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DITADURA MILITAR EM LONDRINA E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
HISTÓRICO: POSSIBILIDADES DE TRABALHAR COM FONTES ORAIS EM SALA
DE AULA.
EDNA MARIA DA SILVA 1
RESUMO:
Este artigo pretende fazer uma análise acerca da experiência com a implementação do
projeto PDE: "Ditadura Militar em Londrina: havia controle nas práticas dos professores de
História? (1970-1980)", realizada com os(as) alunos(as) da 8ª série A, do Ensino
Fundamental, no Colégio Estadual Marcelino Champagnat, no primeiro semestre de 2009,
em Londrina-Paraná. Trabalhamos com fonte oral, onde os alunos fizeram entrevista com
um professor que ministrava aulas de História na época do regime militar, com a finalidade
de fazê-los compreender os fatos históricos daquele momento e como os mesmos atingiam
o cotidiano das aulas de História e, consequentemente, seus professores e comparamos com
outras fontes históricas como o livro didático e letras de músicas sobre o período. O
suporte teórico metodológico que norteou a pesquisa e implementação foram textos
historiográficos relacionados à discussão de concepção de História, de fontes históricas e de
ensino de História, que nos propõem uma revisão na metodologia do ensino de História
baseados na concepção de que os alunos produzem conhecimento em sala de aula e que não
são meros reprodutores de um saber cristalizado.
Palavras-Chave: Metodologia de Ensino, Ensino de História, Memória, Fonte Oral,
Ditadura Militar.
ABSTRACT:
This dissertation concerning the experience with the implementation of PDE project:
“Military dictatorship in Londrina: There was control in the practical of the History
teachers (1970-1980) “, realized with the students of th grade in the secondary school
Marcelino Champagnat, in the first semester of 2009. We worked with oral issues and the
students made an interview with a teacher who gave lessons of History in the military
regimen. The surpose was that the students were able to understand the historical facts of
that moment and the daily routine of the History lessons and their teachers and we
compared with other historical researchers and lirics musics about that period the
methodological and theory support that gruded the research and implementation were texts
about discussion of conception of History, historical researches and education of History
that consider us a revision in the methodology of learning History basead in the conception
1 Professora da rede estadual de ensino do Estado do Paraná, município de Londrina. Participante do Programa de Desenvolvimento da Educação do Paraná, de 2008.
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that the students produce knowledge in classroom and that they aren‟t only reproducers of
learning crystallized.
KEYWORDS:
Teaching Methodology, History Teaching, Memory, Oral Source, Military Dictatorship
INTRODUÇÃO:
Para alguns autores não se pode separar, atualmente, o debate sobre o ensino de
História do contexto no qual é produzido. Ou seja, das relações de poder e saber, em
especial das relações entre universidades, indústria cultural e ensino fundamental e médio.
Discutir o ensino de História hoje e, sobretudo, a escola como um espaço de construção do
saber e das diferenças significa pensar outros espaços e formas de se educar cidadãos,
principalmente numa sociedade marcada pela desigualdade.
A partir dos anos vinte do século XX, surgiu uma crítica ao enfoque político,
entendido como história dos grandes nomes informada por pressupostos sociais da chamada
escola dos Annales, fundada pelos franceses Marc Bloch e Lucien Febvre.
Essa crítica vai permear o trabalho de outro grupo de historiadores, herdeiros dos
fundadores dos Annales, que serão designados representantes da chamada “História Nova”.
(LE GOFF e NORA, 1981).
A nova dimensão surgida com a História Nova fará com que os historiadores se
voltem para os objetos até então não valorizados no campo da história, possibilitando assim
um diálogo com disciplinas como a antropologia, geografia, psicologia e outras.
Essa postura da historiografia, ou seja, escrever a história através de novas
perspectivas, também vai se estender às fontes. Os documentos serão trabalhados sob a
ótica da cultura, dos fatos dinâmicos, do não institucional (loucos, prostitutas, escravos,
etc.). Enfim, a verdade passará a ser vista enquanto a representação de grupos sociais.
A chamada Nova História teve como princípios norteadores de suas pesquisas a
descoberta de novos caminhos, ou objetos, que possibilitem explicar o social, não
abandonando nem o político, nem o econômico. Ao contrário, redimensionará o enfoque
dos mesmos, no sentido de uma melhor compreensão daquilo que representa o real.
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Questões antes explicadas do ponto de vistam do institucional terão, agora, suas
explicações encontradas nas análises do cotidiano das classes trabalhadoras, ou das
representações que estas têm da sociedade em que vivem, ou viveram.
A partir de então a função do historiador será de desmistificar estas representações
cotidianas, através de métodos de análise que levem em consideração a relatividade da
verdade, que possibilitarão uma recuperação do cotidiano das pessoas que foram deixadas
a margem da sociedade.
Esta análise passaria pela reconstituição de uma memória que, no decorrer do
tempo, foi manipulada e deformada pelos que tentaram se tornar senhores da memória e do
esquecimento, ou seja, a classe dominante.
Nesse repensar de paradigmas podemos citar a contribuição de Michael Foucault
que, embora filósofo é de grande importância para a compreensão da questão relacionada à
verdade e ao poder.
Em sua análise mostra que o poder está disseminado na sociedade e que a
organização desta não passa mais apenas pelo Estado, mas pelos micro-poderes, pela
disciplinarização enfim, por formas de poder que vigiam, controlam e corrigem os
indivíduos. (FOUCAULT, 1979).
Na sociedade moderna não é necessário transgredir, a “lei”, pois o indivíduo é
permanentemente “vigiado”, assim todas as instituições da sociedade acabam tendo esse
papel disciplinador: a escola, a igreja, a prisão.
Essa leitura de vários discursos mostra-nos outras perspectivas da sociedade, que
permitem uma análise via outras fontes documentais, onde “novos problemas, novas
abordagens e novos objetos” (LE GOFF e NORA, 1981) poderão ser utilizados na
investigação do nosso tema.
O BRASIL DA DITADURA MILITAR:
Aparentemente, para parte da historiografia especializada sobre o tema, nas
décadas de 1960 a 1980 viveu-se no Brasil, um período de extrema violência física e
mental, entre outras, durante o período da Ditadura Militar.
O ano de 1964 foi o marco que interrompeu o processo democrático que vínhamos
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vivendo. O Brasil desde 1960 estava sendo governado por Jânio Quadros, que renunciou e
em seu lugar assumiu João Goulart, seu vice.
O sonho de uma sociedade onde as oportunidades fossem iguais, tendo uma
divisão justa das riquezas, uma reforma agrária que colocasse as pessoas da terra no seu
devido lugar, com uma vida digna com saúde, educação e alimentação, não era pensada
apenas como uma utopia, mas como um direito que deveria ser “garantido” na sociedade.
Quando João Goulart assumiu a presidência do Brasil, é esse sonho que embalava seu
discurso e, uma grande mobilização social se fez presente para colocá-lo em prática.
Como afirma Maria de Fátima da Cunha: “Vivia-se, como nunca a aventura de ser
“moderno” ou a “modernidade”, com todas as suas contradições e paradoxos. Tentava-se,
acima de tudo, lutar para mudar o mundo, transformá-lo em um mundo próprio, particular.
Verificava-se isto tanto no pensamento daqueles que pretendiam desencadear o processo
revolucionário, quanto entre aqueles que queriam mudanças, desde que garantissem a
perspectiva ultraconservadora”. (CUNHA, 1998: 15).
Dessa forma, paralelamente aos ideais democráticos de João Goulart, existiam
também aqueles que defendiam os interesses particulares, ligados às classes dominantes:
como a elite agrária e as multinacionais, na medida em que estas mudanças tocavam os
privilégios de alguns grupos, o conflito estava colocado.
Assim Goulart “conquistou” muitos inimigos, latifundiários, empresários... Mas o
povo organizava-se e exigia seus direitos através dos sindicatos, dos estudantes que
reivindicavam uma educação popular com a UNE (União Nacional dos Estudantes), e a
“Ala Progressista” da “Igreja Católica”. (MACEDO e OLIVEIRA, 1996).
Nesse contexto, o quadro social-político brasileiro encontrava-se multifacetado, ou
seja, várias faces mostravam-se, ora democráticas, reivindicando os seus direitos, ora
reacionárias, temerosas por mudanças que os levariam a perder o controle do poder, e,
conseqüentemente, seus bens, já que a política das reformas de base de “Jango” o
identificava como “defensor do comunismo”. (MACEDO e OLIVEIRA, 1996).
Deste modo, no dia 31 de março de 1964, efetivou-se o golpe que levou ao poder
os militares. A tática para governar foram os Atos Institucionais, que os dotavam de
poderes não existentes em nossa Constituição. Algumas práticas autoritárias e repressoras
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foram decretadas com o Ato Institucional nº 1: eleição indireta para presidente da
República, autorização para caçar mandatos e suspender direitos políticos, as pessoas
perderam todas as garantias constitucionais. (MACEDO e OLIVEIRA, 1996).
Os anos que se seguiram ao golpe foram permeados por outros atos institucionais,
prisões de pessoas, culpados ou não, torturas e mortes. Em 1968 surge o Ato Institucional
nº 5, o AI-5. Esse decreto institucionaliza efetivamente a repressão, a violência e o terror,
característicos do regime militar brasileiro.
Antes do golpe de 1964, a UNE e as entidades estudantis secundaristas apoiavam
as propostas populistas do governo João Goulart. Inspirados pelo movimento comunista
fundaram os Centros Populares de Cultura (CPCs) com o objetivo de promover a educação
política da massa e fazer a revolução comunista, lutavam contra o sistema capitalista, o
imperialismo norte-americano e o regime militar. (CUNHA, 1998).
Quando o regime militar foi instalado, o movimento estudantil, assim como o
movimento operário, foi perseguido e reprimido. Passeatas e manifestações de protestos
foram contidas com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, tanques e assassinatos de
estudantes, como o secundarista Edson Luís de Lima Souto, morto no Rio de Janeiro em
1968. (MACEDO e OLIVEIRA, 1996).
Este contexto repressivo tem sua explicação baseada na “grande sensação de
desordem social e política aos olhos dos militares” (Martins, 2005), que se traduziam, ainda
para esta autora, na “subversão, quebra de protocolos e formalidades e clima de
mobilização de diferentes grupos”. Neste sentido se fazia necessário restabelecer a ordem
pública e os estudantes constituíam-se em alvos de controle prioritários.
Diante da repressão as lideranças do movimento estudantil dividiam suas posturas
políticas: uns propunham a „resistência por vias pacíficas, outros preferiam combater “fogo
com fogo”. O PCB (Partido Comunista Brasileiro) também se subdividiu em vários grupos
de contestação, dessas “dissidências surgiram novos partidos com diferentes propostas para
a revolução brasileira, a partir daí, poderemos falar com propriedade no Brasil em
esquerdas, no plural”. (CUNHA, 1998).
Algumas correntes surgidas nesse período foram, segundo Maria de Fátima da
Cunha, o PC do B (Partido Comunista do Brasil), ANL (Aliança Nacional Libertadora),
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VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), VAR-Palmares (Vanguarda Armada
Revolucionária) e MR-8 (Movimento Revolucionário e de Outubro). Cada pequeno grupo
considerava-se a vanguarda da nação, pensavam estar preparados para fazer a “revolução”
no Brasil, realizaram várias ações armadas em zonas urbanas e também no campo, com o
objetivo de organizar uma ampla ação guerrilheira nas áreas rurais.
A “ousadia” desses grupos revolucionários despertou a ferocidade do Exército e
do DOPS, que aos poucos aniquilaram os principais grupos guerrilheiros, além de
sindicalistas, políticos, jornalistas, estudantes universitários, artistas, entre outros. O
número de pessoas presas, torturadas, perseguidas e “desaparecidas” não foi pequeno e
também não se restringiu a grupos políticos.
A partir do golpe militar, segundo Eder Sader, o país passou a ser governado pela
ideologia do terror, em nome da ordem e “para promover as condições para uma nova e
prolongada expansão econômica” foram criados os “inimigos” dos interesses do Brasil:
estudantes, professores, operários, jornalistas, artistas, qualquer pessoa que manifestasse
opiniões contrárias ao governo eram consideradas subversivas e passíveis de serem
punidas, caçadas, torturadas, presas. (SADER, 1982).
Instaurado o regime militar, redefiniu-se o papel dos sujeitos históricos. Não havia
mais lugar para resistências. A arte, a política, a educação, a cultura, deveriam seguir a
lógica de uma sociedade hierarquizada, onde as diretrizes a serem seguidas eram
conduzidas de cima para baixo, sem questionamento, nem críticas.
Neste sentido o Estado assume o papel de organizador da sociedade e cria a
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, onde centralizou o poder e controlava
tudo e todos. A educação teve um importante papel neste contexto, pois por ela foi feito a
divulgação e o controle ideológico, onde professores e alunos eram fiscalizados e os que
cometeram atos “subversivos” foram punidos.
Feito este quadro geral podemos perceber que a sociedade brasileira, pré-golpe
militar, vivia sob forte mobilização social: estudantes, operários, artistas, ala progressista da
igreja católica, professores, entre outros segmentos sociais, articulavam-se para defender
seus ideais. Neste contexto, e preocupados com a convulsão social, os militares deram o
golpe em 31 de março de 1964, sob o pretexto de colocar ordem no país.
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A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO:
Luis Fernando Cerri em seu texto “Os conceitos de consciência histórica e os
desafios da didática da História”, discute o significado do conceito de consciência histórica
para alguns autores, mostrando as diferentes interpretações que os permeiam. Ele começa o
texto citando uma colocação de Marx, em O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, onde
Marx diz que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado....” (Cerri, 2001,p.93)
Cerri informa ainda que “no agir sobre o mundo e ser sujeito da história, o passado
(e suas projeções de futuro) são tudo que está a disposição do homem como matéria-prima
para sua criação”. Sua linha de raciocínio aponta-nos que não existe “criação, e mesmo a
reprodução só são possíveis como recriação do que já existiu”.
Nesse sentido de reconstrução do passado, Lucila de Almeida Neves Delgado,
discutindo a história oral e narrativa, nos coloca que: “o passado apresenta-se como vidro
estilhaçado de um vitral antes composto por inúmeras cores e partes. Buscar recompô-lo em
sua integridade é tarefa impossível. Buscar compreendê-lo através da análise dos
fragmentos é desafio possível de ser enfrentado” (Delgado, 2003, p13-14). Portanto,
entender o passado significa compreender o presente e apontar perspectivas para o futuro.
Foi com este objetivo que esta proposta foi implementada, ou seja, com o propósito de
reconstruir um fato da história do Brasil para que os alunos pudessem investigar diversas
versões, em várias fontes históricas, e entenderem como as pessoas vivenciaram aqueles
fatos e agiram como agiram.
Mas para que ela pudesse ser implementada foi necessário entender, como nos
ensina Peter Lee, a forma como os alunos aprendem História, o que pensam sobre ela e qual
a importância na vida deles. E, indo além desta constatação tornava-se necessário saber o
que conheciam sobre fontes históricas, pois esse seria o caminho que percorreríamos para
que os mesmos compreendessem os fatos do passado. ( Lee,2003, p. 19 a 36).
A partir da perspectiva de Peter Lee para promovermos uma formação histórica,
devemos partir das idéias que os alunos trazem, do que cada indivíduo tem de sua
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experiência de vida. E para sabermos quais as idéias que os mesmos possuem sobre um
determinado tema, podemos investigá-las através de uma investigação sobre os
conhecimentos prévios dos alunos. Para isso é importante uma didática que estabeleça uma
relação entre o conteúdo já aprendido e contextualizá-lo com as novas informações, para
que a aprendizagem tenha sentido.
A importância de uma didática da história, segundo Lee, é no sentido de que o
aluno tenha uma compreensão histórica do passado, entendendo porque as pessoas atuaram
de uma determinada forma em relação ao seu tempo. Essa didática está relacionada com a
utilização das fontes históricas, com o trabalho realizado com ela, no sentido de perceberem
as evidências para estabelecerem relações e conexões entre os acontecimentos e o mundo
em que os sujeitos do passado viviam. (Lee, 2003)
Foi nesse sentido que pensamos ser importante reconstruirmos o período do
regime militar, através das memórias dos professores que viveram, e sobreviveram, nesse
momento histórico, reconstituindo suas práticas (entendendo-as enquanto práticas de
ensino, de política, de resistência) no cotidiano de suas salas de aula, na cidade de
Londrina, no período do Regime Militar, de 1970 a 1980.
Para iniciarmos a implementação desse trabalho e introduzirmos o tema foi
necessário seguirmos algumas etapas.
A primeira foi investigar o conhecimento prévio dos alunos em relação ao
período do regime militar. Os alunos foram divididos em grupos de quatro pessoas e
discutiram o que conheciam sobre o mesmo baseados no seguinte roteiro:
a) Você já ouviu falar sobre a Ditadura Militar? Explique.
b) Os seus pais ou avós falam sobe este período? O que eles falam?
c) Você já assistiu um filme, ou ouviu uma música deste período? Qual? Do
que falavam?
d) Como você imagina que era o ensino de História no período do regime
militar?
e) Como você acha que era viver no período da Ditadura Militar? Apresente as
principais coisas boas e as ruins.
Após a discussão realizamos um debate para socializarmos os conhecimentos. Em
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relação a pergunta “ se já tinham ouvido falar sobre o regime militar”, de um total de trinta
e quatro, vinte e nove responderam que sim, mas não sabiam explicar, apenas que “ foi um
período governado pelos militares”. Cinco não sabiam o que era. Da pergunta sobre se os
pais ou avós falam do período, catorze respostas foram negativas e vinte afirmativas. O
aluno G.F.(14 anos) respondeu “ meu pai disse que com vinte centavos comprava dez
sorvetes”, mostrando que o mesmo considera que o dinheiro tinha um poder maior de
compra naquele período. A aluna E.N.T (14 anos) “ meus pais comentaram que neste
período da ditadura militar as pessoas que tentavam se expressar eram reprimidas e também
mantinham no exílio”. Sobre filmes da época quatro citaram “Prá Frente Brasil”, dois Zuzu
Angel”, dois falaram sobre a mini-série “J.K.”, um sobre “ Carlota Joaquina” e dois sobre
“Olga”. Esses demonstraram algum conhecimento, mas desconectado com o tempo e
espaço históricos analisado.
Em relação a como imaginavam que era o ensino, a maioria disse “que era bem
controlado, eles só ensinavam e mostravam as coisas boas e não as ruins”. De maneira geral
demonstraram que não sabiam sobre o que ensinavam, apenas fizeram conjecturas. A aluna
D.J.C..( 14 anos) respondeu “ ensinavam o que os militares queriam”, o aluno I.G.L.G (14
anos) “devia ser normal que nem é hoje” e L.R.L. ( 14 anos) “ as pessoas deviam estudar
tudo o que estava acontecendo sobre a época deles mesmo”. Na última pergunta, sobre as
coisas boas colocaram que “ havia segurança para a população, controle sobre os
criminosos, respeito pelas autoridades, o povo respeitava as autoridades e as leis e não tinha
“tanta” violência”. Das ruins colocaram, G.K.O.( 14 anos) “ essa época teve muita
violência”, R.A.F.( 14 anos) “ o povo não tinha liberdade”, A.S.( 14 anos) “ tinha muitas
torturas”, G.F.( 14 anos) “ era muito censurado os filmes e músicas e até nossa liberdade”,
J.E.R.(14 anos) “ não tenho a mínima idéia”. Terminado o debate sistematizamos as
respostas e concluímos que a maioria já tinha ouvido falar sobre o período, mas que as
informações eram desfocadas, sem consistência e argumentação.
Refletindo sobre o resultado do questionário do conhecimento prévio, foi possível
perceber qual caminho deveríamos trilhar. Detectamos que os alunos possuíam algumas
idéias a respeito do tema, mas que precisavam de contextualização e da mediação da
professora para darem sentido aos conceitos e informações.
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Pensando sobre a “mediação da professora entre o sujeito e o objeto” estamos nos
remetendo ao pensamento da historiadora Lana Mara Siman de Castro, que defende a
utilização das fontes documentais na construção do conhecimento histórico e no processo
de ensino e aprendizagem, para que o aluno “possa imaginar os fatos estudados, mas não
vivenciados por eles” (Siman, 2004). A utilização de fontes históricas e da mediação dos
professores, para que os alunos produzam conhecimento, vem da preocupação de alguns
teóricos desde a década de 1980. Segundo esses teóricos, foi a partir da retomada da
discussão da História como Ciência, que aconteceu quando professores de primeiro e
segundo grau começaram a questionar suas práticas, “buscando novos temas e
diferenciadas abordagens no processo ensino e aprendizagem” (Cunha, 2005), que surge a
vertente histórica defendendo a escola como espaço de “produção do conhecimento
histórico” (Abud,1995) e não apenas como reprodutora do saber historicamente produzido.
Segundo Kátia Maria Abud, a “produção do conhecimento na escola” se
encontra em debate desde a década de 1970. Para ela, procurava-se quebrar a justificativa
de que na academia produzia-se e no ensino de primeiro e segundo graus apenas
reproduzia-se o saber produzido na universidade (Abud, 1995). A mesma autora aponta
como importante a contribuição de André Chervel para o debate e a mudança de
paradigma, apontando para uma produção do conhecimento histórico na escola,
denominando-o de saber escolar. Mas para que está produção aconteça é necessário o uso
de uma nova metodologia para repensar as formas de trabalhar os conteúdos de história em
sala de aula. Na mesma direção Ernesta Zamboni afirma que “tratar a questão da produção
do conhecimento é abordar uma diversidade de situações complexas que vão desde
multiplicidades de linguagens até o trabalho com categorias como o tempo, a cultura, o
documento, a representação, entre outras.”
Fundamentados nessas discussões teórico-metodológicas, e no resultado do
conhecimento prévio dos alunos, iniciamos o trabalho com as fontes documentais. O
primeiro foi o livro didático, embora conhecedora das críticas que são tecidas ao mesmo,
utilizamos para que os alunos pudessem percebê-lo enquanto uma fonte escrita, produzida
por alguém detentor de uma ideologia, de um objetivo e que não podíamos usá-lo
isoladamente, para não conhecermos apenas um ponto de vista e considerá-lo como
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verdade única.
Usamos como metodologia a leitura do texto sobre o regime militar, o
levantamento de conceitos e a observação sobre as fontes usadas pelo autor como
referência para escrever sobre o período. Nesse momento fizemos a mediação entre o que
estavam lendo e observando e as respostas do questionário do conhecimento prévio e
atribuímos sentido aos conceitos e idéias respondidos por eles. Percebemos que os
conteúdos do livro traziam informações sobre o período e descrições dos fatos, sem
questionamentos nem aprofundamentos. Na parte complementar percebemos informações
sobre a repressão feita as manifestações artísticas: cinema novo, as músicas, o teatro, os
festivais e o exílio de músicos, artistas, políticos suspeitos de conspirarem contra o
governo.
Ao término da análise do livro didático percebemos que era fundamental
trabalharmos com outro tipo de fonte, ainda que escrita, para que os alunos pudessem
comparar as informações ali encontradas. Assim convidamos três alunos do ensino médio
matutino, M. V. O. (16 anos), M. A. B. (16 anos) e L. V. A.S. (15 anos), para montarem
uma oficina com músicas do período e apresentarem aos alunos da oitava série. Esses
alunos fizeram parte da implementação do projeto da Professora Sarita Maria Pierolli,
PDE-2007, que analisou letras e músicas sobre o período do regime militar no Brasil. A
professora utilizou uma definição de Kátia Abud, em seu trabalho, que nos permite
sintetizar a importância da utilização desse tipo de fonte para abordar fatos históricos
contemporâneos, com os alunos.
Essa foi a definição: As letras de música se constituem em evidências, registros de
acontecimentos a serem compreendidos pelos alunos em sua abrangência mais ampla, ou
seja, em sua compreensão cronológica, na elaboração e re-significação de conceitos
próprios da disciplina. Mais ainda, a utilização de tais registros colabora na formação dos
conceitos espontâneos dos alunos e na aproximação entre eles e os conceitos científicos.
Isto permitiu que o aluno se aproxime das pessoas que viveram no passado, elaborando a
compreensão histórica, que “vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as
coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo o que sentiram em relação a determinada
situação (ABUD, 2005: 31).
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Pensando nessa relação de aproximação dos conceitos espontâneos dos alunos
com os conceitos científicos foi que os alunos aceitaram o desafio e montaram a oficina.
Começaram fazendo um levantamento do conhecimento prévio: pediram aos alunos que
falassem algumas palavras sobre o período e escreveram no quadro, depois colocaram as
músicas para que ouvissem e foram analisando as letras.
Iniciaram com canções de protesto, “Prá não dizer que não falei das flores” de
Geraldo Vandré e ”Cálice” de Chico Buarque, passaram pela música “Debaixo dos
Caracóis dos seus Cabelos”, que Roberto Carlos fez para Caetano Veloso, quando este
estava no exílio, vitimado pela repressão da ditadura, e finalizaram com a “Eu te amo meu
Brasil” de Dom e Ravel, que fazia uma apologia ao Brasil da época, um ufanismo que
mascarava as atrocidades de um regime autoritário. No final perguntaram novamente
palavras que definissem o período e desta vez foram respondidas com riqueza e
consistência pelos alunos da oitava série. Os oficineiros fecharam o trabalho com suas
considerações acerca do período analisado, mostrando que a aprendizagem, realizada com o
Projeto PDE-2007, fora significativa, pois compreenderam porque as pessoas daquela
época agiram como agiram, além de relacionar conceitos que os alunos ouvintes possuíam
com conceitos científicos.
A experiência foi extremamente rica para a aprendizagem de todos. Para os alunos
da oitava série ficou evidenciado no relatório avaliativo, onde fizeram referências aos
conhecimentos adquiridos na oficina, principalmente aos artistas que foram exilados e ao
conteúdo das músicas. Também ficou evidenciado no trabalho de pesquisa que fizeram,
após a oficina, os alunos tiveram que buscar outras músicas sobre o período militar, fazer
uma paródia e apresentar para a sala. Alguns grupos fizeram a paródia e cantaram sua
versão, outro pesquisou e gravou, da internet, o depoimento de um militante que foi
torturado na época e outro conseguiu imagens dos militares perseguindo manifestantes na
rua á cavalo, gravou no pen drive e apresentou na televisão.
Além da fonte escrita, utilizamos também a fonte oral, que a principio era o
principal foco do nosso trabalho. Mas, a medida que foi acontecendo a prática da
implementação, outras fontes tornaram-se tão importantes quanto essa, para que pudessem
comparar as diferentes versões de um mesmo fato.
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O TRABALHO COM A FONTE ORAL:
Deve ficar claro antes de tudo, que para se trabalhar com memória devemos levar
em conta que esquecer e lembrar faz parte, a um só tempo, da memória. O ato de lembrar
acaba por se constituir num conjunto de intenções conscientes e inconscientes que
selecionam e elegem escolha que, segundo Marina Maluf, é derivada de incontáveis
experiências objetivas e subjetivas do sujeito que lembra. (MALUF, 1995: 70)
Por conseguinte, pode-se perceber que o trabalho de rememoração é um ato de
intervenção no caos das imagens guardadas e é também uma tentativa de organizar um
tempo sentido e vivido no passado e, finalmente reencontrado através de uma “vontade de
lembrar”, ou de um fragmento que tem a força de iluminar e reunir outros conteúdos
conexos, “fingindo” abarcar toda uma vida. (MALUF, 1995: 29).
Eram essas algumas das preocupações que nos instigávamos para trabalharmos as
memórias de sujeitos sociais, como os professores que atuaram durante o período militar,
investigando como os mesmos elaboravam suas memórias sobre as suas práticas em sala de
aula.
Para entendermos essas práticas utilizamos o depoimento de um profissional que
viveu esse momento da história do Brasil, onde pessoas e idéias tiveram que ser caladas
para que fosse implantado um regime autoritário e conservador. Através da história oral
tivemos a possibilidade de reconstruir uma memória que nos forneçeu pistas para
compreendermos como era o ensino de História na prática e, por outro lado, dar voz à uma
pessoa que, embora tenha dito em seu depoimento que “era tranqüilo dar aulas naquele
momento”, teve que se “calar” muitas vezes pois disse que existia a “pressão psicológica”,
o que segundo ele “era pior, porque você não sabe quem é o inimigo, não vemos mas
sabemos que está lá”
Ao trabalharmos com memória não podemos esquecer que ela é uma reconstrução
do fato, cheia de sentimentos e “que pode conter omissões de informações, inverdades,
exageros”. Mas a riqueza dessa documentação está no fato de que o aluno- historiador pode
captar a intensidade daquilo que foi dito, as hesitações, as insinuações, a ironia, as
reticências, os silêncios. (PEDERIVA, 2000).
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Ao privilegiarmos a fonte oral levamos em consideração que ela não tinha o
objetivo específico de guardar informações, mas sim “criar uma fonte histórica”. Também
tivemos o cuidado de usarmos um conjunto de documentos para que os alunos pudessem
confrontá-los e construir a sua interpretação sobre a “verdade” buscada. A história oral diz
respeito, sobretudo a uma “metodologia de pesquisa que se baseia em fontes orais”
(SCHMIDT, CAINELLI, 2004), mas é importante podermos utilizá-la junto com outras
fontes.
Segundo Noda, “é comum a crítica de que a história oral é por demais subjetiva
enquanto método para o estudo da história”. Mas acreditamos que “apenas a fonte oral
permite desafiar essa subjetividade: descolar as camadas da memória, cavar fundo em suas
sombras a perspectiva de atingir a verdade oculta”. (Thompson, P. apud NODA, 1998).
Ainda para Noda a história oral tem duas finalidades: uma de complementação das fontes
de pesquisa e outra de reconstrução da história. Foi na perspectiva da reconstrução da
história que usamos a memória do professor que ministrou aulas no período do regime
militar, para reconstruirmos suas práticas em sala de aula, na cidade de Londrina.
Pensamos que seria importante pesquisarmos esse momento da história do Brasil
porque foi um período que marcou profundamente pessoas e lugares, visto que a partir do
golpe civil militar, em 31 de março de 1964, o processo democrático brasileiro foi
interrompido e substituído por uma política que representava os ideais reacionários da
classe dominante.
Instaurado o regime civil militar, redefiniu-se o papel dos sujeitos históricos. Não
havia mais lugar para resistências. A arte, a política, a educação, a cultura, deveriam seguir
a lógica de uma sociedade hierarquizada, onde as diretrizes a serem seguidas eram
conduzidas de cima para baixo, sem questionamentos, nem críticas.
A educação, para Selva G. Fonseca, e especificamente o ensino de história, passou
“a ser redefinida sob a ótica da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento”,
enfatizando os fatos políticos e as biografias de pessoas célebres, além de tomar que
colocavam a formação e atuação dos professores de história sob suas concepções
ideológico-autoritárias. (FONSECA, 2004).
Nessa sociedade autoritária, que usava as políticas educacionais como forma de
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controle, através de disciplinas como Educação Moral e Cívica, Organização Social e
Política Brasileira e Estudos dos Problemas Brasileiros e da transformação das disciplinas
de História e Geografia em Estudos Sociais, uma pergunta nos instigava: como eram as
práticas dos professores de história no cotidiano da sala de aula?
Os livros didáticos e os currículos eram norteados por diretrizes baseadas em uma
concepção de história que enfatizava os vencedores, os heróis. E estes profissionais como
se posicionavam diante do regime que os obrigavam a fazer um discurso moralizador e
ideológico? Era de forma acrítica que se comportavam? Nesse espaço que “exerciam” o
controle do saber, também se submetiam ao autoritarismo do Estado?
Ou será que nas “franjas” desses cotidianos poderíamos descobrir “outras
histórias”?
Para trabalharmos com a fonte oral investigamos o conhecimento prévio dos
alunos, sobre fonte histórica. O instrumento continha as seguintes perguntas: O que é uma
fonte histórica? Para que servem? Existem vários tipos de fontes históricas, quais você
conhece? Dê exemplos. Dos documentos que usamos para estudar a ditadura militar algum
é uma fonte histórica? Explique por que.
O resultado da investigação foi surpreendente, pois a maioria tinha noção do que é
uma fonte histórica, embora os conceitos estivessem sempre relacionados a “documentos
que nos permitem saber coisas sobre o passado”. Isso nos levou a detectar a idéia de que
história é algo vinculado ao passado, que a maioria dos alunos tem arraigada dentro deles.
O aluno A.G. S. (14 anos) respondeu: “fonte histórica nos indicam como ocorreram fatos
do passado, dependendo elas indicam até sobre a pré-história” e sobre para que servem
“para nós entendermos o passado, através das pistas deixadas pelo próprio tempo. Graças a
elas existe a história, porque sem elas não saberíamos de coisas dos séculos passados”. A
aluna C.K.H. (14 anos) respondeu “são documentos que os historiadores, professores e
outros usam para escrever ou relatar o que se passou em cada época”, G.N.P. (14 anos)
“serve para que nós possamos ter provas do que aconteceu”, B.L. (14 anos) “serve para
comprovar se um determinado fato é verdadeiro” e G.F. “serve para provar se algo
realmente aconteceu, quando,onde e porque”. Com relação à pergunta que tipo de fontes
conheciam surgiram várias: livros, cadernos, fotos ,entrevistas, músicas, roupas, armas,
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casas, jornais, igrejas, fósseis, cartas, museus, registros de nascimento, filmes, entre outras.
Para analisarmos as respostas dos alunos em relação a questão das fontes históricas
trabalhamos um texto que definia e diferenciava as mesmas. O texto informava que:
“O estudo do passado não pode ser feito diretamente, mas de forma
mediada através dos vestígios da atividade humana, a que é dado o nome
genérico de fontes históricas. Embora com ligeiras mudanças no
significado, também se utilizam termos como documentos, testemunhos,
vestígios ou monumentos. As fontes podem ser classificadas segundo
vários pontos de vista, mas vamos aqui referir apenas as fontes materiais,
as escritas, as iconográficas e as orais. As fontes materiais ou
documentos figurados constituem os vestígios materiais da atividade
humana e que incluem as fontes arqueológicas em geral, os instrumentos
de trabalho, os monumentos, as moedas, entre muitas outras. Algumas
ciências auxiliares da história são dedicadas a este tipo de fontes, como a
arqueologia a numismática e a sigilografia. As fontes escritas são
geralmente as de utilização mais geral e distinguem-se entre si pelo
suporte e técnica utilizados na escrita. No estudo da época Moderna e
Contemporânea, as fontes escritas utilizadas são normalmente
classificadas em manuscritas (uma carta) e impressas (um jornal). Das
fontes escritas se ocupam ciências auxiliares como a paleografia, a
filologia, a epigrafia, a papirologia, a diplomática. As fontes
iconográficas são as que representam imagens (uma gravura, uma
fotografia, um filme). As fontes orais incluem toda a informação e
tradição que é conservada na memória dos indivíduos e transmitida
oralmente de uns para outros. Estas fontes são particularmente
importantes no estudo da história de sujeitos históricos que contam a sua
história através da tradição oral ou de sujeitos que não têm canais de
expressão para contarem as suas histórias”.
(http://www.ff.ul.pt/paginas/jpsdias/Farmácia-e-História/node10.html-
5k).
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A partir da mediação entre o conhecimento investigado e da definição do que é
uma fonte histórica passamos a trabalhar com a fonte oral produzida por eles. Essa fonte
constitui-se em uma entrevista realizada com o professor de História Homero Amaral, que
ministrou aulas no período da ditadura militar, a partir do ano de 1974, em Londrina. A
entrevista foi realizada pelas alunas C.F.S.(15 anos) e G.N.S.(14 anos), acompanhadas da
professora autora do projeto, na residência do mesmo. As perguntas feitas a ele foram
pessoais: nome, profissão, que curso fez, que instituição estudou e quando terminou o curso
e outras relacionadas a sua forma de ministrar aulas no período do regime militar: se era
proibido falar em política e do governo em sala de aula, como ele se posicionava diante das
proibições do regime e se sofreu alguma pressão direta ou indiretamente sobre os conteúdos
de História que deveria ensinar: de quem e como eram feitas.
As alunas gravaram e filmaram a entrevista. A princípio estavam nervosas, as
mãos tremiam, as vozes saiam inseguras. Mas depois que o professor começou a responder
a tensão foi se dissipando e a entrevista transformou-se em uma conversa, onde as mesmas
puderam perguntar coisas além do que estava previsto. A entrevista foi editada e gravada
em um DVD e depois assistida pelos outros alunos na sala de aula, onde analisaram e
debateram as respostas. Com a mediação da professora foram comparando com as
informações obtidas através das músicas e do livro didático.
Os alunos começaram a entrevista perguntando como eram ministradas as aulas
de história, a qual o professor Homero disse que “era tranqüilo”, mas que “para começar a
exercer a profissão tinha que ir à Curitiba tirar uma autorização, um atestado para dar
aulas”, “um atestado psicológico”. O mesmo era tirado em um “departamento, uma espécie
de DOPS”. Esse “atestado” servia para que pudesse ficar constatado que a pessoa não tinha
nenhum envolvimento com “movimentos subversivos”. Mas em sala de aula ensinava tudo
que ele queria ”montava meus textos e utilizava o livro didático do José Robson de Arruda,
que tem tendência marxista”, e inclusive ele “achava avançado para a época”. Segundo ele
“havia uma contradição nisso, pois o livro didático era escolhido pelo Ministério da
Educação, pela Comissão de Moral e Cívica, mesmo tendo essa tendência marxista foi
aprovado”. “A gente não podia ir além do que estava no livro didático, porque a gente tinha
medo de alguém fazer algo contra a gente.”
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Com relação à escola disse “que ninguém proibia nada, nem controlava o que
deveria ensinar, a supervisora olhava os textos que eu fazia e não censurava, até gostava
deles”. “O diretor era democrático, a única coisa que me falou quando comecei a dar aula
foi para tirar a barba e não usar camisa vermelha, pois estava preocupado com o que
pudesse acontecer comigo, pois dizia “eles podem implicar com você”.
Quanto aos conteúdos, propriamente dito, disse que quando os alunos
perguntavam se era verdade o que estava acontecendo ele respondia: “se existe um senador
que não é eleito, o governo já fechou o Congresso”, então ia apontando os fatos que
estavam ocorrendo sem falar diretamente. E sempre falava para eles lerem, mas nunca “um
livro só, leiam vários livros, os jornais, pois existem várias versões dos fatos, não aceite as
coisas mastigadas, sem analisar. Só porque está escrito no livro já pensam que é verdade,
leiam se acham que está errado rasguem a página e joguem fora, mas leiam várias versões,
para formarem sua opinião”.
Ao analisarmos o depoimento do professor pudemos concluir que a questão que
nos instigava, se os tentáculos do regime militar estavam presentes nas salas de aula na
cidade de Londrina, se confirma. Percebemos, também, que o controle não era feito na
forma de punição efetiva, mas através de “pressão psicológica”, porque não sabia quem
“era o inimigo, mas sabia que estava lá” e nesse sentido falava-se nas entrelinhas. Não
havia censura sobre o que deveria ensinar e “o diretor era democrático”, no entanto, o
mesmo colocou restrição quanto a barba e a camisa vermelha, relacionando esses detalhes a
uma postura subversiva, ligadas aos comunistas.
Concluímos também que, embora fosse um regime que não permitia contestação
e que a pressão psicológica estivesse presente, o professor tinha consciência do que
acontecia e apesar do medo procurava mostrar aos alunos caminhos para perceberem a
realidade e refletirem criticamente. Pois sempre os instigava a lerem mais de uma fonte de
informação (livros, jornais) e não aceitarem as coisas “mastigadas”, sem analisá-las,
mostrando à eles que existia “varias versões sobre os fatos”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Acreditamos que a proposta aqui apresentada, constitui-se em um instrumento
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pedagógico valioso na busca de novas metodologias na sala de aula. O trabalho com
diversas fontes históricas permitiu evidenciar que não existe apenas uma versão dos fatos e
ao confrontá-las puderam compreender que um fato histórico não se apresenta como
verdade absoluta, mas como possibilidade de “verdade”. Colocando-nos o desafio de
investigarmos quem está falando, escrevendo ou cantando uma música.
O trabalho com a oficina de música permitiu um aprofundamento no tema, de
forma prazerosa. Sem o rigor da aula tradicional puderam aproveitar, no balanço das
canções, para compreenderem como os sujeitos daquele momento viveram e entenderem
como agiam. Demonstrando que, como afirma Jörn Rüsen, que a aprendizagem em história
vai além do simples adquirir conhecimentos do passado.
Com a fonte oral os alunos puderam comparar através de uma testemunha real,
aquilo que aprenderam na teoria e constatar que os conceitos conhecidos por eles, antes do
trabalho, encontraram ecos nos conceitos científicos, livro didático. Mas aprenderam
também que o regime militar foi além da censura, das torturas, pois existia a violência
psicológica, que fazia as pessoas reféns do medo. E lembrando Foucault, não é necessário
punir as pessoas, basta vigiar. Isto se torna evidente quando o professor Homero Amaral
disse “não sabíamos quem era o inimigo, mas sabíamos que estava lá”.
Sabemos que esta pesquisa tem os seus limites, principalmente com relação a fonte
oral, porque não foi possível realizar entrevista com outros professores. Isso nos
impossibilitou fazer a comparação para sabermos se em outras escolas e com outros
professores o mesmo acontecia. Mas sabemos que outros estudos podem se realizados, para
aprofundar aspectos que aqui ficaram em aberto, pois a entrevista realizada pelos alunos se
constitui em uma fonte histórica, que foi editada e está arquivada na biblioteca do colégio.
Podendo servir para outras pesquisas.
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REFERÊNCIAS:
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