revista geraÇÃo pop: relaÇÕes entre a … · apresentar ao mundo, ... dominação do homem...

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015 ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015 REVISTA GERAÇÃO POP: RELAÇÕES ENTRE A ADOLESCÊNCIA, A MODA JOVEM E O CONTEXTO SOCIOCULTURAL NO BRASIL NA DÉCADA DE 1970. Geração Pop Magazine: relationships between adolescence, teen fashion and the sociocultural context in Brazil in the 1970s. Maureen Schaefer França (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) [email protected] Resumo: Este artigo se propõe a analisar as relações entre a moda jovem veiculada pela revista Geração Pop e o contexto sociocultural no Brasil na década de 1970. Para isso, são abordados conceitos referentes à moda e à adolescência, assim como eventos marcantes do Brasil neste período. Em seguida, apresenta-se a revista e o método de análise. Por fim, analisa-se a moda jovem presente em duas capas da mídia selecionada, considerando-se os estudos anteriores. Palavras-chave: revista Geração Pop, moda jovem, década de 1970. Abstract: This article aims to analyze the relationships between the teen fashion conveyed by Geração Pop magazine and the sociocultural context in Brazil in the 1970s. For this, are discussed concepts related to fashion and adolescence, as well as important events in Brazil during this period. Finally, analyzes the young fashion present in two covers of Geração Pop, considering the previous studies. Keywords: Geração Pop magazine, teen fashion, 1970s. 1. Introdução A moda é uma realidade presente no cotidiano há mais de séculos, dialogando com questões profundas, representando relações socioculturais, materializando novas posturas corporais, gestos e comportamentos. Ela funciona, deste modo, como um índice das transformações de um determinado tempo e lugar. Neste sentido, a moda transcende ideias de frivolidade, luxo e vaidade comumente associadas a ela, valores estes que provocam a pobreza e a monotonia do seu conceito. (LIPOVETSKY, 2007). Portanto, busca-se analisar neste texto as relações entre a moda teen veiculada pela revista Geração Pop e o contexto sociocultural no Brasil setentista. Pois, o design de moda está longe de ser uma atividade neutra, visto que o designer faz parte de uma cultura que condiciona sua visão de mundo (LARAIA, 2007). Assim o design de moda dá forma às ideias, influenciando os modos de agir e pensar da sociedade. A moda medeia as relações sociais, transformando a sociedade e sendo modificada por ela.

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015

ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

REVISTA GERAÇÃO POP: RELAÇÕES ENTRE A ADOLESCÊNCIA, A MODA JOVEM

E O CONTEXTO SOCIOCULTURAL NO BRASIL NA DÉCADA DE 1970.

Geração Pop Magazine: relationships between adolescence, teen fashion and the sociocultural context in Brazil in the 1970s.

Maureen Schaefer França (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) [email protected]

Resumo: Este artigo se propõe a analisar as relações entre a moda jovem veiculada pela revista Geração Pop e o contexto sociocultural no Brasil na década de 1970. Para isso, são abordados conceitos referentes à moda e à adolescência, assim como eventos marcantes do Brasil neste período. Em seguida, apresenta-se a revista e o método de análise. Por fim, analisa-se a moda jovem presente em duas capas da mídia selecionada, considerando-se os estudos anteriores. Palavras-chave: revista Geração Pop, moda jovem, década de 1970. Abstract: This article aims to analyze the relationships between the teen fashion conveyed by Geração Pop magazine and the sociocultural context in Brazil in the 1970s. For this, are discussed concepts related to fashion and adolescence, as well as important events in Brazil during this period. Finally, analyzes the young fashion present in two covers of Geração Pop, considering the previous studies. Keywords: Geração Pop magazine, teen fashion, 1970s. 1. Introdução A moda é uma realidade presente no cotidiano há mais de séculos, dialogando com

questões profundas, representando relações socioculturais, materializando novas posturas

corporais, gestos e comportamentos. Ela funciona, deste modo, como um índice das

transformações de um determinado tempo e lugar. Neste sentido, a moda transcende ideias de

frivolidade, luxo e vaidade comumente associadas a ela, valores estes que provocam a pobreza

e a monotonia do seu conceito. (LIPOVETSKY, 2007).

Portanto, busca-se analisar neste texto as relações entre a moda teen veiculada pela

revista Geração Pop e o contexto sociocultural no Brasil setentista. Pois, o design de moda está

longe de ser uma atividade neutra, visto que o designer faz parte de uma cultura que condiciona

sua visão de mundo (LARAIA, 2007). Assim o design de moda dá forma às ideias, influenciando

os modos de agir e pensar da sociedade. A moda medeia as relações sociais, transformando a

sociedade e sendo modificada por ela.

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ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

A revista Geração Pop foi escolhida por ser uma das primeiras mídias direcionadas

exclusivamente ao público adolescente, além da disponibilidade do seu acervo. Apesar da sua

origem carioca, a revista foi consumida por adolescentes de diversas partes do país, tendo

grande importância na construção das suas identidades, influenciando seus modos de

comportamento, hobbies, sexualidade, hábitos de beleza entre outras práticas sociais. Logo, a

análise das representações da moda jovem, presente na revista Geração Pop, permite o estudo

de parte da construção do imaginário adolescente no Brasil dos anos 1970.

Inicialmente, discute-se conceitos acerca da moda jovem, da adolescência e do

marcador geracional a fim de reforçar os aspectos socioculturais, transcendendo olhares

naturalizados sobre a moda. Em seguida, discute-se experiências da juventude brasileira na

década de 1970 de modo a delinear este grupo geracional. Depois, apresenta-se o

posicionamento da revista Geração Pop e o método de análise baseado nos estudos de Joly

(1996) e Castilho e Martins (2005). Por fim, analisa-se as relações entre a adolescência, a moda

jovem e o contexto sociocultural da década de 1970 a partir de duas capas da revista Pop.

2. Moda jovem, adolescência e marcador geracional

A moda é um fenômeno social, um sistema de significados, que por meio da

indumentária, dos calçados e dos acessórios materializa convenções e identidades

socioculturais tais como classe social, gênero, raça/etnia e geração.

A moda pode ser compreendida como uma linguagem, na medida que comunica uma

mensagem, funcionando como um meio de externar uma narrativa particular do “eu” e de se

apresentar ao mundo, transparecendo o subjetivo e o imaterial em um objeto material.

(LIPOVETSKY, 2007).

De acordo com Hall (1997), pode-se dizer que a roupa, assim como os calçados e os

acessórios, representam conceitos interpelando os sujeitos sociais a assumirem esses

significados, investindo suas emoções neles para construírem a si mesmos. Pois, as identidades

são “pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem

para nós” (HALL, 2000, p. 112).

Deste modo, as identidades são vistas, segundo Hall (2007), como flexíveis, dinâmicas

e complexas e não fixas, estáveis e singulares, sendo representadas ao longo de discursos e

práticas culturais no interior das relações sociais.

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Pois, na sociedade contemporânea,

a identidade social tem de ser construída pelos indivíduos – pois não é mais dada ou atribuída -, e nas circunstâncias mais desnorteantes possíveis: não só a posição da pessoa deixou de ser fixa na ordem do status, como a própria ordem é instável e cambiante e é representada por produtos e imagens igualmente cambiantes (SLATER, 2002, p. 38).

A moda jovem foi introduzida no país na década de 1960 (PRADO e BRAGA, 2001),

estando em consonância com as últimas transformações ocorridas nos EUA - país vitorioso do

segundo pós-guerra, cujo o american way of life tornou-se um modelo de referência de estilo de

vida para diversos países, sendo absorvido em parte pelo Brasil, apesar das suas realidades

contrastantes.

Em 1944, os norte-americanos começaram a usar a palavra teenager1, adolescente em

português, fazendo referência aos jovens com idades entre 13 e 19 anos. A adolescência não

se trata de um fenômeno universal, pois diferentemente da puberdade, não é um fenômeno

biológico e nem natural, mas sim construído histórica e socialmente (fig. 01). Desde o último

quartel do século XIX houve muitas tentativas isoladas de imaginar e conceituar o status dos

jovens, diferenciando-os de outros grupos etários segundo seus próprios valores e regras

(SAVAGE, 2009).

Figura 01: A comparação entre os modelos sugeridos para as adolescentes na seção Senhoritas da revista O Cruzeiro (à esquerda) e o modelo usado por uma mãe de família em um anúncio publicado na mesma edição da revista (à direita) sugere que havia pouca diferença entre os trajes vestidos pelas jovens ou pelas mulheres adultas neste período. Fonte: Revista O Cruzeiro (20 jun 1942).

1O termo teenager guarda relação com a palavra teen - forma flexionada de ten, que segundo o Concise Oxford

Dictionary, acrescenta-se aos numerais de três a nove para formar os numerais de 13 a 19 (SAVAGE, 2009, p. 484).

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No segundo pós-guerra, a imagem do teenager norte-americano transformou o modo

como o Ocidente vê os adolescentes, que passaram a ser vistos como consumidores. Desde o

início foi um termo de marketing utilizado por publicitários e fabricantes, visto que a ideia do

adolescente como um consumidor vinha de encontro às necessidades econômicas, políticas e

socioculturais dos Estados Unidos. Por um lado, o consumismo dirigido aos adolescentes era uma

forma de desvio à energia destruidora dos jovens proveniente dos seus questionamentos sobre à

Segunda Guerra. Por outro, era uma forma de escoar a grande produção industrial estadunidense,

fato que se relaciona, inclusive, à exportação do fenômeno teenager para diversos países europeus

(SAVAGE, 2009).

No Brasil, a moda jovem, chamada inicialmente de antimoda, surgiu no final da década de

60, representando uma mudança radical: lançou tendências a partir das ruas, fenômeno

representado pelo termo bubble-up (ebulição) em contraposição ao trickle-down (gotejamento),

cujas referências surgem nas classes mais abastadas. (PRADO e BRAGA, 2011).

A marca de moda Gledson, por exemplo, foi uma das responsáveis por iniciar o

segmento jovem no território nacional. Segundo o criador da empresa, o mineiro Gledson José

Assunção, ninguém se atrevia a fazer algo diferente, todos fabricavam “uniformes”, roupas com

modelagens similares e com pouca variedade de cores. (PRADO e BRAGA, 2011).

Gledson decidiu fazer a diferença por conta própria, fabricando camisas no estilo

“cowboy urbano”, parecidas com aquelas usadas por Erasmo Carlos, o Tremendão da Jovem

Guarda. As camisas emplacaram, confirmando o que Gledson enxergara nas ruas: um grupo

de consumidores desprezado pela maior parte das confecções da época. Para Gledson,

O Brasil era um país de jovens, fazendo roupas para velhos. Comecei a fazer roupas para jovens; meu forte foi fazer aquilo que o público queria comprar. Havia mercado, mas não havia o produto. (PRADO e BRAGA, 2011, p. 393).

O jovem brasileiro passou a desejar não apenas um determinado modelo de roupa, mas a

etiqueta Gledson, associada à roupa “descolada” e também à prática de esportes radicais (fig. 02),

já que a empresa patrocinava pilotos, skatistas e surfistas. (PRADO e BRAGA, 2011).

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Figura 02: Propaganda da linha Tube, referente as roupas esportivas da marca Gledson. Fonte: Revista Brasil Skate, edição 03 (1978).

Entretanto, os valores desejados pelos jovens assim como os processos pelos quais

eles expõem suas linguagens, buscam raízes e se identificam com objetos e territórios variam

no espaço e no tempo. Logo, o termo “faixa etária”, usado em pesquisas demográficas, por

exemplo, é incapaz de abranger as especificidades de um grupo etário, pois não contempla o

contexto histórico no qual este está inserido.

Neste sentido, utiliza-se o conceito “geração” que pode ser usado como um marcador

em referência à identidade de um grupo etário. Pois, ele contempla a exposição de grupos a um

mesmo contexto histórico e sociocultural, que é capaz de incitar maneiras de agir e pensar

compartilhadas. Contudo, isto não implica a formação de grupos homogêneos, visto que os

indivíduos de um grupo etário podem assumir posições diferentes (SANTOS, 2010).

Logo, ao se estudar a moda veiculada pela revista Pop é possível compreender melhor

o grupo geracional que consumia e se apropriava das informações nela propagadas. Para isso,

se faz necessário compreender o contexto histórico e sociocultural no qual a revista estava

inserida.

3. A juventude brasileira no contexto sociocultural da década de 1970

A década de 70, ainda embriagada na inquietação dos anos 60, é marcada por

contradições: provocação e repressão, conservadorismo e liberalismo, contestação e

conformação, crescimento macroeconômico e arrocho salarial (MELO e RAMOS, 2011).

O início dos anos 70 foi marcado pelo período mais repressivo da Ditadura Militar,

quando a partir do AI-5 emitido em 1968, a censura, a repressão policial, as prisões, as torturas

e as execuções secretas tornaram-se práticas comuns.

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Os anos de chumbo trouxeram grande insatisfação e indignação a muitos jovens

brasileiros, que passaram a organizar movimentos estudantis, levando milhares de

adolescentes às ruas, lutando contra a ditadura e o conservadorismo. (CARMO, 2001).

A busca pela liberdade também encontrou terreno na sexualidade. O lançamento da

pílula anticoncepcional, no início dos anos 60, trouxe muitos questionamentos e reivindicações,

endossando as lutas do movimento feminista e do movimento gay. (LINS, 2012).

A pílula transformou o comportamento amoroso e sexual a partir dos anos 60. As

mulheres passaram a ter maior controle sobre o corpo, optando ou não pela maternidade. A

dominação do homem sobre a mulher é tensionada, assim como a forma de se pensar e viver

o amor, o casamento e o sexo. (LINS, 2012).

Neste sentido, o movimento gay, que surgiu alguns anos depois do lançamento da

pílula, também foi beneficiado. Pois, o ato sexual foi dissociado da reprodução, aliando-se ao

desejo de sentir prazer. Assim os padrões normativos associados à heterossexualidade

tornaram-se mais evidentes, abrindo caminho para outras formas normais de sexualidade.

(LINS, 2012).

As fronteiras entre o masculino e o feminino enfraqueceram, refletindo-se em novos

tipos de comportamento, que quebraram tabus do período. Mulheres mais libertas e confiantes

transformaram a realidade, vivenciando novos tipos de feminilidade. À atriz Rose di Primo, por

exemplo, credita-se a invenção do biquíni tanga (fig. 03) no início dos anos 70, no Rio de Janeiro.

A modelagem do biquíni era muito menor do aquela usada na maioria dos biquínis do período.

A atriz Leila Diniz (fig. 03) desafiou várias regras, chocando a sociedade ao desfilar grávida de

biquíni em Ipanema (JANNUZZI e CERQUEIRA, 2015) e ao falar palavrões em público.

Figura 03: Rose di Primo; Leila Diniz grávida; Leila Diniz na capa do jornal O Pasquim, que satiriza as convenções sociais, que restringem o uso de palavrões pelas mulheres. Fonte: www.google.com.br (2015)

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Em 1969, em entrevista ao jornal alternativo Pasquim, a atriz motivou a lei de censura

prévia, apelidada de Decreto Leila Diniz, ao dizer “Você pode amar muito uma pessoa e ir para

a cama com outra. Já aconteceu comigo”. De modo contraditório, foi vista por alguns como um

ícone da liberdade sexual feminina no Brasil e por outros como uma agente social que acabou

por reforçar a objetificação das mulheres. (ISTOÉ GENTE, 2015).

O movimento hippie, cujos valores têm origem na Geração Beat2, desafiou os valores

conservadores da Igreja, do Estado e da Família, influenciando a juventude brasileira. O

movimento, que surgiu em oposição à Guerra do Vietnã, defendia a paz e o amor contra a

violência e o poder das armas. A palavra de ordem era drop out – cair fora do sistema; os jovens

recusavam o modo de vida burguês, considerado retrógrado, superficial e careta. Os jovens

passam a se concentrar na natureza e no pacifismo, valorizando o pansexualismo e o

orientalismo (fig. 04) em detrimento da ideologia cristã. (LINS, 2012).

Figura 04: Religiões orientais como o budismo e o hare krishna, que pregavam o desapego material, estavam em voga na revista Geração Pop: seção Pergunte ao Guru (à esquerda) e imagem relacionada à matéria “Esse menino é um guru” (à direita), que apresenta Maharaj Jr., um líder espiritual do período. Fonte: Revista Geração Pop (dez 1972)

Maria Rita Kehl, psicanalista e vencedora do prêmio Jabuti de Literatura, faz um balanço

sobre a sua juventude:

Fomos a última geração do famoso conflito de gerações, que começou no pós-guerra e terminou no fim da década de 1980. (...) Jovens de classe média que dispensavam o conforto da casa paterna para viver sem carro, frequentemente sem telefone, sem televisão – esse era um ponto de honra para nós – e muitas vezes sem mesada. Havia um certo heroísmo e ingenuidade em acreditar que poderíamos virar a vida do avesso, superar

2 De acordo com Lins (2012), a Geração Beat promoveu uma revolução cultural através da literatura. Ela era composta por jovens intelectuais americanos, que contestavam os valores burgueses do American Way of Life, abraçando a imprevisibilidade de um emprego temporário, o jazz, as drogas, o sexo livre e o pé na estrada, um modo de vida que valorizava a liberdade, desprezando as regras sociais.

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todos os nossos hábitos, toda a cultura em que tínhamos sido criados. (LINS, 2012, p. 284).

A livre utilização do corpo e da mente poderia ser explorada pelas drogas alucinógenas.

A experiência com estados alternativos da consciência atraíram jovens, diferenciando-se ainda

mais dos seus pais. Woodstock, festival de música realizado em Nova Iorque em 1969,

consagrou o movimento de contracultura, tornando-se um marco para a juventude. O festival,

que reuniu milhares de jovens durante três dias, tornou-se referência cultural apesar das

péssimas condições do local. Rock, nudismo, sexo livre e o consumo de drogas marcaram o

evento, reforçando ideias de liberdade e rebeldia - valores que influenciaram o modo de vida e

o comportamento de diversos jovens do mundo. (LINS, 2012).

Dias (2004) comenta que o milagre econômico no Brasil fortaleceu a rebeldia dos jovens

das classes médias. O conforto financeiro e portanto a redução de certas preocupações, acabou

por afrouxar a cobrança de padrões mais rígidos de comportamento. Alguns pais, que

questionavam as regras sociais, também contribuíram para a liberdade e a transgressão de

condutas dos adolescentes. A produção cultural do período revela-se impressionante,

liberdades criativas pautadas pela contracultura materializaram-se em diversas instâncias

culturais: música, teatro, cinema, design e moda. (MELO e RAMOS, 2011).

Para Prado e Braga (2011), a antimoda ou moda jovem - associada aos protestos

pacíficos, festivais de rock, shows tropicalistas e movimento hippie - era avessa à qualquer

requinte elitista, embora tenha sido apropriada pela indústria. Referenciada na moda americana

e britânica, a moda jovem elegeu o jeans e a camiseta (regata e t-shirt); esta passou a receber

tratamentos superficiais como tingimentos e estampas de símbolos juvenis (frases de protesto,

símbolo hippie, ídolos da música, marcas de banda) . Estas peças, que nos anos 50 eram vistos

como trajes rudes passaram a ser percebidos como peças práticas, descoladas que

representavam o inconformismo e a liberdade como dizia o slogan da marca Alpargatas em

1972: “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”.

Muitos músicos e artistas do período, estrangeiros ou não, tornaram-se referências de

moda, comportamento e beleza para os adolescentes, que se apoiavam neles para construírem

suas identidades e linguagens. Apesar do término da Jovem Guarda3, associada ao fenômeno

3 Para saber mais sobre as influências da Jovem Guarda na moda e na juventude brasileira consultar a obra “Jovem Guarda: moda, música e juventude” da autora Maíra Zimmermann.

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da beatlemania, Wanderléa (fig. 05) entre outros ídolos ainda influenciavam o imaginário e o

cotidiano de parte da juventude brasileira. Apesar da roupagem arrojada (saias curtas de

Wanderléa, cabelos compridos de Roberto Carlos), havia pouco interesse pela política e pela

liberdade sexual: valorizava-se o casamento e a virgindade. (ZIMMERMANN, 2013).

A Tropicália, movimento de contestação ideológica contra o autoritarismo e as

desigualdades sociais, também inspirou parte da juventude brasileira. Os tropicalistas eram

vistos pelos chamados conservadores como agentes de provocação. A aparência, as roupas,

as gírias e as posturas corporais dos artistas (fig. 05) endossavam essa visão. Para alguns,

eram sujeitos descolados, politizados e à frente de seu tempo.

Figura 05: À esquerda, imagem da matéria “Eu, Wanderléa” que ilustra a paixão da artista pela velocidade, ideia muito propagada pela revista Pop para o público jovem. À direita, matéria sobre os Mutantes. Fonte: Revista Geração Pop (dez 1972).

As transformações socioculturais atingiram a juventude brasileira modificando sua

mentalidade, comportamento e a maneira de se vestir. Parte dessas mudanças foram

propagadas pela revista Geração Pop, responsável por apresentar acontecimentos nacionais e

estrangeiros aos adolescentes.

4. Revista Geração Pop

As revistas têm exercido papel de grande relevância na construção das identidades

dos adolescentes, sendo atravessadas por relações de gênero, etnia/raça, classe, religião e

geração que se materializam, inclusive, na linha editorial e nos aspectos gráficos da mídia

impressa.

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A Geração Pop, mais conhecida popularmente como Pop, foi uma revista carioca

publicada pela Editora Abril entre novembro de 1972 e agosto de 1979, tendo ao total 82

edições, as quais tinham em média 100 páginas. Direcionada ao público adolescente,

apresentava variados assuntos como música (ênfase para o rock nacional e internacional),

teatro, cinema, televisão, moda, livros, viagens, esportes, automóveis, profissão, religião,

horóscopo, comportamento, sexualidade entre outros. A partir desses assuntos, a revista

influenciou parte do imaginário adolescente na década de 1970. Na edição número 5, publicada

em março de 1973, a revista explica a origem do seu nome:

Pop é uma abreviatura de popular, em inglês, mas também estourar, estalar (dai nasceu popcorn, pipoca). Em 1962, a Pop Art invadia Nova York. Andy Warhol, um cara muito louco, pintava enormes latas de sopa Campbell que depois ficaram sendo o símbolo do movimento que surgia. Na mesma época, os Beatles estouravam na Inglaterra e depois nos Estados Unidos, seguindo um roteiro inverso ao da Pop Art4, que logo se espalhou pela Europa. Esse sucesso era devido principalmente ao fato de que a Pop Art era agressivamente realista, destacando o cotidiano do povo americano, a rua, a fábrica, as prateleiras dos supermercados, os anúncios luminosos, a produção em massa, a realidade concreta, bruta, crua, Marilyn Monroe, Elvis Presley e outros ídolos da juventude tornaram-se um tema constante da Pop Art, ao lado de enormes garrafas de Coca-Cola, recortes de Popeye e fotos da princesa Margaret, da Inglaterra. Por que essa loucura toda? Era uma forma de agredir o público, mostrando a realidade diária, triste e cruel. Este foi o primeiro ponto de contato entre a Pop Art e a Pop Music. Assim como a Pop Art fez explodir a arte abstrata, a música pop abriu as portas da música popular a todas as experiências. Nossa revista, Geração POP, tem esse mesmo espírito, além de uma grande preocupação com o serviço, a dica, a informação. Queremos que você saiba não só curtir, mas também como curtir.

Apesar da apresentação superficial do movimento Pop neste texto, é possível

compreender através dele, a imagem que a revista procurou transmitir ao seu público: uma

revista jovem, divertida, descolada e de vanguarda, que valoriza arte e música e está antenada

com os últimos acontecimentos, especialmente aqueles de origem britânica e norte-americana.

Contudo, apesar de valorizar a cultura hippie e de ter circulado durante a ditadura militar,

silenciou-se sobre assuntos referentes ao governo, à repressão, à censura e às manifestações.

A revista, que funcionou como uma guia comportamental, utilizou linguagem verbal

baseada em gírias e linguagem gráfica inspirada no design pop e psicodélico, que em conjunto,

4 Na verdade, o movimento pop surgiu com o coletivo Independent Group no início dos anos 1950, na Inglaterra.

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representaram ideias do que era ser jovem naquele momento (COSTA, 2015). A revista buscou

marcar a identidade de um grupo geracional, balizando a construção das subjetividades e das

práticas cotidianas de muitos adolescentes.

5. Método de análise Neste texto serão analisadas as relações entre a adolescência, a moda jovem e o

contexto sociocultural no Brasil na década de 1970 a partir de duas capas da revista Geração

Pop. Para isso, estabeleceu-se um modelo de análise a partir dos estudos semióticos de Joly

(1996) e Castilho e Martins (2005). Vale relembrar que os objetos são polissêmicos e que a sua

significação depende da interação de diferentes tipos de signos e do contexto sociocultural de

quem os interpreta.

Joly (1996) classifica esses signos em linguísticos, icônicos e plásticos. Os signos

linguísticos dizem respeito ao enunciado verbal como também seus aspectos formais (cor,

forma, peso e etc.). Os signos icônicos referem-se aos elementos figurativos, ou seja, a relação

de semelhança da imagem com um objeto. Neste texto, serão privilegiados apenas os signos

icônicos que dialogam com a moda tais como roupas, acessórios, calçados, estilos de cabelo,

maquiagem e tatuagem (LURIE, 1997). As expressões faciais assim como as posturas corporais

também serão analisadas pois, “a roupa é uma segunda pele, que, recobrindo a primeira,

compõe com ela a aparência final do sujeito”. (CASTILHO e MARTINS, 2005). Também pode-

se incluir o cenário nesta categoria, visto que ele reforça significados atribuídos à moda e ao

corpo.

Os signos icônicos listados acima serão analisados também a partir dos signos plásticos

sendo eles aqueles que dizem respeito aos aspectos formais tais como cores, formas, espaço,

dimensão e material, por exemplo. Após a descrição dos tipos de significantes, busca-se

significados possíveis para eles por convenção sociocultural. Em seguida, analisa-se o

cruzamento entre os registros, elaborando ao final, o significado global do objeto analisado.

6. Capas da revista Geração Pop: análise das relações entre a adolescência, a moda

jovem e o contexto sociocultural no Brasil na década de 1970.

A capa, diferentemente das matérias pelas suas especificidades, é criada para

representar, de modo mais amplo, os valores da revista assim como abrigar uma variedade de

conteúdos. Optou-se por analisar as capas n° 23 (1974) e n° 44 (1976) (fig. 06) por

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015

ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

apresentarem discursos potenciais para análise dos marcadores de gênero e geracional, que

estão intrinsecamente ligados à moda.

Figura 06: Capas n° 23 (1974) e n° 44 (1976), respectivamente. Fonte: www.apologo11.blogspot.com

O(a) adolescente que comprasse a edição n° 23 (fig. 06), lançada em setembro de

1974, teria acesso a um brinde que poderia ser estampado em camisetas brancas. Eram 6

estampas ao total com ídolos da música pop: Secos e Molhados, Mick Jagger, David Cassidy,

Paul McCartney, Alice Cooper e Suzy Quatro.

Os desenhos dos ídolos pop apresentam-se em alto contraste, em tons vivos e intensos,

que remetem à vitalidade e à descontração, e em tipografia distorcida, remontando à estética

psicodélica. Os dois adolescentes representados na capa trajam blusas brancas e calça jeans.

A camiseta do jovem traz duas estampas nas costas, geralmente a área mais larga do corpo

masculino, podendo conotar força e poder. As estampas estão posicionadas de modo

desordenado, remetendo à ideia de informalidade. Na camiseta da adolescente, as duas

estampas estão localizadas próximas ao busto, zona erógena, e portanto sexualizada, do corpo

feminino. É interessante notar que as estampas presentes na camiseta do garoto apresentam-

se majoritariamente nas cores verde e azul, associadas culturalmente à ideia convencional de

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masculinidade. Já na camiseta da garota, apresentam-se nas cores rosa e roxo, associadas à

ideia de convencional de feminilidade, reforçando as diferenciações de gênero.

A blusa da adolescente, que apresenta detalhes nas mangas e na barra sendo mais

elaborada que a do garoto, é decotada e curta, deixando parte do seu corpo à mostra,

simbolizando sensualidade. A camiseta do garoto é justa e embora revele as formas do seu

corpo, remetendo à uma ideia de beleza física, é muito mais fechada que a da moça. Os dois

vestem calça jeans, símbolo de liberdade e de juventude, neste recorte temporal. O

entrelaçamento dos braços sugere relação íntima, possivelmente um namoro; os sorrisos

demonstram a alegria de ambos. O cabelo de ambos aparenta estar em seu estado natural,

remetendo a um aspecto de simplicidade e informalidade.

Além dos adolescentes se vestirem de modo similar (jeans e camiseta branca

estampada com ídolos da música pop), o cabelo e a pele dos jovens também apresentam

tonalidades muito parecidas, representando unidade e identidades em consonância. De modo

geral, pode-se dizer que a roupa assim como a linguagem corporal dos adolescentes remetem

à vitalidade, à leveza e à descontração.

A capa da edição n° 44 (fig. 06), lançada em junho de 1976, é composta por um jovem

casal. Ele traja uma camiseta estampada com a bandeira dos EUA, país cuja cultura torna-se

referência para diversos países ocidentais no segundo pós-guerra. País associado à liberdade,

à juventude, ao rock, à cultura hippie, ao festival de Woodstock. O jovem usa jeans e camiseta

estampada sobre outra camiseta de manga longa de cor vermelha, sugerindo certa

informalidade.

A moça também usa peças que fazem menção à cultura norte-americana: um xale azul

estrelado, camiseta azul acinzentada, saia vermelha e peça íntima estampada com a bandeira

dos EUA. A moça está mais exposta que o garoto. Enquanto este traja peças fechadas e tem

parte do corpo escondido pelo da garota, ela está em primeiro plano e usa uma saia que deixa

sua calcinha à mostra. Em um primeiro momento, a expressão facial da moça sugere surpresa

ao notar que sua calcinha está aparecendo.

Mas num segundo momento é possível perceber que ela não está desesperada e nem

envergonhada, ela não procura esconder o corpo com a mão, deixando-o à mostra, o que revela

certa malícia por parte dela, sugerindo desinibição e liberdade sexual. O garoto também parece

não se preocupar que a peça íntima da sua namorada está exposta, podendo sugerir que a

relação entre eles é mais libidinosa.

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Estas ideias são endossadas pela frase localizada acima à direita: “Timidez não está

com nada: saia dessa!” e pelo trocadilho construído através do verbo/objeto “saia”. Além disso,

a frase “Dê um trato no seu visual: dicas incríveis de moda e beleza” está localizada perto do

corpo da jovem, reforçando a referência de um corpo esguio como ideal de formosura e o uso

de peças mais ousadas. A cor da pele e do cabelo de ambos é similar, assim como os trajes

usados por eles, remetendo novamente à ideia de unidade (valores, sonhos, estilo de vida). O

cabelo dos jovens sugere certa descontração.

As capas analisadas permitem perceber certas transformações socioculturais do

período: maior domínio das mulheres sobre o seu corpo (cintura e nádegas à mostra), liberdade

sexual, comportamento transgressor (culto à bandas de rock, postura corporal), modo de vida

mais simples (estampas DIY5, roupas básicas e o uso de poucos acessórios) e liberdade (calça

jeans, o movimento da saia, bandeira norte-americana) associados ao movimento hippie,

diferenciação da moda jovem (roupas mais ousadas e coloridas).

7. Considerações Finais Apesar da influência estadunidense na cultura jovem brasileira, algumas reivindicações

do período, ligadas ao movimento gay e ao movimento black power, por exemplo, não ganharam

visibilidade na revista, assim como assuntos políticos. Neste sentido, pode-se dizer que a revista

Pop apresenta traços conservadores e europeizados, ligados à cultura da elite brasileira: tratam-

se de jovens brancos e esbeltos, possivelmente descendentes de europeus, que pertencem à

classe média (praticam esportes diferenciados, viajam ao exterior, frequentam festas

requintadas) e relacionam-se dentro de padrões heteronormativos, que se materializam na

moda e nas posturas corporais.

Logo, pode-se dizer que apesar da roupagem transgressora (conteúdos sobre sexo e

rock’n’roll, cores vibrantes, linguagem gráfica inspirada no psicodelismo, corpos à mostra e em

relações insinuantes), a revista diluiu conteúdos contestadores, caracterizando-se muito mais

como uma mídia de entretenimento no período da ditadura, do que como uma ferramenta de

conscientização política e social para os adolescentes. A representação da liberdade sexual das

mulheres também pode ser questionada, no sentido que o corpo deixado à mostra também o

objetifica, reforçando a dominação do olhar masculino sobre o corpo feminino. Apesar das

5 Do it yourself, em português, faça você mesmo.

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limitações da revista Pop, ela influenciou parte do imaginário adolescente do período, reforçando

a identidade e a agência de um grupo geracional, sendo este atravessado por relações de

classe, gênero e raça/etnia.

As ideias materializadas pela moda jovem, presente na revista Pop, fazem parte das

mudanças socioculturais e tecnológicas de um tempo e lugar, sendo capazes de moldar

percepções e transformar as relações sociais. O estudo da moda permite compreender a

construção e desconstrução de estereótipos e das relações de poder na sociedade de consumo.

Ela tem efeitos reais, regulando as ações, os pensamentos e a construção de identidades da

sociedade. A moda, compreendida como linguagem e como um sistema complexo de artefatos,

é um dos caminhos que deve ser explorado para se ter uma chance de compreender parte das

histórias do mundo contemporâneo.

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