revista thot_1995_n.60

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UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO PALAS ATHENA - N!! 60 1995 entrevista Isabel Allende Gregory Bateson um cérebro privilegiado

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Revista sobre esoterismo, filosofismo e espiritualismo. N°60, Ano:1995.

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  • UMA PUBLICAO DA ASSOCIAO PALAS ATHENA - N!!60 1995

    entrevistaIsabel Allende

    Gregory Batesonum crebro privilegiado

  • ASSOCIAO PALAS ATHENACENTRO DE ESTUDOS FILOSFICOS

    SEDE CENTRALRua Lencio de Carvalho, 99 - Paraso - So Paulo - SP

    CEP 04003-010 - Fones: (011) 288.7356 e 283.0867

    GRFICA E EDITORA

    PALAS ATHENARua Serra de Paracaina, 240 - Cambuci - So Paulo - SP

    CEP 01522-020 - Fones: (011) 279-6288 e 270-6979

    CENTRO PEDAGGICOCASA DOS PANDAVAS

    Bairro do Souza, 551 - Municpio de Monteiro Lobato - SPCEP 12250-000

    CENTRO DE ESTUDOSPALAS ATHENA (Bauru)

    Rua 13 de Maio, 12-16 - Bauru - SPCEP 17015-450 - Fone: (0142) 23.4424

    CENTRO DE ESTUDOS

    PALAS ATHENA (Santos)Rua Joaquim Tvora, 80 - Santos - SP - CEP 11065-300

  • THOT uma publicao multidisciplinar da As-sociao Palas Athena. Seu nome a forma gregade uma antiga divindade egpcia padroeira dosescribas e dos matemticos, criadora da escrita,fundadora da ordem social, intrprete e conse-lheiro dos deuses. Gerolmenle represenlado coma cabea de Ibis, Thot manifesta a essncia dopensamento criador.

    THOT nO60 - maro 1995tiragem: 6.000 exemplares

    Editores: Associao Palas Athena do Brasil, LiaDiskin, Basilio Pawlowicz, Primo Augusfo GerbelliEdio de Texto: Graciela Karman - Ediode Arte e Editorao Eletr6nica: Roberto SanzReviso Tcnica: Lia Diskin - Reviso de Pro-vas: Lucia Benfatti Marques, Therezinha SiqueiraCampas - Equipe That: Carmen Fischer, Danie-10 Kalzenstein, Daniela Moreau, George Barcat,Isabel Cristina M. de Azevedo, Lucia Branda S.Moufarrige, Maria do Carmo de Oliveira, MariaLa Schwarcz, Nilton Almeida Silva, Roberto Zie-mer, Vernica Rapp de Eston - Produo: BasilioPawlowicz, Emilio Moufarrige, Srgio Marques -Impresso e Distribuio: Grfica e EditaraPalas Athena - Assinaturas: Rasa Maria IndtilloColaboradores: Maria Cristina Flores (Ar-gentina), lvaro Celso Guimares (Blgica), Hum-berto Mariotti. Takeshi Assaaka (Brasil). CanradRichter (Canadl, Henryk Skolimovski (EUA).Jornalista Rasponsval: Grociela Karman.

    No publicamos matrias redacionais pagas. Per-mitida a reproduo, citando a origem. Os n-meros atrasadas so vendidas conforme a lti-ma tabela de preos publicado pela Editora Pa-Ios Athena. Periodicidade: trimestral. Assinaturapor quatro nmeros - P"dida. "m nome da Asso-cioo Palas Athena do Brasil - Rua Lencio deCarvalho. 99 o Paulo. SP CEP 04003-010Fones: 288.7356 e 283.0867.A responsabilidade pelos artigos assinados cabeaos autores. Matrcula nO2046. Registro no DDCPdo Departamento de Polcia Federal sob nO 1586P 290/73.

    Boas notcias quemerecem destaque

    Todos sabemos quanto nos custa mudar hbitos de vida, mesmopara implementar atividades que, temos certeza, so boas para ns.Se essa dificuldade fato no mbito individual, no coletivo nopoderia ser de outro modo. Uma queixa freqente acerca dalentido em efetivar mudanas j ratificadas em fruns internacionaisou pelo consenso nacional. Exemplo disso a Agenda 21,compromisso assumido pelos governos de 179 naes na ECO 92.

    Contudo, grande parte dessas queixas advm do desconhecimentode inmeros esforos feitos no mundo todo para quebrar resistncias,hbitos de comportamento e medo de mudanas. A partir destenmero 60, a revista mOT passa a publicar a seo PAINEL,para levarao leitor brasileiro informaes e notcias que encontram pouco ounenhum espao nos meios de comunicao em geral. So essas, noentanto, as notcias que revelam os esforos, na maioria das vezesannimos, que alimentam incansavelmente nossas reservas deesperana, de renovao e de utopia.

    Os editores

    NDICE

    Entrevista: Isabel Allende 2Micbael Toms

    Mandala. Do livro Joga,imortalidade e liberdadeMircea Eliade

    31

    oAno da Tolerncia: 12Depoimentos Jocob Boehme, filsofo

    Amrico Sommerman37

    Acerimnia do Ch 18Muriyama Coen-San Epifanias

    Uma histria do Talmude40

    o pensador G. BatesonHurnberto Mariotti

    23Capa: Pintura de Norman Rockweli,inspirada na Regra urea daThanks-Giving Square FoundationPainel informativo 28

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  • ENTREVISTA DE MICHAEL TOMS--------------~~~---------------~

    ISABEL ALLENDE

    UMA VOZ DAS ENTRANHASA escritora Isabel Allende fala

    de seu processo visceral de criao em que

    vivos e mortos, fico e realidade se misturam.

    A sobrinha de Salvador Allende, ex-presidente do Chile, nasceu emLima, Peru, para onde seu pai di-plomata havia sido transferido.Seus pais divorciaram-se quandoIsabel tinha trs anos e a me vol-tou com ela para o Chile, ondeforam viver com os avs maternosem Santiago. Isabel passou muitosanos da infncia na casa que ser-viria de inspirao para a mansofamiliar descrita em seu primeirolivro, A Casa dos Espritos. Aps osegundo casamento da me, tam-bm com um diplomata, Isabel vi-veu em vrios pases da Europa eOriente Mdio, uma vez que a fa-mlia acompanhava o padrasto emsua carreira diplomtica.O primeiro emprego, aos 17 anos,foi de secretria na Organizaopara a Alimentao e Agriculturadas Naes Unidas. Designada parao Departamento de Informaes,Isabel comeou imediatamente atrabalhar com jornalistas. Enquan-to trabalhava ali, casou-se com seuprimeiro marido, um engenheiro,

    com quem teve dois filhos, Paulae Nicols. Em 1965, decidiu tor-nar-se jornalista free-lance.Em 1973 o mundo de Isabel Allen-de sofreu uma transformao irre-versvel. Salvador Allende foi as-sassinado no golpe militar contraseu governo socialista. Descreven-do o efeito do acontecimento, cer-

    ta vez Isabel disse: "Acho que mi-nha vida ficou dividida entre antese depois daquele dia ... Naquelemomento, percebi que tudo erapossvel... que a violncia era umadimenso que sempre se encon-trava presente".Obrigada a deixar o pas, Isabelacabou instalando-se com sua fa-mlia na Venezuela. Foi l, em 1981,que comeou a escrever A Casados Espritos, narrando a saga detrs geraes de uma famlia en-volvida com a recente histria deviolncia do Chile. Aps essa im-pressionante estria, publicou DeAmor e de Sombra, Eva Luna, His-trias de Eua Luna - todos best-sellers internacionais - e, em 1993,Plano Infinito, seu primeiro roman-ce situado fora da Amrica Latina.Divorciada em 1987, Isabel vivehoje em San Rafael, Califrnia, comseu segundo marido.A entrevista a seguir foi concedida aMichaelToms, da rdio New Dimen-sions, e posteriormente reproduzidapela revista Common Boundary.

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  • PALAS ATHENA

    MICHAEL TOMS- vcc comeou sua car-reira escrevendo como jornalista. Como setornou escritora de fico?ISABEL AIlENDE - No tive escolha. Ti-nha estado em silncio por muito tempo,paralisada pela experincia do exlio epelas perdas na minha famlia. Ento, umdia - era 8 de janeiro de 1981 - soube quemeu av, que vivia no Chile, estava pres-tes a morrer. Quando eu era pequena, eleera a figura masculina mais importante daminha vida. De maneira que comecei aescrever uma carta - uma espcie de cartaespiritual - para dizer-lhe adeus e, tam-bm, que ele podia ir em paz, porque euguardara na memria todos os casos queele tnha me contado, todas suas lembran-as; que eu no tinha esquecido nada. Co-mecei a escrever a primeira histria queele me contara, o caso de minha tia Rosa,que todo mundo dizia ter sido muito lin-da. Mas a carta acabou virando outra coi-sa. Comecei a "roubar" as vidas de outraspessoas e entraram outros personagens.De repente, estava escrevendo fico. Maseu no sabia o que era aquilo. Para mim,continuava sendo uma carta. Quando jtinha quinhentas pginas, no me pareciamais uma carta. Ento, meu av morreu.Portanto, jamais a receberia.

    MT - Quando voc percebeu que tinha umlivro nas mos, foi fcil public-lo?IA - No. Foi muito difcil. Eu no sabiaque aquilo era um livro. Dei-o minhame, que disse: "No sei, mas isto me pa-rece um romance". Ela me ajudou a corri-gi-Ia e edit-lo e o enviei a vrios editoresda Amrica Latina. Nenhum quis l-Ia. Eraum primeiro romance, um texto muito lon-go c prolixo. Ningum me conhecia e eutinha um sobrenome muito poltico. Erauma coisa muito arriscada para os edito-res. Ento, um dia, a secretria de umadas editoras me telefonou dizendo: "Elesno vo publicar este livro. Por que no omanda para uma agncia?" Eu no sabiaque existiam agentes literrios. Achava queexistiam apenas agentes esportivos. Man-

    dei o livro pessoa que ela me recomen-dou em Barcelona. A agncia se encarre-gou de que o livro fosse publicado, tradu-zido, revisto e distribudo. Portanto, tivemuita sorte.

    MT - Voc escreve em espanhol, no ?IA - Sim, s em espanhol.

    MT - J tentou escrever em ingls?IA - No. Posso escrever um discurso emingls, ou uma carta, mas no fico. Afico algo que acontece comigo inde-pendente de mim. Ela ocorre em minhasentranhas, no na minha mente. comofazer amor ou parir. S acontece na lnguada gente, suponho.

    MT - Como voc comea a escrever umlivro?IA - Sempre comeo meus livros no mes-mo dia - 8 de janeiro - e com um ritualque foi se tornando cada vez mais sofisti-cado. Sabe, escrever um romance uminvestimento a longo prazo: pode levardois ou trs anos. A gente tem que se apai-xonar por ele; tem realmente que familia-rizar-se com os espritos do livro. Os per-sonagens tm que entrar em sua vida, noespao no qual voc vai escrever e voctem que dar-lhes boas-vindas. Precisei deajuda e inspirao. Minha me, minha fi-lha, que morreu recentemente, e minhaav, que morreu h muito tempo, me aju-dam. No ritual, eu lhes dou as boas-vin-das e lhes peo ajuda Todas as manhs,quando estou escrevendo, acendo umavela para elas. Elas esto ali presentes. Seusespritos esto comigo.Entro no estado de esprito apropriadoescrevendo uma carta para minha metodas as manhs. Ento, abro meu cora-o. Parece xaroposo, mas assim mes-mo. Quando comeo um livro, escrevo aprimeira frase. Em geral, no sei qual sera primeira frase. s vezes acho que sei oque vou escrever, mas quando comeo,percebo que algo totalmente distinto es-teve se desenvolvendo dentro de mim.

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  • PALAS ATHENA

    Ento me entrego: sou muito receptiva experincia. Despejo a histria no primei-ro rascunho, que sempre muito longo edesordenado. No sei de que trata o ro-mance antes de imprimi-lo e l-lo. Adigo:"Ah, assim que ele ", e comeo a enxu-gar o texto cortando, editando, alterando.Quando acho que est mais ou menosbom, envio-o minha me no Chile. Ela ol e vem para c com uma caneta verme-lha. Discutimos durante um ms mais oumenos e ela vai embora. Das quinhentaspginas originais restam talvez quinze. En-to comeo a trabalhar novamente.

    MT - Sua me sempre foi editora?IA - No, mas uma crtica severa. Elame ama incondicionalmente e muito ho-nesta comigo. o tem que ser cuidado-sa: pode dizer tudo o que quiser. Sei que sempre com a melhor das intenes. Em-bora eu no preste ateno a tudo o queela diz, sei que se no gosta de algumacoisa porque h algo errado. Ela podedizer, por exemplo: "No gostei do final",embora no consiga sugerir outro melhor.Mas se no gosta do que fiz porque no bom. De maneira que o escrevo e rees-crevo muitas vezes at sentir que encon-trei o melhor - ou melhor do que o ante-rior, pelo menos.

    MT - Voc diria que seus livros trazem al-guma mensagem implcita?IA - No. No tenho inteno de trans-mitir qualquer tipo de mensagem, poisno tenho nenhuma resposta. Fao ape-nas as perguntas, que so as mesmas detodo mundo. Talvez o que o escritor te-nha a fazer seja apenas sintonizar-se comas perguntas e recoloc-Ias de maneiraque ressoem e toquem o maior nmerode pessoas. Sou sempre movida pelosmesmos temas, de modo que, repisan-do as mesmas questes, me perguntoquem sou. como uma jornada no inte-rior de mim mesma. Suponho que aspessoas faam isso em terapia Eu o faoescrevendo.

    MT - Parece-me que sua obra expressode sentimentos profundos. Voc v sua obraemergindo de sua prpria dor, de sua pr-pria angstia?IA - Acho que todo livro desencadeadopor uma emoo muito forte que estevecomigo por longo tempo. Em geral, umaemoo dolorosa. Entretanto, o processode escrever to jubiloso - como urnaorgia - que no posso reclamar. Divirto-me muito escrevendo. Posso escrever 14horas por dia sem comer nada e, aindaassim, sentir-me muito bem, porque o pro-cesso tremendamente envolvente. Maso que o desencadeia doloroso, Chorocom freqncia enquanto escrevo.

    Mf - Voc acha que verdade para amaioria dos escritores que a pessoa tem quesofrer para ser criativa?IA - No. Eu acho que a gente maiscriativa quando tem tempo livre. Quandotem as necessidades bsicas satisfeitas,quando tem afeto e apoio e quando estlivre. Acho que esse o melhor estado deesprito para a criao.

    Mf - Voc considera muito importante asolido para escrever. Fale um pouco disso.IA - Escrever exige concentrao e siln-cio e eu s consigo isso em total solido.Se no tiver uma espcie de tero ondetrabalhar, para onde me retirar totalmen-te, no consigo escrever. Posso escrevermatrias jornalsticas, cartas e discursos,mas no fico, porque escrever fico como bordar um tapete. Voc vai bordan-do pedacinho por pedacinho com umaagulha muito fina e com fios de diferentescores. Precisa concentrar-se, porque noconhece o padro e no pode deixar ne-nhum ponto solto. Tem que amarrar to-dos eles e isso exige que tenha tudo namente. Talvez outros escritores faam umesboo e o sigam e, portanto, no preci-sem desse tipo de concentrao. Eu noconsigo fazer isso. Vou escrevendo linhapor linha, de maneira que preciso ter emmente a primeira linha que escrevi meses

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  • PALAS ATHENA

    "Minha me pode dizer o que quiser. Ela uma crtica severa."

    atrs, para que a histria inteira tenhacoerncia no final.

    MT - Lembro-me de uma histria que voccontou em um de seus livros. Vocescreveusobre uma mina onde foram assassinadosalguns camponeses. Havia uma espcie demediunidade que impelia seu processo deescrever.IA - Essa histria narrada em De Amor ede Sombra. O que desencadeou aquelelivro foi a raiva contra os abusos da dita-dura chilena. Muitas pessoas haviam sidomortas. Muitas haviam desaparecido. Ocaso ao qual voc est se referindo foi umcrime poltico que ocorreu em 1973.Quin-ze camponeses foram assassinados e seuscorpos no foram encontrados. Passadoscinco anos, a Igreja Catlica descobriu umamina abandonada e encontrou os cadve-res. Ningum sabe corrio ela ficou saben-do e como a descobriu antes que a polciapudesse det-Ia. Saiu na imprensa e hou-ve um processo judicial. Foi assim quetomei conhecimento do caso.

    Quando escrevi a histria, tinha algumasinformaes parciais; apenas as que a jus-tia chilena havia permitido. Precisei pre-encher as lacunas com minha imaginao.Quando terminei a histria, minha meleu o livro e concluiu: " totalmente inve-rossmil. O fato de um padre tomar co-nhecimento em confisso de que os cor-pos esto na mina, pegar a motocicleta eir para um lugar que foi interditado pelapolcia durante o toque de recolher, abrira mina, encontrar os cadveres, fotograf-Ias e levar as fotografias ao cardeal - isso impossvel". E eu argumentei: "Bem, ma-me, um artifcio literrio. No tenhooutro jeito de resolver a trama".O livro foi publicado em 1984. Em 1988pude voltar ao Chile. Enquanto estava l,um padre jesuta veio falar comigo e medisse que havia tomado conhecimento emconfisso de que os cadveres estavam namina. Ele tinha ido at l de motocicleta,durante o toque de recolher. Descobriu amina, fotografou os cadveres e levou asfotos para o cardeal. Foi assim que a Igreja

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  • Concentrada,a gente percebe

    outros sinaise linguagens

    PALAS ATHENA

    Catlica descobriu a mina antes que asautoridades pudessem impedi-Ia. Ele meperguntou como eu soubera, uma vez queas nicas pessoas que conheciam o fatoeram o cardeal e ele prprio. Respondi:"No sei. Achei que tinha inventado. Mastalvez os mortos tenham me contado".

    MT - Com isso, voc est penetrandoem outro nvel de conscincia, em ou-tra realidade.IA - Eu tinha a sensao, com aquele li-vro, de que as mulheres da histria, asmulheres que estavam procura de seusmaridos, filhos e irmos, estavam me obri-gando a escrever a histria. Eu ouvia umclamor e foi por isso que escrevi com tan-ta ansiedade e raiva. Muitasvezes, enquan-to escrevia, tinha a sensao de que aspessoas estavam me contando as coisas.Eu ouvia vozes - no sons reais, apenasvozes em minha mente - e tinha sonhosrelacionados com a histria. Suponho queisso sempre acontea quando se est con-centrado em um projeto: voc acaba ou-vindo coisas.Por exemplo, quando minha filha esteve

    doente em coma durante um ano, eu cui-dei dela em casa. Ela no conseguia co-municar-se de nenhuma forma e estavatotalmente paralisada. Entretanto, eu tinhaa sensao de ouvir sua voz, especialmenteenquanto dormia. Eu podia ouvi-Ia falan-do comigo, via imagens. Soube exatamentequando ela ia morrer, porque a comuni-cao se tornou muito estranha, nebulo-sa, obscurecida. No havia nenhuma in-feco, seus pulmes estavam desobstru-dos e o mdico achava que ela poderiaviver muito tempo. Eu sabia que no erao caso. No dia em que morreu, soube quetinha chegado a hora. Na verdade, elamorreu no dia seguinte, s quatro da ma-drugada. Quando se est concentrado emalgo, quando a energia, a mente e as emo-es esto centradas em algo, a gente setorna consciente de outros sinais, outraslinguagens que talvez sempre tenham exis-tido, mas no se percebem enquanto seest envolvido com o mundo.

    MT- Como foi esseprocesso de estar comsua filha em coma?IA- Foram etapas, diferentes etapas. Noincio, tinha esperanas e lutei como umsamurai para traz-Ia de volta vida. De-pois, aos poucos fui desistindo. Primeirodesisti de seu corpo, dizendo: "Bem, elano vai mais ser a garota linda e graciosaque foi". Em seguida, disse: "No importa,ainda a temos". Depois desisti de sua men-te. Quando fiquei sabendo que tinha le-ses graves no crebro e que jamais serecuperaria, disse: "OK, a mente no toimportante. Vou cuidar dela. Ns a temosviva, ela continua aqui". Depois desisti dis-so tambm e disse: "OK, ela pode ir e novou am-Ia menos por isso". Disse-lhe quepodia partir, que eu a amava muito e queestaria com ela aqui e em algum outro lugarno futuro. Ela morreu e eu fiquei com ascinzas. Depois, nem isso tive mais.

    MT - H algo mais que voc gostaria dedizer sobre suafilha?IA - Eu fico muito emocionada quando

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  • PALAS ATHENA

    falo sobre isso, mas sei que muitas pes-soas tm familiares ou entes queridosmuito doentes ou em fase terminal. Minhaexperincia pode ser til para elas. Passa-do um tempo, perde-se o medo da morte.No apenas a filha da gente que vaimorrer; a gente tambm vai morrer. A gen-te compreende que morrer como nas-cer. como um limiar atravs do qual vocpassa para outro mundo. Voc no levanenhuma lembrana consigo; por issoque a morte to assustadora. Mas no hnada de assustador no fato de morrer.Paula morreu nos meus braos. Fiquei nacama abraada com ela um dia e uma noiteat ela morrer. Quando morreu, tive umasensao ele paz to profunda que ador-meci. Ainda me lembro do sonho que tiveabraada com ela quando j estava morta.Meu filho me acordou porque Paula jestava rgida, dizendo: "Temos que lav-Ia e vesti-Ia" e foi o que fizemos. Em se-guida, eu disse: "No vamos lev-Ia daquiantes que o marido chegue". O maridodela estava em Chicago. De maneira queo corpo dela permaneceu conosco doisdias. Naqueles dois dias me familiarizeicom a morte. No h nada de assustadornela. doloroso para mim saber hoje quenunca mais vou poder falar com ela ououvir suas risadas ..Mas ela existe. O esp-rito dela existe e est conectado com omeu. No estou assustada com a mortedela, nem com a minha.

    MT - uma experincia muito forte. Nosei o que possa dizer. Mas posso imaginarum ou dois livros a partir dessa experin-cia que voc viveu.IA - difcil para mim escrever quandome encontro em meio a uma tempestade.A literatura precisa de ambigidade, iro-nia, distanciamento. Neste momento, notenho nada disso.

    MT- Mas voc acha que importante con-tar histrias. Por qu?IA - Acho que as histrias so para a socie-dade o que os sonhos so para os indiv-

    duos. Se voc no sonha, enlouquece. Ossonhos de alguma forma desobstruem amente e colocam a pessoa em contato como mundo inconsciente, do qual pode tirarlies e informaes. Acho que isso queas histrias fazem. H centenas, milharesde histrias, mas ns sempre repetimos asmesmas. Todas as grandes tramas j fo-ram narradas inmeras vezes. Podemosapenas remont-Ias de maneira diferente.Cada vez que o fazemos entramos em con-tato com o mito e, de alguma forma, faze-mos a sociedade sonhar. O poder da nar-rao de histrias surpreendente. Expe-rimente s dizer: "Era uma vez ..." dentrode um elevador. Ningum vai descer. Todomundo vai ficar ali at a histria acabar.

    MT - Em certa ocasio, voc escreueu oudisse algo acerca de um acordo entre o lei-tor e o autor. Vocpode falar disso?IA - No Sudo, o contador de histriassenta-se no centro da aldeia e diz: "Voucontar-Ihes uma histria" e as pessoas di-zem "certo". Ele continua: "Nem tudo nahistria verdadeiro". Elas concordam:"Certo". Mas ento o contador de histriasdiz: "Tampouco tudo falso". "Certo". Elesestabelecem um acordo, como voc v.Ele conta a histria e os ouvintes conhe-cem as regras. Nem tudo digno de cr-dito, mas vamos fazer de conta que . Bem, assim que me sinto com relao ao meuleitor. Estou propondo algo, dizendo: "Ei,esta a histria que vou contar. Nem tudo verdadeiro, nem tudo falso, mas nestemonte de mentiras podemos encontrar al-gumas partculas de verdade. Vamos am-bos penetrar na dimenso da literatura, que semelhante realidade, mas no total-mente real. Vamos fazer de conta que real e encontrar juntos nosso caminho". isso que escrever. No consigo imagi-nar-me escrevendo para mim mesma ouescrevendo para publicar, porque acho queum livro no existe por si mesmo. Ele no um fim, mas um meio de comunicao,uma ponte. Se no tenho um leitor e noencontro algum para segurar minha mo

    Todas asgrandestramasi foramnarradas

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  • ..

    PALAS ATHENA

    e explorar comigo o espao e o tempo dolivro, perco o interesse. Preferiria fazeroutra coisa.

    MT - Voc pensa no leitor quando es-creve?IA - Penso em um leitor. No penso nogrande pblico ou em milhes de exem-plares. Quero chegar ao corao de umapessoa.Quero agarrar essa pessoa pelo pesco-o e dizer-lhe: "No vou deixar voc irembora at acabar o livro. Voc vai lerat a ltima pgina". Isso importante,muito importante.

    Mf - H alguns escritores latino-ameri-canos que influenciaram sua obra?IA - Todos eles. Eu perteno primeiragerao de escritores latino-americanosque cresceu lendo outros escritores donosso continente. A gerao anterior cres-ceu lendo escritores europeus e norte-americanos traduzidos. Mas eu fui influen-ciada por todos eles - Garcia Marquez,Carlos Fuentes, Jorge Lus Borges, JlioCortzar, Jos Donoso, muitos deles - al-guns da minha prpria gerao, comoEduardo Galeano. fcil para mim escre-ver, uma vez que no tenho que inventarnada. Eles j descobriram uma voz, umaforma de narrar-nos para ns mesmos.Portanto, fcil.

    MT- E Pablo Neruda?IA - No sei se ele influenciou meus es-critos, mas teve grande influncia em mi-nha vida. Pablo Neruda um poeta dossentidos. Veja, por exemplo, sua "Ode aoleo". Voc pode ter usado leo durantetoda sua vida, sem jamais perceber a trans-parncia ou cor, sentir a textura, o cheiro;voc no sabe de onde ele provm oucomo feito. A maravilhosa natureza doleo torna-se real quando voc l Neruda.

    MT - Essa uma das ddivas que os escri-tores latino-americanos oferecem a ns quevivemos na Amrica do Norte. H uma

    l

    qualidade que me faz lembrar a florestatropical- a variedade e qualidade exube-rantes da floresta tropical.IA - Mas acho que voc tambm a encon-tra em muitos escritores norte-americanos,especialmente as mulheres minortrias -as mulheres negras, as chicanas, as sino-americanas, as nipo-americanas e indge-nas. Voc encontra esse tipo de literaturao tempo todo. a literatura WASP(White,Anglo-saxon, Protestant) que est morta.

    Mf - Em Plano Infinito h um captulosobre Berkeley dos anos 60. Voc no vivianos Estados Unidos naquela poca. Comosoube de Berkeley?IA - Tenho uma amiga que esteve emBerkeley nos anos 60 e ela me levou devolta para l. Ns andamos pelas ruas efalamos com as pessoas que esto l hvinte anos. Ela me contou sua experinciae permitiu que eu escrevesse sobre ela,como muitas pessoas que encontramos narua me contaram suas histrias. Por issofoi fcil.Sobre o Vietn foi mais difcil. Escrevi ocaptulo sobre o Vietn duas vezes. Estavadisposta a elimn-I o do livro, uma vez quecontinha todas as informaes mas nohavia nenhuma emoo real. No consigosentir a experincia da guerra Como mu-lher e antimilitarista, tenho muita dificul-dade em entender a guerra. Mas tive SOf-te. Quando estava disposta a elimn-Io,surgiu em minha vida um veterano doVietn e me ofereceu a maravilhosa d-diva de sua experincia. Eu a registrei emeu nico trabalho foi traduzi-Ia para oespanhol.

    Mf - Voc se descreveu como uma insa-civel caadora de histrias. O que quisdizer com isso?IA - Estou sempre roubando as histriasde outras pessoas. Encontro algum e que-ro saber o que aconteceu em sua vida epor qu. Sempre fao as perguntas erra-das, mas tenho sorte de faz-Ias s pes-soas certas. Assim, obtenho suas histrias.

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  • PALAS ATHENA

    Mf - Os personagens que aparecem emseus livros so pessoas reais?IA - Sempre escrevo fico, mas no con-sigo mais delimitar a fronteira entre a rea-!idade e a fantasia. As histrias so sem-pre baseadas em vidas reais, mas eu asreviro, toro e deformo at acabarem sen-do fico.

    MT- Vocfaz isso com seus amigos? Apro-pria-se das experincias deles?IA - Sim, me aproprio, mas tenho o cui-dado de no exp-los. Para mim, uma pes-soa sempre mais importante que umpersonagem. Jamais uso a experincia deoutra pessoa sem autorizao dela.

    MT - Quer dizer que voc penetra nas vi-das de outras pessoas.IA - Sim, mas transformando-as em fic-o. Tomo posse de muitas coisas. Porexemplo, usei algumas partes da vida demeu marido. No entanto, Gregory Reeves(protagonista de Plano Infinito) no meumarido. Mas a fico s vezes mais po-derosa que a realidade. Quem sabe? Tal-vez meu marido comece a acreditar que Gregory Reeves.Isso aconteceu com A Casa dos Espritos.Quando escrevi o livro, meus parentes fi-caram furiosos comigo. Mas ento o livrose tornou muito popular e eles comea-ram a desempenhar os papis. O livrosubstituiu as verdadeiras memrias da fa-mlia. Hoje, eles falam como se aquelascoisas tivessem realmente acontecido. Eos filmes so ainda mais poderosos queos livros.

    MT - Voc v a possibilidade de surgiremoutras Histrias de Eva Luna?IA - Em todas as sesses de leitura algumdo pblico me faz essa pergunta. Escrevercontos muito difcil. Acho muito maisdifcil do que um romance. O conto estmais prximo da poesia. preciso inspi-rao e no me sinto muito inspirada nomomento.

    MT - Que conselhos daria a algum quetivesse inteno de escrever um romance?IA - No sei. o sei dar conselhos, masdigo aos meus alunos que escrever comotreinar para tornar-se atleta. Voc jamaisvai quebrar recordes se no treinar todosos dias. No h como escrever um roman-ce por acaso. H muito trabalho rotineiroenvolvido.Alm disso, acho que a pessoa tem queser muito cruel na edio. No ter ne-nhuma compaixo com aquilo que noest bem. Mesmo que tenha passado me-ses trabalhando em um captulo, elimi-ne-o. O melhor conselho que j recebifoi: "Corte, corte, corte!" Voc faz issono jornalismo. Voc est procura deum adjetivo e, de repente, percebe queno precisa dele. Deixa o substantivosozinho. Voc pode fazer o mesmo comuma frase, com um captulo - com umbocado de texto. Corte.

    MT- Falando dejornalismo, uma vez ouvivoc dizer que era uma m jornalista por-que sempre se envolvia demais com seuscasos. D para escrever sobre alguma coi-sa sem se envolver?IA - Sim, verdade, mas h limites. Meuslimites eram forados. Acho que eu erauma jornalista imprestvel. Estava sempreme colocando no meio de tudo, escreven-do na primeira pessoa, jamais era objeti-va. Mentia o tempo todo. Se no tinha ne-nhuma notcia eu a criava. Isso demais.

    MT- Mas no preciso mergulhar nas coi-sas para poder entend-Ias? Como conse-gue distanciar-se?IA - preciso fingir que se objetivo. Eununca consegui isso. Mas adorava jorna-lismo. O que mais me agradava era a sen-sao de participao; voc vai para a ruae fala com as pessoas. Aquela sensaode fazer parte maravilhosa.

    MT- E como a sensao de viver fora doprprio pais?

    Minhashistriassempre sebaseiam emvidas reais

    THOT9

  • PALAS ATHENA

    "Usei partes da vida de meu marido. Mas ele no Gregory Reeves."

    IA- Era terrvel quando eu no podia vol-tar, mas atualmente vou todos os anos.Minha me mora l. Tenho a sensao deestar com um p l e outro aqui. A pocaterrvel foi quando vivi na Venezuela, sen-tindo que no podia voltar. Talvez at pu-desse, mas tinha medo. O medo umacoisa to estranha. Ele torna voc total-mente irracional; voc toma as decisesmais estranhas em funo do medo.Certa vez escrevi uma histria sobre duaspessoas que foram torturadas. Elas desco-brem, quando esto fazendo amor, que am-bas tiveram a mesma experincia. Um dospersonagens diz: "O medo mais forteque o amor. O medo mais forte que amorte, que o dio, que tudo. O medoobriga voc a fazer coisas abominveis".Quando escrevi essa histria achava queisso era verdade. Hoje eu a mudaria. Noacho mais que o medo seja mais forte queo amor. Acho que o amor mais forte.

    MT - O que provocou essa mudana?

    IA - Paula, minha filha.

    MT - A vida surpreendente, no ?IA - Sim, ela muito complexa e maravi-lhosa. Mas tenho a sensao de que a vida como uma passagem mais curta na lon-ga jornada do esprito. apenas uma ex-perincia pela qual temos que passar, por-que o corpo tem que vivenciar certas coi-sas que so importantes para o esprito.Mas no deveramos nos apegar tanto vida e ao mundo. No deveramos nos ape-gar aos aspectos materiais do mundo, por-que no podemos lev-los conosco. Agente vai perd-los de qualquer maneira.A gente vai perder o corpo.

    MT - Vocpercebe mais essa tendncia nosEstados Unidos que na Amrica Latina?IA - Eu a percebo em toda parte ... Masacho que est mudando. Sou muito oti-mista com relao aos anos 90. Achoque h mais conscincia, mais sentido

    THOT 10

  • PAlAS ATHENA

    comunitrio. Tentei retratar isso em PlanoInfinito. Meu protagonista passa a vida cor-rendo atrs do "sonho americano". Os anos80 o traem e ele acaba de joelhos. Temque comear tudo de novo; tem que en-contrar suas raizes e voltar ao essencial eele faz isso. Acho que o que est acon-tecendo com esta sociedade. Chegamos aum ponto em que a violncia, a criminali-dade, a solido e o desespero so to vis-veis que as pessoas hoje esto procuran-do respostas em outras partes.

    MT - Voc tem esperanas.IA - Sim, tenho muitas esperanas. Noacredito que vamos nos destruir com a ca-mada de oznio ou o holocausto nuclear.Acho que vamos sobreviver e melhorar.

    MT - E a comunidade? Voc acredita quea comunidade esteja tomando nova for-ma nos anos 90?IA - Acho que a capacidade humana desobreviver surpreendente. Quando che-gamos ao ponto de nos destruirmos, dealguma forma despertamos e realizamosmudanas. Acho que nesta sociedade hnovas foras que esto levando a mudan-as. Um nmero cada vez maior de mu-lheres esto abandonando o padro cul-tural que as formou desde a infncia. Es-sas pessoas esto educando filhos de ma-neira diferente. Por isso tenho esperana,muita esperana.

    MT - E o que voc pensa da violncia ur-bana?IA - No laboratrio, se houver ratos emexcesso numa jaula eles se matam entresi. Portanto, chegar o momento em queteremos que dividir as grandes cidades empequenas aldeias. Ns vamos fazer isso,porque a partir de certo ponto essas me-gacidades comeam a destruir a vida e omeio ambiente. A cidade do Mxico tem19milhes de habitantes vivendo no caos.

    No se consegue viver nela. Os pssaroscaem mortos do cu por causa da polui-o. Portanto, teremos que encontrar so-luo para isso.

    MT - Para onde voc v que seu trabalhoa est levando?IA - No tenho nenhum plano para o fu-turo. Posso morrer amanh. Foi o que dis-se ao meu marido quando o conheci. Eraoutubro e ele disse: "Vou visitar voc naVenezuela em dezembro". E eu perguntei:Do que voc est falando? Dezembro? Pos-so estar morta em dezembro. Ele pergun-tou: "Por qu? Voc est doente?" Respon-di: "No, mas quem sabe? Posso estarmorta". assim que sinto. Sinto que pos-so morrer amanh. Por isso no tenho ne-nhum plano. Quero tudo agora. ..

    Traduo de Carmen Fischer

    MICHAEL TONS co-fundador da rdio NewDimensions, editor na Harper San Fran-cisco e autor do livro At the Leading Edge.A entrevista acima foi extrada da transcri-o do programa 2384 da rdio New Di-mensions, tendo sido publicada na ntegra

    na revista Common Boundary de maio/ju-nho de 1994 com permisso da New Di-mensions Foundation, que detm todos os

    direitos (Copyright 1994).

    Se desejar obter um exemplar do jornal NewDmensions ou um catlogo de fitas cassete

    referentes a centenas de entrevistas na r-dio New Dimensions, envie 2 dlares para:New Dimensions Radio, P.O. Box 410510 -San Francisco, CA 94141-05010 USA.

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    UMANO DE,....TOLERANCIA

    Todos os anos, a ONU elege um tema

    em torno do qual possam congregar-se

    os esforos de pessoas, grupos e

    instituies: 1995 o ano da tolerncia.

    Toda virtude ou talento cria cor-po e ganha vigor na medida em queos exercitamos. A tolerncia, comoqualquer outra qualidade humana,adquire significado atravs de nos-sos atos, sentimentos, palavras. Eestes dependem fundamentalmentede nossa motivao.

    Acreditando que todos estejamosbuscando um aprimoramento, umacondio mais sadia e sbia de vi-ver, sugerimos aos nossos leitoresque, aproveitando estes depoimen-tos, desenvolvam suas prprias re-flexes. Sugerimos tambm criar es-paos para essa reflexo no seio dafamlia, nos ambientes de trabalho,em escolas, instituies religiosas,comunidades e grupos.

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  • PALAS ATHENA

    TENZIN GYATSO

    SUA SANTIDADE O DAIAI LAMA

    Ao nos aproximarmos do finaldo sculo XX, nosso mundo tor-nou-se menor e mais interdepen-dente, Estamos unidos por laospolticos e econmicos, interligadosmundialmente por uma rede de co-municaes. Contudo, estamosunidos tambm pelos problemasque nos confrontam: superpopu-lao, diminuio dos recursos na-turais e uma crise ambiental queameaa a prpria existncia do pla-neta que nos sustenta, Dentro docontedo desta nova interdepen-dncia, fica claro que do interes-se de cada um considerar o inte-resse dos outros.

    Devemos desenvolver maiorsenso de responsabilidade univer-sal. Cada um de ns deve apren-der a trabalhar no apenas para simesmo, sua famliae sua nao, masem benefcio de toda a humanida-de. Os nicos fundamentos vlidospara a responsabilidade universalso o amor e a compaixo. Amor ecompaixo so as fontes definitivasde alegria e felicidade. Ao reconhe-cermos seu valor e tentarmos real-mente cultiv-Ias, muitas outrasqualidades - a capacidade de per-doar, a tolerncia, a fora interior ea confiana em poder superar omedo c a insegurana - surgirode modo natural. Essas qualidadesso essenciais se quisermos criar

    um mundo melhor, mais feliz, maisestvel e civilizado.

    Sejam bonitas e amigveis, ousem atrativos e destruidoras, aspessoas so, em ltima instncia,seres humanos. Como ns mes-mos, querem a felicidade e noquerem o sofrimento. Alm domais, seu direito de superar o so-frimento e de ser feliz igual aonosso. Quando reconhecemosque todos os seres so iguais, tan-to em seu desejo de felicidadequanto no direito de obt-Ia, auto-maticamente sentimos tolerncia,empatia e afeto por eles.

    natural que os seres humanostenham diferentes interesses e dis-posies. Assim,no de estranharque tenhamos muitos e diferentessistemas de crenas e diferentesmaneiras de pensar e de nos com-portar. essa diversidade o caminhopara que todos sejam felizes.

    Quanto mais compreendermoso modo de ser dos outros, maispoderemos aprender com o outro.E mais facilmente poderemos de-senvolver o respeito e a tolernciaem nossas vidas e em nosso com-portamento para com os outros. Istocertamente contribuir para aumen-tar as possibilidades de paz e ami-zade em todo o mundo: nossa pr-pria diversidade se transformar emfonte de fora e criatividade.

    do interessede cada umconsideraro interessedos outros

    THOT 13

  • PALAS ATHENA

    Aflordaternura e

    da verdade

    PAULO EVARISTO, CARDEAL ARNS

    ARCEBISPO METROPOllTANO DE SO PAULO

    Passar da intolerncia tolern-cia o desafio maior do sculo XXIpara toda a humanidade. Exigemu-dana de discursos, de atitudes ede hbitos secularmente consoli-dados. A riqueza do encontro, noentanto, supera todas as dificulda-des e pecados de nossas ou outrasfamlias religiosas. Em nome dohumano, da paz, do planeta e dospequenos, construamos o dilogona humildade e pelo amor.

    Precisamos com urgncia supe-rar o monlogo, o dilogo de sur-dos e a cristalizao da verdade emsistemas totalitrios.

    Para ns cristos, dilogo e to-lerncia so verdades co-naturaisao Evangelho de nosso fundador.Sim, Jesus de Nazar foi, e sersempre avesso a toda forma de in-tolerncia. Jesus soube ouvir e en-sinou-nos a ser ouvintes uns dosoutros na liberdade de cada cons-cincia e no servio aos pobres.Nossa f crist inspira-se nestes va-lores humanos revelados por Jesuse na comunho plena com o beme a beleza divinos.

    Procuramos estimular mos,mentes e coraes a abrirem-separa os mistrios de Deus como oproclama o profeta Isaas no cap-tulo 45, 15, a fim de que possa-mos encontr-l o nas crenas e fi-delidades participantes da verdademaior do Pai. Queremos, tambmns, estar abertos aos outros.

    Quem de ns no se entusiasmacom o testemunho de MahatmaGandhi, merso no belo e profun-do mundo da cultura vdica, todesejoso de paz e verdade e tocomprometido com elas?

    Quem de ns no se comovecom o exemplo de tantos mongesbudistas e de sacerdotes e xams dasculturas religiosas tradicionais dame frica, pelo contato profundocom a natureza, a sabedoria e a vida?

    Quem de ns no estremeceat as entranhas ao ouvir o Ser-mo da Montanha pronunciadopor Jesus de Nazar, anunciandovida e esperana para todos ospequeninos?

    Assim a mensagem da tolern-cia e da escuta nos encaminha apassos largos e decididos para acomunho e partilha de nossa di-versidade religiosa, to rica e pro-missora de utopias.

    A tolerncia tnica, poltica e,fundamentalmente, religiosa, abreas portas para o encontro fraternodas naes no gratuito servio dapaz, na defesa da integridade detoda criao deste nosso PlanetaTerra e na construo da solidarie-dade junto aos excludos pelos sis-temas de morte hoje vigentes. Asreligies, pela tolerncia, vivemaprendendo a difcil arte do dilo-go e esto a semear a flor da ternu-ra e da verdade. Com muita simpli-cidade e firmeza permanente.

    THOT 14

  • PAlAS ATHENA

    HENRY I. SOBELRABINO, PRESIDENTE DO RABINATOCONGREGAO ISRAEUTA PAUllSTA

    Fao parte de um povo que pro-vou durante sculos o sabor amar-go da intolerncia religiosa. A fu-maa das chamins de Auschwitzcontinua a poluir o ar de nossa so-ciedade contempornea, na qualtantos so perseguidos por serem"diferentes". Julgar um ser humanoem termos de seu credo religioso,de suas convices ideolgicas, dacor de sua pele, mais que um erro. uma cegueira do esprito, umcncer da alma, um pecado con-tra Deus que criou as pessoas cadauma diferente da outra, mas todasiguais em valor.

    A histria j nos deu provas su-ficientes de que o preconceito reli-gioso e o triunfalismo ideolgicoso as maiores barreiras ao progres-so humano. O erro mais trgicodesde o incio da civilizao temsido o conceito de que as idiasso mutuamente exclusivas. En-quanto cada credo pretender omonoplio da verdade, enquantoperdurar esta estreiteza de viso, areligio, ao invs de irmanar oshomens, despertar o dio entreos povos.

    A intolerncia sempre age emnome de algum grande ideal. porisso que s vezes se torna difcil di-

    ferenc-la do autntico idealismo.primeira vista, idealistas e intoleran-tes tm muito em comum: a devo-o a uma causa "sagrada", a crenainabalvel na justia dessa causa, adisposio de fazer qualquer sacrif-cio por ela. Quando, porm, o idea-lista se permite usar quaisquermeios para atingir seu objetivo -por mais violentos e imorais quesejam esses meios -, seu idealis-mo descamba em intolerncia.

    Na verdade, o que se faz neces-srio no tolerncia. Tolernciaimplica condescendncia em rela-o ao mais fraco. Faz-se necess-rio, isto sim, um esprito de reve-rncia pela diversidade, revernciapelas crenas e costumes dos ou-tros. somente essa reverncia,esse profundo respeito pelos sereshumanos de todas as raas, credose nacionalidades, que pode evitara repetio dos trgicos erros dopassado.

    Permaneamos, todos ns, en-raizados em nossas respectivas tra-dies. No violemos jamais aquiloque sagrado para cada um de ns.Mas, ao mesmo tempo, reconhea-mos a santidade do credo e das tra-dies alheios. E caminhemos jun-tos em direo Paz.

    Faz-se necessriaa revernciapela diversidade

    THOT 15

  • PALAS ATHENA

    "Sobretudo, mantendeentre vs uma ardentetolerncia" (1 Pd. 4, 8)

    caes para o relacionamento in-formal e formal entre pessoas. Elaabrange e afeta todos os grupos hu-manos em todas suas relaes, des-de um clube social, um partido po-ltico, at a convivncia entre na-es e a sobrevivncia da prpriahumanidade no mbito maior dapoltica internacional.

    Dizemos, sem vacilar, que a fal-ta de tolerncia no produz a justi-a que Deus quer. A tolerncia seconstitui, por isso mesmo, em vir-tude essencial da pessoa religiosae em condio bsica para a convi-vncia pacfica na sociedade.

    "Se algum pensa que religio-so e no sabe controlar a lnguaest enganando a si mesmo e suareligio no vale nada." CTg.1,26)

    Ser que a tolerncia se defineassim: "Ser tolerante saber con-trolar a lngua"?

    Tiago diz que sim. A convivn-cia ecumnica com outras religiesnos mostra que sim. O cultivo ar-dente da tolerncia torna-se, por-tanto, fator crucial para a harmoniaentre povos.

    Ser bom cultivar,pois, em todasas circunstncias, ardentemente, afrgil semente da tolerncia, frutomaior da religiosidade e esperanapara o bem-estar da humanidade.

    JAIME WRIGHTPASTOR DA IGREJA PRESBITERIANA UNIDA DO BRASIL

    A autenticidade religiosa podeser medida pela ao positiva datolerncia.

    No ser uma tolerncia indife-rente, desdenhosa, acomodada, quepratica uma filantropia espasmdicae impulsiva como se partisse de umsuperior para um inferior.

    No! A tolerncia genuna aquela que leva a pessoa a conhe-cer outras e a se identificar comelas, a assumir riscos at. Ela per-dura como persiste a fora de umcorredor de elite na corrida de SoSilvestre. uma paixo que se dis-tende como um puro-sangue a ga-lope na reta de chegada.

    No um luxo. A tolerncia parte intrnseca da mais pura espi-ritualidade. Ela tudo agenta, tudodesculpa, no se irrita, no guardarancor, no impe seu ponto devista, no se alegra com a injustiamas se regozija com a verdade.

    Tiago, o escritor sacro do NovoTestamento, d uma maravilhosareceita para a prtica da tolerncia:"Cada um seja pronto para ouvir,mas lento para falar e lento paraficar com raiva, porque a raiva dohomem no produz a justia queDeus quer". CTg.1,19-21)

    V-se, portanto, que a prtica datolerncia no tem somente impli-

    THOT 16

  • PALAS ATHENA

    HILDA DIAS DOS SANTOSIALoRIX DO TERREffiO IL AX GITOLU

    Me quem tolerante. quemrecebe os filhos, no tem escolhados filhos espirituais, sejam homos-sexuais, mulheres de vida livre; to-dos, enfim, que precisam de ajuda.Esses filhos merecem cuidados es-peciais, precisam de mais atenoporque so infelizes, so pessoasdesprezadas pela sociedade. Nstemos que abrir as portas para elas,para cuidar e tratar delas, para verse encontram o caminho certo.

    O meu terreiro trabalha com osmeninos de rua do Projeto A:x. um trabalho de tolerncia com es-sas crianas. Ns temos uma esco-la primria, a Escolinha Me Hilda.Acho que isso tambm tolern-cia, porque crianas nos primeirospassos do muito trabalho. Tambmcom meus filhos espirituais eu te-nho que ser tolerante, porque elesme procuram quando esto em di-ficuldades, em desespero, procu-ra de uma palavra e eu tenho queestar preparada para ajudar e evi-tar que eles caam em desespero.Clientes me procuram, s vezes at

    por telefone, e ficam em paz, ali-viados porque foram ouvidos comtolerncia. Sobre religio, eu tenhotolerncia porque respeito a igreja.Acho que a igreja um lugar deencontro com Deus, no desvalo-rizando a minha religio, que ocandombl. A minha nao aGege-Nag Salvalu. Sou filha dovodum Obaluai.

    Tolerncia para mim ajudar osmenos favorecidos, dar ajuda es-piritual a quem precisa, acolheras pessoas de outras religies quevm nossa porta para nos cate-quizar, e ns somos tolerantes comelas. Ns somos tolerantes com aigreja. Ns vamos igreja porquetemos confiana em que um en-contro com Deus. Ns temos con-fiana em Deus. Quando termina-mos uma obrigao, ns vamos igreja agradecer a Deus. Ns con-sideramos os santos e os padres,mas vamos agradecer a Deus, nacasa de Deus.

    Termino abenoando a todos.sl Gbe Q.

    Me quemrecebe e no escolheos filhos

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  • MURAYNM COEN-SAN

    ----~~~---------------------------------------------"I!!f'

    o "CAMINHO DO CHADisciplina e prtica, muita prtica. Ememria

    correta, observao correta, pensamento correto,

    palavra correta. Tudo issoe apenas isso conflui em

    cada cerimnia do Ch: a vida correta.

    MURAYAJ.MCOEN-SAN,brasileira, h doze anosno Japo, monja budista com graduao deMestre pelo convento Aichi Senmon Nisodo,da cidade de Nagoia. Atualmente oficia na ci-dade de Sapporo, onde continuo praticando acerimnia do Ch que aprendeu durante osanos de formao no prprio convento.

    ,t'"

    "Tranqilidade" tcaligrafia do Mestre Sen-Soshitsu

    A cerimnia do Ch no podeser estudada atravs de livros, teo-rias, intelectualizaes. Aprende-see apreende-se atravs de corpomente, atravs do fazer. No princ-pio, apenas uma imitao dos mes-tres, at que se torne uma arte li-vre, unindo anfitrio e convidados,objetos e sentimentos.

    H quem pratique a cerimniado Ch sem se aperceber do cami-nho. Prendendo-se tcnica, aosrituais, aos aspectos elegantes, aosobjetos de arte, sem notar que flu-mos com o cosmos. O ambientetorna-se ento tenso, intranqilo eo caminho, distante. Mesmo assim,no ser desencorajado. Tudo sofases de um processo. Em determi-nado momento, algo o far desper-tar e desabrochar para a verdade.A prtica , portanto, fundamental.

    Certa vez perguntaram ao XVGrande Mestre Sen-Soshitsu qual acoisa mais importante no Ch. Elerespondeu que era descobrir aprpria atitude com relao vida."Em essncia, um servio do

    THOT 18

  • PAlAS ATHENA

    corao a si mesmo. Este corao pode crescer maisdo que ele prprio quando a servio dos outros. Orelacionamento especial entre anfitrio e convidadoem uma sala de Ch extremamente delicado - a me-nor sombra de insinceridade ou impureza pode terconseqncias devastadoras. Apenas aps ter usado amente e o corao para descobrir sua prpria atitudeem relao vida que esta coisinha frgil ganha vidae sentido: uma xcara de ch pode se tornar uma ma-ravilha que se comunga na sala de Ch. Sua prtica deCh pode ser grande ou manter-se insignificante, de-pendendo de seu estado mental, da pureza de seucorao. Com toda sua vontade, cultive uma menteclara e um corao puro para conseguir o 'puro Ch'.Que seja esse seu objetivo", escreveu Sen-Soshitsu.

    Ch kokoro, repetia minha professora. Kokoropode significar corao, esprito, mente. Ao diz-lo, elatraava uma linha reta com as mos tocando o prpriopeito, no centro, verticalmente.

    Ch ser natural, perceber o movimento mais sim-ples para cada momento, cada objeto. H, entretanto,regras precisas, imutveis, que devem ser conhecidase obedecidas, memorizadas e exercitadas at que se tor-nem quase automticas, como dirigirum automvel.

    A tigela onde a gua quente misturada ao pverde do ch e da qual se bebe chawan. H os deinverno, mais longos e estreitos, para manter a bebidaaquecida; h os de vero, bem abertos, para mant-Iafresca. H peas feitas por artistas famosos e outrasfeitas a mquina. H chawan para beber montandoa cavalo, desde que os samurais, grandes aprecia-dores de ch, o tomavam antes da batalha, ou emviagem. H os de ouro puro e os de cermica sim-ples, defeituosa.

    "Corpo, mente e esprito integram-se ao se combi-nar a prtica dos procedimentos de Ch com o conhe-cimento dos utenslios", ensinou Sen-Soshitsu.

    Amaneira de preparar o ch verde em p - macha- varia de escola para escola nos detalhes, mas emtodas a escolha dos utenslios determinada pela es-tao do ano, se dia ou noite, se alguma ocasioespecial (dar boas-vindas, despedir-se, em memria,um casamento, apreciar flores ou objetos).

    "Respeito",caligrafia do Mestre Sen-Soshitsu

    CINCO ELEMENTOSE COMUNHO - Cada utenslio cuida-dosamente escolhido pelo anfitrio a fim de transmitiruma mensagem, um sentimento, um estado de espri-to aos convidados. Nada deve ser repetido, nem sim-trico. As flores, colhidas pela manh, devem conservara aparncia natural, sem arranjos forados. A sala mantida aquecida no inverno e fresca no vero. A luzdeve ser clara mas difusa. Os hspedes devem se pre-parar psquica e fisicamente para o encontro. No seusam perfumes, jias nem roupas de cores fortes ouchamativas. Todos devem se integrar ao ambiente.Quase nada dito, pois todos participam, sentem jun-tos. Um dos convidados pode perguntar, por todos,qual a origem dos doces ou do ch, bem como a ori-gem e fabricao dos objetos, sobretudo o recipientepara o ch e a colherinha de bambu para servi-Io.

    A sala, geralmente forrada com tatami (esteira depalha de arroz), construda com estacas de madeirasimples e paredes de barro e bambu, imita uma caba-na nas montanhas. Como decorao, alm de floressilvestres, apenas uma caligrafia budista.

    Muitas vezes, a casa de Ch construda no jardim,que deve proporcionar a sensao de tranqilidade efrescor das montanhas, com arbustos verdes e pedrasmarcando o caminho. Em um recipiente em forma debacia, esculpido na rocha, os convidados lavam as moscom gua fresca antes de entrar. No s um ato hi-ginico, mas tambm de purificao. Como expressouo Mestre Sen-no-Rikyu:

    "O caminho no maisQue uma sadaDeste mundo flutuante.Por que no nos despojar, antes de entrar nele,Da poeira de nossos coraes?"

    THOT 19

  • PALAS ATHENA

    "Purezo",caligrafia do Mestre Sen-Soshitsu

    Depois de entrar na sala, todos os hspedes sejuntam ao anfitrio, que estar preparando o ch. Oscinco elementos bsicos da natureza esto presentes:madeira, metal, fogo, terra e gua. O fogo aquece agua em uma chaleira de ferro. A gua quente leva-da em uma concha de madeira at uma xcara de cer-mica. Assim, os cinco elementos interagem.

    Minha experincia pessoal comeou em Nagoia, noJapo, no convento onde fizmeu treinamento de monjazen-budista. A cerimnia do Ch, uma vez por sema-na, era parte do aprendizado. A professora, Mestra deCh e Grande Venervel Mestra Zen, recebeu-me si-lenciosa e gentil, abaixando suavemente a cabea emminha direo. Sentei-me ao lado das outras monjas,imitando-lhes as atitudes. Foram servidos doces. Ensi-naram-me a com-l os com gestos apropriados - nose deve morder o doce, mas parti-lo com os dedos,levando pequenos pedaos boca. Quando se ter-mina de comer, o ch est pronto. Ensinaram-me aapanhar a xcara e a beber em trs goles e meio,sem deixar restos. Que cheiro bom. Que gosto bom,um tanto amargo. Eu me senti to bem nessa sala,houve uma comunicao to serena com a Mestra.

    Eu no falava nem entendia o japons, mas pala-vras no tinham importncia.

    Em todos os momentos de folga, praticava o sentare levantar, o andar com passos curtos e suaves, o mo-vimento das mos, a seqncia de uso dos utenslios,seus nomes. Fukusapara o pedao de pano para lim-par os objetos que quem prepara o ch coloca na cin-tura. Cbaire ou natsume para o pequeno recipientede ch em p. Chasakupara a pequena e longa colhe-rinha de bambu com que se coloca o ch na xcara.Chasen para o rnisturador de ch e gua quente deuma nica pea de bambu. Aprendia a beber e a fazero usucha, ch fraco.

    AMestra me convidou a participar tambm em seutemplo das aulas de Ch. Que grande aventura. Mon-jas e leigas de nvel muito mais elevado praticavam okoicba, ch forte, grosso. Nessa cerimnia, cinco con-vidados bebem da mesma xcara - cada um bebe umpouco e passa ao seguinte. Ento compreendi o quelera nos livros de histria sobre jesutas que pratica-vam Ch no Japo do sculo XVI e haviam usado salasou casas de Ch para missas catlicas: compreendi oesprito de comunho.

    o CH DE NOSSO SCULO - Na aula de Ch, quem chegaprimeiro senta-se nos primeiros lugares e pratica porordem de chegada. No se passa na frente de outrospor ser mais antigo ou mais adiantado. Quando a Mes-tra me fazia sentar ao seu lado, eu sentia que no metransmitia apenas a tcnica, mas uma viso de mimmesma e do mundo. Ao preparar o ch, cada alunodemonstra seu estado emocional, sua personalidade,o estgio de sua prtica.

    Fui iniciada na cerimnia do fogo. A maneira decolocar os carves, quais carves, em que ordem.Como preparar o fogo para o inverno, para o vero,como limpar com uma grande pena de ave algum eis-co que tenha cado. Fui levada pela Mestra a grandesencontros de Ch, onde os Grandes Mestres se reu-niam com outros mestres e alunos e nos era servidauma refeio delicada, deliciosa. A cerimnia do chfraco e a do ch forte em grandes salas. As mulhe-res com lindos quimonos coloridos, os homens ele

    THOT 20

  • PALAS ATHENA

    bahama. Fora do tempo, em outro espao.Mas havia tambm cimes e poltica correndo pe-

    las salas. Havia inveja, olhares duros, rivalidades que aMestra sabiamente harmonizava e conduzia para o ca-minho correto: "Observe-se".

    Meus estudos de monja afa taram-me de Nagoia.Em Sapporo, na ilha de Hokkaido, no norte do Japo,recomecei a praticar o Ch na casa de uma paroquianado templo de Daishoji, onde sirvo como monja. Umaquecedor eltrico substitui as brasas - somos poucaspraticantes.

    No importa quais sejam as variaes de cada es-cola, praticar o Ch segundo os preceitos budistas -por exemplo, No Matar - o mesmo que aprender adar vida, a respeitar a vida. utilizar apenas a guanecessria, e cada objeto no mximo de sua potencia-lidade, mas sem abuso. Dar vida, no matar, respei-tar a natureza, colher apenas as flores necessrias, semremover todas as ervas daninhas, que tambm tmsua funo no ciclo ecolgico. falar as palavras cer-tas, apenas as suficientes para no poluir a atmosfera,para dar vida mente de tranqilidade e harmonia. induzir a si mesmo e aos outros a se aprofundar nocaminho e se despojar de superficialidades; no se ape-gar forma, aparncia, procurar a essncia de cadaum, de cada momento. ser paz, fluindo livres dentroda sistemtica da cerimnia do Ch. Fluindo livres den-tro dos sistemas humanos de relacionamento.

    Diferente do Ch medieval, onde samuras, nobrese mercadores urdiam tramas polticas e batalhas, a pre-sena de mulheres no era permitida, xoguns deci-diam quem podia pratic-Ia e os Grandes Mestres eramobrigados a servi-Ias, o Ch de nosso sculo no deveser para fins polticos ou fofocas. No se deve praticarpor gosto pelo extico ou por esttica. Deve ser oCh de comunho entre os povos. Um ambiente ondetentamos compreender a ns mesmos e aos outrossem crticas, e juntos podemos sentir-nos unos com agrande natureza, da qual somos esta pequenina parte.Respiramos o mesmo ar, bebemos do mesmo chawan;quando anfitries, concentrando-nos para sermos an-fitries perfeitos, servindo os convidados com respei-to, elegncia e dignidade, conduzindo o encontro para

    "Harmonia",caligrafia do Mestre Sen-Soshitsu

    um leve tom transcendental. Quando hspedes, capa-zes de receber com reverncia e humildade, percebero que o anfitrio se prope a demonstrar, reconhecerseus esforos.

    Como se v, o caminho -,do Ch simples Bastadespojar-se do pequeno ego e realizar a inter-relaode tudo o que existe. Os movimentos tornam-se unoscom a energia do universo. Sentidos alertas, absoluta-mente presente onde se est, concentrao naturalnaquilo que se est fazendo. Respeito pela vida emtodas suas formas: o mistrio do universo realizadoem uma simples flor colocada naturalmente em umvaso. Ouvir o som da gua fervendo e reconhecerque se assemelha ao som do vento no pinheiral. Ofe-recer e receber com o corao livre dos desejos mun-danos, comunicando-se diretamente com outros cora-es. Abrindo-se ao todo e a todos com sinceridade.Sendo e tornando-se com todos os outros, com todosos objetos, com todas as aes, palavras, sons, odores,movimentos e no movimentos. E, como ensina o Mes-tre Sen-Soshitsu, "o importante estender esse espritopara a vida diria, para todas as aes. S quando seconsegue isto que podemos falar de caminho do Ch".

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  • PALAS ATHENA

    DA ANTIGA CHINA, ,ATE NOS

    De acordo com a tradio, Bo-ddarma, o monge que saiu da n-dia para introduzir o budismo naChina (c.520), encorajava o cos-tume de beber ch para manter-se alerta durante a meditao. Nohavia cerimnia do Ch, como aconhecemos atualmente, mas ha-via o zen, cujos ensinamentos b-sicos so os mesmos da cerim-nia do Ch - despertar para a rea-lidade, a verdade, atravs da ob-servao de si mesmo, cultivan-do a mente clara e o corao puro.

    O ch era conhecido na Chi-na desde o sculo Ill a.c. comobebida refrescante e boa para ali-viar a fadiga e tambm como ervamedicinal. Foi introduzido no ]a-po provavelmente no final dosculo VI, quando o pas estavaem um de seus grandes perodosde importao cultural da China,levado sobretudo por mongesbudistas que iam China estu-dar religio. Por muitos sculos,no entanto, s fora usado comoremdio.

    No final do sculo XI, ao ir es-tudar budismo na China, o mon-ge Eisai percebeu que o ch eraindispensvel em um templo zen-budista. Quando voltou para o]a-po, trouxe sementes da planta,que se disseminou e passou a serchamada "verdadeiro ch". Eisaitambm escreveu o livro Preser-vao da Sade Bebendo Ch, noqual mencionava as virtudes me-dicinais do ch que, alm de pro-duzir longevdade, era muito bomcontra a ressaca. Xoguns e nobrespassaram a consumi-lo sobretudocomo bebida refrescante.

    No sculo XIV,era bebida denobres, samuras, clrigos budis-tas e plebeus. Os samurais se reu-niam para degustar vrias esp-cies tentando identificar suas ori-gens. ] nos templos budistas,beber ch se transformara em ce-rimnia solene. Para beb-lo emgrupo, tentando identificar a pro-cedncia pelo aroma e sabor, co-meou a ser colocada no recintouma pintura do Buda Shakyamu-ni, uma caligrafia chinesa, flores eincenso.

    Aos poucos, o ch foi se tor-nando parte da vida japonesa. Em1400 era vendido nas ruas. Mas omtodo de preparao e a manei-ra de beb-lo foram se tornandomais e mais sistematizados. Xo-guns e nobres divertiam-se be-bendo ch e ostentando rarosobjetos chineses em salas degrande luxo e rica extravagncia.

    Em reao a esse movimento,Murata Shuko 0422-1502), estu-dante de zen-budismo, criou umnovo estilo, em unia sala peque-na, com poucos convidados. Seumestre zen era um monge famo-so chamado Ikkyu, que o incen-tivava a manter a simplicidade e aausteridade, usando objetos japo-neses despojados, e que afirma-va que a cerimnia do Ch pro-duzia grande iluminao. MurataShuko tornou-se mestre de Che pedia com insistncia aos aris-tocratas que evitassem ostenta-es e bebessem o ch seguindoos prefeitos budistas. Um de seusdiscpulos, Sen-no-Rikyu 0522-1591), considerado at hoje afigura mais importante do cami-

    nho do Ch, tratado como seufundador.

    Sen-no-Rikyuaperfeioou e di-fundiu os ensinamentos do mes-tre. A cerimnia passou a realizar-se na mesma sala em que esta-vam os convidados e a sala pas-sou a ser como uma cabana deeremita nas montanhas, com cer-ca de 2,7 metros quadrados, con-forme a idia de que pobreza eausteridade so mais apropriadasao desenvolvimento espiritual ede que na Simplicidade uma be-leza maior se revela. Menos mais, esse o sentido, tambmconhecido como uiabi, expres-sando libertao das preocupa-es materiais e mente serena,transcendental.

    Os ensinamentos de Sen-no-Rikyu foram transmitidos a seuneto Sotan 0578-1658), conheci-do pela humildade e sensibilida-de. Seus trs filhos continuaramo caminho do Ch, cada um lide-.rando uma escola - Omotesenke,Urasenke e Mushanokojisenke -ainda praticadas no Japo e hojedifundidas em outros pases.

    A prtica do Ch era permiti-da apenas aos homens at o finaldo sculo XIX, quando mulherescomearam a pratic-lo e se tor-naram Mestras de Ch.

    Sen-Soshitsu 0923 00. ) o D-cimo Quinto Grande Mestre deCh da Escola Urasenke, desde amorte de seu pai em 1964. Lderde mais de dois milhes de se-guidores, divulga o caminho doCh pelo mundo a fim de pro-mover paz e boa vontade entreos povos.

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  • HUMBERTO MARIOTTI

    ----~~~--------------------------------------------------~

    GREGORY BATESON~ ~

    MULTIPLAS CONEXOES DE~

    UM CEREBRO PRIVILEGIADOIgnorado pelas tradues brasileiras,

    o antroplogo ingls, um dos mais

    importantes pensadores deste sculo,

    merece ser difundido alm do mbito

    de mero cult objecr acadmico.

    Eis um fato surpreendente: fala-se que estamos numa poca de gran-des transformaes, em que antigospontos de vista cedem cada vez maisespao a uma conscincia amplia-da do real e da condio humana.Aponta-se para o papel fundamen-tal que a viso sistmica do mundodesempenha em todo esse proces-so. E no existe entre ns, pelomenos publicado em veculo de cir-culao significativa, praticamentenada a respeito de Gregory Bateson- um dos pesquisadores mais im-portantes deste sculo.

    O mnimo que se pode dizer quesem sua contribuio todo esse acer-vo de idias, propostas e aes trans-formadoras teria sido, seno imposs-vel, pelo menos limitado e portantomenos motivador. de se esperar quesurjam novos e mais circunstanciaisestudos a respeito de sua vida, traba-lho e obra.

    THOT 23

  • isso acontea, porque pretendemos continuar gostan-do de voc)".

    O duplo vnculo profundamente perverso, por-que obriga a pessoa a conviver com uma ambigida-de externa que, por sua vez, lhe mostra a dificuldadeque ela tem para lidar com a prpria ambigidade.Pior ainda, atinge mais cruelmente a personalidade (oEu) e a auto-estima, numa idade em que elas esto emformao. Alm disso, o duplo vnculo se processa pelalgica da contradio. Esta, por sua vez, entra em con-flito com a lgica do Eu, que basicamente linear,aristotlica, de no-contradio.

    PALAS ATHENA

    Gregory Bateson nasceu em Cambridge, Inglaterra,em 1904 e morreu nos Estados Unidos em 1980. Co-meou seus estudos de histria natural ainda em Cam-bridge, graduando-se em antropologia. Seus primeirostrabalhos de campo levaram-no a Nova Guin e resul-taram na publicao de seu primeiro livro, Nauen, umestudo da cultura de uma tribo local sob trs pontosde vista e um dos primeiros exemplos de abordageminterclisciplinar.

    A amplitude de seu horizonte intelectual fez comque desde cedo Bateson se interessasse por uma vas-ta gama de assuntos.

    Para ele, a multiclisciplinaridade e a interdisciplinari-dade foram mais projeto de vida que postura cientfica.

    Na Nova Guin, Bateson conheceu a antroploganorte-arnercana Margaret Mead, cuja estrutura de pen-samento era muito semelhante sua. Durante os ca-torze anos em que estiveram casados trabalharam jun-[Os, inclusive em Bli. Da convivncia surgiram as pri-meiras documentaes fotogrficas de comportamen-to luz da etnologia (ramo da antropologia que estu-da a cultura dos povos ditos primitivos), publica dasem Balinese Character em 1942. O que impressionaem Naven - um trabalho de 1936 - que antecipauma correlao que viria a se tomar mundialmenteaceita: a obra considerada um elo entre a antropolo-gia e a ciberntica. Esta, como se sabe, s comearia atomar a forma que tem hoje nos anos 40.

    No ficaram por a os interesses de Bateson. De-pois da Segunda Guerra Mundial ele se mudou para aCalifrnia. No Veterans Administration Hospital, em PaioAlto, voltou-se para o estudo do alcoolismo e da es-quizofrenia. Por essa poca, desenvolveu a teoria doduplo vnculo, situao que se estabelece quando umapessoa se v diante de mensagens de aceitao (amor)e rejeio.

    Tais mensagens so simultneas e no se excluemmutuamente, de modo que quem as recebe fica con-fuso. um quadro muito comum no ambiente fami-liar, onde pais e filhos desempenham os papis decisi-vos. Segundo Bateson, adultos jovens que desenvol-veram esquizofrenia, talvez a mais grave das doenasmentais, caracterizada pela fragmentao da personali-dade, com freqncia tm histria de relao de du-plo vnculo na infncia.

    Exemplificando: o pai diz "eu gosto de voc", mascom suas atitudes demonstra "mas no posso me apro-ximar porque sua presena me causa sentimentos ne-gativos. Como no quero me sentir mal, e ao mesmotempo quero continuar gostando de voc, prefiro fi-car afastado e no deixar nada muito claro, porqueisso iria magoar voc". Ou: "Ns gostamos muito devoc (mas temos de castig-Ia porque se no o fizer-mos voc vai se comportar mal e no queremos que

    DUPLO VNCULO E ESQUIZOFRENIA - A teoria da esqui-zofrenia de Bateson e colaboradores baseia-se naanlise das comunicaes interpessoais. Seu campoprimordial de estudo a estrutura familiar. O instru-mental de abordagem a teoria dos tipos lgicos,que faz parte da teoria das comunicaes. A situa-o de duplo vnculo, descrita como uma "circuns-tncia em que a vtima no pode ganhar", j haviasido intuda pela sabedoria popular, expressa emditos como "se correr o bicho pega, se ficar o bichocome" e "morde e assopra".

    No de estranhar, portanto, que o fenmeno sejato disseminado e que as pessoas que o experienciamterminem desenvolvendo sintomas esquizofreniformesou mesmo o quadro pleno da doena, resultado derespostas adaptativas inadequadas, como veremos aseguir. Por meio dessas respostas, as pessoas procu-ram modificar a realidade, tentando tom-Ia menosameaadora. A conseqncia final pode ser a aliena-o mental.

    Por ser ambguo e gerar ambigidade, o fenmenodo duplo vnculo constitui uma distoro de comuni-cao, que leva a nveis intolerveis as j conhecidasdificuldades que as pessoas tm de receber e inter-pretar mensagens. Antes do estudo da esquizofreniaque Bateson e colaboradores comearam em 1953, omatemtico norte-americano Claude Elwood Shannonhavia enunciado, em 1948, seu teorema, proposto emrelao s comunicaes telegrficas e telefnicas ehoje ampliado para as comunicaes em geral. O teo-rema de Shannon diz que uma mensagem, enviadapor qualquer canal, influenciada por vrias distor-es durante a transmisso. O resultado que, quan-do chega a seu destino, parte das informaes quecontinha se perdeu.

    Sendo assim, a situao de "no poder ganhar", ca-racterstica do duplo vnculo, assume gravidade aindamaior. Alm de difceis de entender, as mensagens soem si mesmas incompletas, dada a dissipao mencio-nada no teorema. Estudos posteriores dirigidos porBateson mostraram que o problema ainda mais

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  • vidncia - por exemplo, tirar o basto da mo do mes-tre. Eis uma interveno sobre uma mensagem recebi-da, uma metacomunicaco. No caso dos esquizofrni-cos, porm, o condicionamento to profundo queeles perdem a capacidade de meta comunicar.

    Pessoas normais interpretam situaes de duplovnculo como desafios. Quando recebem mensagenscontraditrias, reagem atendo-se literalidade. Bate-son observa que este o comportamento de testemu-nhas interrogadas na polcia ou nos tribunais: respon-dem literalmente, linearmente, dentro da lgica da no-contradio. Os esquizofrnicos, no entanto, so inca-pazes de diferenciar mensagens literais de comunica-es metafricas. Entram em crise quando algum lhesprope algo ambguo, pois o confronto deflagra o con-dicionamento estabelecido pelo duplo vnculo. Nes-ses casos, respondem com metforas ou, quando isso impossvel, interrompem os padres usuais de co-municao interpessoal e retiram-se para um mundoexclusivamente seu - uma forma de fugir, ainda queinadequada.

    Assim, pode-se considerar que at reagem duplavinculao. S que o fazem de um modo que os alie-na de si prprios e do contexto da ao, como acaba-mos de ver. Alm disso, como tambm vimos, no tmcapacidade de discriminar e portanto no percebemque esto usando metforas, isto , substituindo a lite-ralidade por outro modo de comunicao. Em suma,os sistemas de sinais que utilizam so diferentes dosdas pessoas normais.

    H trs comportamentos esquizofrnicos principaisdiante de uma mensagem contraditria. O primeiroconsiste em procurar um subtexto em tudo o que seouve, imaginar que toda mensagem "tem algo por trs".Isso leva a uma conduta de suspeita e desconfianaconstantes, tpica da esquizofrenia paranide. O se-gundo comportamento manifesta-se pela recepo demensagens sempre em sentido literal. Se algum diz" tiro e queda", o ouvinte procura o ferido ou o cad-ver. Neste quadro, correspondente esquizofreniahebefrnica, surge um padro de pensamento con-creto, infantil. Tudo motivo de riso. O terceiro pa-dro comportamental consiste em ignorar sistematica-mente as mensagens. A pessoa tende a se afastar detudo e a se encastelar cada vez mais em seu mundointerior. Este o quadro da esquizofrenia catatnica.

    PAIAS ATHE TA

    complexo, pois envolve mltiplos modos de interco-municao humana com jogos, no-jogos, humor, fal-sificao (consciente ou inconsciente), de sinais iden-tficadores de modos como o riso, as atitudes amisto-sas e a aprendizagem.

    Sabe-se que, em condies experimentais e no co-tidiano, alm de aprender, as pessoas podem apren-der a aprender. E mais: podem aprender a trabalharcom muitos nveis de sinais ou mensagens, sob as maisdiversas condies. Isso leva ao infinito as possibilida-des de aprendizagem - para o bem e para o mal. Da agravidade de uma aprendizagem distorcida por umaexperincia de vida como o duplo vnculo.

    Convm assinalar que, para que os efeitos do du-plo vnculo se manifestem, necessrio que a situa-o-base se repita com tal freqncia que termine setransformando em agente condicionador. Alm da lon-ga durao, precisa ocorrer em circunstncias em quea vtima no tenha escapatria. o caso das crianasno contexto familiar. (Ultimamente, autores norte-ame-ricanos tm observado o mesmo fenmeno em am-bientes de trabalho). No fim, o padro de respostatorna-se automtico; a vtima acaba vendo o mundopela tica da dupla vinculao.

    MODELOS E METFORAS - A condio de no permitirsada vtima, como acabamos de ver, indispensvelpara que o duplo vnculo conduza a situaes patol-gicas. Quando h como escapar ao processo, a situa-o no s no leva esquizofrenia, como pode atser utilizada em contextos teraputicos. Bateson ob-serva que no trabalho de psicoterapia, conscientemen-te ou no, os terapeutas com freqncia provocamesse tipo de situao. Os pacientes, por sua vez, pro-cedem da mesma forma. A diferena que em taiscenrios existe sempre possibilidade de sada. Ela secaracteriza pela oportunidade que a pessoa atingidatem de comentar as mensagens recebidas.

    Essa oportunidade lhe confere uma capacidade deentendimento e discriminao que lhe permite esco-lher a alternativa a ser descartada, bem como aquela aser considerada e trabalhada. Em outras palavras, aoreceber uma comunicao, a pessoa-alvo pode inter-vir sobre ela, questionando-a, pedindo mais detalhes,mais definio. isso que Bateson chama de fazer umametacomunicao.

    Um bom exemplo o caso dos koan utilizados pe-los mestres zen para trabalhar com seus discpulos ocaminho da iluminao. Bateson menciona um. Diz omestre:"Se voc disser que este basto que tenho namo real eu baterei em voc com ele; se voc dissero contrrio, tambm baterei em voc; se no dissernada, baterei da mesma forma". Neste caso, a deso-rientao acaba levando o discpulo a tomar uma pro-

    COTIDIANO E RESPONSABIUDADE - Bateson assinala que,nesses comportamentos, as pessoas perderam a capa-cidade de auto-regulao. Passam a agir como qual-quer sistema ciberntico, ou seja, auto-regulvel, quese descontrolou e est no mundo como um barco deriva. bvio que esses comportamentos, levadosao extremo pela patologia, so observados em pessoas

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  • PAIASATHE A

    Gregory Boleson, Morgorel Meod, Lois Boleson e Borkev Kosorjion

    normais. Todos conhecemos o tipo que suspeita detudo, o que desqualifica qualquer situao transfor-mando-a em brincadeira e o que se afasta de todos.

    Rotul-Ios de indivduos que no querem se com-prometer, que no assumem suas responsabilida-des perante a vida, at certo ponto correto, massimplista. Tambm podemos ver em tais casos mo-delos diferentes de comportamento, contramensa-gens de gravidade varivel em termos de patologia,ou at formas de pedir socorro. No atender a es-ses pedidos seria - agora de nossa parte - fugir auma responsabilidade e a um desafio que nos soapresentados pela prpria condio humana. Comotodo sistema, tais indivduos tm sua sobrevivncialigada ao nvel de complexidade que conseguematingir. Sem essa complexidade crescente se torna-ro, tambm de forma crescente, incapazes de con-viver com o conflito, o aleatrio e a mudana.

    Mas nem tudo desesperana. Ao que tudo indi-ca, existe uma auto-regulao maior que transcendetudo isso. No h outro modo de explicar certos fatosdo cotidiano. Vejamos alguns exemplos. O socilogoEdgar Morin, que como Bateson est entre os maiorespesquisadores do sculo, entrou em contato com aobra do antroplogo por intermdio de Anthony

    Wilder, do Departamento de Comunicao da Univer-sidade de San Diego, Califrnia. Da seguiu adiante,rumo s vrias linhas de fluxo que se entrelaam nateoria dos sistemas. O contato foi decisivo para a con-tinuidade da obra moriniana, conforme ele prpriodestaca em O Paradigma Perdido. Morin e Bateson:dois mananciais de criatividadee polivalncia, fiosmaio-res da imensa rede de esforo humano rumo a umaconcepo sistmica, complexa e global de mundo.

    Sabemos tambm que Margaret Mead e Batesontiveram um estreito relacionamento com Milton H.Erickson, psicoterapeuta do Arizona que influencioude forma exemplar toda uma linha de pesquisa. Elaparte de uma psicoterapia original, no-dogmtica ecriativa, passa por uma metodologia singular de hip-nose clnica e desemboca na programao neurolin-gstica que, preconceitos e equvocos parte, surgecomo abordagem no mnimo merecedora de novos ebem conduzidos estudos.

    Em Erickson,Bateson localizoua contribuioda hip-nose ao estudo da esquizofrenia. Observou que delrios,alucinaes e outros fenmenos aparecem com freqn-cia em pessoas hipnotizadas, mesmo quando no suge-ridos pelo hipnotizador.Destacou tambm o modo comoErickson utiliza o duplo vnculo em hipnose. Diz ele ao

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  • PALASATHE A

    paciente: "Sua mo no pode se movimentar, mas quan-do eu der o sinal ela se mover".

    Eis uma mensagem contraditria, incompreensvelpela lgica da no-contradio e introdutora da duplavinculao. "Sua mo no pode se mover mas pode".Erickson ento d o sinal combinado e o hipnotizadotem uma alucinao: v sua mo, declaradamente im-vel, movimentar-se. Neste caso, como nota Bateson, aalucinao foi uma sada para o duplo vnculo, embo-ra inadequada para o cotidiano - exatamente comoacontece com as alucinaes dos esquizofrnicos.

    PROFUNDIDADE, AMPLITUDE, GLOBALlDADE - Embora lon-gas, estas consideraes se fizeram necessrias por doismotivos principais. Primeiro, para mostrar como a difi-culdade de comunicao interpessoal continua sendoo maior entrave convivncia dos seres humanos nafamlia, no trabalho ou em qualquer outro contexto.Isso s portas do Terceiro Milnio e depois de pratica-mente cem anos de psicoterapia. O segundo que adiversidade de uma obra como a de Bateson melhorilustrada por um exemplo representativo. evidenteque, por si s, uma teoria no explica nem resolvetudo. Mas h aspectos sobre os quais parece no res-tar dvida. Um deles a identificao do pensamentobatesoniano com uma rede mais ampla de energia men-tal que inclui as maiores cabeas deste sculo.

    Essa imensa teia, cujos fios inter-relacionam tantoscampos, que faz chegar tecnicidade do conheci-mento o acervo vivencial da sabedoria, transforman-do-o no que chamamos de "conhecimento sbio". Soelos que unem ncleos poderosos de pensamentocomo os de Bateson, Margaret Mead, Ruth Benedict,Teilhard de Chardin, Sri Aurobindo, Albert Einstein,Milton H. Erickson, Aldous Huxley, Arthur Koestler,Jiddu Krishnamurti, Edgar Morin e R. Buckminster Ful-ler, entre muitos outros.

    O que h em comum entre estas pessoas? Muitacoisa: tendncia para a unicidade, ordem e mtodosem dogmatismos, ousadia, espontaneidade, diferen-ciao, complexidade, viso de futuro, senso de justi-a social, ludicidade na seriedade, independncia, to-talidade, transcendncia, sinergia. So atributos, alis,componentes dos Valores S - Valores do Ser na defini-o do psiclogo Abraham Maslow, outro membro darede. Agora talvez esteja clara a noo do que Batesonchama de padro que liga, quando ele chega a um pon-to em que cincia e religio (entendida aqui como re-ligare, voltar a unir saberes dispersos) se reencontram.

    Para um pensador como Bateson, se a proposta re-ligar, est fora de cogitao a mera substituio de con-ceitos. O padro que liga aparece minuciosamente emseu livro Steps to an Ecology of,Mind. Nele, o autor est vontade em temas to variados como carter moral e

    social, teoria dos jogos e da fantasia, categorias lgicasde aprendizagem, ciberntica, problemas de comunica-o em cetceos e outros mamferos, ecologia, o papeldas alteraes somticas na evoluo, entre outros.

    Todo esse acervo est sintetizado em seu livro Men-te e Natureza: a Unidade Necessria, o nico traduzi-do entre ns. At seus ltimos dias, Bateson conti-nuou frisando a necessidade de aprofundamento dosestudos sobre a complexidade dos sistemas biolgicose sociais. A metodologia utilizada inclui os metlogos,conversas sobre assuntos problemticos, conduzi das detal modo que os participantes discutem o tema, mas acres-centam a estrutura e a totalidade do dilogo discusso.

    Essa maneira de superar a dicotomia sujeito-objetopermite que a discusso se auto-alimente o tempo todo.Isso a mantm aberta a mltiplos atravessamentos, ca-racterstica bsica dos sistemas abertos, no sujeitos entropia, isto , degradao progressiva da energiainterna que ocorre nos sistemas fechados e que osleva desestruturao e ao desaparecimento. Batesonv a interao da teoria da evoluo e sua histria comoum metlogo entre o homem e a natureza, onde a cria-o e troca de idias representa o fator de manutenoda abertura - isto , da sobrevivncia do sistema.

    No surpreende que muitos dos conceitos bateso-nianos sejam tidos como difceis de entender. Numacultura em que o imediatismo e a superficialidade pre-dominam, no fcil tornar popular um pensador quediz coisas como: "A tarefa do antroplogo o leva adesembarcar em lugares estranhos. (. ..) Estou aqui pararelacionar este lugar estranho a outros estranhos luga-res do mundo, onde os homens se renem em prece,talvez em celebrao, talvez simplesmente para afir-mar que existe algo maior no mundo do que dinheiro,canivetes de bolso e automveis".

    Mais do que serem entendidas, estas palavras de-vem trazer um desafio: o de difundir ao mximo opensamento de pessoas como Bateson e mostrar queele ultrapassa em muito o ornamentalismo de um meroeult object acadmico. ..

    BIBLIOGRAFIA

    Naven: A Survey of the Problems Suggested by a Composite Picture ofthe Culture of a New Guinean Tribe Drawn from Three Points ofView,G. Bateson, Cambridge University Press, Cambridge, 1936. Balinese Character: A Photographic Analysis. Special Publication of theNew York Academy of Sciences, vol. 2, G. Bateson, Margaret Mead,New York Acodemy of Sciences, NY, 1942. Steps 10 an Ecology of Mind, G.Bateson, Ballantine Books, NY, 1972. Interaccin Familiar: Aportes Fundamenfales sobre Teora y Tcnica,G. Bateson e outros, Ediciones Buenos Aires, Bs. As., 19BO. Menle e Natureza: a Unidade Necessria, G. Bateson, Francisco AI-ves, RJ, 1986. Synergetics, Explorotion in the Geometry of Thinking, R. BuckminsterFuller, Macmillan Publishing Company, NY, 1982. Le Paradigme Perdu, La Nature Humaine, E. Morin, Seuil, Paris, 1973. Communication, The Social Matrix of Psychology, Jurgen Ruech, G.Bateson, w.w. Norton & Company, NY, 1951.

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  • PAINEL----------------------------~~~----------------------------~

    Surge Universidade da Paz

    o prprio Dalai Lama e personalidades dereas to diversas quanto a cantora lricaMontserrat Caball e o ator Anthony Quinnesto entre os mais de duzentos partici-pantes que chegaram de todas as partesdo mundo, no final de janeiro de 1995,para o curso inaugural da Universidade daPaz em Berlim e Postdam.

    Mais de 750 personalidades e instituiesdos cinco continentes apiam a iniciativa,que conta com o patrocnio de dez pr-mios Nobel da Paz, entre os quais o bispoDesmond Tutu e o ex-secretrio de Esta-do norte-americano Henry Kissinger. A idiade uma Universidade da Paz com fins in-terdisciplinares e interculturais partiu dainiciativa privada, explicou o escritor ale-mo Uwe Morawetz, presidente da socie-dade promotora de sua fundao. O obje-tivo da Universidade ser um frum aber-to aos mais diversos conceitos, vises e mo-delos scio polticos e econmicos. A lon-go prazo, outra meta tom-Ia ponto deencontro e convivncia de estudantes ecientistas, polticos, economistas e repre-sentantes da cultura e da religio.

    O primeiro curso, aberto aos interessados,ter lugar de 1Q de setembro a 1Q de outu-bro em 16 centros culturais de Berlim ePostdam. Subdividido em trezentos cursose eventos, abordar temas que vo da imi-grao internacional de mo-de-obra e areforma das Naes Unidas histria damagia e o tango, passando pela mstica cris-t e a essncia do hindusmo. A cerimniaoficial de fundao da Universidade da Pazser realizada no dia 1Q de outubro, coinci-dindo com o fim do primeiro curso e 50anos aps o trmino da Segunda Guerra ea criao da ONU.

    Religies eMeio Ambiente:F6rum Mundial

    Passados nove anos do clebreencontro em Assis - onde osmaiores lderes religiosos domu ndo se reuniram para se co-nhecer e dialogar sobre os gran-des problemas da humanidadeneste final de sculo -, o prn-cipe Philip, duque de Edimbur-go, presidente internacional doWorld Wide Fund for Nature,sugeriu um novo encontro. Opropsito avaliar os avanosalcanados nestes nove anos eestudar a elaborao de umprograma comum de preserva-o e educao ambiental.

    Maiores informaes:UN Summit Office - 25-28 Old BurlingtonLondon WIX1LB- EnglandFax: 44(0) 171 439-1249

    411 ConfernciaInternacional sobrea Mulher

    Tal como aconteceu na ECO92, esta conferncia constarde duas pares: uma governa-mental, de 4 a 15 de setem-bro; outra no-governamental,de 30 de agosto a 8 de se-tembro. Ambas sero em Bei-jing, China, e tero como temacentral a situao da mulher,os programas executados des-de a Conferncia de NairobiConde o tema foi abordado

    pela primeira vez em 1985) eum programa de ao para ofuturo.

    Para a sesso no-governa-mental so esperados mais de20.000 participantes do mundotodo. Sua misso ser exigir dosgovernos a efetiva eliminaode todo e qualquer tipo de dis-criminao contra a mulher.

    A sesso oficial, cujo tema "Igualdade, Desenvolvimento ePaz", ter como secretria geralGertrude Mongella, da Tanznia.

    Para informaes detalhadas sobreparticipao, programa, hospedagem,alimentao, transporte, escrever para:DAW (Division for the Advancement ofWomen) - P.O.BOX4959 - United NationsNY10017-USA

    Iniciativa indgenapela Paz

    Esse o nome do grupo enca-beado por Rigoberta MenchuTum, Prmio Nobel da Paz, oqual adotou recentemente a re-soluo de criar um novo me-canismo nas disputas entre po-vos indgenas e governos.

    Alm de visar a autodetermina-o de cada povo, o objetivoda resoluo desenvolver umacampanha educacional na vidacotidiana e realar o papel daatuao dos povos indgenas nacomunidade mundial.

    Contato: Promoter Comittee -IndigenousInitiative for Peace - Heriberto Frias 339Col. Navarte - CP 03020 - Mxico DFTel: (525) 638-0346 - Fax: (525) 639-3976email: [email protected].

    THOT 28

  • PAINEL

    ,Declarao de Etica Global

    Ns declaramos:

    Somos interdependentes. Cada um de nsdepende do bem-estar do todo e, assim,sentimos respeito pela comunidade dosseres vivos, pelas pessoas, pelos animais eplantas e pela preservao da Terra, do ar,da gua e do solo.

    Assumimos a responsabilidade indivi-dual por tudo o que fazemos. Todas nos-sas decises, aes e omisso de aestm conseqncias.

    Devemos tratar os outros como gosta-ramos que os outros nos tratassem. As-sumimos o compromisso de respeitar avida e a dignidade, a individualidade e adiversidade, para que cada pessoa, semexceo, seja tratada humanamente. De-vemos ter pacincia e viso positiva davida. Devemos saber perdoar, aprenden-do com o passado, sem jamais nos tor-narmos escravos de lembranas odiosas.Abrindo nossos coraes aos outros,devemos eliminar nossas pequenas di-ferenas em prol da causa da comunida-de mundial, pondo em prtica uma cul-tura de solidariedade e de relacionamen-to harmnico.

    Consideramos a humanidade nossa fam-lia. Devemos nos esforar por ser bons egenerosos. No devemos viver somente emfuno de ns mesmos, mas tambm paraservir a outros, nunca nos esquecendo dascrianas, dos idosos, dos pobres, dos quesofrem, dos incapazes, dos refugiados e dosque vivem na solido. Ningum deveria ja-mais ser considerado ou tratado como cida-do de segunda categoria, ou explorado denenhuma forma. Deveria existir parceria deiguais entre homens e mulheres. No deve-

    mos cometer nenhum tipo de imoralidadesexual. Devemos deixar para trs qualquerforma de dominao ou abuso.

    Assumimos o compromisso com uma cul-tura de no-violncia, respeito, justia epaz. No praticaremos opresso, ofensa,tortura, nem mataremos outros seres hu-manos, abandonando a violncia comomeio de resolver diferenas.

    Devemos nos empenhar por uma ordem so-cioeconmica justa, na qual todos tenhamoportunidade igual para atingir o potencialmximo do ser humano. Devemos falar eagir com veracidade e compaixo, tratandoa todos com eqidade, evitando preconcei-tos e dios. No devemos roubar. Devemosnos colocar acima da cobia por poder, pres-tgio, dinheiro e consumo, a fim de criarmosum mundo justo e pacfico.

    A Terra no poder ser mudada para me-lhor sem que se mude antes a conscinciados indivduos. Comprometemo-nos a ex-pandir nossa conscincia disciplinando nos-sas mentes por meio da meditao, da ora-o, ou pelo pensamento positivo. Sem ris-cos e sem disposio ao sacrifcio no ha-ver mudanas fundamentais em nossa si-tuao. Comprometemo-nos, portanto,com essa tica global; comprometemo-nos compreenso do outro, a adotar modosde vida socialmente benficos, geradoresde paz e que estejam em harmonia com anatureza.

    Convidamos todas as pessoas, religiosas ou .,no, a fazer o mesmo. 1

    Assinada por mais de 125 lderes e representantes de17 diferentes tradies religiosas, durante o encerramentodo Parlamento das Religies do Mundo, em agosto de 1993,em Chicago.

    THOT 29

  • PAINEL----------------------------~~~----------------------------~

    Frum sobre asituao do mundo

    Analisar a situao atual domundo e articular os princ-pios fundamentais das prticase valores necessrios para mol-dar de maneira construtiva o in-cio do sculo 21. Ser essa atarefa do Frum sobre a Situa-o do Mundo (State of theWorld Forum), presidido porMikhail Gorbachev, a ser reali-zado em So Francisco, Califr-nia, de 28 de setembro a IQ deoutubro de 1995.

    Alm de personalidades da es-fera poltica mundial convida-das para a co-presidncia, es-to sendo convocados, porsuas contribuies ou pela sin-gularidade de sua viso, ex-chefes de estado, atuais e emer-gentes lderes polticos, execu-tivos de corporaes, eminen-tes pensadores, seletos digni-trios e jovens selecionadospor organizaes educacionaisinternacionais.

    o propsito do Frum reu-nir indivduos pensantes detodo o mundo para refletir so-bre o futuro das grandesquestes da comunidade hu-mana, assegurando equilbriocorreto no apenas para a hu-manidade mas entre a huma-nidade e a Terra.

    o Frum incluir criao dematerial histrico e educacio-nal impresso e audiovisual.

    Para cobrir despesas opera-cionais, so solicitados patro-cnios de corporaes e fun-daes. A renda lquida rever-ter em projetos sem fins lu-crativos para continuidade dodilogo e reviso das priori-dades globais.

    Para maiares informaes contatar:The Gorbachev Foundation/USAThe Presidio - Box 29434 - San Francisco,CA 94129 - USA.Tel: (415) 771-4567 - Fax: (415) 771-4443,com John Balbach.

    471J Confernciaanual de ONGs

    Mais de 1400 participantes desessenta pases estiveram pre-sentes 47 Conferncia Anualde Organizaes No-Governa-mentais, de 20 a 22 de setem-bro de 1994, em 1994, em NovaYork.

    Boutros Boutros-Ghali, secret-rio geral das Naes Unidas,exortou as O Gs a mobilizarema opinio pblica para promo-ver a paz.

    A fora crescente que esse tipode organizaes vai ganhandono mundo e a capacidade dese articularem internacional-mente lhes faculta assumir opapel inadivel de promover,sustentar e construir instrumen-tos efetivos de paz.

    Contato: Vincent Marie PioIa,Chief, NGO Section - UN Departament ofPubliclnformation -801 UN Plaza, S-l 037ANew York - NY 10