revisao de literatura compostos fenolicos

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2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 INTRODUÇÃO A revisão de literatura discorre inicialmente sobre a manga (Mangifera indica), abordando aspectos de sua classificação botânica, origem e difusão geográfica, enfatizando a origem das duas variedades de manga utilizadas neste trabalho, Var. ‘Espada’ e Var. ‘Tommy Atkins’. Além disto, são reportados alguns dados sobre a produção nacional e mundial da fruta, bem como formas de consumo. Estas informações têm o intuito de chamar a atenção para o volume de resíduo gerado pelo processamento da fruta, atualmente disposto em aterro ou usado para compostagem. Na sequência, são abordados alguns aspectos sobre a classificação e estrutura química genérica dos principais grupos de compostos fenólicos. Contextualizando para a manga, é apresentado um resumo histórico dos estudos sobre os constituintes fenólicos da planta, tornando evidente que ainda há poucas publicações sobre os constituintes da casca da fruta. São também abordados tópicos relacionados à metodologia de extração sólido- líquido e determinação de compostos fenólicos, bem como sua importância para a indústria de alimentos e para a saúde humana. Finalmente, com o intuito de permitir um melhor entendimento ao leitor, são abordados tópicos referentes ao tratamento estatístico adotado no presente trabalho. 2.2 A MANGA No que se refere à classificação botânica, a manga (Mangifera indica L.) pertence ao gênero Mangifera, que inclui cerca de 850 espécies de árvores da família Anacardiaceae, constituída em sua maioria, de espécies tropicais nativas da Ásia (UDR, 2007a). Originou-se no segundo grande centro que se divide em dois subcentros: o Indico-Burma-Tailandês e o Filipínico-Celeste/Timor. Estes dois subcentros deram origem às duas raças de mangas hoje conhecidas pelos estudiosos da mangicultura: a raça indiana que possui frutos de formato oblongo-ovalado com sementes monoembriônicas e, em geral, com casca rósea a vermelha conforme Figura 1 e a raça filipínica ou indochinesa com frutos de formato longo com sementes poliembriônicas e casca variando de verde a amarela conforme figura 2

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Page 1: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 INTRODUÇÃO

A revisão de literatura discorre inicialmente sobre a manga (Mangifera indica),

abordando aspectos de sua classificação botânica, origem e difusão geográfica, enfatizando a

origem das duas variedades de manga utilizadas neste trabalho, Var. ‘Espada’ e Var. ‘Tommy

Atkins’.

Além disto, são reportados alguns dados sobre a produção nacional e mundial da

fruta, bem como formas de consumo. Estas informações têm o intuito de chamar a atenção

para o volume de resíduo gerado pelo processamento da fruta, atualmente disposto em aterro

ou usado para compostagem.

Na sequência, são abordados alguns aspectos sobre a classificação e estrutura

química genérica dos principais grupos de compostos fenólicos. Contextualizando para a

manga, é apresentado um resumo histórico dos estudos sobre os constituintes fenólicos da

planta, tornando evidente que ainda há poucas publicações sobre os constituintes da casca da

fruta.

São também abordados tópicos relacionados à metodologia de extração sólido-

líquido e determinação de compostos fenólicos, bem como sua importância para a indústria de

alimentos e para a saúde humana.

Finalmente, com o intuito de permitir um melhor entendimento ao leitor, são

abordados tópicos referentes ao tratamento estatístico adotado no presente trabalho.

2.2 A MANGA

No que se refere à classificação botânica, a manga (Mangifera indica L.) pertence

ao gênero Mangifera, que inclui cerca de 850 espécies de árvores da família Anacardiaceae,

constituída em sua maioria, de espécies tropicais nativas da Ásia (UDR, 2007a). Originou-se

no segundo grande centro que se divide em dois subcentros: o Indico-Burma-Tailandês e o

Filipínico-Celeste/Timor. Estes dois subcentros deram origem às duas raças de mangas hoje

conhecidas pelos estudiosos da mangicultura: a raça indiana que possui frutos de formato

oblongo-ovalado com sementes monoembriônicas e, em geral, com casca rósea a vermelha

conforme Figura 1 e a raça filipínica ou indochinesa com frutos de formato longo com

sementes poliembriônicas e casca variando de verde a amarela conforme figura 2

Page 2: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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(MUKHERJEE, 1985 apud PINTO e FERREIRA, 1998a). Neste trabalho foram utilizadas

duas variedades de manga, com potencial econômico para a região, representantes das duas

raças citadas: manga da variedade “Tommy Atkins” representando a raça indiana e manga

“Espada”, representando a raça filipínica.

Figura 1 - Fruto da variedade “Tommy Atkins”

Figura 2 - Fruto da variedade “Espada”

Page 3: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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Popenoe (1939 apud PINTO E FERREIRA, 1998b) atribui o início da dispersão da

manga em todo mundo ao viajante chinês Hwen Tsang que visitou o Hindustão por volta de

632 d.C. Quanto à dispersão na América, os portugueses foram os primeiros a introduzirem a

manga no início do século XVIII, provavelmente no Brasil e os espanhóis no México por

volta de 1779. A manga então introduzida no Brasil pertencia à raça filipínica, geralmente

fibrosa e poliembriônica, apresentando limitada variação genética. A dominância desta raça

perdurou por três séculos limitando a expansão da cultura.

A introdução da manga no México e Panamá também foi proveniente das Filipinas

o que justifica a predominância até pouco tempo da manga Manila, no México. Já na Flórida,

a manga foi introduzida de Cuba, com variedades da raça indiana, que são monoembriônicas e

portadoras de melhor qualidade. (PINTO e FERREIRA, 1998c; UDR, 2007b).

Pinto e Ferreira (1998d) destacam que na década de 60, novas variedades de manga

procedentes da Flórida foram introduzidas no Brasil, com frutos mais resistentes à antracnose,

com pouca fibra e bem coloridos. Apesar destes frutos trazerem novo alento à cultura

organizada da manga, somente a partir de meados dos anos 80 iniciou-se a expansão da

mangicultura no Brasil, estendendo-se por toda década de 90. Do estado de São Paulo, foram

difundidas as novas variedades para o restante do país. Na região semi-árida nordestina foram

implementados vários empreendimentos, com plantios comerciais de variedades demandadas

pelo mercado externo.

Segundo Silva e Correia (2004a), estes empreendimentos consistiam de pólos de

agricultura irrigada com incorporação de plantios tecnificados, principalmente no Vale do São

Francisco, abrangendo os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, e

em outras áreas irrigadas como as dos Vales do Jaguaribe, Açu-Mossoró e Parnaíba situadas

nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, respectivamente.

Com relação a outras regiões do mundo, de acordo com Araújo (2004), a produção

de manga na Europa ainda é pequena, concentrando-se principalmente no sul da Espanha e na

região da Sicília, Itália, onde se cultivam as variedades Tommy Atkins e Keitt. Entretanto, a

quantidade produzida é insuficiente para suprir a demanda do mercado, motivo pelo qual a

comunidade européia ainda ter que importar manga do México, Brasil, Peru, Equador e Haiti.

Para se ter uma idéia, em 2000 estes países responderam por 95% da manga importada pela

União Européia.

Já na Índia, uma das regiões que deram origem ao fruto, as plantações de manga

ocupam uma área correspondente a 1,23 milhões de hectares, de um total dos 5,57 milhões de

Page 4: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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hectares ocupados com pomares. Nesta região a manga não está ligada apenas à atividade

econômica, mas à vida cultural e religiosa.(HORTICULTUREWORLD, 2007).

Atualmente a manga pode ser encontrada nos principais mercados mundiais, ao

longo de todo o ano, fazendo jus ao seu cognome de "rainha das frutas", sendo considerada

uma das frutas tropicais mais importantes do mundo, ocupando o quarto lugar no mercado

internacional, depois da banana, abacaxi e abacate. (UDR, 2007c; SHARMA e outros, 2005a;

PINO e outros, 2005).

Com relação ao panorama mundial, a produção de manga em 2005 ficou em torno

de 28,51 milhões de toneladas, englobando mais de 90 países, com um crescimento médio

anual de 2,6% entres os anos de 1996 a 2005. A produção mundial de manga ainda é bastante

concentrada, visto que deste total, 38,6% são produzidos na Índia, cerca de 12,9% na China,

6,2% na Tailândia, seguidos do México com 5,5%, Indonésia com 5,3%, Paquistão com 4,5%

e Brasil ocupando o sétimo lugar entre os dez maiores produtores mundiais, com uma

produção anual de cerca de 1,22 milhões de toneladas, e participação de 4,3% no volume

total ofertado (BERARDINI e outros, 2005b; EVANS, 2008; MANICA e OLIVEIRA, 2005;

PEROSA e PIERRE, 2002).

No que diz respeito à forma de consumo, a manga pode ser utilizada de diversas

formas, sendo que a principal delas ainda é consumo in natura. Quando processada, pode ser

consumida na forma de: geléias, gelatinas, conservas em forma de picles, barrinhas da fruta e

sucos concentrados em pó (SCHIEBER e outros, 2003). Além destas formas mais consumidas

no mercado externo, aqui no mercado interno a manga madura serve de matéria-prima para

produção de sucos concentrados, ultrafiltrados, clarificados e polpa congelada, esta última

também utilizada como matéria-prima na indústria de produtos lácteos, sorvetes, doces,

néctares e bebidas refrigerantes (KUSKOSKI e outros, 2006). Como resíduos do

processamento industrial as cascas e os caroços, que representam de 35 a 60% do peso total

da fruta, freqüentemente são descartados em aterro, resultando em acúmulo de lixo e

conseqüentemente causando impacto ambiental (LARRAURI e outros, 1996). Mais

recentemente, estão sendo propostos outros usos para compostagem ou produção de rações,

produtos com baixo valor agregado.

Pode-se resumir o que foi exposto anteriormente, concernente à origem, produção e

utilização da manga, dizendo que a manga originária dos dois subcentros Índia e Filipinas, ao

longo dos séculos, foi disseminada para diversos países, sendo produzida atualmente em

quase uma centena de países. Apesar da dispersão, a produção de manga ainda é bastante

concentrada, com a Índia, ocupando a liderança do ranking de produção. O Brasil ocupa

Page 5: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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posição entre os dez maiores produtores, com destaque para a região Nordeste, que responde

por 50% da produção nacional. Uma parte desta produção é destinada ao processamento de

sucos, polpas, geléias e outros. Como resultado do processamento da fruta, a casca e o caroço,

que a depender da variedade representam 35 a 60% do peso total da fruta, são descartados em

aterros. Pelo exposto, presume-se que estudos são necessários para avaliar o potencial de

utilização deste resíduo como forma de minimizar o impacto ambiental e agregar valor aos

subprodutos do processamento da manga.

2.3 OS COMPOSTOS FENÓLICOS

Os compostos fenólicos fazem parte de um grande e complexo grupo de substâncias

orgânicas, que ocorrem de maneira universal nas plantas. Os vegetais superiores sintetizam e

acumulam uma grande diversidade de compostos fenólicos, os quais conferem defesa contra

os ataques dos radicais livres, que são formados como subprodutos provenientes do processo

de fotossíntese e contra injúrias dos tecidos.

Tais compostos parecem estar envolvidos em praticamente qualquer interação da

planta com o ambiente abiótico. Fatores naturais como irradiação solar, luz UV, seca,

nutrientes e estações do ano influenciam no metabolismo e na produção destes compostos.

Além destes, outros fatores artificiais, como poluentes, também podem interferir (JORDAN e

outros, 1991, apud SANTOS e BLATT, 1998; SHUKLA e outros, 1997).

Mamede e Pastori (2004a), afirmam que já foi detectada a ocorrência de mais de

8.000 compostos fenólicos em plantas. Segundo Luthria (2006a), os compostos fenólicos

podem ser classificados em dois grandes grupos: grupo dos compostos fenólicos simples e

grupo do compostos polifenólicos, que podem ser observados através do quadro mostrado na

Figura 3.

2.3.1 Os compostos fenólicos simples

Os compostos fenólicos simples são substâncias que se caracterizam pela existência

de um anel benzênico, um grupamento carboxílico e um ou mais grupamentos de hidroxila ou

metoxila ligados diretamente à estrutura cíclica, conferindo propriedades antioxidantes tanto

para os alimentos como para o organismo (MARASCHIN, 2003). A atividade antioxidante

dos fenólicos simples está relacionada com a posição dos grupos hidroxilas e também com a

proximidade do grupo carboxílico com o grupo fenil. Quanto mais próximo esse grupo estiver

Page 6: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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do grupo fenil, maior será a capacidade antioxidante do grupo hidroxila na posição meta

(MAMEDE e PASTORI, 2004b).

Figura 3 - Classificação química dos compostos fenólicos

Page 7: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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De acordo com os grupos de substituintes, os compostos fenólicos simples podem

se dividir em dois subgrupos: os ácidos fenólicos e as cumarinas. Os ácidos fenólicos estão

largamente distribuídos nos legumes e grãos de cereais, conjugados com açúcares e proteína,

enquanto que as cumarinas são amplamente encontradas na natureza, distribuídas entre

espécies de hábitos bastante diversificados, como árvores, arbustos e ervas e estão presentes

tanto nas raízes como nas flores e frutos de diferentes famílias de Angiospermae como

Apiaceae, Rutaceae, Asteraceae. (RIBEIRO e KAPLAN, 2002; WHITE e XING, 1997a).

O grupo dos ácidos fenólicos se divide basicamente em dois subgrupos, os

derivados do ácido benzóico e os derivados do ácido cinâmico. Os derivados do ácido

benzóico são substâncias com uma estrutura básica de sete carbonos (C6-C1) cujas estruturas

básicas estão ilustradas na Tabela 1. Estes ácidos sofrem substituições nas posições meta e

para dando origem, por exemplo, ao ácido gálico.

Já os derivados do ácido cinâmico, também chamados de fenilpropanóides são

estruturas com nove carbonos (C6-C3) com um anel aromático ligado a uma cadeia carbônica

constituída de três carbonos (WHITE e XING, 1997b), estão ilustrados na Tabela 2.

Pratt e Birac (1979, apud SOARES, 2002) investigaram a presença e atividade

antioxidante de ácidos fenólicos em grãos de soja, farinha de soja desengordurada,

concentrado e isolado protéico de soja e concluíram que dentre os compostos encontrados,

quatro derivados do ácido cinâmico apresentaram uma atividade antioxidante significativa.

São eles: ácido clorogênico (encontrado em maior quantidade e com maior atividade

antioxidante), caféico, p-cumárico e ferrúlico.

As cumarinas, cuja estrutura básica está representada na Figura 4, representam o

outro subgrupo dos fenólicos simples. Seu primeiro representante foi isolado por Vogel, em

1820, na espécie Coumarona odorata. São derivadas do metabolismo da fenilalanina, e

estruturalmente são lactonas do ácido cumarínico. As cumarinas e seus derivados são

substâncias que contêm estruturas químicas do tipo o-heterocíclicos-alfa-carbonilados que são

amplamente encontradas na natureza, e empregadas em diferentes áreas do conhecimento

científico, tais como: farmácia, química, biologia e medicina. (OLIVEIRA; SILVA)

De acordo com Miranda e outros (2007), estes sistemas hetero-aromáticos

apresentam inúmeras atividades biológicas como, por exemplo, anticoagulantes, rodenticidas,

ictiotóxicas, e outras. Um grupo raro desta mesma classe de compostos, são as denominadas

3-aril cumarinas, que apresentam interessantes aplicações industriais, destacando-se como,

branqueadoras de roupas em saponáceos domésticos, principal componente do veículo de

tintas invisíveis para atestar a veracidade de documentos valiosos, etc.

Page 8: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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Tabela 1: Substâncias derivadas do Acido benzóico

Estrutura Nome do composto/

Substituições dos derivados

Ocorrência

Ácido benzóico

Derivados do ácido benzóico

Cereais e legumes

Ácido salicílico

R1=OH; R2=R3=R4=H

Casca do salgueiro

Acido gentíssico

R1= R4=OH; R2=R3=H

Milho painço

Acido protocatequínico

R1= R4=H; R2=R3=OH

Chá verde

Ácido gálico

R1= H; R2=R3= R4=OH

Hamamelis, folhas de chá,

carvalho e outras plantas

Ácido vanílico

R1= R4=H; R2= OCH3; R3=OH

Cevada e sorgo

Ácido siríngico

R1=H; R2= R4=OCH3; R3=OH

Fonte: www.bichoonline.com.br/.../images/apa00142.gif

Page 9: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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Tabela 2: Substâncias derivadas do Acido cinâmico

Estrutura Nome do composto/ Substituições

Ocorrência

Ácido cinâmico

Cinamomo, manteiga de karité

Derivados do ácido cinâmico

Ácido o-cumárico

R1=OH; R2=R3=R4=H

Ácido p-cumárico

R3=OH; R1=R2=R4=H

Especiarias, chás sementes oleaginosas

Acido caféico

R2= R3=OH; R1=R4=H

Café, pêra, alecrim, orégano

Acido ferrúlico

R2= OCH3; R3=OH; R1=R4=H

Cereais (aveia, milho, trigo)

Ácido sinápico

R2= R4=OCH3; R3=OH; R1=H

Fonte: www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n1/a08fig03.gif

Page 10: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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Figura 4 - Estrutura básica das cumarinas

2.3.2 Os polifenóis

O outro grande grupo dos compostos fenólicos é o dos polifenóis. De acordo com

Fennema (1993a) não existe uma definição rigorosa para este grupo de substâncias, que

possui diversas estruturas. O grupo dos polifenóis se divide em dois subgrupos: o dos

flavonóides e o dos taninos.

Os flavonóides são pigmentos responsáveis pela cor outonal das folhas e de várias

frutas e legumes que vão desde o amarelo, laranja, vermelho ao azul das flores. A palavra

flavonóide vem do latim “flavus” que quer dizer amarelo. De acordo com Silva, estas

substâncias foram descobertas em 1930 pelo prêmio Nobel Szent-Gyorgy, que extraiu a

citrina da casca do limão. Na época a substância recebeu a denominação de vitamina P, depois

vitamina C2 até que esta classificação foi abandonada em 1950.

Com relação aos taninos, inicialmente o termo foi dado à infusão de cascas de

árvores como o carvalho e a castanheira, na qual as peles de animais eram tratadas para

obtenção de couros maleáveis e de maior durabilidade (QUEIROZ e outros, 2002a). Segundo

Fennema (1993b), os taninos são compostos fenólicos especiais, com pesos moleculares

compreendidos entre 500 e 3.000. A química dos taninos é complexa. Estes compostos são

solúveis em água e sob condições específicas de pH, têm a capacidade de formar complexos

razoavelmente fortes com proteínas e alcalóides, precipitando-os. Concentrações elevadas

destes compostos podem comprometer o sabor e a palatabilidade de alimentos, devido a sua

adstringência. (AGOSTINI-COSTA e outros, 2000).

Quanto à estrutura e classificação, os flavonóides possuem uma estrutura básica de

quinze carbonos do tipo C6-C3-C6 com três anéis aromáticos (dois anéis fenóis e um anel

pirano) e várias substituições (AGOSTINI-COSTA e outros, 2000; MAMEDE; PASTORI,

2004). Sua classificação depende dos substituintes e do grau de oxidação do anel pirano. As

Page 11: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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classes ou subgrupos de flavonóides variam de autor para autor: Silva enumera 14 subgrupos

de flavonóides. Já Fennema (1993c) enumera dez subgrupos, enquanto que Luthria (2006b),

em publicação de onde foi extraída a ilustração da Figura 3 do presente trabalho, engloba sete

subgrupos de flavonóides, sendo eles: o das Antocianinas, o dos Flavanóis, o das Flavanonas,

o das Flavonas, o dos Flavonóis, o das Isoflavonas e o das Clalconas

Apesar da discordância entre os autores sobre o total de constituintes representantes

do grupo dos flavonóides, verifica-se na literatura, que existe um consenso entre vários

autores em que apenas seis dos subgrupos enunciados estão incluídos na dieta humana. Fazem

parte deste consenso, Buhler, Fennema (1993 d), Marcucci e outros e Silva. Segundo estes

autores os subgrupos são os seguintes: o das Antocianinas, o dos Flavanóis, o das Flavanonas,

o das Flavonas, o dos Flavonóis e o das Isoflavonas. A diferença entre estes subgrupos é

estabelecida pelo grau de aromaticidade, ordenamento do número de hidroxilas substituídas,

bem como tipo e extensão de glicosilação destes grupos. De acordo com Cadenas, o sítio

preferido para glicosilação é a posição 3. A estrutura básica de um flavonóide e dos subgrupos

mais importantes estão ilustradas na Tabela 3, que além de ilustrar as estruturas, lista também

as principais substâncias de cada subgrupo e sua ocorrência na natureza.

Dando início à descrição dos subgrupos de flavonóides, as antocianinas constituem

o grupo de flavonóides mais abundantes na natureza, sendo o mais importante e diversificado

grupo de pigmentos vegetais hidrossolúveis. São constituídas de uma aglicona chamada

antocianidina, que é esterificada com um ou mais açúcares nas posições 3, 5 ou 7.

Podem também conter uma ou mais moléculas de ácidos, esterificando os açúcares

nas posições 3, 5 ou 4. Quando estão esterificadas, são conhecidas como antocianinas

aciladas. Em função destes grupos substituintes ligados aos seus anéis aromáticos são

moléculas polares, mais solúveis em água do que em solventes apolares (GUIMARÃES,

2009; VALDUGA e outros, 2008a).

De acordo com Fennema (1993e), vinte tipos de antocianinas são conhecidos,

sendo que apenas seis delas são importantes para a tecnologia de alimentos, encontradas em

hortaliças e frutas: pelargonina, cianidina, delfinidina, peonidina, petunidina e malvidina. As

cascas de uvas tintas, subproduto das indústrias de vinho e de suco, por exemplo, são fontes

comerciais de antocianinas para a produção de corantes para fins alimentícios (VALDUGA e

outros, 2008b).

As demais são encontradas em flores e folhas. Os pigmentos das antocianinas não

são estáveis. Dependendo das variações de atividade de água, pH, luz, temperatura, presença

Page 12: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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do oxigênio e de traços de metais presentes no meio, o seu espectro de cores vai do vermelho

ao azul, apresentando também tons de púrpura e alaranjado (COUTO e outros, 1998).

Tabela 3: Estrutura dos principais subgrupos de flavonóides

Estrutura Nome do subgrupo/ Ocorrência

Principais substâncias do grupo/ Substituições

Estrutura básica

dos flavonóides

Antocianinas

Cascas de uvas tintas, e vinho tinto

Pelargonina

R1= H R2=H

Cianidina

R1= OH R2=H

Delfinidina

R1= OH R2=OH

Petunidina

R1= OCH3 R2=OH

Malvidina

R1= OCH3 R2= OCH3

Flavanol

Chás verde e branco, cacau e chocolate

Catequina, epicatequina

Possuem grupo de hidroxila da

posição 3

(continua)

Page 13: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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Tabela 3: Estrutura dos principais subgrupos de flavonóides (continuação)

Estrutura Nome do subgrupo/ Ocorrência

Principais substâncias do grupo/ Substituições

Flavanona

Cítricos

Naringenina

R1= H R2=OH

Eriodictiol

R1= R2=OH

Hesperidina

R1=OH R2=OCH3

Flavona

Salsa, tomilho, aipo e pimenta

Apigenina

R1=H

Luteolina

R1= OH

Flavonol

Alho, brócolis, maçã e chás

Campferol

R1= R2=H

Quercetina

R1=OH R2=H

Miricetina

R1=OH R2=OH

Isoflavona

Alimentos à base de soja, sementes de linhaça e trevo vermelho

Daidzeína

R1= R2=H

Genisteína

R1=H R2=OCH3

Fonte: Linus Pauling Institute/Oregon State University

O subgrupo dos flavanóis é caracterizado pela substituição com uma hidroxila na

posição 3. As principais representantes do subgrupo são as catequinas e epicatequinas,

substâncias encontradas principalmente no cacau, chocolate e chá verde.

O subgrupo das flavanonas está amplamente distribuído nos cítricos. As principais

representantes são naringenina e hesperidina.

Page 14: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

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O subgrupo das flavonas é caracterizado pela presença de uma ligação dupla no

anel central. Diferem dos flavonóis por não possuírem hidroxila ligada à posição 3, o que

altera o espectro na região do ultravioleta, reações colorimétricas e mobilidade

cromatográfica. Estas substâncias são encontradas principalmente em especiarias, tais como:

salsa, pimenta e tomilho.

O subgrupo dos flavonóis possui substituição o-hidroxila no anel B, que participa

na deslocalização dos elétrons, conferindo maior estabilidade ao radical. Além disso, possui

também ligação dupla com a função 4-oxo no anel C e substituição com outras hidroxilas nas

posições 3 e 5 dos anéis A e C. Estes fatores todos reunidos são necessários para exercer um

potencial máximo antioxidante, principal característica das substâncias do grupo,

principalmente da quercetina.

O subgrupo das isoflavonas é de ocorrência quase exclusiva da família das

Leguminosae. Este grupo de substâncias vem despertando o interesse de mulheres na

menopausa, devido a sua ação estrogênica. De acordo com Park e outros (2001, apud

DEGÁSPARI e WASZCZYNSKYJ, 2004), as isoflavonas funcionam como antiestrógenos

em presença de estrogênios humanos, competindo com os hormônios por seus receptores nas

células-alvo. No entanto, na ausência ou insuficiência destes, passam a substituí-los aliviando

os sintomas indesejáveis do climatério, já que sua atividade estrogênica é cem vezes inferior à

do β-estradiol.

Já com respeito aos taninos, de acordo com Queiroz e outros (2002b), estes se

dividem em dois subgrupos: taninos hidrolisáveis e não-hidrolisáveis. Os primeiros são

ésteres do ácido gálico e de seus dímeros que, após hidrólise, produzem ácido gálico e ácido

elágico, como pode ser observado na Figura 5. Normalmente são encontrados em raízes,

flores, frutos e folhas.

Figura 5 - Estrutura básica de tanino hidrolisável

Page 15: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

33

Com respeito aos taninos não hidrolisáveis ou condensados, estes são mais comuns

em madeiras, perfazendo a metade da matéria-seca da casca de muitas árvores. De acordo

com Trugilho e outros (2003), a casca da árvore está mais sujeita a maiores problemas com

injúrias. De forma que estas substâncias com propriedades germicidas muito fortes asseguram

defesa da planta contra os microorganismos patogênicos.

Segundo Queiroz e outros (2002), a estrutura dos taninos condensados é formada

pela ligação de uma série de monômeros de unidades catequina (flavan-3-ol), ou por um

derivado desta. Esta ligação ocorre normalmente entre os carbonos 4 de uma estrutura e

carbono 8 da outra. Na figura 6 está ilustrada a estrutura de um tanino condensado muito

comum, a procianidina.

A exposição teve como objetivo mostrar a grande diversidade do grupo dos

compostos fenólicos, principalmente no que diz respeito à diversidade de suas estruturas

químicas. Este entendimento ajuda na compreensão da dificuldade de serem estabelecidas

metodologias para extração e determinação destes compostos. Sendo assim, são necessários

estudos que busquem métodos simples e menos dispendiosos que sirvam de estímulo para um

melhor aproveitamento destas substâncias.

Figura 6 - Estrutura básica dos taninos não hidrolisáveis

Page 16: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

34

2.4 OS CONSTITUINTES FENÓLICOS DA MANGA

No que diz respeito às características da manga, sabe-se que existem cerca de 1500

variedades de manga no mundo. Devido a esta grande variedade, a fruta tem pronunciada

diversidade de tamanho, cor, formato, sabor e composição. (SHARMA e outros, 2005b). Em

termos de valor nutricional, a manga é rica fonte de fibras e carotenóides, com β-caroteno

respondendo por mais da metade do conteúdo de carotenóides totais na maioria dos cultivares.

De acordo com os pesquisadores SELLÉS e outros (2002a) e BERARDINI e outros

(2005c) os esforços para identificar os constituintes da manga começaram na década de 60,

com El Sissi e Saleh, que constataram a presença de quercetina e kampferol em extrato etéreo

da folha. Mais tarde, Nott e Roberts (1967, apud SCHIEBER e outros, 2000a) estudaram a

casca do tronco, isolaram e elucidaram a estrutura do glicosídeo mangiferina. Ainda na

mesma década, El Ansari e outros (1969, apud SCHIEBER e outros, 2000b) pesquisaram a

fruta, encontrando ácido gálico, m-digálico e m-trigálico, galotaninos, quercetina,

isoquercetina, mangiferina, e ácido elágico.

Prosseguindo as pesquisas, El Sissi e Saleh, (1970, apud SELLÉS e outros, 2002b)

detectaram quercetina 3-glucosideo e kampferol 3-glucosidio, ácido protocatêico, gálico e

mangiferina em folhas de Mangifera indica L. Var. ‘Taimour’ e em 1975 ao estudarem 20

variedades da planta, detectaram que as folhas são ricas em mangiferina, a fruta verde e a

semente (caroço) em galotaninos.

Mais tarde Tanaka e outros (1984) isolou galoil e hidroxi-benzoil-ésteres, bem

como epicatequina das flores, compostos fenólicos das folhas, frutos e caroços. SELLÉS e

outros (2002c) desenvolveram um extrato aquoso, obtido da decocção da casca do tronco da

mangueira. Este extrato tem sido tradicionalmente usado no tratamento de menorragia,

escabiose, diarréia, sífilis, diabetes, feridas cutâneas e anemia. Visando descobrir a origem das

propriedades do referido extrato, estes pesquisadores identificaram e quantificaram os

compostos fenólicos nele contidos. Dentre os compostos isolados foi identificada a

quercetina, um flavonóide com poder antioxidante, anticancerígeno, antialérgico e com efeito

protetor do sistema cardiovascular.

Com relação à composição do caroço e sua utilização como fonte de nutrientes,

Puravankara e outros (2000) pesquisaram o conteúdo de gordura e antioxidantes naturais e

Soong e Barlow (2004 apud BERARDINI e outros, 2005d) pesquisaram os teores de amido e

farinha.

Page 17: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

35

Já com relação à casca, Lakshiminarayana e outros (1970, apud

SRIRANGARAJAN E SHRIKHANDE, 1977) realizaram meticuloso estudo comparativo

durante o desenvolvimento da fruta e constataram que o conteúdo de fenólicos totais era mais

alto na casca que na polpa, em todos os estágios de maturação da fruta.

Schieber e outros (2003) estudaram a casca da variedade “Tommy Atkins” e

caracterizaram quinze compostos fenólicos usando cromatografia e espectrometria de massa

e, em estudo mais recente, BERARDINI e outros (2005e) estudaram quatorze variedades da

fruta produzidas ao redor do mundo (África, Ásia, Austrália e América do Sul) e

demonstraram que as cascas da fruta continham diversos flavonóis e xantonas.

No que concerne à pesquisa nacional sobre a manga, Kuskoski e outros (2006)

verificaram o conteúdo de polifenóis de dez diferentes polpas de frutas congeladas

comercializadas em Santa Catarina e verificaram que a polpa de manga continha teores de

polifenóis superiores aos da maioria das polpas consideradas, ficando um pouco abaixo

apenas da polpa de morango.

Já ASSIS e outros (2004) pesquisaram a evolução dos teores de amido e açúcares

solúveis durante o desenvolvimento e amadurecimento de diferentes cultivares de manga.

Mais recentemente, Ribeiro (2006) fez a caracterização e avaliação do potencial antioxidante

de quatro variedades de manga comercializadas na região de Minas Gerais. Como a variedade

“Ubá”, apresentou maior teor de bioativos ele fez também a caracterização dos resíduos do

processamento da fruta e propôs seu aproveitamento para produção de farinha e para futuros

estudos relacionados à viabilidade econômica da extração de bioativos.

Concluindo, como se pode ver, o que se encontra na literatura são basicamente

estudos que mostram que o conteúdo de fenólicos totais é mais alto na casca que na polpa da

manga. Apesar disto, não foram encontrados estudos voltados à maximização do processo de

extração de fenólicos na casca da fruta. Desta forma, este estudo se propõe a investigar o a

extração de fenólicos totais na casca de duas variedades de manga com importância comercial

para a região, com vistas ao futuro aproveitamento desta fonte de compostos bioativos.

2.5 A EXTRAÇÃO E A DETERMINAÇÃO DE COMPOSTOS FENÓLICOS

A extração sólido-líquido, também chamada lixiviação, é uma técnica para

purificação e separação de sólidos que abrange o contato íntimo entre um líquido (solvente) e

um sólido (soluto). A partir do momento que as duas fases entram em contato, o soluto pode

difundir através da fase sólida para a fase líquida, causando a separação do componente que

Page 18: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

36

estava originalmente na fase sólida. A fase solvente transforma-se no extrato, que depois é

separado do sólido por filtração, sedimentação ou centrifugação, ou por combinação de ambos

(FOUST e outros, 1982).

Alguns parâmetros podem ser considerados neste processo, sendo os mais

importantes a granulometria, a temperatura, o tempo de contato e a velocidade de difusão do

princípio ativo a ser extraído, que normalmente fixa os tempos de permanência.

No caso de estruturas biológicas, formadas de uma estrutura celular que contém o

soluto, a taxa de lixiviação pode ser lenta, porque as paredes celulares opõem resistência à

difusão. Para aumentar a eficiência da extração, o sólido deve ser preparado, de modo a

facilitar o contato com o solvente.

Porém, como reduzir o material a um tamanho que exponha o conteúdo individual

de cada célula é praticamente impossível, no caso de folhas, raízes e outros materiais vegetais,

a secagem do material antes da extração ajuda a romper as paredes celulares. Depois de seco,

portanto, o material é triturado, para que o solvente possa dissolver o soluto presente em seu

interior. (GEANKOPLIS, 1993).

Além dos aspectos físicos da extração, existem também os aspectos químicos, que

devem ser considerados no processo como um todo. Para um soluto se dissolver em um

solvente, o soluto precisa ter uma interação com o solvente igual ou superior às interações

solvente-solvente e soluto-soluto. Sendo assim, a eficiência da extração de fenólicos está

relacionada tanto aos procedimentos de extração bem como às características químicas das

moléculas.

Existe um consenso na literatura, a respeito da escolha do solvente para a extração

de compostos fenólicos. Os textos mostram que solventes aquosos são mais eficazes na

extração que os solventes puros. Keinänen (1990, apud LIMA e outros, 2004) evidenciou que

solventes aquosos (MeOH 80% e EtOH 80%) foram mais eficazes na extração de fenólicos.

Georgé e outros (2005) usaram a mistura Acetona-Água a 70% para extração de fenólicos em

diversos sucos de fruta.

Luthria (2006c) comparou o desempenho de cinco solventes puros, com a mistura

metanol-água a 60% na extração de fenólicos. De acordo com este autor, a mistura de

solventes foi mais eficiente que os solventes usados sem mistura. Ele justifica que os

compostos fenólicos solúveis em água, normalmente são encontrados nos vacúolos das

células vegetais, enquanto que os insolúveis são constituintes da parede celular.

Considerando ainda o processo de extração, acrescente-se à solubilidade outros

fatores como: estrutura química, grau de polimerização, interação com outros componentes da

Page 19: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

37

matriz, polaridade do solvente e técnicas de extração, que podem ser as mais variadas:

sonicação, percolação, maceracão dinâmica, extração supercrítica, Soxhlet entre outras e as

condições da extração que também influenciam no processo, tais como: tempo, temperatura e

pressão.

Levando-se em conta tantas variantes, Luthria (2006d) estudou a influência do

preparo das amostras para a determinação de fitoquímicos e ressalta que este aspecto tem sido

freqüentemente considerado como um meio e não um fim. De acordo com ele, poucos

pesquisadores tentaram otimizar o processo de preparo das amostras e muitos fazem uma

abreviada descrição destas etapas do experimento, o que tem contribuído para uma grande

variação nos resultados das análises.

Os trabalhos publicados, em quase sua totalidade, utilizam a Cromatografia Líquida

de Alta Eficiência (CLAE) para caracterização e quantificação destes compostos. No entanto,

grande parte dos pesquisadores se queixa do custo elevado e da dificuldade para encontrar

padrões de nível cromatográfico para caracterizar uma tão grande variedade de compostos

fenólicos (BERARDINI e outros, 2005f). Marcucci e outros comentam que a cromatografia

apesar de ser um método muito bom para quantificar individualmente os compostos fenólicos,

devido à falta de padrões de substâncias ainda não elucidadas, não consegue estimar

corretamente o conteúdo dos fenólicos totais.

Sendo assim, uma alternativa para quantificação, mais simples e barata, com

procedimentos que permitem a análise mais rápida de numerosas amostras, é a

espectrofotometria em UV-Vis. O método data de 1912, e consiste de reação colorimétrica

com o reagente de Folin-Ciocalteau, uma mistura contendo molibdato, tungstato e ácido

Fosfórico (H3PW12O40 e H3PMo12O40) que se complexa. Sob condições alcalinas,

proporcionadas pelo carbonato de sódio, o complexo sofre redução na presença de compostos

fenólicos, formando óxidos azuis de molibdênio e de tungstênio (W8O23 e Mo8O23). O

produto da reação é instável e é determinado com absorção máxima em 760 nm.

O método foi descrito por Folin-Ciocalteau, aperfeiçoado pelo professor Vernon

Singleton durante a década de 60 (SINGLENTON & ROSSI, 1965 apud MARTINELLO,

2006) e otimizado recentemente por Georgé e outros (2005). Este último estudou a influência

do solvente de extração e a cinética da reação após a adição de cada um dos reagentes, sob

diferentes temperaturas. A reação colorimétrica foi otimizada com a determinação dos tempos

de reação para cada reagente. Os resultados encontrados foram: 2 minutos para a reação com

o reagente FC à temperatura ambiente e 15 minutos em banho-maria a 50 ºC, para a reação

Page 20: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

38

com carbonato de sódio. O estudo revelou que após um tempo de 30 minutos a coloração do

meio já sofre declínio.

Como visto anteriormente, a eficiência da extração sólido-líquido depende de

diversos fatores físico-químicos, relacionados ao preparo da amostra, à escolha do solvente de

extração, à técnica de extração propriamente dita e ao processo de separação do soluto

desejado. De acordo com Luthria (2006e) poucos pesquisadores fazem descrição detalhada

das etapas relacionadas ao preparo das amostras ou otimizaram esta etapa do experimento.

Sendo assim, o presente trabalho se propõe a estudar a extração de compostos fenólicos totais

da casca de manga fazendo uma descrição mais detalhada do preparo das amostras, dando

atenção ao tempo de secagem, fator determinante no preparo da amostra.

2.6 AS APLICAÇÕES DOS COMPOSTOS FENÓLICOS NA SAÚDE HUMANA

Uma das principais causas de deterioração dos alimentos é a oxidação lipídica. Os

produtos da oxidação primária geralmente são inodoros e incolores, mas são instáveis.

Prontamente produzem substâncias secundárias como alcanos, álcoois, aldeídos e ácidos com

odor ativo e baixíssimo valor nutritivo. Estes subprodutos além do aroma e “flavor”

indesejáveis, provocam descoloração e outras formas de deterioração (NAKATANI, 1997a).

De acordo com Shahidi (1997c), a peroxidação lipídica não é um problema que

envolve apenas a indústria de alimentos, mas também o corpo humano, uma vez que nossas

células são formadas pela camada bilipídica. A produção excessiva de radicais livres

provenientes do metabolismo, pode afetar a membrana lipídica das células produzindo

“substâncias reativas oxigenadas” (ROS). Estes subprodutos do nosso metabolismo normal

podem causar dano ao DNA, e diversas doenças degenerativas como: câncer, doenças

cardiovasculares, disfunções cerebrais, enfraquecimento do sistema imunológico, etc. A

figura 7 ilustra algumas das principais doenças degenerativas envolvidas no processo natural

de oxidação das células.

Estudos epidemiológicos têm evidenciado que os compostos fenólicos presentes em

frutas, cereais e legumes têm contribuído significativamente para a redução de doenças

crônicas e degenerativas em populações cuja dieta tem alta ingestão destes alimentos. Outros

estudos clínicos verificaram que estas substâncias promovem a síntese de interferons e

produção de anticorpos (RIBEIRO, 2006; SANTOS e outros, 2002).

Page 21: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

39

Figura 7- Doenças causadas por ROS Fonte: M.T. Huang: Natural antioxidants

Sellés e outros (2002d) evidenciaram que a ingestão de polifenóis está

inversamente relacionada com incidentes de câncer. Numerosas culturas de células e modelos

animais indicam potente atividade anticarcinogênica por certos polifenóis mediante uma gama

de mecanismos, incluindo atividade antioxidante, modulação enzimática, expressão gênica,

etc. (SHAHIDI, 1997d). No que diz respeito à manga, Sellés e outros (2005b) testaram o

extrato produzido a partir da casca do tronco da manga, em comparação com as vitaminas C,

E, C+E e caroteno em termos de inibição da oxidação lipídica e proteção contra oxidação da

enzima Peróxido Dismutase mitocondrial (POD). Os valores obtidos demonstraram poder

similar aos das vitaminas no plasma, significativamente maior que a vitamina C e caroteno no

fígado, e similar às vitaminas C+E no cérebro. No que diz respeito a POD, os valores foram

consideravelmente maiores que todas as vitaminas e caroteno.

Estudos mais recentes retratam uma nova visão para o mecanismo de ação dos

flavonóides no corpo humano. De acordo com Frei (2007) o mecanismo de ação dos

flavonóides no organismo é bem diferente daquele observado em um tubo de ensaio. O que

acontece no organismo é que o corpo considera os flavonóides como corpos estranhos e

produzem enzimas para expulsarem os compostos indesejados. Neste processo de se livrar das

substâncias indesejáveis, as enzimas produzidas também ajudam a eliminar agentes

cancerígenos e mutagênicos. Desta forma estes mecanismos ajudam a eliminar células

cancerígenas e inibem a invasão tumoral.

Como visto anteriormente, o processo de oxidação lipídica é comum tanto aos

alimentos, como às células do corpo humano. Várias doenças degenerativas estão associadas

INFECÇÕES DIABETES PARKINSON

CÂNCER ARTRITE ISQUEMIA ENVELHECIMENTO

ROS

Page 22: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

40

ao estresse oxidativo das células, decorrente da ação de radicais livres, provenientes do

próprio metabolismo. Estudos têm evidenciado que o consumo de compostos fenólicos

contribui para a redução de doenças crônicas como câncer e outras. Sendo assim, pesquisas

que priorizem a descoberta de novas fontes de compostos fenólicos, antioxidantes naturais,

bem como a viabilidade de sua extração são muito importantes. Este trabalho, portanto visa

estudar o processo de extração de compostos fenólicos totais da casca de manga e propõe que

futuros trabalhos possam explorar o uso do extrato para fabricação de suplementos

nutricionais e outras aplicações.

2.7 O TRATAMENTO ESTATÍSTICO

A seguir será dada uma breve exposição de alguns termos e conceitos da Estatística

utilizados neste trabalho, sendo eles: conceito e classificação de variáveis, planejamento

experimental, nível de significância, distribuição t Student e análise de variância (ANOVA).

Primeiramente, pode-se dizer que variáveis são características medidas, controladas

ou manipuladas, observáveis em cada elemento pesquisado. Segundo Reis (2003a) e Milone

(2006a) as variáveis podem ser classificadas de acordo com o nível de mensuração em

variáveis qualitativas, quantitativas e intervalares.

As variáveis qualitativas podem ser medidas apenas em termos de quais itens

pertencem a diferentes categorias, mas não se pode quantificar nem mesmo ordenar tais

categorias. Já as variáveis quantitativas expressam alguma propriedade mensurável do evento

de interesse. Em geral resultam de medição, enumeração, contagem ou cálculo.

No presente trabalho as variáveis qualitativas adotadas foram a variedade da manga

e o tipo de solvente. Enquanto que as quantitativas foram o tempo de secagem da casca e a

temperatura do solvente usado na extração. Quanto às variáveis intervalares, Milone (2006b)

esclarece que expressam propriedades graduáveis dos eventos em intervalos de valores

retratando os graus de intensidade de seus atributos, como por exemplo números de estrelas

com que um hotel é classificado.

Normalmente em um experimento o pesquisador manipula algumas variáveis e

então mede os efeitos desta manipulação em outras variáveis. As que são manipuladas são

chamadas de variáveis independentes enquanto que as são apenas medidas ou registradas são

as variáveis dependentes. Uma vez definido o termo variável, será explanado brevemente o

tópico planejamento experimental.

Page 23: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

41

Todo experimento envolve uma série de variáveis com maior ou menor grau de

importância para o processo em estudo e geralmente o objetivo principal das pesquisas ou

análises científicas é encontrar relações entre variáveis. Entretanto, somente o resultado de um

experimento adequadamente planejado e realizado poderá indicar uma relação causal entre

duas ou mais variáveis (NEVES e SCHVARTZMAN, 2001; REIS, 2003b).

Comumente se realizam os experimentos alterando uma variável de cada vez,

enquanto as demais permanecem constantes. Entretanto, esta não é a maneira mais eficiente

de se realizar um experimento, uma vez que este planejamento univariado convencional

negligencia as interações entre as variáveis (ZAMORA, 2006). A técnica denominada

planejamento fatorial de experimentos é mais apropriada, já que todas as variáveis são

modificadas ao mesmo tempo, podendo influenciar-se mutuamente, de forma que o valor

ideal para uma delas pode depender do valor de outra.

No planejamento fatorial de experimentos estão envolvidos k fatores (ou variáveis)

cada um deles presente em diferentes níveis. O caso mais simples é aquele em que cada fator

k está presente em apenas dois níveis. Na realização de um experimento com k fatores em dois

níveis, são feitas 2 x 2 x ... x 2 (k vezes) = 2k observações da variável resposta e, portanto, este

planejamento é denominado experimento fatorial 2k. No presente trabalho foi utilizado

inicialmente, um planejamento fatorial 24 para triagem das variáveis de maior importância,

bem como para verificar a interação entre elas. Uma vez explanado o conceito de

planejamento experimental, agora será abordada o conceito de nível de significância, nível-p.

Milone (2006c) afirma que a forma como dados amostrais são interpretados, como

se tomam decisões e se redefinem parâmetros é objeto da teoria da inferência estatística. Ao

se tomar uma decisão estatística, são formuladas hipóteses: uma hipótese nula e uma hipótese

alternativa. A hipótese nula geralmente consiste em uma afirmação do tipo “não há diferença”

ou “não há a relação” na população em estudo.

Considerando a decisão a ser tomada, existem duas possibilidades de erro: o erro de

tipo I que consiste em se rejeitar a hipótese nula, quando ela é verdadeira e, o erro de tipo II

que consiste em se aceitar a hipótese nula, quando ela é falsa. Como se sabe que mesmo

eventos raros podem ocorrer é razoável se supor que, seja qual for a decisão tomada a respeito

da hipótese nula, existe a possibilidade de erro (ROCHA, 2008). Infelizmente, quando a

probabilidade de cometer o erro do tipo I diminui, a probabilidade de cometer o erro do tipo II

aumenta. Sendo assim, os testes estatísticos normalmente são delineados para controlar o erro

de tipo I, chamado de nível de significância.

Page 24: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

42

O nível de significância pode ser estimado quantitativamente sendo representado

por p. Especificamente, o nível-p representa a probabilidade de erro envolvida em rejeitar a

idéia de que a relação em questão não existe na população e em aceitar o resultado observado

como válido. Desta forma, o nível p mede a confiabilidade de uma relação observada entre

variáveis na amostra. O valor do nível-p representa também um índice decrescente da

confiabilidade de um resultado. Quanto mais alto o nível-p, menos se pode acreditar na

relação observada entre as variáveis. Por exemplo, um nível p de 0,05 (1/20) indica que, caso

o experimento de interesse seja repetido várias vezes, pode-se esperar que em

aproximadamente 20 realizações do experimento em apenas uma a relação entre as variáveis

em questão seria igual ou mais forte do que a que foi observada naquela amostra. No presente

trabalho foi adotado um nível-p de 0,05 como um limite aceitável de erro. Uma vez explanado

o conceito de nível de significância, agora será abordado o conceito de distribuição de

probabilidades.

2.7.1 A distribuição de probabilidades

Um estudo estatístico pode ter por base toda a população ou uma de suas amostras.

No entanto o maior interesse está na população. O interesse na amostra reside na informação

que ela pode prover sobre a população. E um dos aspectos básicos da relação entre as

variáveis é justamente a confiabilidade, um conceito que está relacionado com a

"representatividade" do resultado encontrado em uma amostra específica de toda a população.

Em outras palavras, a confiabilidade diz quão provável será encontrar uma relação similar se

o experimento fosse feito com outras amostras retiradas da mesma população. Sendo assim, o

princípio básico é descobrir as relações entre os parâmetros, avaliar as amostras

representativas e transferir os resultados para o universo de estudo.

As distribuições amostrais ou distribuições teóricas de probabilidades permitem

fazer estas medições, à medida que descrevem como os parâmetros se dispõem. De um modo

geral, a maior parte dos fenômenos probabilísticos de natureza contínua tende a seguir uma lei de

distribuição designada por função de distribuição normal, ou de Gauss. Esta lei de distribuição

estabelece que os valores mais frequentes (isto é, os valores a que correspondem as maiores

probabilidades) se encontram em torno da média da variável aleatória. Quanto mais afastados os

valores estão da média (este afastamento é quantificado em termos de variância ou segundo

momento em relação à média), menos frequentes são. Esta interpretação imediata da lei de

Page 25: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

43

distribuição normal é coerente com o que se passa com a maior parte dos fenômenos que ocorrem

na natureza (MILONE, 2006d; REIS, 2003c).

Existem outros modelos de distribuição, entre eles o da distribuição t de Student,

onde o modelo é semelhante à curva normal padrão, porém com caudas mais largas. O único

parâmetro que define a distribuição t Student é o grau de liberdade (v), e caracteriza a sua

forma. Quanto maior for esse parâmetro, mais próxima da normal ela será. A figura 8 ilustra

uma simulação da distribuição “t” de Student. Pode-se observar que é possível gerar valores

mais extremos que uma simulação da normal.

2.7.2 A análise de variância (ANOVA)

Uma vez explanado o tema de distribuição de probabilidades, finalmente será

explanado o conceito de análise de variância ANOVA e os seus termos. De acordo com

Balestrassi (2009) a análise de variância é uma técnica estatística que permite avaliar,

Figura 8 - Curva de distribuição “t” Student Fonte: Wikipedia

Page 26: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

44

comparar médias. Já segundo Barros e outros (2003a), a ANOVA é o método mais usado para

se avaliar numericamente a qualidade do ajuste de um modelo empírico. Para tanto, faz-se a

análise com a decomposição algébrica dos desvios das respostas observadas em relação à

resposta média global (desvio total). A variação total das observações em torno da média é

descrita pela equação de regressão e o restante fica por conta dos resíduos. Geralmente, de

acordo com literatura, para se fazer a análise de variância de um modelo utiliza-se a equação

1, apresentada a seguir:

- = - + -

(1) Total Regressão Resíduo

Onde:

- Respostas reais, obtidas experimentalmente

- Média global dos valores observados experimentalmente

- Resposta calculada, prevista pelo modelo matemático

Na equação apresentada, o desvio total foi decomposto em duas parcelas que

representam: o desvio da previsão feita pelo modelo para o ponto em questão em relação à

média global (regressão) e a diferença entre o valor observado experimentalmente e o valor

previsto (Resíduo). Num modelo bem ajustado a parcela do resíduo deve ser bem pequena.

Para expressar esta comparação em termos quantitativos, utiliza-se o método dos

mínimos quadrados, elevando-se a equação proposta anteriormente ao quadrado, e fazendo o

somatório de todos os pontos. O processo não vai ser demonstrado neste trabalho, mas o

resultado obtido pode ser ilustrado pela equação 2:

2 = 2 + 2 (2)

Estas somas de quadrados dos desvios são chamadas de somas quadráticas, ou SQ.

Sendo assim, de forma compacta, a equação anterior pode ser escrita conforme a equação 3,

apresentada a seguir:

= + (3)

Page 27: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

45

Ou seja, a variação total das observações em torno da média é descrita pela equação

de regressão e o restante fica por conta dos resíduos. Sendo assim, quanto maior for a fração

descrita pela regressão, melhor será o ajuste do modelo. Esta conclusão pode ser quantificada

através da determinação do coeficiente de determinação do modelo, R2, que é descrito através

da equação 4.

= (4)

Onde:

O valor máximo de é 1 e só ocorrerá se não houver resíduo. Para um

experimento em que os ensaios sejam realizados em duplicatas, os resultados podem ser

utilizados para se obter uma estimativa do erro aleatório. Neste caso, o termo dos resíduos é

decomposto em dois termos, que representam o erro aleatório puro e a falta de ajuste do

modelo. Os resultados da ANOVA proposto por Barros (2003c), para o caso particular de um

modelo quadrático, cujas amostras foram duplicadas, como foi o estudado no presente

trabalho, estão apresentados na Tabela 4.

Tabela 4: Análise de Variância (ANOVA) para um modelo quadrático

Fonte de Variação

Soma Quadrática Graus de Liberdade

Média Quadrática R2

Regressão 2

f-1 =

Resíduo 2

n-f

Falta de ajuste

m-f

Erro puro

n-m =

Total 2

n-1 -

Page 28: Revisao de Literatura Compostos Fenolicos

46

Onde n, f e m são respectivamente o número de ensaios realizados, o número de

fatores e o número de níveis utilizados no experimento.