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Ana Carolina Ribeiro Monteiro
RE-LOCALIZAO E INOVAO SOCIAL:
um estudo exploratrio O caso da BALLE
Volume I
Tese de Mestrado em Interveno Social, Inovao e Empreendedorismo, apresentada
Faculdade de Economia e Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao
sob orientao da Professora Doutora Virgnia Ferreira
Setembro, 2012.
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Ana Carolina Ribeiro Monteiro
RE-LOCALIZAO E INOVAO SOCIAL:
um estudo exploratrio O caso da BALLE
Volume I
Tese de Mestrado em Interveno Social, Inovao e Empreendedorismo,
apresentada Faculdade de Economia e Faculdade de Psicologia e de Cincias
da Educao sob orientao da Professora Doutora Virgnia Ferreira e
co-orientao da Professora Doutora Regina Helena Alves da Silva
Coimbra
2012
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Um mapa do mundo que no inclua Utopia no merece ser olhado,
j que deixa de fora o nico pas no qual a humanidade est sempre desembarcando.
E quando a humanidade chega ali, olha o horizonte e, ao ver um pas melhor,
zarpa em sua busca. O progresso a realizao de Utopias.
Oscar Wilde
Nenhum problema pode ser resolvido
pelo mesmo estado de conscincia que o criou.
Albert Einstein
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AGRADECIMENTOS
Ao carinho e total apoio e incentivo de meus pais, irmo e querida tia Tereza em
mais uma jornada fora do Brasil. A todos meus familiares que sempre alegraram nossos
encontros. Aos meus primos Alfke e Deco pela amizade e acolhimento em Londres e a
Anna Christina pela sua colaborao de ltima hora com o ingls. Ceclia e David,
minha segunda famlia fora do Brasil, por quem tenho tanta gratido e carinho.
Ao Gustavo Filizzola por me incentivar a fazer o mestrado em Coimbra e pela
inigualvel ajuda e amizade durante todos os preparativos e estadia em Portugal.
oportunidade de ter convivido e criado fortes laos de amizade com minhas
queridas raparigas Ana Fernandes, Joana Bastos e Joana Almeida. No poderia deixar de
fazer um agradecimento todo especial a duas raparigas: a Catarina Magno pela acolhida,
suporte incondicional, amizade e cumplicidade em toda minha estadia em Coimbra; a
querida Ana Cludia, que mesmo a distncias ocenicas se fez to presente em todos os
momentos de angstias, alegrias, e de dvidas e mais dvidas...!
Aos meus amigos, de longa data, Anne Kurz, Lorena Andrade, Marina Barros,
Fernanda Ribeiro, Manno Frana e Vitor Maciel, espritos livres e inquietos com os quais
tenho o prazer de tecer uma teia de reflexes, aspiraes, questionamentos e de muita
alegria!
minha orientadora, Professora Doutora Virgnia Ferreira, que aceitou este desafio
comigo e me ofereceu toda orientao e suporte necessrios em Coimbra e, principalmente,
quando tive que regressar ao Brasil para aqui escrever a dissertao. Sou grata pela sua
prontido, pelo seu olhar crtico que me fez sempre transcender meus limites e pelo seu
suporte em todas as questes de finalizao, desde as revises precisas, passando pela
gentileza de depositar pessoalmente esta dissertao na Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra e a articulao para conseguir a co-orientadora no Brasil.
co-orientadora Profa. Doutora Regina Helena Alves da Silva por tambm aceitar
este desafio e pela acolhida em Belo Horizonte em encontros esclarecedores.
Universidade de Coimbra, pelo ambiente agradvel de convivncia e pelos
conhecimentos e saberes compartilhados atravs dos professores do Mestrado em
Interveno Social, Inovao e Empreendedorismo.
Um agradecimento mais do que especial ao meu amado Rangel, brasileiro que tive a
felicidade de encontrar na Universidade de Coimbra e que juntos nos maravilhamos com
Coimbra e com Londres. Serei eternamente grata por seu amor, companheirismo, apoio em
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todas as esferas da vida e nos momentos mais crticos, pela sua incrvel capacidade de me
acalmar, pelo seu olhar crtico nas revises e tambm por compartilhar comigo seus
conhecimentos e viso de mundo em nossas inmeras reflexes sobre economia e sobre a
vida.
Por ltimo, sou grata pelas experincias enriquecedoras em Portugal, na Inglaterra e
na Alemanha que aguaram meu olhar para a organizao do espao e para s maravilhas
da diversidade sociocultural, econmica e ambiental, fatores determinantes realizao
desta dissertao de mestrado.
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RESUMO
Nos ltimos anos tem-se assistido ao surgimento de organizaes e de movimentos que
advogam a importncia de se produzir e consumir localmente em detrimento dos bens e
servios provenientes das corporaes multinacionais e suas redes globalizadas. Trata-se
de uma resposta aos crescentes nveis de insustentabilidade econmico-financeira, social,
ambiental e energtica provenientes do modelo econmico globalizado neoliberal. Este
fenmeno, de maior evidncia nos Estados Unidos e na Inglaterra, e presente tanto no meio
urbano quanto no rural, uma representao do conceito de re-localizao econmica,
ainda incipiente no universo acadmico. Este trabalho consiste em analisar o potencial de
inovao social da re-localizao econmica a partir do estudo de uma instituio do
terceiro setor americano, a BALLE Business Alliance for Local Living Economies. Esta
anlise orientou-se pelas dimenses estipuladas por Andr e Abreu (2006) para a inovao
social e pela operacionalizao exploratria do conceito de re-localizao econmica,
realizada neste estudo, em seis dimenses de anlise: a natureza, a espacializao, a posse,
o consumo, a financeira e a polticas pblicas. A metodologia utilizada baseou-se no
estudo de caso, tendo-se recorrido triangulao de tcnicas de produo de informao:
entrevista estruturada, questionrio eletrnico e pesquisa documental. Verificou-se que a
re-localizao econmica na interveno da BALLE configura-se como um processo de
inovao social, ao passo que contribui para o empowerment do grupo de empreendimentos
de posse local (EPL) e de outros ainda mais marginalizados no modelo hegemnico da
globalizao neoliberal, e gera capital social ao fortalecer as relaes entre quem investe
quem produz, quem comercializa e quem consome.
Palavras-chave: modelo econmico globalizado neoliberal; insustentabilidade; re-
localizao econmica; inovao social.
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ABSTRACT
In recent years several organizations and movements have emerged that advocate the
importance of producing and consuming locally instead of obtaining goods and services
from multinational corporations and their global supply networks. This is a response to the
rising levels of economic and financial, social, environmental and energy unsustainability
from the globalized neoliberal economic model. This phenomenon, most evident in the
United States and England and present in urban as well as rural areas, is a representation of
the concept of economic relocalization, still incipient in the academic universe. The
present thesis analyzes the social innovation potential of economic relocalization, via the
study of an American institution of the third sector, BALLE - Business Alliance for Local
Living Economies. This analysis was guided by the dimensions for social innovation
stipulated in Andr and Abreu (2006) and the exploratory operationalization of the concept
of economic relocalization, carried out in this study in six dimensions: nature, spatial
distribution, ownership, consumption, financial and public policies. The methodology used
was based on case studies, making use of triangulation techniques to generate information:
structured interview, electronic questionnaire and documentary research. We conclude that
the economic relocalization promoted by BALLEs intervention engenders a process of
social innovation, while contributing to the empowerment of the group of locally owned
business, and of others even more marginalized in the hegemonic model of neoliberal
globalization, generating social capital by strengthening the relations between investors,
producers, sellers, and consumers.
Key words: globalized neoliberal economic model; unsustainability; economic
relocalization; social innovation.
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RESUMEN
En los ltimos aos se ha observado el surgimiento de organizaciones y de movimientos en
defensa de la importancia de producir y consumir localmente en desfavor de los bienes y
servicios provenientes de las corporaciones multinacionales y sus redes globalizadas. Se
trata de una respuesta a los crecientes niveles de insostenibilidad econmico-financiera,
social, ambiental y energtica resultantes del modelo econmico globalizado neoliberal.
Este fenmeno, de mayor evidencia en los Estados Unidos y en Inglaterra, y presente tanto
en el medio urbano como en el rural, es una representacin del concepto de relocalizacin
econmica, todava incipiente en el universo acadmico. Este trabajo consiste en analizar
el potencial de innovacin social de la relocalizacin econmica a partir del estudio de una
institucin del tercer sector americano, BALLE Business Alliance for Local Living
Economies. Este anlisis se orient por las dimensiones estipuladas por Andr y Abreu
(2006) para la innovacin social y por la operacionalizacin exploratoria del concepto de
relocalizacin econmica, realizada en este estudio, en seis dimensiones de anlisis: la
naturaleza, la espacializacin, la posesin, el consumo, la dimensin financiera y la de las
polticas pblicas. La metodologa utilizada se bas en el estudio de caso, habiendo
acudido a la triangulacin de tcnicas de produccin de informacin: entrevista
estructurada, cuestionario electrnico e investigacin documental. Se verific que la
relocalizacin econmica en la intervencin de BALLE se configura como un proceso de
innovacin social, mientras se contribuye para el empowerment del grupo de empresas de
propiedad local (EPL) y de otros an ms marginalizados en el modelo hegemnico de la
globalizacin neoliberal, adems produce capital social al fortalecer las relaciones entre el
que invierte, el que produce, el que comercializa y el que consume.
Palabras-claves: modelo econmico globalizado neoliberal; insostenibilidad;
relocalizacin econmica; innovacin social.
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LISTA DE SIGLAS
AMIBA - American Independent Business Alliance
BALLE - Business Alliance for Local Living Economies
CDFIs - Community Development Financial Institutions
CE - Civic Economics
EPL - Empreendimento(s) de Posse Local
ET - Empreendimento para a Transio
FARMA - National Farmers Retail and Markets Association
FEASTA - Foundation for Economics Sustainability
IAL - International Alliance for Localization
IEA - International Energy Agency
IFG - International Forum on Globalisation
IFPL - Instituies Financeiras de Posse Local
ILSR - The Institute for Local Self-Reliance
IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change
ISEC - The International Society for Ecology and Culture
IT - Iniciativas em Transio
JOBS - Jumpstart Our Business Startups
LLE - Local Living Economies
LM3 - Local Multiplier 3
LOIS - Local Ownership and Import Substitution
NEF - New Economics Foundation
NEI - New Economics Institute
NEWGroup - New Economy Working Group
NFU - National Farmers Union
PCI - Post Carbon Institute
PDO - Protected Designation of Origin
RIT - Rede das Iniciativas em Transio
SRB - Socially Responsible Business
SVN - Social Venture Network
TINA - There Is No Alternative
TN - Transition Network
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NDICE
INTRODUO....................................................................................................................1
CAPTULO I. INOVAO SOCIAL E RE-LOCALIZAO ECONMICA:
DELIMITAO TERICA DOS CONCEITOS ...........................................................5
1.1. Inovao Social: ode mudana..................................................................................5
1.1.1. Inovao social: principais definies..........................................................................5
1.1.2. Dimenses de anlise da inovao social.....................................................................9
1.2. Re-localizao econmica: do problema proposta................................................11
1.2.1. Globalizao neoliberal: um breve olhar sobre o problema.......................................12
1.2.2. Re-localizao econmica: a proposta ......................................................................16
1.2.3. Breves consideraes sobre a re-localizao nos EUA e na Inglaterra......................26
1.3. Dimenses de anlise da re-localizao econmica..................................................28
1.3.1. Natureza .....................................................................................................................29
1.3.2. Espacializao............................................................................................................35
1.3.3. Posse ..........................................................................................................................37
1.3.4. Consumo ....................................................................................................................40
1.3.5. Financeira ..................................................................................................................43
1.3.6. Polticas pblicas .......................................................................................................46
CAPTULO II. PASSOS TERICO-METODOLGICOS ........................................48
2.1. Definio do problema de pesquisa...........................................................................48
2.2. Metodologia..................................................................................................................50
2.2.1. Tipo de pesquisa quanto natureza e aos objetivos e os procedimentos tcnicos.....53
2.2.2. Contexto, universo e procedimentos de recolha de dados..........................................54
2.2.3. Procedimentos de anlise dos dados..........................................................................60
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CAPTULO III. BALLE: CONTRIBUTOS PARA A RE-LOCALIZAO
ECONMICA E SUA CONFIGURAO COMO UMA INOVAO SOCIAL.....61
3.1. Histrico de criao da BALLE ................................................................................61
3.2. Anlise da re-localizao econmica no contexto de interveno da BALLE.......64
3.2.1. Institucionalizao......................................................................................................64
3.3. Caracterizao da re-localizaao econmica na BALLE........................................75
3.3.1. Espacializao e posse................................................................................................75
3.3.2. Consumo.....................................................................................................................81
3.3.3. Financeira...................................................................................................................83
3.3.4. Polticas Pblicas........................................................................................................83
3.4. Re-localizao econmica: uma inovao social?.....................................................85
3.4.1. Natureza......................................................................................................................86
3.4.2. Estmulo......................................................................................................................92
3.4.3. Recursos e dinmicas.................................................................................................95
3.4.4. Relao de agncia.....................................................................................................97
CONSIDERAES FINAIS............................................................................................98
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................................................103
NDICE DE QUADROS
Quadro 1: Definies do conceito de inovao social...........................................................7
Quadro 2: Principais instituies e autores que trabalham com a re-localizao................17
Quadro 3: Propostas em polticas pblicas de suporte re-localizao econmica ...........47
Quadro 4: Modelo de Anlise .............................................................................................51
Quadro 5: Informaes redes BALLE..................................................................................58
Quadro 6: Misso, viso e valores da BALLE.....................................................................65
Quadro 7: Servios BALLE e classificao por tipo...........................................................71
Quadro 8: Crescimento das redes no perodo de 2007-2012................................................76
Quadro 9: Informaes redes BALLE..................................................................................77
Quadro 10: reas de interveno das 14 redes BALLE......................................................91
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NDICE DE FIGURAS
Figura 1: Mapa de localizao geogrfica das 14 redes BALLE.........................................59
Figura 2: Arranjo organizacional da BALLE.......................................................................68
NDICE DE GRFICOS
Grfico 1: Satisfao das redes com os servios BALLE....................................................72
Grfico 2: Servios disponibilizados pelas redes e sua frequncia......................................72
Grfico 3: Proporo de membros por setor........................................................................78
Grfico 4: Proporo de membros por setor econmico......................................................80
Grfico 5: Relao Redes - Governo local...........................................................................84
Grfico 6: Nvel das dificuldades enfrentadas pelas redes BALLE no processo de
re-localizao econmica...................................................................................93
Grfico 7: Nvel das oportunidade identificadas pelas redes BALLE no processo
de re-localizao econmica..............................................................................94
NDICE DE ANEXOS
Contedos disponibilizados em mdia digital (Compact Disc):
Anexo 1: O que a re-localizao significa e no significa
Anexo 2: Caracterizao do projeto REconomia
Anexo 3: Questionrio eletrnico respondido por quatorze redes da BALLE
Anexo 4: Entrevista estrutura respondida por Martin Sorge da BALLE
Anexo 5: Grelha de anlise de contedo da entrevista estruturada com Martin Sorge
da BALLE
Anexo 6: Grelha de anlise de contedo das questes abertas do questionrio eletrnico
Nota: Fonte da Figura da Capa Chamberlin, Shaun. The Transition Timeline: for a local,
resilient future. Totnes, Inglaterra: Green Books, 2009.
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INTRODUO
Nos ltimos anos tem-se assistido o surgimento de organizaes e de movimentos
que advogam a importncia de se produzir e consumir localmente em detrimento dos bens
e servios provenientes das corporaes multinacionais e suas redes globalizadas. Este
fenmeno, de maior evidncia nos Estados Unidos e na Inglaterra, e presente tanto no meio
urbano quanto no rural, expresso em denominaes tais como: buy local; going local;
local first; be local; think local first, protect the local globally; e from global to local.
Estes termos so representaes de um conceito ainda pouco analisado por estudos
acadmicos: economic localization ou economic relocalization, em portugus, re-
localizao econmica1.
O ponto de partida da re-localizao a compreenso da centralidade da organizao
econmica hegemnica na interdependncia dos problemas contemporneos, e de seu
estado colonizador das diversas esferas da vida, exercendo forte influncia no ser, no
agir, no pensar, no sentir e na qualidade de todas as relaes sociais e ambientais. Diante
desta centralidade da economia, da insustentabilidade sistmica da globalizao neoliberal
e de seu estado desincrustado da sociedade, a re-localizao econmica prope um
processo de reconfigurao, diversificao e fortalecimento das economias locais. O
objetivo central permitir que comunidades, regies e naes nessa ordem, do menor
para o maior recuperem o controle sobre suas economias, abarcando problemas como o
da mudana climtica, da crise energtica, do hiperconsumismo e do uso irracional dos
recursos. Ao passo que tudo o que puder ser produzido no local deve s-lo. Quando no
houver condies locais, o regional tem prioridade, depois o nacional e, em ltima
instncia, o internacional (Hines, 2000, p. 30, traduo prpria).
Em outras palavras, a re-localizao desafia a viso hegemnica de que bigger is
better, buscando uma economia de base humana e comunitria (humanly scaled e
community-based), em que os recursos locais naturais, humanos e financeiros devem
ser maximizados na produo de bens e servios para atender, em primeiro lugar, aos
mercados locais. Estudos sobre o conceito so ainda incipientes no universo acadmico,
mas a re-localizao j vem sendo discutida teoricamente por economistas e
1 Embora na lngua inglesa o conceito seja mais conhecido por economic localization, na traduo para o
portugus optamos por re-localizao econmica a fim de no confundir com questes de localizao
geogrfica e reforar o fato de que as economias locais j foram mais dinmicas e diversas, justificando um
processo de (re-)localizao da mesma. Em alguns momentos utilizaremos apenas o termo re-localizao.
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2
ambientalistas, e pesquisada e colocada em prtica por organizaes do terceiro setor
americano e britnico (Norberg-Hodge, 2001; Starr & Adams, 2003).
No atual perodo histrico, marcado por mltiplas crises, somos impulsionados a
identificar e analisar iniciativas inovadoras e ousadas face urgncia das crescentes
demandas sociais. A inovao social configura-se, assim, como um importante suporte e
fio condutor. A inovao social diz respeito s respostas novas e socialmente reconhecidas
que visam e geram mudana social (Andr & Abreu, 2006). Trata-se de um fenmeno
construdo a partir de variadas formas de aes coletivas, manifestando-se como um
produto ou um processo, numa dinmica multiescalar (desde o nvel local aos nveis
nacionais e internacionais), contribuindo para a satisfao de necessidades humanas ainda
no consideradas ou atendidas e aumento da capacidade humana de agir na prpria
resoluo de seus problemas por vias do empowerment e/ou fomento de capital social
(Martinelli et al., 2003 apud Andr & Abreu, 2006).
Partindo da constatao de que a re-localizao um fenmeno muito recente, pouco
analisado por estudos acadmicos e representativo de uma diferente reorganizao das
atividades econmicas no contexto da sociedade contempornea, o problema levantado
neste estudo est expresso na seguinte questo: A re-localizao econmica tem se
configurado enquanto um processo de inovao social? A fim de responder a esta questo,
temos como objetivo verificar o potencial de inovao social da re-localizao econmica
a partir do modelo de interveno de uma instituio do terceiro setor americano,
designadamente, a BALLE Business Alliance for Local Living Economies. Trata-se de
uma organizao sem fins lucrativos cuja misso catalisar, fortalecer e conectar em rede
locally owned independent businesses, em portugus, empreendimento(s) de posse local
(EPL), interessados no fomento da re-localizao econmica. Atualmente, a BALLE
possui cerca de 80 redes, que juntas representam mais de 22 mil EPL distribudos em 30
estados americanos e em algumas provncias canadenses.
Para elaborao deste trabalho partimos da seguinte hiptese: A re-localizao
econmica se configura como um processo de inovao social; e sub-hipteses: (i) o
territrio de interveno das organizaes promotoras da re-localizao diverso,
representando a elasticidade das fronteiras do local na tese da re-localizao; (ii) as
organizaes promotoras da re-localizao agregam tanto o setor com fins lucrativos
quanto o sem fins lucrativos, e tm representatividade nos vrios setores econmicos; (iii)
a interveno das organizaes apresenta resultados significativos na promoo da re-
localizao nas dimenses consumo, financeira e polticas pblicas; (iv) a necessidade de
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3
responder a desafios socioeconmicos e ambientais move a interveno das organizaes
como tambm a possibilidade de aproveitar oportunidades; (v) h diversidade nos recursos
utilizados pelas organizaes na promoo da re-localizao, ou seja, tanto na tipologia de
conhecimentos e saberes quanto na de capital relacional; e (vi) as organizaes possuem
uma tipologia contra-hegemnica, mas buscam parcerias com governos locais e outras
organizaes com o objetivo de viabilizar a prpria re-localizao.
A escolha desta reflexo justifica-se por diversos motivos. Diante da lacuna de
estudos sobre a re-localizao econmica no universo acadmico, sobretudo de lngua
portuguesa2, a presente investigao constitui um contributo relevante para a academia,
indo de encontro proposta deste mestrado de incentivar o estudo sobre a inovao social
numa dinmica empreendedora. A nvel social e poltico, pretendemos contribuir para a
reflexo sobre caminhos alternativos globalizao neoliberal e transcender a zona de
conforto da crtica. Por ltimo, em termos pessoais, a escolha deste tema representa a
busca de uma gegrafa e analista ambiental por conceitos e prticas que no concentrassem
seu foco nos efeitos naturais das prticas socioeconmicas, permitindo compreender que
problemas aparentemente externos representam, primeiramente, um conflito no interior
da atual organizao da sociedade humana.
Na sequncia do exposto, a reflexo estrutura-se em trs captulos. No Captulo I
desenvolvemos a delimitao terica dos conceitos de inovao social e re-localizao
econmica. No que se refere inovao social, passamos pela sistematizao de suas
principais definies, reflexo sobre conceitos fundamentais sua compreenso, como os
de empowerment e de capital social, e apresentao das dimenses analticas que
orientaro a anlise da re-localizao econmica enquanto uma possvel inovao social a
partir da interveno da BALLE. J o carter incipiente do conceito de re-localizao no
universo acadmico nos demandou uma ateno especial em sua delimitao terica e este
exerccio foi delineado em trs etapas. A primeira etapa consiste numa breve exposio da
globalizao neoliberal e seus principais efeitos enquanto o problema no qual a re-
localizao econmica visa superar. Na segunda etapa, faremos uma apresentao geral do
conceito de re-localizao, passando pela identificao de suas razes; fundamentao
terica a partir do dilogo entre os autores da literatura especfica; e breve contextualizao
2 Os referenciais tericos da re-localizao econmica encontram-se na lngua inglesa e para a sua maior
difuso faz-se necessrio estudos em outras lnguas. Ficar a cargo do pesquisador traduzir as citaes
existentes no corpo do texto desta dissertao, a fim de que o material final encontre-se todo na lngua
portuguesa.
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da re-localizao no cenrio americano e britnico. J na terceira e ltima etapa, propomos
uma operacionalizao exploratria da re-localizao econmica em seis dimenses de
anlise: (i) natureza; (ii) espacializao; (iii) posse; (iv) consumo; (v) financeira; e (vi)
poltica. O objetivo de tal operacionalizao foi contribuir para a sistematizao de um
conceito ainda pouco analisado por estudos acadmicos e orientar a anlise do estudo de
caso da BALLE. O Captulo II dedicado apresentao dos passos terico-
metodolgicos utilizados na elaborao deste estudo e caracterizao do terreno de estudo.
O Captulo III analisa empiricamente o objeto de estudo atravs dos dados obtidos pela
aplicao de diferentes tcnicas de recolha de dados, buscando analisar o potencial de
inovao social da re-localizao na interveno da BALLE a partir da operacionalizao
do conceito de inovao social de Andr e Abreu (2006) e das dimenses analticas
estipuladas neste estudo para a re-localizao econmica.
Tendo em conta que a presente dissertao de mestrado possui um carter
exploratrio, nas consideraes finais no temos o objetivo de afirmar concluses, mas de
refletir acerca das questes suscitadas pelo estudo de caso da BALLE, delineando pistas
para outras investigaes.
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5
CAPTULO I. INOVAO SOCIAL E RE-LOCALIZAO ECONMICA:
DELIMITAO TERICA DOS CONCEITOS
1.1. Inovao Social: ode mudana
A inovao social diz respeito s respostas novas e socialmente reconhecidas que
visam e geram mudana social (Andr & Abreu, 2006). Trata-se de um fenmeno
construdo a partir de variadas formas de aes coletivas, manifestando-se como um
produto ou um processo, numa dinmica multiescalar (desde o nvel local aos nveis
nacionais e internacionais) e possuidor das seguintes caractersticas: (i) contribui na
satisfao de necessidades humanas ainda no consideradas ou atendidas; (ii) aumenta o
acesso ao direitos democrticos; e (iii) eleva a capacidade humana em agir na resoluo de
problemas por vias do empowerment e/ou fomento de capital social (Martinelli et al., 2003
apud Andr & Abreu, 2006).
O debate sobre a inovao social recente no seio das cincias sociais, o que sugere
dvidas sobre sua definio e faz com que o conceito repouse em certa impreciso e
profanao no seu uso. No teremos aqui o esforo em reafirmar tal posio com relao
ao estado ainda incipiente do conceito, no entanto, buscaremos cumprir os seguintes
objetivos tericos: (i) contextualizar a inovao social num momento de crise, mudanas e
oportunidades; (ii) sistematizar as principais definies existentes e refletir sobre conceitos
fundamentais sua compreenso, como os de empowerment e de capital social; e (iii)
apresentar as dimenses analticas que orientaro a anlise da re-localizao econmica
enquanto uma possvel inovao social a partir da interveno da BALLE.
1.1.1. Inovao social: principais definies
A inovao social fruto do distanciamento progressivo da dimenso tecnolgica do
conceito de inovao e da constituio de sua dimenso social. Se o princpio da
competitividade impulsionou a inovao tecnolgica no modo de produo industrial
capitalista, este princpio tambm marcou o desenvolvimento inicial da inovao social.
Nas cincias sociais o conceito de inovao social surge, primeiramente, com o
objetivo de representar processos institucionais inovadores, promovidos por agentes
dominantes, no intuito de aumentar a competitividade de empresas e de territrios. Entre as
dcadas de 1960-80, a inovao social concentrou-se nos domnios da aprendizagem
-
6
(ensino e formao) e do emprego (organizao do trabalho); e nas dcadas de 80 e 90,
ampliou-se para o campo das polticas sociais e do ordenamento do territrio. Neste
perodo, as fronteiras entre a dimenso tecnolgica e a social da inovao ainda eram
tnues. H de se ressaltar, no entanto, que as primeiras concepes da inovao social
incidiram sobre o contexto, seja ele o da qualificao, do trabalho, da segurana social ou
do territrio, enquanto que a inovao tecnolgica marcada pelo foco sobre o objeto
(Andr & Abreu, 2006).
A delimitao do conceito de inovao social ocorreu apenas recentemente, o que
justifica seu estado ainda incipiente nas cincias sociais.
As perspectivas mais recentes afastam definitivamente a inovao social da tecnolgica,
atribuindo-lhe uma natureza no mercantil, um carter colectivo e uma inteno que no s
gera, mas tambm visa, transformaes das relaes sociais. (...) a inovao social implica
sempre uma iniciativa que escapa ordem estabelecida, uma nova forma de pensar ou fazer
algo, uma mudana social qualitativa, uma alternativa ou at mesmo uma ruptura face aos
processos tradicionais. A inovao social surge como uma misso ousada e arriscada (Andr
& Abreu, 2006, p. 125).
A partir de uma relao dialtica entre a resoluo de problemas sociais e o
fortalecimento da capacidade social em agir na prpria resoluo, configura-se a inovao
social, abarcando desafios mltiplos e diversos, sejam eles relacionados a questes de
pobreza, sade, emprego, evaso escolar, mudana climtica, degradao ambiental, entre
muitos outros. Organizamos no Quadro 1 as principais definies do conceito.
Murray et al. (2010) chamam ateno para a importncia da etapa de diagnstico do
problema, tendo em conta que uma inovao social fruto da identificao de um bom
problema, ou seja, de um problema que traga em si as sementes da soluo e no
represente apenas mais uma consequncia. preciso ir alm dos sintomas para identificar a
causa real, sendo que, muitas vezes, um bom problema est escondido, marginalizado ou
cristalizado enquanto algo impossvel de ser ultrapassado. Outro aspecto ressaltado por
Murray et al. (2010), que, atualmente, as inovaes sociais no possuem um carter
puramente top-down nem down-top, mas implicam uma aliana entre o top e o down. Em
outras palavras, uma aliana entre abelhas - indivduos criativos com ideias inovadoras -
e rvores - grandes instituies com capital e poder para tornarem ideias em projetos e
mudanas reais. Para os autores, esta aliana vem apontando para o surgimento de uma
nova economia, que combina alguns elementos antigos e muitos outros novos, podendo ser
descrita como uma economia social, em virtude de conjugar caractersticas bem
-
7
Fonte: Elaborao prpria da autora.
3 Organizao canadiana interuniversitria e multidisciplinar, fundada em 1986 e pioneira nos estudos sobre inovao social (Andr & Abreu, 2006).
4 A Iniciativa Comunitria EQUAL (2000-2008) foi financiada pelo Fundo Social Europeu e co-financiada pelos Estados-Membros da Unio Europia. A iniciativa apoiou
projetos transnacionais inovadores no combate discriminao e desigualdade no mercado de trabalho.
Quadro 1: Definies do conceito de inovao social
Projeto/ Centro de
investigao/ Tericos Definies
CRISES (Centre de
Recherche sur les
Innovations Sociales)3
Uma interveno iniciada por atores sociais a fim de: responder a aspiraes e necessidade; trazer uma soluo; tirar proveito de um contexto a fim de
modificar as relaes sociais; transformar um quadro de ao; ou propor novos valores culturais (Lvesque & Lajeunesse-Crevier, 2005).
SINGOCOM (Social
Innovation,
Governance and
Community Building).
Projeto coordenado por
Frank Moulaert -
Framework V
Programme European
Union, Socio-economic
Key-Action.
A inovao social um caminho dependente e contextual. Refere-se s mudanas em agendas, em agncias e em instituies que geram uma melhor
incluso de grupos e indivduos excludos em vrias esferas da sociedade e em vrias escalas espaciais. A inovao social uma questo de inovao
de processos, ou seja, alteraes na dinmica das relaes sociais, incluindo as relaes de poder. (...) Como a inovao social remete, basicamente,
incluso social, tambm diz respeito ao combate ou superao de foras conservadoras que fortalecem ou preservam situaes de excluso social.
(...) A inovao social, portanto, refere-se explicitamente a uma posio tica de justia social, (...) naturalmente sensvel a uma diversidade de
interpretaes e, geralmente, na prtica, o resultado da construo social (Moulaert et al., 2005, p. 1978, traduo prpria). A inovao social um
fenmeno fruto de variadas formas de aes coletivas, manifestado como produto ou processo, multiescalar (desde o nvel local aos nveis nacionais e
internacionais); e possuidor das seguintes caractersticas: (i) contribui para a satisfao de necessidades humanas ainda no consideradas ou atendidas;
(ii) aumenta o acesso aos direitos democrticos; e (iii) eleva a capacidade humana em agir na prpria resoluo de seus problemas por vias do
empowerment e/ou fomento de capital social (Martinelli et al., 2003 apud Andr & Abreu, 2006).
Andr e Abreu (2006)
A inovao social uma resposta nova e socialmente reconhecida que visa e gera mudana social, tendo trs principais dimenses ou qualidades: (i)
satisfao de necessidades humanas no satisfeitas pelo mercado; (ii) promoo da incluso social; e (iii) capacitao de agentes ou indivduos sujeitos
a processos de excluso/marginalizao, desencadeando uma mudana nas relaes de poder. A inovao social configura-se enquanto um produto e
um processo. Produto enquanto uma metodologia passvel de ser delineada e transfervel por exemplo, o servio oferecido pelo projeto Chapit em
Lisboa, Portugal, na capacitao de pessoas em estado de excluso por meio da arte, um domnio socialmente restrito; e processo quando a prpria
inovao um contnuo fomento da mudana social por exemplo, a mobilizao de pessoas socialmente marginalizadas como os moradores de rua
ou comunidades gay, que por motivos diversos se unem para encontrar meios de gerar sua incluso e, portanto, gerar novas relaes de poder. A ao
coletiva prevalece sobre a ao individual, seu pilar a relao social e a qualidade da mesma (Andr & Abreu, 2006).
EQUAL4
Na viso da EQUAL a inovao social diz respeito s novas estratgias, conceitos, ideias e prticas que respondem a necessidades sociais de natureza
diversa. Configuram-se enquanto processo ou produto e possibilitam a construo de uma sociedade mais justa, mais participativa e democrtica.
Remete complementaridade entre os setores pblico, privado e terceiro setor (Figueira, 2008).
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diferentes da economia baseada na mera produo e consumo de commodities. Suas
principais caractersticas so: (i) uso intensivo das redes de comunicao no sustento das
relaes; (ii) tnues fronteiras entre a produo e o consumo; (iii) nfase na colaborao,
interao, cuidado e manuteno e no no simples consumo; e (iv) um papel relevante dos
valores e misses das atividades econmicas. Dois aspectos, s vezes conflitantes, s vezes
coincidentes, definem a nova economia que tem se configurado a partir de diferentes
sistemas, padres e processos:
Um vem da tecnologia: a disseminao das redes; a criao de infra-estruturas globais de
informao; e ferramentas das redes sociais. O outro vem da cultura e dos valores: a crescente
nfase sobre a dimenso humana; em colocar as pessoas em primeiro lugar; dando voz
democrtica; e comeando pelo indivduo e pelas relaes ao invs de pelos sistemas e
estruturas. [Em termos gerais,] a nova economia tem se configurado a partir de sistemas
descentralizados ao invs de estruturas centralizadas, e tem administrado a complexidade no
pela padronizao e simplificao imposta pelo centro, mas atravs de sua distribuio para as
margens, para os gerentes e trabalhadores de cho de fbrica, bem como para os consumidores
(Murray et al., 2010, p. 5, traduo prpria).
A inovao social supe, portanto, uma atitude crtica e um desejo de mudar, sendo
assumida, inicialmente e na maior parte dos casos, por uma minoria vanguardista (Alter,
2000 apud Andr & Abreu, 2006). No h como afirmar o que emergir deste experimento
baseado em rpidas aprendizagens por tentativa e erro, mas acredita-se, entretanto, que as
inovaes sociais alimentaro outras inovaes, fomentando um processo permanente de
adequao e formulao de melhores solues (Murray et al., 2010). Os conceitos de
empowerment e capital social esto intimamente ligados inovao social, constituindo,
concomitantemente, seus meios e seus fins. Ao passo que a prtica da inovao social se d
atravs de processos de empowerment e fomento de capital social, seu objetivo ltimo
intensificar em nmero e qualidade as relaes sociais e alterar relaes de poder. Neste
sentido, apresentaremos, brevemente, o que se entende aqui por estes conceitos a fim de
servir como base para correlaes futuras com o conceito de re-localizao econmica.
Seguindo as ideias de Friedman (1999), o conceito de empowerment abarca o
processo de apropriao individual e coletiva do poder social, em que h o aumento da
capacidade de interveno a partir do reforo de capacidades e competncias, sendo uma
pr-condio para a participao e para o exerccio da cidadania. Neste processo a nfase
colocada na autonomia das tomadas de deciso de comunidades territorialmente
organizadas, na autodependncia local (mas no na autarquia - sociedade que, do ponto
de vista econmico, se basta a si mesmo), na democracia direta (participativa) e na
aprendizagem social pela experincia (Friedman, 1999, p. XI). Os processos de
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empowerment incorporam, portanto, os conceitos de participao, conscincia crtica e
controle sobre os problemas e decises sobre os mesmos. na tomada de conscincia
sobre os desafios e problemas, no exerccio do controle da situao, e na formulao,
individual e coletivamente, de solues alternativas que se materializa o empowerment. J
o fomento de capital social nos remete a aspectos quantitativos e qualitativos das relaes
sociais. Possuir capital social implica um sujeito estar relacionado com outras pessoas, e
nestas outras pessoas e no em si prprio, que reside a verdadeira fonte de sua vantagem
(Portes, 1998). O conceito de capital social definido por Pierre Bourdieu, James Coleman
e Robert Putnam de forma independente ao longo dos ltimos 25 anos (Ferri et al., 2009).
Transitando pelas trs definies, temos em Bourdieu o capital social enquanto um
agregado de recursos reais ou potenciais que esto ligados posse de uma rede durvel
de relaes mais ou menos institucionalizadas, e de conhecimento mtuo ou
reconhecimento (Bourdieu, 1986 apud Ferri et al., 2009, p. 143, traduo prpria). J na
viso de Coleman, o capital social remete mais sua funo, ou seja, uma variedade de
entidades com dois elementos em comum: todas elas possuem algum aspecto das
estruturas sociais e facilitam determinadas aes de atores sociais sejam elas pessoas
fsicas ou empresas - dentro da estrutura (Coleman, 1988 apud Ferri et al., 2009, p. 144,
traduo prpria). Por outro lado, Putnam concentrou-se na associao cvica nacional e no
bem-estar geral das comunidades em sua compreenso do capital social. Sua definio faz
referncia s caractersticas de organizaes sociais, tais como confiana, normas e
redes que podem melhorar a eficincia da sociedade, facilitando aes coordenadas
(Putnam, 2000 apud Ferri et al., 2009, p. 144, traduo prpria).
Tanto Bourdieu quanto Coleman do nfase ao carter intangvel do capital social.
Considerando que o capital econmico est nas contas bancrias das pessoas e o capital
humano dentro de suas cabeas, o capital social se encontra na estrutura de seus
relacionamentos (Portes, 2008, p. 7, traduo prpria). Em Putnam o capital social est
mais relacionado ao seu aspecto coletivo. Logo, um organizado sistema econmico com
forte integrao social fruto da acumulao de capital social (Siisiinen, 2000).
1.1.2. Dimenses de anlise da inovao social
A fim de orientar a anlise da possvel configurao da re-localizao econmica
enquanto uma inovao social no modelo de interveno da BALLE, utilizaremos como
base o trabalho de Andr e Abreu (2006), no qual operacionalizam em quatro dimenses
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analticas o conceito de inovao social. No captulo II deste estudo apresentamos em mais
detalhes, a partir de nosso modelo de anlise, como essas quatro dimenses da inovao
social orientaro o desenvolvimento do estudo de caso da BALLE, cabendo aqui apenas
uma delimitao terica das mesmas. Segue abaixo uma sntese destas quatro dimenses:
Natureza: a primeira dimenso de anlise da inovao social diz respeito ao foco da
mudana pretendida, ao mbito atravs do qual a inovao social se manifesta
(polticas, processos e produtos); ao domnio no qual ela emerge e se desenvolve
(econmico, tecnolgico, poltico, social, cultural, tico); e s adversidades que a
inovao social visa ultrapassar;
Estmulos: esta dimenso remete s adversidades, aos riscos, aos desafios e s
oportunidades que envolvem uma inovao social. No mbito da inovao social a
alavanca no a concorrncia mas sim a necessidade de vencer adversidades e
riscos, embora a possibilidade de aproveitar oportunidades e de responder a
desafios parea ser tambm o grande incentivo (Andr & Abreu, 2006, p. 127);
Recursos e dinmicas: A discusso das condies que permitem e favorecem a
inovao social inclui, por um lado, os recursos necessrios ao processo, e, por
outro, as dinmicas associadas consolidao e difuso da inovao (Andr &
Abreu, 2006, p. 128). Os recursos so subdivididos entre os conhecimentos e saberes
e o capital relacional. O primeiro refere-se qualificao necessria efetivao da
inovao social, e o segundo espacialidade das relaes. No capital relacional
distinguem-se dois nveis: um de proximidade geogrfica, ou seja, um capital
relacional local/regional que deriva da proximidade e que se baseia essencialmente
nos laos de confiana e cooperao interpessoais e em que a identidade e a
pertena so foras centrpetas importantes; e outro desterritorializado, um
capital relacional transnacional ou global sustentado noutras proximidades
(cultural, geracional, social, ...) que configura no um territrio mas um espao-
rede composto por ns e fluxos (Andr & Abreu, 2006, p. 128). J as dinmicas
dizem respeito a questes de sustentabilidade das inovaes sociais. Os autores
definem cinco possveis dinmicas: (i) institucionalizao/ absoro; (ii) mantm-se
num quadro no institucional e gera outra onda de inovao; (iii) esgotamento, visto
que acaba quando o problema especfico resolvido; (iv) travagem pela represso;
ou (v) abandono da ideia ou da prtica;
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Relao de agncia: Nesta dimenso ressaltamos a identificao dos tipos e das
relaes de poder na mediao da inovao social. A relao de agncia, ou de
mediao, surge como uma das principais especificidades da inovao social. Fora
da esfera mercantil e muitas vezes ameaada pela inrcia das instituies, a
inovao social situa-se principalmente no mbito do terceiro setor. (Andr &
Abreu, 2006, p. 129). preciso reconhecer o desenvolvimento de inovaes sociais
tambm por meio de polticas pblicas ou prticas em instituies privadas, mas a
literatura aponta para uma predominncia do seu desenvolvimento fora das
instituies e frequentemente contra elas (...) protagonizada informalmente por um
movimento social, ou com uma matriz mais estruturada, por uma organizao
(Andr & Abreu, 2006, p. 129). Portanto, com relao ao tipo, os autores definem as
seguintes possibilidades de mediao: instituies (pblica, privada, terceiro setor),
organizaes e movimentos sociais. As relaes de poder so um importante aspecto
na discusso da inovao social, expresso nas perguntas: At que ponto os agentes
fracos, vulnerveis a algum tipo de excluso, tm capacidade para inovar? E, se a
inovao partir dos agentes hegemnicos, os que se enquadram na ordem
dominante, at que ponto pode avanar o empowerment dos agentes fracos alvo da
iniciativa? (Andr & Abreu, 2006, p. 130). Neste sentido, necessrio um esforo
em identificar os agentes da inovao social enquanto hegemnicos ou contra-
hegemnicos e refletir sobre sua posio nas relaes de poder.
1.2. Re-localizao econmica: do problema proposta
Nos ltimos anos tem-se assistido o surgimento de organizaes e de movimentos
que advogam a importncia de se produzir e consumir localmente em detrimento dos bens
e servios provenientes das corporaes multinacionais e suas redes globalizadas. Trata-se
de uma resposta aos crescentes nveis de insustentabilidade econmico-financeira, social,
ambiental e energtica oriundos do modelo econmico globalizado neoliberal. Este
fenmeno, de maior evidncia nos Estados Unidos e na Inglaterra, e presente tanto no meio
urbano quanto no rural, expresso em denominaes tais como: buy local; going local;
local first; be local; think local first, protect the local globally; e from global to local.
Estes termos so representaes de um conceito ainda pouco analisado por estudos
acadmicos: economic localization ou economic relocalization, em portugus, re-
localizao econmica.
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Este carter incipiente do conceito no universo acadmico nos demandou uma
ateno especial em sua delimitao terica e este exerccio foi delineado em trs etapas. A
primeira etapa consiste numa breve exposio da globalizao neoliberal e seus principais
efeitos enquanto o problema no qual a re-localizao econmica visa superar. Na
segunda etapa, faremos uma apresentao geral do conceito de re-localizao, passando
pela identificao de suas razes; fundamentao terica a partir do dilogo entre os autores
da literatura especfica; e breve contextualizao da re-localizao no cenrio americano e
britnico. J na terceira e ltima etapa, propomos uma operacionalizao exploratria da
re-localizao econmica em seis dimenses de anlise: (i) natureza; (ii) espacializao;
(iii) posse; (iv) consumo; (v) financeira; e (vi) poltica. O objetivo de tal operacionalizao
foi contribuir na sistematizao de um conceito ainda pouco analisado por estudos
acadmicos e orientar a anlise do estudo de caso da BALLE.
1.2.1. Globalizao neoliberal: um breve olhar sobre o problema
Como dito anteriormente, uma inovao social fruto do diagnstico de um bom
problema, ou seja, aquele que se configura enquanto causa e no sintoma. Desse modo,
uma inovao social deve promover mudanas estruturais e no apenas amenizar efeitos
secundrios. Nosso objetivo neste item apresentar, brevemente, a problematizao feita
por economistas e ambientalistas que advogam pela re-localizao econmica e estabelecer
um dilogo com tericos que corroboram esta anlise. O problema identificado na tese
da re-localizao econmica remete a duas consequncias centrais da globalizao
neoliberal: (i) sua centralidade na interdependncia dos problemas contemporneos,
acentuando o papel da economia enquanto colonizadora das diversas esferas da vida
humana e no-humana; e (ii) perda de poder de deciso e autogesto das localidades sobre
suas economias e futuro. Em linhas gerais, a globalizao neoliberal, na tese da re-
localizao, compreendida como o processo de contnua reduo das barreiras comerciais
e de investimento, motivado pela teoria da vantagem comparativa, competitividade
internacional e atual modelo de crescimento, resultando em economias locais
desvitalizadas e cada vez mais dependentes de objetivos e fluxos de capitais extremamente
longnquos s mesmas (Hines, 2000; Shuman, 2006). Logo, este processo tm se
desenvolvido custa de perdas sociais, ambientais e trabalhistas, promovendo o
aumento da desigualdade para a maioria do mundo (...) [e nesta lgica, coloca] pas
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contra pas, comunidade contra comunidade e trabalhadores contra trabalhadores
(Hines, 2000, p. 4-5). Em outras palavras:
Por trs de todos esses sentidos de globalizao h uma ideia bsica que pode ser chamada de
des-localizao: o desenraizamento de atividades e relacionamentos de origem local e
cultural. Isso significa o deslocamento de atividades que at recentemente eram locais para
redes de relaes cujo alcance distante ou mundial. Os preos internos de bens de consumo,
os ativos financeiros, como aes e ttulos, mesmo o trabalho - so cada vez menos regulados
por condies locais e nacionais, todos eles flutuam junto com os preos do mercado global.
Globalizao significa arrancar as atividades sociais fora do conhecimento e poder local e
coloc-los nas redes em que so condicionadas por eventos em todo o mundo (Gray, 1998
apud Hines, 2000, p. 7 traduo prpria).
A promessa da globalizao neoliberal era, no entanto, de eficincia e crescente
produtividade com economias de escala e a possibilidade de alcance da prosperidade por
todos que aderissem aos dogmas neoliberais (Hines, 2000), mas Harvey (2008) deixa claro
que o neoliberalismo foi um projeto de reorganizar o capitalismo internacional,
restabelecer as condies de acumulao de capital e restaurar o poder das elites
econmicas, fato que fez com que o bem-estar coorporativo tomasse o lugar do bem-estar
social nos objetivos dos Estados. A abertura de mercado no teve como objetivo a
melhoria da qualidade de vida e muito menos o fortalecimento da cidadania. As
liberdades que [o mercado] encarna refletem os interesses dos detentores de propriedade
privada, dos negcios, das corporaes multinacionais e do capital financeiro (Harvey,
2008, p. 17). As instituies de Bretton Woods: Banco Mundial, Fundo Monetrio
Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e Comrcio (GATT), arquitetaram a
explorao, a dependncia e a desigualdade, tornando-se centros de propagao e
implementao do fundamentalismo do livre mercado e da ortodoxia neoliberal (Harvey,
2008; Chossudovsky, 1999).
Para Milton Santos (2005, p. 24), os seguintes fatores contriburam para a
configurao da atual globalizao perversa: a unicidade da tcnica, a convergncia
dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existncia de um motor nico na histria,
representado pela mais-valia globalizada. No atual patamar da internacionalizao, com
uma verdadeira mundializao do produto, do dinheiro, do crdito, da dvida, do
consumo, da informao, a mais-valia universal rege o funcionamento do sistema
hegemnico (Santos, 2005, p. 29). A noo de competitividade, longe de ser justa, atua
com toda a fora, politicamente ajudada pelas manipulaes do comrcio exterior ou das
barreiras alfandegrias (Santos, 2005, p. 93) Deste modo, so as perspectivas e
tambm exigncias do campo econmico mundial que determinam as orientaes,
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impostas ou escolhidas em cada um dos pases, os ritmos e o nvel da atividade local,
enquanto que sempre foi o contrrio, mesmo no capitalismo clssico (Chesneaux, 1995,
p. 64). Neste cenrio, o investimento direto estrangeiro mecanismo de exportao de
capitais destinado a extrair mais-valia no exterior, sendo que a especializao da produo
e posio de exportador de uma ou duas matrias-primas (o caso de muitos pases em
desenvolvimento) no resultado de uma dotao natural dos territrios (Chesnais, 1996).
Duas foras contraditrias caracterizam o sistema econmico global: a
consolidao de uma economia de mo-de-obra barata global e a procura de novos
mercados consumidores. A primeira solapa a segunda. A ampliao de mercados para a
corporao global requer a fragmentao e a destruio da economia domstica
(Chossudovsky, 1999, p. 13). Nas palavras de Santos (2005, p. 67), a poltica agora
feita no mercado. S que esse mercado global no existe como ator, mas como uma
ideologia, um smbolo. Os atores so as empresas globais, que no tm preocupaes
ticas. (...) No mundo da competitividade, ou se cada vez mais individualista, ou se
desaparece.
Santos (2005) ao explicar a racionalidade da demanda externa, nos fala da atual
agricultura cientfica globalizada, na qual a escolha dos produtos se d segundo uma base
mercantil e implica uma estrita obedincia aos mandamentos cientficos e tcnicos,
contagiando todos os processos envolvidos como os de plantao, colheita, transporte e
comercializao, e levando com a racionalizao das prticas, a uma certa
homogeneizao, [como tambm] a uma certa militarizao do trabalho (...) atribuindo
aos agricultores modernos a velha condio de servos da gleba (Santos, 2005, p. 89). De
forma geral, a diversidade regional e local nos territrios nacionais redefine-se, em maior
ou menor grau e tambm de maneira heterognea devido s relaes dialticas entre as
foras exgenas e endgenas prprias de cada territrio. No entanto, as sociedades locais e
nacionais obtm pouco controle do processo, constituindo uma diversidade regional de
novo tipo (Santos, 2005, p. 94). Esta nova tipologia de diversidade, embora seja nica em
cada localidade, devemos ser sensveis ao fato de que decorre de uma demanda externa
de racionalidade e das respectivas dificuldades de oferecer uma resposta (Santos,
2005, p. 90). Como afirma Shiva (2003, p. 33), a diversidade tem de ser erradicada como
uma erva daninha, e as monoculturas de plantas e pessoas tm de ser administradas de
fora porque no so mais auto-reguladas e autogeridas. Aqueles que no se ajustam
uniformidade so declarados incompetentes. A autora complementa que no atual modelo
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de produo global neoliberal a diversidade, num sentido mais geral do conceito, no
passvel de ser preservada, obrigando mudana do sistema.
Portanto, os tericos da re-localizao, ressaltam que na busca pela constante
reduo dos custos de produo e obteno de vantagens comparativas, empresas
transnacionais vasculham o mundo a fim de se estabelecerem nos pases aonde as leis
trabalhistas so mais flexveis, as ambientais mais brandas, os regimes fiscais menos
onerosos e os subsdios mais generosos. Estes objetivos orientam a especializao da
produo e solapam a economia local, que no foi protegida do fluxo intenso de
mercadorias e servios muito mais baratos (os custos reais so externalizados ou
subsidiados). Das Main Streets americanas s comunidades rurais e cidades nos pases
em desenvolvimento, a globalizao corporativa tem causado o declnio dos nveis de
resilincia, da posse local nas atividades econmicas, da agricultura familiar, e dos
ecossistemas naturais. A riqueza e o poder tm se concentrado cada vez mais nas
corporaes transnacionais, atualmente responsveis por controlar importantes aspectos de
nossas vidas: desde a alimentao, o vesturio, o noticirio, ao governo que dependemos
para proteger o bem comum (Wicks, 2002; Hines, 2000; Shuman, 2006; Goldsmith; 2001).
Somado aos efeitos das caractersticas estruturais da globalizao neoliberal expostos
acima, a crise financeira que eclodiu em 2008, veio confirmar os altos riscos da
financeirizao da economia. Porm, os governos dos pases desenvolvidos no tm
mostrado disposio e criatividade para superar este impasse, optando por austeridade,
corte de gastos pblicos, na espera de que a crise gerada pela crescente privatizao dos
ganhos no mercado financeiro seja resolvida pela socilizao das perdas e que essa poltica
de mais Estado para o mercado e menos Estado para o social supere a crise. Os desafios
sociais e econmicos tm crescido em nmero e grau em todo o globo. A Europa e os
Estados Unidos, antes numa situao favorecida, enfrentam hoje uma gama de questes
multidimensionais de curto e longo prazo5. O sistema no est s quebrado e exposto,
mas tambm incapaz de qualquer outra resposta que no a represso. (...) Construir uma
alternativa em suas runas tanto uma oportunidade inescapvel quanto uma obrigao
que nenhum de ns pode ou vai querer evitar (Harvey, 2012, p. 64). Hubert (2011)
5 O relatrio Empowering people, drinving change: Social innovation in the European Union, elaborado pelo
Bureau of European Policy Advisers, em 2010, destaca as seguintes questes: (i) rpido avano tecnolgico e
implicaes no mercado de trabalho; (ii) crescente fluxo de imigraes e problemas de desigualdade e
excluso social; (iii) aumento exponencial das taxas de desemprego a partir da crise financeira de 2008, com
especial destaque para o desemprego na populao jovem; (iv) insucesso no combate pobreza; (v)
envelhecimento da populao; e (vi) impactos econmicos, sociais e ambientais decorrentes da mudana
climtica (Hubert, 2011).
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conclui que perante a inadequao das respostas tradicionais (governamentais,
mercadolgicas e civis) s demandas sociais, e perante as crescentes restries
oramentais, a inovao social apresenta-se neste cenrio enquanto uma importante opo
a ser reforada nos diferentes nveis (local, regional, nacional, global) e setores (pblico,
privado, sociedade civil).
Trazendo este contexto de crise para o mbito da inovao social, h de se ressaltar
que uma inovao social requer o exerccio de se pensar e planejar o novo, e no nos
permite ocupar apenas a zona de conforto da crtica e da euforia do combate. Se existem
lacunas, tambm existem demandas por novos modelos, valores, saberes, competncias,
produtos, processos e servios. Vivemos na efervescncia dinmica dos pices de
mudana. tempo de repensar as perguntas e inovar nas respostas; momento rico e
precioso que deve ser valorizado e comemorado nas complementaridades do barulho e do
silncio, da reflexo e da ao.
1.2.2. Re-localizao econmica: a proposta
O reconhecimento das consequncias da globalizao neoliberal tem crescido,
porm, a re-localizao econmica como parte do grupo das solues ainda pouco
discutida. Seja por desconhecimento ou por compreenses estereotipadas do conceito. No
universo acadmico, no entanto, a re-localizao econmica vem sendo discutida
teoricamente por economistas e ambientalistas, e pesquisada e colocada em prtica por
organizaes do terceiro setor americano e britnico, e por algumas instituies privadas
de consultoria (Norberg-Hodge, 2001; Starr & Adams, 2003).
Antes de adentrarmos na definio conceitual da re-localizao econmica,
pertinente identificar as razes do conceito, para contextualizar onde e por quem tem
sido pesquisado, teorizado e colocado em prtica. Embora o conceito seja recente, sua
definio inspirou-se no trabalho de intelectuais pioneiros como Leopold Kohe, Ivan
Illych, E. F. Schumacher, Jane Jacobs, Paul Goodman e David Morris, que, nos ltimos 50
anos, desenvolveram ideias progressistas para um novo modelo econmico, advogando as
virtudes da economia local diversa e dinmica (Shuman, 2006). Organizamos no Quadro 2
breve apresentao das principais instituies e autores que trabalham com a re-localizao
econmica. As instituies americanas prevalecem em nmero e representam o destaque
desta proposta de reorganizao das atividades econmicas no cenrio americano.
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Quadro 2: Principais instituies e autores que trabalham com a re-localizao econmica
INSTITUIES COM SEDE NOS ESTADOS UNIDOS
American Independent Business Alliance (AMIBA) organizao sem fins lucrativos dedicada a ajudar comunidades e empresas a prosperar em uma economia local. Foi criada em
2001, sendo uma das primeiras redes de empreendimentos de posse local (EPL) nos Estados Unidos. http://www.amiba.net/
Business Alliance for Local Living Economies (BALLE) tambm fundada em 2001, uma organizao sem fins lucrativos que tem como misso catalisar, fortalecer e conectar em rede
EPL interessados e dedicados na construo de economias locais sustentveis (local living economies). http://www.livingeconomies.org/
Civic Economics (CE) uma empresa de consultoria e pesquisa em planejamento estratgico com escritrios em Austin e Chicago. A empresa presta servios para o setor pblico, privado
e terceiro setor a fim auxiliar no planejamento de economias locais e comunidades sustentveis.
Cutting Edge Capital uma empresa de consultoria financeira que presta servios a pequenas e mdias empresas no que se refere a informaes, ferramentas e conhecimentos necessrios
para levantar capital local de acordo com a tipologia de cada negcio. http://cuttingedgecapital.com/
International Forum on Globalisation (IFG) foi fundado em 1994 e se tornou uma instituio de referncia em pesquisa e ensino Norte-Sul sobre a globalizao. composta por
ativistas, economistas, acadmicos e pesquisadores que fornecem anlises e crticas sobre os impactos culturais, sociais, polticos e ambientais da globalizao neoliberal. Atualmente est
sediado em So Francisco, Califrnia. http://www.ifg.org/
New Economics Institute (NEI) um instituto que combina teoria, viso, ao e comunicao para efetuar a transio para uma nova economia. Possui uma abordagem multidisciplinar,
emprega pesquisa, teoria aplicada, campanhas pblicas e eventos educacionais para descrever um sistema scio-econmico alternativo capaz de enfrentar os desafios da sociedade
contempornea. O Instituto (ex-EF Schumacher Society) est trabalhando em estreita parceria com a organizao britnica New Economics Foundation (NEF) a fim de adicionar os
programas e experincias desenvolvidas no Reino Unido em seu prprio trabalho nos EUA. http://neweconomicsinstitute.org/
New Economy Working Group (NEWGroup) uma organizao sem fins lucrativos que tem como misso contribuir na reformulao do debate sobre polticas econmicas a fim de
responder s demandas sociais e ambientais e s oportunidades do sculo XXI. http://neweconomyworkinggroup.org/
Post Carbon Institute (PCI), fundado em 2003, visa fornecer a indivduos, comunidades, empresas e governos os recursos necessrios para se compreender e responder de forma sistmica
s crises econmica, social, energtica e ambiental. Sua viso um mundo de comunidades resilientes e de economias re-localizadas, desenvolvendo-se dentro dos limites ecolgicos.
http://www.postcarbon.org/
The Institute for Local Self-Reliance (ILSR) fundado em 1974, um instituto de pesquisa que tem como misso oferecer estratgias inovadoras, modelos de trabalho e informaes
oportunas para apoiar o desenvolvimento comunitrio sustentvel e equitativo. http://www.ilsr.org/
The International Society for Ecology and Culture (ISEC) uma organizao sem fins lucrativos que tem como misso promover uma mudana sistmica da globalizao econmica
para a re-localizao, respondendo de maneira eficaz e eficiente aos problemas socioeconmicos e ambientais. Atravs de seus programas "educao para a ao", a ISEC desenvolve
modelos e ferramentas inovadoras a fim de catalisar colaboraes nesta mudana estratgica em nvel comunitrio e internacional. Atualmente possui escritrios nos Estados Unidos, na
Inglaterra e na Alemanha. http://www.localfutures.org/
YES! Magazine uma organizao de comunicao fundada em 1996 com o objetivo de disseminar ideias inovadoras e aes prticas para a construo de um modelo socioeconmico
justo e sustentvel. Possui publicao impressa e no website.
http://www.amiba.net/http://www.livingeconomies.org/http://cuttingedgecapital.com/http://www.ifg.org/http://neweconomicsinstitute.org/http://neweconomyworkinggroup.org/http://www.postcarbon.org/http://www.ilsr.org/http://www.localfutures.org/http://www.yesmagazine.org/ -
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Fonte: Elaborao prpria da autora.
AUTORES AMERICANOS
Colin Hines trabalha com questes ligadas ao movimento ambientalista h mais de 30 anos, associado do IFG, ex-chefe da Unidade Internacional de Economia do Greenpeace e autor de
livros sobre a re-localizao, com nfase em polticas pblicas.
David Korten economista, escritor e ativista. co-fundador e presidente do conselho da revista YES, membro do conselho da BALLE, associado do IFG e membro do Clube de Roma,
tendo lecionado em cursos de MBA e doutorado da Harvard University Graduate School of Business.
Helena Norberg-Hodge pioneira em projetos de re-localizao, analisando os impactos da economia global em culturas, economias locais e modelos de agricultura. produtora e co-
diretora do documentrio The Economics of Happiness e fundadora/diretora da ISEC, a qual lanar brevemente The International Alliance for Localization (IAL). linguista, com
doutorado pela Universidade de Londres e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts nos Estados Unidos com Noam Chomsky.
Michael Shuman economista, advogado, empresrio, diretor de pesquisa da Cutting Edge Capital, associado do PCI, co-fundador e diretor de pesquisa e desenvolvimento econmico
da BALLE e autor de vrios livros sobre a re-localizao econmica.
INSTITUIES COM SEDE NO REINO UNIDO
Foundation for Economics Sustainability (FEASTA), sediada na Irlanda, a fundao tem como objetivo identificar as caractersticas (econmicas, culturais e ambientais) de uma
sociedade verdadeiramente sustentvel, articular meios para que a transio seja efetuada e promover a implementao de indicadores desta mudana. http://www.feasta.org/
New Economics Foundation (NEF), fundada em 1986, um independente think-and-do tank britnico, combinando tanto pesquisa quanto interveno. Seu objetivo melhorar a
qualidade de vida atravs da promoo de solues inovadoras, desafiando o pensamento dominante em questes econmicas, sociais e ambientais. http://www.neweconomics.org/
Transition Network (TN) uma rede global de Iniciativas de Transio (IT) auto-organizadas com base em Totnes, Inglaterra. A TN visa inspirar, conectar e dar suporte para que
comunidades efetuem o processo de transio para um futuro de baixo carbono, maior nvel de resilincia comunitria e re-localizao econmica. http://www.transitionnetwork.org/
AUTORES BRITNICOS
Edward Goldsmith foi um ambientalista e escritor anglo-francs, fundador da principal revista europeia em assuntos ambientais, The Ecologist, e co-fundador do Partido Verde ingls. Foi
um importante membro do IFG e autor de diversos livros sobre desenvolvimento econmico e sustentabilidade.
Peter North professor no departamento de Geografia da Universidade de Liverpool (Inglaterra), responsvel por trabalhos acadmicos sobre a re-localizao econmica, com nfase no
papel das moedas locais.
Richard Douthwaite foi um economista, ambientalista e escritor sobre questes energticas, mudana climtica e economias locais. Foi co-fundador da FEASTA, membro do PCI e do
Conselho do Governo Irlands em Sustentabilidade.
Rob Hopkins co-fundador da TN, associado das instituies PCI e Ashoka, professor convidado da Universidade de Plymouth (Inglaterra), com mestrado em Social Research e
doutorado em Geografia pela mesma universidade.
http://en.wikipedia.org/wiki/Noam_Chomskyhttp://www.feasta.org/http://www.neweconomics.org/http://www.transitionnetwork.org/ -
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Segundo Shuman (2006), testemunhamos uma luta histrica entre duas diferentes
vises de capitalismo. A primeira sumarizada pelo autor na sigla TINA, inspirado pela
declarao de Margaret Thatcher, There Is No Alternative:
Em todo o mundo, conventional economic developers adotaram a lgica there is no
alternative ou TINA na forma de dois imperativos: traga a Toyota para o seu quintal e
exporte seus bens econmicos para mercados os mais longnquos e variados possveis. Esta
lgica to amplamente aceita por polticos e economistas que question-la equivalente a
uma heresia (Shuman, 2006, p. 8, traduo prpria).
Com o exponencial aumento da mobilidade das multinacionais nas ltimas dcadas
na incessante busca pela diminuio de custos e maximizao dos lucros, as localidades
baseadas na viso TINA, viveram e ainda vivem, um terrvel dilema: diminuir o custo de
sua mo de obra, afrouxar as normas ambientais, oferecer incentivos fiscais para atrair e
reter empresas, ou tornar-se uma cidade fantasma (Shuman, 2006, p. 9, traduo
prpria). Esta lgica coloca trabalhadores contra trabalhadores, comunidades contra
comunidades, pases contra pases (Hines, 2000).
A segunda viso de capitalismo expressa por Local Ownership and Import
Substitution LOIS (posse local e substituio de importaes):
A posse local refere-se ao controle administrativo dos empreendimentos residindo numa
comunidade geograficamente delimitada. E a substituio de importaes remete ao fato que
sempre que possvel, em termos de custos e recursos, as comunidades devem priorizar a
produo local de bens e servios. Juntos estes dois princpios sugerem (...) as virtudes de uma economia que aproveita ao mximo o capital humano, o capital financeiro e o mercado de uma
localidade (Shuman, 2006, p. 8, traduo prpria).
A fim de representar os diferentes tipos de empreendimentos baseados na viso LOIS
Shuman (2006) cria os termos Small-Mart e Community Coorporation. Neste estudo,
utilizaremos sempre o termo empreendimento(s) de posse local (EPL) em referncia aos
empreendimentos baseados na re-localizao econmica. Na dimenso posse do conceito
de re-localizao veremos em detalhes as caractersticas que definem um EPL, mas
importante adiantar que esta categoria engloba pequenas e mdias empresas, cooperativas
de produo ou de consumo, empresas mistas, instituies pblicas, organizaes sem fins
lucrativos, trabalhadores autnomos, e novas estruturas como os empreendimentos sociais,
que a partir da posse, estejam ancorados em determinada comunidade. Em linhas gerais, a
economia local pretendida pela re-localizao fortemente marcada pelo carter de uma
economia mista, ou seja, que supera a distino estrita entre economia capitalista ou
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socialista e agregue, sem eliminar ou desvalorizar, a posse privada e a urgncia pela posse
comunitria.
A re-localizao desafia a viso hegemnica de que bigger is better, buscando uma
economia de base humana e comunitria (humanly scaled e community-based), em que o
valor dos recursos locais naturais, humanos e financeiros deve ser com produo de
bens e servios para atendimento inicial dos mercados locais. O objetivo as comunidades,
as regies e as naes nessa ordem, do menor para o maior lograrem recuperar o
controle sobre suas economias, ao passo que tudo o que puder ser produzido no local
deve s-lo. Quando no houver condies locais, o regional tem prioridade, depois o
nacional e, em ltima instncia, o internacional (Hines, 2000, p. 30, traduo prpria).
No significa isolar-se do resto do mundo. Significa nutrir empreendimentos de posse local que
utilizam recursos locais de forma sustentvel, empregam trabalhadores locais com salrios
dignos e, sobretudo, servem os consumidores locais. Significa elevar os nveis de autonomia e
diminuir os de dependncia das importaes. O controle se moveria dos conselhos de
administrao de corporaes distantes para a comunidade onde ele pertence (Shuman, 1998,
p. 6, traduo prpria).
Neste processo, a re-localizao visa diminuir em nmero e grau situaes
paradoxais de importao e exportao dos mesmos produtos por um pas, e
desvalorizao dos produtos locais. Como nos mostra a pesquisa desenvolvida pelo
ISEC, The International Society for Ecology and Culture:
A Califrnia exporta couve-de-bruxelas para o Canad ao mesmo tempo em que importa
couve-de-bruxelas da Blgica. Nova York exporta nozes para a Itlia e importa exatamente o
mesmo produto do mesmo pas neste processo os navios efetivamente se cruzam no
Atlntico. (...) Estes exemplos no so anomalias, mas parte de uma tendncia crescente:
alimentos tratados como mercadoria especulativa em uma poca marcada cada vez mais pelo
livre comrcio, sendo transportados de l para c em todo o mundo no para satisfazer as
necessidades alimentares das pessoas, mas para aumentar os lucros das corporaes do
agronegcio. Nos 10 anos desde a implementao do NAFTA (North American Free Trade
Agreement), o transporte de alimentos entre EUA e Mxico dobrou em ambas as direes
(ISEC, 2004, p. 5, traduo prpria).
Sobre a desvalorizao dos produtos locais, encontramos mais exemplos em
Norberg-Hodge (2001, p. 242, traduo prpria).
Na Monglia, um pas que tem sobrevivido com produtos lcteos locais por milhares de anos e
que tem hoje 25 milhes de animais produtores de leite, a principal manteiga que se encontra
nas lojas alem. No Qunia, a manteiga da Holanda a metade do preo da manteiga local;
na Inglaterra, a manteiga da Nova Zelndia custa muito menos do que a local e os produtos
lcteos na Espanha so principalmente dinamarqueses. Nesta situao absurda, indivduos,
comunidades e pases esto perdendo o controle sobre suas economias local e nacional, e
tornando-se dependentes em suas necessidades bsicas e dirias de produtos que, muitas vezes,
so transportados por milhares de quilmetros desnecessariamente.
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A forma pela a qual comunidades podem assegurar bem estar parar de buscar
empresas multinacionais sem lealdade com as localidades e comear a investir em EPL. A
prosperidade comea quando a posse, a produo e o consumo passam a estar
intimamente ligados s localidades (Shuman, 1998, p. 7, traduo prpria). Os termos
local living economies6 e community self-reliance
7 tambm so utilizados em referncia ao
conceito de re-localizao econmica, porm, Hopkins (2010) adverte sobre o uso
inadequado do termo localism (localismo) em referncia re-localizao. Localismo a
preocupao com a governana e a administrao pblica na esfera exclusivamente
poltica, enquanto a re-localizao remete ao fortalecimento das economias locais para
atender demandas locais sob a tica da sustentabilidade. O localismo visa a devoluo do
poder poltico para o nvel local a partir de sua descentralizao e um processo que traz
contribuies para a efetivao da re-localizao, mas precisam ser traadas fronteiras
claras entre os dois conceitos. Enquanto o localismo pode perfeitamente ter lugar dentro de
uma economia focada no crescimento econmico como um fim em si, ou seja, no cenrio
business as usual, a re-localizao carrega uma preocupao com os recursos naturais e
com a justia social, focada na crtica da globalizao. A re-localizao se desenvolve a
partir de um princpio de reorganizao social e econmica, ao passo que o localismo
um princpio de organizao poltica (Hopkins, 2010, p. 240, traduo prpria).
North (2010) ressalta que existem, no entanto, dois processos de re-localizao
econmica passveis de se desenvolverem nas prximas dcadas. Ao introduzir a questo o
autor faz uso do conceito de compresso espao-tempo de David Harvey acerca da
sociedade e economia global, argumentando que a atual necessidade em diminuir o uso de
combustveis fsseis devido mudana climtica8 e ao pico do petrleo
9, tem direcionado
6 A BALLE a organizao responsvel por cunhar o termo local living economies (LLE), com o objetivo de
evitar conceitos, muitas vezes ambguos, como os de economia sustentvel ou economia verde, e ser
mais objetiva com relao escala espacial e dinmica do modelo de economia que visa fomentar e
fortalecer. 7 Michael Shuman o autor que mais fez uso do termo self-reliance em referncia re-localizao em seus
livros, mas em artigos mais recentes tem priorizado o uso do conceito economic relocalization. 8 H uma vasta discusso acerca da mudana climtica, principalmente, em torno de ser ou no consequncia
da ao antrpica. Para Hopkins (2008), mesmo o efeito estufa sendo um dos processos naturais que permite
a vida desenvolver-se neste planeta, o problema comea quando os gases que formam essa camada aumentam
de maneira desproporcional. No perodo pr-industrial os nveis de carbono eram de 278ppm (partes por
milho) e no variaram mais do que 7ppm entre os anos 1000 e 1800. Em 2007, a concentrao de carbono
atingiu a taxa de 385ppm. O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) reportou, em 2007, que
caso o aquecimento global no fique abaixo dos 2 C, o que j requer fortes medidas mitigadoras, a
humanidade ir enfrentar impactos globais, tais como extino de espcies em massa, secas prolongadas,
inundaes e fome (Chamberlin, 2009). 9 O conceito pico do petrleo, formulado pela primeira vez pelo geofsico Hubbert, em 1956, refere-se ao
ponto em que o mundo atinge o nvel mximo possvel de produo de petrleo, e alm deste ponto, a
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a uma re-extenso espao-tempo, em que o transporte, por exemplo, se torna novamente
significante em termos de custos. As atuais mercadorias muito baratas produzidas pelas
redes globalizadas vo se tornar e permanecer cada vez mais caras, em um processo que
alguns analistas econmicos denominam reverse globalisation; uma inverso hierrquica
dos fluxos de mercadorias, desfavorecendo a produo e comercializao atravs das redes
globalizadas. Diante deste contexto, h a distino entre os dois processos de re-
localizao, um de carter fraco e outro forte. A re-localizao fraca:
uma deciso de negcios, impulsionada pelo custo, no por polticas pblicas ou pela
necessidade de reduzir as emisses de carbono. (...) No h nada de radical ou progressivo
sobre isso. A arquitetura da produo global pode estar mudando, com a re-localizao sendo
apenas uma evoluo da economia globalizada. (...) Sua lgica neoliberal, mas com um
diferente clculo de custos e benefcios, e um diferente nvel de abertura comercial, levando a
uma diferente geografia da produo. Esta vertente configura-se por business as usual,
mesma explorao, porm carbon free e com redes de distribuio menores (North, 2010, p.
11, traduo prpria).
Curtis e Ehrenfeld (2012), nos fornecem dados que indicam o desenvolvimento da
re-localizao fraca.O comrcio global depende de fretes de carga baratos para longas
distncias. [No entanto, estes custos] vo subir em decorrncia da mudana climtica, do
fim do petrleo barato e de polticas para mitigar esses dois desafios (p. 1, traduo
prpria). O petrleo, em 2003, custava cerca de US$ 28.00/barril e em apenas cinco anos,
em 2008, ultrapassou os US$ 147.00/barril, levando falncia 20 companhias areas
transportadoras de carga, j que os custos de combustvel subiram de 15 para 35% nas
despesas de operao. Somadas ao fim do petrleo barato, as polticas climticas
significativas como as taxas sobre emisses ou negociao de permisso de emisso (cap
and trade) elevaria os preos dos combustveis fsseis a fim de reduzir seu consumo e
consequentes emisses. O transporte areo e martimo de mercadorias ser fortemente
atingido por tais polticas (ambos tm pesadas pegadas de carbono10
), tornando muito
difcil diminuir o nvel de emisses de gases do efeito estufa com as mesmas toneladas-km
de mercadorias transportadas por ano. E como alerta final, no h combustveis comerciais
de baixo carbono com as mesmas caractersticas de desempenho, acessibilidade e
produo ir diminuir a cada ano de forma irreversvel (Heinberg, 2007). No significa o fim do petrleo,
mas a diminuio do petrleo barato, que ser cada vez mais difcil e caro extra-lo (Hopkins, 2010). Em
2008, a Agncia Internacional de Energia (International Energy Agency, IEA), que at ento desconsiderava
o pico do petrleo, publicou em seu World Energy Outlook que "o que necessrio nada menos que uma
revoluo energtica (...) a era do petrleo barato acabou (...) o tempo est se esgotando (IEA, 2008 apud
Hopkins, 2010, p. 27, traduo prpria). 10
No transporte de mercadorias por via area, cada tonelada de combustvel de avio queimado produz 3,2 toneladas de CO2. Quanto ao transporte martimo, navios queimam bunker fuel, um lamacento e altamente
poluente tipo de petrleo (Curtis e Ehrenfeld, 2012).
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disponibilidade para substituir os combustveis fsseis (Curtis e Ehrenfeld, 2012). Com o
preo dos fretes de longa distncia subindo, algumas corporaes comeam a encurtar suas
redes de suprimento, produo e distribuio11
, em busca da manuteno das suas taxas de
lucro. Estes fatos comprovam, portanto, o inicial processo de reverse globalisation, sob a
tica de uma re-localizao fraca, como descrita por North (2010).
H, porm, uma re-localizao econmica de carter forte, como aponta North
(2010); uma segunda resposta mais local e no corporativa (Curtis e Ehrenfeld, 2012,
p. 6, traduo prpria). Este processo de re-localizao o qual nosso estudo se baseia e,
como visto anteriormente, seu objetivo central combater a perda do controle local sobre a
economia e diminuir situaes paradoxais como as apresentadas anteriormente. uma
argumentao contra a falcia de que as conexes econmicas externas so sempre boas e
inevitveis. Essas conexes devem ser conscientemente institudas, controladas e
quebradas quando nocivas economia local (North, 2010, p. 7, traduo prpria). Seu
propsito reverter essa lgica e devolver o controle econmico s comunidades, sob a
tica da sustentabilidade, abarcando problemas como o da mudana climtica, da crise
energtica, do hiperconsumismo e do uso irracional dos recursos.
North (2010) enfatiza que os protagonistas da re-localizao forte esto
desenvolvendo novas e progressistas conceituaes de economia, indo contra a lgica das
estratgias capitalistas baseadas no crescimento econmico com um fim em si. A re-
localizao no deve ser comparada a um retorno ao passado pr-globalizado, uma vez que
ao possibilitar que comunidades em todo o mundo diversifiquem suas economias e
atendam maior parte de suas necessidades relativamente o mais prximo de casa,
possvel responder a problemas globai