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S. R. MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SECRETARIA DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS RELATÓRIO DO GRUPO PARA O ESTUDO DA POLÍTICA FISCAL COMPETITIVIDADE, EFICIÊNCIA E JUSTIÇA DO SISTEMA FISCAL Coordenação Geral António Carlos dos Santos António M. Ferreira Martins Coordenação dos Subgrupos João Amaral Tomaz Rui Morais Sidónio Pardal António Nunes dos Reis Rogério M. Fernandes Ferreira 3 de Outubro de 2009

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  • S. R.

    MINISTRIO DAS FINANAS E DA ADMINISTRAO PBLICA

    SECRETARIA DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS

    RELATRIO DO GRUPO PARA O ESTUDO DA POLTICA FISCAL

    COMPETITIVIDADE, EFICINCIA E JUSTIA DO SISTEMA FISCAL

    Coordenao Geral Antnio Carlos dos Santos Antnio M. Ferreira Martins Coordenao dos Subgrupos Joo Amaral Tomaz Rui Morais Sidnio Pardal Antnio Nunes dos Reis Rogrio M. Fernandes Ferreira

    3 de Outubro de 2009

  • 2

  • 3

    APRESENTAODORELATRIODOGRUPOPARAOESTUDODAPOLTICAFISCAL,COMPETITIVIDADE,

    EFICINCIAEJUSTIADOSISTEMAFISCAL

    INTERVENODOSECRETRIODEESTADODOSASSUNTOSFISCAIS

    PROF.DOUTORCARLOSBAPTISTALOBO

    13 de Outubro de 2009

    Ministrio das Finanas

  • 4

    Senhoras e Senhores,

    Lex semper reformanda est, e se h lei que no foge a esta regra a fiscal. por isso

    que fonte de inquietao e de polmicas particularmente entre ns.

    Estou a lembrar-me de um provrbio chins que diz: aqueles que prosperam no

    discutem sobre os impostos. Ou seja, quem prospera, quem tem uma actividade que o

    enriquece, paga os impostos e preocupa-se com outras coisas.

    No espao europeu e no mundo contemporneo a realidade bem diferente. O consenso

    e a estabilizao fiscal so difceis num ambiente de transformaes muito frequentes e

    profundas: mais ainda quando tais transformaes so incompletas como ocorre no

    nosso Pas.

    Aproveitando o facto de terem decorrido mais de 20 anos sobre a reforma fiscal do

    rendimento, do patrimnio e do consumo, tempo de parar e reflectir sobre a situao

    do sistema fiscal e sobre o rumo da poltica fiscal.

    E faz-lo, de forma abrangente e aprofundada, integrando a anlise da receita fiscal com

    a poltica de despesa que tem vindo a ser realizada.

    Na verdade, os tempos so de mudana: a relao tributria est diferente. Est

    desmaterializada e encontrou novas formas de equilbrio. O sistema fiscal de todos e

    deve ser encarado como um instrumento adaptvel, mvel, sensvel s vrias realidades.

    Por isso, criei, no incio de 2009. um Grupo de Trabalho para o Estudo da Poltica

    Fiscal, Competitividade, Eficincia e Justia do Sistema Fiscal, sob a coordenao geral

    dos Professores Doutores Antnio Carlos dos Santos e Antnio M. Ferreira Martins,

    secretariados pelo Dr. Serra Andrade.

    O nome do Grupo de Trabalho d que pensar. Como conciliar realidades bem diversas,

    como sejam a competitividade, a eficincia e a justia, num sistema coerente, que se

    move atravs de um conjunto de impostos que se devem relacionar entre si de forma

    lgica e harmoniosa?

    De facto, por um lado, o sistema fiscal no pode ser competitivo quando, ao longo de

    dcadas, continuamos a ter um legislador que toma medidas com excessiva volatilidade

    sem suficiente anlise, e, amide, dependentes do jogo da persuaso de grupos

    organizados ou do jogo poltico-partidrio puro.

    Por outro lado, o sistema fiscal no pode ser justo quando, por exemplo, os mecanismos

    de defesa concedidos aos sujeitos passivos so coarctados ou so sujeitos a demoras

  • 5

    injustificveis na deciso administrativa ou judicial ou quando o legislador multiplica

    mtodos de avaliao indirecta da matria colectvel.

    Finalmente, como poder ser o sistema fiscal, que no deve ser baseado em decises

    discricionrias, adequar-se eficincia econmica quando frequentemente os decisores

    assumem orientaes contrrias s relaes prprias de um sistema econmico

    concorrencial, que se pretende auto-regulado e baseado em princpios de certeza e

    segurana jurdica?

    O desafio estava lanado. Para o efeito, foram criados cinco Subgrupos, e designados os

    respectivos coordenadores, os Doutores Joo Amaral Tomaz, Rui Morais, Sidnio

    Pardal, Antnio Nunes dos Reis, Rogrio M. Fernandes Ferreira, cujos nomes

    dispensam apresentaes.

    Estes subgrupos ocuparam-se, entre o incio de Fevereiro e finais de Setembro de 2009,

    de diversos temas especficos ou sectoriais: tendncias e enquadramento da poltica

    fiscal; tributao do rendimento; tributao do patrimnio; tributao indirecta e, por

    fim, relaes entre a Administrao Tributria e os contribuintes, incluindo as questes

    do procedimento e do processo tributrios.

    Como refere o relatrio de enquadramento, os Subgrupos, constitudos por especialistas

    de diferentes formaes e vises do mundo, incluindo distintas perspectivas sobre a

    evoluo do sistema tributrio, desenvolveram as suas tarefas e elaboraram os relatrios

    sectoriais com total autonomia cientfica, tcnica e metodolgica, limitando-se, na fase

    inicial, a coordenao geral a efectuar uma discusso prvia com os coordenadores dos

    Subgrupos sobre as traves mestras de cada relatrio e a acompanhar regularmente o

    desenvolvimento dos trabalhos.

    Pretendeu-se que, em muitos pontos, o produto final, incluindo o relatrio de

    enquadramento, que agora se apresenta, reflectisse a aludida diversidade de perspectivas

    e metodologias, pois essa seria a melhor forma de encontrar solues para desenvolver e

    reestruturar o sistema fiscal portugus. Essa diversidade reforada pelo nmero de

    entidades e de personalidades auscultadas, a quem se agradece a colaborao.

    O relatrio global constitudo pelos relatrios sectoriais e por um relatrio de

    enquadramento ao qual se agrega um anterior estudo sobre o passado, o presente e o

    futuro da DGITA.

    O texto est a: pronto para ser analisado publicamente, num processo de apreciao

    alargado.

  • 6

    Na verdade, na criao de medidas discutidas e participadas que o Estado deve dar

    resposta aos problemas dos nossos dias, como os da concorrncia fiscal, da eficincia

    administrativa, da justia social. A tributao no se esgota no jogo das taxas. A poltica

    fiscal no se deve limitar a medidas mais ou menos fceis, como o agravamento ou o

    desagravamento da tributao, a primeira traduzindo-se no fenmeno do voto com os

    ps, a segunda correndo o risco de desembocar em maiores dfices ou em formas de

    concorrncia prejudiciais.

    Recorde-se que o mbito da soberania fiscal encontra-se limitado, uma vez que a nossa

    economia no se encontra sozinha integra-se num espao global e numa ordem

    comunitria, tendo em vista a intensificao das necessidades pela partilha de recursos e

    de vantagens produtivas.

    Tudo isto implica a necessidade de um sistema fiscal seguro e previsvel e de relaes

    tributrias equilibradas e ss, tendo a conscincia que no h modelos perfeitos e que os

    modelos clssicos que assentam os sistemas fiscais nos impostos sobre o rendimento e

    na tributao sobre o valor acrescentado so frgeis, sujeitos eroso permanente das

    respectivas matrias tributveis.

    Deste fenmeno de destributarizao crescente tendem a excluir-se, de modo tanto

    mais injusto quanto mais fcil a evaso dos outros factores, o trabalho subordinado

    menos qualificado dificultando, assim, a resoluo do problema do emprego e

    agravando as injustias e as desigualdades sociais e a propriedade imobiliria

    agravando porventura os seus problemas de gesto e de utilizao, quer no espao rural,

    quer no espao urbano.

    Quando tudo o resto se desmaterializa, e na ausncia de uma ordem fiscal mundial ou,

    pelo menos de uma forte cooperao internacional, so infelizmente os factores menos

    mveis que so sujeitos a tributao com as injustias e desigualdades j evidentes nas

    evolues recentes dos sistemas fiscais mais desenvolvidos. Os Estados assumem

    atitudes defensivas e pragmticas, preferindo tributar de facto, ainda que

    moderadamente, os factores mveis a tributar no papel esse mesmos factores.

    Hoje em dia a receita no depende apenas dos nveis das taxas, mas de muitos outros

    factores, entre os quais, o tomar em considerao, num ambiente de concorrncia fiscal,

    as opes que so tomadas pelos restantes Estados. Neste mbito, Portugal tem de evitar

    polticas de curto prazo assentes numa ptica de resposta imediata a problemas ou numa

    ptica de ciclo eleitoral, em orientaes claramente pr cclicas. necessrio que

  • 7

    Portugal defina uma estratgia a mdio prazo, dentro e fora do pas nas instncias

    comunitrias e na OCDE que tome em conta a sua posio especfica face

    concorrncia fiscal, no se limitando submisso a regras formais, antes exigindo uma

    adaptao material e substancial dos regimes gerais ao seu caso concreto.

    Em suma, acreditamos que no s (ou essencialmente) com a descida de impostos que

    o sistema fiscal se torna mais competitivo, mais justo e mais eficiente, mas sim com a

    racionalizao, a simplificao de procedimentos, a modernizao das estruturas de

    tributao j existentes, a diminuio de custos de contexto, quer as relativas s

    empresas, quer as relativas aos cidado.

    Termino com uma afirmao do clebre Edmund Burke um pensador irlands que,

    embora conservador, no deixou de ser um bom analista dos fenmenos sociais, a qual

    passo a citar: tributar e agradar no acessvel aos homens, tal como o no amar e ter

    juzo. De facto, tributar e agradar contm alguma contradio: h que ter a coragem de

    no agradar, se se quiser tributar com justia. Como compatibilizar este objectivo com

    os da competitividade e da eficincia eis a questo.

    Este um contributo para essa discusso, por definio, sempre inacabada

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    CONTRIBUTOSPARAUMAPOLTICAFISCALMAISCOMPETITIVA,MAIS

    EFICIENTEEMAISJUSTA

    RELATRIODEENQUADRAMENTO Coordenao Geral: Antnio Carlos dos Santos Antnio Manuel Ferreira Martins

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    1. Introduoeobjectivos

    No Despacho de S. Ex. o Secretrio de Estado dos Assuntos Fiscais, de 8 de Janeiro de

    2009, que instituiu o Grupo de Trabalho para o Estudo da Poltica Fiscal,

    Competitividade, Eficincia e Justia do Sistema Fiscal, foram criados cinco Subgrupos,

    e designados os respectivos coordenadores, que se ocuparam, entre o incio de

    Fevereiro e finais de Setembro de 2009, de diversos temas especficos ou sectoriais:

    tendncias e enquadramento da poltica fiscal; tributao do rendimento; tributao do

    patrimnio; tributao indirecta e, por fim, relaes entre a Administrao Tributria e

    os contribuintes, incluindo as questes do procedimento e do processo tributrios.

    Os Subgrupos, constitudos por especialistas de diferentes formaes e vises do

    mundo, incluindo distintas perspectivas sobre a evoluo do sistema tributrio,

    desenvolveram as suas tarefas e elaboraram os relatrios sectoriais com total autonomia

    cientfica, tcnica e metodolgica, limitando-se, nessa fase, a coordenao geral a

    efectuar uma discusso prvia com os coordenadores dos Subgrupos sobre as traves

    mestras de cada relatrio e a acompanhar regularmente o desenvolvimento dos

    trabalhos. Pretendeu-se que, em muitos pontos, o produto final, incluindo o relatrio de

    enquadramento, que agora se apresenta, reflectisse a aludida diversidade de perspectivas

    e metodologias, pois essa seria, quanto a ns, a melhor forma de encontrar solues para

    desenvolver e reestruturar o sistema fiscal portugus.

    O presente relatrio, cuja leitura no substitui a anlise dos relatrios sectoriais,

    apresentado com a mesma autonomia cientfica e tcnica. Nele pretende-se efectuar no

    s uma sntese das principais perspectivas, sugestes e recomendaes dos relatrios

    sectoriais, como ainda aprofundar e complementar certos temas neles expressos e,

    sempre que for o caso, proceder a uma primeira ponderao das propostas para aferir da

    sua viabilidade social e tcnica. Para o efeito, a coordenao geral auscultou diversas

    entidades, nomeadamente parceiros sociais e instituies integradas no sistema das

    relaes tributrias. Muitas outras personalidades e instituies deveriam ter sido

    ouvidas, mas a urgncia de terminar os trabalhos no se compadecia com essa

    necessidade. Resta esperar que, na fase de discusso pblica do relatrio, tais lacunas

    sejam colmatadas.

  • 10

    Importa, por fim, sublinhar que, como bvio, as recomendaes e propostas

    apresentadas pelo Grupo de Poltica Fiscal no vinculam o poder poltico.

    2. Oenquadramentodapolticafiscal:algunsaspectos

    2.1 A qualidade das finanas pblicas

    A composio da receita fiscal e a qualidade da despesa pblica so factores muito

    importantes para que o Estado possa cumprir os seus objectivos primordiais: a prestao

    de servios aos cidados, a contribuio para uma sociedade mais justa e a promoo do

    crescimento econmico, preferencialmente atravs de mecanismos que actuem sobre o

    grau de competitividade da economia num contexto internacional.

    notrio que a gesto das finanas pblicas quer numa perspectiva de realizao de

    despesa, quer numa ptica de estruturao do sistema de receitas assume uma

    influncia muito importante sobre o desempenho de qualquer economia.

    A Unio Europeia (UE), cujas instituies se tm vindo a debruar sobre este tema com

    particular interesse, identificou seis canais de transmisso dos factores que influem na

    qualidade das despesas pblicas e o respectivo impacto no crescimento e

    desenvolvimento das economias. So eles: i) a dimenso das administraes pblicas;

    ii) o nvel e sustentabilidade das posies oramentais; iii) a composio e a eficcia da

    despesa, em particular das componentes que tm influncia no crescimento, tais como o

    investimento no capital humano (educao e sade), em infra-estruturas e no progresso

    tcnico (I&D), vindo este ltimo a assumir crescente importncia traduzida em regimes

    fiscais de apoio; iv) a estrutura e eficincia do sistema de receitas; v) a governao

    oramental, em especial a sua orientao para o desempenho - performance-based

    budgeting (PBB); e, por fim, vi) os diferentes efeitos das finanas pblicas no

    funcionamento dos mercados de trabalho, de bens e de servios, e no ambiente

    empresarial dos negcios.

    O nvel de despesa pblica que, em mdia, se observa na UE, faz com que a qualidade

    desta despesa se revista ainda de maior relevo, pois uma menor performance a este nvel

    pode acarretar influncias nefastas sobre o desempenho econmico dos Estados

    Membros (EM) e do espao comunitrio.

  • 11

    Um recente estudo da UE, usando mtodos que permitem a comparabilidade entre EM,

    e utilizando diversos indicadores (o peso do Estado na economia; a posio oramental

    e a sustentabilidade de longo prazo da poltica oramental; a composio, eficincia e

    eficcia da despesa pblica; a qualidade da gesto oramental), situava Portugal, no que

    toca qualidade das finanas pblicas, em 15 lugar entre os 27 EM relativamente a

    2007. Um outro mtodo (baseado na relao entre o benefcio e o custo da existncia do

    Estado), permitia concluir que Portugal ocuparia a 16 posio.

    Em face de tais resultados, pode afirmar-se que, apesar dos esforos feitos em anos

    recentes, h ainda um considervel caminho a percorrer no sentido de melhorar a

    qualidade das finanas pblicas em Portugal. A UE tem vindo a salientar a necessidade

    de os EM avaliarem periodicamente a gesto das respectivas finanas pblicas,

    evidenciando que a composio da despesa se deve orientar para o crescimento

    sustentvel, apontando a importncia do investimento em infra-estruturas e capital

    humano.

    2.2 A sustentabilidade das finanas pblicas

    Em termos quantitativos, e para a UE-15, a despesa pblica em percentagem do PIB

    atingiu um mximo de 51,3% em 1995, tendo apresentado no perodo 2000-2008

    valores relativamente estveis em torno de 46%. Portugal apresentava em 1995, para o

    mesmo indicador, um valor de 43,4%, e em 2008 atingia 46,2%.

    Em 2009, e face s condies geradas pela crise internacional, os deficits e o stock de

    dvida comearam a aumentar significativamente na UE. Tal situao condiciona e

    limita a margem de manobra dos Estados. A conscincia da complexidade da situao

    oramental na UE quer a actual, quer a que se perspectiva tem levado a Comisso a

    analisar o impacto que factores to importantes como, por exemplo, o envelhecimento

    populacional, tero a longo prazo.

    As concluses desta anlise indicam que, a manterem-se as polticas oramentais (pr-

    crise), o stock de dvida pblica em percentagem do PIB atingiria, em 2050, nveis

    muito preocupantes. Segundo o estudo da Comisso, Portugal surgia, em 2007, no

    grupo de pases que, relativamente a este problema, se apresentava como de alto risco;

    isto , o risco de no conseguir apresentar uma evoluo sustentvel da poltica

    oramental em face dos encargos provocados pelo envelhecimento. Na ausncia de

  • 12

    reformas, o estudo estimou que, em 2050, a despesa com penses absorveria 20,8% do

    PIB.

    Contudo, em 2009, perante algumas reformas introduzidas (designadamente no tocante

    segurana social) Portugal passou para o grupo de mdio risco: as reformas

    introduzidas alteraram a previso acima referida de 20,8% para 16% do PIB.

    No entanto, a recente deteriorao oramental impe vigilncia redobrada sobre a

    sustentabilidade a mdio prazo das nossas finanas pblicas. Os esforos de reduo do

    dficit e da dvida pblica, interrompidos na sequncia da crtica situao econmica e

    social que se vive em 2009, devem ser retomados e prosseguidos logo que possvel, de

    forma a assegurar o regresso estratgia de consolidao oramental com vista a

    garantir a sustentabilidade a longo prazo das finanas pblicas. As medidas que visem a

    reafectao da despesa a objectivos de competitividade e crescimento,

    preferencialmente num quadro da diminuio do gasto pblico relativamente ao PIB,

    so, neste contexto, das mais desejveis.

    Do lado da receita, as medidas a tomar no devero deixar de ter em considerao as

    respectivas consequncias sobre o deficit e o stock de dvida. Trata-se de

    constrangimentos que tm forte influncia na poltica fiscal portuguesa, e que, no

    sendo os nicos factores determinantes, tero de ser um elemento norteador aquando do

    regresso a uma situao econmico-social menos condicionada pela actual crise.

    2.3 O plano de recuperao da economia europeia

    A crise internacional que se iniciou em 2008 comeou por ter impacto mais visvel no

    sector financeiro. Foi, com efeito, uma deteriorao grave das condies de

    funcionamento dos mercados financeiros que desencadeou uma srie de efeitos cuja

    dimenso econmica se temeu que ultrapassasse a da crise dos anos 30 do sculo XX.

    Do sector financeiro, a crise estendeu-se designada economia real, afectando por isso

    investimentos, transaces de bens e servios, aumentando fortemente o desemprego e

    traduzindo-se em quebras do PIB como j h muito tempo no se tinha notcia.

    Os pases europeus sentiram e ainda sentem esta crise com particular intensidade,

    embora se vislumbrem alguns sinais de que o pior poder ter passado. Trata-se de

    economias onde o sector financeiro assume peso significativo e muito expostas ao

    comrcio mundial. A repercusso social da crise, em Estados caracterizados pela

  • 13

    preocupao de apoio aos estratos populacionais mais afectados pela volatilidade das

    economias, conduziu ao desenho e concretizao de polticas de estmulo com vista a

    minorar os efeitos econmicos e financeiros da actual crise.

    Deixando de lado a anlise de outros mecanismos de interveno, a poltica oramental

    tem desempenhado um papel activo no combate recesso. Em particular, a UE definiu

    um conjunto de princpios a que os estmulos oramentais devem obedecer, com o

    objectivo de maximizar o respectivo impacto, sem pr em causa, de forma irreversvel,

    a sustentabilidade das finanas pblicas.

    A UE recomenda, assim, que os estmulos sejam oportunos, temporrios, direccionados

    e coordenados; que associem instrumentos de receita e despesa pblica; que sejam

    conduzidos preferencialmente no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC)

    e que sejam acompanhados por reformas estruturais que melhorem a posio

    competitiva.

    Como medidas exemplificativas, sugerem-se, entre outras, a realizao de projectos de

    investimento pblicos em infra-estruturas, medidas de apoio financeiro que possam

    beneficiar as pequenas e mdias empresas (PME), o reforo de verbas para

    investimentos que promovam a proteco ambiental e a eficincia energtica, garantias

    e bonificaes de taxas de juro, e a descida de quotizaes para a segurana social a

    cargo dos empregadores.

    Este conjunto exemplificativo de medidas aplicado num quadro bastante divergente no

    que respeita situao das finanas pblicas dos diferentes EM, dado que, ainda em

    2007, um nmero elevado de EM apresentava, ao contrrio de outros, excedentes nas

    contas pblicas. A situao, porm, alterou-se em 2009 pelo efeito conjugado da quebra

    acentuada das receitas fiscais e do incremento das despesas como factor de combate

    recesso econmica entretanto instalada.

    Para alm da distinta margem de manobra dos EM, a composio das propostas de

    estmulo oramental por estes adoptadas tem reflectido, como natural em sociedades

    democrticas, diferentes perspectivas de natureza poltica ou ideolgica,

    designadamente sobre o peso relativo da reduo de impostos ou aumento da despesa

    pblica, ou sobre o tipo de projectos de infra-estruturas a levar a cabo, dado o trade-off

    entre o impacto de curto prazo e o potencial de crescimento da economia no mdio

    prazo, e a reversibilidade ou no reversibilidade das medidas adoptadas. Portugal no

    tem escapado a este debate.

  • 14

    Com efeito, uma das questes mais ventiladas reside em saber qual o grau de

    temporalidade e reversibilidade de algumas medidas adoptadas, em face da sbita

    inverso da trajectria do deficit pblico (em maior ou menor grau comum aos outros

    EM).

    A este respeito, vale a pena mencionar as seguintes concluses da UE sobre as medidas

    tomadas por Portugal:

    i) O pacote de estmulos de Portugal recebeu uma apreciao globalmente positiva por

    parte da Comisso. A dimenso da componente discricionria estimada em 0,9% do

    PIB e 0,1% do PIB, em 2009 e 2010, respectivamente, sendo cerca de metade

    proveniente do investimento pblico, predominantemente orientado para as infra-

    estruturas;

    ii) A margem de manobra de Portugal limitada a nvel de medidas adicionais de

    carcter discricionrio, dado o previsvel aumento do dfice estrutural das

    administraes pblicas, quer face reviso da estimativa do Governo para 2009, quer

    tendo em conta as revises, ligeiramente mais negativas, da generalidade dos

    Organismos Internacionais.

    Ao longo dos pontos anteriores, tem-se mencionado o perigo que, para a

    sustentabilidade das finanas pblicas, representa a profunda alterao, na sequncia da

    crise, do rumo da consolidao oramental a que se vinha assistindo em anos recentes.

    agora chegada a altura de fazer uma sntese do comportamento de uma outra varivel

    decisiva para retomar o referido rumo: a evoluo da receita.

  • 15

    2.4 As receitas provenientes da tributao do rendimento, consumo e patrimnio: sua evoluo

    Em traos gerais, e at 2007, a evoluo da receita fiscal em Portugal, em termos

    agregados, mostrava um aumento de eficcia na arrecadao. 1Entre 1995 e 2006, o

    nvel de fiscalidade (mdia aritmtica) na zona euro passou de 36,7% para 38,4%,

    enquanto que em Portugal tal indicador passou de 31,9% para 35,9%.2 E analisando,

    entre 1995 e 2007, a variao das receitas dos impostos directos, indirectos e sobre o

    patrimnio, em todos os casos se observa que a sua taxa mdia de crescimento anual

    nominal se situa acima da taxa mdia de crescimento anual nominal do Produto Interno

    Bruto (PIB). Por sua vez, o ndice de esforo fiscal passou de 0,87 em 1995 para 0,99

    em 2006, aproximando-nos da mdia da presso fiscal da UE em face do nosso PIB per

    capita.

    Individualmente, focando agora alguns dos tributos mais significativos em termos de

    estrutura da receita, verifica-se uma diferena assinalvel no comportamento do

    Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e do Imposto sobre o

    Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC). Com efeito, enquanto que, entre 1995 e

    2007, a receita do primeiro passou de 5,6% para 5,7% do PIB, j no segundo caso

    passou, em igual perodo, de 2,4% para 3,7%, sendo, alis, de realar que, no perodo

    em causa, se verificou uma acentuada descida na taxa do IRC.

    O menor dinamismo no crescimento da receita do IRS , em boa parte, devido ao

    aumento acentuado das dedues colecta, designadamente as dedues

    personalizantes, as despesas com a sade e com juros de emprstimos para compra de

    habitao.

    Os impostos sobre o patrimnio registam tambm um crescimento assinalvel. Se entre

    1995 e o incio da dcada seguinte este incremento mdio anual superior a 10% pode ser

    explicado pela evoluo do mercado habitacional, j depois de 2003 se dever ao

    1 Questo igualmente relevante neste contexto a da necessidade de melhorar as tcnicas de previso oramental da receita. O Quadro A em anexo Parte I d conta das divergncias entre receita prevista e receita cobrada. Se em relao aos casos em que a previso da receita no foi cumprida por razes de quebra imprevista de actividade econmica a situao compreensvel, j os casos de suboramentao de receita revelam dificuldades tcnicas a superar. 2 A evoluo da receita fiscal tambm muito condicionada pelo nvel da despesa fiscal, pelo que sempre desejvel uma aplicao criteriosa e controlada dos benefcios fiscais como elemento de uma s poltica fiscal.

  • 16

    impacto sobre as receitas da introduo do Imposto Municipal sobre os Imveis (IMI) e

    do Imposto Municipal sobre as Transmisses Onerosas de Imveis (IMT).

    No que respeita ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a respectiva receita

    representava, em 1995, 7,1% do PIB, passando para 8,8% em 2007. O IVA , durante

    este perodo, o imposto mais importante, em termos de produo de receita fiscal. S as

    contribuies para segurana social o superam.

    Entre 1995 e 2009, a taxa mdia anual nominal de crescimento da receita do IVA

    situou-se em 7,4%, valor superior ao crescimento mdio anual nominal do PIB em

    idntico perodo. O incremento da taxa normal foi, por certo, um dos factores que para

    tal contribuiu.

    Este quadro relativo evoluo da receita sofreu profunda modificao em 2009. Nos

    primeiros meses do ano, registou-se um importante decrscimo das receitas face a

    idntico perodo do ano anterior. Tais decrscimos so particularmente visveis no IVA,

    no imposto sobre veculos e no IRS. Para a evoluo que se tem vindo a verificar na

    receita fiscal esto a contribuir quer alguns factores especficos que afectam a evoluo

    da arrecadao de alguns impostos, como sejam, por exemplo, o efeito da reduo

    ocorrida na taxa do IVA ou o perfil de reembolsos e de transferncias a favor dos

    municpios e das regies autnomas, quer a acentuada deteriorao do contexto

    macroeconmico face ao que foi considerado aquando da elaborao das projeces

    oramentais.

    Sendo a fonte de receitas fiscais mais relevante, o IVA merece alguma ateno

    particular. Nesse sentido, o relatrio do Subgrupo inclui um captulo sobre a eficincia

    na cobrana do imposto que se passa de seguida a sintetizar.

    2.5 Eficincia do IVA indicadores

    Nos estudos sobre a avaliao da eficincia na cobrana do IVA tm-se sucedido alguns

    indicadores que procuram captar esse nvel de eficincia. O relatrio apresenta vrios,

    tais como: VAT Productivity, C-efficiency ratio e VAT Revenue Ratio. 3

    Referindo as vantagens e desvantagens associadas a cada indicador, os pontos que, a

    nosso ver, mais relevam do trabalho comparativo so a concluso sobre a fiabilidade de 3 O Subgrupo efectua uma anlise muito pormenorizada destes indicadores, propondo a adopo do VAT Revenue Ratio como base de trabalho mais apropriada, introduzindo-lhe algumas modificaes conceptuais que melhorariam a sua operacionalidade.

  • 17

    cada um e, sobretudo, o sentido da evoluo da eficincia na cobrana deste importante

    imposto entre ns. Eis as concluses:

    i) O indicador VAT Revenue Ratio (VRR) o mais aderente especificidade do IVA;

    ii) Para o caso de Portugal, de um modo geral e com excepo do indicador VAT

    Productivity, todos os indicadores apontam no mesmo sentido: depois de um perodo de

    estabilizao entre 1994 e 1997, regista-se um crescimento da eficincia at 2000, ano

    em que todos os indicadores usados registam o mximo, decrescendo desde a at 2004.

    Em 2005, o forte crescimento registado na receita do IVA contribuiu para o aumento em

    todos os indicadores usados, com maior efeito na receita lquida de reembolso, uma vez

    que o crescimento dos reembolsos ficou abaixo do crescimento da receita bruta,

    elevando ainda mais a taxa de crescimento da receita lquida de reembolsos. Entre 2006

    e 2008, os indicadores retomam os valores de 2004 quando usamos a taxa normal do

    IVA. Contudo, situam-se acima dos valores de 2004 e abaixo dos valores de 2005,

    quando consideramos a taxa mdia ponderada.

    Julgamos que esta seco do relatrio pode constituir importante contributo

    metodolgico para futuras medies da eficcia na cobrana do IVA, e assim

    proporcionar melhor base analtica dos efeitos observados de variaes de taxas, base

    tributvel, prazos de liquidao ou reembolso e outras variveis que entretanto possam

    ser introduzidas por opo de poltica fiscal.

    O relatrio inclui uma extensa seco relativa luta contra a fraude. Trata-se,

    obviamente de tema de muita importncia, at pelas condicionantes presentes e futuras

    da receita fiscal j atrs salientada. Antes disso, porm, e dadas as relaes entre ambos

    os temas, o relatrio do Subgrupo aborda ainda um outro tpico, o do impacto da

    globalizao na fiscalidade, a analisar de seguida.

    2.6 A globalizao e a fiscalidade

    O impacto da globalizao na fiscalidade pode, como se sabe, ocorrer atravs de

    mltiplas vias que acentuam a concorrncia fiscal. De entre elas, so de salientar:

  • 18

    i) A crescente mobilidade fsica das pessoas, sobretudo, as de maiores qualificaes e

    que auferem maiores rendimentos, que mudam a sua residncia fiscal para locais com

    tributao mais favorvel ou com sistemas fiscais baseados no princpio da

    territorialidade, no sujeitando rendimentos estrangeiros a tributao no Estado de

    residncia;

    ii) O crescimento do comrcio internacional, sobretudo, entre entidades integradas em

    grupos multinacionais, que confere relevncia fiscal acrescida quanto forma como so

    distribudos os lucros mundiais pelas diversas jurisdies nacionais. O uso dos preos

    de transferncia, a utilizao da rede de convenes de dupla tributao internacional

    (treaty shopping), a escolha da forma de financiamento, bem como o aproveitamento

    das caractersticas mais favorveis dos regimes fiscais nacionais ou dos melhores

    incentivos fiscais, so factores de eroso das bases tributveis;

    iii) O aumento das actividades econmicas realizadas fora do Estado de residncia que

    facilita a omisso declarativa dos rendimentos obtidos, sobretudo no caso de no existir

    troca de informaes entre o Estado fonte dos rendimentos e o Estado de residncia dos

    contribuintes;

    iv) A relevncia da tributao na escolha da localizao fsica do investimento directo

    estrangeiro. Apesar de no ser o nico factor determinante, ou o mais relevante em

    muitos casos, tem sido apontado como sendo, por vezes, um importante factor de

    desempate, em virtude de a tributao afectar sempre a rentabilidade lquida de qualquer

    investimento;

    v) O acesso facilitado a centros financeiros off-shore e parasos fiscais, com tributao

    baixa ou nula e regimes de sigilo bancrio e fiscal muito rgidos, que estimulado pela

    facilidade da movimentao do dinheiro electrnico e da transmisso de informao

    digital, bem como pela reduzida, ou inexistente, troca de informaes com as

    administraes fiscais dos Estados de residncia dos investidores;

    vi) O desenvolvimento de instrumentos financeiros, como sejam, designadamente, os

    derivados, e de formas cada vez mais complexas de engenharia financeira, que tornam

    mais difcil a qualificao da verdadeira natureza dos rendimentos gerados, a sua

    quantificao, bem como a identificao dos respectivos beneficirios efectivos;

    vii) A questo do regime fiscal das patentes e de outras modalidades de propriedade

    intelectual que tem vindo a ganhar particular relevo como factor de competitividade

    fiscal.

  • 19

    No sentido de combater os potenciais efeitos perniciosos que a globalizao pode

    induzir sobre a arrecadao tributria bem como sobre os nveis de equidade,

    eficincia e simplicidade do sistema fiscal so apresentadas recomendaes visando

    atenuar as consequncias nefastas dos factores mais prejudiciais, e que implicam,

    designadamente o apoio a uma maior concertao internacional no quadro de iniciativas

    multilaterais (transparncia dos parasos fiscais, controlo dos preos de transferncia e

    da deslocalizao de contribuintes).

    Por outro lado, so tambm referidas medidas que, no actual quadro internacional e

    comunitrio, podero potenciar a competitividade das empresas, como a criao de

    regimes fiscais destinados a segmentos precisos de activos empresariais (I&D, patentes,

    direitos de software) e a diminuio de custos de contexto ou o reforo da estabilidade

    do sistema fiscal (importante para o investimento em geral).

    2.7 Algumas polticas de relacionamento entre a Administrao e os contribuintes: evoluo recente e perspectivas

    2.7.1 Poltica de Preveno: Controlo do planeamento fiscal abusivo, Informaes vinculativas, acordos prvios de preos de transferncia, educao fiscal

    Dada a conhecida dificuldade em definir com preciso os conceitos de evaso, fraude,

    eliso e planeamento fiscal, e o impacto que tais actividades podem ter no nvel de

    receitas e no sentimento geral sobre a equidade do sistema, a maioria dos pases dotou-

    se unilateralmente de normas legais que visam combater prticas consideradas nocivas.

    De entre essas normas, merecem destaque as que criam clusulas gerais anti-abuso,

    gerais e especficas, e, como aconteceu recentemente entre ns, regimes prprios sobre

    o planeamento fiscal abusivo.

    Para melhor eficcia de todo este conjunto de normas, deveria ser cumprida a

    determinao legal de a Administrao Tributria divulgar publicamente os esquemas

    ou actuaes de planeamento fiscal j comunicados por promotores ou utilizadores que

    as autoridades reputem de abusivos. Essa avaliao deveria basear-se nas boas prticas

    de alguns pases que nos precederam e ser essencialmente orientada para funcionar

  • 20

    como alerta ou aviso aos cidados e empresas sobre os riscos que correm ao aderir a

    determinados esquemas, tal como vem sendo recomendado pela OCDE.

    Este sistema de alertas por parte das autoridades deveria ser estendido aos contribuintes

    que apresentem erros ou divergncias declarativas, pois, tal como acontece com o

    incremento do pr-preenchimento das declaraes, essa prtica melhoraria a relao

    entre o fisco e os cidados e reduziria custos de contexto. Existem, na OCDE,

    experincias de grande xito nesta matria, que poderiam servir de inspirao para

    incrementar os progressos que, que a este respeito, j se observam entre ns,

    designadamente no tocante desmaterializao de declaraes, ao pr-preenchimento, e

    ao contacto mais personalizado entre a administrao e os contribuintes.

    O grau de certeza na relao entre a Administrao Tributria e os contribuintes deve

    ser tambm substancialmente aumentado atravs das informaes vinculativas. J se

    deram, entre ns, passos recentes no sentido de usar esse instrumento como meio de

    determinar o correcto enquadramento fiscal das operaes. Mas a definio do modelo

    de servio por elas responsvel e o reforo em meios humanos tecnicamente habilitados

    so tambm factores de grande importncia no aumento da eficcia deste mecanismo.

    Em idntica linha de cooperao e pedagogia fiscal, e dado o crescimento que se

    observa na OCDE de casos litigiosos envolvendo preos de transferncia, os chamados

    Advance Price Agreements (APA) so outra das reas de desenvolvimento no seio da

    Administrao fiscal. Tal requer investimento em meios humanos que contribuiriam por

    certo para reduzir a litigncia em matria to complexa e de crescente relevo

    empresarial e fiscal.

    A poltica de preveno dever tambm prever a continuidade e aprofundamento das

    aces de educao fiscal, em particular, mediante a sua insero nos programas

    escolares.

    2.7.2 Combate e represso da fraude e evaso

    Quanto ao combate e represso da fraude, e tendo em conta fenmenos como o

    potencial incremento da economia paralela em tempo de crise, as facturas falsas, a

    fraude carrossel e a viciao de programas informticos de contabilidade, recomenda-

    se o aumento urgente de meios humanos qualificados afectos inspeco tributria, o

    reforo do controlo das tipografias autorizadas (dado que foram detectadas redes que

  • 21

    diversificam o nmero de tipografias que utilizam para o efeito), o cruzamento rpido

    de informaes de facturas suspeitas que ultrapassem determinado montante, o reforo

    dos meios afectos ao combate fraude carrossel e o aumento da cooperao com

    outros EM. Apesar de, nalguns casos, esta j ter atingido um nvel muito aprecivel,

    deve prosseguir a realizao de Seminrios e Workshops com a presena de

    especialistas da OCDE, Comisso Europeia e de inspectores de outros EMs envolvidos

    no combate fraude, em especial fraude carrossel..

    Em 2006 efectuou-se uma vasta aco com vista ao apuramento de responsabilidades de

    empresas que se dedicavam produo, distribuio e uso de aplicaes informticas

    ilegais, destinadas alterao de ficheiros produzidos por um programa de facturao

    com ampla implementao no sector da restaurao, tendo-se apurado um montante

    mdio de montantes subtrados s declaraes fiscais pelos utilizadores dos programas

    na ordem dos 25%. Esta aco teve eco no estrangeiro, particularmente em Espanha e

    na Sucia, tendo Portugal transmitido aos seus parceiros comunitrios a sua experincia

    no controlo deste tipo de software. A utilizao deste tipo de programas no se restringe,

    por certo, ao sector que foi objecto em Portugal de aces de inspeco, pelo que seria

    importante dar-lhe continuidade em aces dirigidas a outros sectores de actividade.

    O relatrio do subgrupo evidencia ainda uma sria de medidas aprovadas ou em estudo

    na UE que, no mbito da tributao directa e indirecta, visam combater a fraude fiscal.

    So de destacar, como exemplos, medidas dirigidas ao maior controlo das transaces

    intracomunitrias em sede de IVA, regras mais rigorosas sobre facturao, a melhoria

    na assistncia mtua na cobrana de crditos fiscais e na informao processoal em

    geral ou a reviso da directiva da poupana.

    2.7.3 A questo dos parasos fiscais

    Quanto questo dos parasos fiscais, partindo da observao de que, no passado

    recente, a retrica contra estas jurisdies no foi acompanhada de medidas efectivas

    para controlar a eroso que causam aos sistemas fiscais, o relatrio recomenda que, no

    actual contexto poltico-econmico e dada a presso a que os parasos fiscais esto

    agora sujeitos, sejam dinamizados e eficazmente usados todos os protocolos no sentido

    de potenciar a troca de informaes.

  • 22

    O interesse de algumas dessas jurisdies em credibilizar os seus sistemas fiscais pode

    vir a revelar-se particularmente vantajoso para Portugal em termos de arrecadao de

    receitas fiscais perdidas. A equipa poltica deveria, em estreita ligao com a DGCI,

    providenciar no sentido da rpida resposta aos pedidos recebidos de alterao das

    Convenes de Dupla Tributao no sentido anteriormente indicado, ou tomar mesmo a

    iniciativa em relao a algumas delas. O executivo tem vindo a actuar no sentido da negociao de acordos de troca de

    informaes com alguns parasos fiscais. Alguns planeadores fiscais nacionais tm,

    porm, vindo a deslocalizar certos esquemas para outros parasos fiscais e jurisdies

    no cooperantes, recomendando-se o alargamento da lista a abranger em acordos de

    troca de informaes. No caso de no ocorrer da parte dessas e outras jurisdies uma

    manifestao de mudana de atitude em termos de respeito dos standards, a Inspeco

    Tributria deveria estar particularmente atenta a facturas ou documentos equivalentes

    provenientes de ou destinados a esse tipo de jurisdies.

    O actual contexto socioeconmico fornece uma oportunidade que no deve ser

    desperdiada de combate aos parasos fiscais, existindo bons exemplos recentes de

    resultados positivos no combate fraude em funo da presso que muitos Estados tm

    colocado sobre alguns pases que so reconhecidamente utilizados com a finalidade de

    minimizao de carga fiscal.

    3. Tributaodorendimento

    3.1 Nota prvia

    Dos temas abordados pelo Subgrupo da tributao do rendimento no consta o tpico da

    relao entre as mudanas contabilsticas introduzidas pelo Sistema de Normalizao

    Contabilstica (SNC) e a fiscalidade. Entendeu-se que, dada a efectiva consagrao legal

    das substanciais mudanas no CIRC (atravs do Decreto-Lei 159/2009, de 13/7) e da

    introduo do novo modelo contabilstico constante do SNC (atravs do Decreto-Lei

    158/2009, de 13/7), o referido tema ter-se-ia tornado algo redundante. Haver que

    esperar pela sua efectiva aplicao, para, do confronto entre as normas e a produo dos

    seus efeitos, se poder ento formular um juzo mais fundamentado.

  • 23

    Deve ainda referir-se que no ttulo Recomendaes gerais o relatrio do Subgrupo

    foca diversos temas de carcter mais geral como a necessria simplicidade do sistema

    fiscal, apresentando algumas sugestes para o efeito, a regionalizao e municipalizao

    de impostos nacionais, vista com preocupao, a tributao dos no residentes,

    mostrando o seu carcter desconexo e preconizando medidas de maior consistncia do

    regime, e a tributao das mais-valias mobilirias.

    Este ltimo tpico, muito debatido desde a reforma que, em 1988, criou o IRS, merece

    destaque. Na verdade, a generosidade fiscal que, entre ns, existe relativamente s mais-

    valias obtidas na alienao de valores mobilirios - em particular das aces

    frequentemente considerada fonte de manifesta injustia fiscal. A nosso ver, os

    benefcios desta soluo no compensam os seus custos. A perda de receita e a reduo

    da equidade e da eficincia fiscal, parecem-nos bem mais importantes do que um

    suposto factor de apoio ao mercado de capitais.

    Em pases como a Espanha ou o Reino Unido, para citar apenas dois exemplos,

    tributam-se este ganhos, e no por isso que o seu mercado de capitais se ressente. Bem

    se conhecem as dificuldades que uma alterao desta natureza implicaria, mas tal no

    deve obstar a que se reafirme convictamente que a soluo actual no minimamente

    justa, devendo, pois, ser modificada.

    3.2 Modelos estruturantes da tributao do rendimento pessoal e proposta de semi-dualizao do imposto

    O relatrio do Subgrupo apresenta, de forma critica, uma breve caracterizao da

    evoluo do IRS, considerando negativos alguns desenvolvimentos como o aumento do

    nmero de escales ou a no definio clara de um mnimo de existncia. Sublinha

    ainda algo de muito importante sobre arquitectura da tributao do rendimento: nem o

    IRS um imposto nico e progressivo no seu sentido puro, nem no mundo actual

    existem impostos sobre o rendimento que se conformem totalmente a este modelo

    conceptual.

    Em termos gerais, so essencialmente trs os modelos possveis de tributao do

    rendimento: o modelo compreensivo ou unificado, o modelo da tributao linear (flat

    tax) e o modelo dual, com origem nos pases nrdicos e com variantes na sua

    concretizao (modelo semi-dual), todos eles com vantagens e inconvenientes. A

  • 24

    questo da escolha de um determinado modelo no apenas uma questo de natureza

    econmica, financeira ou tcnica, mas condicionada por diversos factores de ndole

    poltica, jurdica, sociolgica e histrica.

    O modelo unificado ou compreensivo o que, idealmente, est na base da adopo do

    IRS entre ns. No entanto, na sua formulao geral, o modelo hoje existente h muito

    que deixou de corresponder ao projecto inicial: basta pensar no sistema de taxas

    efectivamente existente. Alis, a tendncia de evoluo mundial no sentido do

    regresso a uma certa cedularizao do imposto e a uma certa mistura de

    progressividade e proporcionalidade.

    A questo que se pe a de saber se, no actual contexto, possvel um regresso do

    imposto pureza do modelo inicial. Para o Subgrupo a resposta negativa: a busca de

    um modelo puro de tributao unificada no seria uma soluo praticvel, pois seria

    posta em causa por vrias condicionantes de facto. Uma, referida no relatrio, o

    ambiente de concorrncia fiscal induzida pela globalizao da economia, com as suas

    exigncias de competitividade fiscal. Outra seria a da progressiva complexidade do

    sistema fiscal que, a curto prazo, poderia tornar o sistema de muito difcil gesto, desde

    logo de um ponto de vista informtico.

    Uma outra soluo, que tem sido, por vezes, ventilada, seria a da adopo do modelo de

    tributao linear do rendimento. Sobre este ltimo, recentemente introduzido em alguns

    pases do Leste Europeu e da Amrica Central, reconhece-se a sua vantagem

    simplificadora e mesmo a sua virtualidade competitiva. Mas, no actual contexto,

    desaconselha-se a sua adopo em Portugal, por vrias razes. 4 Primeira, tem-se

    considerado que a redistribuio da carga fiscal que a adopo deste modelo provocaria

    tem efeitos indesejveis. Segunda, que o modelo, para ter em conta a natureza do IRS

    como imposto progressivo, perderia a simplicidade que o seu principal factor de

    atraco. Terceira, est longe de existir, em Portugal e na Unio Europeia, consenso

    necessrio sobre tal matria. At agora este modelo tem-se afirmado em pases em vias

    de desenvolvimento ou em pases que no conheciam anteriormente outro modelo de

    tributao do rendimento. Por isso, nenhum pas da UE-15 adoptou o modelo da flat tax.

    A proposta de evoluo que o Subgrupo apresenta vai pois no sentido de melhorar a

    semi-dualizao do IRS que , na prtica, embora de forma no assumida, o modelo j

    4 Neste, como em outros pontos, no tomamos em conta dificuldades de natureza constitucional que poderiam apontar para a necessidade de reviso da constituio fiscal

  • 25

    hoje existente. Como exemplos prximos do figurino proposto, apontam-se o sistema

    holands das Boxes e o modelo de tributao sado da recente reforma do imposto

    pessoal de rendimento em Espanha, que consagrou duas bases tributveis distintas: a

    base liquidvel geral e a base liquidvel da poupana, esta ltima tributada a uma

    taxa proporcional de 18%.

    O princpio essencial destes modelos chamados de semi-duais o de no aplicar as

    mesmas taxas s diversas categorias de rendimentos. Habitualmente, algumas formas de

    remunerao do capital so tributadas por taxas moderadas (em regra, proporcionais),

    enquanto que os rendimentos de outra origem suportam taxas progressivas. Reconhece-

    se que este modelo menos justo que o modelo compreensivo, se este tivesse

    possibilidade de aplicao prtica na sua pureza. No fundo, os modelos dual e semi-dual

    so uma resposta defensiva e pragmtica ao problema da deslocalizao dos factores

    mveis de produo derivados da concorrncia fiscal internacional, visando que estes

    factores sejam realmente (e no de forma meramente nominal) sujeitos a alguma

    tributao.

    O Subgrupo sugere assim que todos os rendimentos das actuais categorias E, F e G do

    IRS passem a ser subtrados ao englobamento obrigatrio, ficando submetidos a uma

    taxa nica, que alvitra de 20% (todavia com possibilidade de opo pelo englobamento,

    caso o contribuinte assim o deseje).

    Em paralelo, prope a aglutinao (tendencial) dos rendimentos das categorias A, B e H

    numa base autnoma, sujeita a taxas progressivas, a redefinir. Esta ltima base incluiria

    ainda duas novas categorias: C destinada a rendimentos em regime de imputao e

    D- rendimentos no includos noutras categorias.

    Assim, e sintetizando, a base liquidvel geral ou base 1 conteria os rendimentos das

    actuais categorias A, B, H, e das novas categorias C e D. A base liquidvel especial

    ou base 2, incluiria as actuais categorias E, F e G.

    Esta alterao do desenho do IRS obrigaria a repensar o regime da comunicabilidade de

    perdas, bem como os nveis de progressividade.

    Trata-se, como se v, de uma proposta que acentua (e, ao mesmo tempo, racionaliza) a

    actual diferenciao de tratamento que j existe no IRS entre rendimentos de diversas

    categorias. No entanto, para alm de ter a vantagem de passar a tributar as mais-valias e

    de simplificar o actual sistema de taxas, teria ainda a vantagem de uniformizar o que at

    hoje se tem sido um tratamento impositivo muito diferente, e sujeito a modificaes

  • 26

    casusticas, dos vrios rendimentos das categorias E, F e G. Por outro lado, e este um

    ponto importante, no impede a evoluo para qualquer dos outros modelos se,

    entretanto, as condies necessrias para tal vierem a estar presentes e assim for

    decidido no plano poltico.

    Dada a proximidade do modelo proposto pelo Subgrupo ao modelo em vigor em

    Espanha, seria de todo conveniente, caso a proposta venha a merecer acolhimento, a

    anlise das questes normativas e de aplicao prtica do imposto que se tm

    manifestado no pas vizinho. Poderiam assim reduzir-se os custos da introduo de um

    modelo deste tipo.

    3.3 A unidade tributria em IRS

    Sobre este tpico, apresenta-se uma proposta categrica: aconselhvel a introduo,

    com maior urgncia, do regime de tributao separada dos casados.

    As razes so abundantemente explicitadas no relatrio do Subgrupo, e vo desde a

    desigualdade que se verifica entre os unidos de facto e os casados, at considerao

    das disparidades existentes entre a obrigatoriedade fiscalmente imposta de declaraes

    conjuntas e as realidades da gesto autnoma do rendimento e patrimnio pelos

    membros do casal em muitas situaes concretas da vida conjugal.

    No se afigura que a referncia constitucional ao agregado familiar possa ser

    considerada obstculo decisivo nesta matria, em especial se a opo de tributao

    conjunta for reconhecida. Esta proposta corrige, alis, a actual inconstitucionalidade

    derivada do diferente tratamento entre pessoas casadas e unidas de facto.

    Questo muito relevante, a merecer reflexo, a do tratamento dos dependentes.

    Preconiza-se a a soluo de as dedues possibilitadas pela existncia de dependentes

    serem () repartidas entre os cnjuges.

    3.4 Contributos para o aperfeioamento da tributao das categorias de rendimento do IRS

    Analisada a questo de fundo sobre o modelo conceptual do IRS e vista a questo da

    unidade tributria, o relatrio do Subgrupo passa em revista as categorias actuais do

  • 27

    CIRS e prope algumas mudanas normativas fundamentadas em aspectos de equidade

    ou neutralidade.

    Assim, e ainda num sentido geral e no especfico de qualquer categoria, prope-se que

    sejam revistas as tabelas de reteno na fonte, no sentido de maior aproximao entre o

    imposto periodicamente retido e o montante da obrigao tributria final. Isto para

    evitar a situao actual de, na maioria dos casos, as actuais tabelas de reteno

    implicarem reteno por excesso, com os consequentes reembolsos.

    Na categoria A, aponta-se a necessidade de proceder a uma reviso da deduo

    especfica, dado que, em muitos casos, ela apenas se reconduz ao montante das

    contribuies para a segurana social. O Subgrupo sugere outras despesas que nela

    deveriam caber. Assim, em certas condies, as quotizaes para ordens profissionais

    (segundo alguma doutrina, verdadeiros tributos) e as despesas de formao profissional,

    so apontadas como exemplo de outras dedues cuja incluso se deveria ponderar.

    No tocante categoria B, critica-se a actual redaco do artigo 58 do Estatuto dos

    Benefcios Fiscais (EBF) por consagrar uma soluo excessivamente generosa, sem

    paralelo conhecido em outras ordenaes tributrias, para os rendimentos da

    propriedade intelectual, propondo-se uma substancial modificao do regime. Uma

    definio mais restritiva do que se entende, para este efeito, por rendimentos de

    propriedade intelectual parece justificar-se.

    Tambm merece reparos o regime, consagrado no artigo 3, n 4, do CIRS, relativo aos

    rendimentos de actividades agrcolas, silvcolas e pecurias, propugnando-se a sua

    uniformizao com os restantes rendimentos da categoria B. Tal modificao permitiria

    ainda alterar as restries comunicabilidade de perdas que, no artigo 55, ainda

    subsistem para este tipo de rditos face aos restantes rendimentos da categoria B.

    Por fim, enumeram-se vrias razes para que seja reapreciado o regime de transparncia

    fiscal, apresentando-se um leque de propostas que visam tornar este regime mais

    facilmente controlvel e menos passvel de abusos e manipulaes.

    Quanto categoria E, prope-se uma alterao incidncia real, no sentido de certos

    rendimentos, onde podem existir perdas lquidas, passarem para a categoria G.

    Sugere-se, tambm, que se delimite com maior preciso o regime dos rendimentos

    decorrentes das redues de capital social de entidades societrias. Por fim, e como a

    Administrao fiscal parece, por vezes, ter entendido que s se dever conceder crdito

    de imposto por dupla tributao internacional relativamente colecta de rendimentos

  • 28

    englobados, sugere-se que se clarifique legalmente tal matria, pois no h razo para

    que tal deduo seja negada quando os rendimentos so tributados em Portugal pelas

    taxas especiais do artigo 72 do CIRS. Com efeito, em nenhum local, o CIRS distingue

    a colecta resultante das taxas gerais e das taxas especiais, pelo que a discriminao de

    tratamento que vem sendo feita no teria razo de ser.

    Na categoria F, evidencia-se uma excessiva restrio actualmente existente no tocante

    dedutibilidade dos custos comprovados necessrios obteno do rendimento. Na

    verdade, a deduo especfica prevista para os rendimentos da categoria F, deveria ser

    alargada a outro tipo de despesas directamente conexas com a obteno desse

    rendimento.

    Na categoria G, e no dizer do relatrio do Subgrupo, urge corrigir a injustia

    decorrente do facto de no ser admissvel ao proprietrio imobilirio alienante

    demonstrar que o valor de venda foi de facto inferior ao valor patrimonial tributrio do

    prdio alienado, determinado nos termos do Cdigo do IMI. 5

    Devem, por fim, ser salientadas algumas outras propostas relativas aos seguintes pontos:

    i) definio de um novo mbito de incidncia pessoal;

    ii) criao de mecanismos especiais de representao, antecipao e

    substituio tributrias;

    iii) a regras mais equitativas para tributao de rendimentos produzidos em anos

    anteriores; e

    iv) redefinio do mnimo de existncia.

    Salientamos aqui, at pela importncia da crescente mobilidade internacional do

    trabalho, a primeira das referidas propostas. Com efeito, a possibilidade da introduo

    de um regime de residncia parcial ou fraccionada de trabalhadores deslocados que se

    tornam residentes em territrio portugus evitaria o cmulo de pretenses tributrias,

    constituindo por isso uma sugesto que poder contribuir para minorar a complexidade

    fiscal destas situaes profissionais.

    5 Esta matria ter que ser analisada em articulao com a da tributao do patrimnio.

  • 29

    3.5 Contributos para o aperfeioamento da tributao dos rendimentos empresariais e profissionais

    Um outro captulo do relatrio especfico dedicado a trs importantes e recorrentes

    temas da tributao directa. So eles: os regimes simplificados de tributao, o

    pagamento especial por conta e as tributaes autnomas.

    Sobre o primeiro, efectuada uma anlise histrica da gnese dos regimes

    simplificados, resumindo-se, de forma sequencial, o que sobre eles foi expresso em

    relatrios anteriores, tais como o da Comisso para o Desenvolvimento da Reforma

    Fiscal (1996) e do Grupo de Trabalho que, em 2005, foi criado para estudar estes

    regimes. A se encontram os principais argumentos pr e contra a existncia de tais

    regimes, bem como as suas vantagens e desvantagens quando aferidos pela mtrica dos

    princpios norteadores de um sistema fiscal consagrados pela cincia tributria.

    So tambm descritos os regimes que, em Espanha e Itlia, se criaram no mbito da

    tributao dos sujeitos passivos de baixos rendimentos pertencentes a certos sectores de

    actividade.

    Por fim, apresentam-se as opinies de acadmicos que se debruaram sobre o tema, bem

    como as de alguns servios da administrao fiscal.

    Depois desta elucidativa resenha, o Subgrupo conclui:

    i) Relativamente ao regime simplificado em sede do IRS, que se deveriam manter

    as actuais linhas estruturantes do regime simplificado. Entende-se, porm, que dele

    se deveriam excluir certas actividades (v.g, ourivesaria, construo civil, sucatas)

    dados os riscos de evaso existentes. Tambm se prope a uniformizao e o

    aumento dos actuais limites de volume de negcios, bem como uma maior

    interveno da Administrao fiscal junto dos contribuintes, designadamente

    comunicando-lhes o fim do ciclo normal de trs anos, bem como outras propostas

    que decorrem das linhas jurisprudenciais j existentes sobre o mencionado regime.

    O regime simplificado tem constitudo uma soluo bastante atractiva para os

    contribuintes. A sua real simplicidade operativa e a consequente reduo de custos

    de cumprimento que da resulta so elementos que devem ser muito ponderados

    antes de lhe introduzir refinamentos que, tornando-o porventura mais afinado

  • 30

    relativamente a certas actividades, introduzir maior complexidade decorrente da

    diferenciao.

    ii) Relativamente s pessoas colectivas, sugere-se a revogao definitiva do actual

    regime simplificado e a criao de um regime contabilstico-fiscal, com regras mais

    simples, aplicvel a sujeitos passivos de baixo volume de negcios.6

    iii) Quanto ao pagamento especial por conta (PEC), tambm apresentada uma

    resenha histrica da sua criao e evoluo, sendo considerados, entre outros,

    aspectos relativos lgica inerente sua introduo, as sucessivas modificaes de

    que foi alvo e as questes suscitadas relativamente sua constitucionalidade, bem

    como as condies inerentes ao seu reembolso.

    Entende-se estar aqui ultrapassada a questo da constitucionalidade suscitada na

    configurao inicial do PEC, embora subsistam dvidas quanto

    constitucionalidade de muitas das alteraes posteriormente introduzidas. Por outro

    lado, embora no se conhea a sua real expresso financeira, tornando-se difcil

    emitir um juzo sobre o interesse financeiro do PEC, e mesmo sabendo-se que, na

    sua actual configurao, tem custos significativos de gesto, deve sublinhar-se que o

    PEC no foi institudo por razes de receita, mas de controlo. Isto significa que as

    razes que estiveram na base da criao do PEC subsistem, uma vez que, at hoje,

    no foram desenvolvidos os indicadores tcnico-cientficos que permitiriam um

    conhecimento da situao das pequenas e mdias empresas.

    Em face destas premissas, sugere-se uma reformulao do PEC e a sua evoluo

    para um regime de liquidao oficiosa, com regresso a valores semelhantes aos

    existentes no momento da sua criao.

    iv) Por fim, e sobre as tributaes autnomas, cuja receita em 2006 ascendeu a 205

    milhes de euros, o relatrio especfico apresenta a resenha legislativa da evoluo

    desta forma tributao, e manifesta a preocupao pela tendncia para a extenso do

    seu campo de aplicao que pode subverter princpios fundamentais da tributao do

    rendimento. Reconhece, porm, pragmaticamente que, dados os constrangimentos

    da receita, no se antev alternativa vlida para a sua substituio imediata por outro

    6 Este ponto no deve ser desligado da questo dos indicadores tcnico-cientficos previstos na Lei Geral Tributria (LGT), mas, at hoje, nunca criados.

  • 31

    regime. Sublinha ainda a complexidade que pode induzir na fiscalidade

    internacional (crdito de imposto), questo que deveria merecer cuidada

    ponderao. Eis um tema que merece um estudo mais aprofundado.

    3.6 Tributao empresarial e competitividade internacional

    A competitividade das economias influenciada, como bem se sabe, por vrios factores.

    A fiscalidade costuma ser apontada como um deles. Alis, aos princpios tradicionais da

    equidade, eficincia e simplicidade, junta-se hoje um outro relativo satisfao de um

    requisito de competitividade internacional.

    Neste sentido, o Subgrupo dedicou um captulo anlise desta questo.

    Os tpicos abordados so mltiplos, indo desde a anlise dos estudos que relacionam

    fiscalidade e investimento directo estrangeiro (IDE) at avaliao quantitativa da

    posio portuguesa no que respeita competitividade fiscal internacional, em especial

    no tocante tributao das empresas.

    Recorrendo a literatura recente da OCDE e outros organismos internacionais, sublinha-

    se que, em regra, as concluses acerca da relao emprica entre a fiscalidade e o IDE

    mostram que antes da (taxa) de tributao no Estado da fonte se tornar relevante, um

    outro conjunto de factores de ndole fiscal deve ser considerado, designadamente a

    transparncia, simplicidade, estabilidade e certeza na aplicao da legislao.

    Reforando estas concluses extradas de diversos empricos, em 2007 uma monografia

    da OCDE, intitulada Tax effects on foreign direct investment Recent evidence and

    policy analysis, conclua que a sensibilidade do IDE a estmulos fiscais se encontra

    significativamente dependente de mltiplos factores, como o sector de actividade em

    questo, o ciclo econmico, as condies estruturais e polticas dos pases.

    Em suma, se a fiscalidade no factor despiciendo, a literatura mais recente sobre o seu

    impacto no IDE inequvoca ao concluir que, por si s, muito dificilmente o factor

    fiscal se revela arma competitiva determinante na captao de IDE.

    Vale a pena referir a anlise que o captulo apresenta do caso irlands. Nos trabalhos a

    mencionados, uma vez mais se revela que o factor fiscal no foi, longe disso, o principal

    determinante do xito que, at h pouco, se creditava economia irlandesa, e

    amplamente reconhecido internacionalmente. Hoje, sendo o pas uma das vtimas mais

    notrias da crise financeira, tal apologia est, alis, bastante mitigada.

  • 32

    Entrando especificamente no caso portugus, o relatrio aborda, entre outros, aspectos

    qualitativos que seriam de considerar obstculos competitividade do sistema fiscal e,

    depois, resultados de estudos nacionais e internacionais que permitem posicionar

    Portugal no mbito de uma escala de competitividade fiscal global.

    Sobre os primeiros, citam-se, entre outros, e como factores negativos, a lentido da

    justia fiscal, a frequncia das alteraes legislativas e a importncia do direito

    circulatrio da administrao e sua deficiente divulgao. J como elementos

    positivos, menciona-se o alargamento substancial da rede de acordos de dupla

    tributao, as medidas de simplificao administrativa (Simplex) e a descida da taxa do

    IRC.

    Quanto aos trabalhos que visam aferir da posio relativa dos pases, na edio de 2009

    do estudo Paying taxes - the global picture, da autoria da empresa de consultoria

    PwC, e tomando em conta a carga fiscal total a que as empresas se encontram sujeitas,

    Portugal surge na 96 posio entre 181 pases. No contexto EU-25, Portugal surge com

    a 10 carga fiscal mais baixa.

    O relatrio especfico apresenta algumas recomendaes uma de natureza geral, outras

    de carcter mais especfico sobre a questo em apreo, entre as quais a reduo dos

    custos de contexto, atravs, nomeadamente, da harmonizao de obrigaes acessrias e

    de pagamento de impostos e contribuies para a segurana social ou a forma de

    tratamento de mais-valias e de menos-valias na alienao de partes sociais.

    3.7 A proposta de harmonizao da Matria Colectvel Comum Consolidada do Imposto sobre as Sociedades (MCCCIS)

    3.7.1 O projecto comunitrio relativo MCCCIS

    Com o propsito de instituir a possibilidade legal de as sociedades com filiais ou

    estabelecimentos estveis em diferentes Estados Membros da UE determinarem uma

    base tributvel conjunta no mbito do imposto sobre o rendimento societrio foram

    desenvolvidos na esfera comunitria trabalhos aprofundados, entre 2004 e 2008.

    Tais trabalhos procuraram definir os elementos estruturantes deste novo modelo de

    tributao, tais como:

    - O mbito subjectivo da aplicao da MCCCIS;

  • 33

    - As regras bsicas da determinao da MCCCIS, nas quais assumem particular relevo

    aspectos tais como os mtodos de clculo da depreciao de activos e apuramento de

    mais-valias, o regime de dedutibilidade de custos e encargos no dedutveis, as

    provises fiscalmente aceites, o conceito de relaes especiais e sua implicao nos

    preos de transferncia;

    - O mtodo a usar na consolidao;

    - O impacto previsvel do MCCCIS em questes de fiscalidade internacional, tais como

    os acordos sobre dupla tributao e o tratamento a dar aos rendimentos obtidos no

    estrangeiro.

    3.7.2 Avaliao da viabilidade do projecto

    Pese embora a convico expressa pelas instncias da UE de que tal modelo contribuiria

    para reduzir os obstculos fiscais ao pleno desenvolvimento do mercado interno,

    existem fortes dvidas sobre a viabilidade poltica e sobre a exequibilidade prtica do

    projecto. Na verdade, no foi possvel at ao presente obter a adeso dos EM dadas as

    srias dificuldades resultantes da:

    - Quantificao dos efeitos do novo mtodo sobre as receitas fiscais globais e em cada

    EM relativamente actual situao;

    - Aceitao de uma frmula de repartio que sirva de base distribuio de receitas

    entre os diversos EM;

    - Criao de uma estrutura centralizada para gesto de contribuintes, com competncias

    na resoluo de conflitos.

    Assim, a convico do Subgrupo, que subscrevemos, vai no sentido de que tal projecto

    dificilmente se concretizar a curto ou mesmo mdio prazo. No seio da UE existe a

    oposio de alguns Estados a um tal projecto e o cepticismo de outros. Por outro lado,

    estudos recentes7 mostram que, consoante os factores escolhidos como base de

    repartio, a receita fiscal dos EM teria variaes significativas, surgindo Estados

    ganhadores e perdedores de receita. Importaria, neste contexto, analisar, no plano

    quantitativo, qual o impacto de tais critrios na receita fiscal e na competitividade da

    economia portuguesa no quadro europeu.

    7 Veja-se, M. Devereux e S. Lotetz, The effects of EU formula apportionment on corporate tax revenues, Fiscal Studies, 2008, vol 29, pp. 1-34.

  • 34

    De qualquer modo, tudo isto aponta para que a MCCCIS seja um projecto com fraca

    probabilidade de concretizao num prazo razovel.

    3.8 Impostos sobre o rendimento e Direito Comunitrio

    O relatrio especfico procurou ainda analisar reas em que a regulamentao existente

    em Portugal se poder considerar, com muito elevado grau de probabilidade,

    desconforme com as exigncias do Direito Comunitrio (Fiscal) e que o Tribunal

    (TJCE) tenha por assentes e indiscutveis.

    Identificadas essas situaes, o Subgrupo recomenda as correspondentes modificaes

    nas normas nacionais. Tais recomendaes esto divididas em blocos, a saber: IRC e

    Direito Comunitrio, IRS e Direito Comunitrio e Aspectos gerais e comuns a IRC

    e IRS.

    No primeiro destes blocos, o grupo tratou de vrios temas. Assim, num primeiro, sobre

    a tributao pelo rendimento lquido de sujeitos passivos no residentes sem

    estabelecimento estvel, entende-se que no existe fundamento jurisprudencial

    inequvoco para, salvo nos casos j previstos, estender a todos os casos a tributao pelo

    rendimento lquido, permitindo a deduo de todos os custos relacionados com a

    actividade desenvolvida. Note-se, pois, que no se trata aqui de desconformidade, e sim

    de reafirmar, face a dvidas que se tm suscitado, que no existe na jurisprudncia

    comunitria uma linha clara para fundamentar essa eventual alterao.

    Quanto tributao dos grupos de sociedades, prope-se a eliminao de uma

    incompatibilidade detectada na legislao nacional, relativa excluso do permetro do

    grupo de entidades residentes detidas indirectamente por via de sociedades residentes

    noutro EM da UE.

    No tratamento fiscal do resultado da partilha recomenda-se a harmonizao do

    tratamento de scios residentes e no residentes.

    Tambm no regime de reinvestimento do valor de realizao dos activos nos quais se

    verificaram mais-valias, se sugere que passem a ser considerados como activos

    relevantes os ttulos de dvida emitidos por outro EM da UE.

    A mais fcil obteno dos meios de prova (vg., diminuio dos custos de cumprimento

    associados obteno de documentao certificada pelas autoridades fiscais do pas da

    entidade participada, como por exemplo nos casos do artigo 46 do CIRC) outra das

  • 35

    recomendaes efectuadas. Sobretudo tendo em conta os obstculos burocrticos

    significativos que ainda impendem sobre scios que, para beneficiarem dos regimes

    mais favorveis previstos na leis comunitrias, solicitam declaraes ou formulrios.

    No tocante ao IRS, assinala-se, entre outros tpicos, uma desconformidade nas

    dedues colecta, ao no serem permitidas, por exemplo, dedues com gastos em

    educao realizados por residentes em estabelecimentos de ensino localizados na UE e

    reconhecidos pelas autoridades competentes dos respectivos EM. Idntica anlise se

    pode estender a despesas com sade e outros gastos susceptveis de originar dedues

    colecta em sede do IRS.

    Nos Aspectos comuns a IRC e IRS, abordam-se questes como proibies de

    discriminao aplicveis a ambos os tributos e ainda a questo da incluso de Chipre

    como EM da UE na lista dos parasos fiscais constante da Portaria 150/2004.

    4. OsImpostossobreoPatrimnio

    4.1 Tributao do Patrimnio Imobilirio

    4.1.1 A Contribuio Autrquica e a sisa

    Em 1998 foi introduzida no nosso sistema fiscal a Contribuio Autrquica (CA), um

    imposto de natureza esttica sobre um elemento do patrimnio (o imobilirio) que

    substituiu a Contribuio Predial8. A CA almejava ser um imposto estruturado com base

    no princpio do benefcio, isto , tendo em conta as vantagens auferidas provenientes de

    servios pblicos (gratuitos ou abaixo de custo ou do preo de mercado) prestados

    sobretudo pelos municpios, constituindo receita dos mesmos. 9

    Na prtica, porm, a CA acabou por se distanciar do princpio do benefcio. Alm disso,

    o clculo do imposto assentava numa noo, a de valor patrimonial tributrio, que ficou

    dependente de uma avaliao casustica a efectuar com base num Cdigo de Avaliaes

    que nunca chegou a ver a luz do dia. Esta omisso conduziu a inmeras situaes de

    8 Esta substituio trouxe uma alterao estrutural pois a contribio predial assenatava na capacidade contributiva. 9 Autores como S Gomes e Casalta Nabais consideraram inconstitucional a invocao do princpio do benefcio (em vez do da capacidade contributiva) como fundamento da tributao da CA e hoje do IMI. At agora, porm, o Tribunal Constitucional nunca se pronunciou sobre esse assunto. Trata-se de uma questo discutvel, em parte dependente do entendimento que se tenha da relao entre o princpio da capacidade contributiva e o princpio do benefcio.

  • 36

    desigualdade de tratamento de situaes tributrias objectivamente idnticas. Acresce

    que a falta de actualizao dos valores patrimoniais constantes das matrizes conduzia a

    que a carga tributria fosse muito mais elevada para os proprietrios dos imveis mais

    recentes, redundando, ao mesmo tempo, num paraso fiscal relativamente aos imveis

    mais antigos. Ao lado da CA, permanecia, quase intocado, um imposto sobre as

    transmisses do imobilirio, a vetusta Sisa.

    Este conjunto de caractersticas da tributao do patrimnio levava a que as receitas

    arrecadadas em Portugal neste domnio se situassem em cerca de metade dos valores

    mdios observados na UE e na OCDE.

    4.1.2 A criao do Imposto Municipal sobre Imveis e do Imposto Municipal sobre Transmisses Onerosas de Imveis

    Em 2003 foi criado, em substituio da CA, o Imposto Municipal sobre Imveis (IMI)

    que incide sobre o valor patrimonial tributrio dos prdios rsticos e urbanos situados

    em territrio nacional, imposto este que continua a ser receita municipal.

    Segundo as palavras de Silvrio Mateus e Vasco Valdez, as alteraes mais

    significativas desta reforma passaram pela incluso de regras de avaliao objectivas e

    que foram estruturadas para encontrar valores de avaliao com alguma aproximao ao

    valor mdio de mercado de cada imvel a avaliar, embora com a preocupao de no

    ultrapassar o referido valor, prevendo-se a sua aplicao s transmisses ocorridas a

    partir da entrada em vigor do Cdigo do IMI (CIMI), sendo os restantes imveis objecto

    de uma actualizao gradual, mediante aplicao de coeficiente de desvalorizao

    monetria, com o compromisso legal de que se faria uma avaliao geral do parque

    imobilirio urbano no prazo mximo de 10 anos a contar de 2003. 10

    Esta reforma do sistema de avaliao da propriedade urbana com base num quadro legal

    de avaliaes assente em factores objectivos foi assim a grande inovao do IMI que,

    quanto ao resto, quase no passou de um novo nome para a antiga CA. 11 Em particular,

    manteve-se a justificao do imposto com base no princpio do benefcio.

    Ao lado do CIMI foi igualmente aprovado o Cdigo do Imposto Municipal sobre as

    Transmisses Onerosas de Imveis (CIMT) que procede substituio da sisa pelo

    IMT, sem que, porm, altere, no essencial, a natureza e regime do velho imposto. 10 In A Fiscalidade na Actividade Urbanstica, AICE, 2007, pp. 37-38. 11 NABAIS, J. Casalta, Direito Fiscal, 4 edio, Coimbra, p. 485.

  • 37

    4.1.3 Avaliao do regime de tributao existente depois de 2003

    Segundo o relatrio do Subgrupo sobre a tributao do patrimnio, a aproximao ao

    valor de mercado enferma de limitaes, pois o mercado imobilirio, em que a

    habitao constitui normalmente um bem de primeira necessidade para as pessoas e

    famlias, no funciona em concorrncia perfeita. Para alm deste mercado depender do

    solo, um bem escasso, possui tambm uma irresolvel assimetria entre as condies da

    oferta e da procura.

    O valor patrimonial, mesmo objectivado, no um valor estvel. Para alm disso,

    engloba a componente de investimento realizado no prdio em construes e outras

    benfeitorias (j tributados, em regra, em sede de outros impostos), funcionando como

    um desincentivo conservao e melhoria dos prdios e como um incentivo sua

    degradao. Fruto de vrias circunstncias, entre as quais a debilidade do sector

    bolsista, o imobilirio tem sido, com apoio da poltica fiscal, um refgio de poupanas e

    um suporte de investimentos especulativos.

    A reforma de 2003 baseou-se, quanto a ns, num diagnstico correcto da situao

    existente data, mas as solues que encontrou esto longe de resolver os problemas

    detectados, tendo, alis, gerado outros12. Com efeito, a fiscalidade predial continua a

    enfermar de inmeros defeitos e contradies, sendo os mais importantes os seguintes:

    - Existncia de uma multiplicidade de impostos e de taxas incidentes sobre o patrimnio

    imobilirio urbano, dando lugar a uma sobretributao directa e indirecta suportada por

    bens que visam satisfazer uma necessidade bsica, a habitao. Esta excessiva carga

    tributria ainda mais visvel quando comparada com a carga tributria que recai sobre

    outras manifestaes de riqueza, sendo certo que, hoje em dia, a riqueza

    predominantemente mobiliria;

    - Foi mantida, agora com a designao de IMT, a sisa, imposto que, pelos elevados

    montantes a pagar, para alm da razoabilidade, tem um impacto negativo sobre os

    direitos reais da propriedade, constituindo um travo ao desenvolvimento do mercado

    imobilirio, afectando negativamente a mobilidade geogrfica das pessoas e empresas e

    inflacionando os preos do mercado imobilirio;

    12 Por exemplo, a frmula de clculo enferma de erros lgicos (multiplica o coeficiente de localizao pelo custo da construo e o coeficiente vetustez pelo valor do solo).

  • 38

    - Existncia de uma multiplicidade de isenes no IMI sem justificao num imposto

    baseado no princpio do benefcio e que provocam distores no mercado;

    - Adopo de um princpio de clculo do valor (valor patrimonial) que desajustado em

    relao a uma carga fiscal desejvel (e suportvel) para a tributao dos prdios e que

    alimenta a especulao, uma vez que o mercado imobilirio no funciona de acordo

    com as leis da concorrncia perfeita;

    - Violao do princpio da igualdade, dado que muitos prdios idnticos, obtendo

    benefcios idnticos da parte dos poderes pblicos, designadamente autrquicos, tm

    nveis de tributao muito distintos;

    - Desincentivo da lei fiscal relativamente conservao de prdios e de obras de

    beneficiao, contrrio aos princpios do urbanismo e do ordenamento do territrio;

    - Flagrante desigualdade de critrios de tributao para os prdios rsticos (que tm por

    base o rendimento produtivo) e urbanos;

    - Tratamento desigual dos prdios arrendados em relao aos prdios no arrendados,

    nomeadamente os ocupados e utilizados directamente pelos proprietrios;

    - Insuficincia e desadequao da definio e classificao legal dos prdios urbanos;

    - Existncia de um regime transitrio com dois modelos distintos de avaliao, o dos

    prdios avaliados ao abrigo do CCPIIA (cerca de 5 milhes) e o dos prdios avaliados

    de acordo com as regras previstas no CIMI (cerca de 2,5 milhes);

    - Manuteno da excessiva tributao dos prdios novos em relao aos antigos.

    Note-se ainda que as alteraes abruptas ocorridas no mercado habitacional e no sistema

    de concesso de crdito, no mbito da crise iniciada em 2007, causou distores muito

    sensveis nos valores patrimoniais que servem de base ao apuramento do imposto face

    aos valores de mercado, em especial para imveis cuja aquisio se verificou em

    perodo de forte subida dos preos a que foram transaccionados.

    Para alm disso, a forma e prazos de aplicao do IMI aos prdios que figuram no

    activo de empresas que tm por objecto a sua venda contribui actualmente, em face da

    situao do mercado imobilirio, para uma sobrecarga tributria destas entidades, ou

    para o uso de mecanismos (v.g. criao de fundos de investimento imobilirio) que

    visam apenas evitar tal gravame.

    Por fim, refira-se que continua a verificar-se uma excessiva dependncia das receitas

    das autarquias relativamente aos impostos sobre o patrimnio imobilirio, com as

    consequncias negativas que essa desproporo acarreta quer em sede de ordenamento

  • 39

    de territrio quer mesmo no que toca a uma maior vulnerabilidade do poder autrquico

    s presses do sector da construo civil.

    4.1.4 Solues possveis

    Num domnio poltica, econmica e financeiramente to sensvel, no tarefa fcil

    encontrar solues para a questo da fiscalidade predial, at porque as experincias

    internacionais existentes no so tambm imunes a crticas.

    Com efeito, as modalidades de tributao do patrimnio analisadas que vigoram

    presentemente em vrios Estados da UE mostram que se trata de um domnio da

    fiscalidade no qual abundam os problemas e faltam solues credveis. Assim, aspectos

    como o mtodo de determinao dos valores tributveis, as isenes ou a complexidade

    administrativa de que os sistemas enfermam so exemplos das dificuldades existentes.13

    Trata-se, por outro lado, de uma rea de tributao onde, a nvel internacional,

    subsistem igualmente acentuadas diferenas entre o tratamento de prdios rsticos e

    urbanos.

    Uma primeira soluo possvel, que no tem o aval do Subgrupo, seria a de tentar

    corrigir os defeitos e disfunes do actual modelo. 14 Uma outra seria a de introduzir um

    novo modelo de tributao.

    O Subgrupo da tributao do patrimnio, tendo em conta algumas destas experincias, a

    moderna teoria do urbanismo e tomando o objectivo do ordenamento do territrio como

    um desiderato muito relevante na definio da politica de tributao do patrimnio,

    avana assim com alguns princpios que podero, uma vez desenvolvidos no plano

    jurdico, servir de orientao a uma reforma de tributao neste domnio.

    Sem pretenso de exaustividade, sublinhamos de seguida as grandes linhas propostas.

    Tais linhas de orientao, pelo seu carcter contrastante relativamente ao actual

    paradigma, em especial no que respeita determinao do valor do bem sujeito a

    13 O Subgrupo considera um sinal muito positivo e encorajador o recente lanamento pelo Estado norte-americano do Connecticut de um programa-piloto baseado no critrio do land value como base de tributao do patrimnio imobilirio, a ser apreciado pelo rgo legislativo competente em Dezembro de 2009. 14 No seio do Subgrupo, esta soluo tem o aval da Dr. Angelina Tibrcio (DGCI) que considera que o actual modelo, embora possua muitos defeitos, no esgotou ainda as suas virtualidades.

  • 40

    imposto, devero ser objecto de amplo debate pblico, de forma a analisar-se

    cuidadosamente a sua desejabilidade e viabilidade. 15

    4.1.5 Principais linhas de orientao do novo paradigma de tributao do imobilirio

    Em breve sntese, as principais linhas de orientao expressas no relatrio do Subgrupo

    so as seguintes:

    - Aceitao do princpio do benefcio como base de incidncia do imposto, mas de um

    princpio temperado por factores extra-fiscais, em particular os decorrentes de uma

    poltica fiscal que aja em consonncia com as polticas e princpios de planeamento e

    ordenamento do territrio;

    - Adopo de um valor fiscal estvel e neutro, no vinculado ao valor de mercado em

    relao ao investimento de valorizao dos prdios, com base em factores que

    privilegiem a diferenciao dos diversos tipos de prdios em funo da sua localizao,

    uso, direitos de construo constitudos e utilizao autorizada e no desincentivem a

    valorizao dos prprios prdios (conservao, benfeitorias, etc.), j tributada em sede

    de outros impostos;

    - Utilizao de conceito de valor de base territorial como mecanismo central no

    apuramento de valores a tributar. Este conceito afasta-se da actual filosofia de

    determinao do valor tributrio, assentando numa lgica de articulao do sistema

    fiscal com as polticas de uso do solo e de ordenamento do territrio;

    - Tendencial reduo das mltiplas isenes do IMI, acompanhada de uma reduo de

    taxas, de forma a obter, no plano da carga tributria global, uma neutralidade financeira;

    - Construo de um sistema descentralizado de cartografia e cadastro, construdo por

    aproximaes sucessivas, mas obedecendo a uma base normalizadora unificada, sem a

    qual qualquer verdadeira reforma se torna impossvel;

    - Sujeio da propriedade rstica a um imposto muito moderado;

    - Nova articulao entre a fiscalidade predial e a fiscalidade sobre o rendimento,

    evitando cargas fiscais excessivas e no prejudicando o arrendamento;

    15 O Subgrupo defende a introduo de um novo conceito de valor, o valor de base territorial, por oposio ao valor do rendimento, ao valor de mercado e ao valor patrimonial territorial.

  • 41

    - Extino (tendencial) do IMT, devendo analisar-se a sua eventual substituio no que

    toca a transmisso de prdios novos por outro tipo de imposto (IVA ou, eventualmente,

    selo).

    4.1.6 A discusso necessria

    A nosso ver, e como j se referiu, trata-se de uma proposta que assume um contedo

    claramente reformista em relao ao modelo existente. O relatrio do Subgrupo avana

    com as linhas de orientao geral que resultam de uma viso da tributao do

    patrimnio como um instrumento essencial para o ordenamento do territrio.

    Sendo certo que a reforma de 2003 apresenta fragilidades importantes, n