado aqui, inclusive pelo ministro Celso, é muito difícil dizer: “Bom, mas esta passa a ser a nova concepção, mais condizente do direito ao contraditório e a ampla defesa�” E a gente diz: “Mas isso não se aplica ao procedimento especial”� Isso fica, é uma rima pobre�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Capenga�O sr. ministro Gilmar Mendes: Fica uma solução, por quê? Claro, o rito espe‑

cial pode ser um rito mais célere, prazos diferentes, mas, no que diz respeito ao cor, ao coração do sistema, à defesa não pode haver���

O sr. ministro Celso de Mello: Esta Suprema Corte, como guardiã da inte-gridade da ordem constitucional, há de ser reverente ao modelo que, inscrito na Constituição da República, consagra, em plenitude, o estatuto jurídico do direito de defesa�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não é? Tem de ser reverente a ele� E essa passa a ser a concepção�

Então, parece‑me que, com esses cuidados, podemos fazer esse encaminha‑mento� Eu apoio a proposta trazida agora, adotada agora pelo ministro Toffoli�

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VOTO

A sra. ministra Rosa Weber: Não, Presidente, a minha posição é exatamente a mesma posição do Ministro Toffoli, a posição da Primeira Turma, a posição do Ministro Fux, e de meus precedentes na mesma linha�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): E aceitando a readequação agora�A sra. ministra Rosa Weber: E, diante deste debate, eu aceito a readequação�

Acho extremamente oportuno e acompanho o Relator�

VOTO (Aditamento)

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, devemos observar, principalmente na atual quadra, a segurança jurídica, princípios e valores estabelecidos�

O que houve? Em 2008, veio uma lei reformando e revogando, portanto, dis‑positivos do Código de Processo Penal� E essa lei é silente quanto aos proce‑dimentos especiais, mostrou‑se silente quanto ao Código de Processo Penal Militar� Mais do que isso, sabemos que não é dado cogitar de revogação tácita� A revogação de dispositivos legais, por força de lei complementar, tem que ser explícita, ou seja, o legislador deve referir‑se expressamente aos dispositivos revogados� E isso ocorreu quando da edição da Lei nº 11�719/2008�

O Código de Processo Penal Militar conta com preceito regendo o interroga‑tório� E não se interroga o Estado‑acusador� Então não cabe cogitar de contra‑ditório� O preceito é explícito ao versar a audição do agente antes de ouvidas as testemunhas�

Há mais, Presidente, apenas cabe a aplicação subsidiária do código de processo comum, ao processo militar, no caso de lacuna� E não se tem lacuna sobre a maté‑ria no Código de Processo Penal Militar� Este cede, quanto às normas nele conti‑das, à disposição constante de convenção ou tratado em que signatário o Brasil�

Por isso, apegado a esses parâmetros, a esses princípios, a esses valores, e entendendo que não podemos nos substituir ao Congresso Nacional, ao invés, devemos observar o princípio da autocontenção, indefiro a ordem�

VOTO

O sr. ministro Celso de Mello: Acompanho o voto do eminente Relator�Também entendo, na linha proposta por Sua Excelência, que se mostra

juridicamente relevante estabelecer‑se, prospectivamente, que, tratando-se

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de processo penal militar, seja observado o art� 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 11�719/2008, de tal modo que, no procedimento ritual instaurado perante a Justiça Castrense, o interrogatório judicial do réu seja o último ato processual da instrução probatória, viabilizando-se, assim, a concreta efetivação dos postulados constitucionais do contraditório e da plenitude de defesa�

Não se ignora que, na aplicação das normas que compõem o ordenamento positivo, podem registrar‑se situações de conflito normativo, reveladoras da existência de antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, em cada caso ocorrente, de determinados fato‑res, tais como o critério hierárquico (“lex superior derogat legi inferiori”), o critério cronológico (“lex posterior derogat legi priori”) e o critério da espe-cialidade (“lex specialis derogat legi generali”), que têm a virtude de viabilizar a preservação da essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do orde‑namento positivo (RTJ 172/226-227, Rel� Min� CELSO DE MELLO, v.g.)�

No caso ora em exame, a utilização do critério da especialidade represen-taria a solução ortodoxa destinada a resolver a antinomia de primeiro grau registrada no contexto em julgamento, pois se acham em (aparente) conflito regras legais, de caráter procedimental, inscritas no Código de Processo Penal (“lex generalis”) e no Código de Processo Penal Militar (“lex specialis”)�

Essa concepção ortodoxa, que faz incidir, em situação de antinomia apa-rente, o critério da especialidade, tem prevalecido, ordinariamente, no enten‑dimento doutrinário, como resulta da lição de eminentes autores (HUGO DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”, p� 164/166 e 168, itens ns� 1�2, 1�3 e 1�6, 2ª ed�, 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p� 67/69, item n� 4, e p� 72/75, item n� 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios de Resolução”, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência‑TJDF/T, vol� 58/25‑38, 32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antino-mias do Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol� 15/216‑240, 232/233, 2005, RT, v.g.), valendo referir, dentre eles, o magistério, sempre lúcido e autorizado, de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p� 91/92 e 95/97, item n� 5, trad� Cláudio de Cicco/Maria Celeste C� J� Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem, ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis, deve prevalecer, por efeito do critério da especialidade, o diploma estatal “que subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)...” (grifei)�

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Ocorre, no entanto, segundo entendo, que se mostra aplicável, no caso, um outro critério, que não o da especialidade, fundado em opção hermenêutica que se legitima em razão de mostrar‑se mais compatível com os postulados que infor-mam o estatuto constitucional do direito de defesa, conferindo-lhe substância, na medida em que a nova ordem ritual definida no art� 400 do CPP, na redação dada pela Lei nº 11�719/2008, revela-se evidentemente mais favorável que a disciplina procedimental resultante do próprio Código de Processo Penal Militar�

Sabemos que a reforma processual penal estabelecida por legislação editada em 2008 revelou-se mais consentânea com as novas exigências estabelecidas pelo moderno processo penal de perfil democrático, cuja natureza põe em pers-pectiva a essencialidade do direito à plenitude de defesa e ao efetivo respeito, pelo Estado, da prerrogativa ineliminável do contraditório�

Esta Suprema Corte, bem por isso, tendo presentes as inovações produzidas pelos diplomas legislativos que introduziram expressivas reformas em sede pro‑cessual penal (como a Lei nº 11�719/2008), veio a adequar, mediante construção jurisprudencial, a própria Lei nº 8�038/90, fazendo incidir, nos processos penais originários, a regra que, fundada na já mencionada Lei nº 11�719/2008 (CPP, art� 400), definiu o interrogatório como o último ato da fase de instrução probatória, por entender que se tratava de medida evidentemente mais favorável ao réu:

“PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I – O art� 400 do Código de Processo Penal , com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal.

II – Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais ori-ginárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o inter-rogatório já se ultimou.

III – Interpretação sistemática e teleológica do direito.IV – Agravo regimental a que se nega provimento.”(AP 528 AgR/DF, Rel� Min� RICARDO LEWANDOWSKI – Grifei)

É sempre importante rememorar, presente o contexto em análise, que a exi-gência de fiel observância das formas processuais estabelecidas em lei, nota-damente quando instituídas em favor do acusado, representa, no âmbito das persecuções penais, uma inestimável garantia de liberdade, pois não se pode desconhecer, considerada a própria jurisprudência desta Suprema Corte, que o processo penal configura expressivo instrumento constitucional de salvaguarda

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das liberdades individuais do réu, contra quem não se presume provada qual-quer acusação penal:

“A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidên-cia a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à intangibilidade do ‘ jus libertatis’ titularizado pelo réu.

A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vincu-lada, por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o pro-cesso penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu.

O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória –, o processo penal revela-se ins-trumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético--jurídicos, impõe, ao órgão acusador, o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.

A própria exigência de processo judicial representa poderoso fator de inibi-ção do arbítrio estatal e de restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula ‘nulla poena sine judicio’ exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade individual.” (RTJ 161/264-266, Rel� Min� CELSO DE MELLO)

Isso significa, portanto, que a estrita observância da forma processual repre-senta garantia plena de liberdade e de respeito aos direitos e prerrogativas que o ordenamento positivo confere a qualquer pessoa sob persecução penal�

Cabe destacar, bem por isso, no contexto ora em exame, ante a magnitude constitucional de que se reveste, a natureza jurídica do interrogatório, nota-damente do interrogatório judicial, que representa meio viabilizador do exercício das prerrogativas constitucionais da plenitude de defesa e do contraditório, como tem enfatizado o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte:

“O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU.– Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial – notadamente após o

advento da Lei nº 10.792/2003 – qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica

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em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. Doutrina. Precedentes.” (HC 94.016/SP, Rel� Min� CELSO DE MELLO)

É por isso que LUIGI FERRAJOLI (“Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal”, p� 486, item n� 2, traduzido por Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes, 2002, RT), enfatizando o alto significado jurídico do interrogatório como expressão instrumental do próprio direito de defesa do acusado, põe em destaque o aspecto ora mencionado, assinalando, com inteira procedência, que, “(...) no modelo garantista do processo acusatório, informado pela presunção de inocência, o interrogatório é o principal meio de defesa, tendo a única função de dar vida materialmente ao contraditório e de permitir ao imputado contestar a acusação ou apresentar argumentos para se justificar. ‘Nemo tenetur se detegere’ é a primeira máxima do garantismo processual acusatório, enunciada por Hobbes e recebida desde o século XVII no direito inglês. Disso resultaram, como corolários: (...) o ‘direito ao silêncio’ (...), o direito do imputado à assistência e do mesmo modo à presença de seu defensor no interrogatório, de modo a impedir abusos ou ainda violações das garantias processuais” (grifei)�

Ninguém ignora a importância de que se reveste, em sede de persecução penal, o interrogatório judicial, cuja natureza jurídica permite qualificá‑‑lo, notadamente após o advento da Lei nº 10�792/2003, como ato de defesa (ADA PELLEGRINI GRINOVER, “O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/2003)”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 53/185‑200; GUI‑LHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p� 387, item n� 3, 6ª ed�, 2007, RT; DAMÁSIO E� DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p� 174, 21ª ed�, 2004, Saraiva; DIRCEU A� D� CINTRA JR�, “Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisdicional”, coordenação: ALBERTO SILVA FRANCO e RUI STOCO, p� 1�821, 2ª ed�, 2004, RT; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol� 3/269‑273, item n� 1, 28ª ed�, 2006, Saraiva, v.g.), ainda que passível de ser ele considerado, mesmo que em perspec‑tiva secundária, como fonte de prova, em face dos elementos de informação que dele emergem�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Eu até formulei aqui – se me permite fazer a leitura – uma proposta, Senhor Presidente� Eu já havia comentando com o Ministro Gilmar, que está de acordo também e já tinha votado neste sentido� Ou seja, indeferiríamos a ordem, se todos estiverem de acordo – o Ministro Luís Roberto ainda não se manifestou, o Ministro Marco Aurélio, também não sei, e o Ministro Celso não concluiu –, só para imaginar aqui, então, seria a unanimidade para denegar, mas com a modulação, e temos oito votos para a

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modulação, se todos que estão aqui votarem, mais o Ministro Gilmar que já votou também nesse sentido� Então, seria para indeferir a ordem mas modular e fixar a seguinte tese�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Tendo em conta a segu‑rança jurídica�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): A segurança jurídica� Enfim, a partir da publicação da ata deste julgamento, às instruções não encerradas nos pro‑cessos de natureza processual penal militar deverá ser aplicado o art� 400 do Código Processo Penal comum – às instruções não encerradas�

O sr. ministro Celso de Mello: Tenho para mim que se impõe o acolhimento da proposta de modulação formulada pelo eminente Ministro Relator, espe-cialmente em razão da natureza jurídica de que se reveste o interrogatório da pessoa sob persecução penal�

São essas, Senhor Presidente, as razões de índole jurídico-constitucional que me levam a sustentar a inteira aplicabilidade do art� 400 do CPP, na redação que lhe deu a Lei nº 11�719/2008, ao processo penal militar�

Sendo assim, e pedindo vênia ao eminente Ministro MARCO AURÉLIO, também procedo à modulação sugerida pelo eminente Relator deste processo�

É o meu voto.

VOTO (Retificação)

O sr. ministro Roberto Barroso: Presidente, em primeiro lugar, eu sou soli‑dário com o eminente Defensor Público, que estava ganhando e agora não está mais� Porém, ganhou para o futuro, não este caso concreto, mas nós estamos fazendo uma mudança que eu acho que, de certa forma, impacta o direito de defesa daqui para frente, portanto, em favor dos constituintes da Defensoria Pública, inclusive�

Presidente, vou ser muito breve� A constatação que se tem é que todos nós onze estamos de acordo em que o interrogatório ao final da instrução é melhor do que o interrogatório ao início, como atualmente previsto� Portanto, eu acho que esse é um consenso que nos congrega a todos�

Eu acho que, do ponto de vista rigorosamente técnico, essa questão deveria se resolver pelo princípio da especialidade, por uma certa deferência institucional para com opções do Poder Legislativo�

E, portanto, o Congresso, ao editar essa Lei que modificou o procedimento comum poderia perfeitamente ter estendido o mesmo mandamento, a Lei nº

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8�719/2008, a todos os procedimentos� A Lei não o fez� E, por essa razão, a minha primeira manifestação foi no sentido de uma certa deferência ao legislador, que não fez essa opção� Claro que, se todos nós achamos que é melhor, a questão que se punha era saber quem é que pode fazer, aplicar o que é melhor: se somos nós ou o legislador� Eu achava que deveria ser o legislador, porém a maioria do Tribunal acha que o Supremo pode, por via interpretativa, expandir o sentido e o alcance dessa norma introduzida pela Lei nº 11�719�

Bom, se o Tribunal acha isso majoritariamente, não sou eu que, em nome do princípio formal da separação de Poderes, vou me opor ao Tribunal avançar numa dimensão material, que é o contraditório e a ampla defesa�

Portanto, se o Tribunal acha isso, eu vou aderir à posição do Tribunal, até porque a proposta de redação do Ministro Toffoli, com a qual estou de acordo, elimina a minha maior preocupação que era o impacto dessa mudança sobre os processos que já houvessem sido julgados, não apenas do Código de Processo Penal Militar, mas de todas as outras leis especiais, inclusive a Lei de Drogas�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministro, Vossa Exce‑lência me permite um brevíssimo aparte?

O sr. ministro Roberto Barroso: Claro!O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu, claro, aderindo

completamente aos argumentos de Vossa Excelência, queria apenas dizer o seguinte, até para fixar isso: longe de estarmos afrontando o princípio da separação dos Poderes, nós estamos prestando uma deferência aos legisla‑dores, pois estamos interpretando o Código de Processo Penal exatamente na mesma linha que os legisladores o fizeram, em se tratando do Código de Processo Penal comum� Não há uma afronta, não há um choque� E mais, nós estamos prestando homenagem ao próprio princípio da ampla defesa da Constituição�

O sr. ministro Roberto Barroso: Ministro Lewandowski, eu estou de pleno acordo� Sempre há mais de uma maneira de se dizer a mesma coisa� Há um general que disse uma vez: “Nós não estamos recuando, nós estamos avançando na direção contraria�”

Mas eu concordo, na verdade, nós estamos expandindo a vontade do legisla‑dor que originariamente se referia apenas ao procedimento comum� Está bem para mim colocarmos dessa forma�

De modo que eu estou aderindo, sobretudo porque explicitado agora pelo Ministro Dias Toffoli de que não haverá nenhum impacto sobre instruções já concluídas, eu estou de pleno acordo com a solução que, penso, a maioria construiu coletivamente�

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E eu, pessoalmente, porque não acho que estejamos declarando inconsti‑tucionalidade alguma, mas apenas mudando de jurisprudência, ou firmando jurisprudência num determinado sentido, acho que maioria absoluta seria sufi‑ciente para, diante de mudança de jurisprudência, aplicá‑la apenas prospec‑tivamente� Portanto, na minha visão, nem mesmo precisaríamos de oito; mas, se temos oito, a questão tão pouco se coloca�

De modo que eu estou reajustando o meu voto, pedindo vênia ao Ministro Marco Aurélio, a quem eu havia acompanhado inicialmente, para aderir à posi‑ção da maioria, que, de resto, no mérito, muda para uma interpretação que eu pessoalmente considero melhor também� E, se o Tribunal entende que esta não é uma afronta à separação de Poderes, mas uma interpretação ampliativa do que o Legislativo já quis, como colocou com felicidade Vossa Excelência, melhor ainda�

DEBATE

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, eu fiquei com uma preocu‑pação apenas com a questão da redação proposta� Aparentemente, a redação, pelo que eu entendi, restringe a questão da aplicação do Código, o artigo 400, ao Código de Processo Penal Militar�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Sim�O sr. ministro Teori Zavascki: Não seria o caso de dar uma redação mais

ampla, no sentido de justificar e superar o princípio da especialidade, que o interrogatório no final é um avanço legal de uma garantia constitucional e, por isso, sem aplicação a todos os procedimentos especiais que dispusessem em sentido diferente�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Eu vou fazer um sugestão na mesma linha�

O sr. ministro Celso de Mello: Acho extremamente importante estender a aplicabilidade do art� 400 do CPP, na redação dada pela Lei nº 11�719/2008, também ao processo penal eleitoral e a quaisquer outros procedimentos penais regidos por legislação especial, eis que, ao assim proceder, esta Suprema Corte estará conferindo máxima efetividade aos postulados constitucionais do con‑traditório e da ampla defesa�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Sim� E aos procedimentos administrativos? Não podíamos também aplicar?

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Poderíamos, talvez, diante dos casos concretos, trazer uma súmula vinculante�

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HC 127.900

O sr. ministro Teori Zavascki: É que súmula vinculante dependeria de rei‑teradas decisões�

O sr. ministro Roberto Barroso: Não sei se a gente tem precedente suficiente�O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Mas eu estou de acordo�O sr. ministro Celso de Mello: É relevante assinalar que o Supremo Tribunal

Federal, ao superar o critério da especialidade, estará dando concreção efetiva ao estatuto constitucional do direito de defesa�

O sr. ministro Teori Zavascki: É, ao invés de dizer que se aplica ao Código Penal Militar, aplica‑se aos procedimentos especiais�

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): É, aplica‑se aos procedimentos especiais�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Inclusive administra‑tivos, eu penso�

O sr. ministro Roberto Barroso: É, esse é outro tema com o qual nós temos um encontro marcado, que é a transcendência dos���

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Mas aí vamos aguardar o administrativo�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Retiro a proposta�O sr. ministro Roberto Barroso: Não, a transcendência dos motivos

determinantes�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Retiro a proposta�O sr. ministro Roberto Barroso: Esse encontro marcado nós temos para

reconhecer a transcendência dos motivos determinantes�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Sim�O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Eu acolho, então, a sugestão e amplio:

Processo Penal Militar e outros procedimentos penais regidos por leis especiais� Então, faço esse adendo�

VOTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu vou aderir integral‑mente ao voto do Ministro Relator, Antonio Dias Toffoli, agora reformulado, e vou reiterar todos os meus argumentos, que já foram inclusive expostos da tribuna, que formulei na Ação Penal 528, inclusive quando superei aquela apa‑rente incompatibilidade da prevalência da lei especial sobre a lei geral� Então, eu disse naquele momento que só quando houver uma incompatibilidade frontal é que a lei especial prevalece sobre a geral�

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HC 127.900

No mais, é preciso darmos uma interpretação sistemática, harmônica, tal como aventou o Ministro Gilmar Mendes, dizendo que, se nós aplicássemos essa interpretação apenas para alguns diplomas legislativos – e nós o fizemos naquela lei especial nossa, aqui no Supremo Tribunal Federal –, o sistema ficaria capenga� Então, eu penso que nós estamos, na verdade, com essa interpretação mais ampliativa, dando harmonia ao sistema e, mais uma vez, dizendo que nós estamos homenageando o princípio da ampla defesa, do contraditório�

Enfim, é o meu voto coincidente�

OBSERVAÇÃO

O sr. ministro Dias Toffoli (Relator): Presidente, quero cumprimentar o tra‑balho da Defensoria por trazer esse tema à Corte�

EXTRATO DE ATA

HC 127�900/AM — Relator: Ministro Dias Toffoli� Pacientes: Blenner Antunes Vieira e Maick Wander Santana de Souza� Impetrante: Defensoria Pública da União (Procurador: Defensor Público‑Geral Federal� Coator: Superior Tribunal Militar�

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a ordem e, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, modulou a decisão, tudo nos termos do voto do Relator� Falou, pelos pacientes, o Dr� Gustavo de Almeida Ribeiro, Defen‑sor Público Federal� Ausentes, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Luiz Fux� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin� Procurador‑Geral da República, Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros�

Brasília, 3 de março de 2016 — Maria Sílvia Marques dos Santos, Assessora‑‑Chefe do Plenário�

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 602.347 — MG

Relator: O sr. ministro Edson FachinRecorrente: Município de Belo HorizonteRecorrida: Maria Aparecida Pessoa de PaulaAmici curiae: Município do Rio de Janeiro

Confederação Nacional dos Municípios – CNM Município de Porto Alegre Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras – ABRASF Município de São Paulo

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL� DIREITO TRI‑BUTÁRIO� IMPOSTO TERRITORIAL PREDIAL URBANO – IPTU� PROGRESSI‑VIDADE DAS ALÍQUOTAS� INCONSTITUCIONALIDADE� EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO� FATO GERADOR OCORRIDO EM PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL 29/2000� ALÍQUOTA MÍNIMA� MENOR GRAVOSIDADE AO CONTRIBUINTE� PROPORCIONALIDADE DO CRITÉRIO QUANTITATIVO DA REGRA‑MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA�

1� Tese de repercussão geral fixada: “Declarada inconstitucional a progressividade de alíquota tributária do Imposto Predial Terri-torial Urbano no que se refere a fato gerador ocorrido em período anterior ao advento da EC 29/2000, é devido o tributo calculado pela alíquota mínima correspondente, de acordo com a destina-ção do imóvel e a legislação municipal de instituição do tributo em vigor à época”�

2� O Supremo Tribunal Federal possui entendimento sumulado no sentido de que “É inconstitucional a lei municipal que tenha

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estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas pro-gressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.” Súmula 668 do STF� Pre‑cedente: AI‑QO‑RG 712�743, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe 8‑5‑2009�

3� É constitucional a cobrança de IPTU, referente a período anterior à Emenda Constitucional 29/2000, mesmo que a progressividade das alíquotas tenha sido declarada inconstitucional, em sede de represen‑tação de inconstitucionalidade em Tribunal de Justiça local� Função da alíquota na norma tributária� Teoria da divisibilidade das leis� Inconstitucionalidade parcial�

4� O IPTU é exigível com base na alíquota mínima prevista na lei municipal, de modo que o critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária seja proporcional e o menos gravoso possível ao contribuinte� Precedentes�

5� Recurso extraordinário provido�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, na conformidade da ata de julgamento e das notas taqui‑gráficas, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 226 da repercussão geral, conheceu e deu provimento ao recurso, vencido o Minis‑tro Marco Aurélio, que não conhecia do recurso, e, no mérito, negava‑lhe pro‑vimento� Também por maioria, o Tribunal fixou tese nos seguintes termos: “Declarada inconstitucional a progressividade de alíquota tributária, é devido o tributo calculado pela alíquota mínima correspondente, de acordo com a destinação do imóvel”, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não fixava tese�

Brasília, 4 de novembro de 2015 — Edson Fachin, Relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Edson Fachin: Trata‑se de recurso extraordinário com reper‑cussão geral reconhecida interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cuja ementa reproduz‑se a seguir:

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“IPTU – LEI MUNICIPAL Nº 5�641/89 – MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE – PROGRESSI‑VIDADE DAS ALÍQUOTAS – INCONSTITUCIONALIDADE – TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA – PREVISÃO DE SERVIÇOS ‘UTI UNIVERSI’ – INCONSTITUCIONALIDADE�

É de ser reconhecida a inconstitucionalidade da cobrança do IPTU feito com base na Lei Municipal nº 5�641/89 do Município de Belo Horizonte, cuja progressi‑vidade das alíquotas ofende a CR/88, sem embargo da posterior legislação muni‑cipal que adequou a tabela com mera seletividade, não aplicável ao fato gerador anterior� A taxa de limpeza pública não incide apenas sobre a coleta de lixo, esta sim capaz de ser auferida e mensurada de forma específica e divisível, mas de vários outros serviços impossíveis de aferição individual, não sendo legítima a sua cobrança�” (fl� 147)

Interpostos embargos de declaração que restaram rejeitados�No recurso extraordinário, com fundamento no art� 102, III, “a”, da Cons‑

tituição Federal, aponta‑se violação ao artigo 156, I, do Texto Constitucional�Nas razões recursais, alega‑se que “no eventual reconhecimento da incons-

titucionalidade dos lançamentos do IPTU no período questionado, restaria à Fazenda Municipal a possibilidade de exigir do contribuinte o valor relativo às menores alíquotas” (fl� 179)�

A 1ª Vice‑Presidência do TJMG admitiu o recurso, tendo em vista que o STF emitiu reiterados pronunciamentos que favorecem a argumentação recursal�

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no RE‑RG 620�347, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 20‑11‑2009, assim ementado:

“CONSTITUCIONAL� TRIBUTÁRIO� IPTU� PROGRESSIVIDADE ANTERIOR À EC 29/2000� INCONSTITUCIONALIDADE� COBRANÇA COM BASE NA ALÍQUOTA MÍNIMA� RELE‑VÂNCIA JURÍDICA E ECONÔMICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL� EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL�”

A Procuradoria‑Geral da República opinou pelo não conhecimento do recurso extraordinário�

Em função do preenchimento dos requisitos da legislação processual, o Ministro Ricardo Lewandowski, meu antecessor na relatoria do feito, admitiu o ingresso dos seguintes amici curiae: Município do Rio de Janeiro; Confedera‑ção Nacional dos Municípios; Município de Porto Alegre; Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras; e Município de São Paulo�

É o relatório�

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RE 602.347

VOTO

O sr. ministro Edson Fachin (Relator): Inicialmente, cumpre‑se delimitar os contornos fático‑normativos do presente tema de repercussão geral�

Trata‑se de verificar a possibilidade de manutenção de exação relativa ao Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), com fato gerador ocorrido ante‑riormente à promulgação da Emenda Constitucional 29/2000, em que houve a declaração de inconstitucionalidade da progressividade das alíquotas�

Nesse sentido, a incompatibilidade com a Constituição Federal adveio do fato da progressividade ter sido instituída por lei municipal, em decorrência de razões outras que não assegurar o cumprimento da função social da pro‑priedade urbana�

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, assentou‑se o seguinte entendi‑mento em enunciado sumular: “é inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.” (Enunciado da Súmula 668 do STF)�

Nesse sentido, convém ressaltar que a jurisprudência supracitada baseava‑‑se nas seguintes razões: (i) incompatibilidade da progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte com o caráter real do IPTU; e (ii) a inconstitucionalidade, em termos de IPTU, de qualquer progressividade que destoasse art� 182, §4º, do Texto Constitucional�

A esse respeito, confira‑se a ementa do RE 153�771, de relatoria para acórdão do Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJe 5‑9‑1997:

“IPTU� Progressividade� No sistema tributário nacional é o IPTU inequivoca‑mente um imposto real� Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressi‑vidade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico)� A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivo‑camente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limi‑tação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º� Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal� Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando‑se

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RE 602.347

inconstitucional o subitem 2�2�3 do setor II da Tabela III da Lei 5�641, de 22�12�89, no município de Belo Horizonte�”

Posteriormente, essa orientação foi reafirmada, em sede de repercussão geral, no bojo do AI‑QO‑RG 712�743, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe 8‑5‑2009�

A partir da Emenda Constitucional 29/2000, o Poder Constituinte facultou ao ente federativo competente instituir IPTU progressivo, em razão do valor do imóvel, nos termos do artigo 156, §1º, I, da Constituição Federal� Assim, a jurisprudência desta Corte estabeleceu‑se no sentido de que é constitucional lei que preveja a progressividade no âmbito do IPTU, a partir de critérios fiscais�

Veja‑se, a propósito, o RE 423�768, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 10‑5‑2011�

Depois, a questão foi novamente suscitada no Plenário, para fins de afetação à sistemática da repercussão geral no RE‑RG 586�693, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, DJe 22‑6‑2011, assim ementado:

“NULIDADE – JULGAMENTO DE FUNDO – ARTIGO 249, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL� Quando for possível decidir a causa em favor da parte a quem beneficiaria a declaração de nulidade, cumpre fazê‑lo, em atenção ao disposto no artigo 249, § 2º, do Código de Processo Civil, homenageando‑se a economia e a celeridade processuais, ou seja, alcançar‑se o máximo de eficácia da lei com o mínimo de atividade judicante, sobrepondo‑se à forma a realidade� IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 – LEI POSTERIOR� Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas, presentes imóveis residen‑ciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000�”

Nesse contexto, resta saber se aqueles tributos, cujos fatos geradores se con‑sumaram anteriormente à promulgação da EC 29/2000 e tiveram a progres‑sividade das alíquotas declarada inconstitucional, ainda são exigíveis, uma vez que somente a parte incompatível com a Constituição Federal deveria ser espancada do ordenamento jurídico�

Na recente e já seminal obra de Thomas Pikkety, atribui‑se à criação do imposto sobre a renda progressivo a pecha de maior inovação do século XX em termos de tributação, tendo em vista seu papel central na redução da desi‑gualdade, ao longo do século passado (Capital in the Twenty-First Century. Trad� Arthur Goldhammer� Cambridge: Belknap Press, 2014, p� 493).

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No Brasil, pode‑se tomar esse princípio constitucional como um dos ins‑trumento mais relevantes para a persecução dos objetivos fundamentais da República, encartados no artigo 3º da Constituição Federal�

Em atualização de obra doutrinária do Ministro Aliomar Baleeiro, Misabel Abreu Machado Derzi assim argumenta acerca da aplicação do princípio da progressividade no IPTU:

“A progressividade nos tributos, sob o prisma da justiça, é a única técnica que permite a personalização dos impostos, como determina expressamente o art� 145, §1º, da Constituição de 1988� é que, na medida em que o legislador considera as necessidades pessoais dos contribuintes, passa também a conceder redu‑ções e isenções� Tais renúncias de receitas, ocorrentes em favor do princípio da igualdade, têm de ser compensadas por meio da progressividade, a fim de que o montante da arrecadação se mantenha o mesmo no total� Exemplo dessa progressividade no IPTU, recomendável para cumprimento da Constituição, é a elevação da alíquota à medida que sobe o valor do imóvel�” (BALEEIRO, Aliomar� Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi� 12 ed� Rio de Janeiro: Forense, 2013� p� 331�)

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, constata‑se o entendimento de que a progressividade deve incidir sobre todas as espécies tributárias, à luz da capacidade contributiva do contribuinte�

A esse respeito, veja‑se, inter alias, a ementa do RE‑RG 573�675, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 22‑5‑2009:

“CONSTITUCIONAL� TRIBUTÁRIO� RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL� CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – COSIP� ART� 149‑A DA CONSTI‑TUIÇÃO FEDERAL� LEI COMPLEMENTAR 7/2002 DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA� COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA� UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO� BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA� PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO� OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA� INOCORRÊNCIA� EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE� RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO� I – Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiá‑rios do serviço de iluminação pública� II – A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de ener‑gia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva� III – Tributo de

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caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contrapres‑tação individualizada de um serviço ao contribuinte� IV – Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade� V – Recurso extraordinário conhecido e improvido�”

Igualmente, esta Corte passou a admitir a progressividade de alíquota relativa ao ITCMD, imposto de caráter real e de competência tributária dos Estados, pois estaria em jogo a concretização constitucional da igualdade material tributária�

Trata‑se do paradigmático RE‑RG 562�045, de relatoria para acórdão da Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 27‑11‑2013, cujo teor da ementa reproduz‑se a seguir:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO� CONSTITUCIONAL� TRIBUTÁRIO� LEI ESTADUAL: PRO‑GRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS� CONSTITUCIONALIDADE� ART� 145, § 1º, DA CONSTI‑TUIÇÃO DA REPÚBLICA� PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA� OBSER‑VÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA� RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO�”

Nada obstante tenha ocorrido essa interessante giro jurisprudencial, trata‑se, na presente demanda, da cobrança de IPTU, referente aos exercícios de 1995 a 1999, com fundamento em lei municipal declarada inconstitucional no âmbito de representação por inconstitucionalidade perante Tribunal de Justiça local, à luz da jurisprudência do STF supra, segundo a qual é inconstitucional a pro‑gressividade de alíquotas do IPTU antes da Emenda Constitucional 29/2000�

Por conseguinte, em homenagem à regra da congruência ou da adstrição, cumpre‑se decidir somente se a inconstitucionalidade da progressividade de alíquotas inviabiliza a cobrança do IPTU, durante o lapso temporal anterior à reforma constitucional em discussão�

De plano, reconhece‑se a alíquota apenas como um dos elementos do critério quantitativo do consequente normativo da regra matriz tributária do tributo em comento� Assim, trata‑se de um termo do mandamento da norma tributária, que incide se e quando se consuma o fato imponível�

Nesse contexto, Geraldo Ataliba assim diferencia a alíquota da base imponível:

“Do exposto se vê que a base calculada é uma grandeza ínsita à coisa tributada, que o legislador qualifica com esta função� Alíquota é uma ordem de grandeza exterior, que o legislador estabelece normativamente e que, combinada com a base impo‑nível, permite determinar o quantum do objeto da obrigação tributária�” (Hipótese de Incidência Tributária� 5 ed� São Paulo: Malheiros: 1993, p� 103�)

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Por outro lado, em nível de técnica constitucional, o E� Ministro Gilmar Mendes assim discorre sobre a teoria da divisibilidade da lei, em obra doutri‑nária, escrita em coautoria com Paulo Gonet Branco:

“A doutrina e a jurisprudência brasileira admitem plenamente a teoria da divisi-bilidade da lei, de modo que, tal como assente, o Tribunal somente deve proferir a inconstitucionalidade daquelas normas viciadas, não devendo estender o juízo de censura às outras partes da lei, salvo se elas não puderem subsistir de forma autô‑noma�” (Curso de Direito Constitucional. 10 ed� São Paulo: Saraiva, 2015, p� 1309�)

Ao se conjugar essas duas premissas de raciocínio, conclui‑se que a lei munici‑pal só se apresenta inconstitucional no tocante à progressividade das alíquotas, conforme assentado pelo Tribunal a quo�

Então, a solução mais adequada para a controvérsia seria manter a exigibi‑lidade do tributo com redução da gravosidade ao patrimônio do contribuinte ao nível mínimo, isto é, adotando‑se a alíquota mínima como mandamento da norma tributária� Isso porque o IPTU cobrado pela Municipalidade não seria inconstitucional, pois a alíquota se tornaria proporcional à variação da base de cálculo�

Veja‑se, a propósito, a ementa do RE‑AgR 378�221, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 18‑9‑2009:

“TRIBUTÁRIO� IPTU� PROGRESSIVIDADE� INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL� COBRANÇA COM BASE NA ALÍQUOTA MÍNIMA� PRECEDENTES RECENTES� NÃO SOBRES‑TAMENTO� AGRAVO IMPROVIDO� I – O reconhecimento da inconstitucionalidade da progressividade do IPTU não afasta a cobrança total do tributo, que deverá ser realizada pela forma menos gravosa prevista em lei� II – Trata‑se, no caso, de inconstitucionalidade parcial que atinge apenas a parte incompatível com o texto constitucional e permite seu pagamento com base na alíquota mínima� III – No caso dos autos, a legislação anterior também traz progressividade de forma incom‑patível com o texto da Constituição então vigente, o que reforça a necessidade de adoção da inconstitucionalidade parcial� IV – É possível o julgamento imediato do feito com base em precedentes recentes que analisaram legislação diversa, mas discutiram a mesma matéria� V – Agravo improvido�”

A bem da dialeticidade própria dos julgamentos em colegiado, também se torna imperativo sublinhar que antes da entrada em vigor da sistemática da repercussão geral, houve esparsos julgados em que os órgãos fracionários desta Corte tiveram entendimento oposto ao aqui pretendido�

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Cito os seguintes feitos: RE‑AgR 390�694, de relatoria do Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJ 1º‑12‑2006; e RE 259�339, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 16‑6‑2000�

No entanto, persisto na linha argumentativa já exposta no voto, uma vez que, com todas as vênias devidas, os julgados supracitados partem de premissas equivocadas sobre a progressividade�

Tendo em vista que o principal instrumento para a realização da justa dis‑tribuição da carga tributária é a progressividade, convém distinguir as noções de progressividade da alíquota e a da carga tributária�

Para isso, faz‑se uso das preclaras lições do economista Eugenio Lagemann:

“Diante da constatação de que o comportamento da alíquota está associado ao comportamento da base de cálculo e o comportamento da carga tributária ao comportamento da renda, cabe ressaltar que a garantia de se ter uma corres‑pondência automática entre comportamento da alíquota e comportamento da carga só existe no caso de um tributo em que a renda, que é a referência para a carga, seja a base de cálculo� Nos demais, tributos, em que a base de cálculo não é a renda, mas o consumo ou a propriedade, o comportamento da alíquota não necessariamente corresponde ao comportamento da carga�” (Tributação: seu Universo, Condicionantes, Objetivos, Funções e Princípios� In: GASSEN, Valcir (org�)� Equidade e Eficiência da Matriz Tributária Brasileira: Diálogos sobre Estado, Constituição e Direito Tributário. Brasília: Consulex, 2012, p� 69�)

Tal distinção se faz necessária ao se analisar a progressividade, pois o obje‑tivo final dos sistemas tributários das sociedades modernas é justamente a progressividade da carga tributária, e não das alíquotas�

À luz do caso concreto em que se discute a base econômica do patrimônio, afirmar que “A declaração de inconstitucionalidade atinge o sistema da pro-gressividade como um todo, da menor à maior alíquota, devendo ser calculado o imposto na forma da legislação anterior”, tal como o faz o eminente minis‑tro Eros Grau no voto‑condutor do RE‑AgR 390�694, com as máximas vênias, é gerar injustiça fiscal no caso concreto, notadamente ao legítimo direito de cobrar tributos democraticamente pactuados pela comunidade política de um ente federativo, assim como representaria uma nivelação de contribuintes em situações econômicas diametralmente opostas� Logo, com essa solução, contribui‑se para a regressividade do sistema tributário como um todo, com efeito se afasta dos objetivos fundamentais do Estado, conforme previsão do artigo 3º da Carta Constitucional�

De qualquer forma, a solução de dar efeitos repristinatórios à legislação municipal anterior não foi adotada pelo acórdão recorrido, o qual decidiu por

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extinguir toda a execução fiscal, o que retiraria, quando universalizável para os demais contribuintes, grande parte das receitas tributárias da Municipali‑dade Recorrente�

Em síntese, acredito que assentar a exigibilidade de IPTU na alíquota mínima prevista em lei, referente a período anterior à EC 29/2000, mesmo que a pro‑gressividade das alíquotas tenha sido declarada inconstitucional por Tribunal de Justiça, revela‑se a única solução possível que compatibilize a competência tributária dos municípios e a exação menos gravosa possível ao contribuinte, tudo isso sem incorrer em inconstitucionalidade, uma vez que o IPTU seria cobrado de forma proporcional�

Ante o exposto, conheço do recurso ao qual dou provimento, nos termos do artigo 557, 1º‑A, do CPC, com a finalidade de reformar a decisão recorrida para afirmar a exigibilidade do IPTU, referente aos exercícios financeiros de 1995 a 1999, com a determinação de que o critério quantitativo do consequente da regra matriz de incidência tributária adote a menor alíquota prevista na lei municipal de instituição do tributo vigente à época�

Inverto os ônus sucumbenciais, conforme preconizado pela legislação pro‑cessual, observado o deferimento de justiça gratuita em prol da parte Recorrida�

É como voto�

VOTO

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu acompanho o Relator�Só faria uma sugestão na conclusão do voto que Sua Excelência gentilmente

fez distribuir: quando se manifesta sobre a incidência da alíquota menor a ser aplicada, Vossa Excelência poderia explicitar – já está incluído, mas, às vezes, o óbvio precisa ser dito – que é a alíquota mínima de acordo com a destina‑ção do imóvel – imóvel residencial, não comercial e não edificado –, porque, muitas vezes, há alíquotas diferenciadas; apenas explicitar para evitar, even‑tualmente, futura deliberação ou discussão a respeito de qual das alíquotas mínimas seria a aplicável�

O sr. ministro Edson Fachin (Relator): Perfeitamente�O sr. ministro Dias Toffoli: Respeitada a destinação do imóvel� Apenas

um acréscimo�O sr. ministro Edson Fachin (Relator): Perfeitamente� Estou de pleno acordo

com Vossa Excelência�

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VOTO (Antecipação)

A sra. ministra Cármen Lúcia: De acordo, Presidente�Eu estou juntando voto escrito exatamente no sentido do voto do Ministro

Relator�

VOTO

A sra. ministra Cármen Lúcia (vogal): 1. Recurso extraordinário interposto com base no art� 102, inc� III, al� a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“IPTU – LEI MUNICIPAL Nº 5.641/89 – MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE – PROGRESSI-VIDADE DAS ALÍQUOTAS – INCONSTITUCIONALIDADE – TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA – PREVISÃO DE SERVIÇOS ‘UTI UNIVERSI’ – INCONSTITUCIONALIDADE.

É de ser reconhecida a inconstitucionalidade da cobrança do IPTU feito com base na Lei Municipal nº 5.641/89 do Município de Belo Horizonte, cuja progressividade das alíquotas ofende a CR/88, sem embargos da posterior legislação municipal que adequou a tabela com mera seletividade, não aplicável ao fato gerador anterior.

A taxa de limpeza pública não incide apenas sobre a coleta de lixo, esta sim capaz de ser auferida e mensurada de forma específica e divisível, mas de vários outros serviços impossíveis de aferição individual, não sendo legítima a sua cobrança”.

2. O Recorrente alega ter o Tribunal de origem contrariado o art� 156, inc� I, da Constituição da República, asseverando que “o entendimento do STF, ao contrário do entendimento abraçado pelo acórdão recorrido, não é o de que os contribuintes não devem pagar nada quando for constatada a aplicação de alí-quotas progressivas. Ao contrário, o que o STF rechaça é a exigência do IPTU lançado de forma progressiva, determinando que seja aplicada no caso a menor alíquota prevista na legislação municipal”.

Conclui que “a manutenção do Acórdão recorrido, seria o mesmo que isentá--las do pagamento do tributo, decisão esta que não está em consonância com o entendimento da Excelsa Corte e, como visto, fere preceito constitucional”.

Requer o provimento do recurso extraordinário “para que seja reconhecido seu direito de proceder à cobrança do IPTU com base na alíquota mínima, no período de 1995 a 1999”�

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3. Em 22‑10‑2009, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reco‑nheceu a repercussão geral da tese contida neste recurso extraordinário, nos seguintes termos:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPTU. PROGRESSIVIDADE ANTERIOR À EC 29/2000. INCONSTITUCIONALIDADE. COBRANÇA COM BASE NA ALÍQUOTA MÍNIMA. RELEVÂNCIA JURÍDICA E ECONÔMICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL” (DJe 20‑11‑2009)�

4. A Procuradoria Geral da República manifestou‑se pelo não conhecimento do recurso�

5. Os municípios do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Porto Alegre, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras – ABRASF e a Con‑federação Nacional dos Municípios – CNM foram admitidas como amici curiae�

6. Cumpre registrar, inicialmente, que a despeito de o acórdão recorrido contemplar discussão sobre a progressividade de alíquotas do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano – IPTU e também sobre a Taxa de Limpeza Pública, o Recorrente insurge‑se apenas contra a alegada insubsis‑tência jurídica de alíquota para o cálculo do IPTU na espécie, defendendo que

“o reconhecimento da inconstitucionalidade da aplicação de alíquotas progres-sivas ao IPTU, quando efetivamente comprovada, poderia levar, no máximo, ao pagamento pela menor alíquota legalmente prevista, com o abatimento do suposto excesso lançado (o que ora se requer) e não à nulidade total dos lançamentos impug-nados, como equivocadamente entendeu a r. decisão recorrida. (…) Assim, o deci‑sum deve ser reformado, aplicando-se a alíquota mínima prevista na legislação municipal, sob pena de agressão ao art. 156, inciso I, da Constituição Federal”�

7. Consta do voto condutor do julgado recorrido:

“Analisando as CDAs que embasam a cobrança é possível vermos o fundamento legal: Leis 1.310/66, 5.641/89 e outras.

O art. 83 da Lei 5.641/89 foi impugnado por ADI em face da Constituição Mineira, proposta perante este Tribunal. Na oportunidade do julgamento, o TJMG entendeu pela inconstitucionalidade da exação progressiva, vejamos:

‘Ação Direta de Inconstitucionalidade – IPTU – Progressividade – Prelimina-res de inépcia, falta de interesse de agir e requisito essencial à propositura da ação rejeitadas – inconstitucionalidade do art. 83, caput, da Lei Municipal nº 5.641/89, alterado pelas Leis Municipais nºs 7.242/96 e 7.633/98. Preliminares: Se o pedido foi inteiramente compreendido pela representada, não há que se falar em inépcia. A ação direta de inconstitucionalidade é a via adequada para se enfrentar a questão posta em julgamento, pois o representante ataca dispositivo

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de lei municipal frente a artigo da Carta Estadual. Se o artigo 170 da Carta Mineira incorporou os princípios constitucionais, inseridos na Carta Federal não há que se falar em inconstitucionalidade reflexa. Preliminares rejeitadas. Mérito: Impossibilidade de cobrança de IPTU segundo alíquotas progressivas, pois inconstitucional é o art. 83, caput, da Lei Municipal nº 5.641/89, alterado pelas Leis Municipais nºs 7.242/96 e 7.633/98.’ (Ação Direta de Inconstituciona-lidade nº 1.0000.00.198214-9/000 – comarca de Belo Horizonte – Requerente(s): Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais – Requerido(s): Pre-feito Municipal de Belo Horizonte e outra – Relator: Exmo. Sr. Des. Campos Oliveira, destaquei.)

Os efeitos do julgamento alhures vinculam todo o Judiciário mineiro, que deve atenção à declaração de inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU de Belo Horizonte.

Diante desta situação o Legislativo editou a EC nº 29 de 2000 e a Lei Municipal 8.291, de 2001, adequando o ordenamento jurídico estadual/municipal às disposi-ções constitucionais, mormente no que se refere ao disposto no art. 156, § 1º, com as limitações expressamente previstas nos §§ 2º e 4º do art. 182 da CR/88.

Entretanto, as regras atuais não retroagem, de forma que é ‘ inconstitucional a exigência, pelo Município de Belo Horizonte, do IPTU, nos exercícios de 1996 a 2000, calculado por alíquotas progressivas previstas na Lei Municipal 5.641/89, com as alterações das Leis nº 7.242/96 e nº 7.638/98, não atendido o disposto no art. 156, § 1º, com limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do art. 182 da Carta de 1988. ADIn/TJMG Nº 1.0000.00.198214.9.00.’ (TJMG – Ap. cível nº 1.0024.00.125978-7/002, Rel. Des. EDUARDO ANDRADE, p. 20-4-2006)

É que a posterior normatividade não retroage para atingir as leis antes tidas como inconstitucionais.

(…)O IPTU ora impugnado se refere aos fatos geradores de 1995 até 1999, calculados

segundo a Lei 5.641/89, como pode ser visto no verso das próprias CDAs. Os pró-prios títulos foram elaborados antes da declaração da inconstitucionalidade da ADI 1.0000.00.198214-9/000, o que reforça a tese de que foram consideradas ali as alíquotas progressivas do imposto.

É certo que a simples duplicidade de alíquotas, em razão de encontrar-se ou não edificado o imóvel urbano, não se confunde com progressividade do tributo, que o STF tem por inconstitucional (RE nº 229.233 – 7/SP).

Assim, tem se demonstrado regular a cobrança de IPTU com alíquotas progressivas para os exercícios posteriores à Lei 8.291, de 2001 do Município de Belo Horizonte, não antes da mesma, pois só a partir daí observou-se a disposição constitucional. A partir daí, as alíquotas se diferenciam, não pelo valor venal do imóvel, ou de sua localização, mas em função das características especiais de cada imóvel, ou seja, se edificados ou não, se residenciais ou não, ou mesmo se lotes vagos, sem melho-ramentos ou com melhoramentos, entre outras especificações, o que é admitido pela nova ordem constitucional.

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Em suma, antes da EC 29/00, que é o que aqui ocorre, pois se trata de cobrança de IPTU relativo aos exercícios de 1995/1999, apenas se admitia a progressividade com caráter extrafiscal, e ainda pendente de lei federal. A Tabela III, anexa à Lei Municipal nº 5.641/89, adota alíquotas progressivas para o IPTU, visto que ali consta que, mesmo em se tratando de imóveis idênticos ou da mesma classificação, as alíquotas se tornam crescentes, em função do padrão ou do valor venal do imóvel. E tal não é admitido.

O art. 156 da Constituição da República, que dispõe sobre os impostos dos municí-pios e está estreitamente ligado ao art. 182, que se encontra no capítulo da política urbana, restringe de forma evidente o caráter progressivo do IPTU apenas visando garantir o cumprimento da função social da propriedade. Assim, conclui-se que é inadmissível a progressividade com base na capacidade econômica do contribuinte.

Assim, demonstra-se inconstitucional a cobrança do IPTU feita com base na Lei Municipal 5.641/89 do Município de Belo Horizonte, como ocorre no presente caso, pois a progressividade com base na capacidade econômica do contribuinte ofende a CR/88.

(…)Diante de todo o exposto, rejeito a preliminar e dou provimento ao recurso para

reformar a sentença, extinguindo a execução fiscal em apenso diante da inconsti-tucionalidade da cobrança de IPTU e da TSU no caso concreto.”

O que se põe em foco no presente recurso extraordinário é a possibilidade de cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU pela alíquota básica prevista na lei declarada inconstitucional na parte em que instituiu, antes da Emenda Constitucional n� 29/2000, o sistema progressivo de cálculo do tributo�

8. No julgamento do Recurso Extraordinário n� 153�771/MG, de Relatoria do Ministro Carlos Velloso e de redatoria do Ministro Moreira Alves, o Plenário deste Supremo Tribunal declarou a inconstitucionalidade do subitem 2�2�3 do setor II da Tabela III da Lei 5�641/1989, que trata da progressividade da alíquota do IPTU, nos termos seguintes:

“IPTU. Progressividade. No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressi-vidade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). A interpreta-ção sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156,

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§ 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o subitem 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte.” (DJ 5‑9‑1997)

Esse entendimento foi reafirmado em ambas as Turmas deste Supremo Tri‑bunal Federal:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPTU. ALÍQUOTAS. PROGRESSIVIDADE. I – Inconsti-tucionalidade da progressividade das alíquotas do IPTU. RE 153.771/MG, Moreira Alves, Plenário. II – Agravo não provido.” (AI 417�165 AgR, Relator o Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 6‑2‑2004)

“‘É inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal’ (RE 153.771). Tendo sido a Lei Municipal de Belo Horizonte editada antes da EC 29/2000, aplica-se este entendimento. Nego, assim, provimento ao agravo.” (AI 325�852 AgR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, DJ 15‑3‑2002)

Em 2003, a matéria foi sumulada:

“Súmula n. 668: É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.” (DJ 9‑10‑2003)

9. Em momento posterior, este Supremo Tribunal veio a analisar desdobra‑mento atinente à não admissão, no período anterior à Emenda Constitucional n� 29/2000, da forma progressiva de cálculo do IPTU, qual seja, a controvérsia sobre a viabilidade de lançamento tributário por suposta inexistência de alí‑quota remanescente para a constituição do crédito tributário�

Com base nessa discussão, ambas as Turmas deste Supremo Tribunal decidi‑ram, em período anterior ao reconhecimento da repercussão geral da matéria, ser possível a manutenção da cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, mesmo diante de norma legal na qual instituída a progressividade do tributo, desde que respeitada a incidência da alíquota mínima prevista na legislação aplicável à espécie:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA –IPTU. INCONSTITUCIONALIDADE DA PROGRESSIVIDADE ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 29/2000. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA ALÍQUOTA MÍNIMA. PRECEDENTES. NULIDADE DO LANÇAMENTO:

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NECESSIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITU-CIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (AI 663�016 AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJE 13‑11‑2009)

“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. INCONSTITUCIONALIDADE DA PROGRESSIVIDADE DE IPTU. POSSIBILIDADE DA COBRANÇA COM BASE NA ALÍQUOTA MÍNIMA. LEI MUNICIPAL DE IPATINGA 1.206/91. 1. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que o reconhecimento da inconstitucionalidade da progressividade do IPTU não afasta a cobrança total do tributo, devendo ser realizada pela forma menos gravosa prevista em lei. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (AI 605�018 AgR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 18‑12‑2009)

“Embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário. IPTU. Município de Porto Alegre. Progressividade. Omissão quanto à aplicação da alí-quota conforme a redação original da Lei Complementar municipal nº 7/73. Multa por litigância de má-fé. Exclusão. Parcial procedência. Precedentes. 1. Aplica-se ao caso concreto a alíquota mínima de IPTU prevista na Lei Complementar municipal nº 7/73, com a redação vigente à época do fato gerador da obrigação (LC nº 212/89). 2. Exclusão da multa por litigância de má-fé. 3. Embargos de declaração parcial-mente acolhidos.” (RE 403�495 AgR‑ED, Relator o Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 6‑12‑2011)

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. ALÍQUOTA MÍNIMA. APLI-CAÇÃO. Este Tribunal fixou entendimento no sentido que seja observada a alíquota mínima prevista na legislação local, para que se evite o locupletamento do parti-cular e o tratamento desigual de contribuintes. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 746�590 AgR, Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe 7‑8‑2009)

“TRIBUTÁRIO. IPTU. PROGRESSIVIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. COBRANÇA COM BASE NA ALÍQUOTA MÍNIMA. PRECEDENTES RECENTES. NÃO SOBRESTAMENTO. AGRAVO IMPROVIDO. I – O reconhecimento da inconstitucionalidade da progressi-vidade do IPTU não afasta a cobrança total do tributo, que deverá ser realizada pela forma menos gravosa prevista em lei. II – Trata-se, no caso, de inconstitucio-nalidade parcial que atinge apenas a parte incompatível com o texto constitucional e permite seu pagamento com base na alíquota mínima. III – No caso dos autos, a legislação anterior também traz progressividade de forma incompatível com o texto da Constituição então vigente, o que reforça a necessidade de adoção da inconstitucionalidade parcial. IV – É possível o julgamento imediato do feito com base em precedentes recentes que analisaram legislação diversa, mas discutiram a mesma matéria. V – Agravo improvido.” (RE 378�221 AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 18‑9‑2009)

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“Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. IPTU. Progressividade. 3. Aplica-ção de legislação anterior. 4. Determinação para utilização de alíquotas mínimas. 5. Negado provimento ao agravo.” (RE 414�216 AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 2‑2‑2007)

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. ALEGADA AFRONTA AO INCISO II DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA INDIRETA OU REFLEXA. 2. MÉRITO. A ALÍQUOTA DE IPTU A SER OBSERVADA É A MÍNIMA. 3. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO INCISO IX DO ART. 93 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INSUBSISTÊNCIA. 1. É de se aplicar a Súmula 636 do Supremo Tribunal Federal: “Não cabe recurso extraordinário por contra-riedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pres-suponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”. 2. Por outro lado, quanto ao mérito, anoto que “a glosa da progressi-vidade não conduz à declaração de insubsistência do tributo. A alíquota a ser observada é a mínima, nos termos em que declarada pela Corte de origem, isso em consequência da inconstitucionalidade verificada, no que restrita às majorações. Assim, não se tem como configurada, ao ser mantida a alíquota mínima, a ofensa à Carta Federal” (RE 448.294, da relatoria do ministro Marco Aurélio). Precedentes: REs 395.459, da relatoria do ministro Carlos Velloso; 403.256, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; e 439.061, da relatoria do ministro Marco Aurélio, entre outros. 3. De mais a mais, o aresto impugnado, em que pese haver dissentido dos interesses da parte agravante, está devidamente fundamentado. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 705�453 AgR, Relator o Ministro Carlos Britto, Primeira Turma, DJe 8‑5‑2009)

“1. RECURSO. Embargos de declaração. IPTU. Alíquota progressiva. Leis complemen-tares nºs 7/73 e 212/89. Acórdão embargado. Omissão quanto ao tema. Existência. Embargos de declaração acolhidos. Acolhem-se embargos de declaração, quando seja omisso o acórdão embargado. 2. RECURSO. Extraordinário. Admissibilidade. IPTU. Progressividade. Inconstitucionalidade do art. 1º da LC 212/89. Precedentes. Firmou-se jurisprudência nesta Corte no sentido de ser devida a alíquota mínima do IPTU, em face da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da LC 212/89, que alterou a redação do art. 5º da LC 7/73.” (RE 443�410 AgR‑ED, Relator o Ministro Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ 9‑6‑2006)

Confira‑se, ainda, a decisão monocrática do RE n� 448�294, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ 6‑6‑2005, trânsito em julgado em 16‑6‑2005�

10. O vício de inconstitucionalidade alcançou o Imposto sobre a Proprie‑dade Predial e Territorial Urbana – IPTU em sua progressividade� Logo, não conduziu à declaração da insubsistência do tributo e desonerou o contribuinte de seu pagamento�

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Diante do princípio constitucional da isonomia tributária, o tributo continua devido, entretanto, excluída a parcela atinente à cobrança progressiva, qual seja, aquela correspondente às alíquotas excedentes à prevista como alíquota mínima�

11. Soma‑se a esse entendimento o argumento de que as normas relativas às competências tributárias asseguradas a cada uma das entidades federativas representam a face objetiva da autonomia financeira, sem a qual não se há falar em autonomia administrativa, autonomia política e autonomia legislativa�

No caso vertente, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU revela‑se como verdadeira fonte de recursos do Município Recorrente� Essa característica, entretanto, não afasta a inconstitucionalidade desse tri‑buto, quando indevidamente dotado de progressividade, em momento anterior à Emenda Constitucional n� 29/2000�

Considerada a máxima efetividade da Constituição, revelada na ponderação entre a necessidade de manutenção da autonomia financeira do Município e o princípio da legalidade tributária, tem‑se como pertinente a validade cons‑titucional da cobrança do tributo, ressalvada a necessidade de observância da atuação menos gravosa do Estado sobre o patrimônio do particular, razão pela qual resulta válida a incidência da alíquota mínima prevista na legislação�

12. Ademais, a cobrança do imposto calculado pela incidência de alíquota mínima, nos casos em que a norma instituidora da progressividade for decla‑rada inconstitucional, decorre da possível dissociação entre a alíquota básica e o sistema progressivo de cobrança�

Assim, a inconstitucionalidade, repete‑se, incide sobre o sistema de cál‑culo progressivo do tributo, em momento anterior à Emenda Constitucional n� 29/2000, não sobre a alíquota básica para cobrança do imposto, pelo que, por ser menos gravosa ao contribuinte, deve ser reconhecida a validade constitucio‑nal da alíquota mínima prevista na lei vigente à época da cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU�

13. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário�

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, eu também gostaria de cumprimentar o Relator pelo cuidadoso voto e dizer da importância desse tipo de decisão que mantém a capacidade do Estado de tributar, porque a outra solu‑ção, que levasse à inconstitucionalidade completa da norma, impossibilitaria, no caso, os municípios de fazê‑lo�

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Acredito que, nessa visão, Sua Excelência honrou também o modelo de Estado fiscal, que depende, fundamentalmente, dos tributos para atender aos serviços públicos�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, estamos a atuar em sede extraor‑dinária, então é indispensável o cotejo� Daí ter‑se o instituto do prequestiona‑mento� Quando a matéria foi submetida ao Colegiado, no denominado Pleno Virtual, apontei que:

“2� O tema tratado no extraordinário não foi objeto de debate e decisão prévios� A razão mostrou‑se única�” – disse então – “Defrontou‑se o Tribunal de Justiça com executivo fiscal e este se fez aparelhado de forma própria� Então, não lhe cabia mesmo emitir entendimento sobre a questão já agora veiculada” – a prevalência, ou não, da alíquota‑base prevista na lei que introduziu a progressividade – “no recurso extraordinário pelo Município de Belo Horizonte� Em síntese, a matéria padece da ausência do prequestionamento�”

E concluí:

3� Ante o quadro, manifesto‑me no sentido da inadequação do instituto próprio ao extraordinário que é a repercussão geral, sempre a pressupor o debate e a decisão prévios do que, sob tal ângulo, versado�

Se enfrentarmos agora, em sede extraordinária, o tema proposto nas razões recursais, estaremos julgando‑o pela vez primeira� Não houve, na origem, emissão de entendimento sobre a prevalência, ou não, da alíquota‑base pre‑vista na lei nova�

Digo mais, Presidente: foi citado da tribuna precedente da minha lavra, talvez até em cobrança de coerência� Mas já afirmei, várias vezes, que não tenho com‑promisso com os meus próprios erros� Envergando a capa, atuarei segundo ciência e consciência possuídas� De qualquer forma, o precedente mencionado implicou negativa de seguimento a recurso extraordinário� Ao implementar essa negativa, fiz a transcrição do Verbete nº 668 da Súmula, que é categórico:

“É inconstitucional” – e não houve qualquer ressalva quanto à pecha – “a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alí‑quotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana�”

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Ou seja, a progressividade tem balizas e, evidentemente, há uma percentagem básica e um teto� Se se conclui que, ante a edição da lei, gerando a progressivi‑dade e, portanto, alterando a lei pretérita regedora do IPTU, antes da Emenda Constitucional nº 29/2000, incide a inconstitucionalidade no todo� No que se mostrou conflitante com a Lei das leis, que é a Constituição Federal, surgiu nati‑morta� Logicamente, a cobrança – e teria que pegar as premissas do precedente mencionado da tribuna no que me referi a uma alíquota mínima – há de ser feita segundo a regência pretérita, anterior à lei nova, que criou a progressivi‑dade sem que o legislador local estivesse autorizado pela Carta da República�

Inicialmente, Presidente, não conheço do recurso por falta do prequestio‑namento e repito: estamos julgando, pela vez primeira, a definição da alíquota� Em segundo lugar, desprovejo o recurso na esteira, creio, do pronunciamento da Procuradoria‑Geral da República, se não me falha a memória�

VOTO

O sr. ministro Celso de Mello: Peço vênia para, acompanhando o eminente Ministro Relator, conhecer e dar provimento ao presente recurso extraordinário deduzido pelo Município de Belo Horizonte�

Também peço licença para acolher a tese pertinente ao Tema 226 e procla-mar, em consequência, que, reconhecida inconstitucional a progressividade de alíquota tributária (IPTU), relativamente a fato gerador ocorrido em período anterior à promulgação da EC 29/2000, tornar-se-á exigível o tributo em ques‑tão, cujo valor, no entanto, será calculado pela concernente alíquota mínima, segundo a destinação do imóvel e em conformidade com a legislação municipal em vigor em referido período�

É o meu voto�

VOTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu vou pedir vênia ao Minis‑tro Marco Aurélio também para conhecer do recurso e dar‑lhe provimento� E observo que fui o responsável por apresentar ao Plenário a proposta de que fosse, à época, reconhecida a repercussão geral� Fiz menção à existência de preliminar formal em que o recorrente aduziu que o IPTU é a exação fiscal que se destina a custear inúmeros gastos do município� E também sustentou o recorrente, à época, que a questão constitucional versada no recurso suplanta o interesse subjetivo das partes�

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Verifico também aqui, data venia, que o acórdão do Tribunal de Justiça faz menção, desde a origem, a esta controvérsia� Portanto, entendo que a matéria pode ser conhecida por este Supremo Tribunal Federal, desde logo, em sede de recurso, e acompanho o Relator quanto à conclusão, assim como fizeram os demais Pares, tendo em conta exatamente a natureza do IPTU, o caráter não apenas fiscal, mas também extrafiscal desse importante tributo das comunas brasileiras� Entendo que é um recurso absolutamente relevante para a pres‑tação de serviços essenciais aos munícipes, e, portanto, uma declaração de inconstitucionalidade integral da lei, levaria ao caos fiscal a inúmeros muni‑cípios brasileiros�

DEBATE

O sr. ministro Teori Zavascki: Presidente, acabamos não aprovando uma tese� Estava conversando com o Ministro Fachin, e a tese que sugeri, e Sua Excelên‑cia a princípio concorda, seria a seguinte: Declarada inconstitucional a pro‑gressividade de alíquota tributária, é devido o tributo calculado pela alíquota mínima correspondente�

O sr. ministro Dias Toffoli: De acordo com a destinação do imóvel�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ao longo dos debates

estava me ocorrendo a possibilidade eventual de haver prescrição relativamente a alguns lançamentos� É possível que a lei municipal tenha sido formulada de tal maneira que não subsista uma alíquota mínima� Ela substitui uma lei anterior que estabelece uma alíquota mínima�

Em alguns casos – eu estava aqui pensando, agora veiculo em voz alta esse meu pensamento –, é possível que, em algumas hipóteses, a lei seja completa‑mente inconstitucional� Mas isso é um caso concreto que haverá de ser exa‑minado, se for o caso, oportunamente pelo Poder Judiciário em suas várias instâncias� Mas eu concordo desde logo com essa tese formulada�

Consulto os Pares�Todos estamos de acordo com a tese enunciada agora pelo Ministro Teori

Zavascki, com anuência do Relator� Essa é a tese formulada com a objeção jus‑tificada do Ministro Marco Aurélio�

EXTRATO DE ATA

RE 602�347/MG — Relator: Ministro Edson Fachin� Recorrente: Município de Belo Horizonte (Procurador: Procurador‑geral do Município de Belo Horizonte)�

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RE 602.347

Recorrida: Maria Aparecida Pessoa de Paula (Advogado: Antonio Augusto Duarte de Paula)� Amici curiae: Município do Rio de Janeiro (Procurador: Pro‑curador‑geral do Município do Rio de Janeiro), Confederação Nacional dos Muni‑cípios – CNM (Advogados: Paulo Caliendo e outros), Município de Porto Alegre (Advogado: Luis Maximiliano Leal Telesca Mota), Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras – ABRASF (Advogado: Ricardo Almeida Ribeiro da Silva) e Município de São Paulo (Procurador: Procurador‑‑geral do Município de São Paulo)�

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 226 da repercussão geral, conheceu e deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia do recurso, e, no mérito, negava‑lhe provimento� Também por maioria, o Tribunal fixou tese nos seguintes termos: “Declarada inconstitucional a progressividade de alíquota tributária, é devido o tributo calculado pela alíquota mínima correspondente, de acordo com a destinação do imóvel”, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não fixava tese� Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Barroso� Falaram, pelo recor‑rente Município de Belo Horizonte, o Dr� Eduardo Augusto Vieira de Carvalho, Procurador do Município; pelo amicus curiae Município do Rio de Janeiro, o Dr� Ricardo Perin, Procurador do Município, e pelo amicus curiae Município de São Paulo, a Dra� Zeny Kim Suzuki, Procuradora do Município� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Edson Fachin� Vice‑‑Procuradora‑Geral da República, Dra� Ela Wiecko Volkmer de Castilho�

Brasília, 4 de novembro de 2015 — Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Asses‑sora‑Chefe do Plenário�

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 606.358 — SP

Relatora: A sra. ministra Rosa WeberRecorrente: Estado de São PauloRecorrida: Lacy Dias de AlmeidaAmici curiae: União

Estado do Rio Grande do Sul Estado do Rio de Janeiro Sindicato dos Funcionários Efetivos e Estáveis da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul – Sinfeeal Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – Sindalesp Sindicato dos Fiscais de Rendas do Estado do Rio de Janeiro – Sinfrerj Associação Nacional dos Procuradores de Estado – Anape Estado do Acre Estado de Alagoas Estado do Amapá Estado do Amazonas Estado da Bahia Estado do Ceará Distrito Federal Estado do Espírito Santo Estado de Goiás Estado do Maranhao Estado de Mato Grosso Estado de Mato Grosso do Sul Estado de Minas Gerais Estado do Pará Estado da Paraíba

RE 606�358

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RE 606.358

Estado do Paraná Estado de Pernambuco Estado do Piauí Estado do Rio Grande do Norte Estado de Rondônia Estado de Roraima Estado de Santa Catarina Estado de São Paulo Estado de Sergipe Estado do Tocantins

RECURSO EXTRAORDINÁRIO� DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITU‑CIONAL� SERVIDORES PÚBLICOS� REMUNERAÇÃO� INCIDÊNCIA DO TETO DE RETRIBUIÇÃO� VANTAGENS PESSOAIS� VALORES PERCEBIDOS ANTES DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003� INCLUSÃO� ART� 37, XI e XV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA�

1� Computam‑se para efeito de observância do teto remuneratório do art� 37, XI, da Constituição da República também os valores perce‑bidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso e de boa‑fé até o dia 18 de novembro de 2015�

2� O âmbito de incidência da garantia de irredutibilidade de venci‑mentos (art� 37, XV, da Lei Maior) não alcança valores excedentes do limite definido no art� 37, XI, da Constituição da República�

3� Traduz afronta direta ao art� 37, XI e XV, da Constituição da República a exclusão, da base de incidência do teto remuneratório, de valores percebidos, ainda que antes do advento da Emenda Cons‑titucional nº 41/2003, a título de vantagens pessoais�

4� Recurso extraordinário conhecido e provido�

ACÓRDÃO

O Tribunal, apreciando o tema 257 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto da Relatora, conheceu e deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o desprovia� Por unanimidade, o Tribunal fixou tese nos seguintes termos: “Computam‑se para efeito de observância do teto

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remuneratório do art� 37, XI, da Constituição da República também os valores percebidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso e de boa‑fé até o dia 18 de novembro de 2015”� Não participaram da fixação da tese os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli� Falaram, pelo recorrente Estado de São Paulo, a Dra� Paula Nelly Dionigi; pela recorrida, o Dr� Márcio Cammarosano; pelo amicus curiae Sindicato dos Ser‑vidores da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Sindalesp), o Dr� Antonio Luiz Lima do Amaral Furlan; e, pelos Estados da Federação e pelo Distrito Federal (amici curiae), a Dra� Lívia Deprá Camargo Sulzbach, Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul� Ausente, justificada‑mente, o Ministro Celso de Mello� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowki� Plenário�

Brasília, 18 de novembro de 2015 — Rosa Weber, Relatora�

RELATÓRIO

A sra. ministra Rosa Weber: Trata‑se de recurso extraordinário (em ação ordi‑nária) interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão da Nona Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em que dado provimento à apelação do autor, Lacy Dias Almeida, agente fiscal de rendas aposentado, para, reformando a sentença de improcedência, excluir da base de incidência do teto remuneratório estadual vantagens tidas como de natu‑reza pessoal, relativas a adicionais por tempo de serviço (quinquênios), sexta parte, prêmio de produtividade e gratificações, bem como para condenar a ré a restituir‑lhe a diferença, apurada em liquidação de sentença�

Eis o teor do acórdão recorrido:

“APELAÇÃO – Servidor público – Agente fiscal de rendas – Teto remuneratório limitado pela EC 41/03 – Exclusão, porém, das verbas de caráter pessoal que não se incluem na limitação do texto Constitucional Federal contido no inciso XI, do artigo 37, sob pena de ensejar ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos (artigo 37, XV, CF.), bem como seja resguardado o direito adqui-rido – Precedentes do Col. Supremo Tribunal Federal do Superior Tribunal de Justiça e deste Egrégio Sodalício – Sentença reformada – Recurso provido.

Trata‑se de ação ordinária movida por Lacy Dias de Almeida, Agente Fiscal de Rendas aposentado, em face da Fazenda do Estado de São Paulo, objetivando a exclusão, para efeito de cálculo do teto remuneratório, dos adicionais por tempo de serviço (quinquênios) e da sexta parte, prêmio de produtividade, gratificação

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30%, sob a alegação de que a inclusão dessas vantagens de natureza pessoal implica em violação aos princípios do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da irredutibilidade de vencimentos� Alega que a requerida vem aplicando ile‑galmente o redutor sobre vencimentos mensais, em razão do limite máximo de vencimentos estabelecido a partir da Emenda Constitucional nº 41/2003, regu‑lamentada pelo Decreto Estadual nº 48�407/2004 e o cálculo do teto está inci‑dindo sobre vantagens de caráter pessoal já incorporada ao salário� Sendo assim, alega que as vantagens de caráter pessoais elencadas, devem ser excluídas do conceito de remuneração adotado como limite máximo de vencimentos, bem como lhes sejam restituídos os valores descontados a partir de janeiro de 2004� Pediu o afastamento da redução havida em seus vencimentos e a restituição das quantias descontadas�

A r� sentença de fls� 64/69, cujo relatório se adota, julgou improcedente o pedido, condenando o autor no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa�

Inconformado, apela o autor às fls� 79/97, repisando os mesmos argumentos expendidos na exordial, postulando a inversão do julgado�

Recurso recebido, processado e contrariado às fls� 104/112�É o relatório�Merece reforma a r� sentença atacada�Entende o autor que não poderiam ser incluídos, para efeito do cálculo do limite

constitucional imposto pelo Decreto Estadual 48�407/2004, os adicionais por tempo de serviço (quinquênios) e a sexta parte, prêmio de produtividade, gratifi‑cação 30% etc�, vantagens de natureza pessoal, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais do direito adquirido, ato jurídico perfeito e irredutibilidade de vencimentos�

Ocorre que seus proventos foram consideravelmente diminuídos em decorrên‑cia da EC nº 41/03 que introduziu alterações no art� 37, inciso XI, segunda parte na CF/88, instituindo tetos remuneratórios diferenciados para os ocupantes de cargos, funções e empregos da Administração Pública direta e indireta� Destarte, passou a efetuar descontos em seus proventos de todos os valores que ultrapas‑saram o valor do subsídio do Governador do Estado�

A Administração está se valendo do Decreto estadual nº 48�407/04, sob a escora dos termos da EC 41/03, que proporcionou nova redação ao artigo 37, XI da CF, limitando o ‘valor do subsídio mensal do Governador do Estado’ (artigo 1º) os demais ganhos�

Ocorre que, este estabelecimento de limite e redutor está sendo feito de molde a desconsiderar verbas incorporadas e decorrentes de legislação específica que ensejou tais apostilamentos, com clara infringência aos princípios, também constitucional do direito adquirido e mais especificamente da irredutibilidade de vencimentos�

Em que pese à alteração constitucional determinada pela EC nº 41/03, que incluiu as verbas pessoais para aferição do teto remuneratório (art� 37, XI), é

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certo que o princípio que confere a irredutibilidade de vencimentos e assegura o direito adquirido, não pode ser desconsiderado ou irresponsavelmente ignorado�

Os efeitos concretos do limite remuneratório somente podem ser implemen‑tados, se preservadas todas as demais garantias e direitos que o servidor tenha conquistado junto a Carta Federal�

Assim, a fixação de teto é factível, contudo, não poderá determinar redução de vencimentos em afronta aos princípios constitucionais� Deve respeitar o valor nominal dos vencimentos, salvo se constatada ilegalidade ou irregularidade, que por cassação ou anulação, instigue a redução�

Todavia, o cerne da discussão dos autos é se a manutenção do subteto alcança ou não as vantagens pessoais incorporadas, adquiridas antes do novo modelo remuneratório constitucional, e no tocante a esse ponto, por se tratar de van‑tagem pessoal, estão a salvo da incidência do subteto, pois são vantagens que integram o patrimônio dos servidores�

O autor é aposentado no cargo de agente fiscal de rendas do Estado de São Paulo, com direito de permanecer recebendo os valores que já percebia antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 41/2003�

Ora, ao tempo da promulgação dessa Emenda, a situação do autor já estava consolidada de há muito, preconizando a doutrina majoritária, na justa medida, a impossibilidade de sua aplicação com a ressalva do artigo 17 do Ato das Dispo‑sições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, por afrontar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a garantia da irredutibilidade de vencimentos�

O Colendo Supremo Tribunal Federal dirimiu tal questão, cujos julgados transcrevo:

‘RE 488�851 AgR/RJ – RIO DE JANEIROAG� REG� NO RECURSO EXTRAORDINÁRIORelator(a): Min� GILMAR MENDESJulgamento: 30‑9‑2008 Órgão Julgador: Segunda TurmaPublicaçãoDJe‑222 DIVULG 20‑11‑2008 PUBLIC 21‑11‑2008EMENT VOL‑02342‑07 PP‑01380Parte(s)AGTE�(S): ESTADO DO RIO DE JANEIROADV�(A/S): PGE‑RJ – ALDE DA COSTA SANTOS JÚNIORAGDO�(A/S): REGINALDO MENDES LINHARES E OUTRO(A/S)ADV�(A/S): MAURO J� FERRAZ LOPES E OUTRO(A/S)EmentaEMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Servidores

públicos estaduais. Vantagens pessoais. Teto remuneratório. Artigo 37, XI, (redação anterior à EC nº 41, de 2003), da Constituição Federal. Impos-sibilidade. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

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DecisãoNegado provimento ao agravo regimental� Decisão unânime� Não participou

do julgamento a Senhora Ministra Ellen Gracie� Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau� Presi‑diu, este julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes� 2ª Turma, 30‑9‑2008�’

E ainda, pertinente transcrever trecho do voto do Ministro:‘O acórdão recorrido decidiu que as vantagens pessoais dos agravados incluem‑se para o cálculo do teto remuneratório�

Esta Corte firmou entendimento segundo o qual as gratificações pessoais adquiridas no período anterior à Emenda Constitucional nº 41, de 2003, não se incluem no cálculo do teto remuneratório, v.g., além dos precedentes mencionados na decisão agravada, o RE 215�612, 2ª T�, Rel�, Marco Aurélio, DJ 23‑6‑2006; e o RE‑AgR 483�097, 1ª T�, Rel� Carmen Lúcia, DJ 15‑12‑2006, cuja ementa é a seguinte:

“EMENTA: TETO REMUNERATÓRIO� EXCLUSÃO DAS VATAGENS PESSOAIS� PERÍODO ANTERIOR À NORMA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N� 41/03� PRECE‑DENTES� AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO� A jurisprudência do Supremo Tribunal é no sentido de que, no período anterior à Emenda Constitucional n� 41/03, as vantagens pessoais estavam excluídas do teto remuneratório”�

‘AI 452�574 AgR / SP – SÃO PAULOAG� REG� NO AGRAVO DE INSTRUMENTORelator(a): Min� ELLEN GRACIEJulgamento: 13‑12‑2005 Órgão Julgador: Segunda TurmaPublicaçãoDJ 24‑2‑2006 PP‑00033EMENT VOL‑02222‑06 PP‑01041Parte(s)AGTE�(S) : MUNICÍPIO DE FRANCAADV�(A/S) : EDUARDO ANTONIETE CAMPANAROAGDO�(A/S) : WALTER ANAWATEADV�(A/S) : RENATA MARIA PUCCI ANAWATEEmenta1. O acórdão regional conforma-se à jurisprudência desta Corte, segundo

a qual, nos termos do art. 37, XI, da Carta Magna (redação originária), as vantagens pessoais são excluídas do teto constitucional. 2. Também é inaplicável o dispositivo constitucional mencionado a partir da redação que lhe foi conferida pela EC 19/98, pois, segundo reiterados precedentes deste Tribunal, sua eficácia dependia de lei regulamentadora específica. 3. Quanto à inclusão dos abonos e das antecipações salariais no teto de ven-cimentos, tal aspecto não foi devidamente prequestionado, pois qualquer questão que se pretenda impugnar deve ter sido examinada explicitamente

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pelo acórdão recorrido, sob pena de supressão de instância inferior. 4. Agravo regimental improvido.

DecisãoA Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos

termos do voto da Relatora� Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Gilmar Mendes� 2ª Turma, 13‑12‑2005�’

‘RE 224�527 / SP – SÃO PAULORECURSO EXTRAORDINÁRIORelator(a): Min� MOREIRA ALVESJulgamento: 26‑2‑2002 Órgão Julgador: Primeira TurmaPublicaçãoDJ 19‑4‑2002 PP‑00060 EMENT VOL‑02065‑06 PP‑01190Parte(s)RECTE� : MUNICÍPIO DE SÃO PAULOADVDA� : ANGÉLICA MARQUES DOS SANTOSRECDOS� : JOSÉ ANIBAL FREITAS MARQUES E OUTROSADVDOS� : MARCOS AUGUSTO PEREZ E OUTROSEmentaEMENTA: Recurso extraordinário. Teto remuneratório. – Quanto à ques-

tão concernente a não ter sido recebido pela atual Constituição o artigo 42 da Lei 10.430, de 29.02.88, do Município de São Paulo, esta Corte, ao julgar, por seu Plenário, o RE 220.397, decidiu que esse dispositivo municipal foi recebido pela Carta Magna de 1988 no tocante ao teto remuneratório nele fixado, não o sendo, porém, no ponto em que fixou esse teto para a remu-neração bruta, a qualquer título, dos servidores municipais. – Esta Corte, que firmou jurisprudência no sentido de que as vantagens pessoais não estão sujeitas à limitação do teto remuneratório, tem entendido, em casos análogos ao presente, que a gratificação de gabinete (RE 220.397, Pleno) e o adicional de função (RE 223.854, 1ª Turma) são vantagens de natureza pessoal, o mesmo não ocorrendo com a verba de honorários advocatícios (RE 220.397, Pleno, e RE 255.236, 1ª Turma) e a gratificação de nível superior (RE 216.836, 1ª Turma). – Dessas orientações divergiu em parte o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido em parte e nela provido.’

E mais : ‘Ainda após o advento da EC nº 19/98, continua vigente o sistema anterior, excluindo-se do limite do teto as vantagens de caráter pessoal, por não editada a lei a que se refere o art. 48, XV, da Constituição’ (RE 362�211 AgR, Rel� Min� Cezar Peluso, DJ 04‑03‑05)�

No mesmo sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:‘Os vencimentos estão sujeitos ao teto remuneratório, previsto no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal excluindo‑se, no entanto, as vantagens de caráter pessoal, até que lei em sentido formal venha fixar o subsídio de Minis‑tro do Supremo Tribunal Federal, uma vez que o referido dispositivo, com a

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redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, não é autoaplicável�’ (Resp nº 721�055, Min� Rel� Hélio Quaglia Barbosa, DJ 09‑05‑2005, p� 491)

Este Egrégio Sodalício também se manifestou nesse sentido:‘MANDADO DE SEGURANÇA – Servidor Público Municipal – Subteto – Art 37, XI, da Constituição Federal, com redação da EC 41/03 – Município com competência para estabelecer subteto – Descontos realizados pela Adminis‑tração não podem atingir vantagens de caráter pessoal – Recurso que concede parcialmente a ordem�’ (Apelação Cível nº 683�177�5/7‑00, Relator Desembar‑gador FRANCISCO VICENTE ROSSI, julgado em 23‑6‑2008)‘TETO SALARIAL – Pensionista de servidor municipal – Teto remuneratório limitado pela EC 41/03 – Exclusão no cálculo, porém, das vantagens pessoais – Sentença de improcedência parcialmente reformada – Recurso provido, em parte – Para o cálculo do teto remuneratório estipulado pela EC 41/03 devem ser excluídas as vantagens pessoais dos servidores, como, de há muito, desde outras limitações idênticas, vem decidindo o STF�’ (Apelação Cível nº 531�658 5/8‑00, Relator Desembargador LUÍS GANZERLA, julgado em 28‑7‑2008)�‘Servidor Público Estadual Agente Fiscal de Rendas� “Subteto” imposto pela Lei estadual nº 6�995/90� Norma que não perdeu validade com o advento da EC nº 19, de 1998, a qual, fixando teto salarial máximo, não impede estabeleci‑mento, pela legislação estadual, de limites máximos que lhe sejam inferiores� Exclusão, porém, na fixação do subteto, das vantagens de caráter individual ou pessoal� Recurso acolhido em parte�’ (Apelação Cível nº 281�294�5/0, Relator Desembargador AROLDO VIOTTI, julgado em 19‑12‑2007)�‘SERVIDOR MUNICIPAL DE BARRETOS — LIMITE DE PROVENTOS� As verbas de caráter pessoal não se incluem na limitação do texto Constitucio‑nal Federal contido no inciso XI, do artigo 37, sob pena de ensejar ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos (artigo 37, XV, CF�) Também é res‑guardada esta pretensão pelo principio do direito adquirido, já que as verbas assim compreendidas passam a integrar o acervo patrimonial do funcionário� As gratificações que constam incorporadas também estão compreendidas no conceito de verbas pessoais ou de outra natureza (inciso XI)� Recurso provido�’ (Apelação 447�540‑5/2, j� em 03/10/06, Des� Danilo Panizza)�‘TETO REMUNERATÓRIO – Servidor Municipal inativo – Emenda Constitu‑cional nº 41/03 – Percebimento, de há muito, de valores, em razão de direitos legalmente adquiridos antes da EC 41/039 instituidora do denominado “teto remuneratório” – Confronto da EC 41/03 com cláusulas pétreas da Constitui‑ção Federal – Inadmissibilidade de aplicação de redutor salarial – Em decor‑rência da limitação material existente na Constituição, o constituinte revisor, ao dispor sobre determinadas matérias, obviamente por meio de emendas constitucionais, não pode jamais eliminar regras oriundas do Poder Consti‑tuinte Instituidor� limitado, portanto, pelas cláusulas pétreas estabelecidas�’

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(Embargos de Declaração 603�844‑5/8‑01, Relator(a): Luis Ganzerla, 11a Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 17‑3‑2008, Data de registro: 26‑3‑2008)�

‘FUNCIONÁRIO PÚBLICO ESTADUAL – Agente fiscal de rendas aposentado – Proventos da aposentadoria – Redução – Teto previsto na EC 41/03 e Decreto Estadual nº 48�407/2004 – Segurança Concedida – Interpretação e aplicação do questionado dispositivo deve ser restrita e adequada ao direito que cada servidor já tiver incorporado, como direito adquirido, ou por força de coisa jul‑gada, ou por ato jurídico perfeito e acabado, ao seu patrimônio – Competência do Legislador Estadual, e não do executivo para decidir e limitar a extensão da reforma ditada pelo Constituinte Derivado – Não há autoaplicabilidade da norma – Existência de leis tratando de adicionais por tempo de serviço e outras gratificações, que foram recepcionadas pela Carta de 88 e não afetadas pela Emenda – Inteligência do art� 37, incisos X, XV e XI da CF – Irrelevância do momento em que se deram as aposentadorias – Violação a direito líquido e certo – Recurso oficial e da Fazenda desprovidos e provido do autor�’ (Ape‑lação Com Revisão 749�549‑5/5‑00, Relator(a): Samuel Júnior, 2a Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 8‑4‑2008, Data de registro: 17‑4‑2008)�

Portanto, embora se admita o teto constitucional, que deve ser aplicado a todas as esferas e instâncias da Administração Pública, as vantagens pessoais, verbas que se incorporam ao acervo patrimonial do funcionário, devem ser excluídas.

Diante deste posicionamento, é de ser plenamente reconhecido não somente o direito adquirido do recorrente, mas, também, o direito à preservação do princípio da irredutibilidade de vencimentos e proventos, uma vez que as verbas constantes dos demonstrativos de pagamentos estão compreendidas entre aquelas de caráter permanente, em face da integração ao patrimônio do servidor, que não pode ter comprometida sua qualidade de vida pela redução injustificada dos seus rendimentos.

Assim a limitação é cabível e pertinente, mas respeitado o direito adquirido, já que os dispositivos, seja pelo teto, seja pela disposição do direito adquirido, constam claros da Carta Federal e, no mínimo, devem ser interpretados em con‑sonância com os respectivos princípios que lhe deram origem�

Nesta sequência, é de ser reformada a r� sentença, garantindo‑se aos requerentes a exclusão do somatório referido no artigo 37, inciso XI, da CF, das vantagens e adicionais de caráter pessoal que já se encontram incorporadas aos seus venci‑mentos, bem como sua restituição�

Ante o exposto, dá‑se provimento ao recurso, para excluir do cálculo do teto remuneratório as vantagens pessoais do apelante, bem como condenar a ré a restituir‑lhe a diferença, apurada em liquidação de sentença, que deverá ser acres‑cida de correção Emenda Constitucional nº 41/2003, observado para o futuro, com base nessa mesma norma, o teto, para eventuais reajustes acima daquele limite, com inversão dos ônus sucumbenciais�”

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Opostos embargos de declaração, foram acolhidos tão só para a correção de erro material no dispositivo do julgado, que passou a ostentar a seguinte redação:

“Ante o exposto, dá‑se provimento ao recurso, para excluir do cálculo do teto remuneratório as vantagens pessoais do apelante, bem como condenar a ré a restituir-lhe a diferença, apurada em liquidação de sentença, que deverá ser acrescida de correção monetária, com base na Tabela Prática do Tribunal de Justiça, além dos juros moratórios de 6% ao ano, a partir da citação, bem como custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre os atrasados�”

Nas razões do extraordinário, o Estado recorrente sustenta que, ao excluir as vantagens pessoais da base de incidência do teto remuneratório, o acórdão recorrido afrontou o texto da Emenda Constitucional nº 41/2003, os arts. 37, XI e XV, e 40 da Constituição da República e o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias� Defende que a Constituição da República ressalva expressamente, da garantia da irredutibilidade de vencimentos por ela própria assegurada, a observância do teto remuneratório do funcionalismo, razão pela qual circunscrita, a cláusula da irredutibilidade, aos valores iguais ou inferiores ao teto previsto no art� 37, XI, da Carta Política� Argumenta inexistir direito adquirido à irredutibilidade de vencimentos nos moldes referidos pelo recor‑rido, e que, devidamente compreendida, a garantia de preservação do direito adquirido, invocada na decisão atacada, não fornece embasamento para que sejam excluídas do limite remuneratório as vantagens eventualmente incor‑poradas ao patrimônio do servidor anteriormente à Emenda Constitucional nº 41/2003, tampouco para impor a manutenção do regime no qual fora concedida a aposentadoria recebida pelo recorrido� Observa inviável seja excepcionada do limite constitucional qualquer remuneração efetuada com recursos públicos, ainda que referente a vantagens pessoais� Pugna, por fim, pelo provimento do recurso para que seja julgada improcedente a ação�

Nas contrarrazões, o recorrido alega incompatível com a garantia de preser‑vação do direito adquirido a incidência do teto remuneratório sobre as vanta‑gens pessoais, porquanto devidas em razão de condições individuais do servidor e já incorporadas ao seu patrimônio subjetivo� Defende que a promulgação de Emenda Constitucional não pode suprimir direito adquirido, tampouco pre‑judicar ato jurídico aperfeiçoado anteriormente, pena de lesão aos arts. 5º, XXXVI, e 60, § 4º, IV, da Lei Maior�

Admitido o recurso extraordinário pelo juízo a quo, foram os autos remetidos a este Supremo Tribunal Federal�

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Em 26‑11‑2009, a eminente Ministra Ellen Gracie, então relatora, deferiu a medida liminar requerida na ação cautelar nº 2.499/SP para imprimir efeito suspensivo ao presente recurso extraordinário�

Em 11‑3‑2010, o Tribunal reconheceu a repercussão geral da questão suscitada no apelo extremo, nos seguintes termos:

“ADMINISTRATIVO� INCLUSÃO DE VANTAGENS PESSOAIS NO TETO REMUNERATÓRIO ESTADUAL APÓS A EC 41/03� EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL�”

O Procurador‑Geral da República opina pelo provimento do recurso extraor‑dinário, em parecer assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO� DIREITO ADMINISTRATIVO� TETO REMUNERATÓRIO� VANTAGENS PESSOAIS� ART� 37, XI, CF� EC Nº 41/03� PRINCÍPIO DA PROPORCIONALI‑DADE� REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NOS AUTOS�

1� A EC nº 41/03 instituiu a aplicação imediata do teto remuneratório, inclusive quanto as vantagens de caráter pessoal, no intuito de afastar distorções remu‑neratórias históricas e atingir o equilíbrio financeiro e atuarial�

2� A relação jurídica estabelecida entre o Estado e o servidor é de natureza institucional, com regras estabelecidas unilateralmente pelo Estado através da Constituição e das leis, não cabendo oposição à alteração posterior de regime�

3� O teto remuneratório do inc� XI, do art� 37, da CF, com a redação determinada pela EC nº 41/03, não ofende o direito adquirido do servidor à vantagem pessoal incorporada, por não haver direito adquirido a regime jurídico remuneratório� Além disso, não implica em supressão da referida verba, mas apenas a sua limi‑tação ao teto, preservado o núcleo essencial do direito�

4� Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário�”

Procedida a substituição da relatoria, vieram‑me os autos (art� 38, IV, “a”, do RISTF)�

Foram admitidos no feito, na condição de amici curiae: (a) União, (b) Estado do Rio Grande do Sul, (c) Estado do Rio de Janeiro, (d) Associação dos Funcioná‑rios da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – AFALESP e Associação de Assessores Técnicos Legislativos‑Procuradores da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – AATLP, (e) Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – SINDALESP, (f) Associação dos Auditores do Tesouro Municipal de Natal – ASAN, (g) Sindi‑cato dos Auditores do Tesouro Municipal da Prefeitura de Natal – SINDIFAN, (h) Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Norte – SENGE/RN, (i) Muni‑cípio de Belo Horizonte, (j) Sindicato dos Fiscais de Rendas do Estado do Rio de Janeiro – SINFRERJ, (l) Sindicato dos Funcionários Fiscais do Estado do

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Amazonas – SINDICISCO‑AM, (m) os Estados da Federação e o Distrito Federal, (n) Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual, Fiscais e Agentes Fis‑cais de Tributos do Estado de Minas Gerais – SINDIFISCO/MG, (o) Associação Nacional dos Procuradores de Estado – ANAPE, (p) Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, (q) Sindicato dos Funcionários Efetivos e Estáveis da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul – SINFEEAL e (r) Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais – SINDALEMG�

É o relatório.

VOTO

A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): 1. Senhor Presidente, atendidos os pres‑supostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso extraordinário e passo ao exame do mérito�

2. Versa, o recurso, sobre a inconstitucionalidade, proclamada na origem, da inclusão das vantagens pessoais – percebidas antes do advento da Emenda Constitucional nº 41/2003 pelo autor, servidor público estadual, agente fiscal de rendas aposentado –, para efeito de observância do teto remuneratório contemplado no Decreto Estadual 48.407/2004, fundado no art. 37, XI, da Constituição com a redação trazida pela referida Emenda Constitucional, e a partir de sua vigência.

Trata‑se do tema de repercussão geral nº 257 desta Suprema Corte (“Inclu-são das vantagens pessoais no teto remuneratório estadual após a Emenda Constitucional nº 41/2003)�

Discute‑se, no feito, o direito do autor de continuar a receber, sem sujeição a limite, o valor nominal relativo às verbas pessoais percebidas anteriormente à redação do art� 37, XI, da Constituição Federal dada pela Emenda Constitu‑cional nº 41/2003, de seguinte teor:

“XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do

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Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”

3. A matéria, ainda que sem identificação integral, apresenta sobreposições e guarda estreita consonância com o tema nº 480 da repercussão geral, objeto do RE 609.381/GO (Relator Ministro Teori Zavascki, julgamento em 2‑10‑2014, DJE 11‑12‑2014), em que se apreciou “se a aplicação do art. 37, XI, da CF, após a EC 41/03, pode provocar, como efeito direto, a redução nominal das remunerações pagas a servidores públicos, ou se o decréscimo estaria vedado pela garantia da irredutibilidade salarial, positivada no art. 37, XV, da CF”�

Proclamou este Supremo Tribunal Federal, na ocasião, ao dar provimento ao recurso extraordinário, por maioria de votos, a eficácia imediata dos limites máximos fixados na Emenda Constitucional nº 41/2003, a que submetidas inclusive as verbas adquiridas de acordo com regime legal anterior, nessa medida insuscetíveis de ser reclamadas, no que excederem dos limites consti‑tucionais, com base na garantia da irredutibilidade de vencimentos�

Eis a ementa do julgado:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO� TETO DE RETRIBUIÇÃO� EMENDA CONS‑TITUCIONAL 41/03� EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA FIXADOS� EXCESSOS� PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE�

1� O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior�

2� A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condi‑ção de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público� Os valores que ultrapassam os limites preestabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser recla‑mado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos�

3� A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nomi‑nal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo predefinido pela Constituição Federal� O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de

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cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional�

4� Recurso extraordinário provido�”

Fixada na oportunidade a seguinte tese: o teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 é de eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Muni-cípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior� Relativamente aos valores recebidos em excesso até a publicação da ata daquele julgamento, e na linha de entendimento adotado em situação análoga (RE 587�371, DJE de 24‑6‑2014), assentou‑se, por fim, que dispensada a sua restituição, considerado o recebimento de boa‑fé�

À luz do então decidido, de rigor, a meu juízo, a imediata adequação dos ven‑cimentos pagos aos servidores públicos, desde a promulgação da Emenda Cons‑titucional nº 41/2003, ao teto nela previsto para cada esfera do funcionalismo�

Já afirmada, nesses termos, a eficácia do teto sobre todas as verbas de natu‑reza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior, o único ponto que, diante da vinculação da tese fixada aos limites cog‑nitivos próprios da jurisdição constitucional subjetiva, ainda suscita pronun‑ciamento específico desta Suprema Corte diz com o cômputo das vantagens pessoais para fins de incidência do teto de retribuição�

4. Rememoro brevemente a jurisprudência da Casa�Em seus primeiros pronunciamentos sobre o tema da sujeição das vantagens

pessoais ao teto instituído pela Constituição de 1988, inclinou‑se, esta Suprema Corte, no sentido da mitigação do quanto previsto no art. 37, XI, da Lei Maior, em sua redação original, e no art. 17 do ADCT, interpretando‑os em conjunto com o disposto no art. 39, § 1º, também na sua redação original� Eis os dispo‑sitivos em comento:

CF – “Art� 37� (���)XI – a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor

remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores per‑cebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;”

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ADCT – “Art� 17� Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título�” (Destaquei)

CF – “Art� 39� (���)§ 1º A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de ven-

cimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de tra‑balho�” (Destaquei)

Assim, a ressalva, quanto às vantagens de caráter individual, da regra de isonomia prevista no art� 39 recebeu exegese ampliativa, de modo a excepcionar tais vantagens do próprio limite máximo determinado pela Constituição para a remuneração dos servidores públicos� Foi o decidido, v.g., no RE 185.842/PE (Redator p/ o acórdão Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgamento em 6‑11‑1996, DJ 2‑5‑1997):

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO� CONSTITUCIONAL� TETO DE REMUNERAÇÃO� QUINTOS� VANTAGENS DE NATUREZA PESSOAL� EXCLUSÃO� GRATIFICAÇÃO DE PRODUTIVIDADE E RETRIBUIÇÃO ADICIONAL VARIÁVEL – RAV� VANTAGEM INERENTE AO CARGO� INCLUSÃO� 1� Na fixação do teto remuneratório estabelecido pela Constituição Federal de 1988, excluem-se as vantagens de caráter individual ou pessoal e incluem‑se as vantagens percebidas em razão do exercício do cargo� 2� Gra‑tificação de Produtividade e Retribuição Adicional Variável (RAV)� Vantagens percebidas em razão do cargo, que se incluem na fixação do teto remuneratório� 3� Cargo de confiança� Quintos� Incorporação� Vantagem de natureza pessoal que integra a remuneração permanente do servidor público. Exclusão do teto remuneratório. Recurso extraordinário parcialmente conhecido e nessa parte provido�” (RE 185.842/PE, Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgamento em 6‑11‑1996, DJ 2‑5‑1997, destaquei)

Tal compreensão elástica do limite remuneratório dos servidores públicos, no entanto, não foi unânime� Do voto vencido do eminente Ministro Octavio Gallotti, relator originário, colho o seguinte excerto:

“Volto, finalmente, a sublinhar que a questão referente às vantagens pessoais foi considerada, quando do julgamento da Ação Direta nº 14, na tessitura do tema da equivalência da remuneração entre os membros dos três Poderes, onde aflora, naturalmente, o princípio da isonomia, consubstanciado no § 1º do art� 39 da Constituição, diversamente com o que acontece a respeito do teto de

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vencimentos, onde não é fácil vislumbrar a mesma correlação com a noção de isonomia, nem precisar de onde adviria essa associação conceitual�

Torno, ainda, a pedir vênia para ponderar que uma interpretação elástica do teto está a esvaziar completamente o alcance do preceito que o estabelece�

Não é, em realidade, o montante do vencimento básico que está constantemente a desafiar esse limite, mas sim a proliferação de vantagens, ditas individuais, a incrementar o total da remuneração, num afluxo capaz de sugerir a intenção de fraude à proibição constitucional�

No próprio caso dos autos, é difícil encontrar algum resquício de racionali-dade no fato de pretender alguém ultrapassar o teto correspondente ao ven‑cimento do próprio Ministro de Estado, simplesmente por haver exercido algum cargo, em comissão do segundo ou terceiro escalão do Ministério�” (Destaquei)

No mesmo sentido, destaco também o RE 141.788/CE (Relator Ministro Sepúl‑veda Pertence, Tribunal Pleno, julgamento em 6‑5‑1993, DJ 18‑6‑1993):

“I� Recurso extraordinário: (���) II� Vencimentos do Ministério Público estadual: teto: imunidade a sua incidência das vantagens de caráter individual, ainda que incorporadas. 1� Na ADIn 14, de 28�9�89, Célio Borja, RTJ 130/475, o STF – embora sem confundir o campo normativo do art� 37, XI, com o do art� 39, par� 1�, da Constituição – extraiu, da inteligência conjugada dos incisos XI e XII do art� 37, a aplicabilidade, para fins de cálculo dos vencimentos sujeitos ao teto, do mesmo critério do art. 39, par. 1., para fins de isonomia, isto é, o de isentar do cotejo as vantagens de caráter individual� 2� Para esse efeito, constitui vantagem pessoal, e não vencimento, a retribuição percebida pelo titular de um cargo, não em razão do exercício dele, mas, sim, em virtude do exercício anterior de cargo diverso; a chamada incorporação ao vencimento da parcela correspondente não tem o efeito de alterar‑lhe a natureza originaria, transmudando‑a em vencimento, mas apenas o de assegurar‑lhe tratamento equivalente ao do vencimento‑base, assim, por exemplo, para somar‑se a esse e compor a base de cálculo de outras vantagens, que sobre ele devam ser calculados, ou para a aferição do valor dos proventos da aposentadoria; consequências essas, cuja compatibilidade com o art� 37, XIV, CF, não se impugnou no caso� (���)” (RE 141.788/CE, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 6‑5‑1993, DJ 18‑6‑1993, destaquei)

5. Com o nítido propósito, na minha leitura, de suplantar a jurisprudência que, diante da sintética formulação original do art� 37, XI, da CF, acabou, com a devida vênia, por esvaziar o instituto do teto, a Emenda Constitucional nº 19/1998 emprestou ao texto estilo analítico, explicitando que o conceito de remuneração, para fins de incidência do teto – e cuja referência única para todos os Poderes de todos os níveis federativos passou a ser o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal –, incluía “as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”�

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Esta Suprema Corte, contudo, não obstante o art. 29 da EC 19/1998 deter‑minasse, a exemplo do art� 17 do ADCT, a imediata observância do regime defi‑nido, condicionou sua eficácia à edição da lei de iniciativa conjunta dos Poderes da República, definidora do subsídio dos Ministros, objeto do art� 48, XV, da Constituição da República (incluído pela EC 19/1998)� Foi o que se decidiu na ADI 2.075 MC (Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 7‑2‑2001, DJ 27‑6‑2003):

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – REMUNERAÇÃO, SUBSÍDIOS, PENSÕES E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS, ATIVOS E INATIVOS, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – FIXAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO MEDIANTE ATO DO PODER EXE‑CUTIVO LOCAL (DECRETO ESTADUAL Nº 25�168/99) – INADMISSIBILIDADE – POSTU‑LADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI EM SENTIDO FORMAL – ESTIPULAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO QUE TAMBÉM IMPORTOU EM DECESSO PECUNIÁRIO – OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL (CF, ART� 37, XV) – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA� REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS E POSTULADO DA RESERVA LEGAL� – O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em consequência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurí-dica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, nota-damente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limita-ções quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. – O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado� A reserva de lei – ana‑lisada sob tal perspectiva – constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer interven‑ções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos� Essa cláu‑sula constitucional, por sua vez, projeta‑se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador� Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitu‑cional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento� É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes� A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE

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DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL QUALIFICA-SE COMO PRERROGATIVA DE CARÁTER JURÍDICO-SOCIAL INSTITUÍDA EM FAVOR DOS AGENTES PÚBLICOS. – A garantia constitucional da irredutibilidade do estipêndio funcional traduz conquista jurídico‑social outorgada, pela Constituição da República, a todos os servidores públicos (CF, art� 37, XV), em ordem a dispensar‑lhes especial proteção de caráter financeiro contra eventuais ações arbitrárias do Estado� Essa qualificada tutela de ordem jurídica impede que o Poder Público adote medidas que importem, especialmente quando implementadas no plano infraconstitucional, em dimi‑nuição do valor nominal concernente ao estipêndio devido aos agentes públicos� A cláusula constitucional da irredutibilidade de vencimentos e proventos – que proíbe a diminuição daquilo que já se tem em função do que prevê o ordenamento positivo (RTJ 104/808) – incide sobre o que o servidor público, a título de esti‑pêndio funcional, já vinha legitimamente percebendo (RTJ 112/768) no momento em que sobrevém, por determinação emanada de órgão estatal competente, nova disciplina legislativa pertinente aos valores pecuniários correspondentes à retribuição legalmente devida� O NOVO TETO REMUNERATÓRIO, FUNDADO NA EC 19/98, SOMENTE LIMITARÁ A REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS DEPOIS DE EDITADA A LEI QUE INSTITUIR O SUBSÍDIO DEVIDO AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. – Enquanto não sobrevier a lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (CF, art� 48, XV), destinada a fixar o subsídio devido aos Ministros da Suprema Corte, continuarão a prevalecer os tetos remunera‑tórios estabelecidos, individualmente, para cada um dos Poderes da República (CF, art� 37, XI, na redação anterior à promulgação da EC 19/98), excluídas, em consequência, de tais limitações, as vantagens de caráter pessoal (RTJ 173/662), prevalecendo, desse modo, a doutrina consagrada no julgamento da ADI 14/DF (RTJ 130/475), até que seja instituído o valor do subsídio dos Juízes do Supremo Tribunal Federal� – Não se revela aplicável, desde logo, em virtude da ausência da lei formal a que se refere o art� 48, XV, da Constituição da República, a norma inscrita no art� 29 da EC 19/98, pois a imediata adequação ao novo teto depende, essencialmente, da fixação do subsídio devido aos Ministros do Supremo Tribunal Federal� Precedentes� A QUESTÃO DO SUBTETO NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO DOS ESTADOS‑MEMBROS E DOS MUNICÍPIOS – HIPÓTESE EM QUE SE REVELA CONS‑TITUCIONALMENTE POSSÍVEL A FIXAÇÃO DESSE LIMITE EM VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ART� 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO – RESSALVA QUANTO ÀS HIPÓTESES EM QUE A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO ESTIPULA TETOS ESPECÍFICOS (CF, ART� 27, § 2º, E ART� 93, V) – PRECEDENTES�” (ADI 2.075 MC, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 7‑2‑2001, DJ 27‑6‑2003, destaquei)

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Em decorrência, a questão relativa ao cômputo das vantagens pessoais, para efeito de observância do teto, permaneceu regida, a despeito da EC 19/1998, pelo art. 37, XI, da CF em sua redação original, com a interpretação – dada por esta Suprema Corte –, de que imunes da sua incidência as vantagens pessoais, a partir da ressalva contida no art. 39, § 1º.

O entendimento de que excluídas as vantagens pessoais do cálculo da remu‑neração para efeito do abatimento do quantum excedente ao teto prevaleceu até a promulgação da Emenda Constitucional nº 41/2003�

6. Diante da Emenda Constitucional nº 41/2003, que preservou, na reda‑ção do art. 37, XI, da CF, o expresso cômputo das vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza para efeito do teto remuneratório dos servidores públicos, o movimento inicial desta Suprema Corte se fez no sentido da rela‑tivização de sua eficácia, com fundamento na cláusula de irredutibilidade dos vencimentos, em julgamento assim ementado (MS 24.875/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 11‑5‑2006, DJ 6‑10‑2006):

“I� Ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal: proventos (subsídios): teto remuneratório: pretensão de imunidade à incidência do teto sobre o adicional por tempo de serviço (ATS), no percentual máximo de 35% e sobre o acréscimo de 20% a que se refere o art. 184, III, da Lei 1711/52, combinado com o art� 250 da L� 8�112/90: mandado de segurança deferido, em parte� II� (���) V� Magistrados: acréscimo de 20% sobre os proventos da aposentadoria (Art. 184, III, da L. 1.711/52, c/c o art. 250 da L. 8.112/90) e o teto constitucional após a EC 41/2003: garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos: intan-gibilidade. 1. Não obstante cuidar-se de vantagem que não substantiva direito adquirido de estatura constitucional, razão por que, após a EC 41/2003, não seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além do teto a todos submetido, aos impetrantes, porque magistrados, a Constituição assegurou diretamente o direito à irredutibilidade de vencimentos – modali-dade qualificada de direito adquirido, oponível às emendas constitucionais mesmas. 2� Ainda que, em tese, se considerasse susceptível de sofrer dispensa específica pelo poder de reforma constitucional, haveria de reclamar para tanto norma expressa e inequívoca, a que não se presta o art� 9º da EC 41/03, pois o art� 17 ADCT, a que se reporta, é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu e, neste momento, pelo fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é mais que duvidosa a sua compatibilidade com a “cláusula pétrea” de indenidade dos direitos e garantias fundamentais outorgados pela Constituição de 1988, recebida como ato consti‑tuinte originário� 3� Os impetrantes – sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos – têm direito a continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os proventos, até que seu montante seja absorvido pelo subsídio fixado em

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lei para o Ministro do Supremo Tribunal Federal� (���)” (MS 24.875/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 11‑5‑2006, DJ 6‑10‑2006, destaquei)

Nesse mesmo sentido, ainda, v.g., AI 458.679 AgR, Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, DJe‑190 8‑10‑2010; AI 452.574 AgR, Relatora Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 24‑2‑2006; RE 488.851 AgR, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe‑222 21‑11‑2008�

Anoto, contudo, que, a despeito da relativização da eficácia da EC 41/2003 no que impunha a imediata redução dos excessos percebidos anteriormente à sua vigência, a jurisprudência desta Casa se firmou no sentido da sua eficácia plena e aplicação imediata� Confiram‑se, entre outros, os seguintes julgados:

“Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada� 2� Observância do limite remuneratório dos Servidores Públicos estabelecido pelo art. 37, XI, da Constituição de República, com redação dada pela Emenda Constitucional 41/2003. 3� O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que a percepção de proventos ou remuneração por servidores públicos acima do limite estabelecido no art. 37, XI, da Constituição da República, enseja lesão à ordem pública. 4� Impõe‑se a suspensão das decisões como forma de evitar o efeito multiplicador, que se consubstancia no aforamento, nos diversos tribunais, de processos visando ao mesmo escopo dos mandados de segurança objeto da presente discussão� Precedentes� 5� A decisão do Plenário no MS 24�875 (rel� Sepúl‑veda Pertence, DJ 06�10�06) refere‑se apenas à concessão da segurança para que os impetrantes recebam o acréscimo previsto no art� 184, III, da Lei 1�711/52, de 20% sobre os proventos da aposentadoria, até sua ulterior absorção pelo subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, determinado em lei� Tal questão não se confunde com a controvérsia versada no caso� 6� Agravo Regimental conhecido e desprovido�” (STA 100 AgR/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 19‑12‑2008, DJe‑030 13‑12‑2009)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO� CONSTITUCIONAL� TETO REMUNERATÓRIO: INCLUSÃO DAS VANTAGENS PESSOAIS NO PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N� 41/2003� PRECEDENTES� AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO� A jurisprudência do Supremo Tri‑bunal Federal firmou‑se no sentido de que, após a Emenda Constitucional n. 41/2003, as vantagens pessoais, de qualquer espécie, devem ser incluídas no redutor do teto remuneratório, previsto no inc. XI do art. 37 da Constituição da República�” (RE 560.067 AgR/SP, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe‑030 13‑2‑2009)

“1� SUSPENSÃO DE SEGURANÇA� Efeito Multiplicador� Lesão à economia pública� Ocorrência� Pendência de inúmeros pedidos idênticos formulados por outros

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Estados� Pedido deferido� Agravo regimental improvido� Precedente� O chamado “efeito multiplicador”, que provoca lesão à economia pública, é fundamento sufi‑ciente para deferimento de pedido de suspensão� 2� Servidor público� Inativo� Remuneração� Proventos de aposentadoria. Vantagem pecuniária incorpo-rada. Não sujeição ao teto previsto no art. 37, XI, da CF. Inadmissibilidade. Suspensão de Segurança deferida. Agravo improvido� Precedentes� A percep-ção de proventos ou remuneração por servidores públicos acima do limite estabelecido no art. 37, XI, da Constituição da República, na redação da EC nº 41/2003, caracteriza lesão à ordem pública�” (SS 4�446 AgR/SP, Relator Ministro Cezar Peluso, julgamento em 20‑10‑2011, DJe‑218 17‑11‑2011)

7. Finalmente, no julgamento do RE 609.381/GO, em 2-10-2014 (Relator Minis‑tro Teori Zavascki, DJE 11‑12‑2014), veio a ser reconhecida, em regime de reper‑cussão geral, a eficácia imediata do teto contemplado na Emenda Constitucional nº 41/2003 a alcançar todas as verbas de natureza remuneratória, ainda que adquirido o direito a elas anteriormente à sua vigência�

8. Tem‑se, portanto, o seguinte quadro:(a) jurisprudência firme do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o

art� 37, XI, da Constituição da República, na redação da Emenda Constitucional nº 41/2003, de eficácia plena e aplicabilidade imediata, alcança as chamadas vantagens pessoais;

(b) expressivo número de julgados desta Suprema Corte a assentarem, las‑treados no precedente MS 24�875/DF (Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 6‑10‑2006), que a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, modalidade qualificada de direito adquirido, impede sejam alcançadas pela disciplina da Emenda Constitucional nº 41/2003 as vantagens pessoais perce-bidas antes da sua vigência; e

(c) adoção por este Plenário, ao julgamento do RE 609.381/GO (Relator Minis‑tro Teori Zavascki, 2‑10‑2014, DJE 11‑12‑2014), no regime da repercussão geral, da tese da eficácia imediata do teto estabelecido pela Emenda Constitucional nº 41/2003, a abranger “todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior” (destaquei)�

9. Nessa ótica, a minha compreensão – inclusive por coerência com o decidido por este Plenário, por maioria de votos, o meu incluído na corrente majoritá‑ria –, no recente julgamento do RE 609.381 – é a de que o efeito imediato da Emenda Constitucional nº 41/2003 alcança também as vantagens pessoais� Em outras palavras, considerados os termos do art. 37, XI, da Constituição da República tanto na sua redação original quando nas trazidas pelas Emendas Constitucionais nºs 19/1998 e 41/2003, a natureza de vantagem pessoal de

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parcela componente da remuneração recebida no regime anterior à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 não traduz diferencial apto a excluí‑la do cálculo da remuneração para efeito de observância do teto remuneratório constitucional, com o abatimento do valor acaso a ele excedente�

Presente a ratio decidendi, entendo que a decisão proferida no julgamento do RE 609.381 revisitou, para superá‑la (overruling), a jurisprudência anterior desta Suprema Corte, segundo a qual a redação original da Constituição da República (arts. 37, XI, e 39, § 1º, da Lei Maior) autorizava a exclusão das van‑tagens pessoais do limite remuneratório nela fixado�

10. O art. 37, XI, da Constituição da República, na redação da Emenda Constitucional nº 41/2003, é expresso ao incluir as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza para fins de limitação dos ganhos ao teto remu-neratório do serviço público� E tal não se discute aqui� A quaestio juris reside em saber se, ao alterar a redação do texto do preceito constitucional, o Poder Constituinte derivado afrontou as garantias do direito adquirido e da irredu‑tibilidade de vencimentos�

Nessa perspectiva, a se entender assegurada pelo regime anterior à Emenda Constitucional nº 41/2003 a percepção de tais vantagens contra eventual aba‑timento imposto pelo teto constitucional nos moldes da redação original do art� 37, XI, da Lei Maior, a supressão superveniente pela Emenda Constitucio‑nal nº 41/2003 careceria, a meu juízo, de validade no tocante às vantagens até então legalmente percebidas pelo servidor, integrantes enquanto tais de seu patrimônio jurídico�

Sem embargo da respeitabilidade das posições em sentido contrário, tenho que leitura do texto constitucional consentânea com seu significado e finalidade ampara a tese de que constrangido, o Poder Constituinte derivado, por força do art. 60, § 4º, IV, da Carta Política, à observância dos direitos constitucionais fundamentais, neles incluída a cláusula da não supressão de direitos adqui-ridos (art. 5º, XXXVI)� Tal limite, contudo, a meu juízo, não foi ultrapassado pela Emenda Constitucional nº 41/2003� E isso porque, enfatizo, na linha dos votos então vencidos nesta Suprema Corte, a cláusula da irredutibilidade dos vencimentos consagrada no art. 37, XV, da Lei Maior – hoje com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 19/1998 –, desde a sua redação ori-ginal já indicava a precedência do disposto no art. 37, XI, da Carta Política, ao delimitar-lhe o âmbito de incidência�

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Confira‑se:

“XV – os vencimentos dos servidores públicos, civis e militares, são irredutíveis e a remuneração observará o que dispõem os arts. 37, XI, XII, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (texto original)

XV – os vencimentos dos servidores públicos são irredutíveis, e a remuneração observará o que dispõem os arts. 37, XI e XII, 150, II, 153, III e § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18/1998)”

Com efeito, na minha compreensão, ao ressalvar, a Constituição de 1988, expressamente, da garantia da irredutibilidade de vencimentos por ela asse‑gurada, a observância do teto remuneratório do funcionalismo, circunscreve o âmbito de incidência da garantia, originariamente, aos valores iguais ou inferiores ao teto previsto no art. 37, XI, da Carta Política�

Apenas mais explícita, na redação da EC nº 19/1998, a opção pelo teto remu‑neratório como verdadeiro limite de aplicação da garantia da irredutibilidade� In verbis:

XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts� 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitu-cional nº 19, de 1998)” (Destaquei)

Nessa linha, restrito, o âmbito de incidência da garantia da irredutibilidade, pelo próprio delineamento constitucional, aos vencimentos contidos no limite máximo definido pela Constituição� E por serem em si mesmos ilegí‑timos, porque desautorizados pela Constituição, a garantia constitucional da irredutibilidade não pode ser estendida aos valores excedentes daquele limite – o teto remuneratório –, incluídas as vantagens pessoais�

Dito de outro modo, a Constituição da República assegura a irredutibi-lidade do subsídio e dos vencimentos dos exercentes de cargos e empregos públicos que se inserem nos limites impostos pelo art. 37, XI, da Lei Funda-mental. Ultrapassado o teto, cessa a garantia oferecida pelo art� 37, XV, que, textualmente, tem sua aplicabilidade vinculada ao montante correspondente�

Nesse sentido, asseverou, com maestria, o eminente Ministro Teori Zavascki, no voto condutor do julgamento do RE 609�381/GO, reportando‑se, inclusive, a primoroso voto vencido do eminente Ministro Cezar Peluso sobre o tema, em parte transcrito, e com o qual comungo na íntegra:

“(���) O teto de retribuição constitui norma constitucional de estrutura com‑plexa, porque estabelecida pela conjunção de diferentes dispositivos do texto

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constitucional, cujo sentido normativo é chancelado por quatro principais ingre‑dientes constitutivos�

O primeiro deles limita a autonomia de cada ente da Federação brasileira, apre‑sentando um ápice remuneratório que deve ser obrigatoriamente seguido� Um segundo elemento indica que a abrangência do teto deverá ser a mais inclu-siva possível, compreendendo tudo o quanto venha a remunerar o trabalho do servidor, a qualquer título. Um recado normativo complementar, presente no ADCT e nos artigos 29 da EC 19/98 e 9º da EC 41/03, determina que aquilo que sobejar da incidência do teto constitui excesso, cuja percepção não pode ser reclamada, ainda que o direito a ela tenha sido licitamente adquirido segundo uma ordem jurídica anterior�

Essas três mensagens normativas foram captadas com acuidade singular pelo Ministro Cezar Peluso, em voto vencido proferido no já citado julgamento do MS 24�875, quando Sua Excelência assinalou o seguinte:

“O texto original da Constituição estabeleceu três coisas: primeiro, fixou um limite de remuneração para a magistratura; segundo, incluiu, na apuração desse limite, qualquer parcela correspondente da estrutura da remunera‑ção, ou seja, prescreveu textualmente que esse limite consideraria qualquer parcela, a qualquer título, do que fosse percebido por Ministros do Supremo Tribunal Federal� Relembro, observados como limite máximo dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração em espécie, a qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal� Terceiro, não admitiu, para efeito de observância deste teto, a subsistência de direitos adquiridos na ordem jurídico‑constitucional anterior�

Estes três pontos, a meu ver, não foram alterados nem pela Emenda nº 19, nem pela Emenda nº 41. Tiro algumas consequências: quando a Constituição, no texto primitivo, inciso XI do artigo 37, se referia a valor recebido a qualquer título, isso significava que abrangia não apenas as parcelas preexistentes, mas também toda parcela que fosse criada após o advento da Constituição, sob pena de outra interpretação permitir uma fraude, uma burla ao próprio texto constitucional� O que a Constituição estava querendo tratar, a meu ver, e com o devido respeito, era que parcelas ou valores, a qualquer título decorrentes da legislação anterior ou de legislação infraconstitucional subsequente, estavam incluídos na apuração do valor do limite constitucionalmente fixado. Tanto estava que, em relação às vantagens preexistentes, não deixou nenhuma dúvida, e o artigo 17, embora exaurido temporalmente, signi-ficava que as remunerações excedentes do teto deveriam ser decotadas imediatamente para se ajustar ao texto constitucional. Evidentemente se tratava de norma transitória, porque se referia às vantagens preexistentes. E excluiu, por isso mesmo, a invocação de direito adquirido.

Quanto às vantagens novas, à evidência não era o caso de estabelecer nenhum dispositivo de caráter transitório, até porque a própria norma do

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inciso XI já previa que qualquer vantagem criada por norma infraconstitu‑cional deveria, nos termos dessa limitação, compor o teto da remuneração�

A mim me parece, com o devido respeito, que a Emenda 19/98 em nada alte‑rou esses três pontos� Ela, pura e simplesmente, modificou o critério de apura‑ção desse teto e repetiu a fórmula, que já estava na redação original, prevendo: “incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”�

E tampouco a Emenda 41/03 introduziu qualquer alteração, porque tornou a incluir vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza�

Ora, o perfil da disciplina constitucional, a despeito da mudança dos critérios de apuração desse limite, a partir dos quais os subsídios absorveriam todas essas parcelas que já estavam incluídas na definição e na estrutura desse limite, não alterou, em nenhum momento, a situação da magistratura� Desde o início, as limitações da magistratura eram as mesmas� Pouco importa que, na prática, elas não tenham sido alteradas� A verdade é que o texto constitu‑cional não sofreu alteração substancial em relação à redação primitiva e às duas emendas que tornaram a regular o assunto�

Ora, diante disso, não vejo como possa ser oposto direito adquirido, nem em termos de vantagens preexistentes, por força da regra expressa do art. 17 do ADCT, porque nenhum dos textos constitucionais permitiu que qual-quer vantagem, ainda que criada superveniente pela legislação subalterna, poderia escapar a este teto.Daí, quando o eminente Relator se escusou de entrar nas águas procelosas da questão do alcance da garantia do direito adquirido perante emendas constitucionais, eu diria que – nem chego perto dessas águas, passo longe – a vantagem tratada aqui foi repristinada por uma Lei de 1990, donde esta vantagem não ficou fora da composição do teto: estava abrangida pela norma constitucional!

De modo que não há, a meu ver, necessidade de se recorrer à discussão de direitos adquiridos, de fonte infra ou de fonte constitucional, porque essa vantagem, de caráter pessoal, superveniente, encontrou no próprio texto constitucional então vigente, que era o primitivo, a limitação de que ela também não escaparia à apuração do teto.”

Com essas considerações, o Ministro Cezar Peluso deixou demonstrado que a norma constitucional do teto de retribuição, desde sua formulação ori-ginal, jamais admitiu compromisso com quaisquer excessos, tenham eles sido adquiridos por força de regimes legais superados ou pelo advento de normas jurídicas supervenientes. Embora tenha sido superado pelo juízo da maioria, o voto de Sua Excelência teve o mérito de esclarecer que o repúdio da Constituição aos excessos remuneratórios independe da eficácia do art. 17 do ADCT, já exaurida, decorrendo do próprio conteúdo do art. 37, XI, que é suficiente para repelir a legitimidade do pagamento de quaisquer valores transbordantes dos parâmetros normativos, mesmo que decorrentes de fonte normativa superveniente.

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Além das três mensagens já enfatizadas, há essa disposição importantíssima, decorrente do sistema constitucional: a de que a garantia da irredutibilidade de proventos não ampara a percepção de verbas remuneratórias que desbordem do teto de retribuição. É o que se depreende, v.g., da parte final das seguintes normas originárias do texto constitucional, que preconizam a garantia de irre‑dutibilidade para as carreiras da magistratura e do Ministério Público:

(���)E também da parte final da norma do art� 37, XV, com redação dada pela

EC 19/98, a saber:XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts� 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

Ao condicionar a fruição da garantia de irredutibilidade à observância do teto de retribuição, a literalidade destes dispositivos deixa fora de dúvida que o respeito ao teto representa verdadeira condição de legitimidade para o paga-mento das remunerações no serviço público� Portanto, nada, nem mesmo con‑cepções de estabilidade fundamentadas na cláusula do art� 5º, XXXVI, da CF, justificam o excepcionamento da imposição do teto de retribuição�

A garantia de irredutibilidade, que hoje assiste igualmente a todos os servidores, constitui salvaguarda que protege a sua remuneração de retrações nominais que venham a ser determinadas por meio de lei� É o que acontece, por exemplo, nos casos de modificação legal da composição remuneratória dos servidores, que, como seguidamente, afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não pode provocar perda de retribuição� E é o que sucede, também, quando os entes federativos deliberam instituir tetos de retribuição inferiores àqueles estabelecidos pela Constituição Federal, os chamados ‘subtetos’�

(���)O mesmo não ocorre, porém, quando a alteração do limite remuneratório é

determinada pela reformulação da própria norma constitucional de teto de retri‑buição� Isso porque, como visto, a cláusula da irredutibilidade possui âmbito de incidência vinculado ao próprio conceito de teto de retribuição, operando somente dentro do intervalo remuneratório por ele definido�

(���)Os excessos eventualmente percebidos fora dessas condições, ainda que com o

beneplácito de disciplinas normativas anteriores, não estão amparados pela regra da irredutibilidade� O pagamento de remunerações superiores ao teto de retribui‑ção, além de se contrapor a noções primárias de moralidade, de transparência e de austeridade na administração dos gastos com custeio, representa uma gravíssima quebra da coerência hierárquica essencial à organização do serviço público� Antes, portanto, de constituir uma modalidade qualificada de direito adquirido, a per-cepção de rendimentos excedentes aos respetivos tetos de retribuição traduz exemplo de violação manifesta do texto constitucional, que, por tal razão, deve ser prontamente inibida pela ordem jurídica, e não o contrário�”

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11. Uma das funções das normas constitucionais – que pela própria natureza limitam a autodeterminação das gerações futuras – é conferir certo grau de estabilidade a um sistema de direitos� Não me parece, todavia, consentânea com a vontade do Poder Constituinte originário exegese da cláusula do direito adquirido que situe fora do alcance do Poder Constituinte derivado – e vincu‑lando as opções políticas das gerações futuras – uma distribuição particular‑mente desigual de recursos públicos�

De fato, a Constituição vincula as escolhas políticas das próximas gerações seja pelo viés procedimental (por meio de emendas constitucionais) seja pelo substantivo (cláusulas pétreas), criando, com isso, condições para a preserva‑ção do regime democrático e das garantias individuais – em suma, do próprio regime constitucional� Daí não se segue, porém, que uma Constituição cujo primeiro objetivo seja a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I) obstaculize a rediscussão, pela comunidade política, das profundas assimetrias distributivas que assolam a sociedade�

Compromissos sobre questões de direitos substantivos fixados pela Consti‑tuição devem, na minha compreensão, ser reconhecidos e honrados como aquilo que são: salvaguardas de longo prazo contra os riscos políticos de curto prazo� Não podem, entretanto, funcionar como obstáculos a qualquer tentativa de efe‑tuar correções de rumo relativamente a escolhas prévias sobre distribuição de recursos� Visando a afastar distorções remuneratórias históricas e promover o equilíbrio financeiro e atuarial das contas públicas, a Emenda Constitucional nº 41/2003, em sua explicitação do já instituído, consagra mecanismo morali‑zador da folha de pagamentos da Administração Pública�

12. Ainda na linha do entendimento deste Plenário no RE 609.381/GO, de todo irrelevante, para a solução da presente controvérsia, o resultado do jul‑gamento da ADI 3.184 (Relatora Ministra Cármen Lúcia), já iniciado mas ainda pendente de conclusão, em que se questiona a validade constitucional do art. 9º da EC 41/2003, no que teria revigorado o art. 17 do ADCT�

Como já enfatizei, em tema de observância do teto de retribuição, a qualquer título, é o próprio art. 37, XV, da Carta Política que, ao delimitar o âmbito de incidência da proteção conferida pela cláusula de irredutibilidade nele inscrita, expressamente exclui qualquer valor excedente do limite fixado no art. 37, XI� Assim, mesmo que a Emenda Constitucional nº 41/2003 não contivesse a regra do seu art� 9º, o resultado seria o mesmo, à luz, tão somente, do art. 37, XI e XV, da Lei Maior�

13. A despeito da dissonância de vozes e da alteração de rumo da jurispru‑dência desta Suprema Corte sobre a matéria ao longo do tempo, em evolução

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exposta com limpidez no voto condutor do Ministro Teori Zavaski no julga‑mento do multicitado RE 609.381/GO, reconhecer nas ditas vantagens pessoais predicado apto a excepcioná‑las do limite (teto) remuneratório vai, na minha compreensão, contra o sentido expresso da Constituição, e esta é que há de ser reverenciada. Entendo que se inclui, sim, para efeito de observância do teto constitucional, qualquer verba remuneratória paga com recursos públicos, ainda que pertinente a vantagens pessoais� Nessa linha, a Constituição não só autoriza como exige o cômputo – para efeito de incidência do teto remunerató‑rio sobre os proventos de aposentadoria recebidos pelo autor –, de adicionais por tempo de serviço (quinquênios), sexta parte, prêmio de produtividade e gratificações, ainda que qualificados neste feito de forma incontroversa, pelas partes, como vantagens de natureza pessoal por ele percebidas antes do advento da Emenda Constitucional nº 41/2003.

14. Anoto, em qualquer hipótese, que a limitação, ao teto, da despesa efetiva da Administração com a remuneração de uma única pessoa não se confunde com a supressão do respectivo patrimônio jurídico, do valor correspondente, uma vez preservado o direito à percepção progressiva sempre que, majorado o teto, ainda não alcançada a integralidade da verba� A incorporação de van‑tagens permanece, assim, hígida, e apenas não oponível ao corte exigido pelo imperativo da adequação ao teto constitucional�

15. No caso concreto, o acórdão recorrido, ao excluir as vantagens ditas pes‑soais, nomeadamente, adicionais por tempo de serviço (quinquênios), sexta parte, prêmio de produtividade e gratificações, da base de incidência do teto remuneratório estadual – o chamado subteto –, afrontou, data venia, o art. 37, XI e XV, da Constituição da República�

16. Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para res-tabelecer a sentença de improcedência. Considerada a boa‑fé, o recorrido fica dispensado de restituir os valores eventualmente recebidos em excesso�

17. Fixada pelo Plenário, em repercussão geral, a seguinte tese: “computam-se para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, XI, da Constitui-ção da República também os valores percebidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso e de boa fé até o dia 18 de novembro de 2015”�

É o voto.

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VOTO (Antecipação)

O sr. ministro Edson Fachin: Senhor Presidente, permito‑me inicialmente saudar Sua Excelência, a eminente Ministra Relatora Rosa Weber pelo subs‑tancioso voto que acabamos de aurir, nele, uma lição de compreensão dessa temática sensível e complexa� Saúdo também os ilustres advogados, que aqui se fizeram presentes para sustentar as respectivas razões�

Eu estou, Senhor Presidente, juntando ao feito um voto escrito por meio do qual expresso as razões diante das quais estou, nesse momento, apenas, oral‑mente, em breve síntese, expondo a conclusão a que cheguei� Qual seja, registro que também focalizei um debate que encontra aqui um foco, a rigor, de uma certa natureza – digamos – intertemporal, eis que o tema substancialmente foi situado na dimensão anterior ao início da vigência da Emenda Constitu‑cional 41 e suas eventuais projeções, como também estou realçando, tal como fez a eminente Relatora, um encontro de diálogo que essa temática tem no julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 3�184, ainda em curso nesta Corte�

Nada obstante tais circunstâncias, averbo que, nesse voto escrito, que deduzi após o exame da matéria e a leitura dos percucientes memoriais que recebi, estou expressando, Senhor Presidente, integral concordância com as conclusões que a eminente Relatora chegou�

Também, em meu modo de ver, há, por assim dizer, uma dimensão de impossibilidade de percepção e vencimentos de proventos por servidores públicos, em desacordo com o mandamento constitucional de observância do teto remuneratório�

Estou tomando como paradigma, tal como fez Sua Excelência, o voto no lea-ding case 609�381, Recurso Extraordinário mencionado por diversas vezes, de relatoria do eminente Ministro Teori Zavascki, e também a percepção segundo a qual, desde a sua redação originária, o inciso XI do art� 37 não fez ressalva alguma quanto às vantagens pessoais ou quaisquer outros adicionais�

Acolho, no estudo que fiz, a conclusão a que chegou também Sua Excelência, a Relatora, que a Emenda Constitucional 41, a rigor, não instituiu o teto remuneratório�

O tema deriva de expressa manifestação de índole constitucional do cons‑tituinte originário – é a conclusão que cheguei –, e que, portanto, nesta hipó‑tese, falar‑se em irredutibilidade significaria examinar a eventual existência de direito adquirido na hipótese, e a resposta parece‑me ser negativa�

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Por essas razões, e tantas outras que a rigor são pequenas achegas aos subs‑tanciosos argumentos de Sua Excelência a Relatora, Ministra Rosa Weber, estou consignando, Senhor Presidente, e deixarei no feito por escrito, a minha adesão integral às premissas e às conclusões que chegou Sua Excelência�

É como voto�

VOTO

O sr. ministro Edson Fachin: Presidente, analisando detidamente a matéria relatada pela eminente Relatora Min� Rosa Weber, manifesto‑me no sentido de concordar com o voto ora proferido, a fim de assentar verdadeiro dogma de impossibilidade de percepção de vencimentos e proventos pelos servidores públicos em desacordo com o mandamento constitucional de observância do teto remuneratório previsto no art� 37, inciso XI da Constituição Federal, com redação a final conferida pela Emenda Constitucional nº 41/2003, incluídas as vantagens de natureza pessoal adquiridas pelo servidor em sua vida funcional�

De fato, a questão relativa à eficácia da Emenda Constitucional nº 41/03 em relação ao teto remuneratório e consequente impacto nas remunerações de servidores ativos, inativos e pensionistas foi objeto de pronunciamento desta Corte no ano passado, julgado recente, portanto, no qual fixou‑se a tese de que nenhuma retribuição poderia exceder ao teto da forma como dispõe o texto constitucional�

Eis a ementa do precedente, julgado sob o pálio da repercussão geral, relembremos:

“Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO� TETO DE RETRIBUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA FIXA-DOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTI-BILIDADE. 1� O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior� 2� A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público� Os valores que ultra-passam os limites preestabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos. 3� A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha

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sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equí-voco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo predefinido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional� 4� Recurso extraordinário provido�” (RE 609�381, Relator(a): Min� TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 2‑10‑2014, ACÓRDÃO ELETRÔ‑NICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe‑242 DIVULG 10‑12‑2014 PUBLIC 11‑12‑2014)

A similitude temática entre o assunto do julgamento acima citado e a pre‑sente discussão é evidente, e até mesmo foi ressaltada nos debates daquele precedente, quando a própria Relatora do caso que ora se analisa ressaltou que a distinção dos casos residia na amplitude: aquele, analisando toda e qualquer verba ou valor excedente ao teto; este, em menor extensão, avaliando a consti‑tucionalidade da exclusão de vantagens pessoais do teto remuneratório�

Assim sendo, a controvérsia narrada em ambos os feitos mostra‑se deveras semelhante, atraindo, creio, soluções idênticas, de forma a não violar a segurança jurídica esperada pelos jurisdicionados, além da necessidade de manutenção de certa uniformidade nos julgamentos proferidos por este Tribunal Constitucional�

Esta, portanto, é a primeira razão pela qual adiro ao voto da eminente Rela‑tora, no sentido de manter inafastável coerência com o precedente firmado em recente sessão plenária – o qual já vincula a apreciação da questão pelos Tribunais e Juízos inferiores�

Não defendo, ressalte‑se, a imutabilidade dos entendimentos dos Ministros, nem a impossibilidade absoluta de reforma nas conclusões adotadas por esta Corte Suprema� Contudo, para esse desiderato faz‑se necessária modificação nas circunstâncias apresentadas a julgamento, seja por meio de mudanças constitucionais ou legislativas, seja pela natural evolução da sociedade em determinada direção, de forma a que o precedente não mais se preste a abarcar a situação da melhor maneira�

No caso em tela, entretanto, não é disso que se trata� O precedente é recente e a moldura fática‑normativa ali apresentada é quase idêntica a que ora se debate, de forma a que a tese ali fixada mostra‑se plenamente aplicável ao caso presente�

A segunda justificativa para a adesão ao voto ora proferido é a adequação de suas premissas, assim como do leading case RE nº 609�381/GO�

Efetivamente, no julgamento prolatado nesses últimos autos, o Min� Relator Teori Zavaski bem referenciou todo o desenrolar interpretativo do conteúdo do artigo 37, em seu inciso XI, de modo a demonstrar que jamais

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houve momento após a promulgação da Constituição de 1988 no qual fosse admissível a percepção de remuneração ou proventos em montante exce‑dente ao teto remuneratório�

A redação original do inciso XI do artigo 37 da Constituição já previa a neces‑sidade de adequação ao teto remuneratório de qualquer parcela de vencimentos ou proventos e não fazia nenhuma ressalva quanto às vantagens pessoais ou quaisquer outros adicionais�

À época, como bem ressaltou o Min� Teori, a controvérsia instaurada perante esta Corte dizia respeito à compatibilidade entre esse dispositivo e a redação original do art� 39, §1º, o qual colocava a salvo da isonomia de vencimentos, justamente, as vantagens de natureza individual e as decorrentes da natureza ou local de trabalho; e por esse motivo, as vantagens pessoais foram excluídas do teto remuneratório, conforme precedente na ADI 14 e demais julgados que se seguiram a ele�

Com a Reforma Administrativa introduzida pela Emenda Constitucional nº 19/98, tentou‑se uma primeira correção interpretativa do disposto na redação original do texto constitucional, extirpando a previsão da isonomia de vendi‑mentos e, ademais, modificando a redação do artigo 37, XI, tornando explícita a inclusão das vantagens pessoais no teto remuneratório� Nada obstante, como a lei de iniciativa conjunta dos Chefes do Poder Executivo e do Judiciário, e dos Presidentes da Câmara e do Senado, para definição da remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal jamais adveio, esta Corte manteve o entendimento anteriormente exposto, no sentido de considerar excluídas do limite as verbas de natureza pessoal�

Nova Emenda Constitucional, de nº 41/2003, intentou colocar fim à contro‑vérsia, incluindo expressamente no teto remuneratório as vantagens pessoais e, no art� 8º, dispondo que o teto a ser considerado seria a maior remuneração percebida por Ministro do Supremo Tribunal Federal, até que fosse fixado por lei o valor do subsídio do cargo�

Essa análise leva à inarredável conclusão de que a EC nº 41/2003 não insti‑tuiu o teto remuneratório do serviço público, ele existe desde a promulgação da Constituição Federal, por expressa manifestação do Constituinte originário�

Retornando ao caso em debate, questiona‑se se, com a nova conformação do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucio‑nal nº 41/2003, é possível que as vantagens pessoais adquiridas pelos servidores sejam excluídas do teto remuneratório fixado no dispositivo em comento, pelo princípio da irredutibilidade dos vencimentos�

A resposta é negativa�

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A controvérsia aqui debatida, é óbvio, não alcança os servidores ingressos no serviço público após a edição da EC nº 41/2003, nem mesmo aquelas grati‑ficações e adicionais adquiridos após a reforma constitucional�

A questão, aqui, é de direito intertemporal, sendo necessário definir se aquele servidor que percebia vantagens de natureza pessoal acima do teto remunera‑tório, antes da atuação derradeira do constituinte derivado na matéria, pode permanecer recebendo tais verbas, imunes ao limite máximo cominado pelo texto constitucional�

O Recorrido invoca a irredutibilidade de vencimentos, prevista pelo inciso XV do artigo 37 da Constituição – tese acolhida pelo acórdão impugnado – à manu‑tenção de tais verbas em patamar superior ao teto remuneratório constitucional�

A irredutibilidade de vencimentos representa corolário do direito adquirido, ao impedir reduções nominais nos vencimentos e proventos dos servidores, em decorrências de mudanças legislativas e mesmo das reformas constitucionais�

A questão, no caso, envolve reconhecer se, efetivamente, há direito adquirido na hipótese� E, tendo em vista todos os pressupostos acima delineados, entendo que ele inexiste�

Direito adquirido, pela mais comezinha definição, é aquele que se incorporou definitivamente no patrimônio jurídico do sujeito�

Contudo, o direito adquirido, dentro na conformação jurídica pátria, tem seu delineamento, justamente, pelo texto constitucional, no disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição�

Em assim sendo, a análise da existência de direito adquirido nos casos a serem dirimidos pela presente repercussão geral, depende da localização de uma incompatibilidade entre o princípio da irredutibilidade de vencimentos e o teto remuneratório dos servidores públicos; contudo, essa incompatibilidade não se configura�

Em primeiro lugar, porque desde a redação original da Constituição, o direito à manutenção do valor nominal dos vencimentos sempre foi limitado pelo res‑peito ao teto de remuneração, como se depreende de mera leitura do artigo 37, inciso XV, da Constituição, em suas três redações já vigentes, todas elas fazendo expressa remissão ao conteúdo do inciso XI do mesmo dispositivo�

Em segundo lugar, verifico que, desde a redação original do texto constitu‑cional, as regras para regular os momentos de transição sempre espancaram qualquer direito à percepção de valores em dissonância com o teto remunera‑tório estabelecido�

Originalmente, o artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó‑rias já impunha a adequação compulsória de todos os vencimentos e proventos

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pagos em discordância com o texto constitucional em vigor a partir de 05 de outubro de 1988� assim, todos os valores excedentes ao teto fixado pelo art� 37, inciso XI, já não mais deveriam vigorar� Por sua vez, a EC nº 19/98 também trouxe em seu texto o art� 29, para reafirmar a impossibilidade de alegação de direito adquirido à manutenção de remuneração em desacordo com os limites máximos por ela instituídos�

Finalmente, o art� 9º da EC nº 41/03, que expressamente se remete ao art� 17 do ADCT, para limitar a remuneração dos servidores ao valor do teto remu‑neratório por ela introduzido� Esse dispositivo tem sua constitucionalidade questionada na ADI nº 3�184, de relatoria da Min� Carmem Lúcia�

No entanto, para solucionar a questão ora em debate, é suficiente a conclusão de que, como as redações originais do art� 37, incisos XI e XV, conjugados com a leitura do art� 17 do ADCT, vedavam, desde a promulgação da Constituição, a percepção de remuneração em desacordo com o teto remuneratório, sem a possibilidade de invocação de irredutibilidade de vencimentos para a burla dessa determinação�

Afastada, portanto, a alegação de direito adquirido à manutenção de venci‑mentos e proventos em desacordo com o teto remuneratório, resta bem assen‑tada a tese de que nem mesmo as vantagens pessoais podem ser excluídas do limite máximo de remuneração imposto pela Constituição Federal�

Ainda, como bem assentou a Procuradoria‑Geral da República, não pode haver o direito de percepção dessas verbas, além do teto, até que posteriores reajustes a aumentos venham a absorvê‑las, pois isso significaria a manutenção de situação inconstitucional por largo período de tempo� A boa‑fé dos servido‑res que receberam remuneração acima do teto resolve‑se pela não repetição desses valores ao erário�

Entendo, Presidente, que a solução encontrada pela Relatora mostra‑se con‑sentânea com o respeito à moralidade administrativa, pois desde sua edição foi intento do texto constitucional a limitação dos valores que devem remune‑rar os servidores públicos, o que não significa remunerá‑los de forma indigna, mas tão somente, de forma adequada à realidade socioeconômica deste País, e também vem coroar o respeito ao princípio republicano, com o correto trato dos recursos públicos e o respeito à Lei Maior�

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VOTO

O sr. ministro Roberto Barroso: Presidente, essa matéria foi objeto de recente debate no Plenário, e eu vou, muito brevemente, reproduzir as ideias que con‑duziram minha manifestação naquela ocasião�

A Constituição, na sua versão originária, procurou, a meu ver, estabelecer um teto no art� 37, inciso XI, e de forma inequívoca, incluía as vantagens pessoais nesse teto, porque falava em vantagens de qualquer natureza�

Não obstante isso, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 14, sob relatoria do Ministro Célio Borja, retirou do teto precisamente as vantagens pessoais� Naquela ocasião, votou divergentemente o Ministro Marco Aurélio, que votou vencido, penso que isoladamente� Mas, a meu ver, acertadamente, porque, quando o constituinte de 1988 estabeleceu um teto, e a remuneração incluía vencimentos e vantagens pessoais, os abusos que se queriam coibir não estavam no vencimento‑base, os abusos estavam precisamente nas vantagens pessoais� Portanto, penso, com todas as vênias, que não foi, naquela ocasião, uma decisão feliz, e entendo que o Ministro Marco Aurélio, na sua posição isolada, estava correto�

Para superar – como já constou, e esqueci de assinalar o belíssimo, exaus‑tivo voto da Ministra Rosa Weber, que, a meu ver, esgota a discussão do tema – o precedente do Supremo, como não é incomum acontecer nas democracias, o Congresso Nacional fez aprovar uma emenda constitucional, a Emenda 19, em que deixava inequivocamente claro que as vantagens pessoais deviam ser inseridas no teto� Só que a Emenda 19 previu um mecanismo extremamente dificultoso para a iniciativa da lei que regulamentaria o teto, porque era uma iniciativa que dependia dos Três Poderes� Eu até, quando votei, me lembrei da ocasião na qual reuniram‑se os presidentes do Senado, da Câmara, da República e o do Supremo, que era o Ministro Celso de Mello� E, ali, para excluirem‑se as vantagens pessoais, fazia‑se uma majoração da remuneração dos Ministros do Supremo para um patamar que se considerava adequado para ser o teto� Mas, como ninguém queria o ônus político daquela majoração, todos os agentes polí‑ticos eletivos deixaram a reunião e disseram: “Olha, realmente é uma elevação muito substanciosa, eu até tenho muita dúvida”� Mas o Presidente do Supremo insistiu� E os três políticos, que tinham mandato dependente de voto, deram uma declaração nesse sentido� E o eminente, o queridíssimo Ministro Celso de Mello, dispõe, então, que “se ninguém quer, eu também retiro”� E aí ele puxou a escada e ficou todo mundo sem esse estabelecimento dessa providência� E o Supremo estabeleceu o entendimento de que, sem esta lei, o teto, com a inclusão

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das vantagens pessoais, não era autoaplicável; dependia dessa lei que não sairia nunca� Aí, sobreveio a Emenda Constitucional 41/2003 – a anterior tinha sido a Emenda 19, que foi a reforma administrativa do governo Fernando Henrique, de 1998 –, que é esta relevante para a nossa discussão, e deixou inequivocamente claro que não apenas as vantagens pessoais estavam no teto, como deixou de fazer essa inclusão depender de uma legislação regulamentadora�

E, aí, Presidente, surgiu a seguinte questão que abordei quando o Ministro Teori Zavascki relatou o RE 609�381/81� A meu ver, desde o primeiro momento, desde a constituição originária, as vantagens pessoais estão incluídas� Dessa forma, coerentemente, vou considerar que elas continuam incluídas�

Agora, dizia o eminente jurista e advogado da tribuna, doutor Márcio Cam‑marosano� Eu também acho que a ideia de direito adquirido está protegida mesmo em face de emendas constitucionais� Porém, entendo que, desde a Cons‑tituição originária, existe essa restrição� Portanto, essa tese não colhe o meu pensamento, embora eu acho que colhe o pensamento de quem entende que este plus sobre o teto estivesse sendo recebido legitimamente, porque, se estava sendo recebido legitimamente, não poderia ser reduzido� Como entendo que nunca foi recebido legitimamente, acompanhei a posição do Ministro Zavascki, que, em última análise, para fazer justiça, correspondia a uma posição que já tinha sido veiculada pelo Ministro Cezar Peluso, também minoritariamente, aqui, no plenário�

De modo que agora, depois deste voto minucioso que, a meu ver, espanca qualquer controvérsia, eu reitero a minha posição, acompanhando a Ministra Rosa Weber� Eu entendo que, desde 5 de outubro de 1988, as vantagens pessoais devem estar subordinadas ao teto� Entendia desde aquela época e continuo a entender agora� Razão pela qual, cumprimentando os eminentes advogados que estiveram na tribuna pelo esforço digno de nota, eu acompanho a Minis‑tra Rosa Weber e defino como tese o seguinte: O teto remuneratório previsto pela Emenda Constitucional nº 41 de 2003 tem incidência imediata, vedando o pagamento de quaisquer vantagens percebidas pelos servidores, a qualquer título, que o excedam�

Portanto, estou votando pelo provimento do recurso extraordinário�

VOTO

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, também vou acompanhar o belíssimo voto da Ministra Rosa Weber� Como disse Sua Excelência, a rigor,

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essa matéria está compreendida no precedente que julgamos no ano passado no RE nº 609�381, oportunidade em que ficou assentada a tese de que:

“O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui efi‑cácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior�”

E o que conduziu essa orientação foi justamente a afirmação agora reiterada pelo Ministro Barroso, no sentido de que o estabelecimento de teto decorre do próprio texto original da Constituição de 88�

Eu vou acompanhar a Ministra Rosa, e só gostaria de fazer uma observação, Senhor Presidente� Penso que está na hora de colocar ponto final, no Brasil, à essa questão do teto� Ultimamente, tenta‑se sair por outros subterfúgios� Não se está mais chamando de “vantagem pessoal”, mas de “verbas indenizatórias”, que é um modo de iludir o teto� Penso que está na hora de a sociedade brasileira respeitar a Constituição�

O próprio sentido do que se considera vantagem pessoal está deturpada: van‑tagem pessoal, no meu entender, deveria ser, apenas, aquela vantagem devida a determinado servidor em decorrência de uma específica circunstância de natu‑reza própria, pessoal, individual� Ou seja, não se poderia incluir, no conceito de vantagem pessoal, aquilo que compõe o estatuto da remuneração de todos os servidores, indistintamente, como é o caso, por exemplo, do tempo de serviço� O adicional de tempo de serviço, o que tem de vantagem pessoal? Trata‑se sim‑plesmente de uma parcela devida a todos os servidores, com a única diferença de que seu valor é proporcional ao tempo de serviço� Mas não há nada de pessoal� Absolutamente nada! É um subterfúgio para iludir o comando, que vem desde a origem da Constituição de 88, de estabelecimento de um teto remuneratório� Queiramos ou não, o teto é a vontade da Constituição�

Por isso, Ministra Rosa, eu apenas sugeriria dispensar a restituição, não apenas para o recorrido, aqui, mas dispensar a restituição, de uma maneira geral, até a data do julgamento�

E, quem sabe, colocar isso na própria tese que nós estamos aprovando� No precedente do ano passado, ficou estabelecido que não se descontaria, por ter sido recebido de boa‑fé, o que foi recebido até a data da publicação da ata de julgamento� Talvez seja o caso, se o presente recurso for provido e se a tese da Ministra Rosa for acolhida pela maioria – de se afirmar na própria tese a ser aprovada hoje, uma menção explícita nesse sentido� Quer dizer, daqui para a

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frente, não se vai tolerar pagamentos excessivos indevidamente� Vai haver des‑conto, se houver um pagamento excessivo�

É a ponderação que faria, em acréscimo���O sr. ministro Roberto Barroso: Até porque esse caso tem repercussão

geral, portanto tem que ser seguidoO sr. ministro Teori Zavascki: Exatamente� Tem repercussão geral, como

teve o outro também� Penso que talvez fosse o caso de fazer um acréscimo nesse sentido, se os colegas concordarem�

Acompanho a Relatora�

ESCLARECIMENTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Com a concordância da eminente Relatora, se houver maioria, nós reestudaremos a tese�

A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Se prevalecer o voto, Senhor Presi‑dente, não há qualquer problema� A tese é uma construção coletiva, do cole‑giado� Eu não tenho a menor dificuldade em adequar� Não coloquei na tese, porque até pensara – estava dizendo ao Ministro Luís Roberto – em aditar aquela tese fixada no outro recurso extraordinário, com – “e incluídas as verbas de natureza pessoal” –, e uma vírgula no final� Mas lá nada se falou a respeito� No caso, como houve juízo de improcedência em primeiro grau, juízo esse de improcedência reformado em sede de apelação, e a Ministra Ellen concedeu efeito suspensivo ao recurso extraordinário, parece‑me que os valores não foram pagos� Se o foram, o foram em um pequeno momento, com excesso�

Por isso eu fiz constar a observação no voto� Mas, para efeito de repercussão geral, sem dúvida alguma, não coloco qualquer empecilho� Ao contrário, adiro�

VOTO

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, eu também estou de acordo com o entendimento que aqui foi esposado pelo belíssimo voto da Ministra Rosa Weber e pelos colegas que me antecederam, no sentido de que essas vantagens pes‑soais já estavam absorvidas pelo teto, desde a origem, na própria Constituição Federal, derivada de uma manifestação expressa do sentimento constitucional pelo poder constituinte originário� Não foi por outra razão que utilizei quase que uma figura de linguagem técnica para dizer que a Emenda 41 tinha caráter interpretativo� Portanto, ela era contemporânea à lei interpretada� E qual era a lei interpretada? A própria Constituição de 88� Por isso que, com a devida vênia,

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apesar do brilhantismo das sustentações, não se faz presente essa questão “se por lei, não pode; por emenda, pode”� Não é essa questão, a própria Constituição Federal já vedava essa possibilidade de obtenção de vantagens acima do teto�

Eu também fiquei preocupado com a questão da modulação, porque nós estamos em 2015, e a emenda é de 2003� Então, já se passaram doze anos� Mas a Ministra Rosa Weber está nos noticiando que houve uma liminar suspensiva� Eu concordo em que haja uma explicitação da modulação temporal para evitar a repetição de valores que foram recebidos de boa‑fé� Pelo menos o cenário retrata uma hipótese de proteção e confiança�

Agora, tenho dúvidas se, nesse caso, nós podemos definir o que é vantagem pessoal� Porque, na minha visão, há um certo equívoco nessas formulações de tese baseadas no sistema de alhures, porque o sistema norte‑americano é dife‑rente� No sistema brasileiro, temos que partir do caso concreto para fixarmos uma tese geral, e não uma tese geral e, depois, aplicar uma tese geral para o caso concreto, porque aí sempre sobra alguma coisa� Não ouvi nenhuma palavra da Ministra Rosa Weber definindo o que é vantagem pessoal� Eu não sei qual é o efeito reflexo de uma jurisprudência, certamente moralizadora, com todo o respeito, mas que poderia ter, em outros casos, até mesmo num julgamento que se poderia acoimar de um julgamento completamente ultra petita�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministro Fux, Vossa Excelência me permite um aparte? A preocupação de Vossa Excelência é per‑tinente, sem embargo do excelente voto da Ministra Rosa Weber, com o qual, desde logo, adianto que estou de acordo�

É porque, recentemente, dias atrás, o Executivo fez alteração na lei orçamen‑tária, inserindo no teto inclusive as vantagens de caráter indenizatório� Quer dizer, não tem nada a ver com as vantagens pessoais�

E as verbas de caráter indenizatório, que são várias e a que todos os servidores do Brasil fazem jus para se ressarcir de despesas que tenham no desempenho de suas atividades, talvez, esta seja uma explicitação necessária ou conveniente, quem sabe, que devamos fazer para distinguir as vantagens pessoais� Não sei se Vossa Excelência talvez tenha feito menção a isso, uma distinção nesse sentido?

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas um aspecto: a partir do momento em que se inclua, no teto, verba indenizatória, ela perde essa natureza�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Exatamente� Essa é uma distinção que nos preocupa muito e são várias as verbas de caráter indenizatório�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Essa é uma questão sobre a qual nós devemos meditar, porque, de fato, temos verba indenizatória� E, como já disse o minis‑tro Barroso, também temos verba indenizatória� Na verdade, passa‑se a fazer

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uma interpretação da Constituição segundo a lei e passa‑se a chamar de verba indenizatória opções que são tipicamente – não gosto do termo – vencimentais�

A sra. ministra Cármen Lúcia: É só, Ministro Gilmar, chamar de verba inde‑nizatória o que seria vantagem de hoje�

O sr. ministro Gilmar Mendes: E nós estamos assistindo isso em vários luga‑res, quer dizer, passa‑se a chamar de verba indenizatória, embora elas passam a compor rotineiramente� Um exemplo que eu acho que é inequívoco: a diária� Mas, daqui a pouco, nós temos expressões���

O sr. ministro Marco Aurélio: Mas decorre, Ministro, do aspecto irreal do teto� Então, há o drible� E se passa a emprestar a nomenclatura indenizatória a parcelas que não têm essa natureza�

O sr. ministro Gilmar Mendes: O fenômeno que acaba acontecendo é que os únicos que observam o teto são aqueles que estão no teto, que são os ministros do Supremo Tribunal Federal�

O sr. ministro Marco Aurélio: É o que ocorre nesse Brasil surrealista que estamos vivendo�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Mas nós não podemos pensar com o excepcional, raciocinar com o excepcional�

A sra. ministra Cármen Lúcia: O único servidor que observa o teto é o Minis‑tro do Supremo�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Agora mesmo, acabo de ser informado, em Porto Alegre, que foi aprovado aquele projeto de lei que era almejado sobre pagamento de um acréscimo, uma gratificação para juiz que responde como substituto em outra comarca ou outra vara� Agora, fizeram uma interpretação que está permitindo que todos os juízes federais recebam essa indenização, inclusive dos tribunais regionais federais�

O sr. ministro Marco Aurélio: Vamos ver aonde vamos parar!O sr. ministro Gilmar Mendes: Existe um acréscimo, hoje� Disseram‑me,

com toda a fidelidade, um acréscimo de dez mil reais na remuneração, com uma interpretação de que quem recebe mais de mil ou mil e quinhentos processos já está a responder por uma nova vara ou por uma nova função� Veja que ponto!

O sr. ministro Teori Zavascki: Vossa Excelência me permite? Parece que há mais um requinte nessa remuneração� Quando ultrapassa do teto, o excesso é transformado em licença, de modo que o juiz, o titular dessa vantagem, recebe o teto mais os acréscimos em licença, com o que o período de férias também aumenta por conta disso�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Mas isso são patologias que serão corrigidas�

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Eu creio que o conceito de vantagem pessoal e o conceito de verbas inde‑nizatórias são consensuais hoje, tanto na doutrina como na jurisprudência�

Eu temo, exatamente, que nós possamos, eventualmente, levar a uma certa confusão, causar certa perplexidade, se não deixarmos muito claro que, nas van‑tagens pessoais, não se incluem as verbas de caráter indenizatório� Claramente e sem fraude, porque, se houver fraude, essa verba indenizatória se transforma numa vantagem pessoal e isso é inadmissível em Direito�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Mas pode ocorrer outra coisa, Presidente� É preciso que a gente pense com cuidado nesse assunto, porque, já que nós dis‑semos que daqui para frente as vantagens pessoais não serão atingidas com a proposta do Ministro Teori, para que não se devolvam verbas recebidas de boa‑fé, vão aparecer leis explicativas do que foi pago antes, que não era chamado de vantagem pessoal, e que vai ser colhido pela nossa decisão de hoje� É preciso ter um certo cuidado com essas coisas�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): É que há, realmente, por exemplo, aquela verba que o juiz eleitoral ganha pelo exercício da atividade elei‑toral� Isso é vantagem pessoal? Isso incorpora no teto ou não? Diárias, remune‑rações por viagens que são feitas quando um magistrado está em correição, ou um funcionário qualquer se desloca em razão do serviço, são verbas de caráter tipicamente indenizatória e que eu temo, mas louvando exatamente, e com muita ênfase, o voto de Vossa Excelência, Ministra Relatora, é preciso deixar bem claro porque senão, no futuro, alguém vai dizer: “Não, o Supremo decidiu que nada que se inclua acima do teto pode ser pago ao servidor”�

A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Presidente, permita‑me esclarecer a pergunta de Vossa Excelência, se eu tinha feito alguma referência?

Em primeiro lugar, isso não se discutiu� Já, desde a inicial, a tese defendida era exatamente essa, as vantagens de natureza pessoal só foram identificadas� O réu se defendeu contra esta tese, opondo a sua� E, no meu voto, ao transcre‑ver, eu imaginei que o Plenário, na verdade, este Plenário já se manifestou sobre esse aspecto, em maio de 1993, através do Ministro Sepúlveda Pertence, quando disse no Recurso Extraordinário:

“II� Vencimentos do Ministério Público estadual: teto: imunidade à sua incidência das vantagens de caráter individual, ainda que incorporadas�

1� Na ADIn 14, de 28�9�89, Célio Borja, RTJ 130/475, o STF – embora sem confundir o campo normativo do art� 37, XI, com o do art� 39, § 1º, da Constituição – extraiu, da inteligência conjugada dos incisos XI e XII do art� 37, a aplicabilidade, para fins de cálculo dos vencimentos sujeitos ao teto, do mesmo critério do art� 39, § 1º, para fins de isonomia, isto é, o de isentar do cotejo as vantagens de caráter individual�”

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Aí, no segundo item, que eu não fiz a leitura, no momento:

“2� Para esse efeito, constitui vantagem pessoal, e não vencimento, a retribuição percebida pelo titular de um cargo, não em razão do exercício dele, mas, sim, em virtude do exercício anterior de cargo diverso; a chamada incorporação ao vencimento da parcela correspondente não tem o efeito de alterar‑lhe a natureza originária, transmudando‑a em vencimento, mas apenas o de assegurar‑lhe���”

Ou seja, ao fazer esse cotejo, o Ministro Sepúlveda Pertence define, numa decisão do Plenário, o que se entendeu, pelo menos à época, como vantagem de caráter individual, ou seja, aquelas vantagens não decorrentes do cargo que estava a ser exercido�

Tenho alguma dificuldade, porque o problema da aposentadoria���O sr. ministro Teori Zavascki: Nesse caso, Ministra Rosa, nenhuma das

parcelas aqui tratadas seria de natureza pessoal�O sr. ministro Roberto Barroso: Presidente, um breve comentário: eu con‑

cordo com a observação do Ministro Fux e com a de Vossa Excelência quanto às parcelas indenizatórias� Por isso que, na proposta de redação, nós estávamos incluindo o teto remuneratório� Portanto, o que não for remuneratório, eu acho que está fora do alcance da nossa proposição�

Agora, eu veria com uma certa dificuldade definirmos numa tese de reper‑cussão geral a distinção entre indenizatória e remuneratória� Eu acho que é um trabalho para outro caso até porque não discutimos isso�

O sr. ministro Luiz Fux: E, aliás, há um caso subordinado à repercussão���O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Agora, eu creio que –

perdão, Ministro Fux – essa discussão nossa, até em sede de obiter dictum, esclarece um pouco essas nuances que nós estamos debatendo�

O sr. ministro Roberto Barroso: Certo�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): É caráter pedagógico,

como diz o nosso eminente Procurador‑Geral da República� É preciso deixar claro que a Corte atentou para essas diferenças, ainda que não conste da tese�

O sr. ministro Luiz Fux: Pois é� Eu estou de acordo com a tese que a Ministra Rosa e o Ministro Barroso aqui assentaram�

E só teria essa preocupação de, através da tese, nós esquecermos o caso que estamos julgando e criarmos uma jurisprudência extra petita com uma ampli‑tude que não foi nem objeto de contraditório, nem objeto de sustentação e nem entidades atingidas poderão se defender� Então, a minha preocupação era só um minimalismo todas as vezes que a gente fixa uma tese, porque, eu repito, aqui nós temos o hábito de formularmos uma tese geral e aplicarmos ao caso

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concreto� Quando, na realidade, nós temos que fixar uma tese de acordo com o caso concreto e essa tese seria aplicável a vários casos semelhantes, porque é assim que se faz o distinguishing� Não pode pegar uma tese em aberto e aplicar, aí por exemplo, cassando decisões sobre outros benefícios que não foram nem aqui cogitados, nem discutidos�

A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Senhor Presidente, se me permite, Ministro Fux, poderíamos aproveitar a tese do recurso extraordinário do Minis‑tro Teori, quem sabe só incluindo���

O sr. ministro Roberto Barroso: Ministra Rosa, eu propus aqui com o Minis‑tro Teori uma���

O sr. ministro Gilmar Mendes: Acho que deveríamos terminar o julgamento�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Isso�A sra. ministra Cármen Lúcia: Vamos terminar o julgamento�O sr. ministro Gilmar Mendes: Porque, a esta altura, nós estamos colocando

a tese antes da���A sra. ministra Cármen Lúcia: A tese antes do julgamento�O sr. ministro Gilmar Mendes: É, nós não votamos ainda e���O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Mas eu penso que o

Ministro Fux levantou uma preocupação válida, realmente, para fazer esse distinguishing, para saber se, nesta verba remuneratória, estariam, ou não, incluídas outras, como as indenizatórias, por exemplo�

O sr. ministro Luiz Fux: Eu acompanho a Ministra Rosa�

ESCLARECIMENTO

O sr. ministro Roberto Barroso: Presidente, sem desprezo à observação do Ministro Gilmar, que eu considero pertinente, pedindo vênia a Sua Excelência, até para o Ministro Gilmar discordar, mas penso que vai concordar, quer dizer, a ideia do que eu acho que foi decidido, Ministro Gilmar, é assim: O teto remu‑neratório previsto na Emenda Constitucional nº 41 tem incidência imediata e inclui as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza percebidas por servidores públicos� E aí o Ministro Teori pede o seguinte acréscimo: O recebi‑mento de valores em desconformidade ao aqui disposto sujeita o beneficiário à obrigação de restituí‑los� Apenas para encaminhar a votação�

O sr. ministro Teori Zavascki: CANCELADO�O sr. ministro Roberto Barroso: Vossa Excelência que sugeriu um acrés‑

cimo à tese� Eu já incorporei�

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VOTO (Antecipação)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Presidente, eu começo também por elogiar – e não é por excesso nem por retórica – o voto da Ministra Rosa Weber, que tem densidade, traz com muita pertinência o objeto específico do que estamos aqui a discutir� Eu vou me ater ao objeto do julgamento e acho que a tese realmente é posterior, em que pese ela ter apresentado inicialmente, mas, de toda sorte, fico para me pronunciar sobre isso ao final�

E, também, não posso deixar de cumprimentar os senhores advogados pela excelência com que se houveram, nas duas teses por eles apresentadas e defen‑didas, com grande embasamento�

Também queria dizer, Presidente, que, mesmo acompanhando a Relatora, Ministra Rosa Weber, não posso deixar de fazer observações breves� Tal como o Ministro Luís Roberto, também eu sempre considerei – e até escrevi sobre isso – que o que a Constituição de 1988 veio trazer com esta norma, que já se continha, tal como agora, especificando o objeto a ser considerado dentro do que se chamou teto, era a verdade remuneratória� Porque sempre tivemos no Brasil uma inverdade remuneratória� Quer dizer, pergunta‑se a dois procuradores do mesmo Estado, nas mesmas condições, quanto ganham� E eles dizem quanto ganham, em termos de vencimento� Mas, quando se vai ver a remuneração, os chamados “penduricalhos” fazem com que duas pessoas, em duas mesas, uma ao lado da outra, exercendo as mesmas funções, recebam remuneração diversa�

O que fez a Constituição de 88? Estabeleceu a verdade remuneratória� O cidadão brasileiro que me paga tem o direito de saber quanto eu recebo� E, aí, se chegou ao artigo 37�

Entretanto, quem recebe o teto, com segurança, para o cidadão brasileiro, hoje, somos os onze Ministros do Supremo Tribunal Federal� Mas tem‑se juiz que ganha mais do que Ministro do Supremo? Sim, temos�

Em 2000, Presidente, portanto, depois das Emendas Constitucionais nºs 19 e 20, eu, como Procuradora‑Geral, sugeri ao então Governador de Minas, Itamar Franco, que fizesse publicar um Diário Oficial com todos os valores de contracheque quanto a remunerações, e houve cinco pedidos para que ele me exonerasse do cargo� A exoneração da Procuradora‑Geral era mais fácil do que a publicação� E o que se tem, como já foi veiculado aqui e repetido, são nomes e terminologias de outras parcelas que se incluem, com os mais variados nomes� O Ministro Gilmar faz referência ao valor indenizatório� Indenizar é deixar

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indene, sem dano� Se não houve dano, não há que se falar em indenização, por óbvio� No entanto, sob o nome de verba indenizatória, se paga o que não se deve�

Como dizia o Professor Márcio Cammarosano, não se pode transgredir a Constituição em nenhum dispositivo, menos ainda nos do artigo 5º, entre os quais se tem “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”� Nem lei – lei, aqui, no sentido material – muito menos Emenda Constitucional� Quem recebeu indevidamente, desde 5 de outubro de 1988, não tem direito adquirido� A aquisição há de ser lícita�

Relembro o que anotei no Recurso Extraordinário nº 675�978, de minha rela‑toria, que:

“(���) a remuneração que eventualmente supera o teto ou subteto constitucio‑nal” – para se aplicar aos Estados – “não é, em si, ilegal, porque as parcelas que a compõem (���), em geral, estão pautadas em atos normativos cuja presunção de constitucionalidade não se põe em questão� O que não se admite no orde‑namento jurídico brasileiro” – instituído desde 1988 – “é a possibilidade de recebimento dos valores superiores ao teto e aos subtetos constitucionalmente fixados�” – e nos termos por ele fixados�

Portanto, estou acompanhando integralmente a Ministra Rosa Weber na conclusão e deixando para me manifestar sobre a tese e os seus termos, em princípio acompanhando a proposta da Ministra Rosa Weber, mas deixando para acompanhar exatamente ao final, quando já se tiverem amadurecidos todos os pontos a serem inseridos nesta tese� Assim, voto no sentido de prover o recurso extraordinário do Estado de São Paulo�

É como voto, Senhor Presidente�

VOTO

A sra. ministra Cármen Lúcia (vogal): 1. Recurso extraordinário interpostos com base na al� a do inc� III do art� 102 da Constituição da República contra julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“APELAÇÃO. Servidor público. Agente fiscal de rendas. Teto remuneratório limitado pela EC 41/03. Exclusão, porém, das verbas de caráter pessoal que não se incluem na limitação do texto constitucional federal contido no inciso XI do artigo 37 sob pena de ensejar ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos (artigo 37, XV, CF), bem como seja resguardado o direito adquirido. Precedentes do Col. Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Egrégio Sodalício. Sentença reformada. Recurso provido.”

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Os embargos de declaração foram acolhidos para esclarecer a parte dispositiva:

“Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para excluir do cálculo do teto remu-neratório as vantagens pessoais do apelante, bem como condenar a ré a restituir--lhe a diferença, apurada em liquidação de sentença, que deverá ser acrescida de correção monetária, como base na Tabela Prática do Tribunal de Justiça, além dos juros moratórios de 6% ao ano, a partir da citação, bem como custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre os atrasados.”

2. O Recorrente alega ter o Tribunal a quo contrariado o art� 37, inc� XI, da Constituição da República e o art� 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias�

Afirma que “a ação teve por objeto a exclusão, para efeito do teto remunerató-rio, das vantagens pessoais, sob alegação de que a inclusão dessas vantagens de natureza pessoal implica em violação aos princípios do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da irredutibilidade de vencimentos”.

Argumenta a improcedência da “afirmação de que as vantagens pessoais porventura incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 41/03 deveriam ser excluídas do limite remuneratório pois tratar-se-iam de direito adquirido. Tal assertiva afronta o inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal que estabelece que a remuneração efetuada com dinheiro está sujeita a um limite máximo e inclui as vantagens pessoais para o fim colimado”.

Pede o provimento do recurso para julgar a ação improcedente�3. Em 11‑3‑2010, o Plenário Virtual deste Supremo Tribunal Federal reconhe‑

ceu a repercussão geral da matéria versada no presente recurso:

“ADMINISTRATIVO. INCLUSÃO DE VANTAGENS PESSOAIS NO TETO REMUNERATÓRIO ESTADUAL APÓS A EC 41/03. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.” (Relatora a Minis‑tra Ellen Gracie, DJ 4‑6‑2010)

4. A Procuradoria‑Geral da República manifestou‑se pelo provimento do recurso extraordinário�

5. A União, os Estados‑membros, o Distrito Federal, o Sindicato dos Funcio‑nários Efetivos e Estáveis da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul – SINFEEAL, o Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – SINDALESP, o Sindicato dos Fiscais de Rendas do Estado do Rio de Janeiro – SINFRERJ e a Associação Nacional dos Procuradores de Estado – ANAPE foram admitidos como amici curiae.

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5. O que se põe em foco no presente recurso extraordinário é se as vantagens pessoais incorporadas por servidores públicos estão ou não incluídas no teto remuneratório previsto na Emenda Constitucional n� 41/2003�

6. O art� 37, inc� XI, da Constituição da República prevê:

“Art. 37(���)XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos

públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qual-quer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

7. O art� 37, inc� XI, da Constituição da República (alterado pela Emenda Constitucional n 41/2003) é taxativo ao fixar, repete‑se, que

“a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detento-res de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19-12-2003).”

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8. Em estudo doutrinário sobre o tema, tive a oportunidade de esclarecer:

“As espécies remuneratórias havidas no sistema jurídico vigente são o vencimento, os vencimentos, o subsídio, havendo expressa e reiterada referência à remuneração do agente público.

Remuneração é o total dos valores percebidos, a qualquer título, pelos agentes públicos. É o valor integral do quanto percebido pelo agente público, abarcando todas as parcelas que compõem a contraprestação que lhe é devida pelo exercício de seu cargo e/ou funções. O caráter retributivo em pecúnia ou em espécies outras (como ajudas de custo, ajudas em espécie, tais como valores pelo uso de telefone, carro etc.) pode ser considerado remuneratório. Mas a referência à remuneração é sempre indicativo do quanto percebido pecuniariamente, ainda que para fazer face às despesas com aqueles usos de bens pelos quais se há de pagar.

A Constituição aplica seguidamente o termo remuneração, sempre ligando o seu significado à contraprestação pecuniária pelo desempenho de cargo, função ou emprego público, de qualquer natureza e com quaisquer características com que conte.

A remuneração engloba todos os valores que compõem o quantum a ser recebido pelo agente público como retribuição legal devida pelo seu desempenho. Assim, todas as parcelas denominadas “acréscimos pecuniários”, pagos a título de vanta-gens, como indenização ou como adjutório ao agente público, inserem-se na defini-ção normativa de remuneração, pois elas compõem-na e estabelecem o seu valor.

A clareza do valor da remuneração é essencial não apenas para a aplicação da regra de relação de máximo e mínimo a ser legalmente fixada, porque é ele que servirá de parâmetro nos termos do art. 39, § 5º, combinado com o art. 37, XI, mas também para a incidência de tributação específica.

Vencimento é a contraprestação pecuniária devida ao ocupante do cargo, função ou emprego público pelo seu exercício, sendo definido legalmente em estrita cor-respondência com o símbolo, o nível e o grau estabelecido para ele. O vencimento é o padrão de pagamento devido legalmente, sendo estabelecido e identificado pela definição legal do próprio cargo, função ou emprego a que corresponde.

A mesma palavra utilizada no plural tem outra conotação jurídica. Vencimentos compreende a soma dos valores correspondentes ao padrão definido legalmente para o cargo, função ou emprego acrescido das parcelas outorgadas como vanta-gens que são garantidas, em caráter permanente e fixo, para o agente. Para tanto, é ele considerado em sua condição de ocupante do cargo e em sua situação nos quadros do serviço público. Podem, então, ser distintos os valores corresponden-tes aos vencimentos de dois agentes públicos, titulares de cargo igual, mas que se encontram em condições diferenciadas na carreira e que o ocupam por períodos de tempo diferentes etc.

O vencimento há de ser sempre idêntico, independente da condição do agente no serviço público. Não assim os vencimentos, sequer a remuneração. É que nessa

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como naqueles se tem a presença de fatores remuneratórios diferentes, em razão de peculiar condição funcional do agente em relação à pessoa jurídica estatal a que se acha vinculado.

Na remuneração, pode-se, contudo, ter parcelas variáveis, o que, entretanto, não ocorre para [vencimentos], sempre com parcelas fixas e permanentes. Por isso é que a Constituição veda a redução dos vencimentos (art. 37, XV), mas não a remune-ração, porque esta pode conter parcelas ora variáveis, ora outorgadas para prover situações precárias ou temporárias, que serão, posteriormente, eliminadas do valor total.

(...)A Constituição de 1988 teve como um de seus enfoques a questão social brasileira

da desigualdade. E ela tem como um de seus demonstrativos mais claros a questão remuneratória do servidor público.

A Constituição estabeleceu os valores máximo e mínimo que podem prevalecer em qualquer das entidades políticas ou suas entidades administrativas, em qualquer quadrante do País. Tais valores correspondem aos limites máximo (fixado pelo subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal) e mínimo (que é estabelecido pelo padrão pecuniário definido legalmente como salário mínimo para qualquer trabalhador).

Na realidade fática observada na Administração Pública, constata-se que a remu-neração (compondo-se de quaisquer espécies remuneratórias e de quantas sejam permitidas acumular) pode ir de um salário mínimo que, no Brasil, tem o significado exato contido naquela expressão — até valores tão vultosos que não são encontrados sequer em empresas privadas familiares.

A despeito dessa realidade, na qual se nota situação de tão grave injustiça e perversas consequências administrativas, é de anotar que, desde 1934, buscou-se embaraçar ou impedir tais desequilíbrios, determinando-se, constitucionalmente, que a lei fixasse valores remuneratórios máximos. Naquele período a norma não logrou eficácia plena ou efetividade administrativa.

Para o descumprimento das normas definidoras de limites máximos, sempre se valeram os interessados de subterfúgios legais, como os acréscimos outorgados sob rótulos jurídicos diversos, tais como gratificações, verbas específicas etc.

Por isso, introduziu-se no sistema brasileiro inaugurado em 1988 regra no sen-tido de definir, no próprio texto constitucional, o que se passou a denominar valor máximo ou o denominado teto de remuneração do setor público, quer dizer, o valor máximo que pode ser percebido por um agente a título de contraprestação pecu-niária dispondo-se na norma originariamente positivada (art. 37, XI, depois alte-rada pela Emenda Constitucional n. 19/98) que ‘a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valo-res percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal

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e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito’.

O Supremo Tribunal Federal entendeu e decidiu, entretanto, na vigência daquela norma, que as parcelas percebidas a qualquer título não incluíam naquele maior valor estabelecido constitucionalmente aquelas correspondentes a vantagens pes-soais, que são devidas ao servidor público por força de uma circunstância peculiar, individual e não partilhável com qualquer outro em razão do cargo, função ou emprego. Mais ainda, as leis infraconstitucionais abrigaram diversas situações em que aquelas vantagens eram conferidas de molde a se incorporar ao valor da remuneração, o que desequilibrava e desigualava os valores pagos a servidores públicos em cargos iguais, desempenhos idênticos, quer quanto à natureza das funções, quer quanto ao local e ao período de trabalho.

Daí ter vindo a Emenda Constitucional n. 19/98 a positivar nova norma, substi-tuindo aquela anteriormente vigente, a qual passou a estabelecer: ‘a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remunera-tória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal’.

Observa-se, pois, que a Constituição estabeleceu o limite mínimo (piso), que é o salário mínimo, considerado direito fundamental social de todo trabalhador (público ou privado — art. 7º, IV), que não pode ser desconsiderado, pena de se ter como inconstitucional a norma que o despreze. E fixou, também, o limite máximo (teto), quer dizer, o maior valor de remuneração que poderá ser conferido ao servidor público, definido pelo legislador. Contudo, o constituinte deixou à lei a tarefa de esta-belecer o valor máximo (que poderá não atingir aquele teto), que deverá prevalecer em cada entidade. O que a norma constitucional dispõe é da limitação ao quanto se há de ater o legislador infraconstitucional, o qual não poderá, então, exceder o subsídio mensal percebido, em espécie, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal. Ademais, a Constituição positivou que a) o valor máximo é definido considerando--se a remuneração, a dizer, o quantum total a ser percebido pelo agente público, e não apenas o vencimento ou o subsídio ou a acumulação de cada parcela ou de vencimentos, em caso de acumulação constitucionalmente permitida” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes� Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999�p� 305‑306/314‑317)�

9. A discussão sobre a interpretação do art� 37, inc� XI, da Constituição da República não é nova no Supremo Tribunal Federal que, em reiterados julga‑mentos, tem afirmado a autoaplicação dos limites traçados pela Emenda Cons‑titucional n� 41/2003: RE 372�369 AgR/AL, Relator o Ministro Gilmar Mendes,

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Segunda Turma, DJ 5‑3‑2012; RE 560�067 AgR/SP, de minha relatoria, Primeira Turma, DJ 13‑2‑2009; SS 2�542 AgR/MT, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJ 17‑10‑2008; RE 477�447 AgR, Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJ 24‑11‑2006)�

10. Na assentada de 2‑10‑2014, no julgamento do Recurso Extraordinário n� 609�381 RG/GO, de Relatoria do Ministro Teori Zavascki, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal decidiu:

“Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO� TETO DE RETRIBUIÇÃO� EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03� EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXI‑MOS NELA FIXADOS� EXCESSOS� PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE� 1. O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municí-pios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior. 2. A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Os valores que ultrapassam os limites preestabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal cons-tituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos. 3. A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo predefinido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de vio-lação qualificada do texto constitucional. 4. Recurso extraordinário provido” (DJ 11‑12‑2014, grifos nossos)�

Em seu voto, o Ministro Teori Zavascki asseverou:

“Cumpre examinar o presente caso, que, como dito, traz a exame a situação de apo-sentados e pensionistas do Estado de Goiás, vinculados ao Poder Executivo local, que, após a vigência da EC 41/03, experimentaram cortes em seus rendimentos, pro-movidos no propósito de adequar suas remunerações aos subsídios do Governador de Estado. Esta operação resultou em efetivo retrocesso remuneratório, ocorrência noticiada na inicial – e sobre a qual não pende qualquer controvérsia nos autos – que foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de origem, sob a seguinte justificativa: (���)

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O Estado recorrente alega que esses abatimentos estão legitimados pela Cons-tituição, porque avalizados pelo texto de sua versão originária, de 1988, que era complementado pelo art. 17 do ADCT, e secundados pelo art. 9º da EC 41/03.

E está servido de razão quanto a este argumento. O teto de retribuição constitui norma constitucional de estrutura complexa, porque estabelecida pela conjunção de diferentes dispositivos do texto constitucional, cujo sentido normativo é chan-celado por quatro principais ingredientes constitutivos.

O primeiro deles limita a autonomia de cada ente da Federação brasileira, apre-sentando um ápice remuneratório que deve ser obrigatoriamente seguido. Um segundo elemento indica que a abrangência do teto deverá ser a mais inclusiva possível, compreendendo tudo o quanto venha a remunerar o trabalho do servidor, a qualquer título. Um recado normativo complementar, presente no ADCT e nos artigos 29 da EC 19/98 e 9º da EC 41/03, determina que aquilo que sobejar da incidên-cia do teto constitui excesso, cuja percepção não pode ser reclamada, ainda que o direito a ela tenha sido licitamente adquirido segundo uma ordem jurídica anterior.

(...)Não há dúvida de que, como acentuou o Min. Sepúlveda Pertence no MS 24.875

e em outros precedentes, a irredutibilidade de vencimentos constitui modalidade qualificada de direito adquirido. Todavia, o seu âmbito de incidência exige a pre-sença de pelo menos dois requisitos cumulativos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira juridicamente ilegítima, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo predefinido pela Constituição Federal.

Os excessos eventualmente percebidos fora dessas condições, ainda que com o beneplácito de disciplinas normativas anteriores, não estão amparados pela regra da irredutibilidade. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retri-buição, além de se contrapor a noções primárias de moralidade, de transparência e de austeridade na administração dos gastos com custeio, representa uma gravís-sima quebra da coerência hierárquica essencial à organização do serviço público. Antes, portanto, de constituir uma modalidade qualificada de direito adquirido, a percepção de rendimentos excedentes aos respectivos tetos de retribuição traduz exemplo de violação manifesta do texto constitucional, que, por tal razão, deve ser prontamente inibida pela ordem jurídica, e não o contrário.

(���)De fato, na linha daquilo que já havia sido observado pelo Min. Cezar Peluso no

voto proferido no MS 24.875, o preceito constitucional do teto de retribuição possui comando normativo claro e eficiente, que veda o pagamento de excessos, ainda que adquiridos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Assim, mesmo que a norma do art. 9º da EC 41/03 venha a ser invalidada, a mensagem enunciada pela Constituição será a mesma. Vale dizer: os excessos que transbordam o valor do teto são inconstitucionais, e não escapam ao comando redutor estabelecido pelo art. 37, XI, da CF.

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Em suma, ao conceder a segurança para permitir que os recorridos continuassem a perceber verbas de natureza remuneratória além dos limites do teto aplicável aos Estados-membros após a EC 41/03, endossando um regime de retribuição que destoa da norma constitucional do teto de retribuição, o acórdão recorrido infringiu o inciso XI do art. 37 da CF, razão pela qual deve ser reformado.

(���)7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, para fixar a tese de

que “o teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 é de eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior”. Relativamente aos valores recebidos em excesso até a publicação da ata do presente julgamento, proponho, na linha de entendimento adotado em situação análoga (RE 587.371, DJE de 24-6-2014), que seja dispensada a sua restituição, consi-derada a circunstância de seu recebimento de boa-fé.” (DJ 11‑12‑2014)

E

“Ementa: Teto Remuneratório. Incidência sobre Vantagens de Alegada Natureza Pessoal. Decisão Agravada que determinou a Suspensão da Tutela Antecipada. Agravo Regimental ao qual se nega provimento. O afastamento do teto remune-ratório previsto no art. 37, IX, da Constituição, na redação da EC 41/2003, ameaça a ordem pública. Precedentes. Repercussão geral da matéria reconhecida no RE 606.358 – tema nº 257 – Inclusão das vantagens pessoais no teto remuneratório estadual após a Emenda Constitucional nº 41/2003. Agravo regimental ao qual se nega provimento com a manutenção da decisão da Presidência que suspendeu a execução da tutela antecipada deferida no processo de origem até o trânsito em julgado de decisão definitiva de mérito prolatada naqueles autos” (STA 529 AgR/SP, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Plenário, DJ 1º�8�2014)�

No mesmo sentido: RE 762�114 AgR/PR, Relatora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 12‑8‑2015; SS 4�836 AgR/DF, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Plenário, DJ 30‑3‑2015; e ARE 799�022 AgR/MG, Relatora a Minis‑tra Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 21‑11‑2014�

11. Como adverti no julgamento do Recurso Extraordinário n� 675�978/SP:

“De se esclarecer, por fim, que a remuneração que eventualmente supera o teto ou subteto constitucional não é, em si, ilegal, porque as parcelas que a compõem (gratificações, vantagens pessoais, por exemplo), em geral, estão pautadas em atos normativos cuja presunção de constitucionalidade não se põe em questão. O que não se admite no ordenamento jurídico brasileiro é a possibilidade de recebimento dos valores superiores ao teto e aos subtetos constitucionalmente fixados. Por isso, no julgamento do Mandado de Segurança n. 24.875/DF, este Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de recebimento automático de tais parcelas

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em decorrência de futura elevação do subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal (teto) e do subsídio dos demais agentes políticos elencados no art. 37, inc. XI, da Constituição da República (subtetos).” (DJ 29‑6‑2015)

12. Considerando‑se que as vantagens pessoais, “como tais consideradas apenas as decorrentes de situação funcional própria do servidor e as que repre-sentem uma situação individual ligada à natureza ou às condições de seu trabalho” (ADI 14, Relator o Ministro Célio Borja, Plenário, DJ 30‑11‑1989), que se pretende ver excluídas do teto fixado nas normas constitucionais consistem em verbas de natureza remuneratória, dúvidas não remanescem que tese fixada no jul‑gamento do Recurso Extraordinário n� 609�381 RG/SP segundo a qual “o teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 é de eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior” aplica‑se ao caso vertente�

13. Pelo exposto, voto pelo provimento do presente recurso extraordinário.

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Presidente, é um tema que já nos tinha ocupado em outras ocasiões, como foi demonstrado no voto da ministra Rosa Weber, inclusive nesse multicitado Recurso Extraordinário nº 609�381, da relatoria do ministro Teori Zavascki�

Entendo que realmente Sua Excelência a ministra Rosa Weber trouxe uma importante contribuição para organizar esta controvérsia e a solução desta controvérsia, na medida em que revisitou vários pontos que foram suscitados, mesmo nas excelentes sustentações trazidas da tribuna, e encaminhou no sen‑tido que já vinha sendo considerado recomendável por parte do Tribunal, inclu‑sive nesta última decisão já mencionada da relatoria do ministro Teori Zavascki�

Eu também compartilho de algumas preocupações aqui reveladas quanto às distorções que se vêm acumulando, a transformação de verbas eventuais em pagamentos rotineiros, a rotineirização desse tipo de pagamento e acho que nós vamos ter de discutir, sem dúvida nenhuma, essa matéria� Já vimos que o conceito hoje de vantagem pessoal resta insuficiente, diante agora do conceito mais amplo de verba indenizatória, e não raras vezes é a própria lei ou o ato normativo que faz essa designação, fazendo portanto uma interpretação da Constituição segundo a lei, nós sabemos bem� Conversávamos há pouco, o ministro Teori e eu, sobre a questão do auxílio‑moradia, que vem sendo pago,

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por exemplo, à magistratura em função da liminar concedida pelo ministro Fux e, depois, regulada pelo Plenário� E como isso se generalizou, praticamente todos recebem, fora dos tribunais superiores, talvez fora do Supremo Tribunal Federal – e, claro, mimetizamos o Ministério Público –, nós temos o seguinte quadro: De que tipo de verba que nós estamos tratando? É uma verba indeniza‑tória? Mas ela é paga a todos? Nesse caso, os aposentados também não poderão reivindicar? Veja a que ponto nós chegamos�

Nesses dias, informaram‑me em Goiás que já estão pagando cinco anos retroativos de auxílio‑moradia�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministro Gilmar, só um aparte, por favor?

Eu, como Presidente do CNJ, mandei todos os tribunais informarem como é que está sendo pago esse auxílio‑moradia� Todos os excessos, pagamento em duplicata, a aposentados, retroativos, serão objeto de um processo específico para averiguação�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Mas estão me dando, então, essa informação de que já se está fazendo o pagamento retroativo, tornando, inclusive, muito mais difícil um eventual ressarcimento�

É evidente que, nesse contexto, nós temos uma grande responsabilidade� Vossa Excelência tem, como nós no TSE, enfrentado todas essas incompreensões dos servidores� Hoje, a gente, passando pelas ruas do Brasil, encontra cartazes� Nesses dias ainda vi, em Porto Alegre, um cartaz contra o auxílio‑moradia dos magistrados� Porque, diante da controvérsia que se coloca, os magistra‑dos passam a ser alvo desse debate – nós sofremos isso no Tribunal Superior Eleitoral�

Quando nós afirmamos que estamos apoiando os pleitos dos servidores, eles se voltam contra nós dizendo: “vocês cuidam dos juízes; e, por isso, os servido‑res estão abandonados”� Portanto, esse tema está colocado� Nós não podemos��� Isso precisa de uma regulação�

Quer dizer, em nome dessa chamada autonomia econômico‑financeira, ou autonomia administrativo‑financeira, vão‑se produzindo distorções que des‑cumprem o fator elementar do princípio da legalidade� Claro que, em alguns casos, nós estamos copiando o Ministério Público, que também abusou na cons‑trução do modelo – já disse a ministra Cármen� Evidente�

Nesses dias, chegou aqui ao Tribunal uma discussão sobre se procurador tem direito a andar de primeira classe ou classe executiva� Quer dizer, vejam o delírio a que nós estamos submetidos: o país imerso em uma crise, discutindo se paga ou não Bolsa Família e, aí, a gente discute se o Procurador tem direito

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a andar de primeira classe� É muita coragem! Veja que nós perdemos os para‑digmas� Nações ricas não têm esse paradigma� Veja que nós perdemos alguns referenciais e precisamos de sofrer um choque – talvez esse choque pelo qual nós estamos passando seja exatamente esse sinal� Mas vamos acionar o “desconfiô‑metro”� Vamos olhar a legislação� Estamos fazendo uma leitura extravagante, extravagantíssima, da ideia de autonomia administrativa e financeira� Não foi para isso que o constituinte a concebeu�

Veja que, nesses dias, nós tivemos aquele debate sobre a Defensoria Pública e vimos que a primeira medida que a Defensoria Pública tomou, depois de ter obtido a prerrogativa, foi dar‑se auxílio‑moradia� Que duro aprendizado esse! Nós temos de fazer uma profunda autocrítica, porque estamos obviamente dando mau exemplo� Estamos dando mau exemplo�

E ficamos sem condições de olhar para nossos servidores, de olhar para os jurisdicionados, diante dessas “gambiarras” que nós estamos produzindo com liminares, com decisões, com resoluções, com portarias� Portanto, Presidente, é urgente essa discussão, sob pena de nós conspurcarmos nossas próprias ativi‑dades� É claro que é justo que se pague um salário adequado, mas é importante que o salário seja legal, seja legítimo, não fruto de concepções cerebrinas e de arranjos de conveniência�

Então é chegada a hora de nós discutirmos� E isto vale para nós e vale também para o Ministério Público, evidentemente, no qual nós agora estamos nos mirando� Inclusive, temos esse fenômeno da equiparação agora ao Ministério Público, a toda hora, porque, claro, avançaram tanto� Mas como que esse sujeito depois vai‑se olhar no espelho e vai‑se dizer fiscal da lei? E olhar para este ser‑vidor humilde, que às vezes luta por recomposição salarial? Portanto, esse é um tema que está em nossa agenda� Não adianta nós fingirmos que não temos nada com isso� E, claro, isso está‑se repetindo agora� A informação que eu dei é uma informação verídica, eu fui checá‑la� Aquilo que era razoabilíssimo – o juiz substitui numa outra vara e, portanto, tem um acréscimo de serviço� E às vezes, inclusive, se desloca para responder� Logo, seria justa a gratificação� Vejam que isso se tornou pura remuneração� E daí a dificuldade de fazer a distinção, feita agora pela ministra Cármen, entre indenização e���

A sra. ministra Cármen Lúcia: Eles sabem que não é indenização� Quem paga está sabendo que não é indenização�

O sr. ministro Gilmar Mendes: E vejam que, inspirada no critério da Justiça do Trabalho, a Justiça Federal adotou que qualquer juiz que tiver mais de mil processos recebe também, porque ele já está em substituição� E isso vale também agora para a Justiça do Trabalho, que subiu para mil e quinhentos� Vejam que se

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generalizou, portanto, a tal verba de substituição� Vamos chamar isso de indeni‑zação? Ora, se é pago a todos��� E ainda tem essa expressão que o ministro Teori trouxe, de que isto também envolve, para fugir do teto, concessões em termos de licença� Isto é preocupante� Certamente isto não se recomenda� Mas isso acaba sendo repetido pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública� Por isso que naquela PEC que foi votada, de equiparação com o Judiciário, até guarda florestal estava pretendendo a equiparação evidentemente� Não surpreende� Afora as carreiras jurídicas etc�

Então, nós estamos vivendo um momento muito delicado� Nós temos respon‑sabilidades sobre o assunto� Acompanho a eminente Relatora, mas considero relevantíssimo que o Tribunal discuta, tanto o tema das vantagens pessoais, como dessas verbas indenizatórias, chegando talvez até a um certo analitismo de dizer que são e que não são, porque nós generalizamos realmente esta prática e estamos a ver que isso tem consequências, consequências na comunidade� Nós perdemos a credibilidade, nós perdemos a legitimidade se incidirmos neste tipo de equívoco� Isso é delicado� Dizer: “Ah, eles vão lá e metem a mão no cofre”� Não é digno das nossas atividades, de quem tem de zelar pela boa aplicação do Direito�

Acompanho a Relatora, Presidente�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, preciso reconhecer que, pelo menos no âmbito do Supremo, os ventos estão mudados� Preciso reconhecer que, no País, é muito difícil a correção de rumos, que é muito difícil o conserto, com “c” e com “s”, das circunstâncias reinantes�

Sou ledor das obras e peças confeccionadas por dois grandes juristas� Refiro‑‑me a José Afonso da Silva e Celso Antônio Bandeira de Mello� Recebi os parece‑res por eles confeccionados ainda em 2003, logo após a promulgação da Emenda Constitucional nº 41/2003� E subscrevo tudo o que veiculado pelos mestres – meus mestres, pelo menos�

Presidente, com a Emenda Constitucional nº 41, surgiu o que já rotulei como verdadeira pérola� Refiro‑me ao artigo 9 dela constante, que tem o seguinte teor:

Art� 9º� Aplica‑se o disposto no art� 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos

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e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativa‑mente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza�

Que preceito foi esse que se pretendeu – e ficou no campo da pretensão, sob minha óptica – ressuscitar com o artigo 9º da Emenda Constitucional nº 41? Vou ao artigo 17 do ADCT – isso é muito importante –, quando tivemos – e o poder constituinte foi ilimitado – o rompimento com o sistema constitucional pretérito, de 1969, e veio à balha, como poderia vir, reconheço que poderia vir, o seguinte dispositivo, que teve eficácia exaurida, como ressaltado pela minis‑tra Rosa Weber, afinal se mostrou transitório visando, justamente, acomodar a nova situação com a pretérita:

“Art� 17� Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição” – que Constituição? A nova Constituição, a de 1988 – “serão ime‑diatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo,” – o tem‑peramento foi lançado pelo constituinte de 1988, numa situação especialíssima de rompimento constitucional, considerada a Constituição anterior – “neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título�”

Presidente, digo que a situação é residual� Durante treze anos, neste Plená‑rio – e estou considerando o termo final como ocorrido com a promulgação da Emenda Constitucional nº 41, que explicitou a óptica que inicialmente tive do texto primitivo da Carta de 1988, –, malhei, isoladamente, em ferro frio� Ressaltei, porque convencido desse entendimento, que o texto primitivo da Constituição de 1988 não se mostrou, quanto ao teto constitucional, situado no faz de conta, muito adotado no país� Que, não tendo o constituinte de 1988 excepcionado toda e qualquer parcela remuneratória, estaria abrangida pelo teto� De tanto insistir, por último, um colega chegou a aderir ao convencimento� Refiro‑me ao ministro Octavio Gallotti, e deixei de estar no Plenário sozinho, mas sempre vencido�

O Supremo, em reiterados pronunciamentos, inclusive em processo objetivo, na ação direta de inconstitucionalidade aludida pela ministra Rosa Weber e também da tribuna – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 14, se não me falha a memória���

O sr. ministro Roberto Barroso: E por mim também, Ministro Marco Auré‑lio, que registrei a sua posição, desde a ocasião, e que eu concordo desde aquela ocasião�

O sr. ministro Marco Aurélio: Ouvi� Estava atendendo a uma necessidade fisiológica e ouvi a observação de Vossa Excelência no alto‑falante� Fiquei muito

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confortado, Ministro� Não sou vaidoso, a não ser pelas gravatas que uso, mas fiquei muito confortado como juiz�

Mas, Presidente, foi esta Corte – e vou repetir, a situação é residual, porque, depois da Emenda nº 41, ante o bom português utilizado, não se teve mais dúvida quanto à consideração de toda parcela, percebida a qualquer título, inclusive com a explicitação vantagens pessoais –, mas, durante esses anos todos, a partir da vigência – e não estava aqui quando do advento da Constituição de 88, porque cheguei em 90 –, o Supremo sempre apontou que, no teto, não estavam incluídas as vantagens pessoais� Podemos agora, a esta altura, dar o dito pelo não dito? Triste Estado, porque não se mostra Democrático de Direito, em que não preva‑lece a segurança jurídica� Se apanhadas aquelas situações, que explicitamente e implicitamente foram respaldadas pelo Supremo, durante tantos anos, de 1988 até 2003, estaremos placitando a total insegurança jurídica�

Poderia me sentir muito à vontade aderindo simplesmente à corrente majori‑tária, porque harmônica com o que sustentei desde o primeiro dia em que aqui cheguei, quanto ao alcance do texto originário, mas não posso fazê‑lo� Ontem citei, na Turma – não sei se cometi equívoco ou não quanto à autoria, o minis‑tro Luiz Fux não estava presente porque teve que atender a um compromisso –, Machado Guimarães, no que proclamou que há mais coragem em ser justo pare‑cendo injusto do que em ser injusto para salvaguardar as aparências de justiça�

A virada, diria, praticamente uma virada de mesa, a essa altura, não impli‑cará avanço cultural� Implicará retrocesso, vingando a Babel, vingando, como disse – muito embora se ressalte que o Brasil é um Estado Democrático de Direito –, a insegurança jurídica� Inúmeros servidores públicos, em atividade e também em inatividade, inúmeras pensionistas acreditaram no Supremo, mas este, agora, assenta que o que cansou de proclamar não prevalece� Aque‑les que auferiram a vantagem, ficarão com essas vantagens, mas as perderão doravante, daqui para frente� O que é isso? Será que a sociedade pode viver aos solavancos, sendo surpreendida, e mais pela Corte responsável pela guarda da Lei das leis, que é a Constituição Federal, com o abandono de princípio basilar, ou seja, a segurança jurídica?

Presidente, digo que estou muito confortado no que a composição atual do Supremo reconhece a uma só voz – embora Vossa Excelência ainda não tenho votado, nem o ministro Celso de Mello, hoje justificadamente ausente – que estava certo quando sustentei que as vantagens pessoais integravam o teto constitucional� É interessante: num país em que tantos precisam de teto, muitos deles buscam escapar!

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Mas não posso, Presidente, sob pena de renegar tudo o que fiz até aqui como Juiz, nesses trinta e sete anos, endossar mudança tão substancial de entendi‑mento, sem esquecer palavras de John Steinbeck, em Inverno de nossa deses-perança, segundo as quais “quando uma luz se apaga, é muito mais escuro do que se jamais houvesse brilhado”�

Voto, estritamente, pelo desprovimento do recurso, forte na necessidade de preservar‑se, passo a passo, a segurança jurídica� A segurança jurídica está nas centenas e milhares de pronunciamentos deste colegiado no sentido de que, até a Emenda Constitucional nº 41 – e foi promulgada para viger prospectivamente, não de forma retroativa –, as vantagens pessoais não podiam – foi o Supremo quem disse, quem assentou –, ser computadas para efeito do teto constitucional�

É como voto�

VOTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Principio cumprimentado os oradores que se pronunciaram da tribuna, especialmente o Professor Márcio Cammarosano�

Eu vou pedir vênia para discordar do eminente Ministro Marco Aurélio e adotar integralmente o voto da Ministra Rosa Weber, inclusive nas conclusões�

Eu inicio, tenho várias anotações, me reportando ao Recurso Extraordiná‑rio 609�381, relatado pelo eminente Ministro Teori Zavascki, em que esta Corte estabeleceu, com todas as letras, que o teto estabelecido no art� 37, XI, tem eficácia imediata�

E parodiando Rui Barbosa, talvez essa paródia não seja tão adequada, eu acho que é o momento de nós acabarmos com os vencimentos rabilongos� O Águia de Haia, Rui Barbosa, falava em orçamentos rabilongos� São aqueles orçamentos que incluíam uma série de matérias que não pertenciam exatamente àquilo que deveria disciplinar o orçamento� E, de certa maneira, nós temos ainda, no Brasil, vencimentos rabilongos que incorporam uma série de vantagens e que teimam em não se submeter ao teto do art� 37, inciso XI, da nossa Constituição�

Eu tenho a impressão que é o momento de nós, neste voto, ou nesta sessão, neste julgamento, atentarmos para um interesse público maior, que é exata‑mente fazer valer este teto do art� 37, inciso XI, da nossa Carta Magna, sobre‑tudo no momento de dificuldades econômicas que vive o país, de ajuste fiscal� Na verdade, peço vênia àqueles que defenderam a ideia de uma ofensa a direito adquirido, o que acontece no caso é que o núcleo essencial do direito adqui‑rido, que permitiu a incorporação destas verbas todas, ele não é atingido, ele se

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mantém incólume, porque o teto extirpa, e de certa maneira de forma momentâ‑nea, apenas aquilo que excede o teto� À medida em que o teto vai se ampliando, esse direito adquirido se manifesta na medida em que essas vantagens podem ser percebidas, periodicamente, repito, a matéria, à medida em que o teto vai sendo ampliado�

Eu me lembro que já aderi a essa tese, logo que adentrei a este Supremo Tri‑bunal Federal, no Mandado de Segurança 24�875, cujo Relator foi o eminente Ministro Sepúlveda Pertence� Houve um empate (cinco a cinco), e eu, novato, recém ingressado, tive que desempatar� Uma grande responsabilidade, tratava‑‑se exatamente da incorporação de uma vantagem de ministros aposentados� Foi uma grande responsabilidade para mim, e eu justamente defendi a tese que foi majoritária, no sentido de que os magistrados que incorporaram aos seus proventos uma certa vantagem, na verdade era o adicional por tempo de serviço, não a perdiam, apenas estavam limitados ao teto e periodicamente, quando esse teto aumentasse, eles perceberiam essa vantagem incorporada ao seu patrimônio jurídico�

Portanto, eu tenho vários precedentes, não apenas desse Mandado de Segu‑rança 24�875, julgado em 2006� Manifestei‑me, várias vezes, nesta Corte, inclu‑sive no Agravo Regimental 488�657, no sentido de que nenhum servidor tem direito ao regime jurídico, isso também me parece que é uma tese absoluta‑mente pacífica nesta Corte�

Portanto, gostaria de dizer que acompanho, por essas singelas razões e baseado, data venia, na jurisprudência mais recente da Casa, o voto da Minis‑tra Rosa Weber para dar provimento ao recurso�

DEBATE

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministra Rosa Weber, Vossa Excelência gostaria de enunciar a tese novamente?

A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): A minha tese consta do voto que passei a Vossas Excelências�

Poderia voltar a enunciá‑la, não fora a circunstância de o nosso “tesista” ofi‑cial, secundado pelo nosso segundo “tesista”, Ministro Teori, terem proposto uma formulação um pouco mais abrangente� A minha se restringia exatamente ao ponto da inclusão ou não das vantagens de caráter pessoal, percebidas ante‑riormente à Emenda Constitucional nº 41, para, após o seu advento, efeito de cálculo do teto remuneratório�

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Ministro Barroso, Vossa Excelência tinha chegado, com o Ministro Teori, a uma���

O sr. ministro Roberto Barroso: O Ministro Teori tinha pedido um acrés‑cimo� Então, tinha ficado assim: E, claro, reiterando a preocupação manifestada pelo Ministro Fux e pelo Presidente, nós deixamos claríssimo que as verbas indenizatórias não estão incluídas, até porque, por um dispositivo específico, elas não constam das vantagens pessoais�

O sr. ministro Luiz Fux: Ministro Barroso, só uma observação� A minha preocupação não é nem essa� A minha preocupação é muito simples e cons‑titucional� Então, ninguém pode ser privado dos seus bens, dos seus direitos, sem o devido processo legal; essa é a primeira preocupação� Segunda preocu‑pação: não houve aqui contraditório sobre matérias extrapolantes ao voto da Ministra Rosa Weber� Por isso que a tese da Ministra Rosa Weber é adequada, justa ao caso concreto� Terceiro lugar, todos nós estamos preocupados, assim como o Ministro Gilmar, com esses penduricalhos que são criados� Mas eu acho que o momento de resolver isso não é nesta ação, porque isso vai violar preceitos fundamentais�

A sra. ministra Cármen Lúcia: O acréscimo do Ministro Teori não era sobre esse conteúdo, era sobre a restituição�

O sr. ministro Teori Zavascki: É, sobre a restituição�O sr. ministro Luiz Fux: Ah bom! Mas isso é modulação, aqui nós temos

essa preocupação�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Está aprovada a tese,

então? Porque entendemos que a matéria���O sr. ministro Teori Zavascki: Nosso tesista ainda não se manifestou�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Nós julgamos estrita‑

mente aquilo que se continha na petição inicial, não é?O sr. ministro Luiz Fux: Sobre a restituição, sobre devolução?O sr. ministro Roberto Barroso: A minha proposta corresponde à da Minis‑

tra Rosa com o acréscimo da proposta do Ministro Teori, que dizia assim – porém, antes eu gostaria de ler, Presidente, o § 11 do art� 37:

“§ 11� Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei�”

De modo que a preocupação está afastada, porque protegida por esse dispositivo�

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A tese proposta ficou: O teto remuneratório, previsto na Emenda Constitu‑cional 41/2003, tem incidência imediata e inclui as vantagens pessoais, ou de qualquer outra natureza, percebidas por servidores públicos�

Isso foi que a Ministra Rosa havia proposto no voto dela, com ligeira mudança de redação� Aí vem o acréscimo: O recebimento de valores em desconformidade com o aqui disposto sujeita o beneficiário à obrigação de restituí‑los� Esse foi o acréscimo proposto pelo Ministro Teori e que eu fiz juntar à tese� Se houver maioria, bem; se isso não for consenso, discutimos em outra ocasião�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Vossa Excelência sugere: A título de vantagens pessoais pelo servidor público���

O sr. ministro Luiz Fux: Vamos ficar com a tese da Ministra Rosa, porque, na verdade, a Ministra Rosa quis modular para favorecer� Nós vamos criar um adendo de que é uma verdadeira reformatio in pejus�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Isto não é a tese� Está fora da tese da Minis‑tra Rosa�

O sr. ministro Roberto Barroso: Só para deixar claro� O Ministro Teori, e eu também, quis deixar claro que nós dois consideramos ilegítimo que qualquer pessoa receba acima do teto, a menos que seja verba indenizatória�

O sr. ministro Luiz Fux: Esse é o nosso pensamento também, o problema é colocar uma repetição de indébito, sem que ela tenha sido formulada�

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, a Ministra Rosa fez a tese e acrescentou que, no caso do recorrido, ficava dispensado o pagamento, de devolver até a presente data, porque recebeu de má‑fé�

A minha ideia era acrescentar essa cláusula não apenas ao recorrido, a todos�O sr. ministro Roberto Barroso: Como é o texto da Ministra Rosa?A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Meu texto é o seguinte: Computam‑

‑se, para efeito de observância do teto remuneratório do artigo 37, XI, da Consti‑tuição da República, após a vigência da Emenda Constitucional 41/2003 – estou chamando o tema da repercussão geral –, também os valores percebidos ante‑riormente ao seu advento, a título de vantagens pessoais pelo servidor público�

O sr. ministro Roberto Barroso: Aí, eu preciso dizer que não corresponde, Ministra Cármen, ao que nós já entendíamos, porque a Ministra Rosa está expli‑citando que é a partir da Emenda 41�

A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Porque é o tema da repercussão geral que está em julgamento hoje�

O sr. ministro Roberto Barroso: Eu entendo, mas penso que seja “desde a Constituição original”, porque, se a Emenda 41 estiver retirando alguma coisa

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que estava sendo legitimamente recebida, ela não vale� Portanto, temos um problema com isso�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Talvez a redação, porque o voto é o mesmo�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Se tirássemos essa

expressão “após a vigência”���O sr. ministro Edson Fachin: Uma sugestão: Não há necessidade da referên‑

cia direta à emenda�A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Computam‑se, para efeito de obser‑

vância do teto remuneratório do art� 37, XI, da Constituição da República, também os valores percebidos anteriormente ao advento da Emenda Consti‑tucional 41/2003, a título de vantagens pessoais pelo servidor público�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Parece‑me, Ministra Rosa, se Vossa Exce‑lência concordar em retirar só a referência “a partir da Emenda Constitucional 41”, tem‑se a tese�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Isso, foi o que a Relatora fez�O sr. ministro Edson Fachin: Na verdade, a Ministra Rosa deslocou a referên‑

cia da emenda para a frase seguinte� Aí, no meu modo de ver, não só dá sentido à tese, como contempla esta legítima preocupação de asseverar o termo inicial à luz da Constituição�

E acredito, Ministra Rosa, que se puder fazer uma junção com parte da última frase do voto de Vossa Excelência, eu me permitiria, se Vossa Excelência me con‑cede, quiçá apenas uma sugestão de ordenação das próprias orações que aqui constam, dizendo: “Computam‑se, para efeito de observância do teto constitu‑cional do artigo 37, inciso XI, da Constituição da República, também os valores percebidos anteriormente ao advento da Emenda Constitucional 41/2003, a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição de valores eventualmente recebidos em excesso e de boa‑fé até esta data�

A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Perfeito�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Dispensada a restituição�A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Então: Computam‑se, para efeito de

observância do teto remuneratório do artigo 37, XI, da Constituição da Repú‑blica, também os valores percebidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional 41/2003, a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso e de boa‑fé até a presente data�

Até a presente data? Até essa data?A sra. ministra Cármen Lúcia: Que é a data de julgamento�

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A sra. ministra Rosa Weber (Relatora): Porque, naquela repercussão geral, não foi assim�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Não, mas aí nós tería‑mos que colocar, porque, como é uma tese, até o dia 18 de novembro de 2015�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Até o dia 18 de novembro de 2015�

EXTRATO DE ATA

RE 606�358/SP — Relatora: Ministra Rosa Weber� Recorrente: Estado de São Paulo (Procurador: Procurador‑geral do Estado de São Paulo)� Recorrido: Lacy Dias de Almeida (Advogados: Flávia Andressa Alves Ricci e outros)� Amici curiae: União (Procurador: Advogado‑geral da União), Estado do Rio Grande do Sul (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Rio Grande do Sul), Estado do Rio de Janeiro (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Rio de Janeiro), Sindi‑cato dos Funcionários Efetivos e Estáveis da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul – Sinfeeal (Advogado: Antônio Carlos Pinto da Silva), Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – Sindalesp (Advogado: Antonio Luiz Lima do Amaral Furlan), Sindicato dos Fiscais de Rendas do Estado do Rio de Janeiro – Sinfrerj (Advogada: Fernanda Castro Cavalcanti Guerra Machado), Associação Nacional dos Procuradores de Estado – Anape (Advogados: Cézar Britto e outros), Estado do Acre (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Acre), Estado de Alagoas (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Alagoas), Estado do Amapá (Pro‑curador: Procurador‑geral do Estado do Amapá), Estado do Amazonas (Pro‑ curador: Procurador‑geral do Estado do Amazonas), Estado da Bahia (Procurador: Procurador‑geral do Estado da Bahia), Estado do Ceará (Procurador: Procurador‑‑geral do Estado do Ceará), Distrito Federal (Procurador: Procurador‑geral do Distrito Federal), Estado do Espírito Santo (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Espírito Santo), Estado de Goiás (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Goiás), Estado do Maranhão (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Maranhão), Estado de Mato Grosso (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Mato Grosso), Estado de Mato Grosso do Sul (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Mato Grosso do Sul), Estado de Minas Gerais (Procurador: Advo‑gado‑geral do Estado de Minas Gerais), Estado do Pará (Procurador: Procurador‑‑geral do Estado do Pará), Estado da Paraíba (Procurador: Procurador‑geral do Estado da Paraíba), Estado do Paraná (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Paraná), Estado de Pernambuco (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Pernambuco), Estado do Piauí (Procurador: Procurador‑geral do Estado do

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RE 606.358

Piauí), Estado do Rio Grande do Norte (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Rio Grande do Norte), Estado de Rondônia (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Rondônia), Estado de Roraima (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Roraima), Estado de Santa Catarina (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Santa Catarina), Estado de São Paulo (Procurador: Procurador‑‑geral do Estado de São Paulo), Estado de Sergipe (Procurador: Procurador‑geral do Estado de Sergipe), Estado do Tocantins (Procurador: Procurador‑geral do Estado do Tocantins)�

Decisão: O Tribunal, apreciando o tema 257 da repercussão geral, por maio‑ria e nos termos do voto da Relatora, conheceu e deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o desprovia� Por unanimidade, o Tribu‑nal fixou tese nos seguintes termos: “Computam‑se para efeito de observância do teto remuneratório do art� 37, XI, da Constituição da República, também os valores percebidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a res‑tituição dos valores recebidos em excesso e de boa‑fé até o dia 18 de novembro de 2015”� Não participaram da fixação da tese os Ministros Marco Aurélio e Dias Tofolli� Falaram, pelo recorrente Estado de São Paulo, a Dra� Paula Nelly Dio‑nigi; pela recorrida, o Dr� Márcio Cammarosano; pelo amicus curiae Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – Sindalesp, o Dr� Antonio Luiz Lima do Amaral Furlan; e, pelos Estados da Federação e pelo Distrito Federal (amici curiae), a Dra� Lívia Deprá Camargo Sulzbach, Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul� Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowki�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin� Procurador‑Geral da República, Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros�

Brasília, 18 de novembro de 2015 — Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Asses‑sora‑Chefe do Plenário�

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RE 641.320

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 641.320 — RS

Relator: O sr. ministro Gilmar MendesRecorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do SulRecorrido: Luciano da Silva MoraesAmici curiae: Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Defensoria Pública da União

Constitucional� Direito Penal� Execução penal� Repercussão geral� Recurso extraordinário representativo da controvérsia� 2� Cumpri‑mento de pena em regime fechado, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado a seu regime� Violação aos princípios da individualização da pena (art� 5º, XLVI) e da legalidade (art� 5º, XXXIX)� A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso� 3� Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos des‑tinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes� São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semia‑berto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art� 33, § 1º, alíneas b e c)� No entanto, não deverá haver alo‑jamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado� 4� Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sen‑tenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto� Até que

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sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado� 5� Apelo ao legislador� A legislação sobre execução penal atende aos direitos fundamentais dos sentenciados� No entanto, o plano legislativo está tão distante da realidade que sua concretização é absolutamente inviável� Apelo ao legislador para que avalie a possibilidade de reformular a execu‑ção penal e a legislação correlata, para: (i) reformular a legislação de execução penal, adequando‑a à realidade, sem abrir mão de parâme‑tros rígidos de respeito aos direitos fundamentais; (ii) compatibili‑zar os estabelecimentos penais à atual realidade; (iii) impedir o con‑tingenciamento do FUNPEN; (iv) facilitar a construção de unidades funcionalmente adequadas – pequenas, capilarizadas; (v) permitir o aproveitamento da mão de obra dos presos nas obras de civis em estabelecimentos penais; (vi) limitar o número máximo de presos por habitante, em cada unidade da federação, e revisar a escala penal, especialmente para o tráfico de pequenas quantidades de droga, para permitir o planejamento da gestão da massa carcerária e a destinação dos recursos necessários e suficientes para tanto, sob pena de respon‑sabilidade dos administradores públicos; (vii) fomentar o trabalho e estudo do preso, mediante envolvimento de entidades que recebem recursos públicos, notadamente os serviços sociais autônomos; (viii) destinar as verbas decorrentes da prestação pecuniária para criação de postos de trabalho e estudo no sistema prisional� 6� Decisão de caráter aditivo� Determinação que o Conselho Nacional de Justiça apresente: (i) projeto de estruturação do Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo o banco de dados conter informações suficientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção da pena; (ii) relatório sobre a implantação das centrais de monitoração e penas alternativas, acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas; (iii) projeto para reduzir ou eliminar o tempo de análise de progressões de regime ou outros benefícios que possam levar à liberdade; (iv) relatório deverá avaliar (a) a adoção de esta‑belecimentos penais alternativos; (b) o fomento à oferta de traba‑lho e o estudo para os sentenciados; (c) a facilitação da tarefa das unidades da Federação na obtenção e acompanhamento dos finan‑ciamentos com recursos do FUNPEN; (d) a adoção de melhorias da administração judiciária ligada à execução penal� 7� Estabelecimento

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de interpretação conforme a Constituição para (a) excluir qualquer interpretação que permita o contingenciamento do Fundo Peniten‑ciário Nacional (FUNPEN), criado pela Lei Complementar 79/94; b) estabelecer que a utilização de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para financiar centrais de monitoração eletrô‑nica e penas alternativas é compatível com a interpretação do art� 3º da Lei Complementar 79/94� 8� Caso concreto: o Tribunal de Justiça reconheceu, em sede de apelação em ação penal, a inexistência de estabelecimento adequado ao cumprimento de pena privativa de liberdade no regime semiaberto e, como consequência, determinou o cumprimento da pena em prisão domiciliar, até que disponibili‑zada vaga� Recurso extraordinário provido em parte, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, sejam observados (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado após progres‑são ao regime aberto�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá‑ficas, por maioria e nos termos do voto do Relator, dar parcial provimento ao extraordinário, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, observe‑se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao recorrido após progressão ao regime aberto; vencido o ministro Marco Aurélio, que o desprovia� Em seguida, apreciando o Tema 423 da repercussão geral, fixar tese nos seguintes termos: a) a falta de esta‑belecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para quali‑ficação como adequados a tais regimes� São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto; art� 33, §

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1º, alíneas b e c); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar‑se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletro‑nicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto� Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida prisão domiciliar ao sentenciado�

Brasília, 11 de maio de 2016 — Gilmar Mendes, Relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Trata‑se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão da Quinta Câmara Criminal do TJRS, o qual deu parcial provimento a recurso de apelação interposto por Luciano da Silva Moraes para reduzir a pena con‑denatória e fixar a prisão domiciliar “enquanto não existir estabelecimento destinado ao regime semiaberto que atenda todos os requisitos da LEP” (fl� 26)�

Consta dos autos que o Juízo sentenciante condenou o réu pela prática do crime previsto no art� 157, § 2º, II, do Código Penal, tendo fixado a pena em 5 anos e 8 meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, e 10 dias‑multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato�

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação, ao qual o TJRS deu par‑cial provimento para, confirmando a condenação, reduzir a pena privativa de liberdade a 5 anos e 4 meses de reclusão, mantida a pena de multa� O Tribunal determinou ainda que, enquanto não existir estabelecimento destinado ao regime semiaberto que atenda a todos os requisitos da Lei de Execução Penal, a pena privativa de liberdade seja cumprida em regime de prisão domiciliar�

Contra o acórdão do TJRS, o Ministério Público estadual interpôs o presente recurso extraordinário, no qual sustenta que o aresto impugnado viola os arts� 1º, III, 5º, II, XLVI e LXV, da Constituição Federal�

Afirma que a impossibilidade material de o Estado instituir estabelecimento prisional destinado ao regime semiaberto que atenda a todas as exigências da legislação penal não autoriza, por si só, o Poder Judiciário a conceder o bene‑fício da prisão domiciliar fora das hipóteses legalmente previstas� Eventual problema de superlotação das penitenciárias seria questão a ser resolvida no âmbito da Administração Pública, não podendo servir como justificativa para a concessão da prisão domiciliar�

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Alega que, uma vez que o réu não se enquadra em nenhuma das hipóteses que admitem o recolhimento domiciliar, o acórdão recorrido, ao não levar em conta as circunstâncias pessoais do condenado e a situação do delito, teria des‑considerado a proporcionalidade e a correlação que deve haver entre a conduta do agente e a sanção aplicada�

Requer seja cassado o acórdão proferido pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul�

Em contrarrazões, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul alega que o acórdão apenas interpretou as disposições legais pertinentes à luz dos princípios constitucionais da individualização e da proporcionali‑dade das penas�

O Tribunal a quo inadmitiu o recurso (fls� 12‑18)�Interposto agravo de instrumento, na decisão da fl� 108, dei provimento ao

recurso para convertê‑lo neste recurso extraordinário�A repercussão geral da questão constitucional discutida foi reconhecida por

esta Suprema Corte (fls� 117‑123), em acórdão assim ementado:

“Constitucional� 2� Direito Processual Penal� 3� Execução Penal� 4� Cumprimento de pena em regime menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal� 5� Violação dos artigos 1º, III, e 5º, II, XLVI e LXV, ambos da Constituição Federal� 6� Repercussão geral reconhecida�” (RE 641�320 RG, Rel� Min� Gilmar Mendes, DJe 24‑8‑2011)

A Procuradoria‑Geral da República postulou a requisição de informações quanto à existência de vagas (fl� 133)�

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), por meio da Petição 85�674/2011 (fls� 138‑166), requereu ingresso no feito na condição de amicus curiae� Sustentou que, por imperativo constitucional, na falta de vagas no regime ade‑quado, a pena deve ser cumprida em regime menos gravoso� Pugnou pela nega‑tiva de provimento ao recurso�

Em despacho de fl� 344, deferi o pedido de intervenção�Deferi a solicitação de informações ao Juízo das execuções penais formulado

pelo Ministério Público (fl� 351)�Convoquei audiência pública (fls� 369‑371), na qual foram ouvidos 28 espe‑

cialistas, de várias áreas�Pelo Parlamento, compareceu o deputado federal Marcos Rogério da Silva Brito�

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Pelo Ministério da Justiça, foi ouvido o membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária Herbert José Almeida Carneiro�

Pelo Conselho Nacional de Justiça, manifestou‑se juiz auxiliar (Luciano André Losekann)�

Pelo Conselho Nacional do Ministério Público, foram inquiridos os membros Andrezza Duarte Cançado e Paulo Taubemblatt�

Pelo Conselho Federal da OAB, manifestou‑se Fernando Santana Rocha�Pelas administrações estaduais, foram ouvidos a Secretária de Justiça e Cida‑

dania e Direitos Humanos do Paraná (Maria Tereza Uille Gomes), o Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (Airton Aloisio Michels), o Secretário de Administração Penitenciária de São Paulo (Lourival Gomes), e representantes da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso (Clarindo Alves de Castro), da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (Edemundo Dias de Oliveira Filho), da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado da Paraíba (Francisco Ronaldo Euflausino dos Santos)�

Pelas defensorias públicas, foram inquiridos o defensor público‑geral federal, Haman Tabosa de Moraes e Córdova, além de representante das defensorias públicas da União (Aline Lima de Paula Miranda) e dos estados de Rio Grande do Sul (Nilton Leonel Arnecke Maria), Espírito Santo (Humberto Carlos Nunes), Mato Grosso (Marcos Rondon Silva), Pará (José Adaumir Arruda da Silva e Arthur Corrêa da Silva Neto) e São Paulo (Daniela Sollberger Cembranelli)�

Pela sociedade civil, foram inquiridos representantes da Pastoral Carcerá‑ria da CNBB (Massimiliano Antônio Russo) e da Conectas Direitos Humanos (Marcos Fuchs)�

Pelos tribunais de justiça, foram inquiridos os magistrados Sidinei José Brzuska (TJRS) e José de Ribamar Fróz Sobrinho (TJMA)�

Pelo Ministério Público, foram ouvidos representantes de Rio Grande do Sul (Ivory Coelho Neto), São Paulo (Miguel Tassinari de Oliveira e Paulo José de Palma)�

A transcrição dos depoimentos encontra‑se disponível no site do Supremo Tribunal para consulta�

O recorrido postulou o cumprimento da pena em prisão domiciliar (fls� 452‑454)�Indeferi o pedido, visto que o Juízo das execuções penais informou ter enca‑

minhado o sentenciado a estabelecimento adequado ao regime ao qual foi con‑denado (fls� 473‑474)�

A Defensoria Pública da União requereu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae (fls�443‑440)� Sustentou que os princípios da individualização da pena e da proporcionalidade impedem o cumprimento da pena em regime mais gravoso� Pugnou pela negativa de provimento ao recurso�

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Deferi o pedido de intervenção (fl� 480)�O Procurador‑Geral da República pugnou pelo não provimento do recurso

extraordinário (fl� 494‑523)�É o relatório�

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): A questão constitucional com reper‑cussão geral reconhecida diz com a inexistência de estabelecimento adequado ao cumprimento de pena privativa de liberdade nos regimes semiaberto e aberto, e com a consequência dessa insuficiência�

Divido a abordagem do caso em julgamento em cinco partes�Na primeira, traço, em linhas gerais, um diagnóstico da execução penal nos

regimes semiaberto e aberto�Nas duas seguintes, analiso a questão constitucional em julgamento�Na segunda parte, discorro sobre a possibilidade de manutenção do conde‑

nado no regime mais gravoso, na hipótese de inexistir vaga no regime adequado� Desde logo, adianto que refuto essa possibilidade�

Na terceira parte, analiso as consequências do direito a não ser mantido em estabelecimento destinado ao regime mais gravoso� Ao final dessa parte, apresento as teses que tenho por adequadas à solução da repercussão geral�

Na quarta parte, pretendo demonstrar que a questão constitucional em jul‑gamento exige uma solução mais completa do que a simples enunciação de tese� Proponho, em caráter aditivo, medidas que podem ser adotadas com interven‑ção do Conselho Nacional de Justiça� O objetivo é que se avance na solução do quadro de déficit de vagas no sistema carcerário�

Na quinta e última parte, projeto ao caso concreto as teses expostas, anali‑sando o recurso individual que deu origem à controvérsia�

1ª Parte: Situação da execução penal – regimes semiaberto e abertoO sistema progressivo de cumprimento de penas não está funcionando como

deveria�Um primeiro problema é a falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto�

O cruzamento das estatísticas sobre a execução penal do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional de Justiça revela que as vagas estão muito aquém da demanda e não são distribuídas uniformemente no território�

Os últimos números divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacio‑nal – Depen – referentes a junho de 2014 – apontam 89�639 (oitenta e nove mil,

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seiscentos e trinta e nove) pessoas presas no regime semiaberto contra 67�296 (sessenta e sete mil, duzentas e noventa e seis) vagas�

No regime aberto, temos 15�036 (quinze mil e trinta e seis) pessoas presas, para 6�952 (seis mil, novecentas e cinquenta e duas) vagas�

Esses números do Ministério da Justiça não levam em conta as pessoas sub‑metidas à prisão domiciliar�

Levantamento do CNJ – Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil, Pro‑cesso 2014�02�00�000639‑2 –, datado de junho de 2014, apontou 147�937 (cento e quarenta e sete mil, novecentas e trinta e sete) pessoas em prisão domiciliar no país� Ou seja, em junho de 2014, eram 104�675 (cento e quatro mil, seiscentas e setenta e cinco) pessoas institucionalizadas nos regimes semiaberto e aberto, ao passo que, na metade de 2014, temos mais do que o dobro desse número – 147�937 (cento e quarenta e sete mil, novecentas e trinta e sete) – em prisão domiciliar�

É certo que alguns dos presos estão em prisão domiciliar por razões huma‑nitárias – art� 117 da Lei 7�210/84 ou art� 318 do CPP�

Ainda assim, é possível inferir que a maioria dessas pessoas em prisão domi‑ciliar está nessa condição pela falta de vagas�

Indo além, o Departamento Penitenciário Nacional estima que existam 32�460 (trinta e dois mil, quatrocentos e sessenta) sentenciados em regime fechado, com direito à progressão, aguardando a abertura de vagas no semiaberto�

Somados os números, o déficit de vagas nos regimes semiaberto e aberto estaria na ordem 210�000 (duzentas e dez mil) vagas� Considerando que as vagas são 74�248 (setenta e quatro mil, duzentas e quarenta e oito), seria necessário triplicar a oferta existente para dar conta da demanda�

Além disso, o regime aberto é simplesmente desprezado por várias unidades da federação� Dezessete unidades da federação – Acre, Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, Sergipe e Tocantins – simplesmente não adotam o regime aberto�

Esses estados – dentre eles, São Paulo, a maior massa de condenados do país – não têm estabelecimentos destinados a pessoas institucionalizadas nesse regime� Em suma, todas as pessoas condenadas ou que progrediram ao regime aberto no Estado com a maior população carcerária do país estão em prisão domiciliar, ou em outro regime sem embasamento na lei�

Ou seja, a lei prevê os três degraus da progressão, mas o último simplesmente não existe em mais da metade do país�

Outro aspecto da questão são os estabelecimentos adequados aos regimes, conforme previsão legal�

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O Código Penal prevê como adequado ao regime semiaberto a “colônia agrí-cola, industrial ou estabelecimento similar”, e ao regime aberto “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (art� 33, § 1º, alíneas b e c)�

No entanto, na prática, esses modelos de estabelecimento foram abandonados�Os números do Departamento Penitenciário Nacional, relativos a dezembro

de 2013, apontam apenas 73 (setenta e três) colônias agrícolas ou industriais e 65 (sessenta e cinco) casas de albergado� Não tenho números exatos da capacidade dessas casas, mas existe a premissa operacional de que esses estabelecimentos precisam ser pequenos� Ou seja, a massa de atendidos é irrisória� A maior parte dos estados nem sequer conta com estabelecimentos dessa ordem�

Já penitenciárias são 470 (quatrocentos e setenta) e cadeias públicas 826 (oitocentos e vinte e seis) no país�

Disso se conclui que os modelos de estabelecimento previstos na Lei de Exe‑cuções Penais foram abandonados� E, muito mais grave, que os presos dos regi‑mes semiaberto e aberto estão sendo mantidos nos mesmos estabelecimentos que os presos em regime fechado e provisórios�

No que se refere ao aumento do número de vagas nos regimes semiaberto e aberto, os depoimentos produzidos neste processo apontam problemas de ordem variada�

Lourival Gomes, titular da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, reportou, durante a audiência pública, que há uma dificuldade muito grande em fazer a vizinhança aceitar novos estabelecimentos, especialmente os destinados ao regime semiaberto� Reconhece‑se essa dificuldade, que pre‑cisará ser enfrentada e superada�

Há outras também� Muito embora exista a Resolução 9, de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, estabelecendo “Diretrizes Básicas de Arquitetura Penal”, são notórias as reclamações dos estados em atender aos requisitos em seus projetos� Com isso, dificultam‑se linhas de financiamento pelo FUNPEN�

Nesse aspecto, é preciso abrir parênteses para ressaltar a importância de que as unidades sejam pequenas� Menos presos facilitam o controle e a disciplina, além de permitirem a ênfase em atividades de educação e trabalho�

Unidades menores permitem uma maior capilarização, fazendo com que os estabelecimentos penais sejam parte da estrutura urbana das cidades� Com isso, reduz‑se a resistência da comunidade à construção de novas unidades e propicia‑se ao preso o contato com suas origens e sua família, favorecendo a ressocialização�

O Congresso Nacional já debate a reforma da legislação de execução penal�

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Destaco, nesse sentido, o PLS 513/2013, autor senador Renan Calheiros, rela‑tor senador Eunício Oliveira, que altera a Lei de Execução Penal, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça do Senado�

O projeto traz propostas importantes�O regime aberto é transformado em prestação de serviço à comunidade e

recolhimento domiciliar (art� 95‑A)�Fica vedada a superlotação (art� 114‑A), antecipando‑se a saída ou progressão

do sentenciado mais próximo do requisito temporal (§ 2º)�Além disso, o projeto prevê medidas administrativas de relevo, como a infor‑

matização das guias de execução (art� 106), progressões e livramentos sem prévia deliberação judicial (art� 107, § 3º, e art� 112)�

No âmbito dos estabelecimentos prisionais, destaco a previsão de que cada comarca terá uma cadeia pública (art� 103)�

O projeto está no início de sua tramitação e contempla medidas polêmicas� Difícil crer que será aprovado com a brevidade possível�

No marco normativo atual, o relevante é que várias unidades da Federação simplesmente abandonaram o regime aberto� Nos estados que contam com estabelecimento para atender sentenciados em tais regimes, o número de vagas é irrisório� E os estabelecimentos que oferecem vagas não são diferentes das penitenciárias e cadeias públicas comuns, não podendo ser enquadrados como colônia de trabalho ou casa de albergado�

O programa estabelecido pela legislação para execução das penas em tais regimes está longe de uma implementação satisfatória�

Feitas essas considerações, passo à análise da questão principal em julgamento�

2ª Parte: Inexistência de estabelecimento adequado e manutenção do condenado em regime mais gravoso

Analiso a possibilidade de manutenção do condenado no regime mais gra‑voso, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado a seu regime�

Essa questão está ligada a duas garantias constitucionais em matéria penal da mais alta relevância – individualização da pena (art� 5º, XLVI) e legalidade (art� 5º, XXXIX)�

O direito à individualização da pena tem caráter normativo� De um lado, a Constituição incumbe ao legislador a tarefa de conferir densidade normativa adequada à garantia� De outro, permite a ele liberdade de conformação razoa‑velmente ampla�

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A legislação prevê que as penas privativas de liberdade são cumpridas em três regimes – fechado, semiaberto e aberto (art� 33, caput, CP)�

O regime é inicialmente fixado pelo juiz da condenação, com base no tipo de pena (reclusão ou detenção) (art� 33, caput, CP), no tempo de pena (§ 2º) e na culpabilidade (§ 3º)�

Durante a execução penal, o condenado tem a expectativa de progredir ao regime imediatamente mais favorável, após cumprir, com bom comportamento carcerário, uma fração da pena (art� 112 da Lei 7�210/84)�

Não há dúvida de que os regimes de cumprimento de pena concretizam a individualização da pena, no plano infraconstitucional, em suas fases de apli‑cação e execução�

O legislador poderia ter optado por outras soluções para a concretização da individualização da pena�

Como advertiu Edemundo Dias de Oliveira Filho, da Agência Goiana do Sis‑tema de Execução Penal, durante a audiência pública, o regime progressivo é uma peculiaridade do direito brasileiro�

Com efeito, os países em geral não adotam um modelo progressivo de cum‑primento de penas� Nem sequer conhecem algo semelhante aos regimes semia‑berto e aberto�

A análise da legislação estrangeira aponta para o cumprimento de penas privativas de liberdade em encarceramento completo, semelhante ao nosso regime fechado, com várias alternativas de suspensão ou substituição das penas privativas de liberdade� O cumprimento de condenações a pena priva‑tiva de liberdade não suspensa ou substituída por penas restritivas de direitos ou multa inicia com encarceramento em tempo integral, de forma semelhante ao regime fechado�

A individualização da pena é possibilitada pela expectativa de, após cumprir fração da pena com bom comportamento, passar a um regime de liberdade condicional ou “parole”� Inicia‑se, então, um estágio de liberdade, baseado na responsabilidade do executado em cumprir as condições� Não se cogita de que o condenado durma ou frequente o ambiente carcerário nesta fase�

Assim é, por exemplo, em Portugal – art� 61 do Código Penal – Alemanha – § 57 Strafgesetzbuch (StGB) – Itália – art� 176 Codice Penale – Argentina – art� 13 do Codigo Penal, e Estados Unidos. Regimes de semiliberdade ou de albergado não são aplicados, ou o são em hipóteses muito restritas, sem representar o curso natural da execução penal�

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O regime progressivo não é a única ferramenta de nosso sistema voltada a satisfazer a garantia da individualização� A individualização na execução inicia com a classificação criminal, arts� 5º e 6º da Lei 7�210/84:

“Art� 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e per‑sonalidade, para orientar a individualização da execução penal�

Art� 6º A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório�”

Uma classificação bem feita pode direcionar dois condenados pelo mesmo crime – homicídio, por exemplo – para caminhos diversos� Um, reincidente, membro de associação criminosa, potencialmente perigoso, pode necessitar de cumprir sua pena em um presídio de segurança máxima� Outro, primário, anteriormente com emprego fixo, que cometeu um crime no calor de uma dis‑cussão, pode ser recomendado a um estabelecimento de segurança mínima�

O livramento condicional (art� 83 e ss� do CP), apesar de ser uma figura pouco valorizada em nosso direito, também atua na seara da individualização da exe‑cução� Serve de incentivo ao bom comportamento para obtenção da liberdade�

No entanto, o sistema atual foi formatado tendo o regime de cumprimento da pena como ferramenta central da individualização da sanção, importante na fase de aplicação (fixação do regime inicial), e capital na fase de execução (progressão de regime)�

Sua supressão, sem correspondência em valoração de outros institutos de incentivo à disciplina carcerária – notadamente o livramento condicional – e talvez o redimensionamento das quantidades de pena, reduziria excessivamente o espaço de individualização, nas fases de aplicação e de execução�

Assim, de acordo com o sistema que temos atualmente, a inobservância do direito à progressão de regime, mediante manutenção do condenado em regime mais gravoso, viola o direito à individualização da pena (art� 5º, XLVI)�

Relembro que o Supremo Tribunal já afirmou que há direito à individua‑lização na execução penal, pelo que declarou a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, previsto na redação original do art� 2º, § 1º, da Lei 8�072/90 – HC 82�959, Relator Min� Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 23‑2‑2006�

A violação ao princípio da legalidade é ainda mais evidente� Conforme art� 5º, XXXIX, da CF, as penas devem ser previamente cominadas em lei�

A legislação brasileira prevê o sistema progressivo de cumprimento de penas� Logo, assiste ao condenado o direito a ser inserido em um regime inicial

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compatível com o título condenatório e a progredir de regime de acordo com seus méritos�

A manutenção do condenado em regime mais gravoso seria um excesso de execução, violando o seu direito�

Rechaço peremptoriamente qualquer possibilidade de ponderar os direitos dos condenados à individualização da pena e à execução da pena de acordo com a lei, com interesses da sociedade na manutenção da segurança pública�

Não se nega que o Estado tem o dever de proteção aos bens jurídicos penal‑mente relevantes� A proteção à integridade da pessoa e a seu patrimônio contra agressões injustas está na raiz da própria ideia de estado constitucional� Em suma, o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais contra agres‑sões injustas de terceiros, como corolário do direito à segurança (art� 5º)�

No entanto, a execução de penas corporais em nome da segurança pública só se justifica com a observância de estrita legalidade� Regras claras e prévias são indispensáveis� Permitir que o Estado execute a pena de forma deliberadamente excessiva seria negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados – art� 1º, III�

Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a humanidade da pessoa condenada� Ainda que privados de liberdade e dos direitos políti‑cos, os condenados não se tornam simples objetos de direito, mas persistem em sua imanente condição de sujeitos de direitos� A Constituição chega a ser expletiva nesse ponto, ao afirmar o direito à integridade física e moral dos presos (art� 5º, XLIX)�

Disso concluo que não se pode ponderar o interesse da segurança pública com os direitos à individualização da pena e à legalidade, sem se desconsiderar que os presos também são pessoas, dotadas de imanente dignidade�

Dessa forma, não será a ponderação de princípios que autorizará o Estado a deixar de cumprir a lei que confere direitos aos condenados durante a exe‑cução das penas� Na medida em que os regimes existem, resta ao Estado dis‑ponibilizar vagas em estabelecimentos penais adequados à execução da pena no regime adequado�

A jurisprudência atual do Supremo Tribunal também considera impossível manter o condenado no regime mais gravoso�

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes: HC 110�892, Rel� Min� Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 18‑5‑2012; HC 94�810, Rel� Min� Cármen Lúcia, Pri‑meira Turma, DJe 6‑3‑2009; HC 94�829, Red� p/ acórdão Min� Menezes Direito, Primeira Turma, DJe 19‑12‑2008; HC 94�526, Red� p/ acórdão Min� Ricardo

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Lewandowski, Primeira Turma, DJe 29‑8‑2008; HC 93�596, Rel� Min� Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 7‑5‑2010�

É certo que, inicialmente, formou‑se jurisprudência contrária aos pleitos dos condenados (HC 75�299, Rel� Min� Nelson Jobim, Segunda Turma, DJ 7‑11‑1997; HC 72�643, Red� p/ Acórdão Min� Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 17‑5‑1996), mas que acabou superada, na forma dos precedentes mais recentes�

Prevaleceu, na linha do afirmado pelo Min� Celso de Mello no julgamento do HC 93�596, o entendimento de que não se revela “aceitável que, por (crô‑nicas) deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por incapacidade de o Estado prover recursos materiais que viabilizem a implementação das determinações impostas pela Lei de Execução Penal – que constitui exclusiva obrigação do Poder Público – venha a ser frustrado o exercício, pelo senten‑ciado, de direitos subjetivos que lhe são conferidos pelo ordenamento positivo, como, p� ex�, o de iniciar, desde logo, quando assim ordenado na sentença (���), o cumprimento da pena em regime semiaberto”�

Indo além, do ponto de vista fático, os indicativos são de que a manutenção dos presos no regime mais gravoso contribui apenas para a perda do controle das prisões pelo Estado, enfraquecendo a própria segurança pública�

Durante a audiência pública realizada neste processo, fiquei muito impres‑sionado com o depoimento do juiz de execuções penais de Porto Alegre/RS, Sidinei José Brzuzka, a esse respeito� Narrou o magistrado que a declaração de inconstitucionalidade do regime integralmente fechado para os crimes hedion‑dos e equiparados pelo STF produziu imediato déficit de vagas no regime semia‑berto� Ou seja, o reconhecimento de um direito gerou um impacto até então impensado� Para administrar a questão, o magistrado relatou ter mantido, no regime fechado, os presos com direito ao regime semiaberto� O que aconteceu foi trágico – as facções de presos passaram a controlar o sistema de progressão de regime� Quando precisavam que um de seus membros progredisse, ordena‑vam a presos do regime semiaberto que não eram de facção que deixassem de retornar para serem recolhidos após saídas autorizadas� Com isso, passaram a dispor das vagas, como se de sua propriedade fossem� Ou seja, o Estado perdeu por completo o controle do sistema�

Além disso, o Estado tornou‑se incapaz de garantir minimamente os direi‑tos e a própria segurança dos presos que não faziam parte de facções� Como já afirmado, o preso é pessoa, é um sujeito de direitos� Não pode ser visto perpe‑tuamente como um inimigo� O Estado tem o dever de garantir aos presos em geral a oportunidade de ressocialização� Se não conseguimos garantir a segu‑rança daquele que está em processo de ressocialização – progrediu ao regime

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semiaberto e está trabalhando –, estamos falhando em cumprir a principal função da execução penal: a ressocialização�

Por todas essas razões, a manutenção do preso no regime mais severo não é uma alternativa�

Como mencionado, o Código Penal prevê como adequado ao regime semiaberto a “colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar”, e ao regime aberto “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (art� 33, § 1º, alíneas b e c)�

Há importante discussão acerca do que vêm a ser tais estabelecimentos adequados�

A presente decisão não pretende esgotar essa questão, até por não ser o objeto principal do recurso representativo da controvérsia� Não se pode, no entanto, perder a oportunidade para alguns apontamentos relevantes�

Durante a audiência pública, o juiz de direito do Rio Grande do Sul Luciano André Losekann, na época juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça, advertiu que as colônias agrícolas e industriais previstas na Lei de Execução Penal praticamente não existem mais, talvez em razão da mudança de perfil dos condenados�

Como referido, a última estatística oficialmente divulgada pelo Departa‑mento Penitenciário Nacional que contempla esse dado (dezembro de 2013) afirma que, em todo o país, há apenas 73 (setenta e três) colônias agrícolas ou industriais e 65 (sessenta e cinco) casas de albergado� E esses estabelecimentos, pelo tipo de atendimento que fazem, costumam ser pequenos e ter poucas vagas�

Fácil ver que o programa da lei foi praticamente abandonado�De qualquer forma, não descarto a possibilidade de cumprimento das penas

do regime semiaberto em estabelecimento que não se caracteriza como colônia de trabalho� A própria lei prevê a possibilidade de utilização de estabelecimento “similar”� Já a oferta de trabalho pode ser suprida por iniciativas internas e externas, notadamente mediante convênios com empresas e órgãos públicos�

O próprio Supremo Tribunal Federal conta com apenados que realizavam importante trabalho� Em meu gabinete, são cinco sentenciados, que prestam ótimos serviços a este Tribunal, vinculados ao Programa Começar de Novo�

O trabalho externo vem, em alguma medida, como um benefício adicional ao preso do regime semiaberto, já que a legislação é restritiva quanto a esse ponto – art� 37 da Lei 7�210/84�

O que é fundamental, de toda forma, é que o preso tenha a oportunidade de trabalhar� O trabalho é, simultaneamente, um dever e um direito do preso – art� 39, V, e art� 41, II, da Lei 7�210/84�

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O Estado deve contribuir decisivamente para que os presos tenham oportu‑nidade de trabalho� Não se pode deixar aos presos toda a responsabilidade por buscar colocação, sob pena de criar‑se, como mencionado na audiência pública pelo juiz de direito Luciano André Losekann, o regime semifechado� Ou seja, o sentenciado, muito embora tenha progredido de regime, pela falta de opor‑tunidade de trabalho, segue em regime em tudo idêntico ao fechado� O magis‑trado reportou que, de acordo com levantamentos do CNJ, em outubro de 2012, apenas na Penitenciária do Distrito Federal II, havia 854 presos aguardando oportunidade de trabalho para valer‑se dos benefícios do regime semiaberto�

Isso é absolutamente indesejável�Por óbvio, não se trata de permitir ao preso demitir‑se da tarefa de buscar

qualificação, ou de tolerar preciosismos na adesão às vagas oferecidas� O preso tem o dever de aderir e executar o trabalho com humildade e responsabilidade�

No entanto, o Estado tem, sim, compromisso com a oferta de trabalho aos apenados�

De resto, incumbirá aos juízes da execução penal avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequa‑dos a tais regimes�

Feitas essas considerações, concluo rejeitando a manutenção do apenado com direito aos regimes semiaberto ou aberto em regime mais gravoso�

3ª Parte: Consequências do direito a não ser mantido em estabelecimento destinado ao regime mais gravoso

Estabelecido como premissa que o sentenciado não pode ser mantido em regime mais gravoso do que tem direito, analiso as consequências que daí devem ser retiradas� Ao final desta parte, apresentarei as teses que tenho por adequa‑das à solução da questão constitucional�

A proposta de Súmula Vinculante 57 tem a seguinte redação:

“O princípio constitucional da individualização da pena impõe seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento adequado, no local da execução�”

Já me manifestei pela impossibilidade de manter o condenado no regime mais gravoso, no mesmo sentido da proposta de súmula�

Ocorre que a proposta dá, como consequência dessa premissa, a adoção da prisão domiciliar�

Atualmente, conforme o entendimento do Juízo da execução penal, há duas alternativas de tratamento do sentenciado que progride de regime, não havendo

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vagas suficientes: ou é mantido no regime mais gravoso ao que teria direito (fechado), ou é colocado em regime menos gravoso (prisão domiciliar)�

Tenho que já não nos basta apenas afirmar o direito ao regime previsto na lei ou ao regime domiciliar�

Por um lado, é imprescindível cobrar dos poderes públicos soluções defini‑tivas para a falta de vagas, seja pela melhoria da administração das vagas exis‑tentes, seja pelo aumento do número de vagas� Sobre isso, tratarei na próxima parte do meu voto�

Não há, no entanto, solução imediata possível� Assim, temos que verificar o que fazer com os sentenciados se a situação de falta de vagas está configurada�

A prisão domiciliar é uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia� Não descarto sua utilização, até que sejam estruturadas outras medidas, como as que serão propostas neste voto�

No entanto, é preciso avançar em propostas de medidas que, muito embora não sejam gravosas como o encarceramento, não estejam tão aquém do “neces-sário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (art� 59 do CP)�

Para tanto, proponho as seguintes medidas: (i) saída antecipada; (ii) liber‑dade eletronicamente monitorada; (iii) penas restritivas de direito e/ou estudo�

Essas medidas são diversas, mas menos gravosas ao sentenciado do que as previstas na lei e na sentença condenatória� Para sua adoção, dependem de adesão do condenado� Caberá a ele observar as regras disciplinares, subme‑tendo‑se à fiscalização dos órgãos da execução penal, sob pena de ser mantido no regime mais gravoso, ou a ele regredir�

Com isso, ainda que falte previsão expressa na lei para adoção dessas medidas em execução penal, tenho que não haverá violação ao princípio da legalidade – art� 5º, XXXIX�

Analiso cada uma dessas medidas�(i) Saída antecipada. As vagas nos regimes semiaberto e aberto não são ine‑

xistentes, são insuficientes� Assim, de um modo geral, a falta de vagas decorre do fato de que já há um sentenciado ocupando a vaga�

Surge como alternativa antecipar a saída de sentenciados que já estão no regime de destino, abrindo vaga para aquele que acaba de progredir�

O sentenciado do regime semiaberto que tem a saída antecipada pode ser colocado em liberdade eletronicamente monitorada; o sentenciado do aberto, ter a pena substituída por penas alternativas ou estudo�

A primeira dificuldade dessas providências é a seleção dos sentenciados para a saída antecipada�

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O cumprimento da pena deve, em princípio, corresponder ao regime para o qual o condenado está selecionado, no estabelecimento adequado� A adoção de uma solução alternativa não é um direito do condenado� Assim, o fato de inexistirem vagas no regime semiaberto ou aberto pode levar à colocação de alguns condenados em prisão domiciliar, por exemplo� Isso não dá aos conde‑nados que estão em estabelecimentos prisionais a prerrogativa de, em nome da isonomia, receberem o mesmo tratamento�

Ainda assim, deve ser buscada uma uniformidade de tratamento� A saída antecipada deve ser deferida ao sentenciado que satisfaz os requisitos subjeti‑vos e está mais próximo de satisfazer o requisito objetivo� Ou seja, aquele que está mais próximo de progredir tem o benefício antecipado� Para selecionar o condenado apto, é indispensável que o julgador tenha ferramentas para verificar qual está mais próximo do tempo de progressão�

A tecnologia da informação deve ser empregada para essa finalidade� Expli‑carei, na próxima parte do voto, proposta de criação do Cadastro Nacional de Presos� Esse banco de dados contará com dados pessoais do sentenciado e infor‑mações sobre o local onde está recolhido� Além disso, será possível cadastrar os dados dos atestados de pena a cumprir, expedidos anualmente pelos Juízos da execução penal�

Isso permitirá verificar os apenados com expectativa de progredir no menor tempo e, em consequência, organizar a fila de saída com observação da igualdade�

Registro que a saída antecipada não deve ser aplicada em casos em que a pro‑gressão de regime é vedada legalmente, como no inadimplemento voluntário da multa (art� 36, § 2º, CP) ou da obrigação de reparação do dano e de devolução do produto do ilícito nos crimes contra a administração pública (art� 33, § 4º, CP)�

Igualmente, não se dispensa a verificação dos requisitos subjetivos para a progressão� Atualmente, a lei prevê que o sentenciado deve “ostentar bom com-portamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento” – art� 112 da Lei 7�210/84� A jurisprudência permite o aprofundamento da investigação do merecimento e da aptidão do sentenciado para o benefício� Nesse sentido, pode‑se determinar a realização do exame criminológico, a despeito da sua revogação pela Lei 10�792/03 – Súmula Vinculante 26 e Súmula 439 do STJ�

Por certo, ainda restarão várias questões sobre a saída antecipada, a serem apreciadas pelas instâncias ordinárias� Pode‑se cogitar, por exemplo, da con‑sideração do caráter do crime – violento ou não, hediondo ou equiparado, ou não� Há bons argumentos favoráveis à consideração dessas circunstâncias� Afinal, são crimes particularmente graves, merecendo cumprimento rigoroso

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da reprimenda aplicada� Outras considerações, no entanto, podem ser feitas em sentido contrário� O caráter do crime é levado em conta na cominação e na aplicação da pena� Da mesma forma, as circunstâncias que levam à necessidade de uma fração maior de pena para benefícios – reincidência, caráter hediondo do delito – pesarão na saída antecipada, na medida em que necessário mais tempo de pena cumprida para se aproximar do requisito objetivo de progressão�

O que deve ficar ressaltado é que a presente decisão não pretende esgotar todas as possibilidades de administração de vagas nos regimes semiaberto e aberto� Ao reconhecer a possibilidade da antecipação da saída de sentenciados, estamos criando espaço para formulação de uma jurisprudência de base, que irá superar as lacunas e resolver os conflitos�

Tenho por conveniente confiar às instâncias ordinárias margem para com‑plementação e execução das medidas�

Assim, a primeira alternativa que trago é a saída antecipada dos sentenciados�(ii) Liberdade eletronicamente monitorada. A medida prevista na proposta

de súmula vinculante é o recolhimento domiciliar� A Lei 7�210/84 é bastante restritiva quanto ao cabimento da prisão domiciliar, admitindo‑a apenas em caráter humanitário:

“Art� 117� Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I – condenado maior de 70 (setenta) anos;II – condenado acometido de doença grave;III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;IV – condenada gestante�”

A despeito da falta de previsão legal, estamos tratando de deferimento de prisão domiciliar pela falta de vagas adequadas no sistema carcerário, indicando uma hipótese não prevista de cabimento do regime�

A prisão domiciliar tem vários inconvenientes�Para começar, cabe ao condenado providenciar uma casa, na qual vai ser

acolhido� Nem sempre ele tem meios para manter essa residência� Nem sempre tem uma família que o acolha�

Indo além, o sentenciado retorna ao pleno convívio da família e dos amigos� Em casos de crimes que tenham os membros da família como vítima, pode‑‑se criar nova situação de risco, tornando a pena insuficiente para proteger as vítimas� Por outro lado, os associados para a prática de crimes passam a ter total acesso ao condenado� Eventuais restrições de movimentação não se

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estendem à comunidade, que não fica proibida de frequentar a casa na qual a pena é cumprida�

A prisão domiciliar, como medida isolada, apresenta ainda outras dificuldades�A Lei de Execução Penal não trata das condições em que a prisão domiciliar

ocorre� Já o CPP, ao tratar da prisão domiciliar durante o processo, afirma que o implicado deverá ficar recolhido na residência, “só podendo dela ausentar-se com autorização judicial” – art� 317.

O recolhimento domiciliar puro e simples, em tempo integral, gera dificul‑dades de caráter econômico e social� O sentenciado passa a necessitar de ter‑ceiros para satisfazer todas suas necessidades – comida, vestuário, lazer� Há uma considerável transferência da punição para a família� Surge a necessidade de constante comunicação com os órgãos de execução da pena, para controlar saídas indispensáveis – atendimento médico, manutenção da casa etc�

Indo além, as possibilidades de trabalho sem sair do ambiente doméstico são limitadas� Sem trabalho, o preso dependerá economicamente de sua família e necessitará de seu apoio para satisfazer todas suas necessidades�

Mais grave, o ócio certamente não é contributivo para a ressocialização�Assim, a execução da sentença em regime de prisão domiciliar é mais provei‑

tosa se for acompanhada de trabalho� A oportunidade de saída para trabalho é importante para garantir a manutenção econômica e a ressocialização�

Todas essas considerações desembocam na dificuldade maior da prisão domiciliar: a fiscalização�

A fiscalização periódica, por diligências de agentes públicos – policiais ou oficiais de justiça – não parece ser suficiente para assegurar o mínimo controle da medida, especialmente se autorizado o trabalho externo�

A autodisciplina não é uma solução suficiente� É certo que o regime aberto prevê ênfase na autodisciplina, impondo que os alojamentos não tenham obs‑táculos físicos contra a fuga – art� 94 da Lei 7�210/84� O mesmo, no entanto, não se aplica ao regime semiaberto� Além disso, se, por um lado, o regime aberto estimula o apenado a voluntariamente manter‑se no alojamento, por outro, não impede que eventuais saídas não autorizadas sejam fiscalizadas e sancionadas como falta disciplinar�

A solução para isso parece ser a monitoração eletrônica dos sentenciados, especialmente os do regime semiaberto� Já há inclusive previsão legal para tanto, art� 146‑B, II e IV, da Lei 7�210/84�

Não se desconhece que a monitoração eletrônica é desconfortável e estigma‑tizante� Ainda assim, o condenado pode com ela concordar, na medida em que é oferecida como alternativa à permanência no ambiente carcerário, viabilizando

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as saídas e a prisão domiciliar� Ou seja, tenho que, a despeito de onerosa, a imposição é válida�

Quanto ao trabalho fora da residência, deve‑se fazer um esforço a fim de dar‑se essa oportunidade ao sentenciado� Como já dito, a permanência na resi‑dência em tempo integral não é uma situação desejável�

Surgirão diversas dificuldades decorrentes do trabalho externo� Será neces‑sário estabelecer rotas e horários para os quais o trânsito será permitido� Essa determinação precisará ser feita em cada caso e fiscalizada em tempo real�

Por óbvio, não é fácil fazer esse controle� Estou propondo, na próxima parte do voto, a estruturação de centrais para acompanhamento da medida�

Deve ser ressaltado que a monitoração eletrônica também tem limitações� A tecnologia poderá auxiliar as centrais de monitoração eletrônica, informando automaticamente desvios não autorizados� Mas a evolução dos recursos técnicos a ponto de dispensar um operador para acompanhar as movimentações ainda é algo que se espera apenas no futuro� A inserção de muitos presos em regime de monitoração eletrônica poderá sobrecarregar o sistema e os seus operadores�

De qualquer forma, melhor do que a pura e simples prisão domiciliar, é a liberdade eletronicamente vigiada, ficando o sentenciado obrigado a trabalhar e, se possível, estudar, recolhendo‑se ao domicílio nos períodos de folga�

(iii) Penas restritivas de direito e/ou estudo. A princípio, a liberdade eletro‑nicamente monitorada poderia ser aplicada aos regimes semiaberto e aberto�

No entanto, seja para evitar a sobrecarga, seja para assegurar uma medida que melhor permita o cumprimento da pena e a ressocialização, podemos pensar em medidas alternativas mais eficientes para os sentenciados em regime aberto�

Via de regra, se não há estabelecimentos adequados ao regime aberto, a melhor alternativa não é a prisão domiciliar, mas a substituição da pena pri‑vativa de liberdade por penas restritivas de direito�

Atualmente, as penas restritivas de direito são aplicáveis apenas de forma autônoma – art� 44 do CP� Não há progressão, no curso da execução penal, de uma pena privativa de liberdade para penas restritivas de direito� No entanto, ao condenado que progride ao regime aberto, seria muito mais proveitoso aplicar penas restritivas de direito, observando‑se as condições dos parágrafos do art� 44 do CP, do que aplicar a prisão domiciliar�

De modo geral, não vislumbro boas razões para preferir manter o senten‑ciado que progride ao regime aberto em prisão domiciliar, em vez de impôr‑lhe penas alternativas� Se o sentenciado que já demonstrou ter condições para o regime aberto está disposto a prestar serviços a comunidade, por exemplo, não há razões para mantê‑lo preso em casa�

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As penas restritivas de direito são menos gravosas do que a pena privativa de liberdade, mesmo em regime aberto� Além disso, as penas alternativas depen‑dem sempre de adesão do sentenciado que, recusando, poderá ser submetido ao encarceramento� Assim, a substituição não é vedada pela reserva de legali‑dade – art� 5º, XXXIX�

Por outro lado, não será possível encaminhar todos os sentenciados para penas alternativas� O sentenciado ao regime aberto inicial que tem negada a substituição pelo juiz da ação penal, por não satisfazer os requisitos legais, não poderá ser beneficiado com a medida�

Uma outra medida que poderia ser adicionada como alternativa à prisão domiciliar seria o estudo� O estudo dá ensejo à remição da pena (art� 126 da Lei 7�210/84) e torna o sentenciado uma pessoa mais produtiva� Assim, a obrigação de frequentar educação formal regular – ensino fundamental, médio ou supe‑rior – pode ser imposta no lugar de uma pena restritiva de direitos�

Essas medidas podem e devem ser avaliadas pelos órgãos da execução como alternativas� Estamos atuando num campo em que não há legislação rígida dis‑pondo sobre as medidas a serem adotadas� O juiz das execuções penais deverá, com base na realidade do sistema prisional de sua localidade e do perfil dos sentenciados, estabelecer as medidas adequadas�

Registro que o juiz deve observar as penas restritivas de direito previstas no art� 43 do Código Penal e o estudo como alternativas ao regime aberto, obser‑vando os limites do art� 44, § 2º, do Código Penal�

Estou propondo, na próxima parte do voto, a estruturação de centrais para acompanhamento das medidas alternativas�

Dito isso, sumarizo as conclusões que estou propondo em resposta à questão com repercussão geral da seguinte forma:

a) A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso;

b) Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destina‑dos aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes� São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabeleci-mento adequado” (regime aberto) (art� 33, § 1º, alíneas b e c);

c) Havendo déficit de vagas, deverá determinar‑se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domi‑ciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto;

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d) Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado�

Importante reiterar que essas medidas não pretendem esgotar as alternativas que podem ser adotadas pelos juízos de execuções penais no intuito de equacio‑nar os problemas de falta de vagas nos regimes adequados ao cumprimento de pena� As peculiaridades de cada região e estabelecimento podem recomendar o desenvolvimento dessas medidas em novas direções�

Tenho por conveniente confiar às instâncias ordinárias margem para com‑plementação e execução das medidas�

O fundamental é que estamos afastando o excesso da execução – manuten‑ção do sentenciado em regime mais gravoso – e dando aos juízes das execuções penais a oportunidade de desenvolver soluções que minimizem a insuficiência da execução – cumprimento da sentença em prisão domiciliar ou outra modali‑dade sem o rigor necessário� O desenvolvimento dessas medidas será deliberado e controlado pelas instâncias ordinárias�

No que se refere à adoção de enunciado vinculante, caso a Corte venha por deliberar pela edição imediata do enunciado, seria mais adequada ao aqui pro‑posto a seguinte redação:

“Inexistindo vaga em estabelecimento adequado aos regimes semiaberto ou aberto, deverão ser determinados (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto� Até que sejam estruturadas as medidas alternativas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado�”

De qualquer forma, o Projeto de Súmula Vinculante não foi chamado a jul‑gamento nesta assentada� Possivelmente, se adotadas as soluções aqui preco‑nizadas, será conveniente monitorar sua implementação, antes de sumular o entendimento�

As considerações desta parte do voto resolvem a questão constitucional submetida à repercussão geral do ponto de vista jurídico, mas propõem novos desafios em termos de fiscalização e recrudescem os desafios já existentes de estruturação do sistema�

Analiso, no item seguinte, essas dificuldades�

4ª Parte: Decisão manipulativaMuito embora nossa legislação de execuções penais seja, em linhas gerais,

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satisfatória quanto à afirmação dos direitos dos condenados, a falta de provi‑dências de ordem administrativa levou o sistema ao colapso�

A situação calamitosa do sistema prisional tem batido às portas do Supremo Tribunal sob diferentes formas�

No Tema 365 da repercussão geral – RE 580�252 –, estamos debatendo a res‑ponsabilidade civil do Estado em relação ao preso submetido a condições car‑cerárias inadequadas� Os três votos até o momento são favoráveis à respon‑sabilização do Estado, havendo divergência quanto à forma da indenização� Acompanhei o relator, ministro Teori Zavascki, pelo reconhecimento do direito à indenização em dinheiro� O ministro Roberto Barroso propôs que, preferen‑cialmente, o preso seja indenizado com a remição de dias de pena� O julgamento está suspenso pelo pedido de vista da ministra Rosa Weber�

A ministra Rosa Weber também relata a ADI 5�170, proposta pelo Conselho Federal da OAB, buscando dar interpretação conforme aos dispositivos relati‑vos à responsabilidade civil do Estado, para afirmar que a violação de direitos fundamentais dos presos por más condições carcerárias deve ser indenizada, a título de danos extrapatrimoniais�

No Tema 220 da repercussão geral, representado pelo RE 592�581, da relato‑ria do ministro Ricardo Lewandowski, discutiu‑se a possibilidade de o Poder Judiciário determinar obras em estabelecimentos prisionais, para assegurar os direitos fundamentais dos reclusos� Por unanimidade, o Tribunal estabeleceu como tese ser “lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes” – o julgamento ocorreu na sessão de 13‑8‑2015�

Mais recentemente, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, relator ministro Marco Aurélio, proposta pelo PSOL, enfeixou todas essas e outras discussões, postulando que a Corte declare o estado de coisas inconsti‑tucional do sistema penitenciário e determine a elaboração de plano nacional, com metas para sanar a inconstitucionalidade� A medida cautelar foi deferida em parte, para determinar a realização de audiências de apresentação dos fla‑grados e o descontingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional�

Sobre as audiências de apresentação, a validade do convênio entre o CNJ e o Estado de São Paulo para realização do ato foi afirmada no julgamento da ADI 5�240, relator ministro Luiz Fux, julgado em 20‑8‑2015�

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Mais antiga, mas ainda não resolvida, é a Intervenção Federal 5�129, formu‑lada pelo Procurador‑Geral da República em desfavor do Estado de Rondônia� O pedido funda‑se em situação grave de ofensa à dignidade da pessoa humana ocorrida na unidade prisional denominada Urso Branco�

No tema deste processo, estamos enfrentando uma questão que nem sequer deveria existir – a falta de vagas em regimes que, em tese, deveriam desafogar o regime fechado e assegurar a aplicação das penas de prisão, por um lado, e a reintegração do condenado à sociedade, por outro�

Esses são alguns dos principais temas da pauta constitucional e social bra‑sileira e estamos experimentado muita dificuldade em arrostá‑los� A realidade prisional é quase sempre calamitosa e agravada por problemas variados nos diferentes estados da Federação� Assim, mesmo com as ferramentas de que hoje dispomos para verificação de ordem prática no controle de constitucionalidade, como a audiência pública, não é possível uma decisão de caráter geral, que resolva a questão por completo� Mas é preciso avançar� Precisamos ser criativos para buscar soluções além dos casos concretos e das ferramentas tradicionais�

Para isso, temos que adotar decisão de caráter plástico, que sirva de plata‑forma para adequação da realidade aos direitos afirmados pela Constituição e pelas leis�

O ponto principal quanto à técnica de decisão a ser manejada nesta ação é a possibilidade de o STF adotar decisão que modifica o conteúdo do ordena‑mento jurídico�

No que se refere às decisões manipulativas, o Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma kelseniano do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se deparar com situações em que a inter‑pretação conforme a Constituição possa descambar para uma decisão interpre‑tativa corretiva da lei (ADI 2�405/RS, rel� min� Carlos Britto, DJ de 17‑2‑2006; ADI 1�344/ES, rel� min� Moreira Alves, DJ de 19‑4‑1996; Rp� 1�417/DF, rel� min� Moreira Alves, DJ de 15‑4‑1988)�

Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é pos‑sível verificar que, em muitos casos, a Corte não atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador (ADI 3�324, ADI 3�046, ADI 2�652, ADI 1�946, ADI 2�209, ADI 2�596, ADI 2�405)�

No julgamento conjunto das ADI 1�105 e 1�127, ambas de relatoria do ministro Marco Aurélio, o Tribunal, ao conferir interpretação conforme à Constitui‑ção a vários dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei n� 8�906/94), acabou

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adicionando‑lhes novo conteúdo normativo, convolando a decisão em verda‑deira interpretação corretiva da lei (ADI 1�105/DF e ADI 1�127/DF, rel� min� orig� Marco Aurélio, rel� min� p/ acórdão Ricardo Lewandowski)�

Em outros vários casos mais antigos (ADI 2�332, ADI 2�084, ADI 1�797, ADI 2�087, ADI 1�668, ADI 1�344, ADI 1�105, ADI 1�127), também é possível verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação conforme à Constituição a determi‑nados dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitucional, ampa‑rada na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas de efeitos aditivos (Sobre a difusa terminologia utilizada, vide: Carlos Blanco de Morais, Justiça constitucional: o contencioso constitucional por-tuguês entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio, cit., t. 2, p. 238 e s.; Augusto Martín De La Vega, La sentencia constitucional en Italia, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003; Francisco Javier Díaz Revorio, Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional, Valladolid: Lex Nova; 2001; Héctor López Bofill, Decisiones interpretativas en el control de constitucionalidad de la ley, Valencia: Tirant lo Blanch, 2004)�

No curso do ano de 2012, o Tribunal voltou a se deparar com o problema no julgamento de mérito da ADPF 54, rel� Marco Aurélio, que discutia a constitu‑cionalidade da criminalização dos abortos de fetos anencéfalos (ADPF 54, rel� min� Marco Aurélio, julgada em 12‑4‑2012)�

De fato, ao rejeitar a questão de ordem levantada pelo Procurador‑Geral da República quando do julgamento da medida cautelar, o Tribunal já havia admitido a possibilidade de, ao julgar o mérito da ADPF 54, atuar de forma criativa, acrescentando mais uma excludente de punibilidade – no caso de o feto padecer de anencefalia – ao crime de aborto�

Ao decidir o mérito da ação, assentando a sua procedência e dando inter‑pretação conforme aos arts� 124 a 128 do Código Penal, o Tribunal proferiu uma típica decisão manipulativa com eficácia aditiva em matéria penal�

A doutrina italiana considera manipulativa a decisão mediante a qual o órgão de jurisdição constitucional modifica ou adita normas submetidas a sua apre‑ciação, a fim de que saiam do juízo constitucional com incidência normativa ou conteúdo distinto do original, mas concordante com a Constituição (Riccardo Guastini, Lezioni di teoria costituzionale, Torino: G� Giappichelli, 2001, p� 222)�

Como anota Roberto Romboli, tratando das manipulativas, a “Corte modifica diretamente a norma posta ao seu exame, através de decisões que são definidas como ‘autoaplicativas’, a indicar o caráter imediato de seus efeitos, que prescin‑dem de qualquer sucessiva intervenção parlamentar” (Roberto Romboli et al�, Giustizia costituzionale, 2 ed�, Torino: G� Giappichelli, 2007, p� 304)� É fácil ver

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que se trata de técnica unilateral de supressão da inconstitucionalidade dos atos normativos (Cf� Markus González Beilfuss, Tribunal constitucional y repa-racion de la discriminacion normativa, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2000, p� 117‑130)�

Ulterior esforço analítico termina por distinguir as manipulativas de efeitos aditivos das manipulativas com efeito substitutivo� A primeira espécie, mais comum, verifica‑se quando a Corte constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas pelo que omite, alargando o texto da lei ou seu âmbito de incidência� As manipulativas com efeitos substitutivos, por sua vez, são aquelas em que o juízo constitucional declara a inconstitucio‑nalidade da parte em que a lei estabelece determinada disciplina ao invés de outra, substituindo a disciplina advinda do poder legislativo por outra, consen‑tânea com o parâmetro constitucional�

Entre nós, a técnica manipulativa com efeitos substitutivos foi utilizada no julgamento da ADI‑MC 2�332/DF, rel� min� Moreira Alves, DJ de 2‑4‑2004, oca‑sião em que o Supremo Tribunal Federal, vencido no ponto o Relator, decidiu “deferir a medida liminar para suspender, no art� 15‑A do Decreto‑Lei 3�365, de 21 de junho de 1941, introduzido pelo art� 1º da Medida Provisória 2�027‑43, de 27 de setembro de 2000, e suas sucessivas reedições, a eficácia da expressão ‘de até seis por cento ao ano’ (omissis) para dar, ao final do caput do artigo 15‑A, interpretação conforme à Carta da República, de que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença”�

Como espécies de decisões com alguma eficácia aditiva, ainda devem ser referidas as decisões demolitórias com efeitos aditivos (quando é suprimida uma lei inconstitucional constritora de direitos), as aditivas de prestação (que têm impacto orçamentário) e as aditivas de princípio (onde são fixados princípios que o legislador deve observar ao prover a disciplina que se tem por indispen‑sável ao exercício de determinado direito constitucional)�

Ressalto que, embora os esforços teóricos acerca do tema tenham frutificado principalmente na Itália, a prolação de decisões manipulativas tem sido uma constante também na jurisprudência dos tribunais espanhóis (Joaquín Brage Camazano, La accion abstracta de inconstitucionalidad, México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, p� 409‑410: “La utilización de este tipo de sentencias se plantea especialmente respecto de las hipótesis de desigualdad nor-mativa o trato desigual por parte de una ley, porque la Ley prevé determinadas consecuencias para determinadas hipótesis, pero no para otros supuestos que constitucionalmente hubieran exigido un tratamiento igual. Como dice el TC

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español, ante tales hipótesis cabe, en principio, equiparar por arriba, suprimiendo las restricciones o exclusiones injustificadas establecidas por el legislador con la consiguiente extensión del beneficio a los discriminados”) e português (Cf� Carlos Blanco de Morais (Org�), As sentencas intermedias da justica constitucional, Lisboa: AADFL, 2009, p� 113‑115)�

Convém observar que, não obstante manifeste‑se de forma singular em cada sistema de jurisdição constitucional, a crescente utilização das decisões mani‑pulativas de efeitos aditivos responde a necessidades comuns� Nesse sentido, em lição perfeitamente adequada ao direito pátrio, Augusto Martín de La Vega ressaltou ser possível compreender a proliferação das decisões manipulativas de efeitos aditivos, levando‑se em conta três fatores: a) a existência de uma Carta política de perfil marcadamente programático e destinada a progressivo desenvolvimento; b) a permanência de um ordenamento jurídico‑positivo com marcados resquícios autoritários; e c) a ineficácia do Legislativo para responder, em tempo adequado, às exigências de atuação da Constituição e à conformação do ordenamento preexistente ao novo regime constitucional (Augusto de la Vega, La sentencia constitucional en Italia, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p� 229‑230)�

Acrescente‑se que é extremamente difícil excluir tal técnica de decisão de regimes como o brasileiro e o italiano, onde inexiste um recurso como o de amparo espanhol ou a Verfassungsbeschwerde alemã, já que, em tais circunstân‑cias, as decisões aditivas tornam‑se a via preferencial para a “reinterpretação e tutela dos direitos subjetivos” (La Pergola, La Constitución como fuente suprema del Derecho, in Antonio Pina, Division de poderes e interpretacion: hacía una teoría de la praxis constitucional, Madrid: Tecnos, 1987, p� 149)�

Interessante notar que a complexidade de nosso sistema de controle de constitucionalidade emprestou linhas singulares ao fenômeno das decisões manipulativas de efeitos aditivos, conforme o voto que proferi na ADPF‑QO 54, rel� min� Marco Aurélio, DJ de 31‑8‑2007, especialmente p� 170‑171)� O STF pôde chegar ao resultado aditivo, inovando o ordenamento jurídico, tanto por meio das ações do sistema concentrado de controle como nas ações diretas decididas com uso de interpretação conforme com efeitos aditivos e através dos remédios constitucionais individuais, sendo numerosos os casos em que, por exemplo, o veículo da pretensão aditiva foi o mandado de injunção�

Em decisão de notável relevância doutrinária para o tema em discussão, o Supremo Tribunal Federal determinou a aplicação aos servidores públicos da Lei 7�783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada, pelo que promoveu extensão aditiva do âmbito de incidência da norma (MI 670,

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red� para o acórdão min� Gilmar Mendes, MI 708, rel� min� Gilmar Mendes, e MI 712, rel� min� Eros Grau, julgados em 25‑10‑2007� Tenha‑se presente, ainda, o MI 543, rel� min� Octavio Gallotti, DJ de 24‑5‑2002, e o MI 283, rel� min� Sepúlveda Pertence, DJ de 14‑11‑1991, quando restou assentado que “é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo que fixar, de molde a facultar‑lhe, quando pos‑sível, a satisfação provisória do seu direito”)�

Outro caso de extensão do âmbito subjetivo de incidência da norma ocorreu no julgamento do RMS 22�307, ocasião em que se discutiu a possibilidade de extensão jurisprudencial da revisão de vencimentos, em percentual de 28,68%, para alcançar categorias de servidores públicos não contempladas na lei que disciplinou a revisão� O Supremo Tribunal, por maioria, entendeu desnecessária lei específica que estendesse a revisão de vencimentos aos servidores não atin‑gidos e, de plano, determinou o reajuste nas folhas de pagamento (MS 22�307, rel� min� Marco Aurélio, DJ de 13‑6‑1997)�

A crescente relevância, entre nós, da técnica decisória aditiva, foi exposta com proficiência por Ayres Blanco de Morais:

“Sensivelmente desde 2004 parecem, também ter começado a emergir com maior pragnância decisões jurisdicionais com efeitos aditivos� Tal parece ter sido o caso de uma acção directa de inconstitucionalidade, a ADIn 3105 (ADI 3�105, Rel� Min� Ellen Gracie, DJ de 18‑2‑2005), a qual se afigura como uma sentença demolitória com efeitos aditivos� Esta eliminou, com fundamento na violação do princípio da igualdade, uma norma restritiva que, de acordo com o entendimento do Relator reduziria arbitrariamente para algumas pessoas pertencentes à classe dos servi‑dores públicos, o alcance de um regime de imunidade contributiva que abrangia as demais categorias de servidores públicos� Poderá, igualmente, ter sido o caso no RMS‑22�307 (mandado de segurança) que teria englobado os servidores civis num regime de aumentos legalmente concedido a militares” (Carlos Blanco de Morais, Justica constitucional: o contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio, t� 2, cit�, p� 257� Cf�, ainda, sob coordenação do Professor Blanco de Morais, As sentencas intermedias da justica constitucional, Lisboa: AAFDL, 2009)�

Cabe ressaltar, ainda, o julgamento conjunto, pelo Plenário do Supremo Tri‑bunal Federal, dos mandados de segurança n� 26�602/DF, 26�603/DF e 26�604/DF, em que se assentou que o abandono, pelo parlamentar, da legenda pela qual foi eleito tem como consequência jurídica a extinção do mandato�

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Também, de marcado caráter aditivo, registro a decisão proferida na PET 3�388/RR, rel� min� Ayres Britto, quando o Tribunal, enfrentando a situação de insegurança geral deflagrada pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, logrou, mediante a disciplina constante do voto do ministro Menezes Direito, dar margens nítidas à extensão do usufruto dos indígenas sobre as áreas que lhes são constitucionalmente garantidas (PET 3�388, rel� min� Carlos Britto, j� em 19‑3‑2009)�

Por fim, menciono o RE 405�579, rel� ministro Joaquim Barbosa� Trata‑se de hipótese em que duas empresas, importadoras de um mesmo produto, foram discriminadas por concessão de benefício tributário a apenas uma delas, o que gera evidente desequilíbrio comercial� Em voto‑vista, propus a extensão do benefício tributário (redução de imposto de importação) a empresas não con‑templadas no inciso X do § 1º do art� 5º da Lei 10�182/2001, com vistas a sanar violação ao princípio da isonomia e restaurar o equilíbrio do mercado comercial�

Na sessão de julgamento de 1º de dezembro de 2010, contudo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, contra meu voto e dos ministros Ayres Britto, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, deu provimento ao recurso extraordinário e manteve a validade da lei referida (RE 405�579, rel� min� Joaquim Barbosa, DJ de 4‑8‑2011)�

No presente caso, a despeito das limitações impostas pelo regime do recurso extraordinário, podemos fazer um esforço para resolver a questão de forma estruturante, além do simples estabelecimento de teses jurídicas� Podemos avançar, determinando a observação de ferramentas que serão essenciais na implementação dos direitos dos sentenciados e no atendimento ao programa legal quanto à execução penal�

Para tanto, é fundamental contarmos com o apoio dos órgãos existentes no Poder Judiciário e no Ministério Público para desenvolvimento e fiscalização das soluções a serem adotadas�

No âmbito do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça tem papel importante na supervisão do sistema carcerário� A Lei 12�106/09 criou, no CNJ, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF� Esse departamento é vocacionado para acompanhamento das medidas aqui apresentadas, con‑forme se percebe nos incisos do art� 1º, § 1º:

§ 1º Constituem objetivos do DMF, dentre outros correlatos que poderão ser esta‑belecidos administrativamente:

I – monitorar e fiscalizar o cumprimento das recomendações e resoluções do

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Conselho Nacional de Justiça em relação à prisão provisória e definitiva, medida de segurança e de internação de adolescentes;

II – planejar, organizar e coordenar, no âmbito de cada tribunal, mutirões para reavaliação da prisão provisória e definitiva, da medida de segurança e da inter‑nação de adolescentes e para o aperfeiçoamento de rotinas cartorárias;

III – acompanhar e propor soluções em face de irregularidades verificadas no sistema carcerário e no sistema de execução de medidas socioeducativas;

IV – fomentar a implementação de medidas protetivas e de projetos de capacita‑ção profissional e reinserção social do interno e do egresso do sistema carcerário;

V – propor ao Conselho Nacional de Justiça, em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas, a uniformização de procedi‑mentos, bem como de estudos para aperfeiçoamento da legislação sobre a matéria;

VI – acompanhar e monitorar projetos relativos à abertura de novas vagas e ao cumprimento da legislação pertinente em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas;

VII – acompanhar a implantação e o funcionamento de sistema de gestão ele‑trônica da execução penal e de mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias;

O DMF tem estrutura de pessoal, prevista na própria lei de criação� Além disso, o CNJ tem poder para requisitar outros magistrados e servidores, caso a tarefa assim exija – art� 6º, XXVIII e XXIX, Regimento Interno�

De forma paralela, o Conselho Nacional do Ministério Público também pode ser chamado a tomar parte ativa nesse procedimento, atuando em conjunto com o CNJ� A participação do CNJ e do CNMP é um convite à participação de todos, da comunidade jurídica, das autoridades federais, estaduais e municipais, da comunidade em geral�

Com apoio dos conselhos, podemos adotar decisão que acolha medidas con‑cretas a serem fiscalizadas por esta Corte�

Há providências de ordem administrativa e de política judiciária que poderão ser implementadas mesmo sem reformas legislativas�

Quanto às providências que podem ser tomadas com coordenação do Con‑selho Nacional de Justiça, estou propondo que o órgão elabore projetos para sua concretização em prazo razoável�

A adoção desse tipo de decisão pelas Cortes Constitucionais é uma realidade, inclusive de forma bem mais radical do que aqui proponho�

A Suprema Corte norte‑americana usou‑o no caso Brown v. Board of Educa-tion of Topeka, em 1954, quando reiterou a inconstitucionalidade da discrimi‑nação racial nas escolas públicas e determinou que as leis federais, estaduais e municipais fossem ajustadas a essa orientação� Confiou a execução do julgado

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aos tribunais de distrito que deveriam guiar‑se por princípios de equidade, tradicionalmente caracterizados “pela flexibilidade prática na determinação de remédios e pela facilidade de ajustar e conciliar as necessidades públicas e pri-vadas”� Todavia, esses tribunais deveriam exigir das autoridades escolares “um pronto e razoável” início da execução, competindo‑lhes verificar a necessidade de que se outorgasse um prazo adicional para a conclusão das reformas exigidas�

Em 2011, analisando recursos provenientes de julgamento por colegiado judi‑cial da Califórnia nas ações coletivas movidas por Coleman e outros e Plata e outros contra o então governador Brown, a Suprema Corte confirmou decisão aditiva local� Considerou que as reiteradas violações a direitos a assistência médica dos presos estavam ligadas à superpopulação carcerária� Em conse‑quência, determinou que o Estado do Califórnia elaborasse, em prazo curto, plano de redução da superpopulação, de forma a redução a ocupação para um máximo de 137,5% (centro e trinta e sete vírgula cinco por cento) do número de vagas, selecionando os encarcerados para serem liberados� Isso representa uma libertação de cerca de 40�000 (quarenta mil) internos� A medida foi fiscalizada por um colegiado de juízes da Califórnia�

Aqui, no Supremo Tribunal Federal também já adotamos decisões dessa ordem�No julgamento de questões de ordem nas ações diretas 4�357 e 4�425, referen‑

tes à modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade do regime de pagamentos de precatórios previsto pela Emenda Constitucional 62/2009, concluído em 25‑3‑2015, o Tribunal conferiu ao Conselho Nacional de Justiça poderes para fazer diagnóstico do sistema de pagamentos pelas diversas uni‑dades da federação e propor medidas, inclusive de caráter normativo, para assegurar a liquidação do estoque de precatórios, em prazo razoável�

Deliberou‑se que as propostas do CNJ deveriam ser analisadas, em sessão jurisdicional, prosseguindo o julgamento da questão de ordem na ação de con‑trole concentrado, pelo próprio STF�

De forma semelhante, no caso Raposa Serra do Sol, o Tribunal expediu várias determinações de ordem aberta, delegando ao Relator, em articulação com o TRF1, a supervisão de sua implementação – PET 3�388, rel� min� Carlos Britto, julgado em 19‑3‑2009�

Na ADPF 347, rel� min� Marco Aurélio, o STF deferiu medidas de caráter limi‑nar, voltadas à superação do caos do sistema carcerário (9‑9‑2015)� O pedido daquela ação é justamente para que o Tribunal expeça determinações de caráter aberto e fiscalize seu cumprimento, retendo a jurisdição�

Nesses precedentes, adotamos a técnica do complex enforcement� SARGEN‑TICH, tido como o primeiro autor a empregar a locução, definiu o “complex

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enforcement” como o tipo de litígio “no qual um segmento grande da realidade social é denunciado como ofensivo ao direito e transformado por ordens judiciais de fazer ou não fazer” (“in which a large segment of social reality is denounced as offensive to law and transformed through the judicial process of injunction” – SARGENTICH, Lewis D� Complex Enforcement. Trabalho não publicado� Dis‑ponível em: <http://isites�harvard�edu/fs/docs/icb�topic1134127�files/March%2014%20Readings/SargentichComplexEnforcement�pdf>� Acesso em: 2 dez� 2015�)�

No presente caso, tenho que é necessário adotar solução semelhante�Aqui, há a peculiaridade de estarmos tratando de matéria na qual há ponto

de conexão entre a atividade administrativa e judicial� Os juízes da execução penal têm competências administrativas, dentre elas “zelar pelo correto cum‑primento” das penas e inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos da execução, podendo chegar a sua interdição – art� 66 da Lei 7�210/84�

Em grande parte, o que está sendo aqui defendido é a transposição dessas competências para o Supremo Tribunal, como uma espécie de órgão jurisdi‑cional central, na medida em que analisa a presente questão constitucional com repercussão geral�

Essa transposição é recomendada pela eficácia expansiva que os recursos extraordinários com repercussão geral possuem� A análise do caso concreto não deixa dúvida de que a solução da questão constitucional posta requer mais do que uma simples declaração do direito aplicável� Pede a adoção de medidas transformativas, num campo em que a magistratura das execuções penais tem atribuição de atuar�

Passo a expor as propostas�Criação do Cadastro Nacional de Presos. Aumentar as vagas é fundamental,

mas seria ingênuo pensar que haveria fôlego financeiro para triplicar as vagas dos regimes semiaberto e aberto em prazo razoável�

Precisamos de medidas que contemplem soluções para otimizar as vagas existentes e ofereçam alternativas à institucionalização�

Para permitir a saída antecipada de sentenciados mais próximos ao cum‑primento de pena, nos termos preconizados neste voto, é indispensável que o juízo das execuções penais disponha de informações acerca da situação das execuções penais em trâmite�

O que a prática demonstra é que uma vara de execuções penais que controla os processos apenas por autos em papel não tem condições de atender aos direitos dos sentenciados em tempo adequado� Fácil projetar que, se deferida a antecipação de benefícios em razão da lotação carcerária, não se terá tampouco meios de verificar quais os sentenciados estão mais próximos de obter a saída�

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Nem todas as unidades da Federação contam com órgãos centrais da admi‑nistração da execução penal� Muitas vezes, o Poder Executivo demite‑se da tarefa, deixando a cargo das varas de execuções penais administrar as vagas no sistema prisional�

É preciso centralizar a gestão da execução penal, em órgãos do Poder Exe‑cutivo, com capacidade de vislumbrar o sistema como um todo�

Para tanto, é indispensável a criação do cadastro nacional de presos�Registro que, nesse ponto, não estamos criando algo sem embasamento

no ordenamento�A utilização de ferramentas de tecnologia da informação na execução penal

é prevista em lei como um dever para a administração pública� A Lei 12�714/12 determina que os “dados e as informações da execução da pena, da prisão cau‑telar e da medida de segurança deverão ser mantidos e atualizados em sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena”�

Esse sistema deve “informar tempestiva e automaticamente, por aviso ele‑trônico, as datas” previstas para “progressão de regime” e “livramento condi‑cional”� Além disso, deve avisar o “enquadramento nas hipóteses de indulto ou de comutação de pena”�

Em tese, os sistemas deveriam ter sido instalados pelas unidades da Federa‑ção em setembro de 2013, final da vacatio legis de um ano (art� 6º)�

Ou seja, a administração está em mora�O Poder Executivo da União deveria não só ter apoiado as unidades da

Federação no desenvolvimento e na implantação dos sistemas, mas também na instituição de “sistema nacional” para interoperabilidade dos sistemas estaduais – art� 5º�

Muito embora a Lei 12�714/12 não mencione o Conselho Nacional de Justiça, o papel do Conselho na informatização da execução penal é consagrado pela Lei 12�106/09, que cria o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF, em seu âmbito� É um dos objetivos do DMF “acompanhar a implantação e o funcio‑namento de sistema de gestão eletrônica da execução penal e de mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias” – art� 1º, § 1º, VII�

Além de instrumentalizar as saídas antecipadas, a criação de um cadastro de sentenciados traria outras conveniências�

Com um sistema informatizado, seria possível que os benefícios dos presos fossem decididos no seu devido tempo� Teríamos aí um grande avanço� As vagas no sistema prisional são um recurso escasso� Extinção de pena, progressão de regime, livramento condicional, são judicialmente concedidos e abrem vagas

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no sistema� Além disso, seria possível liberar a força de trabalho das varas de execuções para decidir outros incidentes relevantes�

Não bastasse isso, com a utilização da tecnologia da informação na execução penal, teríamos estatísticas confiáveis, em tempo real, da situação prisional do país� Hoje, os esforços do Ministério da Justiça em tabular os dados deman‑dam energia desproporcional e produzem estatísticas incompletas e defasa‑das� Em junho de 2015, foi concluído e divulgado o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias relativo a junho de 2014, um ano de defasagem� Esse relatório é feito com base em questionários submetidos pelo Ministério às secretarias de segurança pública dos estados� O sucesso da compilação depende da boa vontade das unidades da Federação em fornecer seus dados� No último relatório, São Paulo simplesmente se omitiu� Ou seja, não há dados sobre a maior massa carcerária da país�

Outro benefício seria a possibilidade de verificação da situação do sistema em tempo real e de otimização do manejo de vagas� Isso foi feito no Estado do Paraná, pela secretária de justiça, cidadania e direitos humanos, Maria Tereza Uille Gomes, que criou centrais de vagas e monitoramento em tempo real dos presos, usando ferramentas de administração – business intelligence. A prática participou da edição de 2014 do Prêmio Innovare e melhorou substancialmente a administração penitenciária do Estado do Paraná�

Também, o projeto de reforma da Lei de Execução Penal (PLS 513/2013, autor senador Renan Calheiros, relator senador Eunício Oliveira, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça do Senado) prevê a utilização de tecnologia da informação para que os benefícios aos sentenciados sejam automatizados e o despacho somente seja necessário para negá‑las�

O número de prisões e progressões de regime pode ser previsto apenas até certo ponto� Situações excepcionais criam demandas imprevisíveis� Já men‑cionei, nesta decisão, a declaração de inconstitucionalidade do regime inte‑gralmente fechado para crimes hediondos, que, de um dia para outro, criou a necessidade de milhares de vagas no regime semiaberto�

Mesmo um sistema bem estruturado deve prever alguma válvula de escape, para reduzir o tempo de encarceramento em caso de necessidade excepcional�

Nos já mencionados casos da Califórnia, a solução para o colapso do sistema foi justamente liberar presos ainda com penas a cumprir� Restou escolher os condenados que estavam mais próximos ao término da pena e, presumivel‑mente, apresentavam menor risco de reincidência�

Aqui, estou propondo decisão de caráter semelhante – saída antecipada� A

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instrumentalização da saída antecipada depende da centralização das infor‑mações acerca dos presos em cada unidade�

Para tanto, é fundamental a criação de cadastro de presos, com dados sufi‑cientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção da pena�

Com isso, assegura‑se a igualdade de tratamento entre os presos�A medida pode ser implementada administrativamente, sem a necessidade

de alteração da legislação�A providência é absolutamente prioritária, na medida em que estruturação

do cadastro servirá de plataforma para todas as outras medidas�Proponho que o Conselho Nacional de Justiça apresente, em 180 dias, con‑

tados da conclusão deste julgamento, projeto de estruturação do Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação�

Centrais de monitoração eletrônica e penas alternativas. Nesta decisão, estou propondo a adoção de prisão domiciliar e penas alternativas como res‑posta à falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto�

Para que essas medidas sejam viáveis, é fundamental a estruturação de cen‑trais de monitoração eletrônica e acompanhamento das medidas alternativas�

A monitoração eletrônica, como já afirmado, tem previsão legal e é adotada em alguns estados� A padronização dos serviços espalharia a tecnologia para estados que atualmente não dispõem do sistema� Além disso, a escala pode permitir ganhos econômicos e tecnológicas�

Quanto às demais medidas alternativas, a proposta de substituição de penas do regime aberto por penas restritivas de direito sobrecarregará as atuais estru‑turas de fiscalização� Na maior parte das comarcas, a fiscalização das penas alternativas é feita diretamente pelas varas de execuções penais, com colabo‑ração de entidades conveniadas� A estruturação de centrais permitiria uma otimização dos recursos e diminuiria a sobrecarga das varas�

Registro que, nessa seara, há recente iniciativa da maior importância� Con‑vênio firmado pelo ministro Ricardo Lewandowski, como presidente do CNJ, com o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em 9‑4‑2015, busca justamente avançar nesse campo�

Quero também registrar a importância da iniciativa do Ministério da Justiça, que, por meio da Portaria 250/2015, previu a destinação de recursos do FUNPEN a “projetos de Implantação de Centrais de Monitoração Eletrônica de Pessoas Cumpridoras de Medidas Cautelares Diversas da Prisão e Cumpridores de Medi‑das Protetivas de Urgência e de Centrais Integradas de Alternativas Penais”�

Proponho que, em 180 dias, contados da conclusão deste julgamento, o CNJ apresente relatório sobre a implantação das centrais de monitoração e penas

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alternativas, acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas�

Trabalho e estudo. Muito embora não seja esse o objeto principal da questão constitucional em julgamento, o trabalho e o estudo na prisão encurtam a pena, na forma do art� 126 da Lei 7�210/84, e favorecem a ressocialização�

Programas de fomento ao trabalho e estudo reduziriam o problema da falta de vagas nos regimes carcerários, razão central deste recurso�

Veja‑se que nem sequer o Estado se dispõe a aceitar o trabalho dos conde‑nados� O atual modelo de execução de obras públicas tem privilegiado a con‑tratação de empresas, pelo regime de empreitada� Há muitos condenados que podem e devem trabalhar, na forma do art� 31 da Lei 7�210/84, que poderiam ser envolvidos em empreitadas públicas�

É possível pensar em soluções que viabilizassem a atuação do preso em enti‑dades beneficiadas com recursos públicos, como é o caso das integrantes dos serviços sociais autônomos, o chamado Sistema S, seja na prestação de servi‑ços de interesse da comunidade ou, ainda, em atividades profissionalizantes�

Indo além, os tribunais administram verbas decorrentes de prestações pecu‑niárias, na forma da Resolução 154 de 2012 do CNJ� A resolução permite a des‑tinação dos recursos a órgãos públicos “para atividades de caráter essencial à segurança pública”� Essa poderia ser outra fonte de recursos, centralizando‑se a verba na criação de postos de trabalho e oferta de cursos�

O CNJ pode ser chamado a articular os potenciais atores envolvidos, gover‑nos e tribunais, para desenvolver projetos de criação de oportunidades nessa área� O Conselho já tem experiência na matéria� O Projeto Começar de Novo é uma iniciativa de recolocação de sentenciados no mercado de trabalho por ele estruturada�

Criado pela Resolução 96/2009 do CNJ, o Começar de Novo tem por objetivo “promover ações de reinserção social de presos, egressos do sistema carcerário e de cumpridores de medidas e penas alternativas”�

O programa compõe‑se de “um conjunto de ações educativas, de capacitação profissional e de reinserção no mercado de trabalho”�

Sua execução é feita por “todos os órgãos do Poder Judiciário”, em parceria com a administração pública e entidades públicas e privadas�

Segundo dados do CNJ, na presente data, há uma oferta de 16�252 vagas de trabalho, estando 11�479 já preenchidas� No campo da capacitação, há 8�054 vagas de cursos disponíveis�

Ou seja, o CNJ e os tribunais de justiça já contam com expertise na área da capacitação e oferta de trabalho para presos e egressos do sistema carcerário�

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O esforço de expansão do projeto atualmente existente, com foco nos con‑denados em fase de cumprimento de pena, seria de capital importância para remediar a falta de oferta de vagas no sistema carcerário, viabilizar a inserção produtiva dos egressos, e, em última análise, reduzir a taxa de reincidência�

Proponho que o CNJ, em um ano, elabore relatório para expansão do Pro‑grama Começar de Novo e adoção de outras medidas buscando o incremento da oferta de estudo e de trabalho aos condenados�

Aumento do número de vagas nos regimes semiaberto e aberto. Indo além, para uma solução satisfatória do problema, o número de vagas nos regimes semiaberto e aberto precisa ser aumentado, para aproximar‑se da demanda�

O CNMP, dentro do Programa Segurança sem Violência, tem trabalhado no sentido de buscar alternativas ao déficit�

Da mesma forma, o CNJ pode se debruçar sobre a questão e oferecer soluções�Parece claro que a questão do financiamento dos estabelecimentos penais

é central� Na ADPF 347, foi expedido provimento cautelar para vedar o con‑tingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), criado pela Lei Complementar 79/94�

A “construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais” é uma das finalidades do Fundo – art� 3º, I�

No entanto, as unidades da Federação reclamam de entraves burocráticos para liberação dos recursos�

Compreende‑se que o investimento público necessite de rígidos controles� Ainda assim, é indispensável que os estados sejam auxiliados para se desin‑cumbir de tais tarefas satisfatoriamente� Os processos precisam ser desburo‑cratizados, para que o Fundo possa atender suas finalidades�

Indo além, a mão de obra dos sentenciados poderia ser utilizada na cons‑trução e reforma de unidades prisionais, reduzindo o custo das construções�

Não se pode descartar envolver órgãos da administração nas construções� O Departamento de Engenharia do Exército conta com a Diretoria de Obras e Cooperação, destinada à construção de obras de engenharia de interesse civil� Eventualmente, poderia liderar o trabalho construtivo�

Outra alternativa ligada ao financiamento das estruturas carcerárias é o estabelecimento de parcerias público‑privadas�

O Estado de Minas Gerais tem iniciativa nessa linha� A construção e a administração do Complexo Penal de Ribeirão das Neves foram contratadas mediante PPP�

O modelo tem vantagens expressivas, especialmente no âmbito da redução e da estimativa de custos�

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O projeto mineiro entregou a construção e a administração do complexo ao parceiro privado�

Na fase da instalação, o parceiro privado ficou responsável por projetar o empreendimento (observados parâmetros mínimos de arquitetura carcerária) e executar o projeto� A remuneração somente surgiu com a disponibilização das vagas, pelo que a demora na construção prejudica principalmente o par‑ceiro privado�

Após, o parceiro privado ficou responsável por toda a administração e segu‑rança do estabelecimento�

Sua remuneração é calculada, principalmente, com base nas vagas colocadas à disposição� Assim, se por qualquer razão, uma cela deixa de ficar operacional, o risco é do parceiro privado�

Por outro lado, a administração tem que pagar a parte substancial da remu‑neração, mesmo que não use as vagas disponibilizadas� Isso dá segurança ao parceiro privado�

Também, tem influência fundamental na remuneração a qualidade do serviço prestado, avaliada por auditoria independente, em conjunto com a comunidade, com base em indicadores estabelecidos� Rebeliões e doenças na população car‑cerária, por exemplo, reduzem a contrapartida�

O projeto procura dar ao parceiro privado os incentivos corretos, para que administre o estabelecimento com eficiência – sem desperdício, mas man‑tendo a qualidade�

Do ponto de vista da administração, é esperada maior previsibilidade e uma redução moderada dos custos�

No caso de Minas Gerais, o Estado arcou com os custos da parceria� Não vislumbro empecilho para que o FUNPEN participe do financiamento da cons‑trução, na medida em que há previsão de aplicação de seus recursos em “cons‑trução, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais” e “manutenção dos serviços penitenciários”�

Outra alternativa seria a adoção de estabelecimentos específicos para os casos de segurança mínima, desafogando o sistema� Nessa linha, não se pode deixar de registrar o sucesso do método APAC, baseado na autodisciplina� Os sentenciados ficam recolhidos a centro de recuperação – sem grades – gerido por eles próprios� Já há várias iniciativas dessa ordem em diversas unidades da Federação� O Prêmio Innovare de 2014 contemplou, com menção honrosa, a prática em São José dos Campos – SP�

Modelos baseados em autodisciplina podem ser alternativa para os conde‑nados de menor periculosidade, reduzindo a sobrecarga do sistema�

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A fim de consolidar as alternativas para atingir o resultado, o CNJ deverá, em 1 ano, apresentar relatório com projetos para o aumento do número de vagas nos regimes semiaberto e aberto�

Friso que os pontos mencionados são simples delineamentos para a pro‑posta a ser apresentada� Não há aqui nenhuma pretensão de esgotar o tema� Caberá ao CNJ ampla liberdade para avaliar e desenvolver as propostas que entender adequadas, ou outras que venham a surgir� Para tanto, o Conselho poderá interagir com o CNMP, com a administração em todos os seus níveis, com os tribunais, com o Ministério Público, com as defensorias públicas, com a advocacia e com a sociedade em geral�

Em suma, estou propondo que o Tribunal vá além da simples enunciação da tese para solução da questão constitucional, estabelecendo providências para adequar a execução penal nos regimes semiaberto e aberto ao plano legal� Para a execução da tarefa, proponho que o Tribunal convoque o CNJ, com poderes elásticos, para desenvolver e implementar as medidas determinadas e adotar outras que sejam oportunas�

5ª Parte: Caso concretoNo caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul reco‑

nheceu, em sede de apelação em ação penal, a inexistência de estabelecimento adequado ao cumprimento de pena privativa de liberdade no regime semiaberto e, como consequência, determinou o cumprimento da pena em prisão domici‑liar, até que disponibilizada vaga�

Neste recurso, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul pugna pela reforma da prisão, para que o condenado inicie a execução da pena no regime mais gravoso – fechado, enquanto aguarda a vaga�

Antes de mais nada, ressalto que a possibilidade desse tipo de questão ser debatida durante o processo de conhecimento não é objeto do recurso extraor‑dinário� A revisão do entendimento do Tribunal de Justiça quanto ao ponto seria potencialmente contrária ao réu, pelo que não pode ser analisada de ofício�

Neste voto, estou propondo que a falta de vagas no regime semiaberto não autoriza a inserção do preso no regime mais gravoso, mas autoriza (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletro‑nicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto�

Como consequência, estou dando provimento do recurso extraordinário apenas nessa extensão�

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Registro, no entanto, que a informação nestes autos é de que o recorrido foi inserido em estabelecimento adequado ao regime semiaberto (fls� 455‑471), pelo que a questão posta em julgamento será de reduzida eficácia no cumprimento de sua pena, salvo alterações fáticas ulteriores�

Isso, no entanto, não representa perda do objeto do recurso ou necessidade de substituição do processo que representa a controvérsia, como proposto pelo Procurador‑Geral da República�

No curso da execução penal, o condenado pode ser transferido para outro estabelecimento� Nada impede que, após o julgamento deste recurso, a admi‑nistração penitenciária local use essa faculdade em relação ao recorrido� Além disso, no futuro, o sentenciado terá a expectativa de progredir ao regime aberto, reavivando a questão da consequência de eventual falta de vagas�

Logo, enquanto houver pena a cumprir, é relevante a projeção do entendi‑mento ao caso concreto�

Dessa forma, ainda que a situação atual do recorrido esteja de acordo com o título em execução, é cabível analisar o recurso, na medida em que pode ser transferido para outro estabelecimento�

DispositivoAnte o exposto, resolvo a controvérsia com repercussão geral fixando o enten‑

dimento de que:a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do

condenado em regime prisional mais gravoso;b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destina‑

dos aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes� São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabeleci-mento adequado” (regime aberto) (art� 33, § 1º, alíneas b e c);

c) havendo déficit de vagas, deverá determinar‑se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto� Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado�

Determino que Conselho Nacional de Justiça apresente:a) em 180 dias, contados da conclusão deste julgamento, (i) projeto de estrutu‑

ração do Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação,

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devendo o banco de dados conter informações suficientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção da pena; (ii) relatório sobre a implan‑tação das centrais de monitoração e penas alternativas, acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas;

b) em um ano, relatório com projetos para (i) expansão do Programa Come‑çar de Novo e adoção de outras medidas buscando o incremento da oferta de estudo e de trabalho aos condenados; (ii) aumento do número de vagas nos regimes semiaberto e aberto�

Dou parcial provimento ao recurso extraordinário, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, observe‑se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade ele‑tronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao recorrido após progressão ao regime aberto�

VOTO (Aditamento)

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Presidente, este é um tema delicado, porque não há como distinguir culpados e inocentes no colapso desse sistema� De alguma forma, todos nós temos responsabilidades; quando decretamos a prisão preventiva e não conseguimos julgar o processo, isso acaba sendo de nossa responsabilidade�

Quando na Vice‑Presidência do Tribunal – sempre rememoro esse fato –, recebi a visita da Comissária dos Direitos Humanos da ONU, que veio ao Brasil naquele momento, 2007/2008, para fazer as inspeções de praxe, certamente sempre com foco no sistema prisional, dentre outros� E, à época, preocupava‑‑se Sua Excelência com aquele episódio lamentável, conhecido de todos, de Abaetetuba, em que uma moça ficou presa num presídio de homens por vários dias� Ela, com muita delicadeza, com sói acontecer nesses momentos, depois de conversamos sobre vários assuntos, disse‑me que estava muito preocupada com o sistema prisional brasileiro e, claro, introduziu o tema de Abaetetuba� E, ao fazê‑lo, fez com muita delicadeza, mas disse: Isso reclama providências�

Eu narrei as providências que tinham sido tomadas, falei que o Judiciário tinha responsabilidade parcial nisso, uma vez que era um gestor do sistema carcerário, mas era um gestor parcial� A construção de presídios dependia da administração e tudo mais� E ela, com uma fidalguia anglo‑saxã, porém com certa firmeza, disse que compreendia aquelas minhas explicações, mas se eu

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não achava que era demasiado levar trinta dias para descobrir esse fato� E eu só tive que dizer yes, sim, porque não tinha resposta de fato� Por quê? Porque um sistema não chega a esse estado de coisa, quer dizer, é preciso haver método, não basta só incompetência� É preciso método para chegar a esse colapso, em que, por exemplo, promotores não visitam presídios, juízes não visitam presídios� E deixa‑se chegar a esse estado de coisa�

Portanto, essa situação calamitosa chegou por omissões de variada ordem� Eu me lembro de que, quando iniciamos os programas do CNJ relativos ao muti‑rão carcerário, nós verificamos que eram raros os casos de promotores e juízes ligados à execução penal que, uma vez na vida, tivessem visitado um presídio� E depois passou‑se a exigir que houvesse essa providência�

Portanto, nós também temos parte nesse latifúndio, infelizmente�

ESCLARECIMENTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu queria parabenizar o substancioso voto de Vossa Excelência, Ministro Gilmar Mendes, registrando que é um estudo muito aprofundado do sistema prisional brasileiro, mas, quanto ao Conselho Nacional de Justiça, e já agradecendo o prestígio que Vossa Exce‑lência está emprestando a esse importante órgão, eu gostaria de assinalar que as determinações sugeridas por Vossa Excelência colidem com a política atual‑mente empreendida pelo CNJ� E também esclarecendo que a política do Conselho Nacional de Justiça não apenas é definida pelo seu Presidente e pelos quinze Conselheiros que integram esse Órgão, mas também, por força do Regimento, é definida em congressos nacionais da magistratura, que são realizados um vez por ano, em que se estabelecem metas, tal como ocorreu na semana passada, em que quinhentos magistrados e presidentes de mais de noventa tribunais se reuniram, durante dois dias, para estabelecer a política do ano de 2016�

Com relação às determinações que Vossa Excelência está estabelecendo, eu poderia dizer que em quarenta e oito horas podemos já apresentar grande parte daquilo que Vossa Excelência está sugerindo à apreciação do egrégio Plenário� Por exemplo, em cento e oitenta dias contados da conclusão deste julgamento, projeto de estruturação do Cadastro Nacional de Presos� Nós vamos apresentar até o final deste ano – já anunciei isso hoje de manhã no Ministério da Justiça – um sistema eletrônico chamado de SEEU – Sistema Eletrônico de Execução Unificada, em que todos os magistrados responsáveis pela execução criminal terão, em todo o Brasil, de forma unificada, ao alcance do Iphone, todos os pro‑jetos de execução e poderão determinar as medidas necessárias num simples

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toque no respectivo celular, determinando decisões relativamente à progressão de regime, inclusive resolvendo incidentes da execução� Até porque temos que ter um cadastro nacional, uma vez que muitos presos transitam por diferentes Estados para o cumprimento de suas penas� Isso já está feito, já vai ser apre‑sentado no final do ano�

Com relação ao item II, Relatório sobre Implantação das Centrais de Moni‑toração e Penas Alternativas, quero dizer também ao egrégio Plenário que esta é uma matéria que não está afeta ao Poder Judiciário, e sim ao Poder Executivo� Ele é que estabelece e investe em centrais de monitoração e de penas alternati‑vas, e nós firmamos, com vinte e sete unidades da Federação, convênios com os respectivos governadores para fins de implantação da audiência de custódia, convênios para que houvesse investimento nesse tipo de projeto, e já estamos colhendo os primeiros frutos� Sobre esse assunto também esses convênios estão à disposição do egrégio Plenário imediatamente, se for o caso�

Com relação ao item b, em um ano, relatório com projetos para expansão do Programa Começar de Novo� Aqui, observo que é uma determinação que já alcançaria até a administração futura – e certamente muito eficiente – da nossa Vice‑Presidente à frente do Conselho Nacional de Justiça, que é a expansão do Programa Começar de Novo� Eu ousaria dizer que esse programa é importante, mas já há outros mais sofisticados que o estão substituindo, como, por exemplo, o Programa Cidadania nos Presídios, que também já está pronto – apresenta‑remos no final deste ano ou no começo do ano que vem –, e compreende, de forma muito ampla, assistência ao preso e aos seus familiares não só no que diz respeito a mutirões carcerários permanentes, mas também ao acompanha‑mento do preso nas diversas fases de progressão de regime, inclusive quando ele deixa o presídio ou quando ele passa para o regime semiaberto, em contato com órgãos da sociedade civil, para encontrar emprego, para eventualmente dar‑lhe tratamento, se tiver com algum vício relativamente a drogas� E esse programa será complementado por um Programa Saúde nos Presídios, já em convênio com o Ministério da Saúde, que compreenderá toda a comunidade que envolve os presídios, não apenas os presos, mas também os agentes penitenciá‑rios, os seus familiares� Isso tudo está em curso e faz parte da política do CNJ�

Diria ainda, com todo o respeito, Ministro Gilmar, que o aumento de vagas dos regimes semiaberto e aberto também é um assunto afeto à administração� Nós estamos acompanhando, envidando esforços e incentivando para que isso aconteça, mas penso, com o devido respeito, que não é apropriado que o Supremo Tribunal Federal interfira, de forma tão pontual, na administração do Conselho Nacional de Justiça, que é uma política concertada, de forma

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muito sofisticada, com toda a magistratura nacional e com os eminentes Conselheiros que integram esse Órgão e, de certa maneira, capitaneada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, que recebeu a delegação do egrégio Plenário para comandar o Conselho Nacional de Justiça, evidentemente dando permanente satisfação àqueles que o honraram com o voto e também para a sociedade de modo geral�

Então, embora louvando a preocupação de Vossa Excelência, Ministro Gilmar, informo que essas medidas já estão sendo tomadas e são frutos de longa medi‑tação e maturação� E mais ainda: que há um órgão criado por lei, que é o Depar‑tamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, que possui um supervisor, um coor‑denador e tem políticas próprias que estão exatamente em consonância com o voto de Vossa Excelência�

E nós podemos, em quarenta e oito horas, se for o caso, apresentar ao Supremo Tribunal Federal tudo o que estamos fazendo neste campo, e que hoje mereceu, para honra nossa, encômios do Ministro da Justiça, na ocasião em que assina‑mos um termo de cooperação no qual não apenas colocamos, na presença de todos os Secretários de Administração Penitenciária do País, à disposição dos Estados mais de cinco mil tornozeleiras eletrônicas, mas também estabelecemos um cronograma e um programa para instalação de centrais de monitoramento e de penas alternativas�

Portanto, tudo isso que está sendo preconizado pelo eminente Relator já está sendo feito, como resultado de uma política especializada e voltada para o aprimoramento do Sistema Penitenciário Nacional�

No mais, eu quero louvar o voto de Vossa Excelência e dizer, desde logo, que estou plenamente de acordo com as conclusões a que Vossa Excelência chegou�

VOTO

O sr. ministro Edson Fachin: Senhor Presidente, eu gostaria também de me associar aos cumprimentos e elogios feitos a Sua Excelência o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que de modo minudente e acutíssimo estabeleceu premissas, diagnóstico, proposições e fundamentação num conjunto de medidas de relevo, para dar conta desta grave situação que constitui objeto da preocupação de Sua Excelência�

As medidas “saída antecipada, liberdade eletronicamente monitorada, penas restritivas de direito e estudo” creio que se situam nesse, digamos, leitmotiv de

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enfrentar este grave problema que diz respeito a todos os órgãos e, especial‑mente, ao Poder Judiciário nesta quadra da vida brasileira�

Tenho para mim que, em relação ao CNJ, Senhor Presidente, se bem hauri do voto, são sugestões que Sua Excelência o Relator fez� E, à página 44, vejo, nos termos do voto, que o Relator acentuou: Caberá ao CNJ ampla liberdade para avaliar e desenvolver as propostas que entender adequadas ou outras que venham a surgir�

E, portanto, nesses termos, creio que há um consonância das observações que Vossa Excelência fez com os projetos e programas importantes que o Conselho Nacional de Justiça desenvolve sob a Presidência de Vossa Excelência�

E, levando em conta também, permito‑me associar aos elogios feito por Sua Excelência o Relator e ao trabalho desenvolvido pela Doutora Maria Tereza Willy Gomes� Em nosso gabinete, aliás, também estamos estudando a metodologia do Método BI para o acompanhamento e julgamento de habeas corpus�

Senhor Presidente, associando‑me, portanto, às preocupações de Sua Exce‑lência o Relator, e nesse ensejo também enaltecendo as iniciativas de Vossa Excelência na Presidência do Conselho Nacional de Justiça, quero dizer que, com gosto, acompanho integralmente o voto de Sua Excelência�

OBSERVAÇÃO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu apenas observo – e com todo o respeito –, na última página, que há uma determinação ao Conselho Nacional de Justiça� Se houvesse uma sugestão, uma recomendação, eu acataria de plano, sem nenhum problema�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Eu não vejo nenhum problema de determinar, Presidente, porque nós, recentemente, num caso de Vossa Exce‑lência, determinamos que o Poder Executivo cumprisse medidas relativas à construção de presídios, ou à reforma de presídios� Aqui, o que estamos fazendo, de fato, é um decisão de caráter judicial, para que o Conselho cumpra funções que ele já tem definidas na própria legislação�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Se Vossa Excelência me permitir, por exemplo, nos vários casos que nós decidimos, proibimos o contin‑genciamento do Fundo Penitenciário, nós autorizamos que, por meio de ações civis públicas, o Ministério Público promovesse ou determinasse, evidentemente com anuência do Poder Judiciário, reformas de caráter emergencial no presídio, mas nós não chegamos, pelo que me recordo, a descer a minúcias e determinar

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que, no presídio tal, ou em determinado programa, o Poder Executivo fizesse ou deixasse de fazer tal ou qual atividade�

A observação que faço é que a determinação, na forma com que foi exarada no voto de Vossa Excelência, de certa maneira colide, ou se superpõe, diga‑mos assim, com as medidas que nós já estamos tomando efetivamente� Se isto viesse como uma recomendação, nós do Conselho, de bom grado, aceitaríamos e faríamos todos os esforços para aperfeiçoarmos ainda mais o trabalho que levamos a cabo�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Não se trata de recomendação, mas de medidas que são necessárias� Eu até entendo que esse tipo de julgamento, como aqueles casos a que me referi, independentemente de ser agora do CNJ ou qualquer outra instituição – o próprio Procurador‑Geral já pede cópia integral do voto para implementar no âmbito do CNMP –, são medidas importantes para que haja eventualmente desdobramentos� Por quê? Porque a decisão não se exaure na simples determinação, é necessário um acompanhamento, aquilo que, na ADPF, com muita propriedade, apresentou‑se como um estado de coisa inconstitucional� Quer dizer, notoriamente temos, aqui, um situação que precisa ser monitorada e superada� E o que é preciso? Que o Tribunal tenha informações para, inclusive, prosseguir nessa tarefa de acompanhar esse processo� Daí haver o Órgão central que integra o Judiciário, o CNJ integra administrativamente o Judiciário, e estar se determinando que ele apresente esses dados ao Tribunal para se faça a avalia‑ção – não vejo nenhuma questão em relação a isso –, para que esses dados sejam fornecidos, a fim de que o próprio Plenário possa ter as avaliações�

Nós tivemos alguns casos em que deferimos ao Relator a possibilidade da trazer novamente a questão ao Plenário, exatamente por isso que eu chamei a atenção� Do que estamos falando? De um caso atípico, em que a decisão não se encerra com o pronunciamento, ela precisa ser acompanhada� Nós estamos diante de uma tarefa que exige um acompanhamento por parte do Plenário� Aqui, o que nós estamos pedindo são subsídios, e que o Conselho forneça os subsídios� E ele tem essas competências, nos termos da Constituição e da lei� É só isso�

DEBATE

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, é dispensável dizer da impor‑tância deste caso� O próprio voto do Ministro Relator demonstrou isso� Eu gos‑taria de me associar aos elogios ao voto do Ministro Gilmar Mendes, que trouxe uma solução de caráter sistemático�

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Do estrito ponto de vista do recurso, cria‑se um dilema� O recurso sustenta: o Poder Judiciário não pode impor um regime menos gravoso do que aquele que a lei determina� Esse é o ponto central do recurso� Ora, se isso é verdade, é muito mais verdade que o Judiciário não pode impor ao prisioneiro um sistema mais grave do que aquele que a lei prevê� Esse é o dilema, pois em qualquer caso não se atende satisfatoriamente aquilo que está na lei� E o que está na lei não pode ser atendido não por falta de vontade, mas por uma situação de fato� A lei não dispõe expressamente sobre esta situação de fato: o que fazer se não existem vagas? Isso é um fato� Portanto, diante dessa omissão da lei ou dessa falta de lei, o Judiciário tem que intervir�

Aqui não se trata, de modo algum, de ativismo judicial no sentido pejorativo, pelo contrário, trata‑se de uma intervenção judicial legítima naquele sentido ortodoxo� Na falta de lei, o juiz não pode se eximir de solucionar a questão� A Lei de Introdução ao Código Civil e o próprio Código de Processo dizem que, na falta de lei, o juiz não pode se eximir� Ele tem que encontrar a solução na analogia, nos costumes e nos princípios gerais de Direito� E nós temos, aqui, um problema que é sistêmico� De modo que essa intervenção que está sendo feita, com a proposta do Ministro Gilmar, simplesmente representa uma intervenção legítima do Judiciário�

E a solução é importante porque não se pode dizer que ela está ofendendo a separação de Poderes� As diligências e medidas propostas se exaurem no âmbito do próprio sistema judicial de execução das penas� Envolvem, certa‑mente, medidas de caráter administrativo, mas que são também próprias do Judiciário quando administra a execução das penas� Aqui, no máximo, poderia se dizer que fora do Judiciário conclama apenas a participação do Ministério Público, que, aliás, é uma participação também normal dentro do sistema de cumprimento das penas�

Preocupei‑me, Senhor Presidente, com isso que Vossa Excelência colocou, da necessária integração com o CNJ� Vossa Excelência colocou que, na prática, o CNJ já está implementando medidas dessa natureza, semelhantes� Então, parece‑me que não temos aqui um problema propriamente de conflito entre o Supremo e o CNJ� De qualquer modo, nós temos uma decisão de caráter juris‑dicional que, de alguma forma, há de se encontrar um meio de ser cumprida�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Vossa Excelência me permite?

O sr. ministro Teori Zavascki: Claro�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): É que o CNJ tem

competências constitucionalmente estabelecidas e vem cumprindo essas

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competências, tem também um Regimento Interno que dispõe sobre como elaborar as políticas que lhe são afetas� E, de certa maneira, na medida em que o Supremo Tribunal Federal pontualmente estabelece que deve aprofundar programas como este Começar de Novo, é um programa que pode estar ou não superado, já em função de outros programas que estão em andamento� Quer dizer, eu entendo que, quando o Supremo Tribunal Federal elege o Presidente do Supremo e, por consequência, o Presidente do CNJ, está delegando a este seu representante junto ao CNJ a execução de todas as políticas que estão afetas ao Órgão�

Agora, eu não me oponho, aliás, em quarenta e oito horas eu posso trazer todos esses dados e fornecer a Vossas Excelências antes do final do ano� Eu acho que o Supremo Tribunal Federal não pode ou pelo menos não deveria determinar a um órgão – que tem autonomia administrativa e competências fixadas cons‑titucionalmente – obrigações dessa natureza, de natureza pontual, no varejo, porque nós fazemos essa política já no atacado� É como se Procurador‑Geral da República determinasse ao CNMP, que também é um órgão autônomo, que possui competências constitucionalmente estabelecidas, determinadas ações�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Comparar o Procurador‑Geral com o Supremo Tribunal Federal em função jurisdicional é uma impropriedade que não pode transitar em julgado�

Eu só queria dizer o seguinte, a questão do trabalho do preso, tenha o nome que tiver, senão vamos ficar naquela disputa do Bolsa Família com a Bolsa Escola, com os estelionatos eleitorais que se fazem� Não é disso que se cuida�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): O CNJ não faz nenhum estelionato�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Eu chamei de programa Começar de Novo, ou o programa que faça as vezes de, senão fica muito engraçado; vamos tratar as pessoas com a devida seriedade�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Vossa Excelência está dizendo que eu não estou tratando com a devida seriedade?

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): CANCELADO�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Não, absolutamente!

Peço que Vossa Excelência retire isso!O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): CANCELADO�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu também não sou

de Mato Grosso�O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): CANCELADO�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Vossa Excelência me

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desculpe, Vossa Excelência está fazendo ilações incompatíveis com a seriedade do Supremo Tribunal Federal�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): CANCELADO�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Não estou insinuando

nada� Eu não faço insinuações, eu digo diretamente, Ministro, o que eu tenho a dizer� Não insinuo nada�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Vossa Excelência está insinuando que o nome é politicamente incorreto� Não é disso que se cuida� Nós podemos determinar, sim, ao CNJ�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Não estou insinuando, estou dizendo que nós temos programas próprios� E Vossa Excelência está intro‑duzindo um componente político na sua fala�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Pouco importa�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Isso é evidente quando

fez alusão a programas do Poder Executivo� E querendo, de certa maneira, con‑fundir essa política do Poder Executivo com as nossas políticas que estamos levando a efeito no CNJ� Não temos nada a ver com isso�

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): É o programa de trabalho de preso� É disso que estamos falando� Só isso�

O sr. ministro Luiz Fux: Senhor Presidente, pela ordem�Eu tenho a impressão de que isso é uma questão tão diminuta em relação à

essência do voto� Na verdade, pelo que se lê, a intenção do voto foi das melhores de sugerir que se desse azo a esses programas, dá para se entender bem assim� Até para falar em tom jocoso, nós poderíamos dizer que pode ter um outro nome, porque esse Começar de Novo pode levar a uma ideia de que é para começar a fazer errado tudo de novo que fez, para poder novamente entrar no sistema penitenciário� De sorte que o nome é absolutamente indiferente, mas o voto sinaliza bem com a ideia das boas intenções que ele propugna� Acho que isso não deveria ser motivo de controvérsia entre nós�

O sr. ministro Marco Aurélio: Estamos julgando um recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, e foi formalizado contra acórdão do Tribunal de Justiça, e não contra possível ato omissivo do Conselho Nacional de Justiça�

O sr. ministro Luiz Fux: Realmente não é objeto� Por isso que eu entendo que foi uma sugestão�

O sr. ministro Marco Aurélio: Por isso é que, ao chegar a minha vez de votar, ficarei limitado à controvérsia do processo subjetivo� Não irei adiante�

O sr. ministro Luiz Fux: Eu também tive essa percepção de Vossa Excelência,

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por isso entendi que foi uma sugestão de boa intenção, no final do voto, muito embora, realmente, isso não seja objeto do recurso�

O sr. ministro Marco Aurélio: Já é tão difícil julgar o caso concreto, considera‑das as balizas do processo, o que se dirá quanto à solução dos problemas do Brasil!

O sr. ministro Luiz Fux: Vossa Excelência tem razão�

PEDIDO DE VISTA

O sr. ministro Teori Zavascki: Presidente, em primeiro lugar gostaria de dizer que Vossa Excelência não foi descortês, dadas as circunstâncias que se apresen‑tavam� Vossa Excelência foi muito prudente em suspender o julgamento do caso�

Eu vou pedir vista�

OBSERVAÇÃO

O sr. ministro Gilmar Mendes (Relator): Senhor Presidente, eu só quero regis‑trar, a propósito das discussões trazidas, dois aspectos�

Primeiro, que não há, da minha parte, nenhuma visão quanto à possibi‑lidade de que o Tribunal reste prejudicado de dar ordens, determinações ao CNJ� A toda hora, nós fazemos isso� O CNJ foi composto pelo Supremo Tribunal Federal desde seu início, com as várias ADIns� E, neste caso, trata‑se de pedir ao CNJ subsídios para exercício das funções, que são funções jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal� Se nós pudéssemos fazer esse tipo de registro, não poderíamos sequer conceder mandado de segurança e, a toda hora, concedemos em relação ao CNJ� Também, não poderíamos julgar processos do TSE, porque o TSE é composto por três ministros do próprio Supremo Tribunal Federal� De modo que só para fazer esse registro�

E aqui temos realmente uma situação totalmente atípica, que procurei demonstrar em meu voto� A decisão, que é a mais fácil, mas o que se diz é que, em geral, todo problema é complexo e demanda uma situação simples e nor‑malmente errada; é mandar que aquele que é beneficiário ou que é condenado, no caso, para cumprir uma sentença no regime semiaberto, e não há vagas, vá para casa� Mas nós vimos que isso, na verdade, ajuda a compor o quadro de injustiça e de insuficiência de vagas em relação a isso�

Por outro lado, também, em relação a modos, meios, programas etc�, o que interessa é que o CNJ é competente pelo DMF para exercer as atividades no que diz respeito a reintegração, ressocialização, trabalho e estudo� Se, de fato, a nominata dos programas mudou, isso não tem nenhuma relevância para os

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fins da determinação judicial� Trata‑se de cumprir funções institucionais que foram conferidas pelo legislador�

OBSERVAÇÃO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu não vou polemizar sobre esse assunto, tudo o que tinha a dizer já disse na sessão de ontem�

O CNJ é um órgão autônomo, com competências constitucionalmente fixa‑das e tem uma política, relativamente ao sistema prisional, muito sofisticada e muito avançada, e está avançando ainda mais�

E agora, com a vista do eminente Ministro Teori Zavascki, eu já determinei e, portanto, tenho certeza de que Vossas Excelências receberão no curtíssimo prazo, certamente antes da volta do voto‑vista do Ministro Teori Zavascki, todos os detalhes da política que o CNJ está traçando e levando a efeito no que tange ao sistema prisional em conjunto com todos os Tribunais de Justiça do País, os Tribunais Regionais Federais, o Ministério da Justiça, o Departamento Penitenciário e também todos os demais órgãos envolvidos na questão, inclu‑sive, órgãos internacionais: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Organização dos Estados Americanos� Então, Vossas Excelências, em breve, terão todo esse material, antes mesmo que o Supremo o solicite�

EXTRATO DE ATA

RE 641�320/RS — Relator: Ministro Gilmar Mendes� Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (Procurador: Procurador‑Geral de Jus‑tiça do Estado do Rio Grande do Sul)� Recorrido: Luciano da Silva Moraes (Pro‑curador: Defensor Público‑Geral do Estado do Rio Grande do Sul)� Amici curiae: Instituto de Defesa do Direito de Defesa (Advogado: Arnaldo Malheiros Filho) e Defensoria Pública da União (Procurador: Defensor Público‑Geral Federal)�

Decisão: Após o voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator), dando parcial provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Ministro Edson Fachin, o julgamento foi suspenso� Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Bar‑roso, representando o Supremo Tribunal Federal no evento “O poder das cortes constitucionais no mundo globalizado”, na Universidade de Nova York� Fala‑ram, pelo recorrido, o Dr� Rafael Raphaelli, Defensor‑Público do Estado; pelo amicus curiae Defensoria Pública da União, o Dr� Haman Tabosa de Moraes e Córdova, Defensor Público‑Geral Federal; pelo Ministério Público Federal, o

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Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador‑Geral da República� Pre‑sidência do Ministro Ricardo Lewandowski� Plenário, 2‑12‑2015�

Decisão: Chamado o feito para continuação do julgamento, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki� Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Roberto Barroso, este representando o Supremo Tribunal Federal no evento “O poder das cortes constitucionais no mundo globalizado”, na Univer‑sidade de Nova York� Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Edson Fachin� Vice‑Procurador‑Geral da República, em exercício, o Dr� Eugenio José Guilherme de Aragão�

Brasília, 3 de dezembro de 2015 — Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Asses‑sora‑Chefe do Plenário�

VOTO-VISTA

O sr. ministro Teori Zavascki: 1� A matéria constitucional objeto do presente recurso extraordinário está assim sumariada na ementa do acórdão que reco‑nheceu a existência de repercussão geral:

Constitucional� 2� Direito Processual Penal� 3� Execução Penal� 4� Cumprimento de pena em regime menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal� 5� Violação dos artigos 1º, III, e 5º, II, XLVI e LXV, ambos da Constituição Federal� 6� Repercussão geral reconhecida�

O Ministro Gilmar Mendes, relator, em sessão do dia 2‑12‑2015, concluiu seu voto com a seguinte deliberação:

“Ante o exposto, resolvo a controvérsia com repercussão geral fixando o enten‑dimento de que:

a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso;

b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destina‑dos aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados tais regimes� São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como ‘colônia agrícola, industrial ’ (regime semiaberto) ou ‘casa de albergado ou estabelecimento adequado’ (regime aberto) (art� 33, § 1º, alíneas b e c);

c) havendo déficit de vagas, deverá determinar‑se: (i) a saída antecipada de sen‑tenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta

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de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao senten‑ciado que progride ao regime semiaberto� Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado�”

Para o efeito de viabilizar a efetivação da proposta do item c do seu voto, considerou S� Exa� ser indispensável o concurso do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, alvitrando as seguintes providências, a serem desenvolvidas no âmbito daquele Conselho:

“a) em 180 dias, contados da conclusão deste julgamento, (i) projeto de estrutu‑ração do Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo o banco de dados conter informações suficientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção da pena; (ii) relatório sobre a implementa‑ção das centrais de monitoração e penas alternativas, acompanhado, se for o caso, de projetos de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas;

b) em 1 ano, relatório com projetos para aumentar (i) a oferta de estudo e traba‑lho aos sentenciados; (ii) o número de vagas nos regimes semiaberto e aberto�”

O voto foi acompanhado pelo Ministro Edson Fachin� Eu mesmo também emiti manifestação acolhendo a tese proposta pelo Ministro relator, mas o julgamento acabou suspenso, naquela data, em razão do debate, que então se travou, sobre o modo como se cometeria ao Conselho Nacional de Justiça as providências que lhe tocariam, segundo o que fora proposto: se em forma de determinação ou de recomendação� Por isso, na continuidade, em 3‑12‑2015, pedi vista�

Verifiquei, todavia, que essa questão, no caso específico, acabou ficando pre‑judicada� É que, como informou o Ministro Presidente, na sessão ocorrida no dia 3‑12‑2015, as políticas desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais locais, já contemplam providências, ainda que com outra denominação, que atendem satisfatoriamente ao proposto pelo Ministro relator e que, em face do pedido de vista, já determinara que as correspondentes informações chegassem a cada um dos Ministros da Corte, em curtíssimo prazo�

Realmente, a preocupação de dar solução ao gravíssimo problema carcerário no Brasil tem sido, como sabemos, pauta importante das atenções, não somente desta Suprema Corte, como também, de modo específico, do Conselho Nacional de Justiça, que, seja por imposição de lei, seja para dar cumprimento a decisões do Supremo, desenvolve importantes e permanentes políticas nesse sentido� Agora, mais uma vez, há, como visto, uma inegável convergência de opiniões sobre a inadiável necessidade de adotar medidas concretas que permitam, tal como apontado pelo Ministro Relator, se não eliminar, pelo menos atenuar as

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graves consequências práticas decorrentes da inexistência de vagas suficientes para viabilizar a adequada execução das sentenças condenatórias no que toca ao regime de cumprimento da pena imposta� Seja em forma de recomendação, seja em forma de determinação, o que importa é que a participação do Conselho Nacional de Justiça é indispensável e, no caso, está sendo atendida�

2� Com essas considerações, reafirmo o voto proferido anteriormente, acom‑panhando o Ministro Relator� É o voto�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: O processo mostra‑se subjetivo, e observo as balizas constantes do acórdão e das razões do recurso, que é do Ministério Público� Como decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul? Enquanto não houver vaga para a observância do título judicial condenatório penal, ou seja, no regime semiaberto, ter‑se‑á que implementar o domiciliar� A jurisprudência surge nesse sentido� Cumpre ao Estado aparelhar‑se para que haja a submissão irrestrita ao título condenatório� Inconcebível é o réu perma‑necer em regime mais gravoso – fechado – do que o previsto na decisão judicial�

Sustenta o Ministério Público que essa óptica não deve prevalecer e que se há de potencializar o interesse público – o subjetivismo grassa para definir‑se o que se entende como interesse público –, não se passando, fora das situações jurídicas previstas na Lei de Execuções Penais, para o regime domiciliar�

Ante esses parâmetros subjetivos e objetivos, limito‑me a desprover o recurso do Ministério Público�

VOTO

O sr. ministro Celso de Mello: Cabe destacar, desde logo e uma vez mais, na linha do voto por mim proferido no julgamento do RE 592�581/RS, a situação precária e caótica do sistema penitenciário brasileiro, cuja prática, ao longo de décadas, vem subvertendo as funções primárias da pena, constituindo, por isso mesmo, expressão lamentável e vergonhosa da inércia, da indiferença e do des‑caso do Poder Executivo, cuja omissão tem absurdamente propiciado graves ofen-sas perpetradas contra o direito fundamental, que se reconhece ao sentenciado, de não sofrer, na execução da pena, tratamento cruel e degradante, lesivo à sua incolumidade moral e física e, notadamente, à sua essencial dignidade pessoal�

A questão penitenciária, em nosso País, transcendendo a esfera mera-mente regional, tem-se constituído, já há várias décadas, em problema de

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dimensão eminentemente nacional, tal a magnitude que nesse campo assumiu o crônico (e lesivo) inadimplemento das obrigações estatais, resultante do inaceitável desprezo governamental pelas normas que compõem a própria Lei de Execução Penal�

Não hesito em reafirmar, por isso mesmo, Senhor Presidente, a partir de minha própria experiência como Juiz desta Suprema Corte e, também, como antigo representante do Ministério Público paulista, tendo presente a situa-ção dramática e cruel constatada no modelo penitenciário nacional, que se vive, no Brasil, em matéria de execução penal, um mundo de ficção que revela um assustador universo de cotidianas irrealidades em conflito e em completo divórcio com as declarações formais de direitos que – embora contempladas no texto de nossa Constituição e, também, em convenções internacionais e resoluções das Nações Unidas, como as Regras de Mandela (Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos) – são, no entanto, descum-pridas pelo Poder Executivo, a quem incumbe viabilizar a implementação do que prescreve e determina, entre outros importantes documentos legislativos, a Lei de Execução Penal�

Insista-se, portanto, Senhor Presidente, na seguinte asserção: o fato preocu-pante é que o Estado, agindo com absoluta indiferença em relação à gravidade da questão penitenciária, tem permitido, em razão de sua própria inércia, que se transgrida o direito básico do sentenciado de receber tratamento peniten-ciário justo e adequado, vale dizer, tratamento que não implique exposição do condenado a meios cruéis ou moralmente degradantes, fazendo-se respeitar, desse modo, um dos mais expressivos fundamentos que dão suporte ao Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana (CF, art� 1º, III)�

A razão desse meu posicionamento apoia-se no fato de que o Poder Execu‑tivo, a quem compete construir estabelecimentos penitenciários, viabilizar a existência de colônias penais (agrícolas e industriais) e de casas do albergado, além de propiciar a formação de patronatos públicos e de prover os recursos necessários ao fiel e integral cumprimento da própria Lei de Execução Penal, forjando condições que permitam a consecução dos fins precípuos da pena, em ordem a possibilitar “a harmônica integração social do condenado e do internado” (LEP, art� 1º, “in fine”), não tem adotado as medidas essenciais ao adimplemento de suas obrigações legais, muito embora a Lei de Execução Penal (que é de 1984) preveja, em seu art. 203, decorridos, portanto, quase 32 anos do início de sua vigência (!!!), mecanismos destinados a compelir as unidades federadas a projetarem a adaptação e a construção de estabelecimentos e ser‑viços penais previstos em referido diploma legislativo, inclusive com expressa

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determinação para que forneçam os equipamentos necessários ao regular funcionamento do sistema penitenciário�

É por isso que acolhi, no julgamento plenário do RE 592�581/RS, Rel� Min� RICARDO LEWANDOWSKI, a tese segundo a qual se revela lícito ao Poder Judiciário “(…) impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”�

A questão ora em exame resulta desse verdadeiro estado de coisas incons-titucional que deprecia o sistema prisional brasileiro (ADPF 347 MC/DF, Rel� Min� MARCO AURÉLIO), cuja realidade opressiva compromete e, até mesmo, subverte, como acentuei em passagem anterior deste voto, a própria eficácia da pena�

Não se revela aceitável, desse modo, que, por (crônicas) deficiências estrutu-rais do sistema penitenciário ou por incapacidade de o Estado prover recursos materiais que viabilizem a implementação das determinações impostas pela Lei de Execução Penal – que constitui exclusiva obrigação do Poder Público –, venha a ser frustrado o exercício, pelo sentenciado, de direitos subjetivos que lhe são conferidos pelo ordenamento positivo, como, p. ex., o de iniciar, desde logo, quando assim ordenado na sentença (como sucede no caso), o cumprimento da pena em regime de prisão domiciliar quando inexistentes vagas adequadas à execução da pena em regime semiaberto�

O E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao assegurar esse direito em favor do sentenciado, agiu de modo inteiramente correto, pois não tem sentido, uma vez reconhecido o preenchimento, pelo sentenciado, de con‑dições subjetivas e objetivas necessárias ao seu ingresso imediato no regime penal semiaberto, que venha ele a sofrer indevido excesso de execução (LEP, art� 185), por efeito do descumprimento, por parte do Estado, da obrigação de prover, no âmbito do sistema penitenciário local, estabelecimentos adequados à fiel execução da pena�

O Supremo Tribunal Federal, ao examinar essa controvérsia, tem-se pro-nunciado no sentido de impedir que a inércia do aparelho estatal vulnere, injus‑tamente, o “status poenalis” do sentenciado, expondo-o, abusivamente, a trata‑mento penitenciário infringente do ordenamento positivo e transgressor dos direitos subjetivos garantidos ao condenado em decisão judicial transitada em julgado:

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“Regime de cumprimento de pena: concedido o regime inicial semiaberto, não é dado impor a permanência do condenado, em regime fechado, à espera de vaga em estabelecimento adequado àquele menos severo que lhe foi deferido na sentença: informada a existência de vaga para o regime semiaberto, concede-se parcialmente o ‘ habeas corpus’ para que, uma vez preso, seja o paciente imediata-mente encaminhado ao estabelecimento adequado à sua aplicação.” (HC 76�930/SP, Rel� Min� SEPÚLVEDA PERTENCE – Grifei)

Esse mesmo entendimento, por sua vez, tem o beneplácito da jurispru‑dência desta Suprema Corte (RTJ 127/926, Rel� Min� FRANCISCO REZEK – RTJ 133/793, Rel� Min� MARCO AURÉLIO – RTJ 167/185-186, Rel� Min� NÉRI DA SIL‑VEIRA – HC 87.985/SP, Rel� Min� CELSO DE MELLO – RHC 65�127/SP, Rel� Min� CARLOS MADEIRA) e, ainda, do E. Superior Tribunal de Justiça (RT 669/371 – RT 735/516 – HC 13.526/SP, Rel� Min� VICENTE LEAL – HC 13.897/SP, Rel� Min� JOSÉ ARNALDO DA FONSECA – HC 48�629/MG, Rel� Min� HAMILTON CARVA‑LHIDO – HC 66�806/MG, Rel� Min� GILSON DIPP – REsp 574�511/SP, Rel� Min� PAULO MEDINA – RHC 18�802/MG, Rel� Min� NILSON NAVES, v.g.), valendo referir, ante a sua extrema pertinência, decisões proferidas, nessa matéria, pelo Supremo Tribunal Federal consubstanciadas em acórdãos assim ementados:

“CRIMINAL. Regime prisional. Constrangimento ilegal consistente na permanên-cia no regime fechado, mesmo após beneficiado com a progressão para o regime semiaberto. Ordem concedida para que seja providenciada a imediata remoção do paciente para estabelecimento penal destinado ao regime semiaberto.” (RTJ 129/1153, Rel� Min� CARLOS MADEIRA – Grifei)

“HABEAS CORPUS’ – SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE ASSEGURA AO RÉU O DIREITO AO REGIME PENAL SEMIABERTO – IMPOSSIBILIDADE MATERIAL, POR PARTE DE ÓRGÃO COM-PETENTE DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO, DE VIABILIZAR A EXECUÇÃO DESSA MEDIDA – DETERMINAÇÃO, PELO MAGISTRADO LOCAL, DE RECOLHIMENTO DO CONDENADO A QUALQUER ESTABELECIMENTO PRISIONAL DO ESTADO, MESMO ÀQUELE DE SEGURANÇA MÁXIMA, ATÉ QUE O PODER PÚBLICO VIABILIZE, MATERIALMENTE, O INGRESSO DO SENTENCIADO NO REGIME PENAL SEMIABERTO (COLÔNIA PENAL AGRÍ-COLA E/OU INDUSTRIAL) – INADMISSIBILIDADE – AFRONTA A DIREITO SUBJETIVO DO SENTENCIADO – HIPÓTESE CONFIGURADORA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO – PEDIDO DEFERIDO.

– O inadimplemento, por parte do Estado, das obrigações que lhe foram impos-tas pela Lei de Execução Penal não pode repercutir, de modo negativo, na esfera jurídica do sentenciado, frustrando-lhe, injustamente, o exercício de direitos sub-jetivos a ele assegurados pelo ordenamento positivo ou reconhecidos em sentença emanada de órgão judiciário competente, sob pena de configurar-se, se e quando ocorrente tal situação, excesso de execução (LEP, art. 185).

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Não se revela aceitável que o exercício, pelo sentenciado, de direitos subjetivos – como o de iniciar, desde logo, porque assim ordenado na sentença, o cumpri-mento da pena em regime menos gravoso – venha a ser impossibilitado por notó-rias deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por crônica incapacidade do Estado de viabilizar, materialmente, as determinações constantes da Lei de Execução Penal.

– Consequente inadmissibilidade de o condenado ter de aguardar, em regime fechado, a superveniência de vagas em colônia penal agrícola e/ou industrial, embora a ele já reconhecido o direito de cumprir a pena em regime semiaberto.

– ‘Habeas corpus’ concedido, para efeito de assegurar ao sentenciado o direito de permanecer em liberdade, até que o Poder Público torne efetivas, material e operacionalmente, as determinações (de que é o único destinatário) constantes da Lei de Execução Penal.” (HC 93.596/SP, Rel� Min� CELSO DE MELLO)

A “ratio” subjacente a essa orientação – que também traduz a posição domi-nante na jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 609/325 – RT 613/319 – RT 645/285 – RT 672/312 – RT 679/332 – RT 728/552 – RT 759/627, v.g.) – encon-tra apoio no próprio magistério da doutrina (RENÉ ARIEL DOTTI, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p� 568, 2ª ed�, 2004, Forense), cumprindo relem-brar, a propósito desse tema, a lição de SIDNEI AGOSTINHO BENETI (“Exe-cução Penal”, p� 57/58, 1996, Saraiva):

“O Estado, ente jurídico, não pode agir fora da legalidade, pena de incidir em ‘contradictio in terminis’ que o desnaturaria em mero Estado de força, despojado das características de Estado de Direito. ‘A derradeira garantia inerente ao devido processo penal, objeto deste estudo, é a da legalidade da execução penal. Faz-se ela, com efeito, e como antes também acenado, indispensável e inarredável com-plemento de todas as outras, reintegráveis no processo de execução da sentença penal condenatória’.

Se já não se pode fugir da legalidade no âmbito cível, em que há direitos dispo-níveis, com muito mais razão não se pode no âmbito da execução penal, que lida com a suspensão temporária de direitos de que o condenado não poderia renunciar em favor do Estado ou da vítima. Ainda: o Estado, guardião do Direito, não pode, por exigência lógico-jurídica, ser autor de infrações ao direito de ninguém, pena de caracterizar-se o arbítrio.

Daí a consequência de o título executivo penal ter de executar-se na exata medida da restrição ao direito do condenado estabelecida pela sentença, a qual, por sua vez, não pode impor ao condenado pena mais grave do que a prescrita para a infração penal – ainda que a possa aplicar menos grave, como ocorre no caso de condena-ção após anulação de anterior sentença. A execução jamais poderá realizar-se além da literalidade do título executório penal, pena de configurar-se excesso de execução.” (Grifei)

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A situação a que se acha submetido o sentenciado, no caso ora em exame, mostra-se incompatível com o que prescrevem – e determinam – a Cons‑tituição da República, de um lado, e a Lei de Execução Penal, de outro, pois a incapacidade do Poder Público de adotar as providências necessárias ao cumprimento das diretrizes que lhe impõe o ordenamento positivo submete o condenado em questão a injusto constrangimento ao seu “status libertatis”, por efeito de um inaceitável desvio de finalidade no processo de execução da pena, com frontal vulneração a direitos fundamentais legitimados pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (CF, art� 1º, III), da legalidade (CF, art� 5º, XXXIX) e da individualização da pena (CF, art� 5º, XLVI)�

Sendo assim, e em face das razões expostas, acompanho, integralmente, o doutíssimo voto proferido pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, Relator da presente causa, acolhendo, inclusive, quanto ao Tema 423 da repercussão geral, a tese que Sua Excelência propôs�

É o meu voto�

VOTO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu vou pedir vênia ao emi‑nente Ministro Marco Aurélio para também acompanhar o Ministro Gilmar Mendes nas providências que Sua Excelência determina, em seu voto, no que diz respeito às alternativas à prisão domiciliar� A prisão domiciliar é aquela em que o preso fica praticamente sem qualquer tipo de supervisão e, como alternativas prévias à prisão domiciliar, que me parecem bastante razoáveis, há a saída ante‑cipada do sentenciado do regime, tendo em vista a falta de vagas, a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto, o cumprimento de penas restritivas de direito e o estudo, ao recorrido, após a progressão ao regime aberto�

Então, parece‑me que isso dá mais segurança ao sistema, porque não se trata de simplesmente conceder desde logo, sem maior reflexão por parte do juízo de execução, a prisão domiciliar� Existem alternativas que dão mais garantias à sociedade�

E, quanto às determinações ao Conselho Nacional de Justiça, embora me pareçam bastante interessantes e reflitam a preocupação de Sua Excelência, para que, em 180 dias, proceda‑se à estruturação do Cadastro Nacional de Presos� Aí, eu queria consignar que o Departamento Penitenciário do Ministé‑rio da Justiça, juntamente com o DMF, que é o Departamento que cuida desse setor no CNJ, já fez um cadastro nacional de presos, e já há agora um sistema

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eletrônico unificado de execução penal, que está sendo implantado em vários Estados do Brasil de forma bastante avançada� E também os demais programas que foram aqui mencionados, por Sua Excelência, já tiveram um incremento e já se alteraram e têm outra natureza, embora a raiz seja a mesma, de maneira que, enfim, como há um prazo de 180 dias, certamente a Ministra Cármen Lúcia, à frente do CNJ, saberá prestar as informações determinadas nesse acórdão�

Eu, então, acompanho o Ministro Gilmar Mendes, dando provimento parcial�

EXTRATO DE ATA

RE 641�320/RS — Relator: Ministro Gilmar Mendes� Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (Procurador: Procurador‑Geral de Jus‑tiça do Estado do Rio Grande do Sul)� Recorrido: Luciano da Silva Moraes (Pro‑curador: Defensor Público‑Geral do Estado do Rio Grande do Sul)� Amici curiae: Instituto de Defesa do Direito de Defesa (Advogado: Arnaldo Malheiros Filho) e Defensoria Pública da União (Procurador: Defensor Público‑Geral Federal)�

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, observe‑se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao recorrido após progressão ao regime aberto, vencido o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o recurso� Em seguida, o Tribunal, apreciando o tema 423 da repercussão geral, fixou tese nos seguintes termos: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes� São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento ade-quado” (regime aberto) (art� 33, § 1º, alíneas b e c); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar‑se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto� Até que sejam estruturadas as medidas alternati‑vas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado� Ausente,

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justificadamente, o Ministro Dias Toffoli� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski� Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin� Procurador‑Geral da República, Dr� Rodrigo Janot Monteiro de Barros�

Brasília, 11 de maio de 2016 — Maria Sílvia Marques dos Santos, Assessora‑‑Chefe do Plenário�

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 648.629 — RJ

Relator: O sr. ministro Luiz FuxRecorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSRecorrida: Carmem Pereira da Silva

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO� REPERCUSSÃO GERAL RECO‑NHECIDA� RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS� PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS OCUPANTES DE CARGO DE PROCURADOR FEDERAL (ART� 17 DA LEI Nº 10�910/2004)� INAPLICABILIDADE� PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS� CONTRADITÓRIO (ART� 5º, LV, DA CRFB)� ACESSO À JUSTIÇA (ART� 5º, XXXV, DA CRFB)� SIMPLICIDADE DO PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO (ART� 98, I, DA CRFB)� ART� 9º DA LEI Nº 10�259/2001� AGRAVO CONHECIDO E RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO�

1� A isonomia é um elemento ínsito ao princípio constitucional do contraditório (art� 5º, LV, da CRFB), do qual se extrai a necessi‑dade de assegurar que as partes gozem das mesmas oportunidades e faculdades processuais, atuando sempre com paridade de armas, a fim de garantir que o resultado final jurisdicional espelhe a jus‑tiça do processo em que prolatado� Doutrina (FERNANDES, Antonio Scarance� Processo penal constitucional� 4� ed� São Paulo: RT, 2005� p� 66; DINAMARCO, Cândido Rangel� Fundamentos do Processo Civil Moderno� São Paulo: RT, 1986� p� 92; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo� O princípio da igualdade processual� Revista da Procura‑doria‑Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v� 19; MOREIRA, José Carlos Barbosa� A garantia do contraditório na atividade de instru‑ção� RePro 35/231)�

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2� As exceções ao princípio da paridade de armas apenas têm lugar quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio entre as partes, e devem ser interpre‑tadas de modo restritivo, conforme a parêmia exceptiones sunt stric-tissimae interpretationis�

3� O rito dos Juizados Especiais é talhado para ampliar o acesso à justiça (art� 5º, XXXV, da CRFB) mediante redução das formalidades e aceleração da marcha processual, não sendo outra a exegese do art� 98, I, da Carta Magna, que determina sejam adotados nos aludidos Juizados “os procedimentos oral e sumariíssimo”, devendo, portanto, ser apreciadas cum grano salis as interpretações que pugnem pela aplicação “subsidiária” de normas alheias ao microssistema dos Juiza‑dos Especiais que importem delongas ou incremento de solenidades�

4� O espírito da Lei nº 10�259/01, que rege o procedimento dos Jui‑zados Especiais Federais, é inequivocamente o de afastar a incidência de normas que alberguem prerrogativas processuais para a Fazenda Pública, máxime em razão do que dispõe o seu art� 9º, verbis: “Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pes-soas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos”.

5� Não se aplica aos Juizados Especiais Federais a prerrogativa de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art� 17 da Lei n�º 10�910/2004, na medida em que neste rito especial, ante a simplicidade das causas nele julgadas, particular e Fazenda Pública apresentam semelhante, se não idêntica, dificuldade para o adequado exercício do direito de informação dos atos do pro‑cesso, de modo que não se revela razoável a incidência de norma que restringe a paridade de armas, além de comprometer a informalidade e a celeridade do procedimento�

6� Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário�

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos este autos, acordam os Ministros do Supremo Tri‑bunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, preliminarmente, em reconhecer a existência de matéria constitucional com repercussão geral a ser decidida, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Rosa

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Weber e Marco Aurélio, que entendiam tratar‑se de matéria infraconstitucional� O Tribunal resolveu questão de ordem, suscitada pelo Presidente, no sentido de converter o recurso extraordinário com agravo em recurso extraordinário e, desde logo, julgá‑lo, vencido o Ministro Marco Aurélio� No mérito, por maio‑ria de votos, em negar provimento ao recurso, vencido o Ministro Dias Toffoli� Votou o Presidente�

Brasília, 24 de abril de 2013 — Luiz Fux, Relator�

RELATÓRIO

O sr. ministro Luiz Fux: Trata‑se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto com fundamento no artigo 102, III, “a”, da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado do Rio de Janeiro�

Da leitura dos autos, verifica‑se que a Turma Recursal concluiu pela intempes‑tividade do recurso inominado interposto pelo INSS, por entender que a “inter-posição de recurso contra sentença proferida pelos Juizados Especiais Federais deve observar os critérios objetivos fixados no artigo 42, caput, da Lei n.º 9.099/1995, bem como a regra geral sobre contagem dos prazos, estabelecida no art. 506 do CPC”� Entendeu‑se aplicável o disposto no Enunciado 39 das Turmas Recursais:

“A obrigatoriedade de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art. 17 da Lei n.º 10.910/2004, não é aplicável ao rito dos Juiza-dos Especiais Federais.”

Em sede de embargos de declaração, esclareceu‑se que a intenção da norma do artigo 8º da Lei 10�259/2001 é possibilitar a intimação da sentença “por meio mais fácil”, o que não ocorreria com o recorrente, “autarquia federal devidamente instalada, com corpo de Procuradores funcionando em sua defesa, preparados para obtenção da intimação pelo meio ordinário previsto no artigo 236 do CPC”�

O Recurso Extraordinário, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social, indica violação ao artigo 5º, LIV e LV, da Constituição� Afirma o recor‑rente que o acórdão impugnado cerceia o direito de defesa e atenta contra o devido processo legal, ao afastar a aplicação do disposto no artigo 17 da Lei 10�910/2004, que determina a intimação pessoal dos ocupantes do cargo de Procurador Federal�

Não foram apresentadas contrarrazões�A repercussão geral da matéria foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal�É o relatório�

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VOTO

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): A questão debatida no presente Recurso Extraordinário se resume a definir se a prerrogativa processual da Fazenda Pública Federal de receber intimações pessoais, nos termos do art� 17 da Lei nº 10�910/2004 (“Art. 17. Nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procura-dor do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente”), tem aplicação no âmbito do procedimento dos Juizados Especiais Federais�

Para o julgamento da causa, há que se ter em mente que a isonomia é um elemento ínsito ao princípio constitucional do contraditório (art� 5º, LV, da CRFB), conforme ensina a doutrina especializada (FERNANDES, Antonio Sca‑rance� Processo penal constitucional� 4� ed� São Paulo: RT, 2005� p� 66; DINA‑MARCO, Cândido Rangel� Fundamentos do Processo Civil Moderno� São Paulo: RT, 1986� p� 92; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo� O princípio da igualdade processual� Revista da Procuradoria‑Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v� 19; MOREIRA, José Carlos Barbosa� A garantia do contraditório na atividade de instrução� RePro 35/231)� Tão íntima a relação entre os dois princípios que alguns juristas sustentam que o contraditório é a aplicação processual do prin‑cípio da isonomia�

Sendo assim, a regra é que as partes gozem das mesmas oportunidades e faculdades processuais, atuando sempre com paridade de armas, a fim de garantir que o resultado final jurisdicional espelhe a justiça do processo em que prolatado� As exceções legais, que têm lugar quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio entre as partes, devem ser interpretadas de modo restritivo, conforme a parêmia exceptiones sunt strictissimae interpretationis�

Além disso, também é relevante assentar que o rito dos Juizados Especiais é talhado para ampliar o acesso à justiça (art� 5º, XXXV, da CRFB) mediante redução das formalidades e aceleração da marcha processual� Essa a inegável intenção do constituinte ao determinar, no art� 98, I, da Carta Magna, a criação dos Juizados Especiais, no bojo dos quais devem ser adotados “os procedimen-tos oral e sumariíssimo”� Devem ser vistas cum grano salis as interpretações que pugnem pela aplicação “subsidiária” de normas alheias ao microssistema dos Juizados Especiais que importem delongas ou incremento de solenidades� Especificamente quanto ao caso sub judice, a Lei nº 10�259/01, que rege o pro‑cedimento dos Juizados Especiais Federais, expressamente estabelece, em seu art� 9º, que, verbis: “Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato

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processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos”. O espírito da lei, portanto, é inequivocamente o de afastar a incidência de normas que alberguem prerrogativas processuais para a Fazenda Pública�

Fixadas tais premissas, há que se concluir pela inaplicabilidade da prerro‑gativa de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art� 17 da Lei n�º 10�910/2004, ao procedimento dos Juizados Espe‑ciais Federais� À vista da simplicidade das causas versadas neste rito especial, tem‑se que particular e Fazenda Pública apresentam semelhante, se não idên‑tica, dificuldade para o adequado exercício do direito de informação dos atos do processo, de modo que não se revela razoável a incidência de norma externa ao microssistema legislativo analisado para não só restringir o princípio da isonomia entre as partes, mas também comprometer a informalidade e a cele‑ridade do procedimento�

Ex positis, conheço do agravo para negar provimento ao Recurso Extraordinário�

VOTO (Antecipação)

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Senhor Presidente, egrégio Plenário, ilustre representante do Ministério Público, ilustre advogado do INSS, que promoveu uma belíssima sustentação, nesta tribuna, e já não é a primeira vez que tive a oportunidade de assisti‑lo�

Senhor Presidente, eu gostaria de destacar alguns aspectos que foram aqui mencionados da tribuna, ainda que en passant, só para que nós não tenhamos pequenos obstáculos desnecessários�

Num primeiro momento, eu só quero esclarecer que todas as matérias cons‑titucionais que foram suscitadas foram devidamente prequestionadas� Então, muito embora, eventualmente, a Corte não tenha respondido, na verdade, não se vai anular para poder voltar, porque a Suprema Corte tem o entendimento da utilidade dos embargos de declaração, da sua finalidade, da sua importância, e basta que a parte tenha suscitado e discutido a questão, ainda que tenha sido omisso o Tribunal no julgamento dos embargos de declaração, considera‑se prequestionada a matéria para a finalidade da cognição da Corte�

Por outro lado, Senhor Presidente, talvez um argumento aqui utilizado, no final da sustentação, mas que é importante destacar, é que o eminente advogado, naturalmente, na sua atuação em prol da entidade, procura demonstrar que haveria uma desigualdade em relação a outros procuradores, representantes

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do poder público� Há uma pequena diferença: a própria lei dos juizados federais prevê essa intimação dos advogados federais, a própria lei, a lei invocada que, digamos assim, está imbricada nas cláusulas consectárias do devido processo legal, é uma lei, a Lei nº 10�910, que trata, exatamente, de procuradorias federais e entidades assemelhadas� É o que dispõe o artigo 17:

“Art� 17� Nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente�”

Então, esse dispositivo, que aqui é o dispositivo infraconstitucional que dá ensejo à alegação de violação direta da Constituição, como já foi reconhecido pelo próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal, no Recurso nº 427�339, men‑cionado na Tribuna, esse dispositivo sempre foi aplicado, no Superior Tribunal de Justiça, e sempre foi prestigiado num clima de lex generalis, ou seja, em geral, prevê a intimação em todos os processos dos procuradores federais e dos advogados do Banco Central do Brasil� Assim decidimos, lá, na Corte Especial, do Superior Tribunal de Justiça, e essa tem sido a regra�

Agora, evidentemente, o eminente advogado não citou nenhum caso de inti‑mação de procurador federal, num juizado especial, porque não há nenhum caso aqui no Supremo Tribunal Federal sobre essa questão� Por isso, não houve a citação de nenhuma jurisprudência, de sorte que é um momento, realmente, dada a repercussão geral, de nós resolvermos a conciliação entre a criação de um microssistema, cujo escopo é o acesso à Justiça dos menos favorecidos, e a celeridade dos juizados especiais, a simplicidade, conforme a própria lei prevê, num de seus caputs. A própria principiologia da Constituição Federal faz, dife‑rentemente daquela cláusula geral da duração razoável dos processos, a Cons‑tituição Federal, ao estabelecer a competência da União para criar os juizados especiais, ela se refere a causas de menor complexidade, infrações de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, ou seja, o que a lei privilegia, nesses procedimentos dos juizados, é exatamente a agilização�

Aliás, há muito tempo atrás, quando começaram a surgir as dificuldades dos juizados especiais, porque põe‑se aqui presente aquela máxima anglo‑‑saxônica de que better the roads, more the traffic (quanto melhor a estrada, maior é o tráfego), os juizados deram certo� É um juizado barato e simples, que ficou abarrotado de processos�

Então, vou até me utilizar de um argumento fático, fenomênico, do próprio Procurador: o INSS tem, em seu acervo, um milhão e duzentas e vinte mil ações� Agora eu questionaria: Como um Juizado Especial pode atuar com celeridade

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tendo que realizar um milhão e duzentas mil intimações pessoais para que aquele rito possa se desenvolver com aquela celeridade que promete a Cons‑tituição Federal? Realmente, temos aí uma colisão de valores entre o acesso à justiça tempestiva do Juizado, porque esses juizados foram imaginados não para o Poder Público, mas foram imaginados para os necessitados promoverem essas ações, que normalmente são previdenciárias, de pequeno valor e de pouca complexidade, contra o Poder Público� Não se trata de criar uma prerrogativa justamente numa lei que visa a favorecer a parte adversa ao Poder Público� Isso seria uma interpretação desconforme à ideologia constitucional sob o pálio de uma eventual violação do devido processo legal�

Procurei saber como estava esse microssistema no Rio de Janeiro� Então verifiquei, por exemplo, que são realizadas mil e quinhentas intimações men‑sais� O Poder Público não perdeu prazo, o Poder Público respondeu, o Poder Público fez inúmeros acordos� Não há nenhum problema� O problema haverá se, efetivamente, houver uma burocratização dos juizados, que foram criados exatamente, como dizia o Professor Kazuo Watanabe, para não terem nem papel� A ideia dos Juizados Especiais, exatamente como dizia a Constituição, era para ser um juizado oral, em que as pessoas chegassem, expusessem as suas pretensões e as tivessem solvidas num menor espaço de tempo�

Então, exatamente por força dessa ideologia dos Juizados Especiais, trago algumas rápidas ponderações�

PRELIMINAR

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, essa matéria foi objeto de decisão reconhecendo a repercussão geral� Lá, o Ministro Luiz Fux, Relator, sintetizou da seguinte maneira – a decisão recorrida aplicou o Enunciado 39 das turmas recursais, que diz:

“A obrigatoriedade de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art� 17 da Lei nº 10�910/2004, não é aplicável ao rito dos Jui‑zados Especiais Federais�”

Houve embargos declaratórios em que se apontou o artigo 8º da Lei nº 10�259, que é a Lei dos Juizados Especiais Federais, e houve recurso extraordinário invocando ofensa ao artigo 5º, LIV e LV, da Constituição� Diz o Ministro Relator nessa decisão de reconhecimento da repercussão geral:

“A vexata quaestio, desta feita, cinge‑se à obrigatoriedade, ou não, de realizar‑‑se a intimação pessoal de Procurador Federal no âmbito dos Juizados Especiais

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Federais, consoante prevê a mencionada lei, em detrimento da regra geral prevista no Código de Processo Civil�”

Senhor Presidente, aponta‑se como violado o artigo 5º, nos seus incisos LIV e LV� Dizem:

“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido pro‑cesso legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

A dificuldade que tenho, Senhor Presidente, é que não vejo nenhuma questão constitucional envolvida nessa discussão a respeito da aplicação de um ou outro artigo da lei� É certo que a matéria foi objeto de reconhecimento da repercus‑são geral, mas a minha dúvida é se o fato de ter havido esse reconhecimento no Plenário Virtual torna preclusas as demais questões de admissibilidade do recurso� Essa é a questão, e eu, preliminarmente, invocando os precedentes, muitos precedentes, do próprio Supremo Tribunal Federal sobre essa específica matéria, inclusive decisões monocráticas, todas dizendo que essa discussão é de natureza infraconstitucional, eu, preliminarmente, estaria inclinado em sus‑citar o não conhecimento do recurso, por duas razões basicamente� Primeiro, porque essa matéria, com base no artigo 5º, LIV e LV, não foi prequestionada, nem foi objeto de embargos declaratórios� Segundo lugar, porque eu não posso imaginar, como um conteúdo constitucional mínimo dessas cláusulas, o direito dos representantes judiciários do Poder Público à intimação pessoal� Eu não vejo esse direito à intimação pessoal como inerente àquele conteúdo mínimo que���

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Isso já é mérito�O sr. ministro Teori Zavascki: Não, estou dizendo que não tem questão cons‑

titucional por isso� Se nós pudéssemos imaginar que o direito à intimação pessoal se comportasse naquele conteúdo mínimo do direito ao contraditório e à ampla defesa, nós poderíamos, quem sabe, imaginar aqui a existência de uma questão constitucional� Mas, como isso não existe, eu penso que essa matéria não é de natu‑reza constitucional, e, portanto, eu suscitaria, em preliminar, o não conhecimento�

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Senhor Presidente, eu tenho a impressão de que é totalmente desnecessário nós destacarmos a importância do tema para o Poder Público, em primeiro lugar�

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Em segundo lugar, há duas premissas assentadas pelo Ministro Teori que não estão em consonância com o que consta dos autos� A primeira delas é a de que não houve prequestionamento da matéria constitucional� Não, efetiva‑mente houve o prequestionamento da matéria constitucional� O próprio INSS prequestionou a questão da violação do princípio da ampla defesa e do devido processo legal, dizendo estar cumprida a Súmula 282, e ainda citou um aresto de Sua Excelência o Ministro Marco Aurélio no sentido de que, mesmo que não haja resposta aos embargos de declaração, os embargos de declaração têm a sua utilidade, não podem ser encarados como um mero expediente� A parte faz jus a uma resposta completa�

Em terceiro lugar, Senhor Presidente, nós temos diversos arestos no sentido de que, antes de cumprir a repercussão geral, o recurso tem que cumprir os outros requisitos, nem se analisa a repercussão geral, ou seja, às vezes, a repercussão geral está mal fundamentada� Mas, se o recurso, por exemplo, for intempestivo, e se o recurso tiver algum outro vício extrínseco ou intrínseco de admissibi‑lidade, nem se conhece� Mas, aqui, não� Aqui é uma questão que passou pelo Plenário Virtual, que admitiu o recurso extraordinário com repercussão geral� Isto é uma coisa absolutamente diferente�

Então, no meu modo de ver, além de ter sido prequestionado, porque a norma jurídica aplicável não integra a causa petendi nem da ação, nem do recurso, se a parte aborda que viola a ampla defesa, que viola o devido processo legal a não intimação, isso é o suficiente para nós, que conhecemos o Direito, por força da regra jura novit curia, sabemos que isso é uma matéria constitucional� Em segundo lugar, além de ter sido prequestionado isso, o Plenário Virtual entendeu de admitir essa questão pela sua relevância, conhecer do recurso e submetê‑lo ao Plenário�

A partir deste momento, entendo, data venia, Senhor Presidente, que temos que enfrentar o tema�

DEBATE

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu também, pessoalmente, permito‑me, na qualidade de Presidente, interferir, usar da palavra, antes da ordem estabelecida, no seguinte sentido�

Eu verifico aqui que o eminente Ministro Luiz Fux propôs ao Plenário a seguinte questão que foi aceita pelo Plenário Virtual� Diz Sua Excelência:

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“A meu juízo, o recurso merece ter reconhecida a repercussão geral, pois o tema constitucional versado nestes autos é questão relevante do ponto de vista econô-mico, político, social e jurídico, ultrapassando os interesses subjetivos da causa”.

E aí a decisão foi a seguinte:

“O Tribunal reconheceu a existência da repercussão geral da questão constitucio-nal suscitada. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Ricardo Lewan-dowski, Rosa Weber e Celso de Mello. Não se manifestaram os Ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa.”

O sr. ministro Celso de Mello: CANCELADO�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Portanto, eu penso que

já há uma decisão do Plenário, embora virtual, reconhecendo que se trata de uma questão constitucional�

Então, eu, pessoalmente, entendo que a matéria está preclusa e não caberia a rediscussão, quando do exame do mérito da questão em Plenário, se há ou não questão constitucional�

Esse é o meu ponto de vista�O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu penso que o julgamento é

um só� A repercussão geral é uma fase do julgamento do recurso extraordinário�O fato de, no julgamento da repercussão geral, ter havido, em razão do

quorum diferenciado para a apreciação da repercussão geral no Plenário Vir‑tual – essa sistemática que foi criada regimentalmente para acelerar a forma de análise dos processos com o novo instituto da repercussão geral –, o reco‑nhecimento de que havia matéria constitucional e de que o recurso devia ir ao Plenário físico – vejam que foi uma minoria que reconheceu que havia matéria constitucional –, não impede que, na continuidade do julgamento, se venha a rediscutir o tema� Isso já ocorreu no caso do RE nº 567�454� O Plenário físico acabou por reconhecer, após uma questão de ordem apresentada pelo Ministro Cezar Peluso, o seguinte:

“O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Ministro Cezar Peluso no sentido de adotar o regime da inexistência da repercussão geral aos processos que envolvem a questão da tarifa básica de telefonia fixa que tem caráter infra‑constitucional� Vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio� Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes� Ausente, licenciado, o Ministro Menezes Direito� Ple‑nário 18 de junho de 2009�”

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Senhor Presidente, nós criaríamos um precedente de inutilidade da nossa atividade�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu gostaria só de ressaltar o seguinte� É claro que estamos diante de disciplina legal, mas poderia, como fez a União – e

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foi isso que reconheceu o Relator –, alegar que o modelo processual adequado não lhe foi reconhecido, tendo em vista a incapacidade, por exemplo, de atuar, e aí o contraditório e a ampla defesa, a defesa do patrimônio público poderia restar comprometido�

Nós mesmos, em composições diversas, já reconhecemos essa discussão, por exemplo, sobre o prazo em dobro ou não para a Defensoria Pública� Então, eu acho que dizer que agora, eu até comungo com esse pensamento, e acho até que nós devemos fazer um esforço inaudito, no sentido de limitarmos o reconheci‑mento de casos com repercussão geral, tendo em vista, inclusive, a avalanche de casos que temos para resolver, em termos de gestão�

Mas, a mim me parece, dependendo de como a questão é colocada, vamos imaginar o mandado de segurança: todos nós sabemos que a jurisprudência hoje é pacífica, houve muita discussão sobre a própria constitucionalidade daquele prazo decadencial do mandado de segurança, vozes importantes sustentaram que aquilo era inconstitucional� Mas vamos dizer que, num acesso de irraciona‑lidade, o legislador decidisse que agora não serão mais cento e vinte dias, mas sete dias, nós não vamos ter uma questão constitucional posta? Óbvio� Então, o que a AGU está dizendo é que isto pode inviabilizar a sua própria funcionali‑dade, e é nesse sentido que o Ministro Luiz Fux está dando resposta�

O sr. ministro Dias Toffoli: Eu entendo que há matéria constitucional� O que eu quis dizer é que o tema não fica precluso em razão de ter havido decisão emanada do Plenário Virtual� Mas eu defendo que há matéria constitucional�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Não, não, claro, mas eu digo assim é���O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Eu tenho a impressão de que esse prece‑

dente do tema não ficar precluso é muito perigoso, porque não se vai mais poder confiar no Plenário Virtual, nem quando reafirma a jurisprudência�

E outra coisa: os Ministros que não se manifestam são computados a favor da repercussão geral, senão como é que nós vamos confiar no Plenário?

O sr. ministro Gilmar Mendes: Porque o sistema constitucional criou���O sr. ministro Dias Toffoli: É que o julgamento não se esgota ali�O sr. ministro Celso de Mello: CANCELADO�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): O eminente Ministro

Teori Zavascki levantou uma questão preliminar que me parece muito impor‑tante e talvez valha a pena nós decidirmos isso de uma vez por todas�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Presidente, até a respeito disso, só porque é apenas um argumento para a questão formal� Eu verifico, no Código de Pro‑cesso Civil, que o artigo 543, alínea “a”, § 7º, dispõe:

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“A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publi‑cada no Diário Oficial e valerá como acórdão�”

Quer dizer, como é que o acórdão, que reconhece a repercussão geral de um tema, pode ser revisitado sem impugnação de recurso? Isso me parece que conspira em prol da tese de que há uma preclusão pro judicato depois que o processo é reconhecido, pelo número legal, como de repercussão geral, sem prejuízo dos aspectos práticos�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas, aqui, esse quorum menor para o reco‑nhecimento da repercussão geral – na medida em que é o quorum de maioria qualificada necessário para se rejeitar a repercussão geral – foi a regra criada para fazer vir a matéria a julgamento� Uma vez que a matéria seja apresentada ao Plenário físico, a existência, ou não, de tema constitucional não será definida pela minoria, será definida pela maioria�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Minoria, Ministro Toffoli? Quem não vota soma em favor do reconhecimento da repercussão�

O sr. ministro Dias Toffoli: Uma coisa é a repercussão geral, outra coisa é o tema constitucional�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ministro, a minha preocupação é com a funcionalidade do sistema� Nós temos um sistema que foi introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004, e a lei ordinária apro‑fundou essa sistemática em detalhes, sobretudo nesse aspecto que o Ministro Luiz Fux acaba de suscitar�

Eu fico a imaginar o seguinte: a cada vinte dias, nós nos debruçamos sobre o Plenário Virtual, nós examinamos a argumentação do Ministro que propõe, ou não, a admissão do recurso, tendo em conta a existência, ou não, da repercus‑são geral da matéria constitucional� E, no Plenário Virtual – que é um Plenário Virtual apenas no nome, porque, na verdade, todos nós estamos presentes, ainda que não fisicamente –, nós decidimos, de acordo com o quorum consti‑tucionalmente estabelecido, que a matéria tem repercussão do ponto de vista constitucional� Agora, se nós formos rever novamente quando a matéria vem a Plenário, esse sistema, com todo o respeito, fica em xeque� Nós vamos trabalhar duas vezes, e, enfim, é um bis in idem, num certo sentido� Mas eu acho que a questão é importante, é relevante� Eu vou colocar isso a julgamento, essa ques‑tão preliminar, e vamos ver como é que o Plenário se pronuncia�

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, só para esclarecer�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não, Ministro Teori�O sr. ministro Teori Zavascki: Eu acho que são duas coisas diferentes: uma

coisa é o reconhecimento da repercussão geral, que é um dos pressupostos do

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recurso extraordinário; a outra, são as demais preliminares que se possam colocar ao próprio recurso� Por exemplo, se constatasse que o recurso está fora de prazo, ou se constatasse que o recurso não está assinado, ou se constatasse que a matéria não foi prequestionada, nós poderíamos voltar a discutir isso, ou não? Essa é a questão�

O sr. ministro Dias Toffoli: Poderíamos voltar a discutir isso, mas há precedente�

O sr. ministro Teori Zavascki: Então a questão não é saber se pode voltar a discutir a repercussão geral ou não, mas são as demais preliminares�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu acho, como já disse na manifestação anterior, que é pertinente esse tipo de debate� Podemos até chegar à conclusão de que admitimos eventualmente um caso por repercussão geral, mas que não tinha uma questão constitucional� Mas não me parece que seja esse o caso, tal como está articulado o RE�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não, perfeitamente, mas esse é um segundo momento, Ministro�

O sr. ministro Gilmar Mendes: Porque até pode acontecer uma situação tal em que se verifica que – a questão do prequestionamento hoje vem sendo muito mitigada em função da própria repercussão geral –, mas pode acontecer, como tem acontecido, da existência de recurso em que nós substituímos, e tudo o mais, tendo em vista a relevância do tema�

Agora, aqui, o fato de se discutir simplesmente a lei não faz com que a questão constitucional desapareça, porque nós estamos colocando isso, como a AGU colocou, à luz do contraditório e da ampla defesa� Karl disse: Isso é funcional‑mente insustentável� E aí tem o princípio da proporcionalidade, que se aplica ao caso� Nós já discutimos isso, já citei o exemplo do mandado de segurança, a discussão que nós tivemos sobre a Defensoria Pública e a contagem de prazo em dobro� A rigor, o Tribunal reconheceu aqui uma questão constitucional das mais eminentes, inclusive admitiu que poderia haver um processo de inconsti‑tucionalização, mas que, enquanto não houvesse uma estruturação adequada da Defensoria Pública, era de se reconhecer� Veja, portanto: o prazo compunha a própria atividade de assistência judiciária�

De modo que, nesse caso, a mim me parece que a questão constitucional está posta�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não� Antes do recesso, eu gostaria de solucionar duas questões; em primeiro lugar, rapida‑mente, parece que as opiniões já estão formadas, eu coloco a seguinte questão à discussão e à deliberação: é saber se, uma vez reconhecida a repercussão

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geral da questão constitucional, pode o Plenário entender que não há matéria constitucional� Essa é a primeira questão� Superada essa questão, e parece que o Plenário se inclina���

O sr. ministro Dias Toffoli: É melhor que o Relator se manifeste, em pri‑meiro lugar�

O sr. ministro Gilmar Mendes: A pergunta devia ser: neste caso���O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Não� Eu acho que essa é

uma questão importante, porque nós resolvemos de vez� Se o Plenário entender que é possível superar a decisão do Plenário Virtual, aí nós vamos examinar se, neste caso presente, há ou não há questão constitucional�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Senhor Presidente, eu reconheço que as consequências da deliberação sobre essa questão formal é mais importante do que a deliberação sobre o próprio recurso� Eu particularmente sugeriria a Vossa Excelência que nós sopesássemos bem essa questão sobre a preclusão pro judicato do Plenário Virtual num momento oportuno, porque isso vai criar um precedente gravíssimo�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não� Que não foi suscitada nesse momento? Que nós meditemos um pouco mais, não é?

O sr. ministro Celso de Mello: CANCELADO�O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Ou tem ou não tem questão constitucional

e pronto� O Plenário decide�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Perfeito� Está bem� A

questão realmente é complexa e de grande impacto� Então, eu retiro essa ques‑tão para exame oportuno�

Então, atendendo à questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro Teori Zavascki, vamos decidir se, neste caso, há ou não a questão constitucional�

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, eu já coloquei: a questão, no meu entender, é infraconstitucional� Nós temos muitos precedentes aqui no Tribunal a respeito disso, inclusive do próprio Ministro Luiz Fux, que cita, por sua vez, muitos outros precedentes nessa mesma matéria�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Mas não é na matéria do Juizado Especial; não tem nenhum recurso� Eu digo o seguinte: a repercussão geral é um requi‑sito de admissibilidade do recurso extraordinário, mas não se pode apreciar a repercussão geral se o recurso preenche os demais requisitos�

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VOTO (Sobre preliminar)

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, eu peço vênia, mas mantenho o meu voto no Plenário Virtual� Já compreendi que não havia questão constitucional�

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Dias Toffoli: Já votei no sentido de que há matéria constitucional�

VOTO (Sobre preliminar)

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, também tenho para mim, com as vênias da divergência, que há matéria constitucional neste caso específico�

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, quando me pronunciei no denominado Plenário Virtual – que não encerra o que é próprio de um Plenário, ou seja, a reunião dos integrantes e a troca de ideias, por isso me manifestei contra esse Plenário –, fiz ver: “Observem a organicidade do Direito” – que, para mim, muito embora, às vezes não pareça, continua sendo uma ciência com princípios, institutos, expressões e vocábulos que possuem sentido próprio� Transcrevo a manifestação:

“2� Observem a organicidade do Direito� O instituto da repercussão geral refere‑se a recurso extraordinário que veicule matéria de índole constitucional� É o que decorre do disposto no § 3º do artigo 102 da Carta Federal:

Art� 102� Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo‑lhe:

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercus‑são geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá‑lo pela manifestação de dois terços de seus membros�

Até aqui,” – Presidente – “para a apreciação do Supremo,” – disse na decisão e reafirmo agora – “há o agravo interposto, que veio, ante a legislação instru‑mental, no próprio processo�” – deixando de ser de instrumento – “Em síntese, o recurso extraordinário teve a sequência indeferida na origem� O interessado”

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– o Instituto – “protocolou o agravo, o qual deve ser julgado (���)” – por quem? Por aquele que tenha a competência, segundo o Regimento Interno, e, também, o Código de Processo Civil� Repito: em síntese, porque o recurso extraordinário teve a sequência indeferida, juridicamente permanece na origem� Fisicamente está no Supremo, ante a interposição do agravo no próprio processo� “O inte‑ressado protocolou o agravo, o qual deve ser julgado pelo relator, o que ainda não ocorreu� Descabe” – e receio o barateamento do instituto – “fragilizar (…) a repercussão geral e isso acontecerá (…) de cambulhada” – e a preocupação do Ministro Gilmar Mendes é a minha, porque os processos estão sendo represa‑dos Brasil afora, caso julguemos o recurso extraordinário ainda não admitido�

Conclui pela inadequação do Instituto da Repercussão Geral�

Fico atônito quando inserido recurso extraordinário com agravo, sem pos‑sibilidade de troca de ideias, no Plenário Virtual, sem manifestação do órgão competente sobre a procedência ou improcedência do que veiculado na minuta do agravo; sobre a sequência, ou não, do extraordinário� É um aspecto e preci‑samos refletir sobre ele – muito embora creia ser minha óptica isolada –, para que, como disse no pronunciamento, relativo ao denominado Plenário Virtual, não se esvazie esse instituto seríssimo, que é o Instituto da Repercussão Geral e que, em última análise, é um filtro na apreciação de controvérsias pelo Supremo�

O que houve na espécie? Uma decisão pelo Juizado Especial� Interpôs‑se, contra esse ato, o extraordinário� Esse recurso, teve a sequência indeferida ante a extemporaneidade� Então, Presidente, o juízo de admissibilidade do extraor‑dinário fez ver – e, a meu ver, de forma muito clara – que:

(���) Contudo, a decisão impugnada negara seguimento ao recurso de sentença cível em virtude de sua intempestividade, face a não obrigatoriedade de intima‑ção pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista a intimação no art� 17 da Lei 10�910/2004, uma vez ser este incompatível com os princípios norteadores dos Juizados Especiais� Uma vez que esta não trata de matéria cons‑titucional, não desafia o recurso extraordinário, cujo cabimento é adstrito às hipóteses previstas nas alíneas do inciso III do art� 102 da Lei Maior�

Portanto, sendo manifesto o seu não cabimento, INADMITO o recurso extraordinário�

É essa a decisão que está intacta até aqui� Isso porque não foi reformada pelo relator do agravo de instrumento� Pretende‑se queimar etapa e julgar, de imediato, o recurso extraordinário� Como fica a organicidade do Direito? A meu ver, ferida de morte�

Não sei se devo passar adiante�

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O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Então, Vossa Excelência está propondo o não conhecimento?

O sr. ministro Marco Aurélio: Penso não estar sendo convocado para julgar recurso extraordinário� Quem sabe, sendo convocado para julgar agravo que não me foi distribuído? Devo fazê‑lo, em que pese à sobrecarga suportada pelo Plenário – somente eu tenho mais de 180 processos na fila aguardando espaço na pauta dirigida? Quem sabe devamos nos reunir sempre, e sempre, para julgar os agravos?

Presidente, é hora de corrigir rumos� É hora de atentar‑se para a envergadura maior da repercussão geral, porque, caso contrário, ficará, praticamente, pela generalização, solapada de morte�

Há precedentes, na Turma, em que digo que deve ser excomungada a juris‑prudência segundo a qual a violência à Carta da República deve ser direta e frontal, como se a intermediada pelo desrespeito a normas legais não impli‑casse maltrato à Lei Maior� Costumo ressaltar que dois princípios básicos, em uma sociedade que se diga realmente democrática, revelada por um Estado de Direito, remetem, necessariamente, à legislação dita, no bom sentido, ordiná‑ria� Refiro‑me aos princípios da legalidade – não é crível que órgão investido do ofício judicante assente, em decisão, que a lei dispõe em certo certo sentido, mas que implementa a solução para o caso de forma adversa – e ao princípio caríssimo do devido processo legal, no que se tem raras normas instrumentais na Constituição, e a maioria, se não 99�9%, na legislação instrumental comum� Então, caso a caso, o Supremo deve – pela importância da controvérsia insta‑lada – definir se admissível, ou não, o recurso extraordinário�

Na espécie, não se tem base para assim concluir� Nesse sentido, decidiu a Primeira Turma� Fui relator, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 740�702, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, quando assentamos, talvez tenhamos claudicado, quem sabe, que:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA LEGAL� O recurso extraordiná‑rio não é meio próprio a alcançar‑se exame de controvérsia equacionada sob o ângulo estritamente legal�

Em caso idêntico, consignamos que há tema estritamente legal, regido por normas ordinárias�

Subscrevo o que já colocado pelo ministro Teori Zavascki e pela ministra Rosa Weber� A ministra Cármen Lúcia acompanha o relator?

A sra. ministra Cármen Lúcia: Não, eu não votei ainda�

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O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Vossa Excelência já votou nessa preliminar�

A sra. ministra Cármen Lúcia: Eu votei só na parte da preliminar���O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Na primeira parte,

dizendo que há interesse constitucional�A sra. ministra Cármen Lúcia: É, dizendo que há matéria constitucional,

mas não votei no recurso�O sr. ministro Marco Aurélio: Quanto ao envolvimento ou não, no caso de���O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Por enquanto não� Esta‑

mos só na preliminar; depois do recesso, vamos julgar o mérito do voto do Ministro Luiz Fux�

O sr. ministro Marco Aurélio: Quanto à repercussão?O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Sim�O sr. ministro Marco Aurélio: Entendo, porque a questão envolve inter‑

pretação de normas estritamente legais, totalmente imprópria a repercussão geral� Empolgou‑se o instituto da repercussão geral, que, segundo o texto do § 3º do artigo 102, está ligada a tema de natureza constitucional�

Então, nesse primeiro passo, acompanho o ministro Teori Zavascki�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Pois não, entendendo

que não há tema constitucional�

DEBATE

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, o Ministro Marco Aurélio colocou uma questão que verifico que, realmente, o Plenário não enfrentou�

O sr. ministro Marco Aurélio: Estamos a julgar, Presidente, repito, o agravo de instrumento que não foi apreciado pelo relator�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Senhor Presidente, eu gostaria de fazer uma observação sobre isso, apenas para esclarecer�

Ministro Toffoli, Vossa Excelência, se consultar o ARE nº 690�838, vai veri‑ficar que, consoante o entendimento que o próprio Código de Processo Civil instituiu, quando o agravo está bem instruído e tem todas as peças, ele pode transformar‑se no próprio recurso ordinário e, a fortiori, ser submetido�

O sr. ministro Dias Toffoli: Sim, mas, nesse caso, após a aprovação da reper‑cussão, no Plenário Virtual, eu monocraticamente lancei o seguinte despacho:

“Vistos�Reconhecida a repercussão (…)”

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O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Mas o que foi submetido ao Plenário Vir‑tual por Vossa Excelência? Foi RE ou foi ARE?

O sr. ministro Dias Toffoli: Exceto o Ministro Marco Aurélio, a maioria dos Ministros entende que é possível lançar o ARE no Plenário Virtual�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Ah, bom� Pensei que eu estivesse inovando aqui, agora�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas é que, antes de trazer para o Plenário físico, eu lancei, nesse caso que Sua Excelência o Ministro Relator menciona, o seguinte despacho:

“Vistos�Reconhecida a repercussão geral do tema debatido nos autos, dou provimento

ao agravo para admitir o recurso extraordinário�Reautue‑se (���)�”

O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência julgou o agravo?O sr. ministro Dias Toffoli: Sim� Aí eu lancei o seguinte despacho, con‑

cluindo no seguinte sentido:

“Reautue‑se e, após, abra‑se vista à douta Procuradoria‑Geral da República�”

Não localizei na jurisprudência, Senhor Presidente, nenhum agravo – nem AI, nem ARE – em que a repercussão geral tenha sido reconhecida pelo Plená‑rio Virtual e, depois, o mérito tenha sido julgado nos autos do próprio agravo�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Aqui, na verdade, nós estamos propondo outra solução�

O sr. ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência concorda que a repercussão geral diz respeito ao extraordinário e não ao agravo?

O sr. ministro Dias Toffoli: Ao extraordinário�O sr. ministro Marco Aurélio: Para julgar o agravo não é preciso assentar

a repercussão geral� Então, a todos os títulos, não poderia ser inserido no Ple‑nário Virtual�

O sr. ministro Dias Toffoli: Foi trazido um agravo de instrumento� Existem casos em que o agravo de instrumento foi levado diretamente ao Plenário físico para, em questão de ordem, ser determinada a conversão – em questão de ordem – do agravo em recurso extraordinário, sendo reconhecida a repercussão geral do tema nele analisado e reafirmada a jurisprudência do STF�

Faço menção à repercussão geral na questão de ordem do AI nº 791�292, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes�

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Como houve sustentação oral, eu, inclusive, parti da premissa de que o que estávamos a julgar era o recurso�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Mas é verdade�O sr. ministro Dias Toffoli: Porque, se fosse só o agravo, não haveria nem

sustentação oral�O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Exato, sem dúvida� Nós julgamos o recurso�O sr. ministro Dias Toffoli: Mas houve um despacho de Vossa Excelência

convertendo o agravo em recurso extraordinário? Senão, preliminarmente, deveríamos fazê‑lo�

O sr. ministro Marco Aurélio: Não houve� Primeiro, não seria despacho, seria decisão� Absolutamente, não houve� Jamais incluí agravo no denominado Plenário Virtual�

O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Eu estou verificando, Senhor Presidente, essa filigrana para poder julgar o mérito� Mas, de qualquer maneira, como o Relator pode entender que o agravo está suficientemente instruído, transformá‑‑lo em RE e submetê‑lo à repercussão geral, nesse caso específico, também, e a fortiori, a sistemática é a mesma, porque o agravo sobe com o recurso extraordi‑nário, o recurso extraordinário cumpre todos os requisitos intrínsecos e extrín‑secos de admissibilidade, o Plenário reconhece a repercussão geral, cumpre apenas ao Plenário julgar o recurso extraordinário, evidentemente�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas foi provido o agravo?O sr. ministro Marco Aurélio: É tão evidente que há vozes dissonantes

no Plenário�O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Mas Vossa Excelência também se referiu

a “manifestamente”, quando eu entendo diferente�O sr. ministro Marco Aurélio: Ministro, até aqui, está intacta decisão que

poderia inclusive ser terminativa, formalizada na origem�O sr. ministro Luiz Fux (Relator): É verdade�O sr. ministro Marco Aurélio: Essa decisão não foi tirada do mundo jurídico�O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Mas Vossa Excelência estava submetendo

o conhecimento do recurso� Então, eu pediria a Vossa Excelência, na qualidade de Relator, que Vossa Excelência prosseguisse na admissibilidade do recurso, até porque eu já me pronunciei sobre o mérito, e depois nós vamos verificar se o Plenário admite ou não o recurso� E aí, evidentemente, qualquer um de nós se submete�

O sr. ministro Dias Toffoli: Mas eu penso que a organicidade aqui é impor‑tante, porque, se não houve uma prévia decisão admitindo o agravo e mandando reautuar, nós estamos aqui a julgar um agravo�

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O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Agora eu estou a imagi‑nar: quem pode o mais pode o menos�

O sr. ministro Dias Toffoli: Podemos fazê‑lo agora, em questão de ordem, preliminarmente: decidir pelo provimento do agravo e enfrentar o recurso extraordinário, porque senão nós vamos sair, realmente, da organicidade�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu consulto o Relator�O sr. ministro Luiz Fux (Relator): Eu não tenho problema nenhum em cumprir

essa pequena formalidade, desde que não se invista contra a apreciação dessa questão de fundo tão importante para o jurisdicionado e para o Poder Público�

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, proponho outra questão de ordem que transcende a essa: chamarmos o processo à ordem e fazer a conclusão, ao relator, para que julgue o agravo ainda pendente de apreciação�

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu vou terminar a vota‑ção quanto à questão da existência de matéria constitucional, para saber se há ou não matéria constitucional nessa questão que está sendo examinada pelo Plenário� Na volta, no retorno do recesso, vamos examinar a questão se o agravo deve ser apreciado antes do recurso ou não�

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Celso de Mello: As razões invocadas pelo eminente Relator justificam o prosseguimento da presente demanda no âmbito do Supremo Tribunal Federal, notadamente em face do caráter transcendente de que se reveste o litígio ora submetido ao exame desta Corte Suprema�

Desse modo, reconheço a existência, na espécie, de matéria de índole cons‑titucional impregnada de repercussão geral�

É o meu voto�

VOTO (Sobre preliminar)

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Eu, embora vencido no Plenário Virtual, neste momento, curvo‑me ao entendimento da maioria, no sentido de que há, sim, matéria constitucional com repercussão geral, inclu‑sive porque há vários princípios em jogo, não apenas aqueles levantados na tribuna, mas alguns até implicitamente referidos pelo Ministro Luiz Fux, como a razoável duração do processo, prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII, da nossa

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Constituição Federal� Então, eu assento que há, sim, matéria constitucional, com repercussão geral, e, assim, evito até um impasse, uma aporia, porque, senão, teríamos um empate de cinco a cinco�

QUESTÃO DE ORDEM

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ao término da primeira parte da sessão de hoje, ficou pendente uma questão formal a ser examinada pelo egrégio Plenário, que é justamente a possibilidade de se submeter dire‑tamente um agravo regimental ao Plenário Virtual e reconhecer a sua reper‑cussão geral�

Houve várias manifestações���A sra. ministra Cármen Lúcia: Não ao Plenário Virtual, ao físico�O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Ao Plenário Virtual; e,

depois, aqui, ser julgado pelo Plenário físico�Vários Ministros se manifestaram: o Ministro Marco Aurélio, com ponde‑

ráveis razões, opôs‑se a essa questão; o Ministro Dias Toffoli também aduziu argumentos; o Ministro Teori foi o primeiro que levantou a dissidência�

Em atenção a toda esta argumentação, sobretudo aos argumentos veicula‑dos pelo Ministro Marco Aurélio em sentido contrário, proponho a seguinte questão de ordem para tentarmos resolver a questão: de que convertamos o agravo em recurso extraordinário, e passemos ao julgamento deste recurso extraordinário; até porque já houve manifestação da parte e o julgamento do processo já se iniciou� Então, essa é a questão que eu proponho� Consulto o Plenário se há divergência�

VOTO (Sobre questão de ordem)

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas para registrar, e adianto: sou voz isolada no Colegiado�

Há uma decisão, no cenário jurídico, que implicou – com reflexos para a parte contrária, principalmente, e para o recorrente – a negativa de sequência ao recurso extraordinário� Enquanto não afastado esse pronunciamento, não há como julgar o recurso� Por isso, ponderei a necessidade de chamar‑se o pro‑cesso à ordem para que o relator julgue o agravo interposto visando a subida do extraordinário�

Peço que Vossa Excelência consigne meu voto nesse sentido�

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EXPLICAÇÃO

O sr. ministro Ricardo Lewandowski (Presidente): Então eu consigno essa observação do eminente Ministro Marco Aurélio e assento também que a ques‑tão é excepcional e aplicada apenas para este caso� Futuramente, os demais serão examinados cada um de per si�

VOTO

O sr. ministro Teori Zavascki: Senhor Presidente, não posso concordar com a tese de que a intimação pessoal seja incompatível com o sistema de juizados, por duas razões básicas: em primeiro lugar, porque depende do modo como se faz a intimação pessoal� Hoje, a intimação pessoal, no Juizado Especial, que está virtualizado, se faz por via eletrônica� Além da lei do processo virtual, existe a Resolução 422 do Conselho da Justiça Federal estabelecendo isso� A intimação é praticamente instantânea, e isso tem que ser preservado� E, no âmbito dos Juizados Especiais, o problema de eventual atraso na intimação pessoal somente ocorre quando se trata de autos físicos, que é uma questão residual� Então, em tese, nós poderíamos dizer que somente em autos físicos pode haver demora� Não sei se há� Isso, em primeiro lugar, quer dizer, em tese, a intimação pessoal não é incompatível�

Em segundo lugar, a própria lei dos Juizados Especiais Federais prevê a inti‑mação pessoal� O artigo 8º da Lei 10�259 diz assim:

“Art� 8º As partes serão intimadas da sentença, quando não proferida esta na audiência em que estiver presente seu representante, por ARMP (aviso de rece‑bimento em mão própria)�

§ 1º As demais intimações das partes serão feitas na pessoa dos advogados ou dos Procuradores que oficiem nos respectivos autos, pessoalmente ou por via postal�”

Também o art� 7º da Lei dos Juizados, ao remeter à aplicação do art� 38 da Lei Complementar 73/93, admite essa forma de intimação pessoal aos advogados da União e aos Procuradores da Fazenda�

Essas são regras expressas dos Juizados Especiais� Se nós dissermos que essas regras são incompatíveis com a Constituição, teremos que declarar a sua inconstitucionalidade, e não vejo inconstitucionalidade nenhuma�

Então, sob esse aspecto da incompatibilidade com a Constituição, peço vênia para não concordar� Todavia, no caso, o que se alega é que a não intimação pes‑soal ofende o artigo 5º, incisos LIV e LV, do devido processo legal� Essa é a tese do recurso, e com essa tese também não se pode concordar�

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De modo que, por esse fundamento de que a decisão recorrida não ofende ao artigo 5º, incisos LIV e LV, eu acompanho o Relator�

VOTO

A sra. ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, eu também tenho alguma difi‑culdade de me pronunciar quanto à questão de fundo porque o equacionamento da questão de fundo passa, a meu juízo, pela compreensão de que ocorrente violação direta do artigo 5º, LIV e LV, da Constituição� E, com todo o respeito, não a visualizo e também não vejo incompatibilidade�

Na Justiça do Trabalho, por exemplo, não há juizados especiais, mas há o processo sumaríssimo, de rito sumaríssimo� E não vejo qualquer incompatibi‑lidade com o prazo maior, considerada inclusive a própria teleologia da norma que concede, à Fazenda Pública, prazo em dobro� Entendi que, por esse ângulo, não seria possível, em função do que decidimos antes, solucionar a controvérsia�

Então, acompanho o eminente Relator com essas considerações� Não vejo incompatibilidade, embora compreenda muito bem que na teleologia dos juiza‑dos especiais estejam a celeridade e a simplificação dos atos processuais� Mas, como disse, não me parece estejam inviabilizados� Por esses caminhos traversos, eu termino acompanhando o eminente Relator, no sentido de negar provimento ao recurso, porque não vislumbro ofensa direta ao texto constitucional�

VOTO

O sr. ministro Dias Toffoli: Senhor Presidente, eu vou pedir vênia para dar provimento ao recurso� Esta Corte já placitou o prazo em dobro para a Fazenda Pública� Essa lei veio, em bom tempo, estabelecer a possibilidade de a Advocacia Pública exercer o seu múnus, que é um dever de Estado, de maneira a atender aquele comando constitucional que institui a Advocacia Pública como função essencial à Justiça�

Nós não estamos, aqui, a tratar de direitos disponíveis, estamos a tratar de direito da Administração Pública� A lei, de maneira geral, estabeleceu, sem dis‑tinguir entre juizados ou não juizados, o direito do Procurador Federal de ser intimado pessoalmente, o direito da instituição de ser intimada pessoalmente das decisões judiciais, em qualquer processo�

Portanto, Senhor Presidente, vejo que houve ofensa, sim, aos incisos LIV e LV do art� 5º da Constituição Federal, na medida em que, não só no Plenário

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Virtual, por minoria, mas também no Plenário físico, por maioria, entendeu o Tribunal que há matéria constitucional�

Por isso, peço vênia para dar provimento ao recurso�

VOTO

A sra. ministra Cármen Lúcia: Senhor Presidente, vou pedir vênia ao Ministro Dias Toffoli para acompanhar o Relator� Mas, pelo fundamento que também foi acatado pelo Ministro Teori e pela Ministra Rosa, eu não vislumbro, aqui, inconstitucionalidade, em tese, no que se contém na determinação� Entretanto, no caso concreto, a tese me parece desprovida de fundamento�

Razão pela qual estou negando provimento, acompanhando o Relator, com as achegas e a fundamentação apresentadas pelo Ministro Teori, com as vênias do Ministro Dias Toffoli�

VOTO

O sr. ministro Gilmar Mendes: Eu também, Presidente� O Ministro Teori chama a atenção inclusive para essa mudança que vem ocorrendo no chamado âmbito normativo, em razão do processo eletrônico� Aparentemente, essa discussão está muito centrada nos autos físicos, que permitem essa intimação, e, depois, a volta, a juntada dos autos acaba dilargando o prazo para que a Fazenda Pública se manifeste� Óbvio que pode ocorrer eventual dissintonia ou disfuncionalidade que pode merecer eventual ajuste por parte da própria legislação� Mas, tendo em vista esse elemento, não me parece que haja vício que leve a um juízo positivo quanto à inconstitucionalidade�

Por isso, eu também peço vênia ao Ministro Toffoli para acompanhar o Rela‑tor, pelo menos no que diz respeito claramente a esse fundamento� Acho que, de fato, nós não temos como caracterizar uma violação à Constituição que justificasse a aplicação da norma pretendida pela Fazenda Pública�

Parece‑me que a discussão em torno dos autos físicos é marcadamente residual�A sra. ministra Cármen Lúcia: Tende a desaparecer�O sr. ministro Gilmar Mendes: É a tendência� Não sei qual é o número hoje,

mas, especialmente nos juizados especiais, nós temos hoje um grau muito intenso de informatização, de modo que esse debate, daqui a pouco, vai ficar para os arquivos históricos�

E, talvez, a legislação venha a merecer ajustes para adequar a capacidade e a força de trabalho da Procuradoria Federal – eu gostaria, de novo, de registrar,

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como já fiz outras vezes, a excelência da atuação da Advocacia Geral da União e também da Procuradoria Federal� E, até essa excelência, eu acho que mostra que ela consegue, hoje, ombrear‑se em pé de igualdade com a advocacia pri‑vada, para gáudio nosso�

VOTO

O sr. ministro Marco Aurélio: Presidente, há tempo que o Estado tinha uma defesa precária, e, a partir dessa defesa precária – basta lembrar que a União era defendida pelo Ministério Público Federal –, ocorreu a inserção de dispo‑sitivos legais que implicam verdadeiro culto ao Estado, o abandono do equilí‑brio que deve haver no processo, consideradas as partes envolvidas� Quando o Estado comparece em juízo, o faz simplesmente como parte� Hoje, conta com assistência profissional que é de alto relevo, em termos de estrutura, em termos de integrantes�

O que houve com a Carta de 1988? A previsão dos juizados especiais para julgar, é certo, infrações penais de menor potencial ofensivo e causas cíveis de menor complexidade� Objetivou‑se, com isso, justamente a oralidade, a simpli‑ficação da forma, a desburocratização do processo�

A Lei inicial, primitiva, dos juizados especiais – não me refiro à da Justiça Federal – é de 95, a da Justiça Federal é de 2001, e ambas vêm sendo aplicadas com grande sucesso, em termos de agilitação da prestação jurisdicional�

O que se tem como regência da matéria “intimações”? A observância, pelos juizados federais, do artigo 7º da Lei nº 10�259, a remeter à Lei Complementar nº 73/1993, mais especificamente aos artigos 35 e 38� Interpreto, de forma teleo‑lógica, o citado artigo 38, a revelar que as intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda, que oficie nos respectivos autos� A previsão visa ao acompanhamento do processo por certo profissional da advocacia�

É possível solapar‑se a lei dos juizados especiais, inserindo o que, para mim, passa a ser a burocratização quanto às intimações das pessoas jurídicas de direito público? A resposta, Presidente, é desenganadamente negativa� Con‑fesso que não compreendi, para não presumir o excepcional – porque teria que presumir –, a articulação da tribuna, quanto ao grande números de processos� Busca‑se a intimação pessoal, talvez até mediante mandado a ser cumprido pelo oficial de justiça, para quê? Para projetar‑se no tempo a formalização do ato? Como ficam os juizados especiais? Ficarão na vala comum, do processo comum, além de ter‑se, como disse, a quebra do tratamento igualitário das partes?

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Há mais, Presidente� O Supremo, mediante atuação da Primeira Turma, julgou o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 740�702, sob minha relatoria, e assentou que, no caso – e me sinto como se estivesse não no Supe‑rior Tribunal de Justiça, porque não exerce crivo quanto aos pronunciamentos das Turmas Recursais, mas em uma Turma Recursal dos Juizados Especiais –, a matéria é estritamente legal� Há um precedente do Plenário que serve de base a ter‑se o afastamento da pessoalidade nas intimações� Refiro‑me ao Habeas Corpus nº 76�915, por mim relatado, que, portanto, envolvia a liberdade de ir e vir� O que concluiu o Plenário, fazendo‑o sem discrepância de votos?

INTIMAÇÃO – DEFENSOR PÚBLICO – ATO DE TURMA RECURSAL DOS JUI‑ZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS� O critério da especialidade é conducente a concluir‑se pela inaplicabilidade, nos juizados especiais, da intimação pessoal prevista nos artigos 370, § 4º, do Código de Processo Penal (com redação dada pelo artigo 1º da Lei nº 9�271, de 17 de abril de 1996) e § 5º, da Lei nº 1�060/50 (com a redação introduzida pela Lei nº 7�871/89)�

Vejam bem: em situação concreta, na qual em jogo o direito de ir e vir, o Supremo afastou, sem divergência – a decisão foi unânime –, a necessidade de intimação pessoal da Defensoria Pública�

Presidente, se o alvo for acabar com os Juizados Especiais, com essa expe‑riência hesitosa, colaremos aos processos em tramitação nesses Juizados, as normas processuais comuns, em verdadeiro retrocesso�

Concluindo Presidente, quer presente o tratamento igualitário das partes – e reafirmo que, ao comparecer em juízo, o Estado o faz como simples parte –, quer também a regência especial da Lei nº 10�259/2001, quer o precedente quanto à Defensoria Pública, formalizado em habeas corpus, pronuncio‑me no sentido do desprovimento do recurso�

EXTRATO DE ATA

ARE 648�629/RJ — Relator: Ministro Luiz Fux� Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Procurador: Procurador‑geral federal)� Recorrida: Carmem Pereira da Silva (Advogada: Maria Flor de Maio Santos)�

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal reconheceu a existência de matéria constitucional com repercussão geral a ser decidida, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Marco Aurélio, que entendiam tratar‑se de maté‑ria infraconstitucional� O Tribunal resolveu questão de ordem, suscitada pelo Presidente, no sentido de converter o recurso extraordinário com agravo em

350 | Revista Trimestral de Jurisprudência

ARE 648.629

recurso extraordinário e, desde logo, julgá‑lo, vencido o Ministro Marco Auré‑lio� No mérito, o Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso, vencido o Ministro Dias Toffoli� Votou o Presidente� Ausente o Ministro Joaquim Barbosa (Presidente), por participação no evento Time 100 Gala, organizado pela Time Magazine, e em seminário promovido pela Universidade de Princeton, ambos nos Estados Unidos� Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski (Vice‑Presidente)�

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Vice‑Presidente)� Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki� Procurador‑Geral da República, Dr� Roberto Monteiro Gurgel Santos�

Brasília, 24 de abril de 2013 — Luiz Tomimatsu, Assessor‑Chefe do Plenário�

ÍNDICE ALFABÉTICO

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 353

APn Alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e

aberto com presos do regime fechado: impossibilidade� (���) Execução penal. RE 641�320

261

Pn Apelo ao legislador� (���) Execução penal. RE 641�320 261

Ct Atuação do STF como legislador positivo: inadmissibili‑dade� (���) Propaganda comercial. ADO 22

9

Pn Avaliação dos estabelecimentos: juízes da execução� (���) Execução penal. RE 641�320

261

BCt Bebida alcóolica� (���) Propaganda comercial. ADO 22 9

CEl CF/1988, arts� 1º, parágrafo único, e 14, caput� (���) Eleição.

ADI 5�08166

Ct CF/1988, arts� 2º e 220, § 4º� (���) Propaganda comercial. ADO 22

9

354 | Revista Trimestral de Jurisprudência

CF/-Cri

PrCv CF/1988, art� 5º, XXXV e LV� (���) Fazenda Pública Federal. ARE 648�629

323

Pn CF/1988, art� 5º, XXXIX e XLVI� (���) Execução penal. RE 641�320

261

Ct CF/1988, art� 22, I: ofensa� (���) Competência legislativa. ADI 2�699

53

Adm CF/1988, art� 37, XI e XV� (���) Remuneração. RE 606�358 195

Pn CF/1988, art� 124� (���) Competência criminal. HC 127�900 137

Trbt Cobrança do tributo calculado pela alíquota mínima pre‑vista na lei municipal: exigibilidade� (���) Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). RE 602�347

173

Pn Competência criminal. Justiça Militar� Crime praticado por militares� Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar� Pacientes que não inte‑gram mais as Forças Armadas: irrelevância� CF/1988, art� 124� CPM/1969, arts� 9º, I, b, e 290� HC 127�900

137

Ct Competência legislativa. União Federal� Direito proces‑sual� Exigência de depósito recursal nos Juizados Especiais Cíveis no valor de cem por cento da condenação� CF/1988, art� 22, I: ofensa� Lei estadual 11�404/1996/PE, arts� 4º e 12: inconstitucionalidade formal� ADI 2�699

53

Pn Contingenciamento: vedação� (���) Execução penal. RE 641�320

261

Pn CP/1940, art� 33, § 1º, b e c� (���) Execução penal. RE 641�320 261

Pn CPM/1969, arts� 9º, I, b, e 290� (���) Competência criminal. HC 127�900

137

PrPn CPP/1941, art� 400, redação da Lei 11�719/2008� (���) Interro-gatório. HC 127�900

137

Pn Crime praticado por militares� (���) Competência criminal. HC 127�900

13

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 355

Cri-Est

Trbt Critério menos gravoso possível ao contribuinte� (���) Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). RE 602�347

173

Ct Critérios: definição pelo Poder Legislativo� (���) Propaganda comercial. ADO 22

9

DPrSTF Decisão na ADI 3�089: ausência de descumprimento� (���)

Reclamação. Rcl 16�619 AgR126

Ct Direito processual� (���) Competência legislativa. ADI 2�699

53

EEl Eleição. Sistema majoritário� Regra da fidelidade partidá‑

ria: inaplicabilidade� Soberania popular� CF/1988, arts� 1º, parágrafo único, e 14, caput� Resolução 22�610/2007‑TSE, arts� 10, expressão “ou vice”, e 13, expressão “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário”: inconstitucionalidade� Resolução 22�610/2007‑TSE, art� 10, expressão “suplente”: interpre‑tação conforme à Constituição� ADI 5�081

66

Pn Estabelecimentos prisionais adequados aos regimes semia‑berto e aberto: inexistência de vagas� (���) Execução penal. RE 641�320

261

356 | Revista Trimestral de Jurisprudência

Exe-Exe

Pn Execução penal. Estabelecimentos prisionais adequados aos regimes semiaberto e aberto: inexistência de vagas� Avaliação dos estabelecimentos: juízes da execução� Qua‑lificação como “colônia agrícola, industrial” ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado”: prescindibilida‑de� Alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado: impossibilidade� CP/1940, art� 33, § 1º, b e c� Repercussão geral: Tema 423� RE 641�320

261

Pn Execução penal. Estabelecimentos prisionais adequados aos regimes semiaberto e aberto: inexistência de vagas� Manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso: impossibilidade� Princípio da legalidade e da individualização da pena� CF/1988, art� 5º, XXXIX e XLVI� Repercussão geral: Tema 423� RE 641�320

261

Pn Execução penal. Estabelecimentos prisionais adequados aos regimes semiaberto e aberto: inexistência de vagas� Medidas alternativas: saída antecipada do sentenciado, liberdade eletronicamente monitorada, cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo� Prisão domiciliar ao sentenciado: possibilidade enquanto não estruturadas as medidas alternativas� Repercussão geral: Tema 423� RE 641�320

261

Pn Execução penal. Estabelecimentos prisionais adequados aos regimes semiaberto e aberto: inexistência de vagas� Providências de ordem administrativa apresentadas pelo STF: desenvolvimento e implementação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)� RE 641�320

261

Pn Execução penal. Estabelecimentos prisionais adequados aos regimes semiaberto e aberto: inexistência de vagas� Reformulação da legislação: necessidade� Apelo ao legisla‑dor� RE 641�320

261

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 357

Exe-Imp

Pn Execução penal. Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN)� Contingenciamento: vedação� Financiamento de centrais de monitoração eletrônica e de penas alternativas: possi‑bilidade� Lei Complementar 79/1994, art� 3º: interpretação conforme à Constituição� RE 641�320

261

Ct Exigência de depósito recursal nos Juizados Especiais Cíveis no valor de cem por cento da condenação� (���) Com-petência legislativa. ADI 2�699

53

FPrCv Fazenda Pública Federal. Rito dos Juizados Especiais

Federais� Prerrogativa de intimação pessoal: inaplicabi‑lidade� Princípio da paridade de armas� CF/1988, art� 5º, XXXV e LV� Lei 10�259/2001, art� 9º� Repercussão geral: Tema 549� ARE 648�629

323

Pn Financiamento de centrais de monitoração eletrônica e de penas alternativas: possibilidade� (���) Execução penal. RE 641�320

261

Trbt Fixação de alíquota progressiva antes da EC 29/2000: de‑claração de inconstitucionalidade� (���) Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). RE 602�347

173

Pn Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN)� (���) Execução penal. RE 641�320

261

ITrbt Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Fixação

de alíquota progressiva antes da EC 29/2000: declaração de inconstitucionalidade� Cobrança do tributo calculado pela alíquota mínima prevista na lei municipal: exigibilidade� Critério menos gravoso possível ao contribuinte� Reper‑cussão geral: Tema 226� RE 602�347

173

358 | Revista Trimestral de Jurisprudência

Imp-Man

PrSTF Improcedência� (���) Reclamação. Rcl 16�619 AgR 126

PrPn Interrogatório. Realização ao final da instrução pe‑nal: obrigatoriedade� Processo penal militar, processo penal eleitoral e procedimentos regidos por legislação es‑pecial, cuja instrução não se tenha encerrado: incidência do art� 400 do CPP/1941� Lei mais benéfica� Princípio do con‑traditório e da ampla defesa� CPP/1941, art� 400, redação da Lei 11�719/2008� HC 127�900

137

JPn Justiça Militar� (���) Competência criminal. HC 127�900 137

LCt Lei 9�294/1996� (���) Propaganda comercial. ADO 22 9

PrCv Lei 10�259/2001, art� 9º� (���) Fazenda Pública Federal. ARE 648�629

323

Pn Lei Complementar 79/1994, art� 3º: interpretação confor‑me à Constituição� (���) Execução penal. RE 641�320

261

Ct Lei estadual 11�404/1996/PE, arts� 4º e 12: inconstitucio‑nalidade formal� (���) Competência legislativa. ADI 2�699

53

PrPn Lei mais benéfica� (���) Interrogatório. HC 127�900 137

MPn Manutenção do condenado em regime prisional mais gra‑

voso: impossibilidade� (���) Execução penal. RE 641�320261

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 359

Med-Pri

Pn Medidas alternativas: saída antecipada do sentenciado, liberdade eletronicamente monitorada, cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo� (���) Execução penal. RE 641�320

261

PPn Pacientes que não integram mais as Forças Armadas: irre‑

levância� (���) Competência criminal. HC 127�900137

PrSTF Pertinência temática entre o ato reclamado e o parâmetro de controle: requisito� (���) Reclamação. Rcl 16�619 AgR

126

Pn Posse de substância entorpecente em local sujeito à admi‑nistração militar� (���) Competência criminal. HC 127�900

137

PrCv Prerrogativa de intimação pessoal: inaplicabilidade� (���) Fazenda Pública Federal. ARE 648�629

323

Adm Princípio da irredutibilidade de vencimentos: inaplicabi‑lidade aos valores que ultrapassem o teto� (���) Remunera-ção. RE 606�358

195

Pn Princípio da legalidade e da individualização da pena� (���) Execução penal. RE 641�320

261

PrCv Princípio da paridade de armas� (���) Fazenda Pública Federal. ARE 648�629

323

Ct Princípio da separação dos Poderes� (���) Propaganda comer-cial. ADO 22

9

PrPn Princípio do contraditório e da ampla defesa� (���) Interro-gatório. HC 127�900

137

Pn Prisão domiciliar ao sentenciado: possibilidade enquanto não estruturadas as medidas alternativas� (���) Execução penal. RE 641�320

261

360 | Revista Trimestral de Jurisprudência

Pro-Reg

PrPn Processo penal militar, processo penal eleitoral e procedi‑mentos regidos por legislação especial, cuja instrução não se tenha encerrado: incidência do art� 400 do CPP/1941� (���) Interrogatório. HC 127�900

137

Ct Propaganda comercial. Bebida alcóolica� Regulamen‑tação: ausência de omissão� Critérios: definição pelo Poder Legislativo� Atuação do STF como legislador positivo: inadmissibilidade� Princípio da separação dos Poderes� CF/1988, arts� 2º e 220, § 4º� Lei 9�294/1996� ADO 22

9

Pn Providências de ordem administrativa apresentadas pelo STF: desenvolvimento e implementação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)� (���) Execução penal. RE 641�320

261

QPn Qualificação como “colônia agrícola, industrial” ou “casa

de albergado ou estabelecimento adequado”: prescindibili‑dade� (���) Execução penal. RE 641�320

261

RPrPn Realização ao final da instrução penal: obrigatoriedade�

(���) Interrogatório. HC 127�900137

PrSTF Reclamação. Improcedência� Pertinência temática entre o ato reclamado e o parâmetro de controle: requisito� Transcendência dos motivos determinantes: inaplicabili‑dade� Decisão na ADI 3�089: ausência de descumprimento� Rcl 16�619 AgR

126

Pn Reformulação da legislação: necessidade� (���) Execução penal. RE 641�320

261

El Regra da fidelidade partidária: inaplicabilidade� (���) Elei-ção. ADI 5�081

66

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 361

Reg-Sis

Ct Regulamentação: ausência de omissão� (���) Propaganda comercial. ADO 22

9

Adm Remuneração. Servidor público� Teto constitucional� Vantagem pessoal recebida antes da EC 41/2003: inclusão� Princípio da irredutibilidade de vencimentos: inaplicabili‑dade aos valores que ultrapassem o teto� Valores recebidos em excesso e de boa‑fé até 18/11/2015: restituição dispen‑sada� CF/1988, art� 37, XI e XV� Repercussão geral: Tema 257� RE 606�358

195

Trbt Repercussão geral: Tema 226� (���) Imposto Predial e Terri-torial Urbano (IPTU). RE 602�347

173

Adm Repercussão geral: Tema 257� (���) Remuneração. RE 606�358

195

Pn Repercussão geral: Tema 423� (���) Execução penal. RE 641�320

261

PrCv Repercussão geral: Tema 549� (���) Fazenda Pública Federal. ARE 648�629

323

El Resolução 22�610/2007‑TSE, arts� 10, expressão “ou vice”, e 13, expressão “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário”: inconstitucio‑nalidade� (���) Eleição. ADI 5�081

66

El Resolução 22�610/2007‑TSE, art� 10, expressão “suplen‑te”: interpretação conforme à Constituição� (���) Eleição. ADI 5�081

66

PrCv Rito dos Juizados Especiais Federais� (���) Fazenda Pública Federal. ARE 648�629

323

SAdm Servidor público� (���) Remuneração. RE 606�358 195

El Sistema majoritário� (���) Eleição. ADI 5�081 66

362 | Revista Trimestral de Jurisprudência

Sob-Van

El Soberania popular� (���) Eleição. ADI 5�081 66

TAdm Teto constitucional� (���) Remuneração. RE 606�358 195

PrSTF Transcendência dos motivos determinantes: inaplicabili‑dade� (���) Reclamação. Rcl 16�619 AgR

126

UCt União Federal� (���) Competência legislativa. ADI 2�699 53

VAdm Valores recebidos em excesso e de boa‑fé até 18/11/2015:

restituição dispensada� (���) Remuneração. RE 606�358195

Adm Vantagem pessoal recebida antes da EC 41/2003: inclusão� (���) Remuneração. RE 606�358

195

ÍNDICE NUMÉRICO

volume 237 | julho a setembro de 2016 | 365

ACÓRDÃOS

22 (ADO) � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Cármen Lúcia � � � � � � � � � 9 2�699 (ADI) � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Celso de Mello � � � � � � � 53 5�081 (ADI) � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Roberto Barroso � � � � � � 66 16�619 (Rcl‑AgR) � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Edson Fachin � � � � � � � �126 127�900 (HC) � � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Dias Toffoli � � � � � � � � �137 602�347 (RE) � � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Edson Fachin � � � � � � � �173 606�358 (RE) � � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Rosa Weber � � � � � � � � �195 641�320 (RE) � � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Gilmar Mendes � � � � � � �261 648�629 (ARE) � � � � � � � � � � � � � � � Rel�: Min� Luiz Fux � � � � � � � � � � �323

Este livro foi projetado por Eduardo Franco Dias e composto por Camila Penha Soares, Eduardo Franco Dias, Neir dos Reis Lima e Silva e Patrícia Amador Medeiros na Secretaria de Documentação do Supremo Tribunal Federal.

A fonte de texto é a Kepler Std, projetada por Robert Slimbach e editada pela Adobe Systems em 2003.

Os títulos e destaques foram compostos em Helvetica Neue LT Std. Ela é uma ampliação da família tipográfica de Max Miedinger e Eduard Hoffmann, criada em 1957 na Suíça e reeditada em 1983 pela Adobe Systems.

9 7 7 0 0 3 5 0 5 4 0 0 2

ISSN 0035 - 0540