revista comercialista - direito comercial e econômico - 12ª edição

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Ano 3 - Vol. 12 PERFIL Calixto Salomão Filho Professor Titular do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP apresenta a sua visão sobre o direito

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Conteúdo desta edição: • Entrevista com Calixto Salomão Filho, Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; • Concorrência e Arbitragem no Direito Brasileiro. Por Bruno Bastos Becker; • Instrumentos Jurídicos e Diálogo Institucional nos Grandes Projetos de Mobilidade Urbana: o caso do PMI da linha 6 do metrô de São Paulo. Por Pedro do Carmo Baumgratz de Paula; • Constituição de Reservas em Prejuízo de Acionistas Minoritários. Por Eduardo Benetti; • Psico-história e Antitruste: avaliação de impacto e os conceitos legais indeterminados. Por Caio Cesar Moreira Pinto; e • As Teorias Econômicas da Regulação e a Dicotomia entre Regulação Econômica e Social. Por Thomaz Teodorovicz

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Page 1: Revista Comercialista - Direito Comercial e Econômico - 12ª Edição

Ano 3 - Vol. 12

PERFIL

Calixto Salomão Filho Professor Titular do Departamento de Direito Comercial da Faculdade

de Direito da USP apresenta a sua visão sobre o direito

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 122 Sumário

5. Editorial

6. Perfi lEntrevista com o Prof. Calixto Salomão Filho

71. Estante Comercialista

12. DoutrinaArtigos acadêmicos sobre o que há de mais atual e relevante

Concorrência e Arbitragem no Direito Brasileiro. Por Bruno Bastos Becker

Instrumentos Jurídicos e Diálogo Institucional nos Grandes Projetos de Mobilidade Urbana: o caso do PMI da linha 6 do metrô de São Paulo. Por Pedro do Carmo Baumgratz de Paula

Constituição de Reservas em Prejuízo de Acionistas Minoritários. Por Eduardo Benetti

Psico-história e Antitruste: avaliação de impacto e os conceitos legais indeterminados. Por Caio Cesar Moreira Pinto

As Teorias Econômicas da Regulação e a Dicotomia entre Regulação Econômica e Social. Por Thomaz Teodorovicz

12a Edição:

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 3

A Revista ComeRCialista – DiReito ComeRCial e eConômiCo é uma publicação eletrônica trimestral, independente, com o es-copo de fomentar a produção acadêmico-científica nas áreas do Direito Comercial e Econômico. Contato (11) 98133-5813 - [email protected]. Editor: Pedro A. L. Ramunno - [email protected] aos leitores: As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Comer-cialista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia. Imagem de capa: Wikipédia.

EDITOR EXECUTIVOPEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO DISCENTEGUSTAVO LACERDA FRANCO

PACO MANOLO CAMARGO ALCALDEPEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

RODRIGO FIALHO BORGES

CONSELHO DOCENTEFABIO ULHOA COELHO

JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIROMARIANA PARGENDLER

SÉRGIO CAMPINHO

ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃOBRUNO BASTOS BECKER

CAIO CESAR MOREIRA PINTOEDUARDO BENETTI

PEDRO DO CARMO BAUMGRATZ DE PAULATHOMAZ TEODOROVICZ

REPÓRTER DESTA EDIÇÃORODRIGO FIALHO BORGES

DIAGRAMAÇÃORODRIGO AUADA

FALE [email protected]

Expediente

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 124 Apoio institucional

Seja também um [email protected]

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 5

Dentre os diversos produtos gerados pelo inten-so trabalho de construção desta 12ª edição da Revista Comercialista, o destaque é, sem dúvidas, a reflexão. E é fácil identificar a origem desse processo reflexivo: a entrevista com o Professor Titular de Direito Comer-cial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Calixto Salomão Filho.

O Professor Calixto abordou temas relevantíssimos na entrevista, como a relação entre o direito e as desi-gualdades e também a questão do poder, em suas mais diversas manifestações, além de outros tantos assun-tos importantes para o desenvolvimento do direito e, de uma maneira geral, do país. No entanto, uma das abordagens mais tocantes foi tratada justamente ao final da entrevista, sobre a faculdade de direito e a for-mação dos profissionais da área jurídica.

De acordo com o Professor, “a faculdade de direi-to ideal é aquela que faz o aluno pensar e faz o aluno ser crítico” e o direito deve se tornar “mais complexo, ou seja, uma ciência interdisciplinar, em que os alunos sejam capacitados a entender esses efeitos, estudan-do outras ciências, como antropologia, economia, so-ciologia [...]”.

Diante da notável propagação de um grande núme-ro de faculdades de direito pelo país nas últimas déca-das, essa reflexão é pertinente e, mais que isso, essen-cial. Aliás, o ensino interdisciplinar deveria ser natural ao direito, pois para compreender bem o regramento dos acontecimentos da vida, o estudante deveria, pre-viamente, entender esses acontecimentos.

Reflexão semelhante, inclusive, ocasionou a renova-ção e ampliação daquele que sempre foi o objetivo da Revista Comercialista: contribuir para a promoção e o desenvolvimento do direito comercial e econômico.

Nesse sentido, foram selecionados artigos de au-tores que apresentam, com efeito, uma formação in-terdisciplinar, o que se percebe por seus trabalhos publicados nesta edição, os quais conectam, com ex-pressiva qualidade, o direito a diversos campos do co-nhecimento, como a economia, a contabilidade, o ur-banismo e até mesmo a fictícia psico-história de Isaac Asimov.

O artigo de Bruno Bastos Becker, advogado espe-cializado em direito concorrencial e acadêmico, apre-

senta uma profunda análise sobre a aplicação do di-reito concorrencial em procedimentos arbitrais, que é pouco debatida no Brasil, embora a matéria seja abor-dada com frequência no exterior.

Em seguida, Pedro do Carmo Baumgratz de Paula, advogado, pesquisador do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada – IPEA e também acadêmico, contri-bui para esta edição com um excelente estudo sobre como a utilização de Procedimentos de Manifestação de Interesse na celebração de Parcerias Público-Pri-vadas pode auxiliar ou prejudicar a realização de gran-des projetos urbanos, abordando questões jurídicas, sociais, urbanísticas e o diálogo institucional.

Já o potencial prejuízo aos acionistas minoritários gerado pela constituição de reservas em sociedades anônimas de capital fechado é tratado por Eduardo Bennetti, advogado especializado em direito societá-rio e sócio de BGR Advogados, em um breve e, ao mes-mo tempo, profundo artigo.

Caio Cesar Moreira Pinto, graduando pela UFPA e pesquisador de direito concorrencial, em um moder-no e desafiador artigo, retira da ficção científica de Isaac Asimov possíveis ensinamentos que podem ser relacionados à avaliação de impacto das decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CA-DE.

Por fim, Thomaz Teodorovicz, economista e acadê-mico, realiza uma ampla abordagem sobre as teorias econômicas da regulação e a dicotomia entre a regu-lação econômica e a social. A contribuição de um eco-nomista para esta edição está em plena sintonia com a mencionada valorização da interdisciplinaridade.

Assim, de maneira interdisciplinar e bastante crí-tica, espera-se, como usual, que esta edição seja mais uma contribuição para o desenvolvimento do direi-to comercial e econômico, mas não só. A expectati-va, originada nas reflexões decorrentes da entrevista com o Professor Calixto, é ainda mais ampla: promo-ver uma reflexão crítica do direito comercial e econô-mico como instrumento de correção de deficiências presentes na sociedade.

A Faculdade de Direito e a Formação Interdisciplinar

Conselho Editorial

Editorial

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 126

VISÃO DO DIREITOComercialista - Tendo em vista as enormes desigualdades presentes no Brasil, assim como em ou-

tros países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, na opinião do senhor, qual o papel do direito para permitir o desenvolvimento de forma a reduzir tais desigualdades? Como o direito pode nos ajudar a questionar as estruturas?

Calixto Salomão Filho - O papel do direito é central, não é? Na verdade, o direito é que define os fluxos de distribuição e redistribuição de renda. É do funcionamento dos institutos e das estru-turas jurídicas que dependem os fluxos de distribuição de renda. Veja, por exemplo, institutos como propriedade, contrato... Da maneira que nós definimos a disciplina da propriedade, de-pendem os fluxos. Por quê? E aí vem para a segunda parte da questão. Porque, na verdade, são as estruturas econômicas e jurídicas os elementos determinantes dessa distribuição. Se eu tenho um regulamento de propriedade absoluto, é claro que eu estou reduzindo o acesso de pessoas a bens. Se eu tenho um regulamento da empresa que só atende a determinados interesses, inte-resses daqueles acionistas da empresa, e não tem em conta os interesses das pessoas afetadas, é claro que estou optando por uma determinada forma de distribuição de riquezas. Então o di-reito é fundamental nesse tipo de raciocínio. Como ele pode ajudar a questionar as estruturas? A partir da reflexão crítica sobre essas estruturas. Ora, num mundo de recursos escassos, o que eu preciso fazer para que mais pessoas tenham acesso a esses recursos? É o direito que tem que dar a resposta.

REGULAÇÃO DA EMPRESAComercialista - Como se insere a regulação da empresa nessa visão do direito? É possível encontrar algu-

ma relação entre a regulação das empresas e a evolução da pobreza?

Perfil

Por Rodrigo Fialho Borges

Entrevista com o Professor Calixto Salomão Filho O Professor apresenta o seu entendimento sobre diversos temas, destacando-se a sua visão sobre a manifestação do poder, o papel do direito na redução das desigualdades e a faculdade de direito.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 7Perfil

Calixto Salomão Filho - Dada a importância da empresa hoje, a questão da regulação da em-presa está no centro dessa visão estrutural, vamos dizer assim, porque é através da regulação da empresa, e dos vários insti-tutos que estão ao redor, que eu posso mudar essas estruturas. Exemplo: patente. Não se aplica só à empresa, aplica-se a indiví-duos também, mas eu mudando as regras e limitando o reconhe-cimento de patentes em certos casos em prol de uma utilidade pública, em prol de um usuário que precisa ter acesso de baixo custo ao bem, eu estou atuando sobre a empresa, estou atuan-do sobre uma estrutura jurí-dica, de forma a permitir mais acesso público a determinadas invenções. Relação entre regu-lação da empresa e evolução da pobreza? Total. Nós fizemos um estudo interdisciplinar alguns anos atrás que mostrou que, na verdade, desde a época colo-nial, os níveis de pobreza acom-panham as estruturas econô-micas. Então na medida em que essas estruturas se concentram – e quanto mais concentradas elas estão e nos lugares onde elas estão mais concentradas –, mais pobreza há. Portanto, há uma relação direta.

Comercialista - No artigo “Mo-rals and Markets”, publicado na Revista Science, é desenvolvido um estudo que, em suma, demons-tra como as interações de mercado influem na forma como os agentes avaliam eventuais danos causados a terceiros, relativizando a mo-

ralidade. Nesse sentido, o senhor considera que há, no Brasil, muitas deficiências regulatórias? Existem mercados que não deveriam existir, na sua opinião?

Calixto Salomão Filho - Acho que sim. Existem mercados que são, de um lado, absolu-tamente desnecessários, e de outro, eles são marcados por imensas assimetrias de infor-mação. Dou alguns exemplos. Aliás, exemplos clássicos que nem exigem muita criativida-de. Mercado de plano de saú-de para pessoas idosas: ou o preço é inacessível ou então as pessoas idosas são sim-plesmente recusadas, porque a assimetria de informação é tão grande que a empresa tem sempre medo de aceitar ou põe um preço tão alto, que é inviável para o usuário. Então a solução tem que ser a dada por Akerlof naquele famoso artigo dos anos 70: financia-mento público, um plano pú-blico ou um subsídio públi-co para as pessoas de idade terem o seu plano de saúde. Então esse é um exemplo de um mercado que não pode existir. Outros mercados... No setor financeiro, eu acho que tem muitos minimercados que também não deveriam existir, como é a regra em relação aos derivativos. Muitos já são proi-bidos, mas eu acho que preci-samos manter a atenção para não permitir que eles surjam por vias indiretas.

O PODER COMO UM TEMA RECORRENTE

Comercialista - Nota-se que o poder é tema recorrente nos seus trabalhos. Como o senhor desen-volveu a afinidade pelo assunto e por que considera relevante o seu estudo?

Calixto Salomão Filho - Talvez meio por acaso. Eu sempre tive a sensação de que o poder era um entrave ao funcionamento do direito. Uma sensação não só intuitiva, mas a gente vê nas nossas relações sociais do dia--a-dia: onde está o poder o di-reito não entra. Basta olhar a re-lação social do empregado com o empregador. Quando ele tem muito medo do poder, as regras pouco valem, ele se submete in-dependentemente delas. Isso é verdade para a maioria dos ca-sos. Onde o poder é muito sóli-do, imagine nas sociedades mais arcaicas, como no Brasil pas-sado, onde havia coronelismo, não entrava o direito... Podia se declarar o maior direito possí-vel, mas ele não era aplicado. E eu tenho impressão de que isso ocorre no Brasil ainda hoje em uma série de ramos (por exem-plo, a pouca efetividade dos di-reitos humanos), porque as pes-soas estão sujeitas a estruturas de poder. Então o meu interesse surgiu desse potencial desloca-mento, que eu sempre senti, do poder em relação ao direito. Na verdade, quando a gente está numa estrutura de poder muito forte, a maioria dos nossos di-reitos são inefetivos. Bom, essa é a razão da afinidade e da im-portância também, porque se a gente não resolve o problema do poder, os direitos vão conti-

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nuar pouco efetivos. O interesse surgiu na graduação ainda. Pa-rece que nos vários temas que eu acabei escolhendo, estava sempre o poder ali: a preocupa-ção com o poder concentrado na sociedade unipessoal, depois a preocupação com o poder no direito da concorrência, no di-reito regulatório... Eu acho que o estudo do poder é uma das li-nhas de análise do direito, exa-tamente porque ele tem essa capacidade de tornar direitos inefetivos. Um dos objetivos do direito, nessa visão estruturalis-ta, é romper essas estruturas de poder para que o direito possa adentrar nas relações sociais.

Comercialista - Em sua visão, a política nacional de participação social (instituída pelo Decreto nº 8.243/2014) pode ser considerada uma ferramenta para equilibrar as relações de poder? Quais outros instrumentos poderiam ser aplica-dos, com esse objetivo, à realidade brasileira?

Calixto Salomão Filho - Eu acho que sim. O funcionamen-to do Estado e dos órgãos es-tatais da administração direta e indireta está sempre sujeito a um dilema, um dilema clássico, que é a pressão entre a captura pelo interesse político (não o elevado, mas o partidário, que pode desvirtuar a atuação do Estado) e a captura pelo inte-resse privado, que é da histó-ria brasileira. Então, entre es-sas duas forças, o Estado fica extremamente pressionado. Entre o interesse político par-tidário e o interesse privado.

Como fazer os órgãos do Es-tado atuarem de uma forma real no interesse público? Eu acho que a participação popu-lar é um excelente instrumen-to para evitar essas duas pres-sões ou, pelo menos, garantir que elas não sejam exercidas de forma a capturar o Estado. Como? Porque a participação popular tem vários efeitos. Pri-meiro, o efeito de publicizar mais tudo que está sendo feito. Tem representantes da socie-dade civil lá, eles vão ver o que está acontecendo. Segundo, porque eles vão trazer o inte-resse legítimo do usuário para dentro da discussão. Então, se há o interesse político de um lado e o interesse privado de outro (de uma empresa atuan-do para direcionar ou mal di-recionar aquela regulação), na hora em que há participação popular, o usuário está pre-sente dizendo ‘não, mas isso aqui não é meu objetivo’. Então para além do óbvio (e o óbvio é que participação social é de-mocrática, é fazer com que as partes interessadas interajam, sejam copartícipes na elabo-ração das regras), há outro efeito positivo, que é proteger o Estado desses dois interes-ses, que dificultam que órgãos, agências, governo, adminis-tração direta possam agir no interesse público.

AS ESTRUTURAS (SOCIE-DADE ANÔNIMA, DIREITO CONCORRENCIAL, PATEN-TES E PROPRIEDADE)

Comercialista - Considerando-

-se a sociedade anônima, qual a opi-nião do senhor em relação à ênfase da legislação brasileira no termo e na figura do “controle”, mesmo não existindo uma conceituação clara do termo na lei? Foi uma boa opção legislativa? O valor dado ao poder de controle está ligado ao contex-to político de desenvolvimento da legislação?

Calixto Salomão Filho - Está sim. Eu acho que foi uma op-ção típica da época, ligada a toda a filosofia do PND, que era reforçar o poder dos gran-des grupos nacionais – o que, aliás, está explícito no PND. E era também uma opção do re-gime militar de trabalhar com esses grandes grupos privados. Se isso foi bom? Acho que de-finitivamente não. Entravou o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro durante trinta anos, porque a empresa foi tratada como algo do con-trolador. Portanto, todos os outros, inclusive minoritários, inclusive aqueles que pode-riam investir no mercado de capitais, sentiam que estavam sempre fora do jogo. Aliás, foi isso o que revelou a pesquisa da Bovespa que foi feita nos anos 2000, dada a crise do nosso mercado de capitais. Então eu acho que essa ênfase foi exces-siva e não foi positiva, não.

Comercialista - Considerando o histórico brasileiro do monopólio colonial, em que medida a política concorrencial deveria se distanciar das práticas adotadas em reconhe-cidas jurisdições como Europa e Estados Unidos e impor uma polí-

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tica adequada à realidade históri-ca e econômica brasileira? De uma forma concreta, quais seriam as diferenças de políticas necessárias a essa adequação?

Calixto Salomão Filho - Essa é uma questão, sobretudo a se-gunda parte, difícil de especi-ficar em poucas palavras, mas sim, devem ser mais incisivos, particularmente em relação às estruturas. Nós temos estru-turas de poder historicamen-te mais concentradas. O nosso controle das estruturas tem que ser mais incisivo. Mais inci-sivo em que sentido? Mais inci-sivo no sentido de proibir con-centrações, de restringir, de impor limitações sérias às con-centrações, seja proibindo, seja restringindo de uma maneira efetiva, impondo alienações parciais... Então eu acho que, particularmente no controle das estruturas, isso é necessá-rio. Também é necessário em condutas bem disseminadas. Eu acho que, nessa parte, isso tem sido feito nos últimos anos com o combate aos cartéis, que realmente são uma prática dis-seminada no Brasil nas esferas privada e pública. Tem que ter um combate incisivo. Isso tem sido feito, mas não basta. É pre-ciso um controle das estruturas realmente efetivo e que real-mente imponha limitações nas concentrações.

Comercialista - Na opinião do senhor, como o licenciamento com-pulsório de patentes de medica-mentos contribuiria para a redu-ção das desigualdades?

Calixto Salomão Filho - Sim, o licenciamento compulsó-rio contribui diretamente. Por quê? Porque em vez de nós sempre carregarmos o Esta-do, ou seja, fazermos com que todos os pedidos de medica-mento sejam atendidos pelo Estado individualmente, que já tem poucos recursos para o SUS, nós fazemos com que as empresas privadas sejam obrigadas a reduzir o valor do medicamento. Ou seja, a em-presa privada, que está redu-zindo acesso através de um preço abusivo, ela se torna a responsável pelo bem público, pelo provimento do interesse social, e não o Estado, que já está tão sobrecarregado no SUS. Então eu acho que o li-cenciamento compulsório é um elemento importante na redução das desigualdades e, comprovadamente, nenhum caso de licenciamento com-pulsório impede ou impediu o desenvolvimento de inven-ções. Ao contrário, a empre-sa continuou fornecendo em mercados grandes como o Brasil, mesmo na presença de genéricos, como ocorreu du-rante toda a nossa história de vigência dos genéricos.

Comercialista - O senhor con-sidera que a reformulação do con-ceito de propriedade é uma medida necessária para a redução das de-sigualdades? Qual seria um modelo ideal para o Brasil?

Calixto Salomão Filho - Essa é uma resposta longuíssima... Como eu estava dizendo, toda

estrutura jurídica que afeta a distribuição de renda tem um efeito sobre a desigualdade ou sobre a questão da pobreza. Mas, para além disso, nós pre-cisamos de um modelo de pro-priedade que tenha em conta a realidade atual do mundo de escassez de recursos. En-tão não dá mais para imaginar aquela propriedade absoluta de um e a sujeição dos outros. Isso não nos leva a um mode-lo de propriedade comunal, existem modelos muito mais sofisticados hoje, como a es-trutura dos bens comuns, que é muito útil para bens de re-levância ambiental, mas tam-bém para bens regulados. Eu tenho que reconhecer que, em determinados bens, eu tenho que seccionar os vários direi-tos relativos àquele bem e (i) fazer com que, eventualmente, eles sejam atribuídos a grupos diversos; e (ii) fazer com que pessoas afetadas pelo bem e grupos afetados tenham di-reito a participar na definição dos destinos desse bem. Por exemplo, uma grande empresa que detém uma mina numa re-gião em que passa um rio mui-to importante para a comuni-dade da região pode continuar explorando a mina, mas ainda que ela seja proprietária da-quelas terras, os interesses das comunidades que precisam do rio precisam ser considerados. Considerados ao ponto de elas terem influência na gestão da parte da propriedade que afeta o rio. Então essa expe-riência dos bens comuns, que

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tem farto fundamento acadê-mico (valeu um prêmio Nobel a quem formulou, a Professo-ra Ostrom) e tem experiências práticas muito bem sucedidas, deve ser considerada numa re-alidade de bens escassos como nós vivemos.

AS INSTITUIÇÕES (CADE, STF E UNIVERSIDADE)

Comercialista - O senhor publi-cou, neste ano, um artigo na Folha intitulado “Concorrência e Inter-venção na Economia”. Tendo em vista o artigo, o senhor considera que o CADE tem tomado uma pos-tura mais interventiva nos últi-mos anos? A nova Lei de Defesa da Concorrência teria alguma relação com essa postura, na sua visão?

Calixto Salomão Filho - O CADE tem, sim, tomado uma postura mais interventiva. Particularmente, em relação a cartéis. A nova lei pode ter um efeito para o futuro. Ela ain-da é recente, portanto, nesse sentido é difícil avaliar. Mas ela exige que o CADE, como eu falei na resposta a uma pergunta anterior, seja mais incisivo também em relação ao controle das estruturas, ou seja, proibindo quando neces-sário ou restringindo quando necessário. Então, resumindo, a postura tem sido mais inci-siva em relação a certas con-dutas (e isso é muito impor-tante, muito meritório), como é o caso dos cartéis, mas ela precisa ainda ser mais incisiva, particularmente, em relação às estruturas.

Comercialista - Recentemen-te, tivemos duas decisões do STF muito polêmicas para o direito concorrencial. No RE 664.189, ne-gou-se seguimento ao recurso do CADE que questionava a compe-tência exclusiva do Banco Cen-tral para fiscalizar atos de con-centração no setor financeiro. Já no RE 627.709, o STF entendeu que decisões do CADE podem ser questionadas na Justiça Federal, em qualquer localidade do país, e não somente em Brasília, onde a autarquia se localiza. Na opinião do senhor, como essas decisões in-fluenciam o atual panorama con-correncial brasileiro?

Calixto Salomão Filho - Eu tenho uma opinião crítica em relação a ambas as decisões, e a razão é mais ou menos se-melhante. A nossa marcha tem sido no sentido da especializa-ção, tanto dos órgãos adminis-trativos quanto dos tribunais. Nos tribunais, a experiência das varas especializadas, em-presariais e outras, tem sido muito bem sucedida. Ora, as decisões do Supremo repre-sentam um passo atrás em ambos os casos. No primeiro caso, porque retira do órgão especializado em concorrên-cia a capacidade de avaliar e de limitar o poder econômi-co em um setor tão concen-trado, como é o dos bancos. E não adianta, porque o foco na concorrência e na limita-ção do poder econômico (nós sabemos) é do CADE. O Ban-co Central nunca exerceu essa competência. Já no segundo caso, eu acho que o problema,

também no mesmo sentido (ou seja, nos distanciando da especialização), é talvez tão ou mais grave, porque ao anali-sar uma determinada questão jurídica, nós precisamos sem-pre ter em conta os interes-ses envolvidos. Então no caso da competência para analisar (e aliás, não é só uma questão do CADE, porque essa deci-são se aplica, em princípio, a todas as autarquias, pois tem repercussão geral), nós preci-samos entender que o desti-natário primeiro das decisões do CADE e da regulação das autarquias (isso inclui CVM e tantos outros órgãos regula-dores) são as empresas. Então o interesse envolvido é o de grandes empresas. Portanto, o principio do acesso à justiça (que é um princípio importan-te) precisa ser parametrado e analisado sempre em função do interesse envolvido e da capacidade daquele interesse de ter ou não acesso à justiça. É evidente que o consumidor tem uma capacidade, mas a empresa tem outra. O fato de uma empresa ter de ir a uma vara especializada (eventu-almente distante de onde é domiciliada) não restringe o acesso à justiça dela, enquan-to que para o consumidor isso poderia ocorrer, devido à dis-tância, dificuldade econômica, etc,. Então essa decisão, que se aplica primordialmente a grandes empresas, não é ne-cessária para garantir o acesso à justiça. Caminha no sentido contrário ao da especialização

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e dificulta sobremaneira a de-fesa dessas agências em juízo.

Comercialista - Em sua visão,

como seria a faculdade de direito ideal? A formação deveria abran-ger quais áreas do conhecimento? Qual a importância da experiência no exterior?

Calixto Salomão Filho - Olha, eu acho que a faculdade de direito ideal é a que faz o alu-no pensar, sabe... Faz o aluno pensar e faz o aluno ser crí-tico. Eu te dou um exemplo: eu tenho tido, recentemente, muita alegria com um curso que eu tenho dado, sempre com um colega de departa-mento dando o curso regu-lar da matéria (sobre temas de direito empresarial, di-reito societário, direito das patentes...) e eu dando um curso do avesso (meu curso se chama ‘o avesso do direito societário’, ‘o avesso do direi-to empresarial’...), mostrando como, na verdade, é possível interpretar as regras de for-ma oposta a que são interpre-tadas pela visão tradicional. Meu objetivo é fazer com que os alunos pensem, critiquem e cheguem às suas conclu-sões. Então eu acho que o que nós precisamos é de raciocí-nio crítico e de raciocínio que faça os alunos identificarem os efeitos das decisões e das interpretações deles sobre os interesses envolvidos. Por que eu digo isso? Porque en-quanto em ciências exatas nós sabemos bem mais precisa-mente os efeitos das coisas (um

prédio mal construído cai, um paciente mal tratado continua doente ou piora...), no direito nós não medimos os efeitos. Então o raciocínio crítico que chegue ao ponto de identificar qual o efeito de uma deter-minada regra, de uma deter-minada interpretação sobre a sociedade, é fundamental para que nós não apliquemos, sem saber, o direito errado, as so-luções erradas. Como é que se faz isso? É preciso que o direi-to se torne mais complexo, ou seja, uma ciência interdisci-plinar, em que os alunos sejam capacitados a entender esses efeitos, estudando outras ci-ências, como antropologia, economia, sociologia, fazendo verdadeiros estudos interdis-ciplinares que não só avaliem melhor os interesses envolvi-dos pela norma, mas o efeito da aplicação da norma sobre esses interesses. Para mim, essa é a faculdade ideal. Difícil de obter, mas é a faculdade que nós temos que mirar, que te-nha mais cursos que, portanto, estimulem o raciocínio crítico, que tenha mais matérias que estimulem a compreensão dos efeitos das normas. Matérias teóricas e não práticas, não no sentido corriqueiro, mas práti-cas no sentido de fazer os alu-nos irem atrás de captar esses efeitos, fazendo pesquisas em-píricas, por exemplo, captando os efeitos das normas sobre a sociedade, para que eles este-jam capacitados a entender es-ses efeitos e aplicar, portanto, um direito que contribua para

a sociedade. Em relação à ex-periência no exterior, eu acho que é importante, mas com duas observações. Sempre que nós nos afastamos da nossa re-alidade, nós somos capazes de refletir melhor sobre ela e tam-bém nós temos, às vezes, mais tranquilidade para a pesquisa. Então ir para fora, às vezes, nos tira de uma realidade que nos assoberba muito e nos propicia mais possibilidades de pesqui-sa. Agora, eu queria fazer uma ressalva: não necessariamente só nos centros tradicionais. É importante, sim, ir para lá tro-car ideias. Lá tem muita infra-estrutura, grandes universida-des no hemisfério norte que têm ótima infraestrutura. Mas muitas vezes lá nós não temos acesso a problemas sociais se-melhantes aos nossos, então é importante que nós descubra-mos centros novos. Por exem-plo, recentemente um aluno nosso, ex-integrante do Gru-po Direito e Pobreza, foi para a Índia trabalhar em uma ONG, e lá, para quem quer trabalhar com medicamento, talvez seja o lugar certo para ir, porque é o lugar mais efervescente em discussões sociais, em discus-sões de novos medicamentos a preço acessível. Então é pre-ciso que nós ampliemos esse conceito do ‘ir para fora’, que não se restrinja só aos centros tradicionais, que são impor-tantes e nos dão tranquilida-de e infraestrutura, mas que também nós possamos ir a laboratórios sociais semelhan-tes aos nossos.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1212

INTRODUÇÃO O Direito da Concorrência e a Arbitragem são institutos bastante distin-

tos1, mas que, invariavelmente, acabam por ter uma importante conexão: de modo geral, os agentes econômicos que mais se utilizam da arbitragem como forma de resolução de conflitos, acabam sendo os que igualmente são dotados de poder econômico. O resultado dessa fórmula parece ser a consequente incidência de questões de ordem concorrencial em procedi-mentos arbitrais2-3, podendo surgir como disputas contratuais em contratos de longo prazo, como fornecimento, parcerias, joint ventures e até entre acionistas e membros de associações, caso tais contratos possuam cláusula compromissória4. Nessas hipóteses, o direito da concorrência poderia ser utilizado pelas partes envolvidas em uma arbitragem tanto como um escudo (i.e., como argumento de defesa), como uma espada (i.e., argumento de de-manda)5.

Por Bruno Bastos Becker*

Concorrência e Arbitragem no direito brasileiro Hipóteses de incidência de questões concorrenciais em arbitragens

Doutrina

1 Isabel Vaz apresenta interessante paralelo entre os modus operandi dos dois institutos. (VAZ, Is-abel. Arbitrabilidade do Direito da Concorrência. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Con-sumo e Comércio Internacional, vol. 16, São Paulo, p. 353, janeiro 2009.)2 “Quando esses dois domínios do direito se cru-zam, o que não é raro, dadas a identidade de seus principais atores e a potencialidade de reflexos no mercado dos atos e acordos submetidos ao juízo arbitral, surge a questão da arbitrabilidade dos litígios envolvendo a aplicação das normas do Di-reito da Concorrência” (CRISTOFARO, Pedro Pau-

lo Salles; NEY, Rafael de Moura Rangel. Possibili-dade de Aplicação de Normas do Direito Antitruste pelo Juízo Arbitral. In: ALMEIDA, Ricardo Ramalho. Arbitragem Internacional: Questões de doutrina e de prática. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003. p. 335.)3 Segundo Luis Silva Morais, haveria “[...] uma percepção empírica da relevância concreta das questões de direito da concorrência em Portu-gal nos últimos anos”, a despeito da [...] reserva que existe sobre várias decisões arbitrais, ou até sobre processos arbitrais que terminaram com transações ou por acordo nos quais foram susci-

tados problemas de direito da concorrência, im-peça um conhecimento mais alargado ou preciso desta realidade”. Ainda conforme o autor, haveria em Portugal um esforço para o levantamento de informações sobre processos arbitrais em que sejam suscitadas e apreciadas questões de direito da concorrência realizado pela Associação Portu-guesa de Arbitragem (APA). (MORAIS, Luis Silva. Palavras Iniciais na Sessão de Abertura da Con-ferência “Arbitragem e Direito da Concorrência”. Lisboa, 2012. Disponível em: http://www.insti-tutoeuropeu.eu/images/stories/LM-Abertura--Conf-Arb-Conc-Arb-ADR.pdf)

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potencial para manobras táticas objetivando interferir nos efeitos apropriados de uma convenção de arbitragem”10.

Ocorre que, a despeito da evolução da matéria no exte-rior, a especificidade das nor-mas nacionais de ordem pública contidas nas normas relativas ao direito da concorrência tor-na a questão da arbitrabilidade muito complexa para ser tratada abstratamente (i.e., sem levar em consideração as normas locais)11. Faz-se necessária, portanto, uma investigação do tema à luz do di-reito brasileiro.

No Brasil, a matéria é tratada ainda de forma incipiente, abor-dando-se basicamente a questão da arbitrabilidade12; discorrendo--se sobre a aplicação, pelos árbi-tros, do direito da concorrência em suas decisões. Usualmente, considera-se o direito da con-corrência de forma indistinta, sem analisar as diversas formas de sua incidência e aplicação. Vislumbra-se, pois, a necessi-dade da investigação da questão

É exatamente nesse contex-to que o presente ensaio se in-sere, no exame da interação e da compatibilidade entre a ar-bitragem e o direito da concor-rência. Em uma análise superfi-cial, tais institutos poderiam ser considerados incompatíveis, de modo que as questões concor-renciais não seriam arbitráveis, pois poderiam ofender a ordem pública6. Em outras palavras, haveria uma oposição intrans-ponível entre, de um lado, o princípio da autonomia das par-tes que rege a arbitragem, e, de outro, a máxima proteção visa-da à ordem pública pelo direito da concorrência7.

Esse posicionamento parece já ter sido superado em grande medida pela doutrina8 e juris-prudência9 internacionais. Ten-do em vista a relevância que dis-cussões envolvendo o direito da concorrência podem apresen-tar em procedimentos arbitrais, caso tal matéria simplesmen-te fosse considerada como não arbitrável, “haveria um enorme

sob uma perspectiva mais foca-da no direito da concorrência, tratando dos possíveis conflitos com o instituto da arbitragem à luz das normas nacionais – es-pecialmente os diplomas norma-tivos da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência, ou “LDC”), e Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem).

Para tanto, o presente en-saio divide-se em três partes. Inicialmente, serão apresenta-das breves considerações sobre o desenvolvimento da matéria no exterior, em especial nos Es-tados Unidos da América e na União Europeia. Posteriormente, serão feitos breves apontamen-tos sobre as normas brasileiras de direito da concorrência. Por fim, serão apresentadas hipóte-ses de incidência de questões de ordem concorrencial em proce-dimentos arbitrais desenvolvidos no âmbito do direito brasileiro13.

1. DESENVOLVIMENTO DA MATÉRIA NO EXTERIOR

A interação entre o direito da

Doutrina

4 “Competition issues may arise before the arbitra-tors in a number of ways. Generally, all contractual disputes between parties to a long-term contract, such as partnership disputes, disputes between members of associations, or between shareholders, or between the shareholders and the company, disputes between parties of long-term vertical or horizontal contracts such as joint-ventures, and, finally, disputes over the terms of a license are likely to be solved by arbitration if the underlying contract contains an arbitration clause” (BLAN-KE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2008. p. 91) 5 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Di-reito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Me-diação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010.6 “Toda matéria que diz respeito à lei antitruste, Lei 8.884, de 11.06.1994, em que pese tratar de relação jurídica de direito patrimonial disponível,

não pode ser objeto de juízo arbitral” (MATTOS NETO, Antonio José de. Direitos Patrimoniais Dis- poníveis e Indisponíveis à Luz da Lei da Arbitra-gem. Revista de Processo, vol. 106, São Paulo, p. 221, abril 2002)7 IDOT, Laurence. Aribtration and Competition. In: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERA-TION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Com-petition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuseofdomi-nanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012. p.538 MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the European and US Perspective. In: BLAN-KE, Gordon; LANDOLT, Phillip. EU and US Anti-trust Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011. p. 36 e ss. 9 Vide, em especial, Mitsubishi Motors Co. vs. Soler Chrysler-Plymouth, 473 US 614 (1985) e Eco Swiss

China Time Ltd. e Benetton International NV (C-126/97).10 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Di-reito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Me-diação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010.11 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 109.12 “O termo ‘arbitrabilidade’ é habitualmente usado para designar a susceptibilidade de uma controvér-sia (ou litígio) ser submetida a arbitragem (CARA- MELO, António Sampaio. Critérios de Arbitrabili-dade dos Litígios. Revisitando o Tema. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 129, outubro 2010.)”.13 Por questões de delimitação do tema, o foco do presente ensaio recairá na análise dos institutos à luz do direito brasileiro, não sendo objeto, portan-to, questões relacionadas à eventual aplicação de normas de direito concorrencial em arbitragens internacionais.

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concorrência e a arbitragem já foi alvo de debates em diversas jurisdições14, sendo as mais re-levantes decisões aquelas ado-tadas nos Estados Unidos da América e na União Europeia, a seguir apresentadas.

Nos Estados Unidos da Amé-rica, no caso American Safety, a decisão do US Second Circuit de 196815 afirmou que o direito an-titruste16 não seria compatível com a resolução de conflitos por arbitragem17 e, assim, rejeitou a aplicação de questões concor-renciais em procedimentos arbi-trais. Foi somente em 1985 com o paradigmático caso Mitsubishi18 que a Suprema Corte norte-a-mericana reviu sua posição, pas-sando a aceitar a arbitrabilidade de questões de direito concor-rencial19. Atualmente, percebe--se naquele país um conside-rável desenvolvimento teórico e prático acerca da matéria20. A esse respeito, cabe mencionar o desenvolvimento da doutrina

“Second Look”, por meio da qual os tribunais realizam, em âmbi-to de anulação ou homologação de sentenças arbitrais, uma revi-são – em maior ou menor grau, isto é, maximalista ou minima-lista21– da decisão do tribunal arbitral quando da incidência de questões concorrenciais em ra-zão da justificativa do interesse público envolvido22.

Na União Europeia, a questão da arbitrabilidade de questões concorrenciais também foi alvo de decisões do Tribunal de Jus-tiça da União Europeia (“TJUE”). No caso Eco Swiss23, a questão envolvida dizia respeito à sus-pensão de execução de decisão arbitral que condenou a empre-sa Benetton ao pagamento de indenização por perdas e danos decorrentes de rescisão de con-trato de licença. Neste sentido, discutiu-se a necessidade de os árbitros aplicarem ex oficio o Direito Comunitário da Con-corrência, e embora tal questão

não tenha sido respondida pelo TJUE, entende-se que haveria, de fato, a necessidade de apli-cação da matéria pelos árbitros, pois, enquanto normas de ordem pública na União Europeia, não poderiam deixar de ser conside-radas e aplicadas em um proce-dimento arbitral24.

Note-se que, no caso Eco Swiss, a decisão do TJUE dá um passo além, acenando haver não só a possibilidade de tribunais arbitrais decidirem questões concorrenciais – como ocor-reu no caso Mitsubishi – mas também o dever de os árbitros suscitarem tais questões, sendo necessário frisar a existência de posicionamentos doutrinários contrários a tal dever25.

Para além da discussão da ar-bitrabilidade de questões con-correnciais, as recentes refor-mas do Direito Comunitário da Concorrência26 ensejaram uma maior autonomia das partes em relação à resolução privada de

Doutrina

14 Como afirma Alexis Mourre, em países como Ale-manha, Inglaterra, Holanda, Suécia, Nova Zelân-dia, o debate da arbitrabilidade de questões con-correnciais parece já estar superado (MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the European and US perspective. In: BLANKE, Gor-don; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011, p. 5-67 p. 41 e ss.). 15 American Safety Equipment Corp v. J.P. Maguire & Co. (BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2008. p. 45)16 Para fins do presente ensaio, os termos Direito da Concorrência, Direito Concorrencial e Direito Antitruste serão entendidos como sinônimos e adotados indistintamente.17 “[A] claim under the antitrust laws is not me-rely a private matter. Antitrust violation can affect hundreds of thousands, perhaps millions, of peo-ple and inflict staggering economic damage. We

do not believe Congress intended such claims to be resolved elsewhere than in Courts. […] The per-vasive public interest in enforcement of the anti-trust laws, and the nature of the claims that arise in such cases, combine to make […] antitrust claims […] inappropriate for arbitration”. (MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the Eu-ropean and US perspective. In: BLANKE, Gordon; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011, p. 5-67 p. 22 e ss.)18 Mitsubishi Motors Co. vs. Soler Chrysler- Plymouth, 473 US 614 (1985).19 Deve-se, no entanto, fazer uma ressalva acerca da diferença entre os sistemas jurídicos estran-geiros, especialmente do norte-americano no que se refere ao enforcement da legislação antitruste de forma privada. 20 Por exemplo, vide LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011. 2210 p. Disponí-

vel em: <http://www.kluwerarbitration.com/>. Acesso em: 20 set. 2012.; ROGERS, Catherine A.; LANDI, Niccolò. Arbitration of Antitrust Claims in the United States and Europe. Disponível em < http://papers.ssrn.com >. Acesso em: 20 set. 2012; e ZEKOS, Georgios I. Antitrust/Competition Arbitration in EU versus U.S. Law. Journal of Inter-national Arbitration, Alphen Ann Den Rijn, v. 25, n. 1, p.1-29 , 2008.21 Sobre o debate entre a aplicação da teoria mi-nimalista e maximalista, isto é, entre a maior ou menor revisão do conteúdo das sentenças ar-bitrais pelo judiciário, vide: BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Pau-lo, p. 162, outubro 2010.22 BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2008. p. 98 Eco Swiss China Time Ltd. e Benetton International NV (C-126/97)23 Eco Swiss China Time Ltd. e Benetton International NV (C-126/97)

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dagem por tribunais arbitrais. Assim, a Arbitragem deveria ser vista como uma ferramenta adi-cional para a correta aplicação do Direito Concorrencial28.

Outras questões levantadas pelo relatório da OCDE relacio-nam-se à eventual obrigação de os árbitros levarem as questões concorrenciais ao conhecimen-to das autoridades, aos proble-mas relacionados à execução e revisão de sentenças arbi-trais, e à utilização da arbitra-gem na aplicação de remédios em casos de controle de atos de concentração29.

2. BREVES APONTAMEN-TOS SOBRE O DIREITO DA CONCORRÊNCIA

Para uma análise específica da relação entre arbitragem e direito da concorrência à luz do direito brasileiro, faz-se neces-sária breve incursão em alguns conceitos do direito concorren-cial pátrio.

Nos termos do art. 170 da Constituição Federal, a Livre Concorrência é princípio da or-dem econômica nacional, sendo que, nos termos do art. 173, § 4º, “[a] lei reprimirá o abuso do

disputas de ordem concorren-cial. Assim, debate-se, entre ou-tros temas, acerca da possibi-lidade de a Comissão Europeia ingressar em procedimentos ar-bitrais como amicus curiae, bem como a utilização de procedi-mentos arbitrais pela Comissão para o monitoramento de cum-primento de remédios compor-tamentais no âmbito do controle de concentrações (behavioural remedies)27.

Nessa linha, cabe salientar que até mesmo a Organização para a Cooperação e Desenvol-vimento Econômico (OCDE) já demonstrou preocupações so-bre a interação entre Arbitragem e Concorrência. Em outubro de 2010, foi realizada uma audiência com alguns dos maiores espe-cialistas na área para debater a questão. De acordo com as prin-cipais conclusões da OCDE, a ar-bitragem é uma ferramenta nor-mal para a resolução de conflitos e o seu emprego em questões concorrenciais tende a aumen-tar. Ainda, entendeu a OCDE que a utilização da arbitragem não ameaçaria a aplicação do Direi-to da Concorrência, sendo des-necessárias mudanças de abor-

poder econômico que vise à do-minação dos mercados, à elimi-nação da concorrência e ao au-mento arbitrário dos lucros”. De forma a sistematizar a aplicação da matéria, o Legislador criou no Brasil um complexo sistema pre-ventivo e repressivo de proteção à concorrência.

Assim sendo, a fim de facilitar a compreensão e a apreciação de conceitos concorrenciais em procedimentos arbitrais, pro-põe-se uma dupla divisão me-todológica: a análise da matéria tanto a partir das formas de inci-dência quanto a partir das esfe-ras de aplicação.

2.1. Formas de Incidência Nos termos do art. 1º da LDC30,

o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (“SBDC”) possui duas principais esferas de atua-ção: preventiva e repressiva.

De um lado, a preventiva, re-gulada pelos arts. 88 e seguintes da LDC, verifica-se por meio do controle de concentrações, em que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) analisa previamente opera-ções consideradas atos de con-centração (e.g., fusões, aquisi-

Doutrina

24 Segundo Phillip Landolt, “If the Community courts had really wished EC competition Law to be treated as unarbitrable, they would doubtless have found occasion to say so. Since at least 1982 with the Nordsee preliminary reference, the ECJ has been content to let pass unmentioned any objection it might have had to the arbitration of competition law questions” (LANDOLT, Phillip apud MOUR-RE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the European and US Perspective. In: BLANKE, Gor-don; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbi-tration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011. p. 46)

25 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse-ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012. p. 1226 Trazidas especialmente pelo Regulamento 1/2003. Para informações sobre o regulamento, vide: http://europa.eu/legislation_summaries/competition/firms/l26092_pt.htm . Acesso em 12 set. 2014.27 BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law Interna-

tional, 2008. p. 7828 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse-ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 11 set. 2014. p. 1229 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse-ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 11 set. 2014. p. 12 e ss.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1216

ções de participação societária, joint ventures).

De outro, a atuação repres-siva ocorre por meio da investi-gação e da sanção a infrações à ordem econômica (as chamadas condutas anticoncorrenciais), que podem ser divididas em dois grupos: condutas unilaterais e condutas colusivas, sendo estas executadas conjuntamente por agentes econômicos, e aquelas praticadas individualmente pe-los agentes econômicos, também conhecidas como abuso de posi-ção dominante31.

As condutas colusivas, tam-bém conhecidas como cartéis, estão previstas no art. 36, § 3, I da LDC. Segundo Paula Forgio-ni, as condutas colusivas seriam definidas como “acordos entre concorrentes, atuais ou poten-ciais, destinados a arrefecer ou neutralizar a competição entre eles”32. Seu objetivo principal é eliminar ou diminuir a con-corrência, mediante fixação de preços, diminuição da oferta de produtos no mercado ou a divi-são geográfica dos concorren-tes em determinado território. Por meio de tais acordos entre concorrentes, viabiliza-se a im-

posição de preços monopolistas ao mercado, gerando a perda de bem-estar dos consumidores. Nas condutas colusivas, por-tanto, há um caráter de combi-nação, de acordo entre agentes econômicos.

As condutas unilaterais, tam-bém conhecidas como abusos de posição dominante, estão pre-vistas nos demais incisos do § 3º do art. 36 da LDC e são as prá-ticas comerciais impostas – in-dividualmente – por um agente econômico com poder de mer-cado que tenham como objeti-vo ou resultado a eliminação da concorrência. Aqui, importa des-tacar que as práticas unilaterais costumam ser impostas por meio de contratos entre partes verti-calmente (e.g., contrato de for-necimento, distribuição, agência) ou horizontalmente relacionadas (e.g., contratos entre concorren-tes)33. A título exemplificativo, as condutas unilaterais englobam o aumento abusivo de preços; a discriminação de rivais; os pre-ços predatórios; as políticas pro-mocionais (descontos); a venda casada; os acordos de exclusivi-dade; a recusa de contratar; e a fixação de preço de revenda34.

Essa classificação metodoló-gica entre condutas colusivas e unilaterais justifica-se por duas razões.

Primeiro, porque as condu-tas colusivas, além de infrações administrativas, são tipificadas como crime nos termos da Lei nº 8.137/90 (“Lei de Crimes Eco-nômicos”), ao passo que as uni-laterais são, atualmente, ilícitos administrativos. Nesse particu-lar, a reforma aos crimes con-tra a ordem econômica imposta pela LDC foi relevante, à medi-da que alterou a redação do art. 4º da Lei de Crimes Econômicos (dada anteriormente pela Lei nº 8.884/94)35. Com isso, o legis-lador restringiu a tipificação de crimes contra a ordem econômi-ca como aquelas condutas pra-ticadas de forma colusiva, i.e., “mediante qualquer forma de ajuste36 ou acordo37 de empre-sas”.

Com efeito, a partir da en-trada em vigor da LDC – e em linha com as recomendações da OCDE38 – deixaram de ser con-siderados crimes os abusos de poder econômico praticados unilateralmente (i.e., condutas unilaterais), descaracterizando-

Doutrina

30 A Lei nº 12.529/2011 entrou em vigor em 30 de maio de 2012. Entre 1994 e 2012, o Direito Con-correncial foi tutelado pela Lei nº 8.884/94. A Lei nº 12.529/2011 trouxe profundas mudanças (i) na estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Con-corrência e (ii) no controle de estruturas. Toda-via, para fins do presente estudo, a alteração mais relevante diz respeito à descriminalização de de-terminadas condutas anticompetitivas em decor-rência da alteração da redação da Lei nº 8.137/90, como apresentado a seguir.31 Há diversas metodologias adotadas pela lite-ratura para classificar as práticas concorrenciais. Aqui, refere-se basicamente (i) à divisão entre

acordos verticais ou horizontais, na qual o foco metodológico resta na relação econômica entre os agentes, e (ii) à divisão entre condutas colusi-vas e unilaterais (ou abuso de posição dominante), cujo foco resta na conduta incorrida e nos efeitos econômicos. Para os fins do presente ensaio, op-tou-se por adotar a segunda classificação, pois se entende mais adequada para a análise proposta.32 FORGIONI, Paula A.. Os Fundamentos do Anti-truste. 5. ed. São Paulo: Editora Revista Dos Tribu-nais, 2012, p. 33833 Muito embora o artigo 90, IV da LDC considere contratos associativos como atos de concentra-ção, há hipóteses em que, de uma relação asso-

ciativa entre concorrentes pode decorrer a impo-sição de práticas comerciais caracterizadas como abuso de posição dominante.34 GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito Antitruste. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 139 e ss.35 A nova redação do art. 4º da Lei de Crimes Eco-nômicos deixou de tipificar condutas unilaterais anteriormente incluídas no rol de crimes econô-micos, especialmente nos incisos IV e seguintes: IV - açambarcar, sonegar, destruir ou inutilizar bens de produção ou de consumo, com o fim de esta-belecer monopólio ou de eliminar, total ou parcial-mente, a concorrência; V - provocar oscilação de

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-se “criminalmente várias dessas condutas [anteriormente defini-das], apenas mantendo os casos dos cartéis [i.e., condutas colusi-vas], para os quais dificilmente se configuram eficiências compen-satórias que impliquem um efeito líquido positivo da conduta”39.

Segundo, tal distinção entre condutas colusivas e unilaterais relaciona-se ao standard de pro-va necessário para a verificação do ilícito, i.e., quanto à necessi-dade ou não de comprovação de efeitos econômicos para sua ca-racterização. O debate iniciado pela doutrina norte-americana acerca da oposição entre ilícitos per se e regra da razão40, possui hoje, no Brasil, evolução teórica, discernindo-se entre os ilícitos pelo objeto e pelo efeito.

Nos termos do caput do art. 36 da LDC, “constituem infração da ordem econômica, indepen-dentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou pos-sam produzir os seguintes efei-tos”. Assim, ainda que haja even-tuais exceções, de acordo com

recente entendimento apresen-tado pelo tribunal do CADE, con-dutas colusivas que se caracte-rizariam como cartel clássico seriam infrações definidas pelo objeto, havendo dispensa da pro-dução de provas sobre os efeitos anticompetitivos pela presunção de ilicitude, bastando para a ca-racterização a comprovação da exteriorização da conduta41. Tal presunção dispensaria a autori-dade concorrencial, o CADE, da comprovação dos efeitos de de-terminada ilicitude, transferindo aos investigados o ônus de com-provar que a restrição analisada seria acessória a algum arranjo lícito e com objeto distinto – e ainda, que os efeitos benéficos advindos de tal arranjo supera-riam os riscos42.

Portanto, seja pela perspec-tiva da gravidade das condutas (i.e., ilícitos administrativos e crimes), seja pela perspectiva da necessidade da comprova-ção dos efeitos econômicos por elas gerados (i.e., condutas pelo efeito e pelo objeto), as condu-tas objeto da prática repressiva

do CADE podem ser classificadas entre condutas colusivas e unila-terais. Tal diferenciação será de grande utilidade para determi-narem-se as esferas de possível resolução de conflitos concor-renciais por arbitragem, o que se verá a seguir.

2.2. Esferas de Aplicação As três formas de incidência

de questões concorrenciais aci-ma descritas podem ser aplica-das em diversas esferas: admi-nistrativa, criminal e cível.

A primeira e mais conhecida esfera de aplicação – a adminis-trativa – é exercida por meio do CADE. Nos termos do artigo 4 da LDC, o CADE é entidade judi-cante que possui a competência para aplicar as normas previs-tas na lei. Compete a esse órgão, portanto, a investigação e impo-sição de penas, em âmbito admi-nistrativo, de condutas colusivas e unilaterais, bem como a análise prévia de atos de concentração43.

A segunda esfera de atuação – a criminal – é aplicável somente às condutas colusivas tipificadas

Doutrina

preços em detrimento de empresa concorrente ou vendedor de matéria-prima, mediante ajuste ou acordo, ou por outro meio fraudulento; VI - vender mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência; VII - elevar, sem justa causa, os preços de bens ou serviços, valendo-se de monopólio natural ou de fato. VII - elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado.36 Segundo Prado, “[p]or ajuste na seara penal, entende-se o acordo, livre e consciente, feito en-tre vários indivíduos com o objetivo de praticar um fato punível” (PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.p. 50-51)37 Para Diniz apud Prado, “acordo é ‘a conven-ção ou ajuste entre contratantes, conjugando suas vontades para a efetivação do ato negocial,

gerando uma obrigação de dar, de fazer ou não fazer’”( PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômi-co. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.p. 51).38 CORDOVIL, Leonor. Disposições Finais e Tran-sitórias. In: CORDOVIL, Leonor et al. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 228.39 MATTOS, Cesar apud TAUFICK, Roberto D. Nova Lei Antitruste Brasileira: a Lei 12.529/2011 COMENTADA e a Análise Prévia no Direito da Concorrência. São Paulo: Método, 2012, p. 509.40 De acordo com grande parte dos autores, a di-ferença entre regra per se e regra da razão restaria no fato de que a primeira caracterizaria ilícitos que, para a condenação, não seria necessária a compro-vação dos efeitos anticompetitivos, ao passo que

a segunda caracterizaria aqueles ilícitos que de-mandariam uma investigação dos efeitos. Todavia, como afirma Luis Fernando Schuartz, “[p]er se e rule of reason são, a rigor, padrões de investigação antitruste”, pois a presença de efeitos anticompei-tivos seriam sempre necessários” [...] “Logo, a ili-citude per se de um determinado tipo de conduta (fixação de preços entre concorrentes, por exem-plo) não consiste na suposta independência em relaçao ao efeito anticompetitivo, mas sim (o que é muitíssimo diferente), na autorização para abreviar o percurso analítico necessário para provar que o efeito – real ou provável – é de fato anticompeti-tivo”. (SCHUARTZ, Luis Fernando. Ilícito Antitruste e Acordos entre Concorrentes. In: POSSAS, Mario Luiz (Org.). Ensaios sobre Economia e Direito da Concorrência. São Paulo: Editora Singular, 2002. p. 113, 11797-134.)

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na Lei nº 8.137/90. Nessa hipó-tese, embora haja esforços para a persecução conjunta de tais crimes44, não há a necessidade de existir um procedimento ad-ministrativo no CADE em curso para que seja iniciada uma inves-tigação criminal, e vice-versa.

A terceira e última esfera de atuação – a cível – foi estabele-cida pelo art. 47 da LDC45 para que os prejudicados por práticas anticoncorrenciais possam in-gressar em juízo (a chamada liti-gância privada) para a obtenção da cessação das práticas e a in-denização pelos danos sofridos. Estão aptos a ingressar com ação judicial aqueles prejudicados por quaisquer práticas anticompe-titivas, independentemente de serem colusivas ou unilaterais. A litigância privada permite que os prejudicados, sejam eles consu-midores, fornecedores, clientes ou concorrentes, demandem ju-dicialmente o ressarcimento dos danos decorrentes das práticas anticoncorrenciais. Ressalta-se que o ajuizamento de ação de reparação disposta no art. 47 da LDC independe da existência de

inquérito ou processo adminis-trativo, ou qualquer comunica-ção prévia ao CADE.

As três formas de incidência do direito concorrencial brasi-leiro, portanto, podem ser apli-cadas – originariamente46 – em distintas esferas em cada caso (administrativa, criminal e cível).

Conforme já se aludiu, a aná-lise prévia de atos de concentra-ção é de competência exclusiva do CADE47. Além disso, a repres-são a cartéis, considerados ilíci-tos administrativos e crimes no Brasil, podem ser investigados e julgados tanto em instância ad-ministrativa, como diretamente pelo Ministério Público e pela justiça criminal, sendo que os prejudicados pelas práticas po-dem, ainda, ingressar em juízo cível para a obtenção de indeni-zação pelos danos sofridos.

Por fim, as condutas unila-terais podem ser investigadas em âmbito administrativo pelo CADE, podendo, igualmente, se-rem invocadas na esfera cível pelos prejudicados pelas práti-cas anticoncorrenciais – inde-pendentemente do inquérito ou

processo administrativo – nos termos do art. 47 da LDC.

Seja em que esfera for inves-tigada a conduta, além de serem independentes entre si os proce-dimentos, há de se destacar que igualmente independentes são os resultados, isto é, pode haver casos em que o CADE condene uma prática, mas o juízo criminal absolva os investigados.

Portanto, a partir das defini-ções acima descritas, serão tra-çadas a seguir hipóteses de in-cidência de questões de ordem concorrencial em procedimen-tos arbitrais à luz do ordena-mento jurídico brasileiro.

3. HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DE QUESTÕES DE ORDEM CONCORRENCIAL EM PROCEDIMENTOS ARBITRAIS NO DIREITO BRASILEIRO

Como mencionado, há um nú-mero bastante reduzido de tra-balhos a respeito da inter-rela-ção entre arbitragem e direito da concorrência ora analisada sob a

Doutrina

41 Processo Administrativo nº 08012.010215/2007-96, Voto do Conselheiro Relator Eduardo Pontual Ribeiro em 6 de março de 2012.42 Processo Administrativo nº 08012006923/ 2002-18, Voto-vista do Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo em 20 de fevereiro de 2003.43 Por questões de delimitação do tema, não será abordada no presente ensaio a hipótese de confi-guração de ilícito concorrencial pela não notifica-ção de atos de concentração ao CADE, nos termos do art. 88, § 3º da LDC. 44 “O cartel é crime e o mais grave ilícito à ordem econômica, merecendo uma atuação coordena-da e integrada das diferentes autoridades res-ponsáveis por sua repressão. A Enacc possibilita uma mudança de rumo no tratamento da crimi-nalidade organizada no Brasil, ao ressaltar o papel do combate a cartéis no contexto de uma políti-

ca de Estado, implicando atuação efetiva e arti- culada de todos os agentes públicos envolvidos com o tema.” (Estratégia Nacional de Combate a Cartéis, disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={87802C87-B7BE-4EAF-91DB-F5843CEB74F2}&BrowserType=IE&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7B2AA1B152-B1A0-4501-8AF1-E2E46EB718DB%7D%3B&UIPartU-ID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4C-B26%7D)45 Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legiti-mados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juí-zo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem eco-nômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente

do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.46 Há de se considerar que quaisquer decisões administrativas do CADE estão sujeitas à revisão judicial, nos termos do artigo 5º, XXXV da Cons-tituição Federal.47 Há discussões a respeito da possibilidade da análise de atos de concentração ser realizada por juízos falimentares. Sobre o tema, vide: CRAVO, Daniela Copetti. Aplicação da teoria da failing company defense nos atos de concentração de-correntes da recuperação judicial: atribuição do CADE ou competência exclusiva do Juízo falimen-tar? Revista Magister de Direito Empresarial, Con-correncial e do Consumidor, Porto Alegre, v. 8, n. 43, p. 84-106, fev./mar. 201248 Para a pesquisa realizada em 18.8.2014, foram feitas duas buscas: “Arbitragem” e “Concorrên-

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perspectiva brasileira, em espe-cial sob a égide das recentes al-terações trazidas pela LDC.

De forma a corroborar a au-sência de trabalhos a respeito, pesquisa jurisprudencial48 no STJ e nos Tribunais de Justiça de al-guns dos Estados com maior ati-vidade comercial (SP, RJ, MG, DF, PR, SC e RS) demonstra não ter ocorrido ainda no país, aparen-temente, um debate em âmbi-to judicial acerca da incidência de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais49.

Todavia, a despeito da au-sência de julgados e do reduzi-do número de estudos em torno da matéria no Brasil, a interação entre o direito da concorrência e a arbitragem – inicialmente vista como incompatível – tor-na-se, pois, necessária. Sob essa perspectiva, entende-se que, na evolução da aceitação da arbi-trabilidade de questões concor-renciais, não haveria a supressão do papel dos órgãos especiali-zados (i.e., CADE), mas sim uma “readaptação, pelo mercado, de uma modalidade dentre outras de que ele dispõe, para assegu-rar a eficácia da prática do Direi-to da Concorrência no plano das

relações contratuais do Direito Privado”50.

Um bom exemplo de incidên-cia de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais é o apresentado por José Gabriel de Almeida: A e B celebram contra-to de distribuição de um produ-to com cláusula de exclusivida-de, garantindo ainda o direito de A fixar o preço de revenda do produto. O contrato possui cláu-sula compromissória e é levado ao conhecimento do tribunal ar-bitral por B, alegando que teria liberdade de fixar os seus pre-ços, havendo violação ao direito da concorrência51. Ocorre que o exemplo apresentado é uma par-cela pequena das hipóteses em que questões de ordem concor-rencial podem surgir em proce-dimentos arbitrais.

As questões concorrenciais podem ser apresentadas como objeto central do litígio, ou po-dem surgir de forma incidental na instrução do procedimento; podem surgir após a decisão do CADE ou do judiciário a respeito da conduta anticoncorrencial, ou podem surgir sem que haja qual-quer suspeita pelas autoridades competentes da existência da

conduta, ou ainda, podem estar relacionadas a condutas colusivas ou condutas unilaterais. Todas essas hipóteses possuem conse-quências e desfechos distintos.

De antemão, importa traçar um esclarecimento adicional acerca da divisão metodológica entre condutas colusivas e uni-laterais: a medida da “ordem pú-blica”52 da questão concorrencial envolvida. Como afirma Luca Di Brozolo:

As únicas infrações ao di-reito da concorrência ca-pazes de se qualificar como violações à ordem pública, e por isso de implicar a anu-lação ou recusa de execução de uma sentença, são por-tanto aquelas que seriamente põem em risco os objetivos da política concorrencial. 53

Portanto, parece fazer senti-do o entendimento de que con-dutas colusivas seriam aquelas de maior gravidade, aquelas que poriam em risco os objetivos concorrenciais e, consequen-temente, poderiam implicar a anulação ou recusa à homolo-gação de sentenças54. Por outro lado, condutas unilaterais teriam menor potencial lesivo e não le-

Doutrina

cia”; e “Arbitral” e “Concorrência”, com resultados, quando disponível a opção, em “ementas”49 De acordo com a pesquisa proposta: (i) o STJ não apresentou nenhum resultado, (ii) o TJSP apresentou 5 casos, sendo todos relacionados a questões de “concorrência desleal”, (iii) o TJRJ não apresentou nenhum caso, (iv) o TJMG apresen-tou somente um caso, relacionado à concorrên-cia pública, (v) o TJDFT não apresentou nenhum caso, (vi) o TJPR apresentou 16 casos, sendo que nenhum se relacionava ao direito concorrencial, (vii) o TJSC não apresentou nenhum caso, e (viii) o TJRS apresentou somente um caso, relacionado à concorrência de jurisdição.

50 VAZ, Isabel. Arbitrabilidade do Direito da Con-corrência. Revista do IBRAC – Direito da Concor-rência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 16, São Paulo, p. 353, janeiro 2009.51 O autor baseia-se nos Arts 20, I e 21, XI da Lei nº 8.884/94, que foram basicamente transpostos à LDC, no art. 36 I, e §2º IX. Embora seja de gran-de clareza e didática, o autor afirma só existir in-frações à concorrência se os agentes possuírem poder de mercado, o que, contudo, como apre-sentado anteriormente, nem sempre é verdade. (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva (Coord.). Arbitragem

Doméstica e Internacional: Estudos em Homena-gem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 199 e 202).52 A ordem pública é “um conceito jurídico inde-terminado, na medida em que seu elevado grau de ambiguidade e vagueza exige do intérprete constante preenchimento valorativo” sendo “mu-táveis as circunstâncias particulares a cada caso e as concepções do aplicador da norma” (ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Homologação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 204)53 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Di-reito da Concorrência. Revista de Arbitragem e

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variam à anulação ou recusa à execução de sentenças arbitrais. Nesse sentido, entende-se haver considerável distanciamento en-tre as condutas unilaterais e as colusivas – o que deve ser consi-derado caso-a-caso.

Assim, tendo como linha con-dutora a divisão entre os tipos de condutas55, passa-se à aná-lise das hipóteses de incidência de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais56.

3.1. Condutas ColusivasNa possível intersecção entre

arbitragem e direito da concor-rência, vislumbram-se três hipó-teses de incidências de condu-tas colusivas em procedimentos arbitrais: (i) arbitragens cujo objeto do litígio compreenda condutas colusivas ainda não in-vestigadas e julgadas pelo CADE ou pelo judiciário; (ii) arbitragens cujo objeto do litígio seja con-dutas colusivas que já tenham sido investigadas e julgadas pelo CADE ou pelo judiciário; (iii) ar-bitragens nas quais as condutas colusivas sejam identificadas de forma incidental.

A primeira hipótese, e talvez aquela de mais clara resposta, envolve a situação em que se submete à arbitragem um acor-do (com cláusula compromissó-ria) entre concorrentes no qual se estipula, de forma conjunta, preços de bens ou serviços, o volume (ou sua restrição) a ser produzido ou ofertado, ou ainda a divisão geográfica de suas ati-vidades. Tal acordo enquadrar--se-ia nas hipóteses do art. 36 § 3, I da LDC e no art. 4º da Lei de Crimes Econômicos e, enquanto crime, não seria passível de de-cisão no sistema arbitral57. Como afirma Pedro Batista Martins:

A arbitragem não se presta a chancelar ilicitudes e com elas não pode compactuar. Atente-se para o fato de que a inarbitrabilidade da questão não se denuncia pelo sim-ples fato de envolver norma de ordem pública. Há de se visualizar o elemento vio-lador dessa regra cogente. Reprime-se a decisão arbitral que infringe norma de ordem pública ou a convenção que busca afastar a imposição de

comando da espécie ao caso em disputa. 58

Nesse sentido, de acordo com o já mencionado relatório da OCDE, nos últimos anos teria ocorrido uma mudança consi-derável na relação entre cartéis e arbitragens, quando esta era utilizada como método para es-capar das autoridades concor-renciais59.

A segunda hipótese igualmen-te parece possuir uma solução pouco questionável. Imagine--se que, após a decisão do CADE reconhecendo a existência de cartel entre diversas empresas, um cliente de uma das empresas condenadas que firmou contra-to de fornecimento com cláusu-la arbitral possa ingressar com procedimento arbitral para de-mandar os prejuízos decorrentes do aumento de preços derivados do cartel. Nesse caso, parece não haver oposições quanto à possi-bilidade de o juízo arbitral deci-dir sobre a eventual necessidade de indenização, nos termos do art. 47 da LDC. Em tendo ocorri-

Doutrina

Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. p. 7.54 Nos termos dos arts. 2º, §2 e 39, II da Lei de Arbitragem. Ainda, sobre a nulidade de sentenças arbitrais contrárias à ordem pública, segundo Pe-dro A. Batista Martins, “não se pode negar que a lista do art. 32 da Lei de Arbitragem reflete, em si, matérias elevadas à condição de ordem pública, frente ao ordenamento jurídico nacional. Daí su-por-se que a sentença que viola a ordem pública se insere numa concepção interpretativa ampla e analógica dos itens que compõem a lista do art. 32 da Lei”. (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 319)55 Portanto, não será objeto do presente ensaio

a análise da interação entre concorrência e ar-bitragem na atividade preventiva do controle de atos de concentração. Nos termos do Relatório da OCDE, “[t]here is a very limited role for arbi-tration in the ex ante application of competition law, for example in mergers and state aid, as these areas remain the exclusive competence of the na-tional competition authorities (NCAs)” (ORGANI-SATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. 2012. p.11)56 Sob uma perspectiva distinta, Luca Di Brozolo apresenta diversas hipóteses pelas quais ques-tões concorrenciais poderiam surgir em procedi-mentos arbitrais, apresentando para cada caso, a conduta esperada dos árbitros: (i) a situação em

que há acordo mútuo entre as partes quanto à aplicação do direito da concorrência, (ii) a situ-ação em que uma das partes invoca o direito da concorrência, (iii) a situação em que há acordo mútuo entre as partes para a desconsideração de normas de direito concorrencial pelos árbitros e, (iv) a situação em que o direito da concorrência não é invocado pelas partes, intencionalmente ou não. (BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010).57 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Foren-se, 2008. p. 9.58 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos so-bre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora

Doutrina

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do a proteção coletiva garantida pelo CADE (e pelo judiciário), não haveria óbice à disputa, em sede de arbitragem, para a verifica-ção da incidência do dever de indenizar e da quantificação da indenização. Trata-se de direito disponível das partes60.

Por fim, a terceira e última hi-pótese relacionada às condutas colusivas afigura-se como a que pode trazer maiores questiona-mentos. Imagine-se, por exem-plo, uma disputa arbitral relativa à matéria societária envolvendo dois sócios de uma determinada companhia, tendo como objeto do litígio uma conduta plena-mente lícita, mas que, ao longo da instrução do procedimento arbitral, descobre-se ter um dos sócios participado de um cartel ainda desconhecido pelas auto-ridades concorrenciais ou pelo judiciário, ou, em outra hipóte-se, situação na qual já haja inves-tigação em curso, porém, ainda confidencial. Nesse caso, seria válida61 a sentença arbitral que, embora tivesse como objeto de análise uma conduta lícita, fos-se relacionada, indiretamente, a uma conduta colusiva cuja apu-ração ainda não se iniciou ou se concretizou nas outras esferas? Ainda, haveria algum dever dos

árbitros de reportar a ciência de tal conduta?

Considerando-se que con-dutas colusivas são tipificadas na Lei de Crimes Econômicos, a análise proposta assemelha-se à incidência de quaisquer crimes tipificados pelo sistema jurídico nacional.

Assim, no que se refere ao pri-meiro questionamento, parece ser evidente que, ainda que não seja o objeto direto do procedi-mento arbitral, a existência de um crime indiretamente relacio-nado à lide em questão já seria suficiente para a anulação62 da sentença arbitral, eis que feriria a ordem pública. De forma con-trária, o instituto da arbitragem poderia ser utilizado para chan-celar ilícitos concorrenciais ain-da que indiretamente envolvi-dos. É dizer, partícipes de cartéis poderiam, mediante a utilização da arbitragem em seus contratos de fornecimento e distribuição, estipulando a confidencialidade no procedimento, estar sujeitos a menor risco de descoberta do ilícito caso a questão concorren-cial não seja levantada ao longo do procedimento63. Portanto, seja pela primeira hipótese (ilí-cito como objeto da arbitragem), seja por esta (ilícito indireta-

mente relacionado), a arbitra-gem não poderia ser utilizada como instrumento a proteger as partes envolvidas em condutas colusivas da ciência das autori-dades competentes.

Já o segundo questionamen-to, i.e., se há algum dever de os árbitros reportarem a ciência de tal conduta, parece ter uma res-posta menos clara, havendo opi-niões divergentes.

Cândido Rangel Dinamarco é enfático ao afirmar que o árbi-tro não teria o dever de reportar crimes às autoridades compe-tentes:

Perante as partes, o árbitro tem o compromisso de bem aplicar o direito de regên-cia do caso (salvo hipóteses de julgamento por equidade) mas perante a própria ordem jurídico-material do País seu compromisso é nenhum. [...] Sem ser um guardião da le-galidade, o árbitro não tem qualquer compromisso com o interesse público, ao qual a própria arbitragem não se as-socia.64

E segue:

Diante dessas realidades práticas, éticas e sistemáti-

Forense, 2008. p. 7.59 “The situation has changed considerably in recent years and the time when arbitration was perceived by cartels as a method for escaping the competition authorities is undoubtedly over” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPE-RATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. 2012. p. 53).60 “A distinção é sutil e encontra-se no fato que a proteção individual é apenas e tão-somente um derivado e um reflexo da proteção coletiva. A in-disponibilidade encontra-se no âmbito coletivo e

não no âmbito individual” (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrên-cia. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Pai-va (Org.). Arbitragem Doméstica e Internacional: Estudos em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 203).61 Conforme afirma Pedro A. Batista Martins, o art. 32 da Lei de Arbitragem trata de nulidade de sentença arbitral, muito embora “na realidade, os casos elencados, em sua maioria, são de anulabi-lidade” (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos

sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 313)62 Vide Nota de Rodapé nº 6163 Para exemplos dos diversos momentos e formas pelas quais questões concorrenciais po-deriam surgir em procedimentos arbitrais, vide BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direi-to da Concorrência. Revista de Arbitragem e Me-diação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010.64 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.p. 64-65

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cas, a confidencialidade da arbitragem deve prevalecer inclusive para o reconheci-mento de que o árbitro não tem o dever de comunicar à autoridade competente even-tuais infrações penais ou tributárias de que venha a ter conhecimento no exercício de seu munus. Mais que isso: ele tem o dever de não fazer tais revelações65.

Por outro lado, afirma Pedro Batista Martins que “o Estado não pode abrir mão é da concretiza-ção da justiça, no que toca seus elementos primários, essenciais e fundamentais”. E continua afir-mando que “a exclusividade da atuação estatal deve se dirigir ao controle dos vícios que violem os direitos fundamentais do ci-dadão e da coletividade, nomea-damente, a ordem pública rele-vante66. Para o autor, os árbitros se projetariam perante as partes como uma longa manus estatal, em um “verdadeiro exercício de munus publicum e, por esta ra-zão, estão submetidos a deveres e obrigações especiais”67.

Nesse oportuno – e conside-rando o referido exercício de mu-nus publicum pelo árbitro – cabe mencionar eventual extensão do dever de juízes reportarem cri-mes às autoridades competentes prevista no art. 40 do Código de Processo Penal68 aos árbitros, em uma análise conjunta com o art. 14 da Lei de Arbitragem69, segun-do o qual caberia aos árbitros os mesmos direitos e deveres dos juízes.

A esse respeito, Cretella Neto afirma que a lei de arbitragem equipararia os árbitros aos juízes de Direito70. Em sentido seme-lhante, Carreira Alvim afirma que “aplicam-se, no que couber, aos árbitros, o disposto na lei pro-cessual sobre os deveres e res-ponsabilidades dos juízes” 71-72 .

Parece haver argumentos re-levantes sustentando ambas as posições a respeito de even-tual dever de os árbitros re-portarem às autoridades com-petentes a ciência de crimes – dentre os quais se incluem os crimes contra a ordem econômi-ca dispostos na Lei nº 8.137/90.

A solução não parece de fácil solução, cabendo aos tribunais decidirem a respeito – caben-do aos tribunais analisarem a questão, decidindo-a de modo a pacificá-la.

3.2. Condutas UnilateraisPara condutas unilaterais,

i.e., abuso de posição dominan-te, também podem ser aplicadas analogamente as mesmas três hipóteses apresentadas acima: (i) arbitragens cujo objeto do lití-gio trata de condutas unilaterais ainda não investigadas e julgadas pelo CADE ou pelo judiciário; (ii) arbitragens cujo objeto do litígio seja condutas unilaterais que já tenham sido investigadas e jul-gadas pelo CADE ou pelo judiciá-rio; e (iii) arbitragens nas quais condutas unilaterais sejam iden-tificadas de forma incidental.

A primeira hipótese relaciona--se aos precedentes estrangeiros mencionados (Mitsubishi e Eco Swiss), em que se questionou a arbitrabilidade de questões con-correnciais. O exemplo clássico aqui é, pois, aquele mencionado

65 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.p. 6566 MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem no Di-reito Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. P. 32-33.67 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos so-bre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 216.68 Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos ne-cessários ao oferecimento da denúncia.69 Art. 14. Estão impedidos de funcionar como ár-bitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedi-

mento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabi-lidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como ár-bitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justifica-da quanto à sua imparcialidade e independência.§ 2º O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, en-tretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando: a) não for nomeado, direta-mente, pela parte; ou b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação.70 CRETELLA NETO, José. Comentários à lei de arbitragem brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 95.

71 ALVIM, J. E. Carreira. Comentários à Lei de Ar-bitragem (Lei nº 9.307, de 23/9/1996. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. p.104.72 Foram consultados outros comentadores à Lei de Arbitragem, como Pedro Batista Martins (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 9.) e Carlos Alberto Carmona (CARMO-NA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um co-mentário à Lei nº 9.307/96. 3ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2009.), mas nenhum aborda na aná-lise do art. 14 o dispositivo relacionado a eventual equiparação de deveres e responsabilidades dos árbitros e dos juízes.73 ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitra-gem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva (Coord.). Arbitragem Doméstica e Internacional: Estudos

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anteriormente, no qual A e B ce-lebram contrato de distribuição de um produto com cláusula de exclusividade, garantindo ainda o direito de A fixar o preço de revenda do produto.

Para José Gabriel de Almeida, “o tribunal arbitral não pode se escusar de aplicar o direito da concorrência em um determi-nado litígio. Essa inescusabilida-de [...] tem a ver com o caráter dispositivo, ou não, de determi-nadas normas da ordem públi-ca brasileira”73. Para o autor, o direito da concorrência deveria ser, inclusive, aplicado de ofício pelo tribunal arbitral74.

Sobre essa hipótese, cabem ainda dois comentários. O pri-meiro é o de que decisões de tri-bunais arbitrais sobre questões concorrenciais devem se res-tringir (i) às partes envolvidas e àqueles direitos disponíveis ob-jeto do litígio, nos termos do art. 47 da LDC, sob pena de anulação nos termos do art. 32, IV da Lei de Arbitragem e (ii) aos direitos disponíveis envolvidos , nos ter-mos do art. 1º da Lei de Arbitra-gem. O segundo é que, de acordo com o relatório da OCDE, ques-tões concorrenciais que surgem

em procedimentos arbitrais de-veriam ser levantadas ao longo do procedimento, ao invés de se dar na decisão final, de forma a garantir a resposta adequada das partes75 e evitar que sejam sur-preendidas com a decisão.

A segunda hipótese, qual seja, arbitragens cujo objeto do litígio seja condutas unilaterais que já tenham sido investigadas e jul-gadas pelo CADE ou pelo judi-ciário – assim como ocorreu na análise das condutas colusivas, – não carece de maiores exames, uma vez que as situações em que verificada são decorrentes de procedimentos previamente investigados pelas autoridades competentes e, por isso, não ha-veria o risco de a matéria não ser levada a conhecimento das auto-ridades competentes.

Por fim, analisa-se a terceira hipótese: a ocorrência de forma incidental de condutas unilate-rais em procedimentos arbitrais. Como afirmado por Laurence Idot, essa seria a hipótese mais comum de incidência de ques-tões concorrenciais em procedi-mentos arbitrais76.

Diferentemente das condutas colusivas, que são de maior gra-

vidade (eis que tipificadas na Lei de Crimes Econômicos), e tam-bém independem da verificação dos efeitos anticompetitivos (eis que se caracterizam como ilí-citos pelo objeto), as condutas unilaterais possuem menor po-tencial lesivo e também deman-dariam maior nível de investiga-ção para sua caracterização.

Para que seja configurada a ocorrência de abuso de posição dominante, é necessário (i) que seja comprovada a existência de poder de mercado no mercado específico relacionado à condu-ta e, adicionalmente, (ii) que seja comprovada a existência de efei-tos anticompetitivos decorren-tes do abuso do poder de merca-do. Portanto, ao menos que uma prática unilateral incidental fos-se objeto do procedimento ar-bitral e, portanto, de necessária análise pelo tribunal, dificilmen-te tal prática seria identificada pelos árbitros.

Assim, parece haver uma questão prática relacionada à comprovação do abuso de posi-ção dominante a impossibilitar a identificação pelos árbitros de tal ilícito. Ainda, não pare-ce haver obrigação de reportar

em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 208.74 “Um corolário da aplicação obrigatória do direito da concorrência é a aplicação de ofício desse mesmo direito. Pode acontecer que as partes não invoquem, perante o tribunal arbi-tral, o direito da concorrência. Mesmo assim, o tribunal arbitral está vinculado á aplicação do direito da concorrência, que deve ser invocado de ofício pelo referido tribunal“ (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Jo-aquim de Paiva (Coord.). Arbitragem Doméstica e

Internacional: Estudos em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 208.)75 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERA-TION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Com-petition 2010: Hearings. 2012. p. 9.76 IDOT, Laurence. Arbitration and Competi-tion. In: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO--OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse-ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012. p.5977 Sobre o tema, André Abbud afirma que “[...]

não é possível às partes interessadas em valer--se da arbitragem para solucionar seu litígio furtarem-se à incidência das normas nacionais sobre a questão – se pretendem que o laudo tenha efeitos nesse país. Ainda que os interes-sados pactuem a realização do processo arbi-tral no exterior, a eficácia do decisum no Bra-sil estará sempre subordinada à observância daqueles preceitos legais. Evita-se, com isso, sejam fraudadas normas integrantes da ordem pública nacional.” (ABBUD, André de Albuquer-que Cavalcanti. Homologação de Sentenças Ar-bitrais Estrangeiras. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 199)

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tais condutas às autoridades competentes, visto que – ao não configurarem crimes – não se enquadram no âmbito do dever previsto no art. 40 do Código de Processo Penal.

CONCLUSÕESA questão da arbitrabilida-

de de questões concorrenciais parece já ter sido superada em âmbito internacional e nacional, admitindo-se, no Brasil, que árbi-tros decidam a respeito de ques-tões concorrenciais. Todavia, a fim de se evitar generalizações, há que se diferenciar as distintas formas de incidência do direito da concorrência. Nesse sentido, a divisão metodológica proposta evidencia a diversidade de for-mas de interação entre o direito da concorrência e a arbitragem e, consequentemente, soluções diversas para cada caso.

Merece destaque o fato de que a legislação brasileira consi-dera crime determinadas práti-cas anticompetitivas, o que afeta consideravelmente as conclu-sões acerca da arbitrabilidade de questões envolvendo o direito da concorrência.

Portanto, nesse espectro de possíveis hipóteses de incidên-cia de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais, as soluções são igualmente diver-sas, devendo se levar em conta as características de cada conduta analisada, não podendo o direito da concorrência ser ignorado ou negligenciado.

Como agenda de pesquisa, vislumbra-se a necessidade do

aprofundamento do estudo es-pecialmente no que diz respei-to à eventual necessidade de os árbitros informarem às au-toridades competentes a exis-tência de condutas colusivas. Ainda que tenham fugido do es-copo do presente ensaio, mere-cem igualmente futura análise questões referentes (i) à homo-logação de sentenças arbitrais estrangeiras77 e a eventual revi-são de sentenças arbitrais pelo judiciário envolvendo questões concorrenciais, bem como (ii) à relação entre a confidencialida-de de procedimentos arbitrais e a ordem pública de questões de ordem concorrencial.

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* Bruno Bastos Becker Mestrando em Direito Comercial USP, advogado do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, diretor do Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul (IDERS). O autor agradece à doutoranda Giova-na Valentiniano Benetti pela cuidadosa revisão do texto do artigo, bem como ao advogado Rafael Xavier e a acadêmica Mariane Piccinin Barbieri pelos aten-tos comentários ao texto. Na pessoa de Rodrigo Fialho Borges, o autor também agradece o convite formulado pelo cor-po editorial da Revista Comercialista para participar desta obra.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1226

Em 18 de dezembro de 2013, o Governo do Estado de São Paulo anunciou a celebração do contrato de concessão pa-trocinada com o Consórcio MOVE1 para fins de construção e operação da linha 6 – Laranja – do metrô.2

A linha 6 – também conhe-cida como “linha das universi-dades” - já que cruzará regiões próximas à FGV (futura estação 14bis), Mackenzie, PUC e FAAP - teve sua importância ressal-tada pelo governador Geraldo Alckmin:

“A Linha 6-Laranja será inte-gradora e proporcionará mais sinergia ao transporte metro-ferroviário. A linha sairá de São Joaquim, passará pelas univer-sidades, cruzará o Rio Tietê e irá até Freguesia do Ó e Brasi-lândia. Trata-se de uma grande obra.” 3

Aparte da óbvia conota-ção política da relevância dada pelo governador à celebração deste contrato, a linha 6 tam-bém é um importante caso para fins de análise acadêmi-ca. Conforme se verá ao longo

deste estudo, trata-se do mais complexo4 contrato de parce-ria público-privada em mobili-dade urbana já celebrado pelo Estado de São Paulo.

Portanto, o estudo dessa li-nha de metrô evoca a análise de diferentes temas relativos aos grandes projetos urbanos, a saber: mobilidade urbana e sua conexão com outros seto-res sociais, parcerias público--privadas, diálogo institucio-nal, entre outros.

Todos esses temas serão abordados neste breve artigo5

Instrumentos Jurídicos e Diálogo Institucional nos Grandes Projetos de Mobilidade Urbana: o caso do PMI da linha 6 do metrô de São PauloPor Pedro do Carmo Baumgratz de Paula*

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 27Doutrina

com a finalidade de obter me-lhores entendimentos a respei-to de uma temática geral, qual seja: quais instrumentos jurídi-cos são capazes de auxiliar as políticas públicas a serem me-lhor concretizadas e assim in-crementar o desenvolvimen-to econômico e social do país? Esta pergunta ampla que nor-teia a presente pesquisa des-dobra-se em um questiona-mento mais específico: como a utilização dos Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs) - na celebração de PPPs - pode auxiliar ou prejudicar a realização de grandes projetos urbanos?

Para tentar responder às questões acima, é necessário analisar três grandes tópicos: a relevância e as peculiarida-des do setor de transporte pú-blico urbano no Brasil; a evolu-ção da celebração de contratos de PPPs no Brasil; e a perspec-tiva teórica do diálogo e do ex-perimentalismo institucional. A partir do estudo desses três tópicos será possível fazer uma breve, mas (acredita-se) bem informada, análise do caso do PMI da linha 6 do metrô e, com isso, retirar conclusões da re-

cente experiência prática do Estado de São Paulo.1. O Transporte Público Urbano e os investimentos em Infraestrutura

O deslocamento e a movi-mentação das pessoas no es-paço são condições para a re-alização das atividades em que estão envolvidas. Assim, a es-truturação de um sistema de mobilidade urbana efetivo e eficiente consiste em elemen-to central da organização e da evolução de uma sociedade. A mobilidade das pessoas e das mercadorias afeta a qualidade de vida da população, geran-do externalidades no desem-penho das atividades econô-micas. Não sendo concretizada de maneira adequada, ela pio-ra as desigualdades sócioespa-ciais e pressiona as já frágeis condições de equilíbrio am-biental nos espaços urbanos. (IPEA, 2011a)

De acordo com dados de percepção social do IPEA (2011b), nos grandes centros urbanos brasileiros, aproxi-madamente 60% da população se vê dependente do sistema de transporte público urbano. A mesma pesquisa aponta que

apenas 20% dos não-usuá-rios de transporte público não se tornaria usuário desta mo-dalidade sob nenhuma condi-ção. Podendo-se concluir, as-sim, que 80% dos usuários de meios de transporte privados o fazem em razão da ineficiên-cia na prestação (rapidez; pre-ço; e conforto são os principais fatores de ineficiência men-cionados) ou mesmo da insufi-ciência/inexistência de oferta de transporte público urbano.

A inadequação do servi-ço de transporte público urba-no às necessidades da popula-ção é um problema que afeta a maioria dos grandes centros urbanos brasileiros (IPEA, 2011a), mas é especialmente grave na região metropolitana6 de São Paulo (RMSP), cuja po-pulação estimada é de, apro-ximadamente, 20 milhões de pessoas ou 10,77% da popula-ção do país7 (VASCONCELLOS, 2005a). Destes, de acordo com pesquisa da Companhia do Metropolitano (METRO, 2007), 55,3% são usuários do sistema de transporte público urbano, ao passo que 44,7% se valem de meios privados de transporte8. O tempo médio de percurso

1 Composto pelas empresas Odebrecht, Queiroz Galvão, UTC Participações e Fundo Eco Realty.2 Conforme noticiado, entre outros meios, pelo jornal Estado de São Paulo: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,alckmin-anuncia-li-nha-6-para-2018-e-fala-de-demora-em-obras--do-metro,1110071,0.htm 3 Trecho retirado do site de informações gerais sobre a linha, da Secretaria de Transportes Metro-politanos: http://www.stm.sp.gov.br/index.php/obras/parcerias-publico-privadas-ppp/linha-6

4 As justificativas desta qualificação serão expos-tas no tópico pertinente.5 Muito embora a estrutura textual do presente estudo seja de artigo científico seu conteúdo e “espírito” se aproximam aos de um ensaio (tam-bém acadêmico) exploratório, em virtude de ex-plorar tema recente e sugerir encaminhamentos de pesquisa mais detalhada que só poderão ser efetuados com o decorrer do tempo.6 Ou mesmo “macrometropolitana”, já que con-globa 4 regiões metropolitanas cuja distância

entre bairros com, no mínimo, 72 moradias não ultrapassa 14 kilômetros. Ver EMPLASA, 2013. 7 Números depreendidos dos dados estimados pelo IBGE disponíveis em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/estimativa.shtm , acesso em 10 de junho de 2012.8 Interessante destacar que este números, apu-rados em São Paulo no ano de 2007, são bastante próximos àqueles constatados em 2011 pelo IPEA em pesquisa de percepção social (IPEA 2011b), quando o objeto de estudo eram os grandes cen-

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por viagem no transporte pú-blico, na RMSP, é de 67 minu-tos enquanto no transporte in-dividual é de 31 minutos.

A atual situação, no Brasil e em São Paulo, foi assim sin-tetizada em relatório elabora-do pela revista The Economist (ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT, 2011):

“Em 2010, o produto inter-no bruto do Brasil (PIB) cresceu 7,5% em termos reais (a taxa mais elevada em 25 anos). De-pois de desacelerar para cerca de 3,6% em 2011, o Economist Intelligence Unit prevê um crescimento médio anual de 4,5% no médio prazo.

O desenvolvimento da infra-estrutura de transporte público urbano está aquém ao cresci-mento econômico há décadas. As redes de metrô servem, rela-tivamente, a poucos; os ônibus são quase sempre de baixa qua-lidade e lotados, além de com-petir por espaço com os carros particulares. Dadas essas con-dições, a classe média, em rá-pida expansão, escolheu carros e motocicletas como principal meio de transporte.

A infraestrutura de trans-portes é inadequada neste país de dimensões continentais. (…)

O metrô de São Paulo, o úni-co sistema no Brasil que atin-ge altos padrões de qualidade, possui somente 74 km de ex-tensão, para servir uma região metropolitana de 20 milhões de habitantes espalhada por uma área de 8 mil km2. O Rio (popu-lação: 11,5 milhões) possui me-nos de 50 km. Por comparação, Madri oferece 300 km de tri-lhos para servir a uma popula-ção de 5 milhões de habitantes, enquanto a área metropolitana de Nova York (população: cerca de 19 milhões) possui mais de 400 km de trilhos subterrâneos.

A discrepância é parcial-mente o resultado de um início tardio na construção de siste-mas subterrâneos. O sistema de metrô de Londres funciona desde 1863, enquanto a primei-ra linha de São Paulo foi inau-gurada em 1974. Mas a Cidade do México começou a construir seu sistema de metrô à mesma época que São Paulo e, agora, possui três vezes mais trilhos.” (p. 3-5)

Estes indicadores das defi-ciências do serviço de trans-porte público urbano no Brasil e na RMSP refletem, em grande medida, a falta de investimen-tos no setor a partir da segun-da metade da década de 19809 até o final dos anos 9010, assim como o crescimento da opção pelo transporte individual (BN-DES, 1997; IPEA, 2011a11; NO-BRE, 2004; VASCONCELLOS et al., 2011).

De acordo com a literatu-ra (VASCONCELLOS et al, 2011; GOMIDE, 2008), para além da falta de “vontade política”, a re-dução nos investimentos se deveu, principalmente, a dois fatores: a crise fiscal dos anos 80, e a municipalização e con-sequente desvinculação de re-cursos federais ao financia-mento de transportes públicos operada pela Constituição Fe-deral de 198812.

Tendo em vista esses pro-blemas, bem como a extin-ção da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), foi criado na Secretaria Espe-

Doutrina

tros urbanos brasileiros; o que reforça a credibili-dade de ambas pesquisas.9 “Se entre meados da década de 1970 e 1980 parecia haver considerável oferta de recursos federais para o financiamento de planos, infra-estrutura e sistemas de transportes urbanos, na segunda metade dos anos 1980 e início dos anos 1990 houve uma estiagem nas fontes de recursos. Segundo Lima (1992), a receita tarifária e os re-cursos orçamentários (formado por arrecadação de tributos não vinculados) teriam constituído as principais fontes de financiamento do transporte público urbano até início dos anos 1980.Com a crise fiscal do estado, a partir de 1982, a estiagem de fundos setoriais de financiamento suscitou a discussão em torno de fontes alterna-

tivas de financiamento (como taxas de transporte, contribuições de melhoria, selo pedágio, taxas de acessibilidade, títulos de privatização etc.) e a re-discussão do próprio conceito de tarifa e sua rela-ção com teoria da produção no setor de transpor-te urbano (LIMA, 1992).Embora a tarifa assumisse, cada vez mais, o papel da principal e mais permanente fonte de recur-sos, a fim de cobrir despesas de operação e cus-teio do transporte urbano, a falta de fontes extras de financiamento estáveis para provisão de infra-estrutura adequada e a ausência de uma política de financiamento para o setor conduziram à es-tagnação quase total dos investimentos ao longo da década de 1990.” (VASCONCELLOS et al., 2011, p. 40)

10 “Embora as recomendações da política de transportes, desde pelo menos a década de 70 apregoem a prioridade ao transporte coletivo, o que se constata, de um modo geral, é justamente um aumento do transporte individual e uma que-da do transporte realizado tanto por ônibus como sobre trilhos, notadamente quando comparados à evolução da população. (…) A política de finan-ciamento sofreu, no entanto descontinuidades, a partir da década de 80, quando as dificuldades apresentadas ao financiamento do setor público impediram de se atingir as metas previstas de in-vestimento no setor ferroviário, além de restrin-gir também o financiamento aos Estados e Mu-nicípios, responsáveis, basicamente, pelo sistema rodoviário de passageiros.” (BNDES, 1997, p. 6-7)

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cial de Desenvolvimento Ur-bano da Presidência da Repú-blica, no ano 2000, um grupo (GTrans) para estudar e pro-por soluções para o transpor-te público urbano no Brasil. Este grupo, aliado a uma sé-ria de eventos que o seguiram, como as manifestações po-pulares contra o aumento das passagens de ônibus de 2003, a atuação da Frente Parlamen-tar do Transporte Público, a criação do Movimento Nacio-nal pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para To-dos (MDT), a criação do Gru-po de Trabalho de Transporte Urbano do Comitê de Articu-lação Federativa da Subche-fia de Assuntos Federativos da Casa Civil13, gerou estudos e projetos que culminaram com o anúncio – por parte do Mi-nistro das Relações Institucio-

nais, na reunião geral da Frente Nacional de Prefeitos em 2007 – do envio pelo Presidente da República de um projeto de lei de diretrizes da política de mo-bilidade urbana ao Congresso Nacional. (GOMIDE, 2008) Este projeto, após prolongado pro-cesso legislativo, instituciona-lizou-se pela publicação da lei 12.587 de 2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilida-de Urbana.

Na mesma oportunidade em que foi anunciado o projeto que deu origem à Política Na-cional de Mobilidade Urbana (em 2 de agosto de 2007), o Mi-nistro das Cidades anunciou a intenção do governo federal de formular o “PAC da Mobilidade Urbana”. (GOMIDE, 2008)

Curiosamente, o que veio a tornar-se o “PAC2-Mobilida-de Urbana” também somente

se consolidou no ano de 2012,14 quando diversos investimentos em mobilidade urbana foram anunciados por meio das Por-tarias 185 e 328 de 2012 do Mi-nistério das Cidades.

Paralelamente aos projetos federais, mas pelos mesmos motivos, o Estado de São Pau-lo, em 199715, lança o Plano In-tegrado de Transportes Urba-nos (PITU-2020) para a Região Metropolitana de São Paulo16. O PITU 2020 possui metas de promoção do desenvolvimento urbano via melhoria na mobi-lidade e com foco em: investi-mentos em infraestrutura; me-didas de gestão em transporte; medidas de gestão no trânsito; e política de preços.17

O Plano prevê R$30 bilhões de investimentos até 2020 em medidas de melhoria do trans-porte, dos quais mais de R$21

Doutrina

11 De acordo com esta pesquisa, em 1977 os meios de transporte particulares (automóveis, taxis e “outros”) representavam 34% dos modais utiliza-dos nos centros metropolitanos do Brasil, ao pas-so que esse número cresceu para 49% em 2005.12 Exceção feita à CIDE-Combustíveis, que tem a infraestrutura de transporte público como uma das três possíveis destinações de parte de sua ar-recadação, sendo esta destinação obrigatória no tocante aos repasses aos Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme se vê nos artigos 177, § 4o e 159, III da Constituição Federal de 1988. 13 “O grupo de trabalho foi integrado por, além de integrantes da Casa Civil, representantes da Fren-te Nacional dos Prefeitos, da Associação Brasilei-ra de Municípios, da Confederação Nacional dos Municípios, do Fórum Nacional de Secretários de Transporte, e dos Ministérios das Cidades, Minas e Energia, Trabalho e Emprego, e Fazenda.” (GO-MIDE, 2008, p. 14)14 No início de 2011, o Governo Federal brasileiro lançou o Programa de Aceleração do Crescimento da Mobilidade Urbana (como parte do que ficou conhecido como PAC2), em que inicialmente se comprometeu a investir R$18 bilhões (R$6 bilhões

via recursos diretos e R$12 bilhões via financia-mento aos Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios) em infraestrutura de transporte pú-blico urbano em municípios com população su-perior a 700 mil habitantes; mais especificamente em obras e equipamentos de corredores de ôni-bus, veículos leves sobre trilhos, trens urbanos e metrôs. Em abril de 2012 o montante a ser investi-do foi aumentado para R$32 bilhões (R$22 bilhões da União e R$10 bilhões dos Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios). A portaria n. 185 de abril de 2012 do Ministério das Cidades formali-zou a seleção de 32 projetos de infraestrutura de transporte público urbano (em sua totalidade são projetos que envolvem trens urbanos, metrôs, VLTs e BRTs, corredores de ônibus, entre outros modais dependentes de infraestrutura própria e com alta eficiência energética) de 22 municípios brasileiros para receber verbas federais em forma de repasse direto e financiamento. A população total dos municípios agraciados é de aproxima-damente 45 milhões de habitantes, ou 24% da população do país. A segunda etapa do PAC2 foi instituída pela portaria n. 328 de 2012, para cida-des médias (com população entre 250 e 700 mil

habitantes/IBGE2010), com montante de R$ 7 bi-lhões a ser investido nas mesmas áreas de infra-estrutura do PAC2 grandes cidades.15 Embora se saiba que o PITU foi criado ante-riormente a 1997, é somente nesse ano que surge o PITU-2020, marco do planejamento de trans-porte na RMSP, por essa razão optou-se por dar ênfase a essa versão do Plano e não à sua prede-cessora. No mesmo sentido: “O embrião do PITU, desenvolvido no ano de 1993, orientou os investi-mentos no sistema de transportes da capital pau-lista até 2010. Entretanto, sua maior contribuição foi ter dado origem ao PITU-2020, que se tornou uma referência no planejamento estratégico dos transportes na RMSP.” (ESTADO DE SÃO PAULO, 2006b, p. 22)16 Atualmente há dois planos para a RMSP (o PITU 2020 foi atualizado após a edição do Estatuto da Cidade e da realização do Censo de 2000 e passou a ser o PITU 2025), um para a Região Metropolita-na da Baixada Santista e outro para a Região me-tropolitana de Campinas: http://www.stm.sp.gov.br/index.php/planos-e-projetos/pitu.17 PITU 2020, disponível em http://www.stm.sp.gov.br/index.php/o-pitu-2020.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1230

bilhões serão destinados à rede metroviária (implantação de li-nhas de metrô subterrâneo, metrô em nível e metrô leve ou veículo leve sobre trilhos [VLT]). O PITU-2025, atuali-zação e continuação do PITU-2020, prevê investimentos da ordem de R$ 48 bilhões, dos quais – aproximadamente – R$ 30 bilhões se destinam à rede metroviária, encontrando-se a diferença aproximada de R$ 9 bilhões justamente nos inves-timentos previstos para entre 2020 e 2025. (ESTADO DE SÃO PAULO, 2006a, p. 11)

Tanto o PAC2-Mobilidade Urbana quanto o PITU-2020 e o PITU-2025 inserem-se em um contexto de tentativa dos governos Federal e Estadual de prover a imensa demanda por infraestrutura (nesses casos infraestrutura de mobilidade urbana) que afeta o país. Essas medidas compõem um quadro ainda maior de investimen-tos em infraestrutura geral no Brasil. A defasagem da infra-estrutura brasileira em diver-sos setores como saneamen-to, energia, telecomunicações,

mobilidade urbana, ferrovias, portos, entre outros, é paten-te e os inúmeros investimentos para fornecê-la18 compõem um esforço de tentativa de suprir o hiato entre a infraestrutura necessária para o crescimento econômico do país e a disponí-vel. (TORRES e AROEIRA, 2010)

É nesse contexto que se in-sere a contratação da linha 6 e o presente estudo. Busca-se analisar uma das formas de se contratar obras e serviços de infraestrutura de transporte público urbano, mais especifi-camente de se contratar obras e serviços de metrô. Portanto, a seguir será abordado o sur-gimento das Parcerias Públi-co-Privadas para o provimento desses serviços no direito bra-sileiro. Após, serão levantados os principais aspectos desse modelo jurídico e as questões institucionais mais relevantes no caso da linha 6 - laranja.

2 - Características e condições de implantação do modelo de PPPs

Atualmente, é clara a prefe-

rência dada pelos órgãos na-cionais (federais, estaduais ou municipais) e internacionais à adoção de PPPs em infraestru-tura de transporte público de massa e, em especial, de me-trô.19 O que se deve a justifica-tivas de diversas ordens.20

No plano político-econômi-co, busca-se justificar a ado-ção das PPPs, via de regra, por questões de eficiência e de inovação. Alega-se que as PPPs promovem acesso a novas for-mas e fontes de financiamento e a novas tecnologias, viabili-zando inovações e melhoran-do a prestação e a manutenção do serviço. (BANCO MUNDIAL, 2012b)

De acordo com Trebilcock e Daniels (1996), um dos prin-cipais fatores de eficiência de prestação de serviços públicos por meio de parcerias com o setor privado encontra-se, pa-radoxalmente, na – via de regra - maior dificuldade de acesso a crédito que os parceiros priva-dos enfrentam. Essa dificulda-de de acesso a crédito faz com que o financiamento de proje-to proposto pelo parceiro pri-

Doutrina

18 Um bom panorama do que está acontecendo foi o mapeamento feito pelo caderno especial “Infraestrutura”, junho de 2013, do jornal “Valor Econômico” (doravante “VALOR, 2013”). Neste documento relata-se os investimentos da ordem de R$1 trilhão que estão sendo ou que ainda serão realizados no Brasil para suprir a demanda por in-fraestrutura em diversos setores no país.19 Essa afirmação decorre da existência de diver-sas PPPs em metrô no país, sendo licitadas ou pla-nejadas (vide projetos em São Paulo, Recife, Salva-dor, entre outras mencionadas na portaria n. 185 de 2012 do Ministério das Cidades), mas também de documentos propositivos do Banco Mundial, OCDE e IFC (braço financeiro do Banco Mundial),

respectivamente: “Public-Private Partnerships Reference Guide”, “Transport Infrastructure In-vestment: options for efficiency” e “Handshake: IFC’s quarterly journal on public private partner-ships. Vol. 7” (BANCO MUNDIAL, 2012b; OCDE, 2008; IFC, 2012).20 Nesse sentido, Delmon (2010, p. 8): “The de-cision to adopt PPP must be political, first. The government must consider the political and so-cial implications of PPP and whether there is sufficient political will to implement PPP. Next, consideration needs to be given to the institu-tional, legal and regulatory context - the extent to which government institutions have the needed skills and resources, the financial and commercial

markets have needed capacity and appetite, and laws and regulations encourage or enable PPP - and whether changes need to be made to the in-stitutional, legal and regulatory climate in order to provide the right context for PPP. Once these basic issues have been addressed, those design-ing the PPP solutions available to policymakers must consider the most commercially and fi-nancially viable and appropriate structures. This must involve consideration of cost benefit, value for money, the sources of finance, the commer-cial arrangements, the nature of investors and government participants, and a variety of other circumstances that need to be addressed in the design of appropriate PPP structures.”

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vado seja submetido a análises criteriosas pelos financiadores quanto a sua qualidade, renta-bilidade e performance, o que culmina por incrementar a performance do serviço.21

Do ponto de vista jurídico, diz-se que as razões para ado-ção do modelo de PPPs no Bra-sil se ligam à necessidade de promover investimentos em infraestrutura sem impactar o nível de endividamento estatal e de viabilizar acesso a inves-timentos privados em serviços deficitários, cujas tarifas pos-sam ser complementadas por contrapartidas públicas. (RI-BEIRO e PRADO, 2010; MAR-QUES NETO, 2011)

Para além de justificativas para a adoção deste modelo de contratação, entidades in-ternacionais (BANCO MUN-DIAL, 2012b; OCDE, 2008; IFC, 2012) bem como a literatu-ra econômica (DE JONG et al,

2010; DELMON, 2010) e ju-rídica (WILLOUGHBY, 2013; MEYER e ENEI, 2004; TREBIL-COCK e ROSENSTOCK, 2013), estabelecem condições insti-tucionais para a viabilidade da celebração de parcerias pú-blico-privadas para fins de fi-nanciamento de projetos. De maneira geral, essas condi-ções institucionais podem ser resumidas nos seguintes re-quisitos22:

• Possibilidade de criação de uma sociedade de propósito específico (SPE);

• Desimpedimento do funcio-namento dessa SPE nas ativida-des relacionadas ao projeto;

• Possibilidade de forneci-mento de subsídios do gover-no ao parceiro privado;

• Viabilidade de transferên-cia de recursos, financeiros ou não, para o parceiro;

• Sistema judiciário impar-cial e eficiente;

• Legislação que permita di-visão objetiva de riscos;

• Asseguração legal do rece-bimento das tarifas;

• Previsão legal - transparen-te e imparcial - de procedimen-tos licitatórios e contratuais;

• Viabilidade de comprome-timento do orçamento público por longos períodos;

• Experiência dos órgãos go-vernamentais com contrata-ções;

De acordo com a literatura jurídica brasileira (SUNDFELD, 2011; MARQUES NETO e SCHI-RATO, 2011; RIBEIRO e PRA-DO, 2010; MONTEIRO, 2009; RIBEIRO, 2011), a lei 11.079 de 2004 trouxe diversos meca-nismos para viabilizar o aten-dimento destes requisitos (al-guns já se viam presentes no ordenamento jurídico brasi-leiro, mas foram também apli-cados às concessões adminis-trativas e patrocinadas; outros

Doutrina

21 Esse aparente paradoxo é esclarecido da se-guinte forma: “(...) both the design and construc-tion functions are highly sensitive to incentives created by the nature of the financing function. The nature of these cross-function incentives effects (interdependencies) are key to under-standing what superficially may appear to be one of the major mysteries of private sector fi-nancing of infrastructure projects. In most cases, private sector financing will carry a higher cost of capital than government financing, simply be-cause the default risk on sovereign debt (given that governments have access to the entire tax-payer base) is obviously lower than for a private sector infrastructure provider, where the cost of capital will reflect both project-specific risks and its de jure or de facto limited liability. Thus, if the financing function were viewed in isolation from the other functions, given the lower cost of sovereign debt relate to private sector debt, we should see governments financing all activ-ities in the economy. The fact that they finance

vey few of these activities, at least in a market economy, requires an explanation. In the pres-ent context, the explanation appears to lie in the fact that while the cost of capital to the private sector infrastructure provider will be higher than the cost of an equivalent amount of capital to the government (which has the same access to private capital markets), offsetting efficiency gains from the other functions performed by the private sector provider are influenced positively by virtue of the fact that it is bearing the finan-cial risk on the project. However, this trade-off in turn depends upon how the capital investment is to be recouped. If the investment must be re-couped from competitively determined revenues from the project, then this will create socially appropriate incentives with respect to the de-sign, construction, operation, and maintenance of projects. While it may be true that govern-ments and private sector infrastructure develop-ers borrow capital from the same sources, lend-ers’ incentives with respect to the private sector

project financing are sharply different. With the government as borrower, lenders can ignore project-specific returns, given that lenders ul-timately have access to the governments’ entire tax and asset base. With project financing, proj-ect returns become central; lenders are likely to screen development consortia more carefully before lending, to insist on adequate security and financial penalties against non-completion or default, and to monitor performance more closely through the inclusion of numerous, tai-lored covenants than they would if they were lending to government which in turn then fi-nanced the project, thus significantly improving the performance of the infrastructure provider.” (TREBILCOCK e DANIELS, 1996, p. 401-402)22 As principais características do modelo suge-rido por entidades internacionais e pela literatura jurídica e econômica foram mapeadas em revisão de literatura e são apresentadas de forma esque-mática por razões de adequação aos propósitos desse texto.

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decorrem de amadurecimento institucional mais amplo que a simples positivação de uma lei, como, p.e., a garantia de um sistema judiciário imparcial e eficiente), entre os quais po-de-se mencionar as mais im-portantes inovações e aplica-ções23:

• Possibilidade de contra-partida pecuniária pública ao concessionário privado (i.e. complementação de tarifa de serviços deficitários);

• Existência de mecanismos de garantia do parceiro públi-co ao privado;

o Entre os quais encontra--se a possibilidade de criação de “Fundos Garantidores de Parcerias”;

• Possibilidade de previsão de cláusula arbitral;

• Permissão de utilização do “procedimento de manifesta-ção de interesse”;

• Remuneração vinculada ao desempenho;

• Possibilidade de conjuga-ção, em um mesmo contrato, de obra pública e concessão de serviço público;

No entanto, a lei parece re-presentar apenas a institucio-nalização de um projeto - já em curso desde o final dos anos 90 - de adoção de um mode-lo de parcerias público-priva-

das (SUNDFELD, 2011b; MON-TEIRO, 2009).

Independentemente da par-ticipação de financiadores ex-ternos, o modelo – conforme já exposto acima – vem sen-do cada vez mais utilizado pelo Estado de São Paulo na contra-tação de serviços de transpor-te público urbano dependente de infraestrutura, o que justifi-ca a relevância de melhor com-preender seus instrumentos, vantagens, problemas, possibi-lidades e limitações.

3 - PPPs, experimentalismo, diálogo e aprendizado institucional

Ao estudar a crise financei-ra de 2007 e as possíveis so-luções institucionais dispo-níveis, Unger e Lothian (2011) criticam o dualismo simplis-ta entre mais ou menos re-gulação/intervenção que se-guiu a crise no debate político e jurídico. Os autores se va-lem da experiência norte-a-mericana do New Deal para mostrar como pouco se utiliza dos aprendizados históricos e como há falta de imagina-ção institucional nas soluções propostas recentemente para a crise.

Muito embora os objetivos centrais do mencionado estu-do consistam em mudanças es-truturais no sistema financeiro e, com isso, na sociedade como um todo, as propostas partem da premissa de que mudanças benéficas advém de arranjos institucionais que - ao invés de proibir, isolar ou limitar – es-timulam a imaginação institu-cional por meio de diálogos en-tre atores públicos e privados e mesmo entre diversos atores públicos ou privados.

Outra importante premissa adotada por Unger e Lothian (2011), para os fins da análise aqui realizada, é que as distin-ções entre sistemas político e econômico mostraram-se ex-tremamente tênues e artifi-ciais com o advento da crise, estando tais sistemas cada vez mais imbricados.

Para além da ideia de inova-ção e experimentalismo insti-tucionais subjacentes à pro-posta de Unger e Lothian, outro importante paradigma de democracia experimenta-lista está na teoria do apren-dizado institucional propos-ta por Sabel e Reddy (2007)24. Os autores colocam a seguin-te questão: “porque devemos aprender a aprender?” para a qual trazem a resposta.

Doutrina

23 Reitera-se, aqui, as ressalvas feitas na nota de rodapé n. 28.24 A noção de aprendizado institucional fica explicitada no seguinte trecho que trata de um modelo hipotético de política de subsídios: “It is possible to sketch the kernel of a two-level eco-nomic-development framework that encourag-es constraint-relaxing learning-offered only as

an example. At the ‘top’, a benchmarking com-mittee of the relevant government entities and qualified private actors collaborates with po-tential users to establish the initial substantive and procedural criteria for participation and defines the initial metrics by which applications are to be ranked. At the ‘bottom’, project groups – whose members can be public or private enti-

ties or partnerships of both – compete to pres-ent projects that score highly under the emer-gent criteria. ‘Top’ and ‘bottom’ are in quotation marks because the relation between them is cyclical, not hierarchical: one entity proposes a framework for action, the other revises the proposal in enacting it, the first responds to the revisions, and so on. Lead actors dominate early

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“Uma justificativa para fa-vorecer arranjos experimen-talistas é que eles podem nos permitir solucionar melhor problemas que encontramos. Podemos confiar nesse resulta-do em razão da eficácia prática de abordagens experimentais que já podem ser constatadas no mundo e porque tais arran-jos estão mais próximos em forma e essência aos requisitos inerentes ao processo de solu-ção de problemas sob condi-ções de incerteza.

Uma justificativa mais pro-funda, entretanto, é que a de-mocracia favorece e é favoreci-da pelo experimentalismo. Isso é verdade pois o experimenta-lismo requer abertura e abertu-ra requer democracia. Também é verdade porque, para flores-cer, o experimentalismo requer a quebra de limites sociais à comunicação e a existência de igualdade procedimental de trabalho.” (p. 90, tradução livre)

Desse modo, acredita-se que uma maneira de promover melhores formas de regulação e de melhor entender o merca-do regulado, bem como as inú-meras interconexões entre as diversas políticas públicas con-comitantes levadas a cabo pelo Estado, é por meio de abertura e criação de fóruns de debate com os diversos atores.

Acredita-se que alguns ins-trumentos das PPPs são aptos a criar estes fóruns e a efetiva-mente promover diálogo insti-tucional. Entre eles estão o pro-

cedimento de manifestação de interesse e a consulta pública.

De acordo com Pereira et al (2012):

Uma das estratégias ao dis-por do poder público para ob-ter as informações e análises consolidadas nos estudos de viabilidade, a fim de decidir sobre a contratação ou não de uma PPP e a publicação do respectivo edital, é o chamado Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI).

O PMI é um instrumento que institucionaliza o diálogo público-privado a respeito de um projeto de interesse públi-co a ser concedido à iniciativa privada. Por intermédio desse instrumento, o setor público obtém, de consultores ou dire-tamente das empresas interes-sadas em disputar futuros con-tratos de concessão, os estudos de viabilidade sobre projetos de infraestrutura que estão na agenda da tomada de decisão do Estado.

Em outras palavras, o PMI é um convite do poder públi-co para que a iniciativa privada interessada possa apresentar, por sua conta e risco, análises e propostas sobre um projeto de interesse público que, no futu-ro, poderá ser licitado. (p.6)

Por meio do PMI, conforme pode-se depreender da cha-mada pública 1/2011 do PMI para a linha 6 do metrô, publi-cada no Diário Oficial do Es-tado de São Paulo no dia 5 de outubro de 2011, o parceiro pú-blico abre a possibilidade de qualquer interessado se mani-

festar sobre os projetos bási-cos de eventual PPP. Essa aber-tura vem sem custos adicionais para o Estado, vez que este es-tabelece um teto de ressarci-mento aos estudos que forem efetivamente aproveitados, mas quem arcará com tal res-sarcimento será o vencedor na licitação; ou seja o próprio par-ceiro privado interessado.

Além de eventuais parcei-ros privados no projeto em si, a abertura para envios de pro-jetos é feita a todos interessa-dos. Sendo assim, grupos orga-nizados que tenham interesse em enviar projetos (p.e. estu-dantes e/ou empresas júniores de engenharia e arquitetura; ONGs, etc), são partes legíti-mas para tanto.

Já a consulta pública, ao con-trário do PMI que é uma facul-dade, é um requisito obrigató-rio previsto no artigo 10, inciso VI da lei 11.079/2004. Por meio desse dispositivo exige-se que a minuta do edital seja publi-cada na imprensa oficial e seja colocado à disposição de qual-quer interessado a possibilida-de de enviar sugestões.

Conclui-se, assim, que as PPPs podem ser formuladas e discutidas com auxílio de dois canais de diálogo institucional, um obrigatório e outro faculta-tivo.

A seguir far-se-á uma des-crição dos acontecimentos da linha 6 até o momento com a concomitante análise dos pressupostos teóricos expos-tos até esse momento.

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4 – A linha 6 do metrô de São Paulo: o diálogo, a experimentação e as falhas

Em 05 de outubro de 2011, o Estado de São Paulo publicou a chamada pública 1/2011 con-vocando interessados a apre-sentar projetos de viabilidade para eventual linha de metrô ligando a estação São Joaquim à região da Brasilândia.

Essa chamada foi motivada pela manifestação de interesse privado (MIP) promovida pela Odebrecht Transport Partici-pações S/A em que a empresa sugeriu a criação de uma linha de metrô nos moldes do que foi publicado nesse edital.

O edital descrevia as carac-terísticas gerais para apresen-tação de projetos de viabilida-de nos seguintes termos:

“1 – Descrição e Caracterís-ticas gerais do empreendimen-to: linha 6 laranja do metrô de São Paulo

TraçadoA linha 6 – Laranja deverá

ligar a região noroeste de São Paulo ao Centro Expandido, fa-zendo articulação de linhas de ônibus das regiões atendidas propiciando a reorganização do transporte coletivo. Além disso, deverá reduzir a saturação dos eixos de transporte existentes,

como as linhas 3 – Vermelha e 11 – Coral, ampliando as conexões com a rede metroferroviária.

Características Físicas e Operacionais

Na configuração detalhada, o trecho prioritário da linha 6 – Laranja inicialmente contará com 13,5km descontado a ex-tensão das vias referentes ao pátio de manobras e guarda da frota de trens e de manobras no final da linha. Considerando es-tes segmentos de operação não comercial, toda a extensão do trecho possui 15,9km, com as seguintes características ope-racionais:

- A demanda esperada para o trecho prioritário da Linha 6 – Laranja, nas simulações re-alizadas pelo Metrô, apontam para um carregamento total de aproximadamente 600 mil pas-sageiros por dia útil. Os carre-gamentos nos trechos críticos apontados na modelagem fo-ram de 33 mil usuários na hora pico, na Estação Santa Marina, sentido Brasilândia – São Joa-quim, e 21 mil usuários na hora pico, na Estação Higienópolis--Mackenzie, sentido São Joa-quim – Brasilândia.

- Tempo de ciclo completo (incluindo manobras nas esta-ções finais) = 50 minutos;

- Velocidade comercial final = 33,6 km/h

- Viagens na hora pico ma-nhã = 21;

- Intervalo entre as partidas na hora pico manhã = 171 se-gundos;

- Frota operacional = 18 trens;

- Frota total = 20 trens.Trechos AdicionaisNo Plano de expansão do

Metrô, há a previsão de 02 ex-tensões para esta linha, a saber:

Trecho Bandeirantes – Bra-silândia, com aproximadamen-te 6,1km, continuando da re-gião da Brasilândia/Pátio em direção à Rodovia Bandeirantes e atendendo ao Centro de Con-venções Pirituba.

Trecho São Joaquim – Cida-de Líder, com extensão aproxi-mada de 14,5km e 13 estações [...], estendendo a Linha 6 em direção à Zona Leste, atenden-do áreas com reconhecida defi-ciência de transporte.”

Após a publicação do edi-tal de chamada pública para o PMI, três projetos foram rece-bidos conforme noticiado no portal PPPBrasil26:

“O Chamamento Público 1/2011, divulgado pelo Estado de São Paulo em 05/10/2011 e que obteve estudos de viabilidade para a PPP da Linha 6 - Laranja da Rede Metroviária de São Pau-lo de 3 (três) empresas interes-sadas, teve como resultado final o aproveitamento de 67,80% dos estudos apresentados.

project rounds; weaker actors come to the fore in later ones. After each round, the selection criteria, benchmarks, and institutional arrange-ments are adjusted to reflect improved mea-sures of performance and a richer operational understanding of success. There is thus public learning as well as learning by private agents.

Because the implicit theory of economic de-velopment – expressed in the operationally ap-plied selection criteria – is revised in light of the means chosen to pursue them – the pooled ex-perience of actual projects – we can call these arrangements ‘experimentalist’.” (p. 85)25 Procedimento diverso do PMI, trata-se de MIP

quando o ente privado “provoca” o ente pública acerca de eventual serviço ou obra a serem exe-cutados.26 Notícia disponível em http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/modelagem-final-da-linha-6-do-metrô-de-são-paulo-aproveitou-6780-dos-estudos-de-viabilidade- .

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As empresas participantes do Procedimento de Manifesta-ção de Interesse (PMI) terão di-reito ao ressarcimento total de R$ 5.152.800,00 (cinco milhões cento e cinquenta e dois mil e oitocentos reais) em função dos estudos de viabilidade aprovei-tados na modelagem final do projeto.

Os estudos da Galvão Enge-nharia S.A. e Somague Engenha-ria S.A. foram aproveitados em um percentual de 20,29% do to-tal utilizado, cabendo um ressar-cimento de R$ 1.045.601,00 (um milhão, quarenta e cinco mil e seiscentos e um reais). Dos estu-dos apresentados pela Constru-tora Queiroz Galvão S.A., foram aproveitados em um percentual de 35,65% do total utilizado, ca-bendo um ressarcimento de R$ 1.837.193,00 (um milhão, oitocen-tos e trinta e sete mil e cento e noventa e três reais). Por sua vez, os estudos apresentados pela Odebrecht Transport Participa-ções S.A. foram aproveitados em um percentual de 44,05% do to-tal utilizado, cabendo um ressar-cimento de R$ 2.270.005,00 (dois milhões, duzentos e setenta mil e cinco reais).”

Após a divulgação do apro-veitamento dos projetos, foi realizada uma audiência públi-ca em que se responderam a perguntas de pessoas presen-tes representantes dos meios de comunicação, bancos, cons-trutoras, sindicatos de metro-viários e cidadãos em geral.

Uma vez realizada a audiên-cia pública, foi publicado o edi-tal de consulta pública em ou-tubro de 2012, que resultou no

edital de concorrência públi-ca internacional 1/2012 com previsão recebimento de pro-postas para até maio de 2013. Contudo, devido ao grande nú-mero de questionamentos rea-lizados pelas empresas, foi ne-cessária a ampliação do prazo até 31/07/2013, quando a lici-tação foi considerada deserta (sem proponentes).

Após tal fato, o edital foi re-publicado em 13/09/2013, com data para apresentação de propostas no dia 31/10/2013 às 14:00. Nessa oportunida-de, o único licitante interessa-do foi o Consórcio MOVE que, nos termos da ata de julga-mento divulgada em dezembro de 2013, foi considerado apto e sagrou-se vencedor.

O contrato celebrado entre o Estado de São Paulo e o Consór-cio MOVE tem o valor de R$9,6 bilhões, sendo metade do inves-timento realizado pelo Estado de São Paulo (cobrirá as desa-propriações e outros custos) e a outra metade (referente aos de-mais custos de obra e operação) está a cargo do concessionário.

O valor inicialmente previsto era de R$8 bilhões, indicando um considerável descompas-so com o que foi efetivamen-te contratado (necessidade de aumento de 20%).

Além disso, dos dois trechos de extensão previstos na cha-mada pública inicial, apenas um (Brasilândia – Bandeirantes) foi mantido no contrato final e so-mente será construído median-te manifestação de interesse do

Estado de São Paulo e celebra-ção de aditivo contratual.

Curioso notar, também, que a empresa Odebrecht está en-volvida desde o início no proje-to, tendo incitado seu estudo e elaboração, auxiliado a formu-lação dos projetos técnicos de viabilidade (foi quem mais teve estudos aproveitados no PMI) e integrado o consórcio vence-dor. Tal fato indica a possibili-dade de ganhos de eficiência e de redução de assimetrias in-formacionais pelo potencial li-citante caso se engaje no pro-jeto desde o início.

Uma questão relevante que sobressai da análise desse caso é que, embora os fóruns de di-álogo criados pelo PMI e pela Consulta Pública possam au-xiliar a melhoria do projeto e a inserção de elementos neces-sários aos interesses públicos e privados envolvidos, a experi-ência com a licitação deserta e a necessidade de se aumentar consideravelmente o valor do projeto evidenciam que nem sempre o diálogo ocorre com a fluidez e adequação necessá-rias à realização do projeto.

Outro fato digno de desta-que é que todos os documen-tos desde o início do processo foram disponibilizados eletro-nicamente, mesmo antes da lei de acesso à informação, algo que não é corriqueiro em con-tratações públicas do gênero.

A publicidade e transpa-rência do processo é um fator determinando para sua con-formidade com o Estado De-

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mocrático de Direito. Confor-me apontam Bersch, Taylor e Praça (2013), o setor de infra-estrutura é tradicionalmente conhecido por escândalos de corrupção, sendo a transpa-rência dos procedimentos um importante fator para a gover-nança pública de tais projetos (RACO, 2013).

Um importante fator a ser levado em consideração é a pouca ou nenhuma inserção, nos fóruns formais de debate da linha 6, de discussões sobre o modelo de cidade e as con-sequências dessa intervenção urbanística, ainda que tenha havido espaço para tanto.

Acredita-se que isso se deva à falta de mobilização (ressal-va feita às críticas dos mora-dores da bela vista no tocante às desapropriações na região) e conhecimento, já que, p.e., até mesmo nos meios téc-nicos especializados não se dispõe de ampla percepção de que qualquer interessa-do pode apresentar um pro-jeto nos PMIs. Explica-se, um grupo organizado e interes-sado em promover a inserção urbanística de determina-da área, pode apresentar um projeto específico para suge-rir e detalhar exigências para a intervenção urbana nos en-tornos de uma estação espe-cífica.

Outra questão relevante re-fere-se especificamente ao setor de mobilidade urbana. Sabe-se que o transporte pú-blico urbano possui inúmeras

externalidades em outros se-tores da sociedade como saú-de e meio ambiente. Contudo, na análise dos documentos, em nenhum momento nos fó-runs de diálogo institucio-nal esses temas foram trata-dos de forma relevante, sendo mencionados em falas políti-cas mas não estando presen-tes análises e comparações técnicas de peso. O debate e a melhor compreensão sobre as interconexões entre políticas públicas de transporte, saúde, trânsito, meio ambiente, mo-radia e urbanização devem es-tar no centro das discussões de um grande projeto com ta-manho potencial estruturan-te e urbanizador, algo que não esteve presente neste projeto bilionário.

Quanto aos dois últimos pontos, vale fazer uma pon-deração. Estudos envolvendo projetos urbanos, infraestru-tura, grandes eventos e go-vernança pública (RACO, 2013; LEVI-FAUR, 2011; LEVI-FAUR, 2005; MURPHY, 2011; e outros) têm apontado que o “esvazia-mento” do Estado por meio da contratualização de sua atua-ção têm sérias implicações de-mocráticas.

Ao se outorgar a um ente privado, ainda que devidamen-te regulado em questões téc-nicas, uma concessão para construir e gerir bens e servi-ços públicos de inegáveis rele-vância social por meio de um contrato por um prazo de 25 anos, mas com repercussões

ainda mais longas, dado à re-versibilidade dos bens em fa-vor da Administração Pública, há consequências para o de-bate democrático e a atuação da Administração Pública que ainda não são bem compreen-didas.

O clássico embate weberia-no entre democracia e tecno-cracia estaria resolvido pela regulação? Em que medida a abertura para o diálogo previa-mente à celebração do contra-to e a divisão objetiva de ris-cos e atribuições realizada por esse não eliminam, quase que por completo, o campo de atu-ação da sociedade civil nas questões a ele atinentes? Ou seja, o “momento democrá-tico” é trazido para a (não tão acalorada) discussão prévia de conteúdo contratual e, a partir da sua celebração, não há mar-gens para mudanças?

A estabilização das relações jurídicas e a necessária segu-rança e previsibilidade opera-das pelo contrato (administra-tivo, aqui, mas ainda contrato em seus termos jurídicos for-mais) carregam, nesse caso, um conceito de cidade que re-percutirá na vida de inúmeros cidadãos, isso ficou claro para a população afetada e/ou in-teressada? Em que medida, em um sentido mais amplo, a “de-sestatização” da gestão dos in-teresses públicos27 não tor-na o Estado, concebido como o principal gestor dos diversos interesses públicos, em um au-ditor de aspectos técnicos de

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contratos, expurgando todos aspectos de confronto político do bojo da sua atuação contí-nua, ao antecipá-lo para o mo-mento de celebração do con-trato?

Essas e outras questões emergem desse caso especí-fico, mas não é o objeto desse breve texto fornecer subsídios suficientes para respondê-las.

Considerações finais

Ao longo do presente estu-do tentou-se abordar a ques-tão das políticas públicas e grandes projetos urbanos sob a perspectiva jurídica como auxílio à promoção do diálogo institucional e do desenvolvi-mento econômico e social.

Pode-se concluir, pelo ex-posto, que os novos instru-mentos jurídicos já colocados em prática possuem grande potencial de transformação e permitem experimentação em novas formas de contratação e aprendizado pelo Estado. Con-tudo, esse potencial ainda tem sido usado de forma conser-vadora (limitada) e percebe-se a participação mais ativa dos grandes atores econômicos, sendo reduzida a participação de outros entes sociais.

Adicionalmente, há uma preocupação com as implica-ções (anti)democráticas dessa contratualização das ativida-des estatais e o papel que esse modelo de gestão da ação pú-

blica tem no efetivo e contí-nuo diálogo institucional para o próprio desenvolvimento da sociedade.

A linha 6 – Laranja, do me-trô de São Paulo é um impor-tante projeto que terá grande repercussão na configuração urbanística da região metro-politana de São Paulo, mas os instrumentos de diálogo e de aprendizado abertos em sua formatação foram utilizados apenas para questões técnicas da obras e referentes à renta-bilidade do projeto. Ao que pa-rece, a pauta da mobilidade urbana enquanto bem políti-co que estava presente nas rua em junho de 2013 foi dada por resolvida pela sociedade civil. Esperamos estar enganados.

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* Pedro do Carmo Baumgratz de Paula. Advogado. Mestrando em direito econômico pela USP. Assistente de pesquisa II do IPEA.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1242

O objetivo do presente artigo é com-partilhar com o leitor prática corrente em muitas sociedades anônimas de capital fe-chado cujos acionistas majoritários, res-paldados por administradores por estes eleitos, e sob ilusória alegação de regula-ridade e legalidade, se utilizam da consti-tuição de reservas como meio para reduzir lucros auferidos pela companhia, prejudi-cando, assim, a distribuição de dividendos a acionistas minoritários, o que caracteri-za flagrante violação à legislação aplicável e aos direitos essenciais dos acionistas.

O tema constituição de reservas é ex-tremamente amplo e complexo, merecendo profunda análise, o que se torna inviável em um simples artigo. Por esta razão limitare-mos nossos comentários à constituição de duas reservas, quais sejam: (i) reserva para fins de contingência (art. 195); e (ii) reserva de retenção de lucros (art. 196).

I - Reserva para Fins de Contingência

Conforme ensinamentos do ilustre Prof. Nelson Eizirik1 “a finalidade dessa reserva consiste em segregar lucros, que seriam dis-tribuídos como dividendos, para cobrir perda ou prejuízo ainda não efetivamente incorri-do, mas cuja ocorrência se fundamenta em razões justificadas, evitando que tal perda provável seja apenas computada no resulta-do do exercício que vier a ocorrer.”

A par do nobre fim a que essa reserva se destina e dos benefícios que, quando bem utilizada, serão usufruídos pela compa-nhia e seus acionistas, existem problemas de ordem prática que podem surgir em sua constituição, podendo resultar em prejuízo de determinados grupos de acionistas.

Neste sentido, cumpre esclarecer que, conforme disposto no artigo 195 e §1°2 da Lei das S/As, os administradores apresentarão

Por Eduardo Benetti*

Constituição de reservas em prejuízo de acionistas minoritários

Doutrina

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 43

à Assembléia Geral proposta para deliberar sobre a constituição de reserva para fins de contingência, indicando a causa da perda pre-vista e justificando a recomenda-ção de sua constituição.

O texto da lei, apesar de men-cionar que a proposta para a constituição da reserva deva ser fundamentada, não faz qualquer menção à forma ou formalidade a ser cumprida quanto à fundamen-tação da proposta apresentada. Ou seja, bastará aos administra-dores apresentar em Assembléia, de forma verbal ou escrita, as ra-zões que no seu entender são justificadoras para formação da reserva.

Sensível à lacuna da lei, a me-lhor doutrina buscou suprir a au-sência de forma e formalidade na apresentação dos fundamentos da proposta, recomendando, co-mo nos ensina o aclamado Prof. Modesto Carvalhosa3 que: “os fundamentos da proposta deve-rão ser objetivamente expostos, de modo a afastar qualquer decisão subjetiva, baseada apenas em re-ceios não fundados em fatos com-prováveis, ou em simples opiniões. Os casos mais comuns de perdas prováveis decorrem de ações judi-ciais. Nesses casos, por exemplo, a

proposta de constituição da reser-va para contingências deveria vir acompanhada de parecer de juris-ta especialista na matéria, que não fosse empregado da companhia.”

A despeito das sábias reco-mendações doutrinárias, o que se vê na prática dos negócios é que muitos administradores, quan-do da elaboração da proposta de constituição da reserva para fins de contingência, têm levado ao conhecimento da Assembléia Geral fundamentos imprecisos e, muitas vezes, carregados de subjetividade, recomendando, simplesmente, a aprovação da re-serva. Em casos mais extremos, o que se tem visto é uma simples apresentação verbal e superficial das razões pelas quais a reserva deva ser constituída.

Diante deste cenário e com re-ceio de que os negócios da com-panhia sejam prejudicados, os acionistas, muitas vezes alheios aos reais riscos de que a contin-gência informada venha a se con-cretizar, acabam por aprovar a constituição da reserva por una-nimidade.

Ao tomar tal decisão, os acio-nistas automaticamente au-torizam os administradores a descontar do lucro líquido4 a par-

cela destinada à constituição da reserva para fins de contingência, sendo que o dividendo mínimo obrigatório será calculado sobre o saldo remanescente, se houver5.

Merece destaque o fato de que as reservas para fins de contin-gência não apresentam limite má-ximo de valores a ela destinados, ao contrário do que ocorre em outras reservas. Ou seja, caso a Assembléia Geral decida, com ba-se em justificativas subjetivas e carentes de fundamentação téc-nica, incrementar os valores ali depositados, ano após ano, os re-cursos a ela destinados poderão crescer ilimitadamente6.

Frente à omissão legal e não cumprimento das orientações existentes na melhor doutrina sobre o tema, administradores agindo em conjunto com acionis-tas majoritários têm se utilizado da reserva para fins de contin-gência como meio de reduzir o pagamento de dividendos, impos-sibilitando, em alguns casos, o pagamento do próprio dividendo mínimo obrigatório.

A prática recorrente de tal ato, por alguns exercícios, acaba por desestimular acionistas minoritá-rios de permanecer na sociedade, possibilitando ao grupo controla-

Doutrina

1 Eizirik, Nelson. A Lei das S/A Comentada, volume III, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 56.2 Art. 195. A assembléia geral poderá, por pro-posta dos órgãos da administração, destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda julgada provável, cujo valor possa ser estimado.

§1º A proposta dos órgãos da administração deverá indicar a causa da perda prevista e justificar, com as razões de prudência que a recomendem, a constituição da reserva.3 Carvalhosa, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 3° Volume, São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 803.4 Vale lembrar que o lucro líquido, nos termos do artigo 191 da Lei das S/As é o resultado do exercício deduzidos os prejuízos acumulados

e a provisão para o Imposto de Renda, antes que haja qualquer participação.5 Assim, vê-se que a constituição da reserva para fins de contingência pode se dar em pre-juízo do dividendo mínimo obrigatório.6 Cumpre lembrar que, conforme disposto no § 2º do artigo 195 da Lei das S/As, en-cerrado o risco da contingência, os valores destinados a essa reserva deverão ser rever-tidos

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Revista Comercialista

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1244

dor adquirir ações a valores bem inferiores ao seu real preço.

Como conclusão ao presente tema, o que se recomenda é se-guir rigorosamente as orienta-ções doutrinárias existentes, no sentido de que a fundamenta-ção da constituição da reserva de contingência seja baseada em pa-recer de especialista que não pos-sua vínculos com a empresa.

Sem prejuízo dessa prática, existindo qualquer dúvida acerca da real necessidade da constitui-ção da reserva, o acionista deverá procurar especialista de sua inte-gral confiança para assessorá-lo na avaliação da proposta da ad-ministração, votando contra sua constituição, sempre que julgar impertinente.

II - Reserva de Retenção de Lucros

Outra prática comum que se tem visto em algumas compa-nhias é a constituição de reser-vas de retenção de lucros como manobra para reduzir a distribui-ção de dividendos aos acionistas. Contudo, diferentemente do que acontece com a reserva para fins de contingência, a constituição desta reserva não pode se dar em prejuízo da distribuição do divi-dendo mínimo obrigatório.

Esclareça-se, por oportu-no, que sua finalidade está um-bilicalmente atrelada à existência de orçamento de capital7 previa-mente elaborado e aprovado pe-

los administradores e submetido, posteriormente, à aprovação da Assembléia Geral. Nada impede, contudo, que a própria Assem-bléia Geral venha a deliberar so-bre o orçamento de capital.

Tenha o orçamento de capital sido previamente aprovado pelos administradores ou seja objeto de aprovação da Assembléia Geral, é fundamental que cópia do do-cumento esteja à disposição dos acionistas para análise e acompa-nhamento de seu cumprimento.

Destaquem-se, ainda, as regras contidas nos § 1° e 2° do artigo 196 da Lei das S/As, segundo as quais o orçamento de capital poderá ter duração de até 5 exercícios, salvo se o projeto a ser realizado exigir prazo maior, bem como a exigên-cia de revisão anual para os or-çamento com prazo de execução superior a 1 ano.

Não obstante existirem regras claras e precisas para a constitui-ção desta reserva, a prática dos negócios nos tem mostrado que, em companhias fechadas, os ad-ministradores muitas vezes, sem apresentar qualquer orçamento de capital, propõem aos acionis-tas a aprovação da constituição da reserva de retenção de lucros, sob o argumento da realização de investimentos. Constituída a re-serva, os investimentos acabam por se realizar parcialmente ou sequer se realizam, ficando os lu-cros destinados a esta conta reti-dos por prazos longos.

A falta de formalidade na apre-sentação e fiscalização do or-çamento de capital acaba por beneficiar administradores mal intencionados, pois os acionistas encontram muitas dificuldades para demonstrar que a consti-tuição da reserva em análise teve outro objetivo que não a realiza-ção de investimentos.

Assim, é fundamental que, es-tando na pauta da assembléia de-liberação sobre a constituição de reserva de retenção de lucros, se-ja exigida dos administradores a apresentação prévia do orça-mento de capital a embasar a sua constituição. Caso a pauta nada mencione sobre a aprovação da constituição dessa reserva, mas o assunto venha a ser posto em pauta no curso da assembléia, a apresentação do orçamento deve ser exigida antes de qualquer de-liberação.

A formação de reservas nas so-ciedades é sempre salutar, por exigência legal ou conveniência administrativa, mas desde que não haja fins escusos.

E, para evitar uma manobra ou suspeita dela, basta a trans-parente apresentação dos moti-vos da reserva. No caso, o parecer da contingência e o orçamento de capital.

5 Conforme ensinamentos do Prof. Nelson Eizirik, em A Lei das S/A Comentada, Volume III, pág. 64: “O orçamento de capital deve compreender os recursos econômico-financeiros previstos para serem utilizados pela companhia na aquisição, formação e construção de ativos imobilizados e em inves-timentos que contribuirão para melhorar sua atividade empresarial.”

Doutrina

* Eduardo Benetti Advogado especializado em direito societário, sócio do escritório BGR Advogados.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 45Doutrina

1. INTRODUÇÃOO Conselho Administrativo de Defesa Econômi-

ca (CADE) possui corpo técnico para dosar a pena de multa e aplicar outros remédios. A Lei da Concor-rência deixa margem bem ampla para a aplicação de penas. Tal escolha legislativa está correta, haja vista o fato de que o CADE decide sobre os mais variados mercados, cada um com as suas peculiaridades; o antitruste, por sua natureza, exige esse caráter mais amplo de aplicação e o uso de conceitos legais inde-terminados.

A aplicação da lei da concorrência se dá prin-cipalmente pelos efeitos negativos de deter-minadas condutas, mas como saber os efeitos causados pelas decisões da própria agência antitruste? A principal pergunta aqui é “tendo em vista a neces-sidade do uso de conceitos legais indeterminados, quais são os meios adequados para saber quais cri-térios utilizar?”.

Para responder a essas perguntas, serão expostos alguns dos princípios básicos da Psico-história, da série “Fundação” de Isaac Asimov, relativos ao modo

de influenciar os “movimentos sociais”. Em seguida tratarei da avaliação de impacto como meio de con-cretizar tais premissas, através da coleta de informa-ções e de externalidades positivas.

2. A PSICO-HISTÓRIA

Isaac Asimov criou uma ciência fictícia chama-da “psico-história” na série “Fundação” (Foundation). Através do uso de cálculos matemáticos baseados em estatísticas, probabilidades e dados históricos, os “psico-historiadores” (cientistas que fazem o uso daquela ciência fictícia) analisam comportamentos humanos passados, bem como presentes, e fazem previsões probabilísticas acerca de comportamen-tos futuros. A leitura dessa série proporciona insi-ghts que levam a crer na possibilidade de uma forma limitada da psico-história, principalmente através da análise econômica. Nesse sentido, um dos objetivos deste artigo é o de passar da ideia de que “estudamos o passado para não cometer os mesmo erros” para a de que “estudar o passado e o presente (tanto os er-ros quanto os acertos) de forma sistemática é a chave

Por Caio Cesar Moreira Pinto*

Psico-história e Antitruste: avaliação de impacto e os conceitos legais indeterminados

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1246 Doutrina

1 ASIMOV, Isaac. Fundação. São Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Fabio Fernandes. p. 25.2 ASIMOV, Isaac. Prelúdio à Fundação. São Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Henrique B. Szolnoky. p. 23 e 24.

3 STIGLER, George J. The Organization of In-dustry. The University of Chicago Press, 1983. p. 39.4 KUPFER, David. HASENCLEVER, Lia. Econo-mia Industrial: Fundamentos teóricos e prá-

ticas no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 17.5 HAYEK, Friedrich A. Law Legislation and Li-berty. Vol. 1. The University of Chicago Press, 1983. p. 41.

para podermos prever probabilisti-camente comportamentos sociais”.

Essa ciência existente no mun-do da série Fundação pode ser de-finida como “o ramo da matemática que trata das reações dos conglo-merados humanos a estímulos so-ciais e econômicos fixos”1. O ponto de partida para definir essas pos-síveis reações é de extrema im-portância, pois, nas palavras de Seldon2:

Em muitos sistemas, a situ-ação configura-se de uma ma-neira que, sob determinadas condições, eventos caóticos acontecem. Isso quer dizer que, dependendo do ponto de parti-da, é impossível prever as con-sequências. É algo verdadeiro até mesmo em sistemas bas-tante simples, e, quanto maior a complexidade de um siste-ma, maiores são as chances de que ele se torne caótico. Parti-mos sempre do pressuposto de que qualquer coisa tão compli-cada quanto a sociedade huma-na rapidamente se torna caóti-ca e, desse modo, imprevisível. O que fiz foi demonstrar que, ao estudarmos a sociedade huma-na, é possível escolher um pon-to de partida e fazer pressuposi-ções apropriadas para suprimir o caos. Isso fará com que seja possível prever o futuro. Não de maneira detalhada, claro, mas sim em grandes pinceladas; sem precisão, com probabilidades calculáveis.Observa-se que a psico-histó-

ria tem dois elementos essenciais:

os dados históricos – para definir o ponto de partida adequado; e a pre-visão – através de probabilidades calculáveis. Há o cuidado de que os comportamentos sociais sejam de-duzidos a partir de pressuposições apropriadas, que são resultados da análise dos dados históricos. Supri-mir o caos seria obter informações suficientes para deduzir o compor-tamento humano.

Essa era a proposta de Stigler: ao invés de postular um compor-tamento humano, deveríamos de-duzi-lo3, embora ele argumentasse que isso seria somente papel da Economia. Do ponto de partida do comportamento econômico den-tro do mercado, por exemplo, a maximização do lucro seria aque-le pressuposto apropriado de Asi-mov para a teoria neoclássica, de modo que ela implicaria as formas de comportamento4.

Essa linha de pensamento pode ser aplicada desde a elaboração de leis até de decisões proferidas por órgãos administrativos e judiciais. Para fazer uma análise mais especí-fica, escolhi as decisões de órgãos de defesa da concorrência (órgãos antitruste) que versam sobre con-dutas anticompetitivas.

2.1. LIBERDADE E INCENTIVOS

A psico-história deveria ter apli-cação. Através dela, foi previsto que a humanidade entraria em um período de trinta mil anos de bar-bárie, quando então surgiria o Se-

gundo Império Galáctico. Assim, Seldon aplicou aquela ciência no-vamente para reduzir esse perío-do para mil anos – esse era o Plano Seldon. Outros psico-historiado-res, após a morte de Seldon, utili-zavam as informações dadas pela psico-história para definir quais as melhores estratégias para conduzir o Plano.

Os psico-historiadores utiliza-vam como instrumentos de coer-ção poderes mentais desenvolvidos na Segunda Fundação, mas os uti-lizavam somente em situações ex-tremas. Normalmente, eles se infiltravam nos governos e influen-ciavam de modo menos incisivo as figuras políticas mais importantes. Isso porque usar ferramentas pa-ra comandar de forma específica as ações de cada indivíduo eleva-ria o tempo de barbárie. A liber-dade individual deveria, portanto, ser preservada. Nesse sentido, era adotada a estratégia de criar am-bientes de incentivos (não de co-mandos específicos) para que o plano Seldon fosse cumprido da maneira mais eficiente.

2.2. A ORDEM ESPONTÂNEA E AS TEORIAS ECONÔMICAS EVOLUCIONÁRIAS

“Ordem espontânea” (sponta-neous order) é o termo utilizado por Hayek para se referir ao processo de adaptação a um grande número de fatos particulares que não pre-cisam ser conhecidos em sua tota-lidade por ninguém5. Ele parte do

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 47Doutrina

pressuposto de que é impossível tomar decisões a partir do conhe-cimento de tudo o que pode afetar o nosso objetivo. O conhecimento limitado (a racionalidade limitada) não é necessariamente ruim, mas a noção dessa limitação é de grande valor para que possamos nos adap-tar às mudanças através do uso do conhecimento disperso entre os indivíduos6.

Essa ideia se aproxima da de Schumpeter à medida que há a pre-ocupação com a adaptação. Hayek leva em consideração qualquer cir-cunstância que afete o comporta-mento do indivíduo no sentido de se adaptar; já Schumpeter se refere aos incentivos dos empresários pa-ra se adequarem às inovações dos demais agentes para se manterem no mercado7.

Em geral, existem circunstân-cias conhecidas pelos indivíduos (por exemplo, os próprios custos da firma são conhecidos por ela mesma) e outras não conhecidas. De acordo com Nelson & Winter, de um lado há o “comportamento de rotina” dos indivíduos de acor-do com o que já sabem e com o que podem prever (de forma limitada); de outro lado, os indivíduos podem tomar decisões que não se encai-xam dentro do conceito de “roti-na” que podem ser tomadas a partir de fatos que não eram conhecidos anteriormente. Nesse sentido, o comportamento das firmas geral-mente é parcialmente estocástico8. Logo, a previsão da próxima “joga-

da” do agente econômico é neces-sariamente probabilística. Nessa linha, as relações (entre indivíduos) que possuem certa regularidade podem gerar ordens espontâneas – relações estas que não precisam ser conhecidas, mas o seu estudo é de extrema importância se qui-sermos regular algum setor social para que a ordem resultante seja benéfica9.

A Psico-história de Asimov seria o exemplo extremo de estudos das relações que geram ordens espon-tâneas. Curiosamente, as previsões feitas pelos psico-historiadores são probabilísticas, e a precisão de-las se dá justamente por causa da quantidade de informação que eles possuem sobre a sociedade. Ou-tro ponto interessante é o de que, apesar de obter tanto conheci-mento sobre a humanidade em ge-ral, os psico-historiadores somente agiam diretamente na sociedade em casos extremamente excepcio-nais; normalmente eles utilizavam ambientes de incentivos para di-recionar a sociedade para o menor tempo de barbárie possível (a or-dem benéfica).

Hayek adota a mesma posição: a complexidade da sociedade é a razão de não devermos impor co-mandos específicos para organizar a sociedade. Isto afetaria negativa-mente a ordem espontânea. Assim, nunca é vantajoso substituir as re-gras da ordem espontânea por co-mandos isolados10. É nesse sentido que a união de informação sobre

condutas humanas e a regulação por meio de incentivos (e não co-mandos) é importante.

A capacidade de previsão de probabilidades será melhor quan-to mais conhecimento sobre o funcionamento dos mercados for acumulado. Isso é válido tanto para o ponto de vista dos agentes eco-nômicos quanto para o do governo. Logo, se o último quer implantar uma determinada política antitrus-te (de acordo com uma determinada ordem econômica), ele deve buscar mais conhecimentos acerca dos mercados para atingir um desem-penho econômico melhor através da concorrência.

Note-se que Giovanni Dosi tam-bém fala sobre o processo de adap-tação da firma. Esta escolhe um paradigma tecnológico, ou trajetó-ria tecnológica: em um mercado de televisão (paradigma tecnológico), o empresário pode investir em te-levisões com tela de LED (trajetória tecnológica). A decisão sobre qual caminho escolher (no que inves-tir) não é um processo aleatório; é baseado em pesquisas e principal-mente na experiência que a firma adquire através do uso da tecnolo-gia (learning by doing e learning by using). Portanto, a empresa toma suas decisões através da análise do que deu certo e do que deu errado, ou seja, ela faz uma análise do seu próprio processo de adaptação pa-ra decidir suas ações futuras11. Es-ta é uma percepção essencial que será elaborada ao longo do texto.

6 HAYEK, Friedrich. Op. cit., p. 14.7 SCHUMPETER, Joseph A. The Theory of Economic Development: An Inquiry into Pro-fits, Capital, Credit, Interest, and the Business

Cycle. Social Science Classics Series. Transac-tion Publishers, 1982. p. 232-2368 NELSON, Richard R.; WINTER, Sidney G. An Evolutionary Theory of Economic Change.

Belknap Press, 1985. p. 14 e 15.9 HAYEK, Friedrich A. Op. cit., p. 40.10 Ibid., p. 51.11 DOSI, Giovanni. Technical change and survival:

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 1248

O ponto de vista adotado aqui é o dos órgãos regulatórios como ins-tituições que evoluem. Em relação à regulação da concorrência, há a necessidade de avaliar os seus im-pactos nos mercados para saber se ela ainda é adequada à política econômica, e para se aperfeiçoar. Assim, o governo agiria de modo semelhante à firma sob o ponto de vista da economia evolucionária.

Todos esses insights em conjun-to corroboram a possibilidade de aplicação de alguns dos principais princípios da psico-história. Esta tem as mesmas características das teorias acima: 1) ela considera que intervenção direta na sociedade teria muitos riscos; essa interven-ção deve ser feita somente quan-do necessária; 2) considera que os movimentos sociais são parcial-mente estocásticos; e 3) a análise de dados empíricos são importan-tes para aferir pressupostos ade-quados para o estudo da sociedade.

2.3. PSICO-HISTÓRIA E ANTITRUSTE

Esclarecidos esses pontos, fa-rei algumas adaptações: (i) os psi-co-historiadores seriam os órgãos de defesa econômica; (ii) o Plano Seldon seria a política econômi-ca do País; e (iii) a humanidade se-ria representada pela população do país (adiante, assumirei que a hu-manidade, como beneficiária das decisões dos órgãos antitruste, é a parte da população corresponden-te aos consumidores). A partir des-

sas adaptações, podemos passar à análise das consequências para fa-zer uma comparação do papel da psico-história e o do antitruste.

Em primeiro lugar está a liberda-de. Para Asimov, intervenções inci-sivas em indivíduos eram realizadas somente quando realmente neces-sárias e dentro de certos limites (uma espécie de nudge). Assim, tomarei como referência o modelo econômi-co que tem como base a livre con-corrência. Ainda assumirei que a política econômica tem como obje-tivo o bem-estar social. Então, adoto um sistema antitruste que tem como objetivo a proteção da concorrência como meio de aumentar o bem-es-tar dos consumidores, que é alcan-çado através de um mercado mais competitivo –“competitivo” defini-do como o mercado onde há preços baixos, alta oferta, e alta capacidade de inovação12.

Nessa questão, a nova Escola de Harvard13 se aproxima da forma de intervenção dos psico-historiado-res: há a preocupação com a estru-tura do mercado, pois dependendo dela o ambiente do mercado pode ser mais ou menos propício a ati-tudes anticompetitivas. Então, de-ve haver a preocupação também com as condutas anticompetitivas.

Para preservar o Plano Seldon com o mínimo de intervenção, os psico-historiadores usavam sis-temas de incentivos para preve-nir condutas prejudiciais ao Plano. O antitruste também conta com sistemas de incentivos, mas para prevenir condutas anticompetiti-

vas. Podemos verificar isso através do uso da Teoria dos Jogos, que trabalha a partir dos incentivos que jogadores têm para trapace-ar em um dado jogo. Portanto, em ambos os casos, há um estudo dos possíveis incentivos que os indiví-duos teriam para praticar ou não tais condutas de modo que podem ser previstos (dentro de certos li-mites) seus comportamentos.

Esses aspectos do antitruste não são novidades, mas há um da psico-história muito interessan-te quando é feito um paralelo com o mundo real (não somente com o antitruste): fórmulas matemáticas que utilizam dados passados e pre-sentes (dados históricos) para pre-ver probabilisticamente, através de estatísticas, o movimento da so-ciedade. Com essa ferramenta ma-temática, os psico-historiadores podiam tomar decisões mais sóli-das e consistentes.

Infelizmente tais recursos ma-temáticos (ainda) não existem, mas existe uma ferramenta da econo-mia que busca avaliar, através de métodos qualitativos e quantitati-vos, os efeitos de decisões tomadas sobre a sociedade: a avaliação de impacto. A principal aplicação dela atualmente se dá sobre as políticas públicas. No antitruste ela vem si-do aplicada a alguns casos de con-trole de estrutura, porém não há aplicação ao controle de conduta.

Quando analisamos a psico-his-tória, percebemos que há gran-de preocupação com a previsão do movimento social. Entretanto, se

Europe’s semiconductor industry (Industrial ad-justment and policy). Sussex European Research Centre, University of Sussex, 1981). p. 129-131

12 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enter-prise: principle and execution. Harvard Uni-versity Press, 2008. p. 2.

13 Ibid., p. 37 e 38.14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 4.

Doutrina

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 49

nos preocupamos com o movimen-to social, devemos levar em consi-deração ações individuais, afinal a sociedade se movimenta a par-tir de condutas individuais que te-nham efeitos em outras pessoas. Dessa maneira, nos preocupamos com a estrutura do mercado e com as condutas individuais dos agen-tes econômicos, haja vista que há influências recíprocas entre eles.

Essa premissa explica o moti-vo da preocupação com mercados mais concentrados: quanto mais concentrado é o mercado, maior é o poder de mercado de algumas empresas. O problema de um po-der de mercado grande é o de que a decisão individual tem maior ca-pacidade de afetar o mercado e, portanto, os consumidores (aqui assumo os consumidores como os principais beneficiários do anti-truste). Além disso, uma empresa com grande poder de mercado po-de criar barreiras à entrada de no-vos concorrentes para manter o mercado concentrado. Dessa for-ma, assim como ocorreu com Go-lan Trevize na série Fundação, a intervenção específica sobre uma empresa detentora de poder de mercado pode ser necessária.

No entanto, o uso de conceitos abertos demais abre muito espa-ço para que o intérprete da Lei da Concorrência adote modelos eco-nômicos que não sejam adequados. Um quadro com moldura muito ampla tem a vantagem de possibi-litar maior avanço das decisões de

acordo com o avanço da sociedade, assim como ocorre com o progres-so da tecnologia e das teorias eco-nômicas. Esse é um aspecto muito importante no Antitruste. Por ou-tro lado, não são extirpadas teo-rias ultrapassadas ou até mesmo erros de interpretação econômi-ca (em seu aspecto positivo) e ju-rídica (quanto à identificação das hipóteses legais de incidência). O aumento arbitrário dos lucros pode ser considerado infração à ordem econômica, mas a lei não traz um conceito de “arbitrarieda-de”. Desse modo, quanto mais di-fícil é identificar um evento, mais árdua ainda é a sua tradução para a linguagem jurídica. Torna-se di-fícil identificar a hipótese de inci-dência da norma Antitruste. Isto é, utilizando os conceitos de Kel-sen14, temos duas dificuldades: 1) a definição do “fato” em si (a factici-dade); e 2) interpretar a norma e o fato descrito para dá-lo uma signi-ficação jurídica.

É nesse momento que se verifica a importância da avaliação de im-pacto no controle de condutas. Em princípio, essa é uma ferramenta muito útil porque nem sempre te-mos um caso ideal que enseje um remédio predeterminado e por-que muitas vezes se faz necessário o uso de proxies que, por vezes, não substituem satisfatoriamente algu-ma variável importante. A avaliação de impacto forneceria informações importantes para saber como os agentes econômicos se compor-

tariam de acordo com uma dada decisão: dados anteriores e poste-riores às decisões tomadas (dados históricos) são concretos e obser-váveis e, portanto, servem justa-mente para facilitar esse processo.

A partir do momento em que prever qual será exatamente o comportamento individual de um agente econômico é impossível, é objetivado o uso da análise de im-pactos para buscar meios de for-talecer as decisões da agência antitruste e, consequentemente reduzir os incentivos às condutas anticompetitivas. Para isso, é pre-ciso saber os aspectos gerais teó-ricos e de aplicação das avaliações de impacto.

3. A AVALIAÇÃO DE IMPACTO

A avaliação de impacto atual-mente é largamente utilizada no âmbito das políticas públicas. Nes-se ponto, esse instrumento econô-mico é um conjunto de métodos utilizados para entender se progra-mas públicos funcionam, assim co-mo os seus efeitos nos potenciais beneficiários15, através de produ-ção de evidências16.

A questão principal da avaliação de impacto é de verificar quais os efeitos de uma determinada deci-são. Para isso, devem-se isolar os efeitos do programa de efeitos ge-rados por outros fatores17 por meio de relações causais entre o projeto ou programa e os seus resultados18.

15 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-tri B.; SAMAD, Hussain A. Handbook on impact evaluation: quantitative methods and practi-ces. The World Bank, 2010. p. 3.

16 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian; PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VER-MEERSCH, Christel M. J.. Impact Evaluation in Practice. World Bank 2011. p. 14.

17 12 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-tri B.; SAMAD, Hussain A. Op. cit., p. 4.18 Ibid.

Doutrina

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A partir de então, os policy mak- ers podem decidir se a intervenção através de determinado programa vale a pena ser sustentada e se es-te deve ser mantido, expandido ou encerrado19.

Durante a avaliação há gastos com pessoal, com buscas de in-formação etc. Logo, não é todo programa que será objeto de tal procedimento. Para justificar os custos envolvidos no processo de avaliação, o programa a ser avalia-do deve ser: 1) Inovador – ele testa uma nova e promissora aborda-gem; 2) Replicável – ele pode ser aplicado em outros casos; 3) Re-levante estrategicamente – é um programa piloto, requer recursos substanciais, abrange, ou pode ser expandido para abranger, um gran-de número de pessoas, ou pode ge-rar economias substanciais; 4) Não testado – pouco se sabe sobre a eficácia do programa, globalmen-te ou em um contexto particular; e 5) Influente – os resultados podem ser usados para informar decisões políticas chave20 (tradução livre)

A avaliação de impacto se torna ainda mais importante quando são gerados spillover effects, ou seja, quando ela produz resultados ge-neralizáveis, que possuem validade externa (external validity), de modo que podem ser utilizados em áreas mais amplas de interesse21 além do caso particular. Este seria o caso de externalidades positivas.

Então, para que sejam gerados esses efeitos desejados, informa-ções sensíveis são necessárias pa-

ra contextualizar a avaliação e os seus resultados. Ela não é projeta-da tipicamente para gerar spillover effects, mas sim para dar respostas a um caso individual a partir das particularidades deste. Portanto, a avaliação deve estar alinhada com os objetivos do programa, bem co-mo ser guiada com informações sobre como, quando e onde o pro-grama está sendo implantado22.

A psico-história utiliza dados históricos, que são dados relativos ao contexto em que comportamen-tos humanos são tomados, e bus-ca prever comportamentos futuros através de relações de causa-efeito com auxílio de fórmulas matemáti-cas. As principais caraterísticas da avaliação de impacto ex post estão presentes na psico-história: a rela-ção de causa-efeito e a necessidade de informações sobre o contexto. Já a avaliação de impacto ex ante se aproxima mais da característi-ca preditiva daquela ciência, pois a primeira tenta prever os resultados de mudanças políticas pretendidas com base em pressupostos sobre o comportamento individual e sobre mercados23 – psico-história tam-bém tenta prever resultados de mu-danças comportamentais com base em pressupostos sobre o compor-tamento individual.

3.1. AVALIAÇÃO DE IMPACTO DE DECISÕES DA AGÊNCIA ANTITRUSTE

Desde logo, devemos ter em mente que uma decisão sobre um

caso concreto deve ser dada in-dependentemente de uma avalia-ção de impacto prévia. Esta é útil àquela, mas não necessária. Vin-cular as duas traria sérios proble-mas de morosidade e de custos altos e desnecessários para cada procedimento.

A avaliação de impacto de polí-ticas públicas serve para guiar um projeto antes da sua execução e du-rante ela. Essa ferramenta aumen-ta a eficiência do plano de governo uma vez que revela se as decisões sobre políticas públicas adotadas são ou não eficazes, de modo que gera consequências na alocação de recursos na implantação e condu-ção de projetos.

As decisões elaboradas por um órgão antitruste são definitivas em um momento determinado e não poderão ser modificadas desde en-tão. Se os seus objetivos não forem alcançados, não há a possibilidade de modificação. Além disso, o pro-cesso de elaboração da decisão não deve ser muito longo. Portanto, a avaliação ex ante pode se mostrar como um obstáculo, pois ela ne-cessita de tempo para que sejam coletados dados suficientes e pa-ra que, a partir destes, sejam feitas análises satisfatórias.

Outro argumento é o de que uma decisão deve ser tomada, não há a possibilidade de não julgar um caso – a política pública pode ou não ser implantada, dependendo da análise ex ante, ao contrário das decisões da agência antitruste. No último caso, a análise ex ante servi-

19 Ibid, p. 18.20 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian; PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VER-

MEERSCH, Christel M. J.. Op. cit., p. 1121 Ibid., p. 14.22 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian;

PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VERMEERSCH, Christel M. J.. Op. cit., p. 15.23 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-

Doutrina

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 51

ria para aperfeiçoar a decisão, mas utilizando um grande período de tempo. Além disso, no caso de con-dutas anticompetitivas, somen-te é preciso que sejam verificados efeitos anticoncorrenciais através do exercício do poder de merca-do, sendo presumido o fato de que a decisão condenatória será bené-fica à sociedade.

A avaliação ex post teria, portan-to, o objetivo de constatar se aque-la presunção era ou não verdadeira, haja vista que diferentes situações podem exigir diferentes tipos de sanção. Com efeito, a avaliação uti-lizada é a ex post, o que ocorre com as decisões sobre mergers24.

3.2. LIMITE CONTEXTUAL E O SPILLOVER EFFECT

Os resultados das avaliações de impacto de decisões, assim como os de políticas públicas, possuem limitações quanto ao contexto, principalmente no que diz respei-to às decisões sobre aquisições e fusões. Entretanto, existe o cha-mado spillover effect. Esse é um dos benefícios gerados pela ava-liação de impacto: os seus resul-tados, baseados em relações de causa e efeito, podem oferecer in-sights para a elaboração de futu-ras decisões aplicadas a âmbitos diferentes – os seus pressupos-tos e mecanismos utilizados pa-ra atingir seus objetivos podem ser utilizados (ou deixarem de ser utilizadas) em outras decisões.

Uma avaliação ex post deve ter os melhores pressupostos possí-veis para que obtenha os melhores resultados possíveis. Nesse senti-do, verificar o que funcionou e o que não funcionou é muito útil pa-ra aferir não somente se uma dada decisão gerou os efeitos espera-dos ou não, mas também se a me-todologia utilizada na elaboração foi adequada, se as conclusões al-cançadas foram certas (se hou-ve alguma incorreta, o porquê) e se os mecanismos adotados para concretizar a decisão também fo-ram adequados. Essa abordagem pode, através de dados estatísti-cos, confirmar ou contestar pres-supostos teóricos utilizados em decisões futuras – por exemplo, se a maximização de lucros é o único objetivo das empresas, se outros objetivos das empresas indicados pela nova economia institucional são verdadeiros.

3.3. A QUESTÃO DOS CUSTOS DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO

É claro que para realizar tal pro-cedimento é necessário contratar pessoal especializado e fornecer meios e informações para que os resultados sejam satisfatórios. Se considerarmos o Estado como um tipo de super-firma (“super-firm”), como queria Ronald Coase25, te-mos que ele age de forma econo-micamente racional: se os custos de uma avaliação de impacto supe-

rarem os seus benefícios, então o melhor para a sociedade é a inér-cia do Estado. Assim, uma manobra que serviria para beneficiar os con-sumidores com o desenvolvimento do antitruste, poderia acabar pre-judicando-os.

A intervenção estatal no merca-do apresenta efeitos desde o cur-to prazo. Já a avaliação de impacto de decisões de órgãos antitruste, assim como nas políticas públicas, apresenta efeitos no longo prazo e podem ter spillover effects subs-tanciais26. Portanto, a comparação dos custos dessa intervenção de-ve ser feita no longo prazo depois que tenham sido sentidos os efei-tos (principalmente os spillover effects) das avaliações de impactos. Todavia, afirmar que os custos ge-rados pela intervenção são maiores que um possível trade-off sem da-dos ou implicações lógicas satisfa-tórias não é suficiente para afastar o uso de um instrumento que tem custos, mas com grande poten-cial para o desenvolvimento de en- forcement do Antitruste.

Dessa feita, tomarei aquela posi-ção de Asimov quanto à intervenção: uma vez que o processo de avalia-ção de impacto gera custos (sociais), ele deverá ser feito quando neces-sário, quando as características do caso particular se mostrarem sufi-cientes. Assim, para justificar tais custos, a decisão deve apresentar características semelhantes àque-las, já citadas, dos programas públi-cos: inovadora; replicável; relevante;

tri B.; SAMAD, Hussain A. Op. cit., p. 4.24 Ver The Organisation for Economic Co--operation and Development. Impact Evalua-tion of Merger Decisions. OECD Policy Roun-

dtables. 2011.25 COASE, Ronald H. The Firm, The Market and The Law. The University of Chicago Press, 1990. p. 117.

26 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-tri B.; SAMAD, Hussain A.; Handbook on impact evaluation: quantitative methods and practi-ces. The World Bank, 2010. p. 3.

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não testado – no que concerne aos remédios; e influente.

4. AVALIAÇÃO DE IMPACTO NO CONTROLE DE CONDUTA

Em contraste com as avaliações sobre mergers, as sobre condutas possuem menos limitações quanto ao mercado relevante. Isso se dá porque mesmo em mercados dife-rentes, a conduta considerada co-mo crime, em si, é a mesma. Uma empresa de fornecimento de pe-ças automobilísticas e uma de ci-mento, na condição de suppliers, podem praticar discriminação de preços, podem formar cartéis com seus respectivos concorrentes etc. A influência do contexto so-bre a prática diz respeito à forma de sua execução e aos incentivos às condutas anticompetitivas, ha-ja vista que cada mercado possui as suas particularidades (concen-tração de mercado, diferenciação de produtos, economias de esca-la etc.).

Desse modo, é possível que o spillover effect seja maior quando da análise de condutas: os insights sobre condutas, por terem menos limitações contextuais, podem ser aplicados de forma mais ampla; e o fato de melhorar as decisões, po-de causar efeitos sobre incentivos de práticas anticompetitivas. Essa é uma vantagem de se avaliar o im-pacto de decisões.

4.1. CUSTOS DE PUNIÇÃO ESPERADOS

Esse custo é, por definição, liga-do a todo tipo de conduta ilegal, de modo que está relacionado a todo tipo de conduta anticompetitiva. Com base nas fórmulas apresen-tadas por Posner27 e Becker28, esse custo pode ser representado mate-maticamente da seguinte maneira:

µ=pf(1) onde µ é o custo, p a probabi-

lidade de punição, e f (fine) o valor da punição.

Assumirei que as empresas agem de forma racional – sendo “racional” o fato de elas balancea-rem os ganhos e custos potenciais. Só há incentivos para praticar con-dutas ilegais quando o custo delas é menor que os benefícios gerados (o seu trade-off). Assim, se o valor, por exemplo, da multa correspon-dente à prática de cartel, descon-tada a probabilidade de imposição da punição, é maior que os lucros gerados através da cartelização, haverá um “desincentivo” para a prática desta conduta.

Aliás, é mais fácil calcular qual seria o µ nos casos em que é apli-cada somente multa. Isso porque o mínimo e o máximo da multa já são predeterminados em lei, de mo-do que podemos calcular o mínimo e máximo do µ derivado daquela sanção – no Brasil, temos estipula-dos esses valores no art. 37, I, II e III da Lei nº. 12.529/2011. Já nos ca-sos em que há outras punições im-postas que não denotam um valor “imediato” – por exemplo, remé-dios estruturais, como vender uma parcela dos ativos da empresa. –,

o valor delas somente poderá ser calculado após a decisão do órgão antitruste, haja vista que não há um remédio predeterminado em lei para casos específicos.

Quando analisamos a equa-ção (1) podemos observar o fato de que, se temos uma pena fixa, quan-to maior a certeza dela, maior se-rá o µ. Do mesmo modo, se temos a probabilidade constante, quan-to maior a pena, maior serão os custos de punição esperados. En-tretanto a pena não é totalmente predeterminada em lei – quando se trata de multa, esta ainda varia entre um mínimo e um máximo; já probabilidade de punição não tem como ser calculada exatamente – não há informação sobre a quanti-dade de condutas que estão sendo praticadas e que estão impunes. É nesse momento que também se faz importante os benefícios da avalia-ção de impacto.

Quando é realizada a avaliação de impacto de decisões, os efeitos destas ficam mais claros, ou seja, há disponibilidade de mais infor-mação sobre as consequências de uma decisão. Isso é de extrema im-portância pra analisarmos os cus-tos de punição esperados.

O órgão antitruste possui cer-tos parâmetros para fazer a dosi-metria da pena. No Brasil, a Lei nº. 12.529/2011, em seu artigo 45, dis-põe sobre algumas considerações que devem ser feitas na aplicação da pena. No entanto, o órgão ainda de-ve decidir qual valor exato da mul-ta deverá ser aplicado e quais outras medidas deverão ser tomadas. Nes-

27 POSNER, Richard A. Antitrust Law. 2. ed. The University of Chicago Press, 2001. p. 47.

28 BECKER, Gary. Crime and Punish-ment: An Economic Approach The Jour-

nal of Political Economy, Vol. 76, No.2, 1968. p. 185.

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se momento, a avaliação de impacto oferece dados empíricos para o cál-culo da multa adequada.

Em relação à multa aplicada te-mos três possibilidades: 1) ela é insuficiente, caso em que ainda ha-verá incentivos para praticar o ilí-cito, pois mesmo que este seja e sofra sanção, ainda haverá lucro; 2) ela é adequada, caso em que ela se mostrou suficiente para deses-timular tal conduta; e 3) ela é exa-cerbada, caso em que o valor muito elevado da multa pode gerar cus-tos sociais, como insolvência que pode afetar os consumidores em mercados com fraca concorrência, refrear a tomada de atitudes com-petitivas por parte de empresários pelo receio de elas serem conside-radas anticompetitivas29 etc.

A avaliação de impacto de de-cisões oferece informações sobre os efeitos da multa aplicada. Por exemplo, se o objetivo era punir os integrantes de um cartel de modo eficaz para que os preços fossem reduzidos para os de competição, uma avaliação ex post pode esclare-cer se tal objetivo foi alcançado ou não, e o porquê em caso negativo.

Em relação à aplicação de re-médios, através da avaliação de im-pacto teremos a informação sobre a eficácia de um remédio já aplica-do (principalmente se ele for novo) e sobre como os agentes econômi-cos se comportaram após a apli-cação dele. Hovenkamp já alertava sobre as limitações da legislação antitruste nos Estados Unidos:

The sad fact is that econo-mists are often convinced that a certain practice can be anti-competitive, at least part of the time. However, antitrust is for-ced to leave the practice alo-ne because it has not developed rules that can reliably distin-guish anticompetitive results or remedy them effectively.30

Os remédios, muitas vezes, po-dem acabar sendo ineficazes ou até mesmo prejudiciais. Hovenkamp afirma também que há situações em que o mercado teria ficado me-lhor se nenhum remédio fosse apli-cado e que, em casos nos quais os trade-offs não são tão claros, e que o melhor seria deixar o mercado trabalhar do seu próprio modo31.

Nesse sentido, a avaliação de impacto fornece informações so-bre a eficácia de remédios já adota-dos. Tais dados sobre os efeitos de novos remédios serviriam de base para a o seu aperfeiçoamento ou abandono e para criação de outros.

Cumpre-se observar que os re-médios também são valores a se-rem somados à punição. Portanto, balancear multa e remédio é uma atividade complexa e necessária para que seja atingida uma decisão mais adequada.

Por um lado, temos que se a de-cisão não for suficiente para alcan-çar o seu objetivo, os consumidores serão prejudicados, pois haverá in-centivo no sentido das condutas anticompetitivas. Por outro lado, se a decisão for incisiva, forte demais,

poderá afetar o funcionamento do mercado, pelo menos no cur-to prazo, prejudicando a qualidade dos produtos e serviços ofertados aos consumidores, bem como seus preços, já que a oferta poderá ser reduzida. Por esses motivos, temos que a decisão deve aplicar penas com valores adequados – concei-tuo como adequado o valor da pena suficiente para não gerar incentivo à prática de condutas anticompe-titivas. Estabelecer quais as penas a serem aplicadas e os seus valores é tarefa complexa, que é facilitada quando o órgão julgador dispõe de informações essenciais sobre o ca-so e sobre as possíveis consequên-cias de sua decisão (que é o papel da avaliação de impacto).

Através da análise da equação (1), podemos alcançar esse resultado de três formas: (i) aumentando o va-lor da pena; (ii) aumentando a pro-babilidade da conduta ser punida; e (iii) aumentar ambos. Aumentar de-mais o valor da pena (f), como já foi argumentado, pode levar a prejuí-zos ao mercado. Também, subir es-se valor e manter a probabilidade de punição muito baixa não gera resul-tados satisfatórios. Por outro lado, trabalhar somente com a probabi-lidade de punição (p) pode não ter os resultados desejados, pois o valor da punição pode não ser adequado. Logo, a melhor estratégia é adequar f e aumentar p.

Através da avaliação de impac-to podemos ter melhor noção de como punir, logo os valores das

29 TERKAZEN, John; HUIZING, Pieter. How Much Is Too Much? A Call For Global Prin-ciples To Guide The Punishment Of Interna-tional Cartels. ABA Antitrust Magazine. vol. 7.

nº. 2, 2013. p. 6.30 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust En-terprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 7.

31 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust En-terprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 30.

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penas seriam mais adequados. As experiências passadas ajudariam a realizar a dosimetria da pena e a escolher qual remédio aplicar, bem como balancear os dois.

Em relação à probabilidade de punição, as relações causais en-tre decisões e seus efeitos reve-lariam de qual forma as decisões anteriores surtiram efeito no mer-cado, de modo que novos insights poderiam ser retirados dos dados empíricos. Isso faria com que pu-déssemos distinguir melhor se há ou não a prática de conduta anti-competitiva, eliminando boa parte dos “falsos positivos” e dos “falsos negativos” (termos usados por Ho-venkamp32) – é importante notar-mos que apenas punir um número maior de condutas não é desejável, pois o número de falsos positivos pode aumentar. Se reduzimos os falsos negativos, significa que mais condutas anticompetitivas não são “absolvidas”, o que aumenta a pro-babilidade de punição de forma efi-ciente, que é o nosso objetivo.

Em geral, há duas externalidades geradas a partir do aprimoramen-to das decisões com a avaliação de impactos no controle de conduta: 1) menos incentivos à prática anti-competitiva, tendo em vista o me-nor número de falsos negativos; e 2) maior confiança das firmas na atuação da agência antitruste, con-siderando-se a redução de falsos positivos.

5. CONCLUSÃOOs dados empíricos nos auxiliam

a estabelecer pressupostos adequa-

dos de Asimov para que possamos melhor deduzir o comportamento dos agentes econômicos a partir de dados históricos e relações causais, de maneira que possamos prever as suas ações. Através do forneci-mento de informações, há um al-to potencial de validade externa da avaliação ex post no sentido de apri-morar decisões da agência antitrus-te sistematicamente e de oferecer percepções importantes acerca do comportamento do agente econô-mico no mercado, possibilitando previsões probabilísticas de com-portamentos futuros.

Se quisermos prevenir a prática de condutas anticompetitivas, en-tão devemos trabalhar com siste-mas de incentivos. Nessa linha, um sistema de incentivos está ligado ao aumento dos custos de punição esperados e da redução da possibi-lidade de danos causados ao mer-cado por penas não adequadas.

Somente algumas decisões po-dem ser submetidas à análise, sob pena de haver um trade-off negativo. Nesse sentido, a decisão objeto da avaliação deve ser: 1) ino-vadora; 2) replicável (observando--se os limites contextuais ligados ao mercado e ao tipo de remédio utili-zado); 3) relevante estrategicamen-te; 4) não testada; e 5) influente.

Dois elementos devem ser con-siderados: as características dos mercados e o tempo, culminando--se em um processo de evolução. É nesse sentido que o uso de ins-trumentos econômicos que mos-trem os resultados práticos das decisões pode ajudar a limitar o

quadro de interpretação das nor-mas antitruste.

É adotada uma perspectiva institucional evolucionária atra-vés da melhor adequação de de-cisões a partir da constatação de se as penas aplicadas atingiram seus objetivos ou não e o motivo. As consequências esperadas são: 1) o fortalecimento do órgão anti-truste através do aprimoramen-to de suas decisões; 2) a redução de “falsos positivos” e “falsos nega-tivos” no controle de conduta; 3) a redução de incentivos às condutas anticompetitivas; e 4) o desenvolvi-mento do ambiente competitivo.

No fundo, trata-se daquela questão de aprender com o pas-sado para não cometer os mes-mos erros, porém de uma forma mais sistemática e consisten-te, com uma capacidade maior de previsibilidade quanto a problemas futuros. Afinal, como já disse o fe-deral agent Fox Mulder, “how do we know about the present? We look to the past”. Indo além, how do we know about the future? We look to the past and to the present.

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32 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enterprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 7.

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* Caio César Moreira PintoGraduando em direito pela UFPA.

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1. INTRODUÇÃOUma função governamental central na moderna eco-

nomia capitalista é promover o bem-estar econômico e social. Especialmente a partir do século XX, dentre os diversos modos pelos quais governantes buscam alcan-çar tal objetivo, como políticas econômicas, educacio-nais e de saúde, um merece especial destaque: a política regulatória (OCDE, 1997). Esse período foi marcado pe-la passagem de um modelo no qual os governos atua-vam como agentes econômicos ativos a um modelo de “estado regulador”. Neste, atividades produtivas passa-vam a ser centralizadas no setor privado, enquanto ao governo ficou incumbida a supervisão e regulação de tais atividades (JORDANA; LEVI-FAUR, 2004). A ascen-são do modelo de estado regulador é ilustrada por um relatório emitido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005), no qual se destaca o crescimento do número de agências re-guladoras nos segmentos de telecomunicações, ener-gia e financeiro de seus países-membro, passando de um agregado de 8 para 90 agências reguladoras entre 1960 e 2005.

Por Thomaz Teodorovicz*

As teorias econômicas da regulação e a dicotomia entre regulação econômica e social

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Os diversos mecanismos re-gulatórios utilizados pelos gover-nos geraram a percepção de que as regulações poderiam ocasionar diversos resultados e perseguir objetivos diferentes, o que resul-tou em uma divisão entre regula-ção econômica e social. A primeira estaria voltada à eficiência pro-dutiva e à regulação de variáveis como preços, quantidades produ-zidas e barreiras à entrada. Já a se-gunda compõe ações regulatórias ligadas ao bem-estar social co-mo meio-ambiente, condições de trabalho, de saúde e proteção ao consumidor. Concomitantemente, economistas tentaram compreen-der as motivações da atividade re-gulatória e quais os seus impactos econômicos e de bem-estar, dan-do origem a duas teorias econô-micas conflitantes: a “teoria do interesse público” da regulação e a “teoria econômica da regulação”, associada à escola de Chicago.

Uma questão que surge da transposição da dicotomia entre regulação econômica e social pa-ra o âmbito teórico é a de se as teorias econômicas da regulação conseguem enfatizar diferenças percebidas entre esses dois tipos de regulação ou se, do ponto de vista econômico, há uma aproxi-mação entre elas. A partir dessa questão, o objetivo deste artigo é verificar como e se as duas prin-cipais abordagens econômicas da regulação incorporam ou podem incorporar a dicotomia entre re-gulação econômica e social.

O presente trabalho é dividido em mais quatro seções além desta

introdução. A seção dois explicita como a distinção entre regulação econômica e social vem sido per-cebida na literatura, pautando-se em uma definição ligada aos ob-jetivos de cada regulação. A ter-ceira apresenta a abordagem do interesse público da regulação e sua interpretação da dicotomia regulação social x econômico po-de ser inserida nessa análise. A quarta seção é voltada à explana-ção da “teoria econômica da re-gulação”, desenvolvida pela escola de Chicago, e à tentativa de ex-plicar como ela incorpora tanto a regulação econômica como so-cial. A quinta e última seção apre-senta as considerações finais.

2. A DISTINÇÃO ENTRE REGULAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL

Conforme apontado por den Hertog (1999; 2010) e Windholz e Hodge (2012), não há consenso respectivo à definição do concei-to “regulação”. As várias definições de regulação refletem as preocu-pações do pesquisador ligadas à sua área disciplinar, de modo que não haveria sentido oferecer uma única definição autoritária da noção de regulação para to-das as disciplinas (JORDANA; LE-VI-FAUR).

Há trabalhos que buscam, en-tretanto, clarificar e sistematizar as diversas acepções do termo a partir de perspectivas econô-micas, sociais e legais. Baldwin, Scott e Hood (1998) identificam três significados com diferentes

amplitudes da noção de regula-ção: i) o primeiro e mais restrito caracteriza a regulação como um conjunto de regras específicas as-sociadas à ação de um órgão ou agência estatal; ii) a segunda ado-ta uma amplitude moderada ao tratar de regulação como a go-vernança geral e todos os tipos de intervenção das agências esta-tais para “guiar” a atividade e os agentes econômicos; e iii) a mais ampla noção de regulação co-mo qualquer ação estatal capaz de afetar o comportamento hu-mano. Eisner, Worsham e Ring-quist (2006) definem regulação como um amplo conjunto de polí-ticas incidentes sobre as ativida-des econômicas, seja no âmbito da firma ou do indivíduo. Ade-mais, a regulação se pauta no po-tencial poder de coerção, punição e legislação do Estado para im-por regras que limitam a ação dos agentes econômicos com o intui-to de atingir determinados objeti-vos desejados pelos policy makers (OCDE, 1997; VISCUSI; VERNON, HARRINGTON JR, 2005; DEN HERTOG, 2010). Assim, apesar de diferentes concepções de regula-ção, sua definição está associada à interferência estatal nas ativi-dades econômicas.

Quatro dimensões básicas compõem qualquer regulação: ti-po, escopo, forma e função/objeti-vo. O tipo está associado à criação de informação e incentivo à ação (positiva) ou ao impedimento e à imposição (negativa); o escopo re-presenta a extensão do controle e da supervisão imposta; a forma

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é caracterizada pelos procedi-mentos utilizados para desenhar e impor a regulação; e a função é caracterizada pelo objetivo o qual se deseja atingir por meio dela (PI-NHEIRO; SADDI, 2009).

A partir da análise de objeti-vos regulatórios, legitimou-se a distinção entre a regulação eco-nômica e social1. A regulação econômica é caracterizada pe-la OCDE como aquela que inter-vém diretamente nas decisões de mercado, como precificação, competição, entrada e saída do mercado, sendo voltadas ao au-mento da eficiência econômica (OCDE, 1997). A literatura eco-nômica e política enfatiza que o objetivo da regulação econômi-ca é assegurar o funcionamen-to eficiente da economia a partir de, basicamente, ferramentas li-gadas diretamente ao mercado e aos agentes econômicos: contro-le de preços, da quantidade pro-duzida/ofertada, da entrada e da saída do mercado e de demais condições que afetem a competi-tividade e eficiência do mercado (TABB, 1980; VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; EISNER; WORSHAM; RINGQUIST, 2006; EISNER, 2007; WINDHOLZ, HO-DHE; 2012). Alguns exemplos de regulação econômica são o da le-gislação antitruste, a qual impacta diretamente a estrutura de com-petição do mercado no qual atua

ao impedir a fusão de firmas2, e o estabelecimento de preços-te-to em algum segmento de merca-do devido ao poder de monopólio existente3.

A partir da década de 1970, nos Estados Unidos, problemas re-sultantes da aceleração econô-mica durante o período do New Deal como a crescente poluição e as más condições de trabalho cria-ram a demanda para um novo tipo de intervenção estatal que pro-tegesse o público geral dos da-nos gerados pela intensificação do processo produtivo (EISNER, 2002). A resposta estatal a essa demanda resultou na criação de diversas agências reguladoras: a Environmental Protection Agency, a Occupational Safety and Health Administration e a U.S. Consumer Product Safety Commmision são exemplos de agências norte-ame-ricanas criadas na década de 1970 com a responsabilidade de regular e prezar pela manutenção e prote-ção do meio ambiente, condições de trabalho e proteção ao consu-midor, respectivamente (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; EISNER, 2002). Esse outro tipo de regulação preocupado em respon-sabilizar as empresas pelas possí-veis consequências danosas que suas ações geram na sociedade foi nomeado “regulação social”.

Diferentemente da regulação econômica, a regulação social é

caracterizada pelo foco em com-bater os efeitos deletérios do mercado no que tange à esfera social. Por meio da imposição de requisitos mínimos e de controle referentes ao processo produtivo, assim como critérios de qualida-de dos produtos e disposição de informação, a regulação social in-corpora diversos objetivos sociais como a manutenção da saúde, se-gurança e proteção ambiental, os quais podem ser lesados pelo processo produtivo (TABB, 1980). Tais objetivos podem, por sua vez, ser associados tanto à prevenção e compensação de danos socias gerados pelo setor privado como a objetivos paternalistas, morais e éticos intrínsecos ao policy maker e que são percebidos como “de interesse público” (OGUS, 2002; SAGGAR, 2008; WINDHOLZ, HO-DGE, 2012). O conceito difundido pela OCDE captura essas caracte-rísticas, o qual define regulações sociais como aquelas que

protect public interests su-ch as health, safety, the environ-ment, and social cohesion. The economic effects of social regu-lations may be secondary con-cerns or even unexpected, but can be substantial (OCDE, 1997).

Se por um lado verifica-se uma segregação entre regulação eco-nômica e social, por outro la-

1 Apesar de haver distinções com base no tipo de ferramenta regulatória utilizada e ator ou atividades sendo reguladas, Windholz e Hodge (2012) argumentam que tais quesitos são inca-pazes de explicar a diferenciação entre regu-lação social e econômica. Tanto “ferramentas sociais” podem ser utilizadas para atingir ob-

jetivos econômicos como “ferramentas econô-micas” são capazes de atingir objetivos sociais.2 Um exemplo de aplicação pode ser encon-trado no impedimento de fusão da Garoto e da Nestlé, em 2002, devido ao elevado market share resultante desse possível ato de con-centração horizontal (BRASIL, 2002).

3 Em 1989, por exemplo, a Federal Commu-nication Commission (agência reguladora das telecomunicações nos Estados Unidos) ins-tituiu preços-teto para as ligações de longa--distância da AT&T devido ao poder de mo-nopólio detido por essa empresa (VISCUSI, VERNON, HARRINGTON JR., 2005).

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do uma segunda dicotomia pode ser observada nas chamadas “te-orias econômicas da regulação”. Objetivando analisar os determi-nantes e motivadores das ações regulatórias a partir de conceitos e ferramentais econômicos, du-as abordagens concorrentes fo-ram desenvolvidas: a tradição do interesse público da regulação e a tradição do interesse privado da regulação. As próximas sessões expõem brevemente tais aborda-gens e buscam explicitar como e se elas refletem a dicotomia regu-lação econômica/social.

3. A ECONOMIA DO BEM-ESTAR E O INTERESSE PÚBLICO DA REGULAÇÃO

A primeira grande abordagem econômica da atividade regula-tória deriva da escola econômica da “economia do bem estar”, in-troduzida por Pigou em “The Eco-nomics of Welfare” (1920). Ela trata a regulação a partir das premis-sas de que o governo atua com o objetivo de aumentar o bem-es-tar da população, portanto, dando origem a uma “teoria de interesse público” (SHLEIFER, 2005).

A economia do bem-estar ana-lisa a interação entre oferta e demanda e conclui que, em con-dições perfeitas4, o livre merca-do resultaria na melhor alocação produtiva dos recursos e, conse-quentemente, no máximo bem-

estar5. Essa definição restrita de bem-estar leva à conclusão de que ganhos de eficiência são de-sejáveis per se e, consequente-mente, são de interesse público. De tal modo, intervenções go-vernamentais em mercados “per-feitos” retiram o mercado do seu equilíbrio, geram ineficiências e, portanto, reduzem o bem-es-tar social. Essa conclusão é, toda-via, intrinsecamente dependente da suposição de condições per-feitas na abordagem da economia do bem-estar. A partir da percep-ção empírica da presença de “fa-lhas de mercado”, a economia do bem-estar propõe que o governo pode agir de acordo com o inte-resse público ao corrigir falhas de mercado existentes.

A regulação pública surge, portanto, com o intuito de com-pensar tais falhas e atingir maio-res níveis de eficiência alocativa (DEN HERTOG, 2010). Segundo Schleiffer (2005), a introdução da análise das falhas de mercado foi um marco para a moderna econo-mia do setor público. Três falhas de mercado são mais destacadas como propulsores da regulação: i) existência de poder de mercado e monopólio natural; ii) a assimetria de informações entre os agentes econômicos; e iii) externalidades.

Primeiramente, a existência de firmas com poder de merca-do implica em alocações subóti-

mas e resultados ineficientes do ponto de vista do bem-estar eco-nômico. Em um mercado compe-titivo, firmas não possuem poder de mercado e preços são deter-minados pela livre interação en-tre oferta e demanda. Nesse caso, a receita marginal de uma firma é igual ao preço de mercado e a maximização de lucros (e do bem--estar econômico) ocorre quando os preços se igualam aos custos marginais de produção. Já em si-tuações nas quais há poder de mercado, uma firma é capaz de al-terar o preço do mercado (price- makers) ao restringir a oferta em um ponto que maximize seu lu-cro. A existência de poder de mercado resulta em uma situação com restrição da oferta, elevação dos preços e, consequentemen-te, menor bem-estar econômico quando comparada ao mercado competitivo. (PINHEIRO; SADDI, 2009).

Um caso especial de poder de mercado é o “monopólio natural”. Um mercado é um monopólio na-tural quando seu ponto de ótimo social é atingido a partir da pre-sença de uma única firma produ-tora sujeita a retornos crescentes de escala. Esse caso usualmen-te ocorre quando os custos fixos de produção são grandes em re-lação aos custos marginais, como na produção de energia elétrica e provimento de serviços de tele-

4 Um mercado perfeito é caracterizado por: ausência de poder de mercado; preços equi-librados no ponto em que se igualam aos cus-tos marginais de produção; os agentes pos-suem informações completas e são racionais; há livre entrada e saída de agentes do mer-cado; e há grande quantidade de ofertantes e

demandantes, de modo que todos os agentes são price-takers.5 Essa noção de bem-estar é, entretanto, pautada exclusivamente em um critério econômico, uma vez que a mensuração e análise são embasadas nos preços de mer-cado e na maximização da riqueza total,

desconsiderando variáveis como distribui-ção ou justiça. Desse modo, essa análise restringe a definição de “bem-estar” a um conceito de “bem-estar econômico”. Tal restrição foi reconhecida, inclusive, por Pi-gou (1932), Prest e Turvey (1965) e Mishan (1974).

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comunicações. A firma monopo-lista busca, entretanto, maximizar o seu próprio lucro e não o bem- estar econômico, de modo que restringe a oferta a um volume abaixo do “ótimo social”. Perce-be-se um conflito entre eficiência alocativa e produtiva: enquanto a primeira se dá na presença de di-versas firmas ofertantes, de mo-do que o preço se iguale ao custo marginal, a eficiência produtiva é atingida somente com a presença de uma única firma devido aos ga-nhos crescentes de escala. A pre-sença de poder de mercado e de monopólio natural resulta, por-tanto, em ineficiência e justifica-tiva para a ação governamental (VISCUSI; VERNON; HARRING-TON JR., 2005).

A assimetria de informações é uma segunda falha de merca-do que ocorre no mercado infor-macional e se reflete no mercado de bens e serviços, resultando em possibilidade de comporta-mentos oportunistas a partir dos processos de “seleção adversa” e “risco moral” (OGUS, 2002; DEN HERTOG, 1999; 2010). O proces-so de seleção adversa foi eviden-ciado em um famoso estudo do “mercado de limões” de Akerlof (1970). A partir da análise do mer-cado de carros usados dos Es-tados Unidos, Akerlof observou que os vendedores tinham van-tagens informacionais em rela-ção aos compradores e que essa interação resultava no “desapare-cimento” de mercados potenciais e consequente perda de bem- estar. A princípio, ele dividiu o mercado de carros usados em dois segmentos: i) carros em bo-

as condições; e ii) carros em más condições. Devido à assimetria de informações, apenas o ofertante sabe ex ante se o seu carro está ou não em boas condições. Um de-mandante individual pode gastar recursos para obter informações, mas, devido ao spill-over dessas informações a outros demandan-tes que não ocorreram em cus-tos (free-riders), há desincentivo e subalocação de recursos vol-tados à busca de informações. Essa assimetria resulta na indis-tinção entre carros em boas ou más condições, fazendo com que o preço de mercado seja dado pe-la “qualidade média” percebida pelo mercado. Como somente os ofertantes de carros de boa quali-dade sabem de sua superioridade qualitativa ex ante, alguns não se sujeitam a vender seus produtos pelo preço “médio” e, consequen-temente, há escassez de mercado de produtos de alta qualidade.

Já o problema do risco moral é relacionado ao desvio de conduta de um agente econômico ex post à consumação de um contrato ou acordo. Ele surge da impossibili-dade de acompanhar as ações dos agentes posteriormente à transa-ção econômica e é um problema muito estudado na literatura so-bre o mercado de seguros (STI-GLITZ, 2002). Por exemplo, ao observar a contratação de um se-guro de vida, verifica-se que o se-gurador tenta adquirir uma série de informações do segurado para tentar estimar sua conduta ex post à contratação para, somente de-pois, estabelecer o preço do con-trato. Contudo, o segurado pode não ter incentivos para revelar

todas as suas informações (devido à busca de um preço mais baixo) e, ademais, poderá agir de modo “descuidado” após a contratação do seguro sem custos adicionais. O problema do risco moral tam-bém ocorre em casos em que fábricas de alimentos utilizam co-mida de baixa qualidade ou advo-gados dão conselhos infundados devido às suas vantagens infor-macionais. Nesses casos, o pre-ço pago pelo serviço ou produto não reflete as verdadeiras carac-terísticas do serviço prestado ou a conduta real dos agentes (DEN HERTOG, 2010).

Uma “externalidade” ocorre quando as ações de um agente (A) afetam o bem-estar ou a produção de outro agente (B), e o agente A não leva isso em consideração ao determinar seu comportamento. Ela pode ser caracterizada como “positiva” ou “negativa”. A primei-ra diz respeito àquela que gera benefícios a outros agentes, como o caso do “prazer visual” associa-do à manutenção de um parque. Já a segunda prejudica outros agentes, mas o responsável pe-la criação da externalidade não é punido ou não leva isso em consi-deração. Um exemplo muito utili-zado de externalidade negativa é o da poluição resultante do pro-cesso produtivo: a empresa não tem o intuito de poluir, mas os re-síduos poluentes que são libera-dos devido ao processo produtivo causam impactos socioambien-tais que podem afetar uma comu-nidade inteira.

A presença de externalidades negativas faz com que o merca-do competitivo resulte em per-

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das de bem-estar econômico e ineficiência. Isso é defendido pe-la comparação entre “disponibi-lidade a pagar” (DP), preço (P) e perda de bem-estar devido à ex-ternalidade (EX). Segundo essa abordagem, uma transação eco-nômica ocorre apenas quando o consumidor considera que o ga-nho de bem-estar proveniente da aquisição de um bem é maior do que o preço pago, ou seja, DP > P e, portanto, DP - P > 0 signifi-ca um ganho de bem-estar eco-nômico líquido em condições de mercado competitivo. A presença de externalidade negativa altera, todavia, esse resultado ao inserir seu impacto como um redutor do bem-estar líquido, de modo que o cálculo passa a ser (DP – P) - EX e, quando EX > DP – P, evidencia-se a perda de bem-estar mesmo em um mercado competitivo (VISCU-SI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; PINHEIRO; SADDI, 2009; DEN HERTOG, 2010).

Sempre que ocorre uma falha de mercado, a abordagem do inte-resse público pode justificar a pre-sença de regulações com o intuito de remediar as perdas de eficiên-cia geradas. Entretanto, essas fa-lhas de mercado também podem ser associadas à diferença en-tre regulação econômica e social. Conforme destaca Ogus (2002), a regulação econômica é associada ao combate das ineficiências ge-radas pela existência de poder de mercado e de monopólio natural, enquanto a regulação social é de-fendida a partir da assimetria de informações e, principalmente, como meio de compensar a pre-sença de externalidades negativas.

A regulação de defesa da con-corrência, responsável por ana-lisar os processos de fusões e de aquisição entre empresas, visam evitar grandes concentrações de mercado, são um exemplo de re-gulações econômicas que atuam para impedir o exercício de po-der de mercado e a geração de ineficiências alocativas. Não so-mente isso, mas as regulações de indústrias caracterizadas co-mo monopólios naturais, como o de energia elétrica, telecomuni-cações e transporte, são outros exemplos de regulações notada-mente econômicas. As agências reguladoras atuam fixando pre-ços, controlando as quantida-des mínimas ofertadas e impondo price-caps, por exemplo, tentan-do conciliar a eficiência aloca-tiva com a eficiência produtiva. O que se objetiva é uma aproxi-mação do bem-estar econômico que seria atingido caso não hou-vesse o poder de mercado (DEN HERTOG, 1999).

A assimetria de informações é combatida via regulações de de-fesa do consumidor e, princi-palmente, obrigatoriedade de disponibilização das informações sobre os produtos ofertados e ní-veis mínimos de qualidade. A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos é uma agên-cia reguladora que atua com esse intuito, atingindo a indústria far-macêutica e alimentar. Já as ex-ternalidades são abordadas com ações que visam “internalizar” a externalidade. A Environmental Protection Agency (EPA) atua, por exemplo, mensurando os custos financeiros da poluição e danos

socioambientais gerados por uma indústria específica e pode obri-gá-la a pagar um imposto equi-valente. Esse processo gerará um desincentivo à ação e uma trans-ferência da renda do gerador da externalidade negativa ao gover-no, de modo a levar o mercado novamente ao ponto de “máxi-ma eficiência” (PINHEIRO; SADDI, 2009). A tentativa de atingir um ponto de “ótimo social” pode sur-gir de uma ação privada como o mercado de créditos de carbono. O que deve ser destacado é que a regulação social não está pauta-da em critérios morais ou éticos, mas sim na mensuração mone-tária dos danos e emulação das condições de livre mercado como um “ótimo social”.

O núcleo da abordagem do in-teresse público para explicar a re-gulação pode ser resumido pela figura 1: a regulação, tanto econô-mica como social, buscará ma-ximizar a eficiência e atingir o ponto (R*) que minimiza a ine-ficiência e maximiza o bem-es-tar econômico, após considerar os custos de regulação (CR) e a as perdas decorrentes das falhas de mercado (FM).

Enquanto o interesse público é assumido como a maximização da produção e da simulação de condições de livre mercado em condições perfeitas, há ênfase na eficiência alocativa e na impossi-bilidade de atingi-la por meio de um mercado com falhas.

Observa-se que, apesar da as-sociação de regulação econômi-ca e social a diferentes falhas de mercado, há uma motivação idên-tica para ambas: maximizar a efi-

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ciência e simular as condições do livre mercado. Assumindo que os diferentes objetivos que pautam a ação regulatória levam, original-mente, a tal distinção, a aborda-gem do interesse público torna irrelevante e não incorpora a di-ferença entre regulação social em relação à econômica, sendo qual-quer regulação exclusivamente um mecanismo para aumentar o “bem-estar econômico” a partir do aumento da eficiência.

4. A ESCOLA DE CHICAGO E O INTERESSE PRIVADO DA REGULAÇÃO

A partir da década de 1970, uma nova teoria econômica da regulação surgiu na Escola de Chicago. Ela adotava uma pos-tura crítica perante a explicação pautada nas falhas de mercado e

na busca intrínseca de eficiência econômica como motivador das regulações. A partir dos proble-mas percebidos na abordagem do interesse público, delineou--se uma alternativa pautada no interesse privado como crucial para a compreensão da ação re-gulatória.

4.1. A CRÍTICA À ABORDAGEM DO INTERESSE PÚBLICO DA REGULAÇÃO

A abordagem do interes-se público foi alvo de extensas críticas cujos principais articula-dores estavam associados à Esco-la de Chicago. Dentre os diversos apontamentos realizados, cinco se destacaram e foram a base pa-ra uma nova explicação da ativi-dade regulatória.

A primeira linha de ataque consistia na argumentação de que a abordagem do interesse público exagerava a extensão dos danos das falhas de mercado e subjugava a própria capacidade do mercado em lidar com seus problemas. A própria competição resultava na “auto-gestão” do mercado, uma vez que competidores teriam in-centivos a minimizar os danos provenientes das falhas de mer-cado para manter sua posição no mercado. A própria percepção do monopólio também foi vista co-mo exagerada devido à análise de chamados “mercados contestá-veis”, onde um monopolista agiria como se estivesse em condições de concorrência perfeita devido à ameaça realizada pelos entrantes potenciais (SCHLEIFER, 2005). Mesmo quando as falhas de mer-

FIGURA 1 – NÍVEL ÓTIMO DE REGULAÇÃO NA TEORIA DO INTERESSE PÚBLICO

Fonte: Elaboração própria a partir de Den Hertog (2010).

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cado fossem evidenciadas, Coase (1960) argumentava que a neces-sidade de regulação seria peque-na, pois seria mais eficiente lidar com as falhas de mercado a par-tir da ação de um poder judiciário imparcial voltado à manutenção de contratos e prática da juris-prudência.

A abordagem do interesse pú-blico também foi criticada por ser incompleta e apresentar baixa densidade teórica. Posner (1974) apontou que o processo legislati-vo e político associado à promul-gação de regulações não estava sendo considerado e a ação esta-tal era explicada somente a partir da transposição direta de veri-ficação da falha de mercado pa-ra uma regulação. Mais que isso, essa abordagem não gerava hipó-teses testáveis por haver falta de formalização teórica referente ao processo político, sendo pautada unicamente na análise de eficiên-cia econômica (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005).

Uma terceira crítica deriva da desconsideração do âmbito po-lítico e dos conflitos de interes-ses inerentes à ação pública. Ao assumir um governo benevolen-te, a interpretação dessa aborda-gem adotava o falso pressuposto de que a ação governamental seria exclusivamente motivada e voltada ao interesse público (OGUS, 2004). Ligada a essa crítica, Joskow e Noll (1981) observaram que considerar a eficiência econômica como único motivador seria insuficiente para explicar a existência de regulações, uma vez que objetivos como redis-tribuição de renda e justiça pode-riam motivar a ação pública.

Mesmo se a regulação fos-se motivada pelo interesse públi-co, o trabalho empírico de Stigler e Friedland (1962), no qual os au-tores analisaram a eficácia da re-gulação de preços do setor de energia elétrica dos Estados Uni-dos, trouxe uma quarta crítica as-sociada à aderência empírica da abordagem do interesse público e a possibilidade da regulação efe-tivamente resultar em benefícios líquidos (PELTZMAN, 1989).

A última, e talvez principal crí-tica, é a de que a abordagem do interesse público não poderia ser considerada uma explicação po-sitiva, mas sim um argumento normativo para defender a inter-venção governamental na eco-nomia. Ela considerava que a regulação existia devido às falhas de mercado, quando na realidade o argumento das falhas de merca-do era utilizado como um meio de legitimar a própria ação regulató-ria. Essa percepção fez com que Joskow e Noll (1981) a caracteri-zassem como uma análise nor-mativa transposta a uma teoria positiva.

Essa corrente crítica de Chi-cago não apenas resultou um ataque à abordagem do interes-se público, mas também propôs novos modelos alternativos pa-ra explicar a existência e reali-zação de regulações, buscando formalizar uma “teoria econô-mica da regulação” ou “teoria do interesse privado”.

A partir do estudo crítico dos principais modelos dessa esco-la, a questão que buscará ser res-pondida a seguir é se a distinção entre regulação social e econô-

mica, não abarcada na abordagem do interesse público, passou a ser incorporada na “teoria do inte-resse privado” da regulação.

4.2. OS MODELOS DE STIGLER, PELTZMAN E BECKER

Especialmente pautados na vi-são de que as ações estatais não são benevolentes, essa aborda-gem analisa a regulação não co-mo resultado da busca de um bem-estar social e do “interes-se público”, mas sim como con-sequência de um jogo político no qual interesses privados pautam a ação governamental. Essa nova tradição deixa de lado as consi-derações da eficiência econômica e ilumina o poder redistributi-vo que acompanha as atividades regulatórias.

Os estudos desse novo olhar sobre a regulação incorporam também o desenvolvimento da “teoria da escolha racional”, a qual utiliza o individualismo metodo-lógico e uma abordagem racio-nalista para a explicação da ação política. Seguindo a análise do comportamento político elabora-da por Downs (1957), a Escola de Chicago considera o policy maker como um agente exclusivamen-te auto-interessado e que busca a maximização individual do apoio político. Embasados também no trabalho de Olson (1965), essa no-va abordagem incorporará a dis-cussão sobre quais as condições necessárias para agentes indivi-dualistas e racionais se organiza-rem em grupos de pressão, assim como a análise da competição en-

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tre tais grupos por influência e vantagens políticas/econômicas.

Dentre os trabalhos da teoria privada da regulação, os trabalhos de Stigler (1971), Peltzman (1976) e Becker (1983) foram os mais pro-eminentes, sendo citados por di-versos autores como centrais a essa escola (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; DEN HERTOG, 1999; 2010; PELTZMAN, 1989; SCHLEIFER, 2005).

4.2.1 A CAPTURA DOS AGENTES POLÍTICOS E A “TEORIA DA REGULAÇÃO ECONÔMICA”: O MODELO DE STIGLER

A ascensão da teoria do inte-resse privado teve seu início com a publicação do artigo “The The-ory of Economic Regulation” de George Stigler (1971). Nele, Sti-gler demonstra uma insatisfação com teorias prévias sobre as mo-tivações para ações regulatórias6

e, a partir disso, intui preencher o que considerou uma lacuna te-órica a ser preenchida. Adotando como questões centrais analisar como e quais grupos se benefi-ciam das atividades regulatórias, para então analisar como tais ações são definidas, Stigler em-basa sua análise em três elemen-tos principais. Primeiramente, ele

assume que o comportamento de todos os indivíduos é pautado ex-clusivamente pelo auto-interesse e maximização da utilidade indi-vidual. Desse modo, a ação estatal não pode ser pautada pela “bus-ca do interesse público” a não ser que isso gerasse benefícios priva-dos ao policy maker. Em segundo lugar, o governo possuiria poder de redistribuir renda entre diver-sos grupos econômicos e sociais existentes. Por último, conside-ra a existência de uma compe-tição entre grupos privados, os quais barganham suporte político em troca de regulações favoráveis (VISCUSI; VERNON; HARRING-TON JR., 2005).

A partir dessas premissas, a hipótese de Stigler é que regu-lações são mercadorias oferta-das pelos policy makers em troca de apoio político e votos. Já a de-manda é formada pelas indús-trias que desejam obter algum tipo de vantagem econômica frente aos outros grupos de in-teresse (OGUS, 2004). Desse mo-do, ao invés de concluir que as regulações são intrinsecamen-te necessárias para maximizar a eficiência econômica devido às falhas de mercado, ele conclui que a regulação é um mecanis-mo resultante da captura da ação política e que é utilizado para

maximizar a renda de grupos pri-vados em detrimento de outros7.

Stigler levanta quatro políticas principais que uma indústria po-de demandar dos agentes regula-dores: i) subsídio direto; ii) fixação e controle de preços e quantida-des; iii) alteração sobre condições de produtos substitutos e com-plementares; e iv) controle da en-trada de novos rivais por meio da construção de barreiras à entrada. As duas primeiras são diretamen-te relacionadas com o aumen-to das receitas da firma, seja por aporte direto de recursos finan-ceiros ou por estabelecimento de preços acima do custo marginal no segmento industrial. A tercei-ra é relacionada com o favoreci-mento das condições de oferta de produtos complementares e restrições à de produtos substi-tutos. A última, e talvez mais im-portante, política diz respeito ao aumento das barreiras à entra-da: tarifas protetoras e licencia-mento obrigatório para algumas profissões, por exemplo, impedi-riam a livre concorrência e bene-ficiariam as firmas incumbentes. Segundo Stigler, “[...] every indus-try or occupation that has enough power to utilize the state will seek to control entry” (1971, p. 5).

A contribuição de Stigler foi responsável por dois desloca-

6 A insatisfação de Stigler recaía tanto sobre a teoria do interesse público da regulação, como a uma corrente que defendia a alea-toriedade de decisões regulatórias, as quais não seguiriam um comportamento deter-minístico.7 A ênfase dada aos industriais é um re-f lexo do trabalho de Olson (1967) sobre a organização de grupos de interesse: a or-ganização e ação de indivíduos em grupos

políticos seria uma função dos benefícios individuais esperados pelos indivíduos, do custo total da ação em conjunto e da possi-bilidade de oversight da conduta dos agen-tes individuais. Isso ocorre devido ao pro-blema do free-rider, o qual impediria uma ação individual caso apenas o custo indivi-dual fosse considerado, pois haveria a pos-sibilidade de outros receberem o mesmo benefício mesmo sem incorrer em nenhum

custo. Devido a essas considerações, a or-ganização e definição da ação conjunta são mais fáceis para grupos pequenos, como lí-deres de uma indústria, do que para grupos grandes, como consumidores. Além disso, os possíveis benefícios individuais para um grupo de industriais seriam maiores dada a pouca quantidade de participantes vis-à--vis os benefícios individuais para todo o grupo de consumidores (STIGLER, 1971).

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mentos na análise econômica da regulação. Em primeiro lugar, a ação estatal deixou de ser com-preendida como pautada no inte-resse público e passou a ser vista como resultado do jogo de inte-resses entre grupos privados. Em segundo lugar, a regulação dei-xou de ser um mecanismo vol-tado à eficiência em detrimento da evidência no papel redistri-butivo que ela poder exercer na economia.

Posner (1971) evidenciou, to-davia, que a teoria de Stigler era incompleta, uma vez que somen-te estabelecia um genérico grupo “industrial” como demandante de regulações, não analisando quais indústrias efetivamente seriam beneficiadas pelas regulações. Si-milarmente, o trabalho de Stigler não explicava por que algumas regulações beneficiavam os con-sumidores e outros grupos de in-teresse que não os industriais8. Tais insuficiências motivaram modificações e levaram ao desen-volvimento de outros dois mode-los associados à teoria econômica da regulação, os quais serão ex-postos a seguir.

4.2.2 AÇÃO GOVERNAMENTAL E A MAXIMIZAÇÃO DO SUPORTE POLÍTICO: O MODELO DE PELTZMAN

O trabalho de Stigler consis-tiu em uma mudança de para-digma no que tange ao estudo da regulação sob um ponto de vis-

ta econômico, exercendo grande influência e motivando o estu-do de Peltzman (1976). Essencial-mente, Peltzman defendia que o deslocamento da regulação como “protetora do bem-estar social” para uma posição de “proteto-ra do produtor” seria observável. Entretanto, algumas fraquezas precisavam ser reparadas: pri-meiramente, sentia a necessidade de transpor os argumentos de Sti-gler em um modelo matemático que fosse capaz de produzir hipó-teses testáveis; em segundo lugar, considerava a hipótese de que to-da a regulação é voltada ao bem- estar da indústria muito geral. A partir dessas objeções, Peltzman propõe um modelo que possibili-te incorporar diversos grupos de interesse como responsáveis por capturar a ação regulatória, per-mitindo explicar tanto regulações voltadas aos industriais como aos consumidores e outros grupos (PELTZMAN, 1989).

O núcleo do modelo de Peltz-man é a consideração de que os políticos maximizam sua função de apoio político (M) a partir da emissão de regulações capazes de controlar os preços exercidos (P) e os lucros da indústria (π). O apoio político pode consistir em votos ou recursos financeiros re-passados ao policy maker. Assu-me-se M=f(P; π), onde M é uma função decrescente de P e cres-cente de π. Isso ocorre porque as indústrias respondem com maior apoio político quanto maiores os lucros esperados, assim como

os consumidores fornecem me-nos apoio político quanto maio-res os preços praticados. O lucro, por sua vez, depende dos preços praticados, de tal modo π(P) cor-responde à função lucro. Parti-cularmente, π(P) é crescente até o ponto em que o preço pratica-do é o preço de monopólio (PM), decrescendo para P> PM (VISCU-SI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005).

O modelo de Peltzman consiste em sujeitar a função de apoio político do policy maker à restrição da função lucro dos in-dustriais. Desse modo, as regula-ções emitidas correspondem ao auto-interesse dos reguladores em maximizar apoio político, de tal modo, não apenas os lucros, mas também os votos dos con-sumidores e de outros grupos de interesse são capazes de motivar ações regulatórias (destaca-se que esse modelo considera ape-nas dois grupos por motivos de simplificação: industriais e con-sumidores). A representação grá-fica do modelo é apresentada na figura 2. As curvas M1, M2 e M3 re-presentam três níveis de apoio político, sendo M1 < M2 < M3 devido à relação inversa com os preços e direta com lucros. As regulações seriam realizadas de modo que um equilíbrio fosse atingido em P*, em um patamar entre PM e o preço do mercado competitivo PC.

Uma conclusão do modelo de Peltzman é a de que a estrutura de mercado influencia a ação re-gulatória. Na medida em que os

8 Posner utilizou o exemplo do subsídio-cruzado que levava a uma redução dos preços para alguns grupos de consumidores, consequente-mente, beneficiando-os em detrimento dos industriais (POSNER, 1971).

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mercados forem mais próximos da competição perfeita, os indus-triais possuem maior incentivo para realizar pressão e, portanto, regulações que impusessem bar-reiras à entrada e aumentassem o poder de monopólio dos indus-triais surgiriam. Já em condições de monopólio, os consumidores seriam mais capazes de exercer pressão por meio de seus votos, demandando regulações para be-nefício próprio e que reduzissem os preços.

4.2.3. A COMPETIÇÃO ENTRE GRUPOS DE INTERESSE: O MODELO DE BECKER

Peltzman (1976) incorporou outros grupos de interesse à aná-lise da decisão regulatória, dando

ênfase ao policy maker como ator maximizador do apoio político geral, não restringindo aos indus-triais a possibilidade de captura do agente público. Contudo, a di-nâmica de interação entre os di-versos grupos de interesse, cada qual buscando vantagens muitas vezes conflitantes, ainda não ha-via sido abordada. Coube a Be-cker (1983) enfocar esse aspecto da regulação ao propor um mo-delo que, contrastando com o de Peltzman, focava a competição entre grupos de interesse.

Assim como os outros mode-los da Escola de Chicago, Becker considerava a regulação como um produto de interesses privados capazes de influenciar a decisão política. A pressão política não seria, entretanto, exercida por somente um grupo de interesses,

mas sim envolta pelo embate en-tre diversas pressões conflitantes, como o caso de grupos de indus-triais já estabelecidos em relação aos possíveis entrantes no mer-cado. De tal modo, o modelo de Becker tem como seu principal pressuposto que:

[…] taxes, subsidies, regula-tions, and other political instru-ments are used to raise the wel-fare of more influential pressure groups. Groups compete within the context of rules that trans-late expenditures on political pressure into political influen-ce and access to political re- sources. (BECKER, 1983, p.374).

Conforme Peltzman (1989), a análise de Becker explicita a ca-racterística redistributiva da re-

FIGURA 2 – O MODELO DE PELTZMAN E A MAXIMIZAÇÃO DO APOIO POLÍTICO

Fonte: Adaptado de Peltzman (1976).

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gulação, associada à Escola de Chicago, vis-à-vis ao enfoque da eficiência encontrado na abor-dagem do interesse público. Es-sa afirmação é relacionada com o modo pelo qual a competição en-tre grupos é exposta por Becker. Para ele, a competição é pautada pela transferência de renda en-tre grupos, de modo que um gru-po A buscará obter subsídios ou vantagens que implicarão, neces-sariamente, em taxação do grupo competidor B9. Todavia, Becker supõe a não integralidade da transferência de um grupo ao ou-tro, havendo uma perda-líquida associada aos custos de realoca-ção dos recursos e “desequilíbrio” em relação à alocação eficiente do mercado.

O nível de pressão exercida por determinado grupo “i” seria dado pela função, pi=f(mi;ni), onde mi é o total gasto pelo grupo para exer-cer pressão e ni corresponde ao número de membros do grupo. Su-põe-se que o aumento dos gastos em pressão efetivamente aumenta a pressão absoluta exercida, sen-do mi diretamente proporcional à pi. Já o número de membros, ape-sar de aumentar o potencial de re-cursos despendidos em pressão, seria inversamente proporcional a pi, aqui justificado pela lógica da ação coletiva desenvolvida por Ol-son (1965), já explicitada na apre-sentação do modelo de Stigler, a qual sugere que grupos menores têm mais facilidade de organiza-ção e exercício de pressão política devido ao problema do free-rider.

A partir das pressões exercidas pelos grupos, Becker propõe a exis-tência de uma função de influência dada por IA (pA; pB; x), em que IA cor-responde ao nível de influência polí-tica do grupo A, pA à pressão exercida pelo próprio grupo A, pB à pressão política exercida pelo outro grupo de interesse (B), e x representa ou-tras variáveis. Paralelamente a IA, o grupo B possuiria sua própria função de influência IB (pB; pA; x). O mode-lo proposto para essas funções im-plica que a influência política de um grupo não é dada pela pressão ab-soluta, mas sim pela pressão relati-va em relação àquela exercida pelos grupos competidores, de tal modo que quanto maior a pressão exerci-da por A e menor a exercida por B, maior será a influência política de A. A importância da influência relati-va de cada grupo é que ela seria res-ponsável pela emissão de regulações favoráveis, assim como pela transfe-rência de recursos de um grupo ao outro (BECKER, 1983).Um fator im-portante na análise de Becker é que a transferência de renda e a influ-ência política de um grupo não po-dem ser aumentadas infinitamente. Ao considerar que cada transferên-cia gera uma perda líquida, Becker assume que elas crescem a taxas crescentes, de tal modo que a trans-ferência marginal de um grupo que já é altamente subsidiado aos custos de outro geraria uma perda elevada ao grupo taxado. Desse modo, have-ria forte incentivo para aumento da pressão relativa entre o grupo taxa-do e o grupo subsidiado (DEN HER-TOG, 2010).

O modelo de Becker leva à con-clusão de que regulações resul-tantes em melhoras do bem-estar são mais prováveis de serem im-plantadas, pois a perda marginal ao grupo taxado seria menor do que o benefício marginal do gru-po subsidiado. Um exemplo é o da própria existência de falhas de mercado: os grupos beneficiados teriam mais incentivo a exercer pressão, pois esperam maiores benefícios líquidos, enquanto os grupos taxados não incorreriam em custos marginais altos (VIS-CUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005).

4.3. AS REGULAÇÔES ECONÔMICA E SOCIAL NA TEORIA DO INTERESSE PRIVADO

Ao analisar os modelos pro-postos pela escola de Chicago, é possível levantar algumas palavras--chave que resumem essa abor-dagem: “captura”, “racionalidade econômica”, “maximização priva-da”, “grupos de interesse”, “pres-são política”, “redistribuição de renda” e “preços” são enfatizados nos trabalhos de Stigler, Peltzman e Becker. A partir de tais palavras, se compreende o porquê da te-oria do interesse privado ser co-mumente utilizada para explicar as regulações econômicas em de-trimento das regulações sociais (OGUS, 2004).

O modelo de captura proposto por Stigler enfatizava como a in-teração entre industriais e policy

9 Assim como no modelo de Peltzman, Becker simplifica a análise ao incorporar a competição entre apenas dois grupos de interesse.

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makers era possível no que ele ca-racterizava como um “mercado de regulações”, no qual apoio político era trocado por regulações favo-ráveis que beneficiassem econo-micamente o grupo industrial. Os quatro mecanismos regulatórios aplicados para trazer vantagens aos industriais (subsídio direto, controle de preços e quantidades, influência nos produtos substitu-tos e complementares e controle da entrada de novos concorren-tes) expostos por Stigler são as-sociados à regulação econômica devido a sua capacidade de al-terar diretamente as condições de mercado (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005).

Petlzman, por sua vez, se em-basa na relação entre o preço, lu-cro e as vantagens econômicas dos consumidores perante os in-dustriais como variáveis levadas em consideração para a pressão política. Já Becker observa como a transferência de renda entre gru-pos é o objetivo da pressão polí-tica, a qual influencia a decisão política a partir da influência re-lativa entre grupos competidores e as perdas líquidas de bem-estar econômico.

Contudo, não é possível ig-norar como tais modelos podem tratar a regulação social sob um ponto de vista econômico. Ao in-vés de considerar o controle di-reto das variáveis econômicas e regulações “capturadas por inte-resses privados” como um indi-cativo de regulação econômica, é possível observar que as chama-das “regulações sociais” também podem resultar em mudanças nas condições de mercado e, por-

tanto, ser originadas de interes-ses econômicos. Se tal afirmação for verdadeira, as regulações so-ciais seriam incorporadas à teo-ria do interesse privado, havendo uma aproximação entre a regula-ção econômica e social.

O aspecto econômico da regula-ção social é evidenciado no mode-lo de Stigler a partir da restrição à entrada de novos concorrentes no mercado. A indústria já estabeleci-da visa manter um determinado ní-vel de preços e lucros, assim como um possível poder de mercado, que podem ser rebaixados caso novos concorrentes entrem no mercado e iniciem uma competição via preço. Desse modo, é de interesse dela au-mentar as barreiras à entrada, sen-do a emissão de regulações sociais um dos meios para atingir tal fim econômico. Um exemplo disso é ex-plicitado pelo próprio Stigler (1971): o estabelecimento de padrões mí-nimos de qualidade ou especifica-ções obrigatórias para produtos ou serviços e a necessidade de creden-ciamento junto às agências regula-doras, ações geralmente associadas à regulação social, levanta barrei-ras à entrada para novos ofertantes e ser utilizada como mantenedores de lucros de monopólio às empre-sas estabelecidas.

Similarmente, os grupos de in-teresse analisados por Peltzman e Becker também podem exer-cer pressão a favor de regulações sociais que aumentem as barrei-ras à entrada e garantam um po-der de monopólio responsável por transferir a renda dos consu-midores aos industriais. Um ca-so possível de ser analisado foi a pressão exercida pelos industriais

e republicanos para a obrigato-riedade da análise custo-benefí-cio na aprovação de regulações econômicas e sociais nos EUA. Apesar de ser um discurso pau-tado na eficiência econômica, ca-so que justificaria a análise dessa ferramenta como um meio de argumentar a favor da aborda-gem do interesse público, Eisner (2007) levanta a possibilidade de que o apoio à análise custo-bene-fício pode ter sido motivado pela postergação da ação regulatória e consequente extensão dos lucros da indústria.

Não somente pela ótica dos interesses “industriais”, ao con-siderar grupos de interesse que buscam “capturar” os policy makers, é possível incorporar na análise grupos que buscam obje-tivos ambientais, de qualidade e ligados à saúde. A pressão exerci-da por ambientalistas, por exem-plo, poderia ser analisada sob o modelo de Peltzman a partir do possível apoio político que ela conferiria ao político maximiza-dor de suporte.

Reconhece-se a limitação das teorias econômicas da regulação, as quais não conferem valor a ou-tros motivos que pautam a ação regulatória, como a ideologia do policy maker e a própria auto-nomia política dos reguladores. Apesar disso, o objetivo do traba-lho não é o de criticar os resulta-dos sugeridos pelos modelos, mas sim o de evidenciar que a dicoto-mia entre regulação econômica e social não é incorporada nas te-orias de interesse privado. Isso ocorre, em primeiro lugar, pelos impactos econômicos resultantes

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das regulações sociais, em espe-cial aqueles relacionados às bar-reiras à entrada, que podem estar na pauta de interesse dos gru-pos privados. Em segundo lugar, grupos voltados ao apoio de re-gulação social também podem competir com outros grupos e exercer pressão política que afe-tará a decisão política.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de um cenário econômi-co no qual o papel do governo como agente produtor de bens e serviços vem decaindo vis-à-vis a sua função de supervisionar as atividades eco-nômicas, percebeu-se a ascensão da regulação como ferramenta para restringir as ações dos agentes eco-nômicos de modo a atingir objetivos políticos. Paralelamente a tal ascen-são, economistas teorizaram sobre a origem da regulação e quais seus impactos econômicos. Duas gran-des veias de “teorias econômicas gerais da regulação” surgiram desse movimento. A “abordagem do inte-resse público” é pautada na existên-cia de falhas de mercado que geram ineficiências alocativas e, portanto, a regulação surgiria para otimizar a produção e o bem-estar econômi-co. Já a escola de Chicago enfocou a regulação como um mecanismo que reflete interesses privados, en-fatizando a competição política e a captura dos policy makers por gru-pos de pressão.

Com a percepção dos diferentes fins que moldam as regulações, as-sim como os métodos de aplicação e os impactos econômicos gerados, difundiu-se uma categorização das atividades regulatórias em dois gru-pos principais: a regulação econô-

mica e a regulação social. Enquanto a primeira visa aumentar a eficiên-cia alocativa e produtiva, atuando diretamente no controle de pre-ços, quantidade produzida e bar-reiras a entrada, a segunda estaria associada a questões sociais, co-mo a preservação do meio ambien-te, promoção da saúde e qualidade de vida.

Buscou-se interpretar se as te-orias econômicas da regulação refletiam a dicotomia social x eco-nômica e, ademais, se seria possível incorporá-la em suas explicações. Verificou-se que tanto na aborda-gem do interesse público como na do interesse privado, a regulação econômica e a regulação social são explicadas a partir de uma mesma motivação econômica.

Na primeira, enquanto a re-gulação econômica visa maximi-zar a eficiência produtiva por meio da emulação dos resultados de um mercado competitivo, a internali-zação de externalidades, como co-brança de impostos sobre poluição, sugere justificativa para uma regu-lação social pautada na busca de eficiência. Tanto uma como outra surgem da necessidade de otimizar a alocação de recursos por meio de ferramentas pautadas na interpre-tação neoclássica de maximização da eficiência dada por um mercado perfeito.

Já a segunda, ao incorporar o pa-pel de grupos de interesse na ex-plicação da decisão política, sugere que tanto interesses econômicos como sociais afetam a decisão re-gulatória, uma vez que assumem a condição de um policy maker que atua visando maximizar seu apoio político. Desse modo, as regula-

ções sociais podem ser incorpo-radas como resultado da pressão política exercida por grupos com preferências voltadas às questões sociais. Entretanto, percebe-se que impactos econômicos das regula-ções sociais, especialmente devi-do à possível elevação de barreiras à entrada e consequente manuten-ção de poder de mercado, podem levar grupos de industriais pauta-dos em interesses econômicos a exercer pressão em prol de regula-ções sociais.

Este trabalho enfatiza, portanto, a proximidade entre as duas clas-ses de regulação segundo as abor-dagens econômicas da regulação. O comportamento maximizador do político, os interesses econômicos privados e a busca por eficiência alocativa são as causas e motiva-ções centrais tanto para a regulação econômica como para a regulação social.

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*Thomaz TeodoroviczEconomista pela UFPR. Mestrando do programa de pós-graduação em políticas públicas da UFPR.

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REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 71

Em seu mais recente trabalho, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Professor de Direito Comercial da USP, aborda assunto do qual é uma das principais referências no direito brasileiro, o conflito de interesses no âmbito das sociedades anônimas. Sobre tema re-corrente na vida de todos os comercialistas, trata-se de obra indis-pensável àqueles que querem se aprofundar no estudo da matéria.

O autor, partindo de erudita digressão ao direito estrangeiro, ana-lisa o interesse social, por meio do qual delineia o profundo estudo do conflito de interesses e do abuso de direito de voto. Finaliza-se a obra com análises de importantes julgados da CVM e crítica à di-ferenciação acerca de conflito de interesses e benefício particular.

Derivado de sua tese de doutorado, o Prof. Marcelo Viei-ra von Adamek nos brinda com inovador estudo acerca de tema corriqueiro na vida societária, porém nunca antes abordado com profundidade na doutrina brasileira, o abu-so de minoria. Trata-se, assim como a obra do Prof. Erasmo Valladão, de item essencial na estante de aplicadores e es-tudiosos do direito.

Nesse livro o autor caracteriza o abuso de minoria no di-reito societário utilizando-se, inclusive, do direito compa-rado. Apresenta situações em que o abuso de minoria pode se manifestar no cotidiano da sociedade, bem como técni-cas de inibição ou mitigação dessa prática.

Marcelo Vieira von Adamek, Editora Malheiros

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, 2a ed., Editora Malheiros.

Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A. (e outros escritos sobre conflitos de interesses)

Abuso de Minoria em Direito Societário

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