revista literária macondo #3

74
MACONDO revista literária apresenta guilherme josé pires, joão rui afonso, ari marinho bueno, germano viana xavier, bruno machado, fabiola weykamp, rosane carneiro, airton souza, leo lobos, ana teresa jardim, leonardo mathias, taize odelli, flávio castorino, mário galdán, giovani iemini, bernardo brandão, caio yurgel, bartolomeu pereira lucena, guilherme gontijo flores, venes caitano marques, thiago cervan, cleverson antoninho, lucas sousa ferreira POESIA CARICATURA RESENHA POEMA VISUAL CONTO FOTOGRAFIA HAICAI TEXTO +++ N.º 3 TRIMESTRAL agosto setembro outubro 2011 ENTREVISTA EXCLUSIVA manoela sawitzki

Upload: revista-literaria-macondo

Post on 22-Mar-2016

221 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

Terceira edição - ago/set/out 2011

TRANSCRIPT

Page 1: Revista literária Macondo #3

MACONDOrevista literária

apresenta guilherme josé pires, joão rui afonso, ari marinho bueno, germano viana xavier, bruno machado, fabiola weykamp, rosane carneiro, airton souza, leo lobos, ana teresa jardim, leonardo mathias, taize odelli, $ ávio castorino, mário galdán, giovani iemini, bernardo brandão, caio yurgel, bartolomeu pereira lucena, guilherme gontijo $ ores, venes caitano marques, thiago cervan, cleverson antoninho, lucas sousa ferreira

POESIA

CARICATURA

RESENHA

POEMA VISUAL

CONTO

FOTOGRAFIA

HAICAI

TEXTO

+++

N.º 3T R I M E S T R A L

agosto setembro outubro 2011

ENTREVISTAEXCLUSIVA

manoelasawitzki

Page 2: Revista literária Macondo #3

expediente

EDITORES

francisco mariani casadoremarcos mariani casadore

COLABORADORES

os autores dos textos publicados na presente edilçao estão listados,por ordem alfabética, nas páginas & nais da revista.

IMAGEM DA CAPA

retirada do acervo pessoal dos editores.

não nos responsabilizamos por ideias e demais conceitos expostos pelos autores, bem como pela autoria dos textos.

APOIO À PAGINAÇÃO:

Revista disponibilizada gratuitamente pelo sitewww.revistamacondo.co.cc

ACESSE TAMBÉM

www.twiter.com/revistamacondowww.revistamacondo.wordpress.comwww.facebook.com/revistamacondo

CONTATO I ENVIO DE MATERIAL

[email protected]

campanha +1: apresente a revista para alguém e consiga mais um leitor para a gente!

Page 3: Revista literária Macondo #3

Há coisas que acontecem numa língua sem pretérito.

Altair Martins

Page 4: Revista literária Macondo #3

Revendo as anotações feitas quando da idealização de uma revista literária, um abismo se transpõe entre o que primeiro pensamos e a edição que, hoje, oferecemos a vocês. Nomes das seções, número de textos seleciona-dos, formas de divulgação, tudo mudou... Felizmente, muitos escritores compraram a nossa ideia e contribuíram, desde a preparação do pri-meiro número, com excelen-tes trabalhos. Graças a eles, aliás, um público de leitores logo se consolidou. A par-tir de então, é pensando no compromisso assumido, o de oferecer boa arte – de graça! –, que encontramos, em meio a uma rotina às vezes não tão

fácil, a motivação necessária para manter o projeto vivo. Dissertar sobre o ca-ráter independente da Ma-condo, se não lugar-comum, pode soar como um argu-mento supér$ uo para auto-promoção. Pedimos, portan-to, a todos vocês, leitores, que destinem atenção ao material exposto nas páginas seguintes. A beleza de cada poema, conto e quaisquer outros textos constituindo, entre si, boa diversidade es-tética, ideológica e regional; o encontro de extremos, de iguais e de desconhecidos, convivendo em plena harmo-nia. Todos tendo, em comum, o zelo com as palavras – mes-mo quando para, intencio-

nalmente, pretender que se acredite no contrário. Aproveitamos, ainda, para agradecer a todos que enviaram seus trabalhos! Se fosse possível, quereríamos uma edição tão completa quanto os volumes que com-põem a Biblioteca de Babel. Diante da impossibilidade, só nos resta pedir: continuem escrevendo e submetendo suas produções. Um novo nú-mero signi& ca, sempre, novos nomes de autores a serem li-dos, bem como textos inédi-tos de autores já publicados, mas que merecem, igual-mente, espaço; aproveitamos o ensejo para, aqui, deixar-mos um obrigado especial a Ari Marinho Bueno, grande

editorial

CARICATURA

página 6

CONTOS

página 7

POEMA VISUAL

página 23

HAICAI

página 24

ENTREVISTA

página 26

RESENHA

página 34

Page 5: Revista literária Macondo #3

poeta-colaborador que já pode ser considerado da casa – esteve presente, até então, em todas as nossas edições. E, após um hiato na edi-ção passada, voltamos com a seção de Entrevista, que aca-ba de sair do forno: a escrito-ra Manoela Sawitzki aceitou o nosso convite e, pronta-mente, respondeu a algumas perguntas. Adiantamos, para aguçar a curiosidade, alguns dos tópicos abordados pela autora, que tanto admiramos: a literatura – como não podia deixar de ser –, o teatro, o re-conhecimento fora do Brasil, os projetos para o futuro, o impacto dos e-readers etc. As novidades não param por aí: enquanto publicação digital,

estabelecemos um lugar es-pecial para recomendar sites que têm muito a oferecer no que concerne a informações, resenhas, causos e tudo o mais que ronda o mundo li-terário. Também reservamos uma página para sugerir obras que, por motivos lá es-peci& cados, devem ser lidas – outro canal que visa promo-ver a interação e o diálogo do nosso – cada vez maior! – público. Para a estréia, con-tamos com a participação de ninguém menos do que Taize Odelli, a resenhista mais po-pular da internet que topou o desa& o e enviou sua indica-ção! Para concluir, comple-mentando o que a& rmamos

no início: há um abismo en-tre o que primeiro se pensou para a revista e o que hoje lhes oferecemos. Todavia, há que ressaltar o fato de que, do tamanho desse abismo, existe uma ponte ligando os dois lados propostos. A pon-te, por sua vez, é feita de uma matéria que di& cilmente será descrita com exatidão, tam-pouco explicada de forma convincente: uma matéria que, escapando a tantas au-sências da contemporaneida-de, permanece intacta desde o surgimento da Macondo, acreditando e insistindo na propagação dos frutos dessa in& nita capacidade (re)criati-va dos seres humanos.

Os editores

PROSA POÉTICA

página 37

ESPAÇO VIRTUAL

página 42

DOMÍNIO

PÚBLICO

página 43

POESIA

página 47

TEXTO

página 66

BIBLIOPHILIA

página 68

COLABORADORES

página 70

Page 6: Revista literária Macondo #3

6 MACONDO revista literária

caricatura

venes caitano marques

Page 7: Revista literária Macondo #3

contos

Page 8: Revista literária Macondo #3

8 MACONDO revista literária

contos

pedisse, nem um aceno tímido de lon-ge ele deu. Dois dedinhos, meu caro - ele pedia ao garçom magro e acinzen-tado que & tava o relógio de minuto em minuto a$ ito para estar em casa e tirar aquele cheiro de desgraça de seu cor-po. Mais dois dedinhos aqui, meu & ... - soluço. Ezequiel era o nome do garçom, mas os frequentadores daquele bar fé-tido não faziam questão de saber. Que-riam ser servidos. E o serviço tinha de ser rápido, igualmente aos seus lúcidos conhecimentos sobre ética e metafísica. A$ itos em sua desgraça e descren-ça. A$ itos por não terem para aonde ir. A$ itos por não sentirem outra coisa a não ser essa: a$ ição sincrônica ao des-

conhecimento imbecil de suas próprias limitações. Uma mistura de pena de si mesmo com um bocado de pressa. Pres-sa de quê, exatamente, nunca ninguém soube. Nem eles mesmos, donos de suas próprias a$ ições agudas manuscri-tas em exaustivos ensaios acadêmicos. A legião acadêmica, composta por re-nomados e ilustres donos de uma ora-tória invejável, pontualmente batiam seu cartão naquele bar. O trem partiu e, da estação, as des-pedidas eram mais frequentes do que os reencontros. Despedidas zangadas. Despedidas adormecidas no colo das mães. Despedidas agoniadas. Despedi-das corrosivas. Despedaçadas, despren-

Não, não era o homem que queria ser. A intimidade sibilina com Aristóteles e sua Grécia Antiga teria feito em profusão esta carne opaca e sem pouco viço, de difícil diálogo amistoso e introspecção exagerada. En-contrava a cura para sua demasiada sapiência e dor

em dois goles de cachaça. Dois atrás de mais dois e assim, durante uma noite inteira até o sol despertar, dois goles de pinga era o que ele dizia que havia bebido. O trem partiu sem que ele se des-

O último gole do & lósofo

Page 9: Revista literária Macondo #3

9ago set out 2011

didas. Aqueles dois dedinhos de pinga mais um dedinho de prosa com o acompanhante misterioso, que a própria física insiste em de-codi& car seu espectro e sua cons-tituição de cargas elétricas magne-tizadas, & zeram com que o último suspiro de adeus não fosse ouvido. Ouviu-se um choramingar baixinho e inconformado. Ouviu-se o som da mala fechando. Ouviu-se um gole de cachaça descendo e queimando a goela seca do moribundo de alma. Não se ouviu um adeus. Ouviu-se um último soluço etílico e um brin-de à... Não se ouviu decerto. O copo deslizou de sua mão e o moribun-do, cujo raciocínio era tão brilhante quanto de uma vaca, espatifou-se no balcão. E o trem novamente deixou aquela estação. Um último adeus a Platão.

fabíola weykamp

O menino que morreu com o

vento

- Desce daí menino!- Dá não tia...- Claro que dá, o cê conseguiu subi também consegue desce ué!- Mais quem disse que eu quero de-sce? Eu quero & ca aqui em cima, e daqui ninguém me tira! Preciso desco-bri uma coisa!- Descobri o quê? Tem nada impor-tante aí não...- Claro que tem, senão eu não tava aqui “ué!”- É algum ninho de passarinho? Dexa eles queto aí então!- Que passarinho que nada, cê acha que eu ia subi aqui por causa de pas-sarinho?!- Que é então? Nessa hora um bem-te-vi que adejava por ali desapareceu dentro das folhas da copa árvore deixando só o zumbido das suas asas pra trás.- Tá vendo?- Tá vendo o quê menino? Cê falo que não tava procurando passarinho!- Mais não tô mesmo!- Ixi... Não tô entendendo mais nada, fala logo ou desce daí, já tá escurecen-

Page 10: Revista literária Macondo #3

10 MACONDO revista literária

contos

do...- Já percebi, daqui de cima dá pra vê tia!- Então que cê ta esperando pelo amor de Deus!!!- Aquilo que a asa do passarinho tava levando...- As penas?!- Nãããão!!!!!!!!! - Nem sei então...- Era o vento tia! Será que ninguém percebe!- Percebe o quê?- Tia cê sabe se é o passarinho que traz o vento?- Ah, muleque para de bobera e saí daí!!- É ou não é? Eu quero sabe! Ela abaixou a cabeça um instante, mais no instinto de coçar o braço que tinha acabado de ser mordido por um mosquito, do que pra pensar numa resposta, estava mais preocupada com a intempérie que perturbava as folhas secas no chão.- Desce que vai chove!- Vem da onde então?- Vem o quê, os passarinhos?- Não! De o vento vem?- Ah sei lá muleque, vem lá de longe...- Longe onde? Lá detrás daquelas árvores?- É! Ele vem de lá mesmo! Agora desce!

- Então não é o passarinho que traz o vento né?- Não, não é! É o vento que traz o passarinho... por isso que eles podem voar...- E ainda tem vento né tia?- Claro que tem, cê não ta sentindo aí em cima! O menino voltou os seus olhos para o horizonte que estava todo pintado de vermelho e rabiscado de relâmpagos, sentia o vento no corpo todo, imaginou o vento saindo lá de trás daquelas árvores desenhadas tão longe. Como será que acontecia? Mais isso não tinha importância. Outro dia ele iria lá ver, o que valia a pena ele já sabia, era o vento que fazia os passarinhos voarem... ouviu o bem-te-vi pela última vez antes da chuva... fechou os olhos, sentiu o vento e ouviu mais uma vez e só mais essa vez... - Desce daí menino...- Já vô...

lucas sousa ferreira

Page 11: Revista literária Macondo #3

11ago set out 2011

Vinte e dois anos depois, uma piada

perde a graça

Ela esperava no cruzamento entre a Cidade Jardim e a Faria Lima. Abracei-a com cautela. Tinha medo de que meus gestos estabanados pudessem quebrá-la em mil ped-acinhos, tamanha a magreza e fra-gilidade. Logo ela, semente de eter-nos temores e inseguranças, agora parecia tão vulnerável. Os cabelos ainda eram louros, mas não como me pareceram em 1988. Nunca tão intensos como naqueles dias. O sinal abriu, carros cortaram a avenida e uma sombra passou pelo rosto dela. Eu me lembrei de quando dezembro chegava e do aperto que sentia por saber que & -caríamos longe. Minha primeira ob-sessão. Pequena, mas primeira. Você tá diferente, ela falou. E eu não sabia se sorria ou se & cava sério. Nunca sei o que fazer nessas horas. Decidi cortar o assunto. O restaurante & ca logo ali, indiquei. No caminho, ela vestiu uma blusa & ninha, cor-de-ro-sa. Ventava e o dia estava nublado.

Justi& cou que andava meio doente. Não falei nada. Almoçamos comida árabe e ela achou graça da forma como eu quase derrubava tudo na mesa. Sempre o estabanado, o desajeitado, o revol-tado. Depois, ela riu diante de minhas tentativas de pedir uma coca-cola à garçonete, que insistia em ignorar nossa presença. Sempre o esquecido, preterido. Posso dar na cara dela?, brincou. Em seguida, & cou séria. Tinha problemas com o namorado, problemas de saúde. Tinha consulta naquele mesmo dia. Medicação e o caralho a quatro. Talvez não precise, tentei remediar. Sempre o concili-ador, mesmo com todos os diabos a me cutucar, loucos para sair e tomar a forma de impropérios e atitudes. Vou precisar, sim. Não tinha o que falar. Mordi um falafel e não havia sabor al-gum. Tomei um gole de coca e senti gosto de guache. Os olhos dela tam-bém não eram mais da mesma cor. Do azul mais vívido que eu já havia visto, passaram a uma tonalidade cinzenta. Estavam fundos nas cavi-dades. Pensei em como coisas ruins acontecem com pessoas boas. Mordi outro falafel. Lembrei do cheiro de massinha de modelar, areia macia e hastes de metal que formavam gaio-

Page 12: Revista literária Macondo #3

12 MACONDO revista literária

contos

las, gira-giras e balanços. Bebi outro gole da coca e senti a areia na garganta, formando um nó que sufocava. Engoli. Quem me indicou esse médico foi uma amiga. Engoli de novo e senti um gosto da massinha, tóxico. Na cabeça, o gira-gira a rodar. Terminamos de comer, paguei a conta e saímos. Vem, vamos passear, eu disse, pegando-a pelo braço com medo de quebrá-la como um cristal. Você está diferente, insistiu. Eu estava mesmo. Gordo, careca, barbado, com problema de coluna, de fígado, de pressão alta. E não havíamos, sequer, chegado aos 30. Estremeci e fui repreendido: Você devia ter trazido blusa. Resmunguei algo sobre o calor do dia anterior. Ali perto havia uma loja que vendia docinhos. Docinhos porcaria, expliquei. Ela não entendeu. Gelecas, dentaduras, cobrinhas ácidas, skittles, enumerei. Gelecas?, perguntou. Gelecas, con& rmei. Achamos pirulitos. Chupamos na rua, feito crianças, mas, para mim, eles não tinham o mesmo sabor dos anos 1980. Nada mais tinha, na verdade. Meu paladar anda alterado, comentou. Eu não queria ouvir, mas ela desejava falar. Apenas pousei as mãos sobre seus braços. Fininhos, & ninhos. Brancos como alabastros, como caveiras de açúcar.

Os alimentos parecem muito doces, muito salgados, muito amargos. Uma porcaria. Assenti com a cabeça. Daqueles lábios, as frases saíam trêmulas e como se escritas em letras de mão. Todas as cores, todas as vogais e consoantes, tal qual na época em que aprendíamos, juntos, a formar as palavras. Pois sim, as palavras - meu escudo, espada e baioneta para ferir e ser ferido. Fiquei quieto, limitei-me a ouvir, enquanto enxergava o vento dissipar mil e um demônios rabiscados em caligra& a infantil. Uma vez, já no começo dos 1990, ela dissera que gostava de mim. Fiquei roxo de vergonha. Naquele tempo era assim: a primeira série, a segunda série, a terceira série, até a oitava. Depois vinha o colegial. Nessa época - a do colegial -, ela já não estava mais por perto. Ela fazia sucesso entre os caras mais velhos. Consultei o relógio e vi que meu horário de almoço expirara há tempos. Abracei-a, beijei-a no rosto e nos despedimos com a promessa de marcar outro almoço, outros telefonemas, outros tudo. O sinal abriu e a perdi de vista. Um vento frio soprou e fez com que eu me lembrasse de que estava sem blusa. Voltei ao escritório com o açoite da recordação. Lembrei

Page 13: Revista literária Macondo #3

13ago set out 2011

que a casa dela & cava em frente ao cemitério e ao lado do asilo. Caso aconteça alguma coisa, ou quando eu & car velha, não terei com o que me preocupar. Era uma brincadeira constante e nós ríamos...como ría-mos. Mas naquele dia, tantos anos depois, aquela piada não tinha a menor graça.

O futuro professor de Kant, preso no trânsito da cidade

grande

Você se lembra de ter estuda-do Kant e não ter entendido nada – lembra-se claramente de não ter entendido nada porque era tudo abstrato demais, e isso fez com que você percebesse que para grande parte da população, talvez, conceitos aparentemente simples fossem, por sua vez, excessivamente complexos e fora de alcance. Como o conceito de vazio, de esvaziamento da vida, e você pensa que não quer cometer o erro de Kant e pensa que poderia ex-plicar à massa o que é o esvaziamento (o que Kant nunca fez – dentre tantas coisas que ele nunca fez) – você sorri imaginando ser uma pessoa que se di-rige ao público, em ciclos de palestras e seminários temáticos; você sorri e se imagina ajeitando o nó da gravata borboleta, porque teme, teme mas aprova, que você seria esse tipo de pessoa se chegasse a participar desse

bruno machado

Page 14: Revista literária Macondo #3

14 MACONDO revista literária

contos

tipo de evento –, pensa que poderia explicar o esvaziamento à platéia dizendo que é como dirigir falando no telefone: terminada a ligação, você está mais ou menos onde deveria estar, mas não faz a menor idéia onde você dobrou, quais semáforos cruzou, quantos veículos ultrapassou. Você simplesmente está num determinado local sem saber como, sem um passado recente – apenas as grandes narrativas históricas da semana passada. E você sabe que tem de ir adiante porque um $ uxo de carros lhe compele nessa direção, e que você tem de fazê-lo ordeiramente, respeitando as regras do trânsito (objetivas) e da convivência (subjetivas). Mas, no & nal das contas, é como ler Kant: você tenta, mas não encontra sentido. E a essa altura o motorista do carro de trás buzina violentamente, envia furiosos sinais de luz, canta os pneus, talvez inclusive você tenha causado um acidente grave, fatal, e você desce do carro e pergunta-se por quê – e é aí que seu mundo começa a esfarelar nas bordas.

Quatro meninos

Quando o menino adiantou-se e levantou o rosto para cantar o hino, todos na igreja católica sentiram uma onda de emoção. As pessoas & caram mais quietas. Ao mesmo tempo tími-do e con& ante, ele cantou até alcançar as notas mais altas, e a congregação se fortaleceu em sua fé. A igreja era adornada com imagens religiosas de pouco valor estético, e tinha cheiro de $ ores mofadas e de madeira velha. Há algumas quadras dali, um ou-tro menino senta-se em um café recen-temente inaugurado, diante da mãe. Ela havia sido criada como católica, mas era budista, agora. Estava sempre tentando doutriná-lo, o que ele acha-va muito chato. Detestava o brilho frio que via nos seus olhos, quando ela discursava sobre as maravilhas da nova crença. A mãe tentava também converter ao Buda as empregadas e o motorista, que apenas escutavam e sorriam, com medo de perder seus empregos. Todas as manhãs, pratica-va ioga na varanda, sob a orientação de uma instrutora esguia, bronzeada e musculosa. Quando o & lho foi reprova-do na escola e teve que repetir o ano,

caio yurgel

Page 15: Revista literária Macondo #3

15ago set out 2011

a mãe o entregou aos cuidados de uma terapeuta, que ele via duas ve-zes por semana. Ele havia temido que a psicanalista fosse mais uma doutrinadora. Mas, para sua surpre-sa, ela se transformou numa espécie de amiga, alguém em quem deposi-tara sua incerta fé. Sentado no elegante café do shopping, o menino aguarda a hora de subir para o consultório da analis-ta. A mãe vai fazer compras e buscá--lo apenas no & nal da tarde. A ana-lista o recebe de modo pro& ssional, mas caloroso. Em seguida, como de costume, o conduz para dentro da sala onde atende e o deixa só por al-guns minutos, enquanto veri& ca, no outro cômodo, com a secretária, se alguém havia ligado. A analista pare-ce animada e alegre. É segunda feira. O menino imagina o que ela terá fei-to durante o & nal de semana. Teria & lhos? Seriam eles mais ajustados e amados do que ele? Tenta afastar os pensamentos ciumentos. A analista sempre lhe sorri com cumplicidade e humor. Ele tem certeza que ocupa um lugar especial na vida dela, aci-ma dos possíveis & lhos, dos outros pacientes. Uma vez lhe perguntara se ele era especial para ela, e ela rira, e a& rmara que sim. Ele começava a compreender as sutilezas do amor -

que ele podia ser dividido sem per-der seu valor, de maneiras múltiplas e complexas. Numa favela não longe dali, um terceiro menino, sentado no chão de terra de um barraco de madeira, abraça os joelhos contra o peito. Tive-ra sua cabeça raspada na noite ante-rior, e sua testa ainda está manchada do sangue seco de um pombo com o qual os sacerdotes o haviam un-gido. Desde pequeno, esse menino tem sido criado pelo avô, que é pai de santo. Chegou sua hora de ser inicia-do. Tem que & car no barracão duran-te vinte dias, sozinho. Dorme no chão duro e come e bebe do que alguém, silenciosamente, deposita na soleira da porta, todos os dias. O menino tem fé mas teme ser obrigado a levar uma vida de preceitos e obrigações. Em um subúrbio longe dali, um menino evangélico vai com sua famí-lia ao templo enorme, freqüentado por praticantes barulhentos e con-testadores. O pastor é jovem e usa um terno de tecido sintético, azul. O menino evangélico tem duas irmãs adolescentes, e uma mãe bonita que é diarista. Seu pai foi despedido da fábrica onde trabalhava e às vezes substitui o servente da noite de um posto de gasolina. No templo, o me-nino assiste a um ritual de exorcismo.

Page 16: Revista literária Macondo #3

16 MACONDO revista literária

contos

Vários crentes se jogam no chão, gritam, os olhos esbugalhados, as bocas espumando. Um dia, em casa, o pai o pegara vendo na televisão um & lme com heróis que possuem superpoderes, e fez um discurso nervoso, fechado, repetitivo, sobre a falsidade daquele universo, tão atraente para o menino, agora interditado. O universo de fantasia passa a ser para ele uma distração da danação eterna. É & m de dia, quase noite, na cidade. Na igreja católica, o menino que cantava se sente mal. É levado para a sacristia onde lhe dão leite quente. Logo será levado para casa.A analista do menino rico deixou uma xícara de café fumegante sobre a mesa. Com o risco de ser descoberto, mas sentindo-se invencível, o menino pega a sua xícara, toma um grande gole, e a coloca de volta no lugar. Sente-se, assim, perigosamente mais próximo dela. No barracão no alto do morro, o menino encerrado escuta os gritos dos botequins ali perto, conversas e músicas. Ele se lembra de algo perturbador. Há alguns dias, o avô tentara acender o charuto. Suas mãos tremiam. Por alguns segundos pareceu fraco, perdido, as mãos

fracas segurando a chama suspensa no ar. O menino tem um vislumbre profundo da velhice, algo que não experimentará tão cedo. Fica por alguns segundos velhíssimo, depois menino novamente. O menino evangélico volta para casa, vindo do templo. Ele tem um segredo que suas irmãs acobertam, porque o amam. De pé, ele saúda a imagem de Wolverine colada na parte de dentro da porta do seu guarda-roupa. E se sente, por um momento, apenas um menino.

ana teresa jardim

Page 17: Revista literária Macondo #3

17ago set out 2011

polas completas de razão, de noite a noite, até que se lhe extingam as pa-táforas e recupere o bocejo. Era Maio, as andorinhas raiavam os céus e um homem corria pelos calabouços do serviço de cardiolo-gia: a turba de branco tocava-lhe os calcanhares mas não lhe agarrava as carnes, era vê-los a vê-lo saltar para a rua de onde viera, ingénuo, em busca do calor perdido, tinha gelo no peito e ninguém corre por quem respira de coração inverno. A verdade: o senhor desuma-nizado receia que o coração lhe caia maduro, vai dia, vem dia, como as maçãs fazem às macieiras, sem pre-núncio nem ditame. vai dia, vem dia, como as maçãs fazem às macieiras, sem prenúncio nem ditame.

Felicidade«João,

o tempo urge, tornaste a não atender quando te telefonei e não posso deix-ar-te ignorante da nossa decisão, nin-guém te encontra, onde andas? Sabe-

A verdade e o senhor

desumanizado

O senhor desumanizado deu entrada no serviço de cardiologia du-rante uma incerta manhã caótica de Maio: os ventos caíam de nordeste para soprar as árvores na vertical e não lhe restava outro passo: ia cuidar do seu peito feito bolor. Apresentou-se de cabeça baixa, não tinha bilhete de identidade nem impressão digital nem fotogra& a lam-bida nem data, e tão-pouco lhe ofere-ceram, e nunca aceitaria. Foi entregue a terapeutas ocupadíssimos com dis-tintos monólogos sobre a precisão do pensamento e das palavras cogitadas que preparam as jazidas à poesia, ace-navam na cadência dos argumentos uns dos outros e en& avam as mãos nos bolsos das batas, de onde retira-vam blocos de papéis numerados e pré-escritos, que depois assinavam. O paciente gosta de se apaixo-nar e sofre de vertigem compulsiva pela ausência e distância do seu ou-tro coração. Deverá ruminar duas am-

Page 18: Revista literária Macondo #3

18 MACONDO revista literária

contos

-se agora que os primeiros efeitos do surto foram leves tremores no espírito, diferenças no deitar do pó pelos objectos, falou-se apenas de uma noite muda nos serviços de urgência dos países afectados. Começou no Norte, mas estes relatos têm ecos já no centro do mundo: há que fugir. Foi durante a madrugada que a doença se desenhou nas pessoas. As primeiras notícias descreviam um surto de felicidade espontânea: as gentes desligavam-se lentamente das rotinas, a& rmando-se livres, despreocupadas; dobrada a manhã, terão rejeitado a pele, assumiram a forma das sombras, lívidas perante os objectos, as mobílias, as máquinas. Embora respirem, não sabemos se pensam, porque não falam, não escrevem, não comem, não bebem, e as notícias cessaram. Temos de pegar pela mão em quem nos quer bem e partir para Sul; é por isso que te escrevo, João, já que não atendes o telefone. Desde que a noite caiu, sinto nos lábios um sorriso bom, combato-o com & ta-cola e al& netes-de-dama; mas também as coisas sem vida parecem mais leves, e ouço-me por dentro a dizer sim. Acho que vi um livro pousado

no ar, entre a mesa da sala e a alcatifa, tinha azul na capa: pareceu-me ver um pássaro azul. Estarei a enlouquecer? Já não sei o porquê desta missiva, mas não irei reler os primeiros parágrafos. Pre& ro olhar para o tecto. Quão bela é a imensidão! O tudo é perfeito. Ah, silêncio.

g.»

guilherme josé pires

Page 19: Revista literária Macondo #3

19ago set out 2011

Entre o som e a luz

A noite não te foi simpática, Amélia, um borrão de sangue pisado abraça-te o pescoço e elide o carrei-ro de sinais que te une a nuca à orla do peito. Tu não sabes, estás atada à vida por tubos que te enchem de ausências e esquecimentos, mas eu sim, sei, vejo. Gosto de estar aqui, sentado a teu lado, as horas passam e não me custam, compreendes-me, não compreendes? É assim o mundo dos velhos, um retorno ao anterior, casas brancas, o Alentejo no depois da pele. E não se pense que é labor simples o cuidado das memórias, há sempre uma parede que se esboroa, ou uma janela descomposta, um amarelo que se quer azul no friso que ampara o telhado. Ainda agora caiei o muro da Igreja, branco sob o branco do Sol, recordas-te do muro da Igreja, de nos abrigarmos das tempestades de Verão? «Ouve a trovoada, João, escu-ta-la?, quando ela é assim, como se despejassem batatas no soalho do forro, não tenho medo algum, mas

quando me lembra o machado a ra-char a lenha chamo logo pelo Jesus.» Por ora já não ouves a trovoada nem contas os minutos que separam o som e a luz. Desconheces também o homem da cama ao lado, o que to-das as noites grita e se despe antes de ser amarrado, o que agora nos olha, o sexo exposto respirando pela algália, ausente, desumanizado. Talvez seja melhor assim.

Gabriel

Não era um gabinete, ou uma esperança de guichet, mas uma mesa só num sovaco do escritório, Por-que te morreram os olhos, Gabriel?, concedera-lha o sogro, no depois do divórcio, quando a dor lhe esfarelou o orgulho e vê-la lhe aparecia como única paz, Porque desististe de ti?, in-terrogava arquivos, arredondava car-tas, marcava golos de papel numa ba-liza de clipes amarelos, Eu queria, eu quis tanto, Gabriel, e todas as manhãs, quando as nove aconteciam, escolhia não dar pelos sorrisos enlaçados ou pelas mãos que se sussurravam e re-

Page 20: Revista literária Macondo #3

20 MACONDO revista literária

contos

cortava da realidade a elegância da gravata, as unhas arranjadas, o Luís, Sabes bem que te avisei, que te preveni, acreditara, como lera em menino, que o amor era para sempre e que ela saberia afeiçoar-se aos livros olvidados no bidé e aos pratos exclamando bolores no ventre do lava-loiças, que lhe perdoaria a falência dos sonhos, o mundo que não conquistara, Vai-te embora, Gabriel, não percebes que me incomodas?, se, como dizes, gostas de mim, vai-te embora!, deixa de ser cobarde, deixa-me em paz, só quero seguir com a minha vida, mas o amor, ou a dependência & ngida de amor, ali o mantinha, naquela mesa, o corpo afundando-se no corpo, a vontade contentando-se no hábito, a vida, a vida.

Cerveja, fumaça e amor

Os livros estão todos na estante, com pó, sem pó. Com ela. São todos fragmentos de momentos ao lado da garota que está tanto neles quanto em mim. Sabe o lance do vire a página? Aqui se tornou o lance do incinere os livros. A saída foi destruir tudo o que tinha dela em mim. Estou no décimo sétimo andar de um prédio qualquer, de uma cidade qualquer. No apartamento número qualquer. Onde tínhamos a nossa vida. Regada a cerveja, carne (nos dois sentidos), música, & lmes, livros e discussões. Um relacionamento trivial. Pelo menos pra gente. Tudo era tão normal e tão perfeito. Certezas que se vão. Juras, clichês postos sobre a mesa. Breguices tão verdadeiras. Planos tão sólidos. Amor verdadeiro. O fogo alcançou os & lmes em cima da estante. Todos vistos ao lado dela. Acho que começamos bem. Tudo começa bem né? Só que acho que depois de ter tomado tanta pancada, simplesmente não me

joão rui afonso

Page 21: Revista literária Macondo #3

21ago set out 2011

lembro mais onde começamos e onde nos perdemos. Onde acaba-mos. Não sei de& nir. Tudo é tão incerto. Acho que a fumaça está me deixando meio zonzo. Ainda bem que tenho cer-veja aqui do meu lado. Gelada. Ela sempre preferiu tequila, vivia a me zombar por eu ser mais fraco que ela em relação a bebidas. Adorava isso nela. Assim como todo o resto. As calcinhas lisas de algodão, o sorriso contido, o gosto musical diferente do meu; porém aceitável, a manei-ra como deitava sobre o meu peito, as olheiras pela manhã. É, tudo era bom. Agora, aqui sentado na janela, escrevendo, bebendo e tonto devi-do a uma fumaça que não é a boa. Não tenho mais certeza nenhuma, não sei de mais nada. Só queria fa-zer tudo aquilo novamente. Acertar, errar, ser bom, ser uma merda. De novo e de novo. Sem me importar que estávamos fadados ao erro, sim-plesmente começar, dar merda… E começar novamente. Acho que é isso o que quero. Assim como a quis, desde o inicio. Ela parecia ser a minha idea-lização de mulher perfeita. E depois veio a continuar sendo. Só não soube

viver sem tal projeto em minha vida. Teve uma época em que começamos a discutir por coisas bobas. Eu me surpreendia com a capacidade que tínhamos de nos irritar. Mas no & m do dia acabávamos nos acertando e terminávamos melhores do que ja-mais estivemos. Só que um dia estes acertos no & m do dia simplesmente acabaram não vindo mais. E & cáva-mos restritos ao fator cama. Nada como uma boa foda pra fazer perdur-ar um relacionamento desgastado. Era tudo tão cômodo, continuávamos com nossas vidas, tínhamos nossos momentos, mas éramos tristes, insat-isfeitos um com o outro. Não me peça uma explicação lógica pra isso. Ainda éramos os mesmos, mas separados. Não éramos juntos um. Éramos duas pessoas acima da média, que tinham per& s condizentes para um bom rela-cionamento. Mas que simplesmente não funcionavam mais juntas. Mas continuavam a terem fodas excep-cionais. O sexo e o respeito por nos-so passado nos mantinha juntos. Fui eu quem tomou a iniciativa que viria a me arrepender tanto. Disse pra ela que não queria & car com uma pes-soa por o que vivemos e sim por o que vivíamos, e que o que tínhamos atualmente não era o su& ciente. Não

Page 22: Revista literária Macondo #3

22 MACONDO revista literária

contos

era justo com nenhum de nós. Nós merecíamos mais que aquilo. Bosta, aquilo o que tínhamos atualmente, era justamente o que eu mais queria, ainda que fosse daquela maneira. Ela chorou. E quando questionada o porquê de tal choro, ela respondeu que eu havia insinuado uma separação e ainda esperava que ela não chorasse? Beijei as lágrimas caindo sobre o rosto dela. Disse que a amava, pedi desculpas, trepamos e & zemos em silêncio um acordo de que as coisas iam ser diferentes, íamos melhorar. Não melhoramos. O fogo começou a alcançar o rack e a TV. Será que tem alguma coisa na TV que em contato com o fogo possa causar alguma explosão? Espero que não. Essa fumaça está me deixando confuso, mas vou tentar ir adiante. Realmente não lembro o motivo da discussão, mas lembro exatamente no que ela culminou. Ela foi embora. Depois disso nos vimos mais vezes, transamos novamente. Era bom e triste. As despedidas eram estranhas, não tinha mais o eu te amo e o te ligo quando chegar em casa. Era apenas um “até mais.” Cheio de incertezas e arrependimentos. Mas com vontade de que acontecesse novamente.

Puta merda. Nunca pensei que um tapete pegasse fogo tão rápido. Acho que tem um carro de bombeiros virando a esquina. A cerveja já nem está mais tão gelada. Acredita que ela me deu uma foda de despedida? Foi a última vez que a vi. Depois que transamos, ela disse que tinha conhecido um novo cara. Eu pedi detalhes, ela disse que não queria me machucar. E foi embora. O fogo nas cortinas. Você pode por fogo em uma TV e ela não vai explodir. A cerveja quente está acabando. Os bombeiros estão falando alguma coisa no megafone lá embaixo. Também tem câmeras e pessoas sedentas por um pulo. Muitas pessoas. Depois que ela se foi, eu conheci e comi outras. Mas não era ela. Isso não fazia sentido pra mim. Ela mudou de telefone, endereço, trabalho e de vida. Simplesmente era como se ela fosse abstrata. Mas ainda estivesse sólida, aqui dentro de mim. E por isso, após dois anos sem esquecer a minha garotinha, eu escolhi estar aqui. Basta um pulo pra baixo e você sai do fundo do poço. Preciso terminar a cerveja.

cleverson antoninho

Page 23: Revista literária Macondo #3

23ago set out 2011

poema visual

“perdida”, por thiago cervan

Page 24: Revista literária Macondo #3

haicai

Page 25: Revista literária Macondo #3

25ago set out 2011

na cor de minha pelesuor brilha salgadosouvenir do sol

ódeonde?

à reticências demolidacheia de ardor e amora estrofe construída

ari marinho bueno

Page 26: Revista literária Macondo #3

QUANDO ESCREVO O

MUNDO ME INTERESSA MAIS

entrevista

MANOELASAWITZKI

Page 27: Revista literária Macondo #3
Page 28: Revista literária Macondo #3

28 MACONDO revista literária

entrevista

Manoela Sawitzki, gaúcha de Santo Ângelo, já tran-sitou pelos mais variados estilos li-

terários. Seu primeiro romance, Nu-vens de Magalhães, foi lançado em 2002; há dois anos, Suíte Dama da Noite chegou às livrarias e agradou bastante o público e a crítica – não só no Brasil, mas também em Por-tugal. Nesse meio tempo, trabalhou com teatro (sendo contemplada com o Prêmio Açorianos de Melhor Dramaturgia de 2006, pela peça Calamidade), escrevendo roteiros e também críticas para revistas; participou de diversas coletâneas de contos e produziu roteiros para a televisão. Nos próximos anos, a autora pretende lançar seu tercei-ro romance; e tem em seus planos, ainda, trabalhar com cinema! En-quanto aguardamos, ansiosos, pe-los próximos trabalhos de Manoe-la, apresentamos, com um imenso prazer, um pouco da autora para

vocês.

Page 29: Revista literária Macondo #3

29ago set out 2011

Você é uma escritora muito jovem e bastante promissora, principalmente se considerarmos toda a “bagagem” que já traz consigo nesses últimos anos – não só em relação à produção escrita, mas, principalmente, ao reconhecimento que já obteve nos mais variados gêneros em que escreve. Dentre tudo o que já publicou, qual considera ser o trabalho mais signi& cativo para você? Qual a sua relação com seus próprios escritos, depois de publicados?Quando meu primeiro romance foi publicado, eu tinha 24 anos e foi nessa época, há quase uma década, que comecei a ouvir que era “muito jovem e bastante promissora”. Que essa condição permaneça, não deixa de ter sua graça. Mas não sei se entendo bem o que isso quer dizer. Que continuo de alguma forma sendo uma promessa que alguém espera que se cumpra um dia? Que ainda não cheguei a um “lá”, um lugar que ainda não é nem aqui nem agora? Mas o que faz com que alguém deixe de ser promissor para apenas ser? Não falo de estar pronto, de processo concluído, longe disso, o processo, a transformação e a procura precisam continuar até o & m, falo de, enquanto isso, apenas ser. Porque não prometo nada a ninguém, só escrevo o

que preciso escrever.O fato é que cada trabalho é um organismo vivo, sobretudo no que diz respeito à sua relação com quem escreve, mas também depois, aos olhos de quem lê. Algo que tem um ciclo de vida muito preciso. E cada fase de cada ciclo é sempre aqui e agora. Digressões à parte, quero dizer que, pra mim, cada texto é dotado da maior importância enquanto sua escrita se processa. Quando estou escrevendo um romance, quando alguém me pede um conto, enquanto me dediquei a pesquisar uma linguagem dentro da dramaturgia, nada era, nada é mais signi& cativo que aquilo que tive e tenho nas mãos no momento.Sobre os trabalhos publicados... Li há pouco um texto de Maurice Blanchot sobre o “Interminável e o incessante”, forças que normalmente afetam e torturam aqueles que escrevem. Porque o escritor sempre acha que pode, deve fazer mais, ou melhor, que há mais a se fazer. Se não percebe hoje o que é, amanhã, talvez... Esse é um problema com que temos que conviver. Mas, no que me diz respeito, o grau de neurose varia de um trabalho pra outro. Como minha relação com o primeiro romance é um tanto atrapalhada, é estranho quando

Page 30: Revista literária Macondo #3

30 MACONDO revista literária

entrevista

alguém me fala sobre ele hoje. Não abro esse livro há anos porque me dá desespero por reescrever. No Suíte Dama da Noite reconheço mais a escrita, a linguagem, o $ uxo, as escolhas do presente. Releio quando é preciso e quase serenamente. Com o teatro a questão é bem mais complexa.

Qual é a sensação de ter um romance publicado fora do Brasil? E, ainda, como é sua relação com Portugal e os leitores de lá?

Portugal é um país que cedo começou a fazer parte do meu imaginário de uma forma meio mítica. Um território povoado por Camões, Pessoa, Florbela, Cesário, Sá-Carneio, Saramago, Lobo Antunes... Ser publicada por um editora especial como é a Cotovia, e ser levada até lá, digo, & sicamente, pela primeira vez por um livro, foi mesmo lindo. E foi uma surpresa muito feliz encontrar recepção tão calorosa. O Suíte Dama da Noite recebeu boas

críticas, eu recebi e ainda recebo uma porção de mensagens de leitores entusiasmados, tocados de alguma forma. Portugal é um lugar pra onde sempre quero voltar.

Diz-se muito que a escrita de & cção também carrega consigo um aspecto “catártico”, intrínseco à sua produção. Você concorda com isso? A escrita, para você, às vezes tem um aspecto, mesmo que aproximado, de “expurgar a alma”?A escrita pode se processar como catarse, mas não necessariamente acontece assim. Costumo dizer que quando escrevo o mundo me interessa mais. Entre o eu e o mundo, escolho o mundo, quero esse outro que desconheço ainda. Entrando em contato com ele, claro, cedo ou

Ed. Record. 2009Ed. Mercado Aberto. 2002.

Page 31: Revista literária Macondo #3

31ago set out 2011

tarde volto pra mim e esse regresso é mais rico do que se & casse orbitando só ao redor de questões pessoais. Recentemente comecei um texto novo que partia de uma experiência minha, tentando esmiúça-la. Não levou muito até que isso me sufocasse e eu entendesse que não é o meu caminho. Pelo menos não ainda.

Toda a atenção do mercado editorial está, atualmente, voltada para o crescimento dos e-readers que, em alguns países, & zeram com que as vendas digitais já superem os livros impressos. Como você acredita que essa nova maneira de ler vá impactar a literatura?No mês passado falei para estudantes numa Feira do livro no interior do Rio Grande do Sul. Por causa da greve dos Correios e outros motivos que me escapam, não havia meus livros no lugar. A ideia inicial – os alunos trabalharem os livros anteriormente em sala de aula – não foi possível. E nessa cidade, como em muitas outras, praticamente não há livrarias com acervos abrangentes. Falar para não-leitores é, infelizmente, muito comum. O problema maior é que às vezes, nessas horas, pode acontecer do escritor conseguir, quase que

miraculosamente, acender pequenas fagulhas que talvez serão perdidas na di& culdade de acesso aos livros. Amo livros feitos de papel, que posso carregar comigo por toda a parte e dispensam qualquer outro recurso (não precisam de bateria, e nunca ouvi falar de um assaltante que roubasse o livro de alguém numa praia, numa praça, num ônibus...). Não quero que essa possibilidade tenha & m. Mas sei que aquela geração pra qual eu falava naquela pequena cidade passa a maior parte do tempo diante de computadores, celulares, etc. Leitores são entidades preciosas demais para serem perdidas por uma greve ou pela desatenção de um livreiro. Ter acesso a um livro por um valor baixo e imediatamente através dessas mídias, impacta a literatura ampliando as possibilidades de encontro com o leitor. Como me opor a isso?!

Você pode nos adiantar algumas informações acerca dos seus projetos vindouros?Estou escrevendo um romance que espero publicar no & nal de 2012, ou no começo de 2013. E tenho uma vontade enorme de trabalhar com cinema.

Page 32: Revista literária Macondo #3

32 MACONDO revista literária

entrevista

Quais são suas “condições ideais” de escrita? Como, geralmente, você trabalha um texto? Tem alguma mania, ritual, ambiente ou contexto especí& cos, ou aspectos imprescindíveis para escrever?O ideal é poder escrever. Isso nem sempre é possível porque outros trabalhos me roubam da literatura. Aprendi a escrever nas condições mais adversas, mas certo grau de silêncio sempre é bem vindo.

Como surgiu seu interesse pelo teatro? Desde quando começou como escritora, já pensava em compor peças e trabalhar com dramaturgia?Gosto de teatro desde criança. Cheguei a ter um grupo na escola e eu, muito ditadorazinha, queria escrever, dirigir, escolher trilha, cenário, interpretar... Na época, minha irmã mais velha, Márcia, que é artista plástica, me estimulava muito. Mas depois isso & cou de lado. Outro irmão, o Biño Sauitzvy começou a trabalhar com teatro em Porto Alegre, e logo se revelou uma potência rara. O teatro passou a ser, tacitamente, território dele. Embora sempre tenha sido leitora de peças, só escrevi alguns textos entre 2005 e 2007. Como um exercício, uma busca sem muita pretensão. En& m, foi tão estimulante e

divertido que escrevi uma porção em pouco tempo. Mas teatro exige tanto envolvimento, há tantas vidas e uma demanda enorme em jogo pra que ele se realize, digo, pra que o texto vire cena, que em algum momento entendi que voltaria a escrever quando tivesse algo relevante pra dizer, ou encontrasse uma forma que não fosse só repetição de fórmulas que já não me caem bem, ou tivesse acesso a um coletivo, um grupo com que pudesse trabalhar dramaturgias em processo. Espero que isso tudo aconteça um dia. Agora um amigo, parceiro querido e talentoso, o poeta Ramon Mello, tem projetos de adaptação de textos literários para o teatro que me interessam. Mas com o Ramon é covardia, é o tipo de pessoa que quero ter sempre por perto. Também tenho muita vontade de fazer algo com o Biño, que hoje é ligado à performance e à dança-teatro e tem desenvolvido um trabalho que me tira o chão.

Quais autores/livros você está lendo, nesses últimos tempos? E, se tratando de leitura, qual seu tipo preferido de literatura?Agora estou lendo os contos completos da Flannery O’Connor e acabo de passar por livros do Péter Esterházy e

Page 33: Revista literária Macondo #3

33ago set out 2011

e do Bolaño. Leituras excelentes e muito distintas entre si. Carola Saavedra, João Paulo Cuenca e Tatiana Salem Levy são autores contemporâneos de quem gosto especialmente, mas há outros, claro. Faço sempre questão de voltar ao Guimarães Rosa e ao Beckett, assim, como se corresse pros braços de alguém importante, desses que te salvam a vida.

Como é de praxe, gostaríamos de pedir, para & nalizar, que você deixasse algumas palavras aos novos escritores que lêem a revista e que têm, em maior ou menor grau, uma ligação especial, um interesse íntimo e muito próprio com o “ler” e “fazer” literatura. É preciso ter paciência, porque a escrita tem de vir acompanhada de muita leitura e passar pelo tratamento do tempo, sujeitar-se repetidas vezes ao processo árduo da reescrita, da seleção e do desapego. A pressa é exterior à escrita (só diz respeito ao sujeito que digita ou segura a caneta), quanto mais cedo a pressa puder ser descartada, melhor. Às vezes sou surpreendida por gente muito jovem que me diz, com brilho nos olhos, que está escrevendo um best-seller. Quando tento ir mais fundo nisso, descubro

que nunca leram nem parecem ter a mínima curiosidade sobre quem possa vir a ser um Drummond, uma Clarice Lispector, um Guimarães Rosa, uma Hilda Hilst, um Borges, um Dostoiévski, um Bolaño... Quando menciono esses e outros autores ou livros, muitas vezes vejo que o tal brilho se apaga, como se aquilo tudo não lhes dissesse respeito. Acho triste essa distorção. Principalmente porque a gente vai aprendendo aos poucos, e às vezes de formas muito dolorosas, que, pra escrever, é fundamental ter não só talento, mas uma curiosidade in& nita e muita humildade.

3 livros inesquecíveis para Manoela:> Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski> Grande sertão: veredas - Guimarães Rosa> Livro do desassossego - Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

FOTOGRAFIAS: ACERVO PESSOAL DA A.

Page 34: Revista literária Macondo #3

resenha

Page 35: Revista literária Macondo #3

35ago set out 2011

Estrela distante, Roberto BolañoCompanhia das Letras, 144p. (2009)

da arte e das estrelas

Mário Galdán

A narrativa, mais que envolvente, e o narrador, mais que envolvido, só po-deriam mesmo fazer parte de uma qua-se obra-prima de Roberto Bolaño. Não é à toa que “Estrela Distante” exala o que há de mais próximo ao sublime, do iní-cio ao último ponto. Poderíamos, por um lado, dizer que o romance é sobre arte e estética: ou seria sobre um artista e sua estética? E a arte, aqui, misturar-se-ia com morbi-dez, perversidade, crueldade? Limitaría-mos, ainda assim, a obra de Bolaño, por não situarmos num mesmo patamar o lado investigativo do enredo, as outras personagens com histórias marcantes ou, ainda, todo o peso histórico do ce-nário pré e pós-ditatorial chileno que perpassa a trama. Além do mais, nosso narrador estava preso por conta

Page 36: Revista literária Macondo #3

36 MACONDO revista literária

resenha

do regime fascista quando, pela primei-ra vez, viu nos céus a arte original de Carlos Wieder. E não demorou muito a ele perce-ber categoricamente que aquele Wie-der, o piloto de avião que escrevia versí-culos dentre as nuvens do & rmamento e & cara conhecido nacionalmente, era Alberto Ruiz-Tagle, um soturno e enig-mático colega que também frequenta-va o& cinas de literatura antes do golpe militar. Eis que nosso narrador, um poeta detetivesco “quase-Bolaño”, se envolve em investigações aprofundadas sobre o fascinante personagem duplo que, logo, mistura-se também a um assassi-no assombroso e inatingível, envolvido de perto com o governo nacional. Que tipo de produção artística ex-trema era aquela, e que artista era esse? Alberto Ruiz-Tagle, Carlos Wieder ou, até mesmo, Ramírez Ho� man, o infame, último dos “literatos nazi-fascistas da América” publicados previamente pelo autor num curto espaço de livro e, ago-ra, com a centralidade e toda a atenção voltada à sua história: eis um deslum-brante, distinto e distante personagem de Bolaño. O livro é uma obra fantástica de um inestimável escritor latino con-temporâneo. Faulkner já parecia prefa-ciar não só o romance, mas também seu

criador, algum tempo antes: “que estre-la cai sem que ninguém a veja?”.

Page 37: Revista literária Macondo #3

prosa poética

Page 38: Revista literária Macondo #3

38 MACONDO revista literária

prosa poética

ONZE POETAS “O essencial da arte é exprimir; o que se

exprime não interessa”Fernando Pessoa.

I

O primeiro poeta estava escondido atrás de uma grande porta branca, e fazia de seu batente uma expectativa de redenção; com seu corpo defenderia o corpo vivo (eram um só, assim cria) dos outros dez. Uma porta é um lugar que separa dois outros, ele dizia. O fundo deste quadro pode ser verde.

II

Um corredor à direita da porta, e que conduzia ao outro lado (seria a um dos lados do real?) - , era onde estava o segundo poeta. O palco (verde) era para si ir e vir, e rápido. Assim, egocêntrico dos outros dez, dali exauria-se até protegendo, até atacando. Queria saber tal qual os números, tal qual o tempo.

Page 39: Revista literária Macondo #3

39ago set out 2011

III

Último homem a destruir, se preciso for; se preciso for último homem sobre a face do chão verde à frente do homem atrás da grande porta branca. A marca que traz no braço poderia ser uma cicatriz, mas enfaixa apenas sua alma. Sua altivez tem algo de drástico, sabem os outros dez. Este é o terceiro poeta. Perdoai-o, Senhor, ele não sabe o que faz.

IV

Atônito à própria presença ali, o quarto poeta é mais jovem e mais alto que todos os outros dez. Súbito entre os escolhidos que o duvidam, sabe conduzir-se como deles poucos no plano, o verde. Será protagonista de uma obra inacabada, sabemos, que é impedir a criação do alheio contrário a si, a vós. Ele é experimentado, para menos.

V

Pela esquerda da grande porta branca, correndo risco o quinto poeta. Ser agredido ou agredir, sinal de ruindade? Prefere vencer a ser esquecido. Cabeça baixa, & xando o verde, jaz sua habilidade - lado esquerdo de seu corpo, o muito que lhe querem os outros dez. O lado esquerdo de seu peito não é estar recuado. Recusa a ser recusado.

Page 40: Revista literária Macondo #3

40 MACONDO revista literária

prosa poética

VI

Meio caminho entre a grande porta branca, sobre o tapete verde, e o limitado dos seus recursos, ainda assim o sexto poeta sabe o que fazer. Ocasião para mostrar, sem falta, sua experiência. Chamaremos a isso valentia. Tem fôlego para gritar e gritar pelos dez outros, nós a desfazer. Quereríamos mais criatividade, mas não é obrigado a ser o que precisamos.

VII

Nos seus olhos de águia antecipam-se as ofensivas. Daí que os outros dez, quando postado onde deve, con& am. Pode livremente distribuir - tem destreza para - as estocadas contra a obra em aberto. Será esta uma vitória? Uma derrota? O sétimo poeta é um postulado presente em todos os cantos do local, piso em verde, passos dinâmicos, rumo a uma grande porta branca. Outra.

VIII

Nada tem de ideológica aquela centro-direita: o oitavo poeta ali é feito um relógio. Pelo seu ritmo os demais, os dez outros, se aventuram. Da $ uidez com que as coisas se desenrolam, não há revolta diante da posição assim ocupada. Chão verde de passos, na velocidade da lentidão. Destra confabulação de mágicas, seus passes.

Page 41: Revista literária Macondo #3

41ago set out 2011

IX

O nono poeta: sua condição é a ponta de uma lança. Não há abrigo que aconchegue a grande outra porta branca, quando à sua frente. Crivada em sua metade esquerda, a argumentação se sustenta, crença nos outros dez. Ao des& lar seu rigor no improviso, faz do tapete verde um lugar, uma audiência. Sem igual, saem dali parecidos heróis e vilões.

X

Salvo engano, tem ele liberdade para toda parte. Pela direita, pela esquerda. Pelo meio, entre os outros dez, até o escancaro da grande porta branca (seu batente). É demais a redenção do décimo poeta – limpar o caminho rumo ao salto que evitará ou será inútil. É ele ou eles vingados, no tentar de um plano prenhe, verde de sentidos. Os nomes de fora e as cores, a fase.

XI

Eu sou um poeta. Eu sou aquele que faz. Eu sou o único que pode decidir. Eu sou melhor que todos juntos. Eu garanto o nível deste espetáculo dantesco. Eu sou mais que tudo o que já quiseram ser um dia. Eu sei que eu sou uma coisa, e eu sei que os outros são outras coisas. Eu já fui um cara, agora eu sou maior que vários. Eu sei que todos queriam ser como eu sou. Eu sou quem tem que resolver. Eu sou um alvo. Eu sou um matador.

Setembro, 2011

ari marinho bueno

Page 42: Revista literária Macondo #3

42 MACONDO revista literária

espaço virtual

www.blogdacompanhia.com.br

Além de " car por dentro dos lançamentos da editora, o blog da Companhia das Letras publica notícias, links e conta com as ex-clusivas colunas de Luiz Schwarcz, Tony Bellotto, Michel Laub, Joca Reiners Terron, Erico Assis, Carol Bensimon, Vanessa Bar-bara, Andre Conti e Júlia Schwarcz. [No twitter: @ciadasletras]

http:/ /autoreselivros.wordpress.com

O espaço, criado e mantido por Eduardo Coelho, traz novidades sobre o mercado editorial, reportagens, entrevistas, vídeos, música e informações sobre diversos eventos (cursos, palestras, conferências) para os que se interessam pela cultura, em geral. [No twitter: @autoreselivros]

www.manualpraticodebonsmodosemlivrarias.blogspot.com

Criado em maio de 2011, o blog já virou mania na internet. Trata-se de uma série de situações inusitadas e vivenciadas por livreiros de todo o país, que compartilham tais episódios com a autora - fã de Hilda Hilst, protegida pelo pseudônimo de Hillé Puonto - também livreira e, portanto, vítima de diversas das ir-reverências que descreve de forma singular. [No twitter: @_hille]

http:/ /blogcasmurros.blogspot.com

Rafael R. é o responsável pela manutenção da página, sempre atualizada com notas acerca do que acontece no mundo lite-rário.: prêmios, lançamentos, per" s de escritores, eventos etc. Também no endereço encontram-se os links para o download dos dois números de fanzine lançados, com textos que valem a leitura. [No twitter: @casmurros]

Page 43: Revista literária Macondo #3

43ago set out 2011

domínio público

Page 44: Revista literária Macondo #3

44 MACONDO revista literária

domínio público

Álvares de Azevedo

Manuel Antônio Álvares de Azevedo, precursor do romantismo em nossas letras, nasceu em São Paulo (SP), a 12 de setembro de 1831. Au-tor de “Noites na Taverna”, “Macário” e de copiosa produção poética, muito in$ uenciada pela obra de Byron, morreu no Rio de Janeiro (RJ), a 25 de abril de 1852, quando aluno do quinto ano da Academia de Di-reito de São Paulo. É o patrono da cadeira nº. 2, da Academia Brasileira de Letras. Autor de versos de grande vibração dramática, como os que escreveu impetrando clemência para o capitão Pedro Ivo, herói da re-volução praieira, por vezes feriu também a nota humorística. Os versos acima são uma prova disso. Disse dele Edgard Cavalheiro: “Faltou-lhe para ser gênio, exclusivamente isto: tempo. Fez vibrar todas as cordas da lira, do mais ingênuo lirismo ao mais desabusado erotismo. É zom-beteiro e irônico, alegre e triste, vibrante e meigo, sensual e pudico. Devemos-lhe a introdução do humor na poesia brasileira.”

*Extraído do livro “Humor e Humorismo”, Editora Brasiliense - São Paulo, 1961, pág. 94, antolo-gia organizada por Idel Becker. (Fonte: www.releituras.com.br)

Para a presente edição, selecionamos um poema que explora uma faceta por vezes esquecida pela crítica e grande parte dos materiais didáticos. Com vocês, um Álvares de Azevedo “zom-beteiro e irônico”, como bem de& niu Idel Becker.

Page 45: Revista literária Macondo #3

45ago set out 2011

É ELA! É ELA!

É ela! é ela! — murmurei tremendo,E o eco ao longe murmurou — é ela!...Eu a vi... minha fada aérea e pura,A minha lavadeira na janela!

Dessas águas-furtadas onde eu moroEu a vejo estendendo no telhadoOs vestidos de chita, as saias brancas...Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevidoNas telhas que estalavam nos meus passosIr espiar seu venturoso sono,Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono!...Tinha na mão o ferro do engomado...Como roncava maviosa e pura!Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso:Palpitava-lhe o seio adormecido...Fui beijá-la... roubei do seio delaUm bilhete que estava ali metido...

Oh! De certo ... (pensei) é doce páginaOnde a alma derramou gentis amores!...São versos dela... que amanhã decerto

Page 46: Revista literária Macondo #3

46 MACONDO revista literária

domínio público

Ela me enviará cheios de $ ores...

Trem de febre! Venturosa folha!Quem pousasse contigo neste seio!Como Otelo beijando a sua esposa,Eu beijei-a a tremer de devaneio...

É ela! é ela! — repeti tremendo,Mas cantou nesse instante uma coruja...Abri cioso a página secreta...Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver CarlotaDando pão com manteiga às criancinhas,Se achou-a assim mais bela... eu mais te adoroSonhando-te a lavar as camisinhas!

É ela! é ela! meu amor, minh’alma,A Laura, a Beatriz que o céu revela...É ela! é ela! — murmurei tremendo,E o eco ao longe suspirou — é ela!

Encontre outras produções de Álvares de Azevedo e de diversos auto-res em www.dominiopublico.gov.br

Page 47: Revista literária Macondo #3

poesia

Page 48: Revista literária Macondo #3

48 MACONDO revista literária

poesia

Facilitaê, ôre$ ita:a ideia adversaque te irritaé só o que você não aceita

digo: aceitaverá que a briga a$ itaé tolice controversase tolerar facilita

Chatos que resolvemdas pessoas que conheci, as interessantes eramgrossas, pedantes, chatas e arrogantesabsolutamente desagradáveis.os bonzinhos sempre foramentediantesque contribuem com nadaà revolver tantos maus costumes.

se acha este pensamento radicallembro:os radicais são grossos, pedantes, chatos e arrogantes.

giovani iemini

Page 49: Revista literária Macondo #3

49ago set out 2011

Rios?De onde surgiram esses rios?gesticulando esperanças desmedidas?nasceram quem sabe da saudade!por serem capazes, como qualquer outro,de seguirem viagens prolongadas, sozinhos,atravessando ondas límpidas...servindo de caminho, para as canoas cansadas.surgem crescidos, para entregar-se ao mar,como o poder da canção comovente.retém para si, poderes de decifrar o chão,perambulando em seu curso vital,cumprindo o seu dever maior,como o ofício único de amar,aceitando por horas águas impuras,que nas funduras escondidas,às vezes muda seus movimentos,sem abandonar a essência de um rio,que entre um momento e outro segue seu destino,construindo o grande encontro,com o vasto oceano sem & m.que rios que somos?entre carne, ossos e água?Se não um pensamento preste a se tornar,somente saudades!

airton souza

Page 50: Revista literária Macondo #3

50 MACONDO revista literária

poesia

Vestido brancoA tarde apressa-se a abrandar o diaa despejar vermelhos incandescentese trazer ao ar ondas divertidas de ventoscomo o bailar das folhas caídas crisântemos pendem solenes aromas as $ ores exalavam o caminho e lá vem ela menina no & m da perspectivaa brilhar entre os raios de solos cabelos soltos possuem o ritmo da sua alegriaao passar por entre as sombras estas iluminam-se em re$ exo ao branco do vestido curtosegundos são eternos entre o zigue zague das suas atençõese o divertido chutar as pedrase levantar a poeira da minha imaginaçãopor trás do vidro da janela não há vento é cálido ambiente cercado de penumbraé contemplação da sua beleza a aproximar-se das batidas do meu coraçãoareja as dores da minha solidãoe vem sedutoramente a sorrirsabedora do meu olhar envidraçadoa cada passo em minha direçãotrás um pulsar de vidae um espantar alegre a minha nostalgia

Page 51: Revista literária Macondo #3

51ago set out 2011

e um espantar alegre a minha nostalgiaperco-me no espaço da sua caminhadasoturno em pensamentos vagossó desperto quando por trás da cercabranca em pernas torneadas e seios amanteigadossorri e maliciosamente gritaa chamar-me para ver a luaaquela nossa a surgir no mare faz-se noite em seu vestido brancodeixado delicadamente na areiaé farol a nos indicar o caminho de volta.

$ ávio castorino

Page 52: Revista literária Macondo #3

52 MACONDO revista literária

poesia

un homme qui dortno dorso do dia mordenteadormecido na vanguarda da vidaonde ante sua vontaderasga e remonta a mentira

o poeta pode desistir

para Waly Salomão

SENTA O CANTE do reinventeonde ir adiante

é sempre excedente

O POEMA precipita tudo(pressão dentro do crânio)a cena sem moldura se apresenta;sento-mee o poema me pressente.

O CORPOesconde

dentroo corpo

leonardo mathias

Page 53: Revista literária Macondo #3

53ago set out 2011

Paisagem - Miragem Ao escritor britânico Artur C. Clarke in memoriam

As ovelhas que pastam distante são chacais um trem estremece a cidade e os anjos do cemitério choram pó As palavras são portas que abrem e fecham suas asas as palabras são múltiplas e contraditórias e possuem o ritmo do trote de um cavalo na campina Um dia vem depois de outro dia e para mim um dia nunca é um dia qualquer são estas as responsabilidades do ser em uma paisagem deserta de humanidade

Page 54: Revista literária Macondo #3

54 MACONDO revista literária

poesia

Sonho tenaz Ao escritor chileno Roberto Bolaño in memoriam

Um diário descontínuo que abre e fecha com uma orquestra que acompanha poesia vertiginosa e sincopada comovedor romântico Rimbaud em fuga perpétua E já sabes como és Cesaréa disse uma vez para além do ano 2600 queimando as mãos e os pés por cada poema exalado O que há por detrás?

leo lobostradução: geruza zelnys de almeida

Page 55: Revista literária Macondo #3

55ago set out 2011

Alegria, Purados bêbadosdos náufragosdos santos

abandonar-se ao manancialdas circunstâncias

Bêbados e Ascetastêm isso em comum

desprezam toda glória esquecida no futuro

respiram o outonomisturam-se a mendigos que celebramo raiar do sol como libertação

buscam o amor em lugares ocultose por vezes o encontram

mas só deixam a tavernaquando embriagados de néctar

Page 56: Revista literária Macondo #3

56 MACONDO revista literária

poesia

Venha forte a madrugadasilenciar, entre livros e um bule de cháo olhar esquivo da saudade

venderam nossa ruaos sonhos, tolos, & caramencharcados do ruídodas máquinas de construção

mas nos feriados de abrilmas no dia do Natalque eles retornemrenovados

nos coroem de $ oresnos perfumem os cabelos e a face

nos façam rir às gargalhadas

e aguardar o encontro entre o céu e as águasna ilha de Patmos

Epistrophéo sol escapa do azul do marum pescador& tao in& nito

bernardo brandão

Page 57: Revista literária Macondo #3

57ago set out 2011

O par de botasSe os olhos pesam, Dispensam comprimentos, ruas inteiras.Fotografam paisagens esquecidas, Não alcançam chapéus, Chaminés ou copas de árvores. Aquele par de botas de Van Gogh É o auto-retrato de uma alma pesada.

Das ruas e suas estóriasHá ruas que são sérias, Rua: Padre Inocêncio,Rua: Coronel Cabrestão Neto.Outras lembram episódios tristes, tragédias,Ferem sem culpa coitadas.Eu pre& ro as engraçadas, feitas de sabão, Onde velhotas deslizam como dançarinas.

bartolomeu pereira lucena

Page 58: Revista literária Macondo #3

58 MACONDO revista literária

poesia

FotogramaJanela deitada para o céunoite irrompe no quartoPelas paredes gritam azuis cinzas prateadosmaresia celeste cintilaargamassa lunar para sonhosa povoar versos insonesno cômodo encantadoArrebenta de plúmbea luza indolência vã da madrugada

No radiante breuo poeta resplandece revelado

Partea minha outraem ti guardadaanseia ser inteiraquando em mim tocar a face tua de meu corpohabitada

Page 59: Revista literária Macondo #3

59ago set out 2011

CalçadaExplode magní& co botãoa $ or imita a bomba– versão inversacor aroma belezapétalas haste pistiloestilhaçam a certeza do homem

Questão de segundos : contemplação

De delicadeza implode a históriadentro dele universal –guerras conquistas poderespropriedades tecnologias capitale desterrado parado aliele ama aquilo

Em destroços de siresgata o sobrevivente possível: um menino

Soberana, perfumada e abertaa bomba sorri

rosane carneiro

Page 60: Revista literária Macondo #3

60 MACONDO revista literária

poesia

Noite de neve (mentira) no fundodo olho (nada se encontra nada restapra além de uma palavra feito undonoutra língua noutrora que não esta)

noite de neve paira sobre o mundo(mentira cadavérica não prestanão desfaz a miséria deste mundonas brancuras do gelo (mera esta-

fa – feitio de metáfora – meraimagem do silêncio mera estátuacalcinada nos olhos do futuro)

mentira gorda mentira fátuamero cabresto sobre besta-fera)noite de neve (noite de monturo)

Page 61: Revista literária Macondo #3

61ago set out 2011

Cortina de banheirona barra horizontal em circulares voltas – cinco talvez – arredondadascinco presilhas quase irregularesformando este quadrado arredondadas

soltam desencontrados seus colaresque nada mais circundam das paradas quadraturas opostas entre os ares fumegantes dos banhos embaçadas.

dispostas em seqüências aos meus olhosno enquadramento lógico da vistaque insiste em ver no caos uma & gura:

nelas & guro o preto e o branco – escólios de uma ilha, num mar casualista – e no calor das ondas só ternura.

guilherme gontijo $ ores

Page 62: Revista literária Macondo #3

62 MACONDO revista literária

poesia

Rayuela num divertimento

para Luci Collin, voz que diz

(gramática histórica para se chegar ao céu em poucos passos)

faço permutas e perguntas e “Por que acredito em minha cidade natal?” é uma delas.no povo, a identidade, a formação.toda essa escroqueria? tem certeza?conheci um poeta que lutoucorpo e vida.o jogo da Amarelinha com, assim mesmo, letras maiúsculas,o jogo. Rayuela.a moral universal de todos os homenstragicômicos,a soltura,os males que se aqueixam,exíguos são.digo um “quem”?,decimônico?

O soneto existencial que não quis escrever hoje tão de tão no chão que estou e me sinto. Meus subterfúgios não me auxiliam. Tomo um banho depois do leite. Eu estou branco.

Page 63: Revista literária Macondo #3

63ago set out 2011

Cheguei. De frente do fronteiro, atiro o caco quebrado da telha. Crianças eterniza-das jogam comigo. Vai caindo a tarde.

Casa 1 - Penso no porquê de tudo isso. O bloco com a dedicatória da minha mãe que está longe demais pra ter algum sentido. Hoje fez um dia incrivelmente igual ao de ontem. Isso está me matando. A natureza. A canção. O canto imanente. As hostilidades iniciais das manhãs grávidas, selvagens. Uma mulher! Exclamei mes-mo. Mas só abundosa, que é pra servir. Digamos, o feminino à mancheias. Quero a tartamudez depois do excesso. O balbucio. O Cio. O céu está distante daqui, mas não sei se é já ilusão o meu ver.

Casa 2 - A separação e a união. Há pronomes em mim, tanto singulares como plu-rais. Mais plurais. Hoje estou plural. Cismado, imbuído, endogâmico, tautológico, eu penso.

Casa 3 – Pode ser o & m, já adianto. Não continue. Piso com um só pé. Não sou Saci pra acreditar em tudo. Você leu sobronegrinho?

Casa 4 – Interpelar o leitmotiv. A Ana morreu de fé. Cartesianamente. Minada eiva-da frisada espúrio. Meu sentimento é de falência. Mas tudo passa. Ontem passou. Hoje também logo já se vai. Pensar me afunda. O pensamento mais afeito a elu-cidações. Suscetível. Castigo indizível. Miscelânea? Que reveses são alterados por mim mesmo ao sair de casa sem beijar minha porta? Sou audacioso demais, você acha? Mas você tem sempre esses achaques. Por que não se cala de uma vez?

a noite foi escura. insônia. livros e faltas e faltas e faltas. Basquiat também se afun-dou na lama. aí penso que sou feliz e vou ao leite outra vez. essa escroqueria toda, que inferno!

o maior impasse é se autodenominar crítico de tudo. deu na veneta o mundo é mesmo um moinho e as pessoas, ah, uma interjeição de dizer enfatizando, ahhh-hhh as pessoas, as pessoas não sabem que “deus não joga dados”. ele, se assim o posso chamar, com minúsculas mesmo, ele poria extenuantes percursos na mais cândida travessia. aquilo a que costumo chamar de arraigamento. se não desve-lasse o tempo, deus não seria nadica de nada. estaria atulhado e com remorso de

Page 64: Revista literária Macondo #3

64 MACONDO revista literária

poesia

tantas e tantas cotidianas redenções.

Casa 5 – mais longeva que a quatro, o equilíbrio treme. espocam tiros de dentro de mim. sou outros. você só pensa que me conhece. só há um alguém que me conhe-ce assim, coitado. você é de usar mata-borrão? folhas de maculatura?

intervenientes quaisquer?retortas?eito?me diz qual é a tua hercúlea vontade.no ano de 1959 você foi empalado na Índia? não me diga...

emboliaaporiasguinadasirremissivelmente niilista você é um crítico safadoum idiota que janta preciosismos

Casa 6 – ucasse político. deslanchei desperdiçando ingentes recursos.

Casa 7 – número ímpar não pre& ro mais que o par. Per& l distintivo: Matizes rosas, alaranjadas, avermelhadas, pomo-de-adão, roxos, socos, amarelos, pretos, negros, moçambicanos, o português, a dona Geni, o conjunto gregário. vai, abole!

Casa 8 – entro trôpego e quase déspota.

Camarilhas.Eu acho o teu anacronismo uma beleza de creuza.

mas creuza é uma tonta de feia. ela só sabe ser reduto, entende? ela se vende. é quitanda. o mundo é mesmo um moinho e me avisaram tarde demais. já beiro o céu azul. vão me dar um lugar no céu, meu pai!

Eu não mereço isso!(Quanto castigo, esta lembrança emblemática e infantil).

Page 65: Revista literária Macondo #3

65ago set out 2011

Casa 9 – quarteladas e caudilhos. não escrevo literatura pujante. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso. meu sonho é o precioso impreciso.

Casa 10 – espero o gênio sair da lâmpada. o gênio não sai. posso fazer um último pedido, deus?

DEUS DIZ SIM

olho todo o percurso e o mundo é mesmo um moinho uma divina comédia huma-na de desumanidades

então que me mostre o inferno! eu mato críticos, pois não

germano viana xavier

Page 66: Revista literária Macondo #3

66 MACONDO revista literária

texto

Seja no sofá da sala, num banco de jardim, no sacolejo do ônibus, trem ou metrô, no planar calmo de um avião ou no vai e vem de um barco, a atenção isola o leitor do mundo ao redor. Em Salvador e região temos vá-rios exemplos de pessoas ou organiza-ções, registradas ou não, que atuam no incentivo à leitura e no fazer literário como o Projeto Fala Escritor, Academia de Cultura da Bahia, Academia de Letras da Bahia, ArtPoesia, Fundação Òmnira, Núcleo Baiano da União Brasileira de Es-critores, Projeto Alma Brasileira, Poetas na Praça, Amantes do Conhecimento, Círculo de Estudo Pensamento e Ação, Caruru dos Sete Poetas etc.

E aí o ciclo se fecha, da criação à leitura. Mas, paradoxalmente, se abre um novo contato do leitor com o mun-do, pois, através da “viagem” que o livro lhe proporciona ele, leitor, pode man-ter contato com outros mundos, outros pontos de vista e experiências, sem pre-cisar sair do lugar. O fascínio da leitura está justa-mente aí, no proporcionar e possibilitar que culturas diversas circulem mundo a fora. Em cada página, em cada prefácio, em cada capítulo há in& nitas possibili-dades de mundos e de vidas. No meio do caminho está o escritor, tido como a antena do mundo, que capta a essência do viver, transforma realidade em & c-

A literatura é uma arte solitária e coletiva. No fazer lit-erário, na hora da criação, o escritor se isola, se enclau-sura, se tranca em seu mundo e cria, inventa, recria, fantasia. Nessa hora a solidão se casa com ele. Na edi-toração, publicação, distribuição, divulgação e venda

é o coletivo que impera. Quando a obra chega às mãos do lei-tor, volta ao estágio do indivíduo. Leitura se faz no aconchego, na proteção da solidão.

A aventura de escrever

Page 67: Revista literária Macondo #3

67ago set out 2011

ção, traduz para sua língua, & ltra pelo seu modo de ver e passa adian-te. Esse aventurar-se em letras, pontos, vírgulas, interrogações, ex-clamações, reticências, acentos, pa-lavras, sentidos, metáforas, conota-ções e denotações que faz a magia da literatura permite perpetuar pen-samentos, fantasias, sonhos e rea-lidades. A missão do escritor, mais que simplesmente relatar seu tem-po ou fantasiar sobre ele é, primor-dialmente, eternizar a paisagem, o olhar, o sentir. Ele, escritor, tem, portanto, uma responsabilidade além de com-por e decompor realidades em for-ma de palavras. Nas mãos dele está a missão de proporcionar o sonho a muitos, de levar sua mensagem a lugares inimagináveis e de manter viva a chama da fantasia por toda a eternidade.

Fonte: A TARDE, Populares, 20.01.2011, pág. 4

valdeck almeida de jesus

Page 68: Revista literária Macondo #3

68 MACONDO revista literária

bibliophilia

Manual prático de levitação

JOSÉ EDUARDO AGUALUSAEDITORA GRYPHUS, 161P.2005

Indicação de Marcos M. Casadore

Impossível não gos-tar do que se encontra em Manual Prático de Le-vitação, livro de contos do angolano José Eduar-do Agualusa. São 20 tex-tos relativamente curtos e diversos, mas saborosa-

mente bem escritos e car-regados com uma mistura de originalidade e simpli-cidade própria dos gran-des autores. A coletânea reúne, em sua maioria, escritos que até então já haviam sido publicados mundo afora; divididos em três grandes catego-rias “espaciais” – Angola, Brasil e Outros Lugares de Errância –, nos trazem as-suntos que variam da se-riedade e contundência da crítica social ao humor inteligente e irreveren-te associado a situações pitorescas. Para além da “localidade” de cada con-to, temos em mãos textos que, em comum, nos con-vidam a pensar e apre-ciar e nos agarram com rara suavidade, quase imperceptível, daquelas que, tenramente, não nos deixa escapar da leitura. Agualusa traz, ainda, re-ferências ilutres do mun-do literário em algumas excelentes narrativas: um pescador pernambucano

leitor assíduo de Clarice, Fernando Pessoa e um anjo do futuro, um livro perdido de Alberto Caei-ro ou, ainda, os “céus” e “infernos” de Borges e Márquez. Deste modo, a recomendação desta últi-ma linha aparece, por & m, quase como uma redun-dância. Tem de ser lido!

Page 69: Revista literária Macondo #3

69ago set out 2011

bibliophilia

Me roubaram uns dias

contados

RODRIGO DE SOUZA LEÃOEDITORA RECORD, 336P.2010

Indicação de Taize Odelli

Obra póstuma do escritor carioca Rodrigo de Souza Leão, “Me rou-baram uns dias contados” é um livro que confunde, e por isso mesmo é mui-

to bom. Confunde por-que essa é a natureza do próprio escritor, esquizo-frênico que colocou no papel as loucuras que o atormentavam. Separado em quatro “livros”, o autor apresenta uma gama de personagens estranhas, perturbadas, esquisitas que são e não são ele mesmo. Sim, o escritor é, no & m, a personagem principal desse livro. Ou melhor, ele é quase to-das as personagens – ao mesmo tempo em que não é, e isso faz sentido sim, de alguma forma inexplicável. Primeiro co-nhecemos Weimar, um homem que vive trancan-do em casa com muitos telefones, ou “gozafones”, que utiliza para praticar sexo com desconhecidas com quem conversa o dia todo, até que seus ami-gos mortos o incentivam a se suicidar. Outras per-sonagens são o homem solitário que narra sua masturbação, e um pintor

já velho que encontra um sósia jovem que lhe irrita e “rouba” seu talento. E há o momento em que to-das se encontram, todas se viram contra o próprio escritor, o(s) Rodrigo(s) contra o Rodrigo. É uma leitura pesada, desa& ado-ra, que insere o leitor den-tro desse mundo difuso e depressivo, em que todas as personagens se de-preciam, são obsessivas, paranóicas, e envolvem tudo e todos em suas re-$ exões marcantes e lúci-das dentro de toda essa perturbação. Resumindo: um livro louco e surpre-endente.

Page 70: Revista literária Macondo #3

colaboradores

Page 71: Revista literária Macondo #3

71ago set out 2011

colaboradoresesAirton Souza ::: nasceu em Marabá (PA), em 1982, é poeta e professor de rede pública de ensino, licenciado em His-tória, pela UNIASSELVI e Acadêmico de Letras da UFPA. Já publicou Incultações Noturna e O cair das horas, dois livro de poemas e já participou de mais de 40 antologias.

Ana Teresa Jardim ::: publicou A Cidade em Fuga (1997), No Fio da Noite (2001), A Mesa Branca (2002), e contos avulsos. Seu texto infanto-juvenilSacopenapan está no prelo. Seu e.mail de contato é [email protected] e seu site/blog é www.anateresajardim.com.

Ari Marinho Bueno ::: natural de Ouri-nhos, SP. Autor. Mantém o blog http://vacasnoceu.blogspot.com; contato: [email protected].

Bernardo Brandão ::: é mestre em Filoso-& a Antiga pela UFMG e professor de Lín-gua e Literatura Grega Antiga na UFPR.

Bartolomeu Pereira Lucena ::: Graduado em Filoso& a pela UEPB, 25 anos, nasci e moro atualmente em Malta-PB. Email: [email protected]; blog de poesias: http://gavetadecego.blogs-pot.com

Bruno Machado ::: é jornalista e redator publicitário. É autor de “Porão: um re-trato da cena hardcore em São Paulo” e prepara a compilação “O Evangelho e outras histórias”. Também faz parte do coletivo de autores “Corrosivo Coletivo” (www.corrosivocoletivo.blogspot.com), onde escreve sob os pseudônimos de Voltaire de Abreu e Guinea Pig. O livro “As melhores histórias do Corrosivo Co-letivo” tem previsão de lançamento para fevereiro de 2012, pela ed. Navilouca. E--mail: [email protected]

Caio Yurgel ::: Mestrando em Teoria da Literatura / Escrita Criativa pela Pontifí-cia Universidade Católica do Rio Gran-de do Sul (PUC-RS). Em 2010, recebeu os prêmios OFF-FLIP de Literatura, com uma obra curta de & cção, e III Concurso Mário Pedrosa de Ensaios sobre Arte e Cultura, com um ensaio sobre o & lósofo alemão Walter Benjamin. Contato: [email protected]

Cleverson Antoninho ::: é um nada. E nunca publicou nada, em nada. Blog: http://contosdemerda.wordpress.com; E-mail: [email protected]

Fabíola Victória Weykamp ::: nasceu em Brasília - DF em setembro de 1988. Mu-dou-se para o Rio Grande do Sul ainda

Page 72: Revista literária Macondo #3

72 MACONDO revista literária

colaboradores

pequena, onde vive até hoje. Estudante - em reta & nal - de Licenciatura em Le-tras pela Universidade Federal de Pelo-tas (UFPel), possui o blog Epílogo, onde publica seus textos, e recentemente é colaboradora do jornal Amigos de Pelo-tas. http://versodigital.blogspot.com

Flávio Castorino ::: Sou de São Paulo, ca-pital. Formado em Psicologia, trabalho como Designer Grá& co e Artista Plástico. Escrevo poesias desde a adolescência. Publiquei pela Editora “Clube dos Auto-res” o livro, “Poemas de um amor rabis-cado” e já participei de várias antologias poéticas do Congresso Brasilheiro de Poesia. Facebook: http://facebook.com/FlavCast Blog: http://armazenpoetico.blogspot.com

Germano Viana Xavier ::: 1984; Natural da Chapada Diamantina, é graduado em Jornalismo e Letras, autor de Clube de Carteado (Editora Franciscana - 2006) e do livro-reportagem Iraquara - Em memória de Nós, ainda não publicado. Escreve em http://www.oequadordas-coisas.blogspot.com e http://www.pa-ginacultural.com.br

Giovani Iemini ::: é candango, forma-do em História pela UnB (Brasília, DF) e criador do Bar do Escritor. Escreve pois

não tem muito o que fazer. Foi publica-do nuns livrinhos, nuns sites, nuns sacos de pão, mas nunca ganhou concursos de literatura nem dinheiro por seus tex-tos. É anarquista, ateu e embriagado por conhecimento. Ainda não viajou pelas estrelas. www.bardoescritor.net; http://giovaniiemini.blogspot.com/

Guilherme Gontijo Flores ::: É tradutor e professor na UFPR, publicou As janelas, seguidas de poemas em prosa france-ses, de Rainer Maria Rilke (Ed. Crisálida, em parceria com Bruno D’Abruzzo), e A anatomia da melancolia, de Robert Bur-ton (Ed. UFPR, primeiro volume). Parici-pa do blog coletivo www.escamandro.wordpress.com

Guilherme José Pires ::: nascido em 1982, conheceu-se na Quinta das Pedras, em Castelo Branco (Portugal). É artí& ce de livros e pastor de nuvens. Co-autor em “Histórias Daninhas”, de Portugal: www.historiasdaninhas.pt.

João Rui Afonso ::: nascido em Castelo Branco, é coleccionador de porquês e amador de palavras. Co-autor em “His-tórias Daninhas”, de Portugal: www.his-toriasdaninhas.pt.

Leo Lobos ::: Santiago/Chile, 1966. Po-

Page 73: Revista literária Macondo #3

73ago set out 2011

colaboradores

eta, tradutor e artista visual. Entre suas obras & guram: Nueva York en un poeta, Marnay. Notas de un cotidiano, Deva-gar, Turbosílabas. Poesía Reunida 1986-2003, Mar esmeralda y Un sin nombre. Traduziu autores brasileiros contempo-râneos como Roberto Piva, Claudio Wil-ler, Helena Ortiz, Tanussi Cardoso, Hilda Hilst e Claudio Aguiar, entre outros. E--mail: [email protected]

Leonardo Mathias ::: vive em São Paulo. Poesia, Artes Visuais e Design são luga-res nos quais também habita. Oscila. Via linguagem se exercita. Poemas publica-dos no livro De Pé pela Editora Patuá, em 2011. e-mail para contato: [email protected] Site: http://leonardo-mathias.blogspot.com

Lucas Sousa Ferreira ::: “O menino que morreu com o vento”, por Lucas Souza Ferreira, 27 anos, de Guaxupé, Minas Gerais; esse é um de vários outros tex-tos que eu tenho escrito, sendo que ne-nhum deles ainda foi publicado, é a pri-meira vez que envio algum deles para um lugar mais especializado. E-mail: [email protected]

Mário Galdán ::: nascido no estado de SP e radicado em já outros três, preten-de aumentar o número de destinos.

Rosane Carneiro ::: publicou Excesso (1999, edição da autora), Prova (2004, Ibis Libris editora) e Corpo estranho (2009, Editora da Palavra). Já integrou antologias e periódicos literários im-pressos e virtuais diversos. É editora, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janei-ro e integra o corpo editorial da revista eletrônica Aliás.

Taize Odelli ::: estudante de jornalismo, publica suas resenhas em http://rizze-nhas.com; também escreve para os sites Amálgama e Blog do Meia Palavra, além de colaborar com o Artilharia Cultural e o Ambrosia.

Thiago Cervan ::: e-mail: [email protected]

Valdeck Almeida de Jesus ::: e-mail: [email protected]

Venes Caitano Marques ::: caricaturas - descubra o seu lado engraçado agora mesmo! http://twitter.com/mim_ve-nes; http://venescomw.blogspot.com; http://www.worldcartoonists.blogspot.com/; http://www.brazilcartoon.com/blog/venes/; e-mail: [email protected]

Page 74: Revista literária Macondo #3

www.revistamacondo.co.cc

2011

www.revistamacondo.co.cc2011