razão e sensação no teeteto de platão

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FILOSOFIA

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA RAZO E SENSAO NO TEETETO DE PLATO Anderson de Paula Borges So Paulo, agosto de 2009 2Anderson de Paula Borges Razo e Sensao no Teeteto de Plato Tese de Doutorado apresentada ao Departamento deFilosofiadaFaculdadedeFilosofia,Letrase CinciasHumanasdaUniversidadedeSoPaulo para a obteno do ttulo de Doutor. Orientao: Joo Verglio Gallerani CuterAgncia Financiadora: FAPESP/SP So Paulo, agosto de 2009. 3Dedicatria memria de minha me, Jurema Tavares,pelaconfiananofruto doseuventreepeloamorque sempre nutriu pelos estudos. 4ndice Dedicatria ......................................................................................................... 3 ndice .................................................................................................................. 4 Agradecimentos ................................................................................................. 5 Resumo .............................................................................................................. 6 Abstract .............................................................................................................. 7 Apresentao ..................................................................................................... 8 Captulo I Introduo ..................................................................................... 10 1.1 O significado do retorno ao esprito socrtico ........................................ 10 1.2 O significado da Digresso Filosfica................................................... 13 Captulo II Razo e Sensao em Protgoras .............................................. 22 2.1 Linhas de anlise do Teeteto ................................................................. 22 2.2 A interpretao do mobilismo................................................................ 25 2.3 Plato e o mobilismo do Teeteto........................................................... 28 2.4 O argumento mobilista de Protgoras .................................................... 30 2.5 Ousia em Protgoras ............................................................................. 31 2.6 O programa da doutrina decreta ............................................................ 39 2.7 privacidade, estabilidade e alma. ........................................................... 41 2.8 a teoria de Protgoras e os objetos estveis . ....................................... 45 Captulo III Razo e Sensao em 184-6 ...................................................... 50 3.1 O argumento de 184-6.......................................................................... 50 3.2 O sentido de aisthesis e a anlise de Cooper....................................... 55 3.3 O conceito de ousia em Plato............................................................. 64 3.4 Ousia e Sensao................................................................................. 67 3.5 A confiana no procedimento das definies ......................................... 70 3.6 A rejeio das espcies de conhecimento ............................................. 74 3.7 Separao entre razo e sensao no Fdon ....................................... 77 Captulo IV Razo e Sensao na segunda parte do Teeteto....................... 79 4.1 Identidade e Predicao: entre o Teeteto e o Sofista ............................ 79 4.2 O argumento da segunda parte do Teeteto e a tese de Russell ............ 86 4.3 Anlise do argumento da segunda parte ............................................... 90 4.4 A interpretao de PF na literatura secundria ...................................... 93 4.5 Saber total, acquaintance model e saber efetivo ................................... 96 4.6 Crticas a PF ........................................................................................ 101 4.7 Soluo do problema da opinio falsa ................................................. 110 Captulo V Razo e Sensao na terceira parte do Teeteto ....................... 111 5.1 Logos e composto na teoria do sonho ................................................. 112 5.2 A perceptibilidade dos elementos....................................................... 122 Consideraes Finais ................................................................................... 129 Bibliografia (selecionada) ............................................................................... 131 5 Agradecimentos FAPESP, pela bolsa de doutorado. minhamulher,Laudicia,pelaconvivncia,peloamoreporcompreender as exigncias dessa pesquisa, sobretudo no momento que estive ausente do pas. Agradeo muitssimo ao Joo Verglio, pelaorientao e confiana que sempre depositou no meu trabalho.Ao Marco Zingano, pelo trabalho que faz na Usp em filosofia antiga e por ter me encaminhado para Oxford.Aos colegas e orientandos de filosofia antiga da USP. professoraGailFine,pelaacolhidaemOxfordepeloscomentriosa partes desse trabalho. Ao professor Paolo Crivelli, pela acolhida. Agradeoaosdemaismembrosdaminhafamlia,especialmente Jaque, pelo apoio em vrios momentos.Aos professores Roberto Bolzani e Jos Carlos Estvo.Aos amigos Carlos Eduardo e Ricardo Luiz de Mello. 6Resumo NestetrabalhoargumentoqueoTeetetoumdilogosobrearelao entre o conceito de razo, entendido como uma potncia especfica da alma, e asensao,compreendidacomoumprocessoinconscientedocorpo.No primeirocaptuloexaminoaanliseplatnicadaepistemologiaprotagoreana. TentomostrarquenestaseoPlatonoestargumentandoumatese platnica sobre o mundo sensvel. Ele est explicando e criticando os princpios fundamentais da epistemologia protagoreana. No final da seo Plato explica a distino entre razo e sensao. Na anlise da segunda parte defendo que amassadeargumentosdessaseoformulaumateseplatnicasobrea essnciadoconhecimento.Porfim,nocomentriodaterceiradefinio examino o conceito de logos da teoria do sonho e o significado da tese de que os elementos so perceptveis. 7 Abstract InthisworkIarguethattheTheaetetusisadialogueabouttherelation between the concept of reason, understood as a kind of power of the mind, and perception, viewed as an unconscious process of the body. In the first chapter I examine Platos analysis of Protagorean epistemology. I try to show that in this section Plato is not arguing his own view about the sensible world. He is, rather, explainingandcriticizingthefundamentalprinciplesoftheprotagorean epistemology.AttheendofthissectionPlatoexplainsthedistinctionbetween reason and perception. In my analysis of the second part, I argue that the mass ofargumentsofthissectionformulatesaplatonicthesisabouttheessenceof knowledge. Finally, in my commentary of the third definition, I examine Dreams conceptoflogosandthemeaningofthethesisthattheelementsare perceivable. 8 Apresentao O presente trabalho sobre o Teeteto tem duas caractersticas bvias na estruturadotexto.Porumlado,procuroaproximarodilogodealguns argumentos da Repblica, especialmente 523-5. De outro, tento entender como Platotrabalhaotemarazoesensaonaestruturadodilogo.Emlinhas gerais,oTeetetoumaanlisedasrazespelasquaisdevemosrejeitaras tesesquemanifestamalgumaformademistura(se c.,)entrerazoe sensao.Parece-mequeoncleodaconcepodasidiasemPlato dependedessaseparao.Adiferenaentreoquesensveleoque inteligvelfundamental,sobretudo,paraaconsistnciadoconceitoplatnico deForma.OTeetetoreafirmaaseparaoentrerazoesensao,embora no mencione nominalmente as Formas. QuantoepistemologiadaRepblica,eunoofereoumaanlise,pois issodemandariaumapreparaomaisespecfica.Masvouargumentaralgumasinterpretaessobrecertastesesqueestonocorpodaobraecujo significadoser,aospoucos,esclarecidonopresentetrabalho.Umadestas tesesanoo deForma(c..,).Outra anoodedefiniocomofrmula verbal(\.y.,)paraexprimiroqueperguntadonaquesto-. c c-..Os referentesdoprimeiroedoltimocompemclassesdistintas.Provavelmente asFormascompemumaclassemenorqueaclassequeenglobaositens passveisdedefinio1e,certamente,umaFormarepresentaumaentidade real,enquantoqueadefinioumprocedimentoinvestigativoelingstico que visa exprimir o elemento essencial da Forma ou de qualquer outro item. No Teeteto Plato dgrandenfaseao aspecto unitrio dadefinio, naabertura dodilogo,enquantoqueoreferentedeFormaignoradoemtodootexto.

1 Parmnides 130c-d parece no admitir Formas para certos itens.Repblica 596ass formula Formas para artefatos, mas Aristteles (Met. I, 9) diz que artefatos no esto includos na Teoria das Formas de Plato.9Umamenotmida,talvez,feitapormeiodoconceitoquePlatocitaem 184-6: os koin (aspectos comuns).Mas o tpicoqued corpoao presente trabalho a relaoentre razo e sensao no Teeteto. Considero que essa relao o tema central do dilogo, embora no seja o nico aspecto relevante. Meu trabalho procura mostrar que otemaaparecenastrsseesprincipais:(1)151-186;(2)187-200;(3)201-210. Na anlise da primeira seo dou especial ateno ao exame da estratgia de Plato no tratamento de Protgoras, sobretudo no que Plato est propondo na passagem conhecida como Doutrina Secreta (151-6), no tema do mobilismo e no argumento de 184-6. Uma ateno redobrada dada ltima passagem. Envolvo-me ali com uma anlise da interpretao de J. Cooper. O que tenho a dizer crucial para firmar a relao entre as teses de 184-6 e Repblica 523-5, na minha interpretao.O tema razo e sensao estudado tambm na anlise da segunda parte dodilogo,ondemeuexame,comparadocrticarecente,conservador. Durante certo perodo de preparao do trabalho procurei ler essa seo sob a perspectivasugeridapelamaioriadacrtica:otpicodofalsoestariaatrelado s aporias de uma definio de conhecimento como opinio verdadeira, oque explicariaseuaspectoinconclusivo. Oexame teria afunodemostrarquea estreitezalgicadessadefinioincompatvelcomumaexplanaoda natureza do erro. Embora eu considere que Plato est, de fato, argumentando asimplicidadelgicadoconceitodedoxa,recentementemeconvencideque esseaspectonorepresentatodooargumentodePlato.Hapossibilidade dequeasegundapartedoTeetetomanifesteemsuatramaumargumento platnico sobre as exigncias do conceito de conhecimento. Porfim,apresentoumcomentriodateoriadosonho.Nomededicoao examedetodososaspectosdaterceiraseo.Oquemeinteressaatese nucleardateoriadosonho,achamadaassimetriacognitiva.Procuroverificar em que medida essa assimetria nos ensina algo sobre o conceito de logos que operativonateoria.Otemarazoesensaoaparecenaanliseque proponho do aspecto sensvel dos elementos na teoria do sonho.10Antes deentrar noexamedo corpoprincipal de tesesdo dilogo,gostaria de dizer alguma coisa sobre algumas tendncias de interpretao do Teeteto. CAPTULO I INTRODUO 1.1 O significado do retorno ao esprito socrtico na investigao do conhecimento. Queroexaminarumaspectoquetemsetornadorelevantenacrtica recente do Teeteto, o suposto retorno ao socratismo, a perspectiva cognitiva do mundo que ainda no moldada por uma metafsica platnica. A preocupao emresolveroproblemadaausncia,noTeeteto,deumametafsicados dilogosmdios,levoualgunsintrpretesaumatentativadesesperadade resolverasituaopormeiodaseguintehiptese:PlatoescreveoTeeteto sobainflunciadalgicasocrticadoc \cy_.,,porissoelenodesenvolve teses metafsicas no dilogo.2

importanteestabelecermosamedidaexatadesseaspectosocrtico doTeeteto.Paratanto,examinemosalgunstraosdramticos.Odilogo umaconversaentreScrateseosmatemticosTeetetoeTeodoro.Quando estamos lendo esta conversa nossa posio no dilogo j deixou para trs uma cenapreliminardoPrlogo3:EuclideseTerpsionseencontraramemMgara paratrocarelogiossobreTeeteto,comentarascircunstnciasdesuamortee

2 Cf. SEDLEY,D., The Midwife of Platonism. Oxford: OUP, 2004;LONG,A.A., Platos Apologies andSocrates,in:GENTZLER,J.,MethodinAncientPhilosophy.Oxford:OUP,1998,pp.113-136.3 H alguma discusso sobre o Prlogo do Teeteto em CORNFORD, F.M., Platos Theory of Knowledge. London:Routledge & Kegan Paul, 1951 [1935],p. 15; STERN, P., Knowledge and Politics in Platos Theaetetus. New York: CUP, 2008, pp. 12-31; SEDLEY, 2004, pp. 15-19;11mencionaroencontroentreojovemmatemticoeScrates,emalgum momentode399a.C.Apesardoaspectofictciodacena,hdetalhes importantes a. O texto principal da obra, escrito por Euclides, na verdade um relatoescritodaconversaentreTeeteto,TeodoroeScrates,conversaesta queformaocorpoprincipaldodilogo.ConformeoPrlogonosconta,esse textofoisupervisionadodiretamenteporScrates.Muitasvezessecostuma lembrarquehumainstnciadissonoBanquete,poisApolodorotambm consultaScratesparaaveriguaraexatidodorelatodeAristodemosobreo encontro de Scrates com os participantes do Banquete (cf. 173b). Contudo, no BanqueteApolodoropareceterconsultadoScratessomenteumavez, enquanto que, no Teeteto, a redao de Euclides retomada com Scrates em mais de uma ocasio. H uma conexo moral entre esse trabalho de reviso e o contexto da condenaodeScrates.EmboraodilogonoinformequandoEuclides estevecomScrates,limitando-seadizerquefoipoucotempoantesdesua morte(142c7-8),hevidnciasdequeosencontrospoderiamterocorridono cenriodapriso,tantodentrodacelacomonosarredores,emalgum momento no muito distante dosprocedimentosda acusao. Tudoisso pode serfrutodaimaginaodePlato,verdade,maslembremosquePlato conhecido por dominar a arte de misturar dados histricos da vida de Scrates com a trama fictcia de seus dilogos. H sempre algo a se notar a.Hduasdatasdramticasnodilogoquenospermitemretiraralguma informao.AprimeiraadatadaconversaentreEuclideseTerpsion, provavelmente ocorrida cerca de 30 anos aps os eventos narrados, em algum momentoprximopocadacomposio.Podemosestabelecerissodo seguintemodo.EuclidesmencionaqueviuTeetetosendocarregado,de CorintoparaAtenas,comumferimentodeguerra(142b).Issorevelaqueo Teetetoqueestalijnomaisaquelejovemcommenosde18anosque participadodilogo,masdeveserumapessoamadura.Quantosegunda data,trata-sedomomentoemqueodilogoefetivamentesedesenvolve:no 12ginsio deAtenasem399. Aocontrrio dadatadecomposio,4admitidaem tornode369,massemevidnciasdefinitivas,temos certezadasegundadata dramtica por causa de duas circunstncias citadas no texto: (i) na cena inicial Euclides conta que Scrates conheceu Teeteto ainda adolescente (142c); (ii)depois,nodesfechododilogo,Scratesdizqueprecisairaoprticodorei paratratardaacusaodeMeleto(210d).5Tomandoestasduasinformaes comopontosdistintosnumtempocronolgico,aindaqueocorpoqueas contenhasejaumdilogoimaginrio,ofatoqueosdoismomentosindicam queaconversaentreScrateseTeetetoocorresportasdojulgamento, quando Teeteto ainda um adolescente.ImaginemosquePlatoestorganizandoemsuamenteaordem cronolgicadasduascenasdramticas.Eleprecisavincularacorreode ScratessvisitasdeEuclidesaAtenasdeummodoquenoviole,nema seqnciadosacontecimentosde399,tampoucoadatanaqualeleest situandoaconversadosmegricos.Oproblemaque,entreomomentoque

4AmaiorpartedoscomentadoressituaacomposiodoTeetetoemtornoa369a.C.As razes so as seguintes. O Teeteto abre com a cena em que o jovem matemtico levado de Corinto para Atenas. Ele est ferido e doente devido guerra, mas o dilogo no diz qual. Se pudermosidentificarabatalhanaqualTeetetoparticipou,podemosobteralgumainformao sobre a data de composio. Dis (1926, Notice) relata que os intrpretes se dividem entre dois episdios: a batalha de Nemia, ocorrida em 394, e os combates no istmo, quando Atenas se aliaaEspartacontraTebas,porvoltade369.Oproblemadeaceitaraprimeiradataque haveriaumespaodetempomuitoestreitoentreamortedeScratesdatadramticada conversaoqueconstituiaessnciadodilogoeorelatodeEuclides,queumrelato escrito,preparadoporEuclideselidoporseuescravo.essaleituraqueformaotexto principal do Teeteto.O problema da exigidade das duas datas no to grave, pois Euclides poderiamuitobemretrataroqueScrateslhecontouempoucotempo,bastandoparatanto recordar-sedeumcontedoqueem394aindaseriarelativamenterecente.MasDis argumenta que, neste caso, o recurso fictcio composio feita por Euclides seria intil, pois a funo dessa composio , precisamente, permitir a conexo entre os acontecimentos de 399 eumtempodistante,estenoqualestoEuclideseTerpsion.Disopta,ento,peladatade 369.Essadatahojeaceitapelamaiorpartedosintrpretes,entreosquaisBurnyeat (BURNYEAT, M. F., The Theaetetus of Plato. Indianapolis/Cambridge: Hackett ,1990) e Cornford (1935). Mas h discordncias. Ver Sedley, 2004, p. 1, n. 1.5Cf. LONG, 1998, p. 121.13sedoencontrodeScratescomosmatemticoseodiadamortedo primeiro,humespaodetempomuitocurtoparaqueEuclidespossavisitar Scrates e corrigir o material do dilogo.Como Euclides teria feito seu trabalho nestas circunstncias?Htrspossibilidades.Ascorreesteriamacontecido:(1)nacela;(2) emalgummomentoduranteoprocessodeacusaoou3)emmomentos complementaresqueenvolvem(1)e(2).Paradecidirtemosdoisdados relevantes.Primeiro,deacordocomoFdonEuclideseTerpsionestavam entreosqueassistiamScratesnoleitodemorte(cf.Fdon59c).bem plausvel que Plato imagine que Euclides possa realizar o trabalho de reviso nestemomento.OsegundopontoqueScratesesperouummspelo cumprimentodasentena,pois,aindasegundooFdon,suacondenao coincidecomoperodonoqualAtenasfestejaoxitodeTeseuemCreta. Duranteestesfestejosasexecuessointerrompidasatqueonavio ateniense retorneda ilha.Portanto, trata-se deum perodo de tempo mais do que suficiente para Euclides corrigir com Scrates seu relato do Teeteto.Tenhoinclinaopelaterceiraopo.PensoquePlatoprevque EuclidestrabalheotextocomScratesprincipalmentenacela,emboranada impeaquepartedacorreofossefeitamomentosantesdapriso.Seja como for, esse trabalho no poderia ser realizado num momento muito distante da acusao, pois Scrates termina o dilogo se dirigindo ao prtico do rei. a partir desse momento, quando a conversa j se concretizou, que ele poderia ter encontrado Euclides. Nestascircunstncias,temos:(i)umdilogosobreoconhecimento;(ii) corrigidodiretamenteporScratese(iii)nocontextodesuamorte.Halgum significadonissoparaainterpretaododilogo?Arespostatalvezestejana Digresso Filosfica. 1.2 O significado da Digresso Filosfica. A diferena entre o conhecimento socrtico e os conhecimentos parciais ou domsticos da vida de Atenas constitui a atmosfera da chamada Digresso 14Filosfica.(172c-177b,daquiparafrenteapenasDigresso).Huminteresse todo especial de parcelada crtica do Teeteto na Digresso. compreensvel, poissetratadonicomomentododilogoemque,supe-se,oespritoda doutrinadas Formaspareceentrar, sorrateiramente, na massa deargumentos que examina a epistemologia protagoreana. Entre vrios aspectos, a Digresso mencionaaimportnciadenosassemelharmosadeusemconhecimento. SeriaumsinaldequeoTeetetonoestdistantedocentrodegravidadeda metafsica platnica?6

ParaDavidSedleyoScratesdoTeetetoumarautodametafsica platnica que ainda no se entregou totalmente a ela porque permanece ligado aoprogramadoc \cy_.,,comsuafilosofiateraputica,voltadaao esclarecimentodosinterlocutores.Porcausadesseprograma,otextodo Teetetomantm-serelativamentecomedidonoaspectoontolgicoenas refernciasstesesdaRepblica.MasnaDigresso,lembraSedley,oautor doTeetetorecordaadistinoentreoconhecimentodivinoeoconhecimento humano que est na base de sua metafsica. 7

Essamenometafsicaplatnicaprecisaserqualificada,masno voudiscuti-la.AinterpretaodeSedleyumdospoucostratamentosjustos dadosDigresso.Geralmenteessapassagemignoradapelos comentadores,sobretudonainterpretaoanaltica.Contudo,tenhouma divergnciacomaanlisedeSedley.Nelaestsubentendidaumatesepor meiodaqualSedleyltodoodilogo:oTeetetoprestahomenagemaum Scrates no-metafsico que conduz a investigao sobre o conhecimento sem seenvolvercomtesespositivas.NocreioquePlatotenhaexercidoesse difcildespojamentodesuastesesdaRepblica,edeoutrosdilogos,para escrever o Teeteto. Conforme o interpreto, o esprito socrtico no uma fase

6 Ver Sobretudo 176a-b: precisamos escapar (ceyc. .) daqui para l (...) e escapar tornar-se semelhante a deus na medida do possvel [ey_c. .. ac., case-e-.e.e-. . ], e se tornar semelhante[adeus]setornarjustoesantocomentendimento[. .. ac., c. se... se.. c... c-e.._ cca, yc.c ce.] 7 Cf. Sedley, 2004, pp. 62-86. 15do autor dos dilogos que, na velhice8, lhe provoca saudosismo e o faz moldar o Teeteto sob o impacto dessa experincia. Entendo que o esprito socrtico umaspectosempreatualemPlato.AmonumentalobradeGregoryVlastos sobreaepistemologiasocrticanodesautorizaessaconcluso,poisum filsofopodeprogredirdogmaticamentepodeincrementarseumanancialde convices e ainda assim manter uma f no mtodo teraputico do exame de teses.NocasodePlato,mesmoqueaceitemos,comoamaiorparteda crtica,queoMnonotextoondePlatocomeaaacrescentarnovas colunasaoedifciodoc \cy_.,,nemtodososaspectosquesevinculamde modo histrico a Scrates so incompatveis com parte desse programa. D.SedleyeF.CornfordachamqueaDigressomenciona implicitamenteastesesdaRepblica.Maseunoconcordo.Oprogramada Repblicanoprecisaserinvocadomaisdoquequalqueroutrodilogo semprequeumtextoplatnicosugeredistinesontolgicasounveisde entendimento no campo moral ou poltico.ADigressopodeserlidacomoumapassagemnaqualoautordo Teetetoestargumentando,contraProtgoras,apartirdeumaperspectiva moral. Essa perspectiva tem um forte apelo unitrio na medida em que rejeita a disjuno entre aspectos corretos doponto de vista legal (-e. se.e) eo que objetivamentevantajoso(cec ..).Essadisjunooelemento-chavedo argumento,comoveremosadiante.Deoutrolado,seocasodelermoso TeetetoapartirdoprogramadaRepblica,odilogocomoumtodopodeser interpretadoapartirdealgunspontosnuclearesdessadoutrina,masisso demandaria demonstraes que no posso apresentar aqui. Eu concordo, porm, com Cornford quando ele diz que o tema central da Digressocontrasteentreumaperspectivafilosficaqueseamparanuma ontologiaunitriaeodiscursoforenseoupoltico,queseadaptas circunstncias.9NaDigressoPlatomostraqueumaformade

8 Se Plato (428-347) escreveu o Teeteto por volta de 369 a.C. (ver nota 02), ele est prximo dos 60 anos e j tem umas 20 obras escritas.9 CORNFORD, 1935, p. 89.16protagoreanismo permite justificar isso.Essadiferena se revelano contraste entre o filsofo e o orador, um contraste bastante explorado pela Digresso.O efeito mais terrvel desse contraste foi a morte de Scrates.ADigressomostraqueacomplexidadedaquestosobreo conhecimentotemimplicaesnumprogramamoral.Esseprograma,no entanto,nopodeserplenamentedesenvolvidonoTeeteto,poisodilogoj est engajado no tema epistemolgico. A Digresso est ali para lembrar que o examedoconhecimentoemProtgorasnosemconseqnciasparaas questesticas.Note-se,aesserespeito,queaepistemologiaprotagoreana referendaopontodevistadequeosvaloressorelativos.ADigresso argumentaqueessalinhanoselimitarajustificarospredicadossensveis sobre as propriedades da experincia comum com as coisas. Ela tambm ser consideradavlidanocampomoralepoltico.ADigresso,nessesentido, deve ser lida junto com a Apologia de Scrates. Desse modo seriam lembradas asconseqnciasdovnculo,aparentementeinocente,entrerelativismoe poltica.ADigressopodeserlidasobaperspectivadaApologiaemvrios aspectos.OTeetetoretrataumScratesquenotempropriamenteuma definioformaldeconhecimento,maspercebeumasriedeequvocose inconsistnciasemvriasdefiniescorrentes.Especialmentenotipode posturaqueseesperavadeleaosedirigiraosjuzesouspessoasque assistiamaseujulgamento,Scratespercebeuainevitabilidadedesse conhecimentonegativo.ADigressomostraqueosaberfilosficoseopea algumasatitudestpicasnostribunais,entreasquaisafalamarcadapor tempo, a adulao dos juzes e a resposta precisa aos artigos da acusao (cf. 172d-173b).RachelRuenotaquenaDigressoScratesretrataofilsofosobo signo na inabilidade poltica: particularmente apropriado Scrates escolher o tribunal como cenrio da aparncia ridcula do filsofo, j que, como sabemos peloprlogo,eleestprestesaentrarnasaladeaudincia. 10ADigresso

10 RUE, R., The Philosopher in Flight: the Digression (172c-177c) in Platos Theaetetus, Oxford Studies in Ancient Philosophy, 11 (1993), pp. 71-100, aqui p. 75.17mostraqueofilsofoinbilnotribunalporquenoreconheceosrituaisdo jogopoltico.provvelquePlatonoaproveoretratodofilsofoqueo Teetetooferece,umacaricaturadopensadoridealistaquedesconheceas questesdavidadacidade,masotextodaDigressomuitoclarosobreo abismointelectualqueseparaosdoiscoros(173b):odosfilsofoseodos oradores.Examinemoscomoessadiferenamaisumadasconseqnciasda tese de Protgoras.Do ponto de vista da ordem dos argumentos, a Digresso estinseridanumconjuntode12objeesteseprotagoreana.Estas objeesseiniciamem161b,comarefernciaanphidromiadatese.Antes daDigresso,so9argumentos:(1)objeodapercepodosanimais (160e2-161d2);(2)objeodapesquisafilosfica(161d3-162a2);(3)objeo dapercepodosdeuses(162a4-162d2);asrespostasdeProtgorasstrs primeiras(162d3-163a6);(4)objeodalinguagemedoalfabeto(163a7-c5); (5)objeodamemria(163c5-165a3);(6)objeodoolhocoberto(165a4-165d2);(7)objeodosadvrbios(165d2-e4);segueaDefesadeProtgoras (165e4-168c2)ondeosofistarespondeaosargumentosanterioresnesta ordem:5,6,1,2,e7;(8)objeochamadaperitrop(168c2-171c7)ouauto-refutao; (9) objeo sobre o divrcio entre benefcio e justia (171c7-172b9); aDigresso(172c1-177b8);(10)objeodasespecialidades(177b8-179b9); (11)objeodomobilismo (179c1-183c2)earefutao finalsobreadistino entre percepo e conhecimento (183c3-187a9).Nopossvel,obviamente,tratarmosdosdetalhesdestes argumentos.11Masadescriodaestruturadacrticapermiteperceberquea Digressoseseguenonaobjeo:aproposiododivrcioentrejustiae benefcio.Acrticaaestaposioprincipiademodoindireto,sendoexplcita somente na Digresso. Inicialmente, a crtica se apresenta sob a forma de uma novadefesadeProtgoras.Tendoconcludoaanlisedaoitavaobjeo,o argumento da auto-refutao, Scrates diz que o ataque a Protgoras foi muito violento(171c7).precisoretomaroditoapartirdeumabasemaisslida.

11 Para uma anlise de todas as objees na ordem que aparecem no texto ver CHAPPELL,T., Reading Platos Theaetetus. Indianapolis/Cambridge: Hackett, 2005, sobretudo pp. 86-149.18ReelaborandooselementosdaDefesadeProtgoras(166d-167a),Scrates divide o dito em dois nveis: em matria de sensaes, o que percebemos o quedefineoserdecadaobjeto.Chamemosessaposiode(a).Deoutro lado,seProtgorasadmitirqueexistemcasosnosquaisalgunshomensso superiores a outros, ele deve estar preparado para conceder isso em assuntos como sade ou poltica. Chamemos a ltima posio de (b).Scratesargumentaosdoisnveisdoditodaseguinteforma.Primeiro, na esfera poltica temas como justo e injusto, o que aceitvel religiosamente ouno,honra,etc.,sovaloresqueascidadespodemconcebersegundoos parmetrosdorelativismo sensvel que temos em (a). um relativismo dentro de um regime poltico. Sobre tais temas no h critrios objetivos e as cidades ouosindivduosjulgamconformesuasinclinaes(cf.171e-172).Mas suponhaquesetratadedecidiracercadoquevantajoso(ce.c ..)no interesse da cidade. Neste caso estamos no terreno de (b), isto , no correto procederdamesmaformaquenasituaoanterior,ondeosvaloresso relativos. Isso significa que Scrates reclama que haja pelo menos uma classe de valores que as cidades precisam considerar conforme um critrio objetivo de verdade. Scrates, evidentemente, no aceita essa viso porque ele no limita dessemodoosvalores,maselenocriticadiretamenteissonestapartedo dilogo. O que ento o teria levado a conceder uma plausibilidade provisria ao protagoreanismo no campo poltico? PensoqueaconcessosejustificaporqueaintenodeScrates mostrarasconseqnciasdestaposionaDigressoenoqueasegue.AntesdaDigressoeletrabalhacomoditonaquelesdoisnveisque mencionei.O primeironvel oncleodateseprotagoreana,ncleoesteque temporessnciaumatesecognitivabaseadanasensaocomocritrio.No textoScratespassadospredicadossensveisquente,seco,doceparaos predicadosjustoeinjustonumnicopasso,propondoqueosltimos sigama mesma lgica dos primeiros no mbito da cidade. Todavia, quando cita o tema do que vantajoso, Scrates retm a perspectiva da objetividade. AlinhageraldessaanlisedaDigressoestpropondooseguinte. Scratesconcedeaossujeitosdaepistemologiaprotagoreanaapossibilidade 19de sustentarem suasconvices conforme a demanda particularou social nas cidades,aomesmotempoqueprocuragarantirparaoEstadoumaesfera mnimadevaloresemtornodoquebenficoeprejudicial.esseosentido dovantajoso.Temosaqui,explicitamente,umdivrcioentrejustiae benefcio que, como afirma Chappell12, no muito diferente da distino entre prudncia poltica e moral na sociedade moderna.AlgunscomentadoresnotamquenoclaraaposiodeScrates sobreessedivrcio.Contudo,pensoqueaDigressoindicaqueScratesse mantmnuma defesadaperspectivacognitivaparaostemasdavidapoltica, sem dardetalhes dessaposio. Na Digresso Scrates defendeque mais apropriadopensaraquelestemas(justiaebem)numprocessode investigaoqueaproveitaotempodeestudo,doqueconceb-losnoritmo agitadoerigidamentecontroladodacenapoltica.porissoqueoprimeiro assunto da Digresso a diferena entre o tempo de que dispem os filsofos e o tempo dos oradores.Na primeira frase da Digresso, em 172c1, Scrates menciona que os filsofos gozam de schol, a disponibilidade de tempo.Note-sequescholamesmapalavrausadaporEuclidesnoPrlogo,aorelatar que quando tinha tempo trabalhava no texto do dilogo (143a).Otemadotempodedicadoargumentaofazosdoisinterlocutores professaremumatesesobreoalcancedosaspectosepistemolgicoseo alcancedosaspectospolticosdatesedeProtgoras.Scratesdizqueo aspectopolticoexigeumexamemaisdemoradoqueoepistemolgico,oque surpreende, porque o argumento epistemolgico o mais longo do dilogo (cf. 151-186).EssateseproferidaquandoScratesalegaqueoassuntoaser tratadodaliemdiante(naDigresso)apassagemdeumargumento pequeno para um grande [c s \.y.e c._a. c _ c \e --..., se-e\e3e .c., 172c1]. ento que Todoro diz que ambos gozam de tempo para investigar o argumento maislongo.Masnoficamuitoclaro,primeiraleitura,aqueargumento Scratesserefere.AolermosaDigresso,porm,percebemosqueo argumentomaioroargumentopormeiodoqualsedesenvolveocontraste

12 Chappell, 2005, p. 120. 20entreofilsofoeoorador,isto,atesedeProtgorassobaperspectiva poltica.Oargumentomenor,porseuturno,podesertantoareelaboraroda tese,em171c-172b,ouoconjuntodaanlisesobreosaspectos epistemolgicos do dito, em toda a parte I do dilogo. Como j indiquei acima, penso que esse o caso do argumento maior.NaanlisedeBurnyeatarefernciaaesseargumentolongotemo seguinte motivo.13 O edifcio da sociedade entrar em colapso se aceitarmos a premissa protagoreana do saber conforme a nova defesa, ou seja, a separao entrejustiaebenefcio.Platoestconscientedisso,mascomoa demonstraodopontoexigiriaumaobranosmoldesdaRepblicaoudo Grgias,Platopreferevaler-sedeumrecursomenosargumentativo:a Digresso.Depoisdamenoschol,Scratescomentaquenosurpresao fato de que os que estudam a filosofia tenham uma postura ridcula no tribunal. ParaScratesestelocalumaarenaparaescravos.Josqueestudama filosofia so considerados homens livres (172c). A comparao dos filsofos a homens livres defendida na afirmao de que os filsofos utilizam sua schol paraexaminaremasperspectivasqueosprpriosargumentosimpem(cf. 172d).Elesnoseperturbampelabrevidadeouextensodosargumentos (\.y.e,),contantoqueatinjamquiloque(cf.172d9:e .. ...-e_ac.-.e. .-.,).Deoutrolado,osoradoressoescravizadosporregrasrgidasno discurso.Noscasosjurdicos,precisamleroresumodosartigosdaacusao peranteoacusado(cf.172e4)esoboouvidoatentodeste.Almdisso,seus discursos so controlados pelo relgio de gua e pelo juiz.Nas pores mais centrais da Digresso o acento sobre o alheamento dofilsofoacercadetemascomoocaminhodagora,alinhagempoltica,a propriedadeprivada,asdisputasporcargoseassimpordiante.Scratesdiz queofilsofoestnacidadesomenteenquantocorpo,ecoando,talvez,o Fdon,mastambmumapassagembemconhecidadaRepblica,em493a-

13 BURNYEAT, 1990, p. 33-4. 21498c,ondeadecadnciadafilosofiaatribudaaotrabalhodossofistas.A Digresso o testemunho de que mesmo no seio de um dilogo ocupado com questes tcnicas sobre o conhecimento, Plato ainda considera que o sentido dessetrabalhofirmar-secomoperspectivaopostasdoutrinasqueemitem juzos como se nada fosse por natureza (a , .e s c c-. e cc. 172b4), mas tudo se ajustassesparticularidadesdapoltica.ADigressoumencmio realidadedaquiloquesechama,embomplatonismo,deparadigmaouontos on.SegundoAlexLong,partedosdilogosdePlatodemonstraqueo filsofocontinuaescrevendoaApologia.14EmcadadilogoPlatomobiliza argumentosparaesclarecerasimesmoeaudinciafilosficatraosdo pensamentodeScratesqueexercemfascnioouque,provavelmente,ainda soam enigmticos. No Teeteto h sinais desse projeto no Prlogo, como vimos, mas tambm na referncia maiutica em 150b-151de, pelo que argumentei acima,na prpria Digresso. Se o Prlogo tem o propsito de situar o dilogo nosacontecimentosde399,LongtemrazoemdestacarqueoTeetetose desenvolvesoboenigmadeScrates.Namedidaemquecontribuipara desvendar parte do enigma, o Teeteto pode ser compreendido como uma obra em dois nveis: uma argumentao cerrada sobre temas relacionados ao saber, de um lado, e um conjunto de referncias ao contexto da vida de Scrates, de outro.Meu trabalho de interpretao do dilogo tem as caractersticas de uma abordagemsobreoncleodoeloentreestesdoisaspectos.Pensoqueesse eloimplicitamentedefendidonaopoplatnicadeescreverumdilogo sobreoconhecimentoconformeosprocedimentoshistricosdomtodo socrtico.Umaquesto relevantecomooautordaRepblica pdeescrever umdilogointeirosobreconhecimentosemmencionarnadadoquese costumachamardeDoutrinadasFormas.Aquiabundamhipteses:(i)Plato nuncaargumentouateoriadasFormas:(ii)eleargumentou,masjnoest

14 Cf. LONG, 1988, p. 124. 22satisfeito com ela; (iii) ele vdificuldadesna teoriaparaexplicar os problemas da participao.PrefiropensarquepocadoTeeteto(edoParmnides)Plato percebeuqueexistemaspectosproblemticosnarelaoentreasFormase seusparticipantes.Eledesejadarumtratamentomaiscrticoaosproblemas mencionadosacima,sobretudoquandoescreveoParmnides,oTeetetoe Sofista.Nasegundaseodessetrabalhocomentoalgunsaspectosdessa fase crtica.Agoraomomentodeexaminaraprimeirapartedodilogoe estabeleceraslinhasgeraisdoargumentodePlatocontraaepistemologia protagoreana. CAPTULO II RAZO E SENSAO EM PROTGORAS 2.1 Linhas de anlise do Teeteto15 OTeetetomostraquePlatoconsiderarelevantediscutirasformasde relativismoemobilismoqueasdoutrinasepistemolgicasgregasdefendem. NossaanlisedaDigresso,nocaptuloanterior,nosmostrouoaspecto polticodesserelativismoeosproblemasqueScratesvnesseaspecto.

15Devidoaocontedopredominantementeepistemolgicoesevidentesantecipaesde problemastpicosdaepistemologiacontempornea,oTeetetotemrecebidoestudos provenientes,emsuamaiorparte,datradioinglesaeamericanadeinterpretao.Nessa linhahvrioslivrospublicados.Naleituraqueapresentoaquiasseguintesanlisesgerais, listadas em ordem de publicao, foram cruciais em meu estudo do Teeteto: (i) Platos Theory of Knowledge (1935), de F. Cornford; (ii) Plato: Theaetetus (1973), de J. McDowell; (iii) Platos Theaetetus (1988), de D. Bostock; (iv) The Theaetetus of Plato (1990), de M. Burnyeat; (v) The MidwifeofPlatonism(2004),deD.SedleyeReadingPlatosTheaetetus(2005),deT. Chappell. Entre os papers a lista de dbitos imensa, alguns dos quais sero mencionados a partir das referncias feitas nas notas de rodap.23Agoraomomentodeexaminarmososalicercesepistemolgicos.Seria razovelcomearmosporumexamedoquePlatojdissesobresua epistemologiaemoutrosdilogoseconfrontarosargumentosplatnicoscom as novas idias do Teeteto, mas a relao entre o Teeteto e a obra de Plato objetodeumadisputaentreosintrpretes.Dopontodevistado enquadramentododilogonoplatonismo,podemosidentificarduasvertentes principaisdeinterpretao.TimothyChappell,emsuatraduo comentadado dilogo16, prope uma classificao entre unitrios e revisionistas.Osunitriosdefendemumadoutrinarelativamentehomogneaentreos tpicosdosdilogosmdios(sobretudoFdon,Banquete,FedroeRepblica) eocontedodoschamadosdilogostardios,principalmenteoParmnides,o Teeteto, o Sofista, o Poltico, o Filebo e o Timeu. Os revisionistas, de seu lado, argumentamquehmodificaesimportantesnaformacomoPlatose posicionasobreseustemasclssicosnestesdoisconjuntosdedilogos.Tais modificaesestariamligadasaosseguintestemascentrais:(a)relaoentre as Formas (E. _) e os particulares; (b) posio de Plato sobre a suficincia do logosnadefiniodeconhecimento(cf.Teeteto201-210);(c)problemada estabilidadeecognoscibilidadedoquesensvel;(d)problemadoaspecto unitriodasFormas(oqueOweneRylechamamoatomismolgicode Plato).Decertomodo,aposiocomumquearticulatodosestestemasa hiptesedeque,entreRepblicaeParmnides,Platopercebeuqueseu conceitodeFormasprecisadeumareviso.precisoexplicarcomouma Forma pode cumprir dois papis de modo consistente: (i) ser a unidade de uma multiplicidadee(ii)darcontadosproblemasdaparticipaodiscutidosno Parmnides e no Sofista. Adivisoentreunitarismoerevisionismonoexaustiva,poish interpretaesrelevantesquenosealinhamaoesquema.Algunsdefendem umunitarismomoderado,aomesmotempoquereconheceremasnovidades introduzidaspelosdilogosdoperodo ps-Repblica.17Poroutro lado,certos

16 CHAPPELL, 2005, pp. 16-24.17Umexemplorecentedeumintrpretequedefendeumavisounitriadopensamentode Plato,mas reconhece asmudanas entrea dupla Fdon-Repblica eo platonismodatrade 24intrpretesdatradioanalticatradicionalmenteumafontedecomentrios revisionistasadmitemumsentidocomumparaoquePlatoentendepor Formasenoconcordamqueoautordosdilogosastenhaabandonadoou substitudo por alguma teoria mais sofisticada.Emborapossaseridentificado emlinhasgerais,o esquemaunitarismo-revisionismopoucotilparaainterpretaodosproblemasespecficosdo Teeteto.Essadisjunonofazjustiacomplexidadedoqueseproduzno atual corpo de papers e livros sobre a epistemologia platnica.Tome-se,comoexemplo,oseguintecaso.Natradioanalticaaobra deGailFineumareferncianainterpretaodaepistemologiadePlato. evidentequeainterpretaodeFinepartilhaatesedeG.RyleedeM. Burnyeat de que os argumentos platnicos devem ser vistos luz daquilo que aepistemologiacontemporneadiscute.Noentanto,quasenadadoque revisionistas como Ryle argumentaram sobre o pensamento maduro de Plato permanecedepnaleituradeFine.EmOnIdeas(1993),porexemplo,ela reconstri o primeiro livro do Hc.l ca . de Aristteles e argumenta a tese geral de que Plato tem problemas especficos em cada dilogo, mas que, no mbito dosdilogosmdios,acompreensoplatnicadadoutrinadasFormasno sofrealteraes,podendoseridentificadaaumatesesobreaprioridadeda compreensodepropriedadesnaturaisparaoentendimentodoquesubjaz realidade.Devido ao escopo de seu projeto, Fine econmica em sua anlise dos dilogos do perodo ps-Repblica. H sinais, contudo, de que ela no se alinhariatesedequeadoutrinadasFormassejamuitodiferentenestes dilogos. Paraumrpidodelineamentodecomoessaquestovistapor intrpretesfranceses,tilaIntroduodeJean-FranoisPradeauaPlaton: Parmnides,TeetetoeSofistaCharlesKahnemWhyIstheSophistaSequeltothe Theaetetus?, Phronesis 52 (2007), 33-57.Outro unitrio declarado D. Sedley (2004). A obra deGailFine,sobretudoFINE,G.,OnIdeas:AristotlesCriticismofPlatosTheoryofForms. Oxford: OUP, 1993, um caso mais complexo, mas considero que no conjunto esse trabalho apia a tese unitria. 25Les Formes Intelligibles (2001), assim como os artigos no interior do livro. H argumentosrevisionistasemvriosartigosdeG.L.E.Owen,sobretudono importantepaperde1957AProofintheHc. l ca ..Ocomentadorque definitivamenteestabeleceoprogramadorevisionismoGilbertRyleemseu artigo (em duas partes) sobre o Parmenides (1939) e em Letters and Syllables inPlato(1960).HumaanlisedainterpretaoryleanafeitaporAntonia SOULEZemLeTravaildeLaNegation,in:AUBENQUE,P.(1991).Relevante para a teserevisionista tambm o comentrio de Owen em Notes on Ryles Plato, em OWEN,(1986)18.No que se refere epistemologia platnica do Teeteto, um dos aspectos discutidosnaliteraturaodebatesobreotipodefluxoquePlatoatribuiao mundosensvel.Aquisevqueaoposiounitarismo-revisionismomuito esquemtica para refletir as linhas em conflito. 2.2 A interpretao do mobilismo Nopresentetrabalhoapresentoumainterpretaodealgunsaspectos do mobilismo no Teeteto. Procuro explicitar em que sentido podemos entender adiscussodomobilismoeporquePlatoconsideraimportanteconectaro mobilismo com Protgoras. O que o mobilismo significa no Teeteto uma questo menos complexa doqueosentidodomobilismoparaPlato.Asposiesargumentadasna literaturasoasseguintes.Suponhamos(1)queaargumentaodaprimeira partedodilogo(sobretudo151-6e181-3)sejaumaanlisedomundo

18Asrefernciascompletasso:FINE,G.,OnIdeas.Oxford:OUP,1993.PRADEAU,JEAN-FRANOIS(Coord.),Platon:LesFormesIntelligibles,Paris:PUF,2001;RYLE,G,Plato's Parmenides,Mind48, n. 190(abr.1939), 129-51,PlatosParmenides,Mind48, n. 191(jul 1939), 302-325; Letters and Syllables in Plato, Philosophical Review (1960), 431-51. SOULEZ, A., Le Travail de La Negation, in: AUBENQUE, P. (dir.), Etudes Sur Le Sophiste de Platon. Paris: Bibliopolis,1991,pp.217-246.Owen.G.E.L.,AProofinTheHc. . ca .,TheJournalof Hellenic Studies, Vol. 77, Part 1 (1957), pp. 103-111;Notes on Ryles Plato, in: OWEN, G.E.L., Logic, Science and Dialectic: Collected Papers in Greek Philosophy (Ed. M. Nussbaum), Cornell University Press, 1986, 85-103. 26sensvelapartirdepremissasaceitaspeloprprioPlato.Seforverdadeira, essa hiptese salienta a tese de que a teoria da percepo desenvolvida nessa argumentao exibe os aspectos essenciais do heracliteanismo platnico. Essa posio defendida por intrpretes como Cornford e Cherniss.19 De outro lado, supondo (2)que as premissas do argumentoda primeira parte no so platnicas, mas representam teses atribudas aos oponentes de uma perspectiva platnica de cognio, temos duas possibilidades:(2.1)Todaateoriadasensaodesenvolvidaem151-156 construda porPlatoparamostrarainconsistnciadadoutrinaepistemolgicados oponentes,especialmenteProtgoras.Deacordocomessaanlise,osentido geraldoargumentodaprimeirapartedoTeetetoseriaoseguinte:ateoriada percepo, includos a os detalhes da chamada doutrina decreta em 151-6, uma teoria constituda para dar corpo definio sensao conhecimento, a fim de que percebamos quais so suas implicaes.20 (2.2)Pode-sedizertambmquePlatoseligaaalgumaspartesda doutrina.Eleatacaria(a)ousodoselementosdateoriaparaargirumatese epistemolgicae(b)osheracliteanismoextremo(criticadoem181-3),mas manteriaadoutrinasecretacomodescriovlidadasensao.(2.2)a posio de Bostock (1988) e Owen (1957), (2.1) a interpretao de Burnyeat (1990) e Fine (em vrios artigos).Vejamos alguns detalhes da disputa. No Teeteto 151-186 Plato vincula Protgorasaumadoutrinasobreomobilismosensvel.Noplatonismodos dilogosessemobilismocaractersticodomundodaexperinciauma doutrinaadmitida.Oproblemaparaosintrpretesexplicarosignificadoda tese de que o mundo sensvel est sob efeito do fluxo. Costuma-se confrontar

19 Cf. CORNFORD, F.M., Platos Theory of Knowledge. London:Routledge & Kegan Paul, 1951 [1935].CHERNISS,H.TheRelationoftheTimaeustoPlato'sLaterDialogues,TheAmerican Journal of Philology, Vol. 78, No. 3. (1957), pp. 225-266.20 Essainterpretao argumentadapor Myles BurnyeatemIdealismand Greek Philosophy: whatDescartesSawandBerkeleyMissed,ThePhilosophicalReview,Vol.91,No.1.(Jan. 1982), pp. 3-40. Ver tambm sua Introduo edio do Teeteto em BURNYEAT, 1990, na linha interpretativa que Burnyeat nomeia leitor B. 27a tese (i) que o mobilismo fsico, inerente s estruturas orgnicas do mundo natural,comatese(ii),quesustentaqueomobilismometafrico,uma qualidade de tokens e types que no conseguem evitar o fato de serem em si mesmos F e no-F.Essadisputatpicadainterpretaodomobilismodosdilogos mdios.MasnoTeetetohumaperspectivaincomum.Omobilismouma premissanumateoriaepistemolgica,algoquenovemosemnenhumoutro lugardocorpus.Estrategicamente,aepistemologiamobilistaafirmadae depoiscriticada.Quandocriticaomobilismoem181-3,Scratesargumenta queomobilismonopodeserumaspectofundamentalnoconhecimento porqueessaposioauto-refutante.Contudo,Scratesnotemamesma posturaemrelaoqueladoutrinadasensaoem151-6.Ofatodeessa doutrinaserabertamentemobilistaeScratesnorefut-la,poderiasugerir que adoutrina aceita pelo autor do Teeteto. Deoutro lado, possvel quea crtica de Plato em 181-3 no se destine a uma linha de heracliteanos, mas a todaformademobilismoqueprocuranegaraspectospermanentesnos objetos,sobretudonosobjetosdasensao.Seacrticatemesseescopo, Plato no tem motivos para reter, em sua viso da sensao, partes daquela doutrina de 151-6. Essa a viso de Burnyeat.AperspectivaunitrialigadaaCornfordeCherniss,deoutrolado, defendequeacrticaem 181-3se dirigeformaextremademobilismo.Essa forma extrema prope uma tese que Plato nunca teria defendido, pelo menos no h nada nos dilogos que indique um argumento sobre a coincidncia dos processossensveiscomaestruturadoquecognoscvel.Em181-3, conformeaquelesintrpretes,teramosumacrticasobreainconsistnciada posio epistemolgica de Protgoras e Herclito. Isso argumentado no textosobaformadaversoextremademobilismocognitivo.Platoestaria mostrandoque,parapodersercognitiva,ateoriaprecisasercomplementada porumateseontolgicaradicalsobreainexistnciadeestruturasfixasno mundo.Masasemostrariaem181-3que,emboraomobilismoseja verdadeirodomundosensvel,elenopodeserverdadeirodasdescries sobre o mundo sensvel. 28Comosev,adivergnciaresidenoalcancedacrticaaomobilismo. Paraalguns,comoOwen(1957),apassagem181-3doTeetetoumacrtica queimpeestabilidade(econhecimento)aomundosensvel,rechaandoo mobilismo.Paraoutros,comoCornford(1935),essapassagemumacrtica quecontinuaafirmandoqueomobilismovlidocomotesesobreomundo sensvel.Naseoseguinteprocurodisciplinaralgunsaspectosdessadisputa. Meu foco no ser 181-3, mas a doutrina de 151-60. 2.3 Plato e o mobilismo do TeetetoNainterpretaodaprimeiraseodoTeetetoqueapresentona seqncia,desenvolvoumaanlisequeretrabalhaalgunselementosdeuma das perspectivas sugeridas por Burnyeat em seu livro de 1990 (na linha que ele nomeialeitorB).Oaspectochavedessainterpretaoodestaque conexoentreprotagoreanismoeheracliteanismo.Essaconexo interpretadacomoumaarticulaodialtica,criadaporPlato,paradar consistnciaaoargumento.Burnyeatconfrontaessalinhacomahiptese, sustentadaporCornfordeoutros,quelastesesdoargumentocomo descriesplatnicasdasensao.Oassunto,noentanto,complexo,pois no se trata apenas de decidir entre duas linhas que, no por acaso, possuem iguaischancesdeseremverdadeiras.Burnyeatoptoupelahiptesedeque Platoestemtodootextoexaminandotesesadversrias,masdeixouclaro que no encontrou argumentos vlidos para descartar a hiptese alternativa, a idia de que certos elementos de 151-6 so descries platnicas do fenmeno da sensao. por causa dessa indefinio que Burnyeat mantm na estrutura de seu livro de 1990 a contnua referncia s duas linhas de interpretao.21 Talvezoproblemadesabersepartesouoconjuntode151-6so mantidosporPlatoemalgumateoriadasensaovlidanopossaser

21 Cf. BURNYEAT, 1990, especialmentepp. 7-65. 29decidido em termos definitivos, pois se trata do tipo de posio que Plato no julgou necessrio indicar no Teeteto.Minha anlise desse aspecto do dilogo se limita a defender o seguinte. SeastesesP(Protgoras)eH(Herclito)representamposies complementaresnumateoriadasensaoquepretendeserumateoria epistemolgicaminhainterpretaoseencarregadonusdessa demonstrao,ofatodePlatodesejardemonstrarainconsistnciado arranjoque,supostamente(cf.ahiptese)fariasentidonateoria,implicaque seuobjetivo,exclusivamente,examinaraconsistnciadessearranjona pretenso epistemolgica. Nesse quadro, no h nada a ser dito sobre o que omundosensvelemsi.Mas,deoutrolado,denadaadiantaointrprete mostrarqueadescriodasensaonadoutrinadecreta(151-6)doTeeteto no refutadae, eo ipso, vlida para Plato. De fatoelano refutadaem parte alguma do texto, mas no se pode esquecer que essa descrio parte de um todo e esse todo refutado por meio da demonstrao da inconsistncia de seu princpio bsico: o mobilismo. Qual o ganho que o intrprete julga obter - para o conceito de sensao em Plato ao tentar retificar os destroos da teoria? Penso que no a que reside o interesse dessa seo do Teeteto.Se o exame do argumento a partir do problema de saber se Plato retm ounegaalgumapartede151-6poucotil,quaisso,ento,ostemas relevantes? Os argumentos relevantes so os que contrastam a epistemologia deProtgorascomaperspectivaplatnicadecognio.Minhaanlise,no tpicoseguinte,procuramostrarqueoargumentodePlatodemonstraa incompatibilidadeentreestasduasperspectivas,almdedescreverafissuras internas do protagoreanismo.Podeparecerumtemabviodemaisparaumaliteraturaque, atualmente, seocupadas mais exasperantes disputas sobre o corpo do texto.Meutrabalhononegaovalordostemasespecficosdodilogo.Contudo,o que pretendi fazer uma interpretao a partir do tema clssico do platonismo: aoposioentrerazoesensao.PensoqueoTeetetofoiescritoporum Platoquequerexplorar,filosoficamente,essetema.Nopodemosignorar que,conformecertasdataes(vernota02),oTeetetoumdilogode 30velhice 22e,comotal,tendeaserumaocasioparaumrelaxamentodas doutrinas,filosficasouno.Nadadisso,noentanto,precisanosvinculara qualquer tese sobre o abandono do programa da Repblica. 2.4 O argumento mobilista de Protgoras H um sentido em que os argumentos de 151-6 e as teses defendidas em 184-6exprimemproposiesincompatveis.Naprimeiraseonstemosa tese (i) que x F para qualquer valor de F que est na crena do sujeito e que foi resultado de sua percepo privada. Em 184-6 ns temos (ii) a tese de que aestruturadepensamentoxFumaestruturaapreendidapelarazopor meio de entidades nomeadas comuns (s...e , cf. 185a9-10, 185c5-186b9: ser, igualdade,identidade,diferena,nmero,no-ser,semelhana, dessemelhana,oposio).Comonenhumdoskoinapreendidopela percepo, a afirmao em (ii) , formalmente, negada em (i), e vice-versa. Em seufamosoartigoThePlaceoftheTimaeusinPlatosDialogues,Owen consideraquenestasduaspassagenstheTheaetetusstatesandexplodes the thesis that yc .cc.,,,, excludes .e c. e .23 Owen acredita que a parte que sugere aexclusodaousiadovir-a-ser(yc .cc.,)151-6eapartequenegaessa excluso184-6.Naprimeirapassagemtemosasafirmaescruciaisda conexo entre protagoreanismo e heracliteanismo, mas na segunda passagem oargumentoexaminaoconceitodepercepo.Aconclusodesteltimo argumento que no h nada no conceito de percepo que permita sustentar o que se sustentou em 151-6.OobjetivodeOwendefenderqueaincompatibilidadeentreyc .cc.,e .e c. enoo tipodeargumento que o autor do Teetetoadota na estruturada primeirapartedodilogo.DeacordocomOwen,umaevidnciaadicionalde

22Roberto Bolzani Filho coloca o Teeteto nessa fase em sua excelente Introduo traduo da Repblica in:PRADO,A. L. A. A., Plato A Repblica. So Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. VI-XLII, aqui p. XI. 23 OWEN, G. E. L., The Place of the Timaeus in Plato's Dialogues, The Classical Quarterly, Vol. 3, No. 1/2 , 1953, 79-95, p. 85.31que no se trata dessa estratgia o fato que, em 185a-c e 186b, Plato atribui .e c. e aos objetos da percepo por meio do uso do verbo c c-. em sentenas empricassobreobjetossensveiscomosomecor.SePlatonosevaleda tese, atribuda ao platonismo, que o mundo sensvel um mundo trespassado pelo vir-a-ser radical, com base em que argumento Plato julga que possvel refutar a tese de que a sensao conhecimento? A resposta a essa pergunta dependedeumacompreensodotermo.e c. enoTeeteto.SeOwenest certo, Plato desenvolve no texto duas perspectivas de apreenso de ousia. NoTeetetoaexpressoousiaapareceemvriassituaes,revelando que h um argumento baseado nesse conceito no dilogo. Minha interpretao propeque,secompreendermosoconceitodeousiaquePlatoatribuia Protgoras,podemosentenderopapeldomobilismonessaprimeiraparte, assim como o sentido da crtica em 181-186. 2.5 Ousia em Protgoras Em160a-eScratesfinalizaodesenvolvimentodateoriadapercepo quevinhasendodesenvolvida.Oobjetivodessateoriafoiampararatesede queasensaoconhecimento.Em160c7-8Scratesargumentaque perceposempreverdadeiraporquesempredomeuser(-_ ,ye c _ , .e c. e, e c.c c-.. ). Qual o significado desse uso de ousia em que o referente algoprprioaosujeito?Pararesponderessaquestonsprecisamos interpretaralgunsmovimentoscruciaisdeScratesnaprimeirapartedo dilogo. Essa tarefa no fcil porque a seo se tornou objeto de distintas e incompatveisleituras.Noqueseguetentodarumsentidoaomodocomo Plato descreve os aspectos centrais da doutrina secreta e do protagoreanismo at 160.Noinciodadiscusso,quandoScratesconcluioprimeiroargumento paraaassimilaoentreadefinio(conhecimentosensao)eatesede Protgoras,elediz:percepo,portanto,sempredoqueeinfalvel, sendo tal como o conhecimento (e. c-_c., e e -.e. .-., e c.c c-.. se.e cec , a , 32c -.c-_ _.ece,152c5-6).Osegundoincompleto.Podeserparafraseado como o modo como algum percebe ser o caso.24 Humaalternativaparaainterpretaoqueapresenteinatraduode 152c5-6.Algunscomentadoressugeremqueseleiaafrasecomoatesede queoconhecimentotemdoisatributos:(i)infalvel"(e ce_ ,)e(ii)sempre do que (-.e. .-., e c.c c-..).25 De acordo com essa interpretao, trata-se de afirmarque,porserconhecimento,asensaoapresentaosatributos mencionadosacima.Essainterpretaospossuirespaldonomaterial conhecidodoconceitodeconhecimentoemPlato,geralmenterelacionado comoaspectoestveldasfrmulasqueapresentamaFdadenosdilogos.O segundoatributofamiliarnessescontextoseoprimeiro,umtantoraro, tambm pode ser associado noo de conhecimento em Plato. Penso,todavia,queaestruturagramaticaldafraseeocontextonoqual elaestinseridanofavoreceessainterpretao.Aestruturadafraseindica umainterpretaoconformeaanlisedeMcDowell.Elepropequeosujeito da frase a percepo e que os atributos so aspectos derivados do que est sendoexpressonaargumentaoanterior.Essaargumentao,nota McDowell,ainterpretaoplatnicadatesedeProtgorasnotrechode 152b1-c7: if someone perceives something as being f, then it is f for him.26 No argumentodessaseohumaidentificaoentretrselementos:aparncia (e.-ec. e), percepo (e. c_c.,) e ser (c..e.). As coisas do mundo so conforme aparecem ao sujeito na percepo.Almdessaevidncia,vejooutrarazoparadefenderaleiturade McDowell. Se Plato estivesse argumentando a infalibilidade do conhecimento eprocurandoverificarseasensaoprotagoreanaexibeesseatributo,

24 CF. MCDOWELL, J., Plato: Theaetetus. OUP: 1973, p. 120. 25Cf. CORNFORD, (1935) p. 32; GERSON, L. P., Knowing Persons: a study in Plato. Oxford & New York, OUP, 2003, 197ss.26McDowell,Plato:Theaetetus.OUP:1973,p.120.Paraumaanlisemaisdetalhadaver WHITE, F. C., a , c -.c-_ _ .ece-A Passage of Some Elegance in the Theaetetus , Phronesis 17, 1972, 219-226. 33deveramosesperar alguma meno infalibilidadedo conhecimentoem 184-6,napassagemquefinalizaograndemovimentodeinterpretaodo pensamentodeProtgoras,oqualtemincio,precisamente,nessaprimeira abordagem,em151-2.Masnohnadadissoemtodootrechode151-186. No encontrarmos nenhuma defesa da tese de que o conhecimento infalvel nessaprimeiraseo.Nessecaso,maisprovvelqueScratesnoest argumentandoainfalibilidadedoconhecimentoaqui,apesardequeum argumentosobreinfalibilidadecertamenteestemjogonasegundapartedo Teetetoe,provavelmente,emoutrosdilogos.Almdisso,ainfalibilidade uma marca do conhecimento em Plato.27 PensoqueopontodeScratesaquiargumentarainfalibilidadeda percepo. A infalibilidade da percepo um atributo que esta possui porque sua estrutura capaz de retratar o que aparece sob a perspectiva do que tem ser. Vejo aqui o primeiro movimento do dilogo em direo a uma tese sobre aontologiadomobilismo.Omaisimportanteaspectodessaontologia ofato de a palavra ousia receber nela um significado que no o referente platnico parataonta,aconfiguraodomundoqueoconhecimentodasFormas permite apreender, mas um estado de coisas que a percepo apreende. em Protgorasqueessaperspectivafarsentido,emboraosalicercesdateoria aindanoestejamexplicitadosem151-2,poisfaltaapresentaracomplexa descrio do mecanismo da percepo, o que s ocorrer a partir de 152c.No apenas no Teeteto que Plato atribui a Protgoras uma apreenso daousiadeformadistintadaapreensoquecostumamosatribuirao platonismo.NoCrtilo,em385e5-386a4,Scratesdizque,paraProtgoras, as coisas que so (-e. .-e) tm seu ser como algo privado de cada sujeito (cf. 385e5:. . e ee -a ._ .e c. ec..e.c se c-a ).Essaposioassociadacomo

27EmRepblica477e6-7Platousaotermoe .ee -_-..paradesignaroconhecimento infalvel. Gerson ( 2003, 197ss ) argumenta que no o mesmo sentido quee ce_ , tem em 152c5-6,masnoconsideroseuargumentoconvincente.NoTeeteto200e4-5Platousa e .ee -_-..nomesmosentidoquenaRepblica.muitodifcilencontrarargumentos platnicos organizados por meio da distribuio de palavras. 34convencionalismodeHermgenes.28ComonoTeeteto,Scratesdescrevea doutrinadohomem-medidanoCrtilocomoatesedeque,naaparnciado que apreendemos do mundo, ns captamos o ser e o no-ser das coisas. No se trata apenas de negar a oposio entre o ser e o no-serpor meio de uma ontologiagenerosaqueaceitatudosobocritriodapercepo.Trata-se, antes,dealgomaisextremo.Paravermosaexatamedidadesseconceitode ousia em Protgoras, precisamos avanar um pouco mais no entendimento da descrio que o autor do Teeteto faz da epistemologia protagoreana.Interpretar Protgoras no Teeteto implica se envolver com as divergncias sobreainterpretaodomobilismo.Comojmencionamos,existem perspectivasemconflitoehboasrazesparaseargumentarumaeoutra. No precisamos, no entanto, nos envolver com todos os aspectos do problema. Bastaquetenhamosumaperspectivaunitriasobreopropsitodomobilismo naconexocomProtgoras,deixandoabertaaquestodocomprometimento platnico com os detalhes da teoria da sensao.DeacordocomGailFine,emseuartigoConflictingAppearances,a melhorperguntaquedevemosfazeraotextodaprimeirapartenooque Plato pensa?, mas qual verso do heracliteanismo oferece o melhor suporte aProtgoras?ecomqualversodoheracliteanismoProtgorasest

28A posiodo textodo Crtilo em relaoaoprotagoreanismo (386a1-3) essencialmentea mesmadoTeeteto.Protgorasdefendequecadaummedidadaspropriedadesatribudas aosseresexistentes.Asensaoumaespciedemeionaturalnoqualformamosessas propriedadespelocontatoentreosdadosprovenientesdosobjetoseosrgossensveis. Negandodistinoentreaparncia(phantasia)esensao(aisthesis),Protgorasafirmaa identidade entre ser e sentir (cf. hoa gr aisthnetai hkastos, toiauta heksto(i) ka kinduneei enai,152c2-3).Aocolocar-se,noCrtilo,contraorelativismoprotagoreano,Scratesabreo caminho para a defesa do naturalismo lingstico. Penso que esse naturalismo se apresenta na seqnciadarejeiodeProtgorasporumarazo:odilogodefendeumnaturalismodos nomes regrado por uma techn e a tese de Protgoras tida, por Plato, como a frmula tpica da negao de especialidades.Reside a, portanto, o vnculo entre o relativismo protagoreano e convencionalismo.35comprometido?.29 Fine percebe que a questo sobre a exata relao entre as tesesdaprimeiraparte,assimcomoasquestessobreaposiodePlato acercadasensaoalidesenvolvida,aocontrriodoquealgunsestiveram defendendonaliteratura,nosoasmelhoresquestesdotexto.McDowell, porexemplo,argumentaqueoquePlatoexpressasobresernaDoutrina SecretatemumparalelocomTimeu27d5-28a4e37e5-38b5.Demodo similar,Cornforddescreveoheracliteanismodessaseocomoatese platnicadequetudooquesensvelestemperptuomovimento.30Esse paralelospodeseradmitidocomumasriedequalificaesquenoposso explicitar aqui.31 AmelhorquestoperguntarporqueoautordoTeetetodesenvolvea visodeProtgoraseHerclitonumateorianicasobreapercepo?Com basenaleituradeFine,voudefenderquePlatoestdesenvolvendouma teoriainfalibilistadoconhecimentobaseadanasaparnciassensveis.Seu objetivocomessateoriacriarparaProtgorasummundoondeas proposiesprivadas(odiscursocognitivo)possamfazersentidosemque tenham que se chocar com estruturas de objetos ou de crenas disponveis.EssainterpretaonosecoadunacomatesedequePlatoconstri paraProtgorasumaespciederelativismoperceptualapenasparcialmente envolvido com o mobilismo heracliteano. Se quisermos descrever com acurcia a tese do Teeteto, temos que entender Protgoras a partir dos pontos extremos dadoutrinamobilista.AdoutrinadesenvolvidaporPlatoparaProtgorasa tesedequeasaparnciascoincidemcomomodocomascoisasesto estruturadas no mundo. Para que a tese de que conhecimento sensao faa

29Cf.ConflictingAppearances,inFINE,G.PlatoonKnowledgeandForms.Oxford:OUP, 2003, 160-83, aqui p. 164.30 Cf. MCDOWELl, 1973, p. 124-8;CORNFORD, 1935, p. 36;Ver tambm FREDE, M., Being and Becoming in Plato, OSAP Supplementary Volume 1988, 37-52.31OsintrpretessempremencionamarelaoentreoTeetetoeoTimeunoproblemada descriodomundosensvel.CreioqueamelhoranliseadeDAY,J.M.,Thetheoryof perceptioninPlato'sTheaetetus,OSAP15,1997,51-80.Dayargumentaquehaspectos incompatveis irreconciliveis sobre a descrio da sensao nos dois dilogos.36sentido,PlatopensaqueProtgorasprecisaargumentarumadoutrina epistemolgicabaseadanumamudanagenunanaestruturadosobjetos existentes.Issoestbemretratadonadistinoentreummerorelativismo perceptualeoqueFinenomeiainfalibilismo.Aprimeiraposionorequer nenhuma tese sobre a mudana inerente aos objetos, enquanto que a segunda precisa dessa tese.Vejamoscomoorelativismocognitivo,fundamentadonumrelativismo perceptual, insuficiente para explicar o que Plato est propondo no Teeteto. A tese do relativismo perceptual afirma que as propriedades (o que ser x, os aspectos das coisas, os estados de coisas) so relacionais. Essa tese pode ser descritadoseguintemodo.Nossosrgossensveissoestimuladospor aspectosdosobjetos,umfenmenoqueproduzemnsumaaparncia privada.estaaparnciaquednascimentocrenanocontedodoque estamos experienciando naquele momento. O contedo dessa aparncia pode serdescritocomodesteoudaquelemodoparamim.Pormeioda identificaoentreser,aparnciaepercepo,(cf.oargumentode151-2) obtemosorelativismoqueadoutrinaprotagoreanarequer.Platoest,aqui, atribuindo a Protgoras uma tese relativista baseado no princpio de que tudo o queexperienciadopelosujeitodeveseravaliadoconformeocritrio verdadeiro para mim, uma regra que passa a ser o critrio de verdade. Plato est, de fato, atribuindo essa tese a Protgoras, mas se supormos queesseaspectodaverdaderelativaestnocoraodadoutrinade Protgoraseconstitui,dessemodo,aarticulaonodaldetodaadoutrina epistemolgicaquePlatoestatribuindoaosofista,devemosconcluirquea conexocomoheracliteanismoociosa.Aepistemologiabaseadano relativismo perceptual no precisa de Herclito. O primeiro problema, portanto, o problema da ociosidade do heracliteanismo no argumento.fcilverqueorelativismodaverdadeumcomponentecrucial,mas noesgotaadoutrina.QuandoatacaProtgorasnaauto-refutao(168c-171c),essetipoderelativismodaverdadequeinteressaaPlato.O mobilismo s ser atacado depois.37AcrticadePlatoaorelativismodaverdadeem168c-171ctema seguinteestrutura.Ateseprotagoreanaoferecedificuldadesquandoo contedo da tese avaliado unicamente como tese da relatividade da verdade. Oprocedimentodeavaliaroqueatesepparaxsignificajumpasso auto-refutativoou,nomelhordoscasos,umprocedimentoqueo protagoreanismo precisa assumir que no permitido. Se Protgoras defender quetudorelativo,incluindo,sobretudo,oconceitodeverdade,atese protagoreananopodeserconsideradaverdadeira,digamos,porduas pessoas,poisissomostrariaquehpelomenosumestadodecoisasno-relativo,ateseprotagoreanasendoverdadeiraparaduaspessoas.Isso mostraquenopodemosafirmarqueafrmula pparaxafrmulacorreta que retrata a estrutura cognitiva no universo protagoreano, pois a assero de queaformulapparaxretrataacondiocognitivavlidanomundo protagoreanoincompatvelcomoquepparaxsignifica.Serquea insistncianosqualificativos(verdadepara)resolveoproblema?Essas questes esto no corao da chamada auto-refutao protagoreana em 168c-171c.OautordoTeetetoprocurarefutarafrmulapormeiodaidentificao deumainconsistnciaentreoqueatesesignificaeoquesepodedizerou pensardeverdadeirosobreela.Comomeuobjetivoavaliaropapeldo mobilismo no argumento, os problemas da auto-refutao no sero abordados aqui.32 Oargumentoacimacompletonamedidaemquerefutaoaspecto relativistadateseprotagoreanaenquantotal,maselenosuficientepara desmontartodooedifciodadefinioprotagoreanadeconhecimento.Seo conceitodeverdaderelativafossesuficientenessadefinio,omobilismo

32 O argumento da auto-refutao tem recebido uma ateno crescente na literatura.Algumas anlisesrelevantesestoemLEE,MI-KYOUNG,EpistemologyAfterProtagoras:responsesto relativisminPlato,Aristotle,andDemocritus.Oxford:OUP,2005,pp.46-72;BURNYEAT,M., Protagoras and Self-refutation in Later Greek PhilosophyPhilosophical Review85 (1976), 44-69; BURNYEAT, M.,Protagoras and Self-refutation in Platos Theaetetus, Philosophical Review85, 172-95; FINE,G., Platos Refutation of Protagoras in the Theaetetus, Apeiron 31/3 (1998), 201-34;. Chappell, T., Reading Platoss Theaetetus. Indianapolis/Cambridge: Hackett, 2005, pp. 108-117.38inerenteaosobjetosdeixariadesernecessrio.33Nestecasoadoutrina secreta,elaboradaapartirde152c,sobretudooaspectodasugestode reforma da linguagem que se vale do verbo einai, tornar-se-ia suprflua.AsdificuldadesencontradasparaexplicaroquePlatoquercoma associaoentresensao,protagoreanismoemobilismoconstituram algumas alternativas de interpretao. Alguns propuseram que o mobilismo da doutrinasecretaumaspectodaspropriedadesenoatingeaestrutura intrnsecadosobjetos.Osobjetossensveismanteriamsuascaractersticas. Somentenoencontroentreobjetoesujeitoteramosumamudananas propriedadesdosobjetos,poisoqueosujeitopercebeprivado.Essa interpretao desenvolvida como uma tese platnica por Crombie, mas, no final, ele no a endossa.34

Prefiropensarqueosobjetosdadoutrinadecretasoobjetosdomundo protagoreanoenessemundoelesnosoentidadesdiscretas.Umaspecto dessaleiturajfoisugerido,masnoargumentado,porNakhnikian:the Theaetetustakesphysicalobjectstobemotions(s. ._c.,).35Nakhinikian entendequeadoutrinadasensaoem152-6platnicaeacreditaqueo criticismoem181-3alcanasomenteoheracliteanismoextremo,i.e.,o heracliteanismosobrevaloreseopinies.Humaalternativaao heracliteanismoemPlato,noentanto,quenoassumeomobilismona natureza dos objetos. Essa alternativa defendida por Owen, Nehamas, Irwin e Fine, que argumentam um tipo de fluxo nomeado compresence of opposites. Oaspectocentraldessaespciedefluxoaco-presenadeaspectos contrrios em typese em tokens. A seo do vento um exemplo desse tipo defluxo.36Oventoemsimesmonofrioouquente.Ovento(universal)

33 BOSTOCK parece perseguir o mesmo ponto em 1988, 47ss. 34CROMBIE,AnExaminationofPlatosDoctrines,vol.II.NewYork,Routledge&KeganPaul, 1963, pp. 12ss 35NAKHINIKIAN,G.,Plato'sTheoryofSensation,ReviewofMetaphysics,9(1955/1956)129-148, p. 134. 36 A interpretao defendida por Irwin em IRWIN, T. Platos Heracliteanism, The Philosophical Quarterly, Vol. 27, No. 106 (1977), 1-13, especialmentep. 02. Em relao a esse problema, h 39figuranoargumentocomoumeventocapazdeserFeno-F.Quando associado a Protgoras, o exemplo do vento ajuda a corroborar a identificao entreaparnciaeconhecimento,masomundoprotagoreanosser completamente descrito na Doutrina Secreta a partir de 152c, o que implica que oexemplodoventoaindaumexemploneutroentre,deumlado,os argumentos platnicos da Repblica sobre a instabilidade do mundo sensvel e, de outro,o mundo mobilista da epistemologia protagoreana. 2.6 O programa da Doutrina Secreta Minharazoparadefenderqueosobjetosdadoutrinasecretasoos objetosdomundoprotagoreanoseamparanofatoqueumainterpretao dessa problemtica deve dar um sentido plausvel conexo entre Protgoras eomobilismosem,porm,sobrecarregarPlatocomumateseimprovvel acerca do mobilismo do mundo sensvel.37 Penso queoprograma dadoutrina secreta oferece elementos suficientes para caracterizar o universo mobilista da epistemologia protagoreana.OHeracliteanismoprovidenciaparaoprotagoreanismoummundosem objetosestveis.OprogramadaDoutrinaSecretatemumprincpiogeralque sustenta essa configurao do mundo:nada algo uno em si mesmo (c . c . ee -. se ee -. .e c .c c-..,152d3).Namesmapassagemoprincpiorecebe algumasqualificaesrestritivas.Nosepodefalarcomoseexistisseum umapassagemnoTeetetoem153d-154bquejfezmuitagenteesquentaracabea.Em Conflicting Appearances Fine contribui bastante para esclarecer essa difcil seo do dilogo (cf.FINE,2003,p.160-83).TenhoaimpressoqueFineofereceumaboarespostaaos problemas descritos por Bostock em seu comentrio da seo dos dados.Ver Bostock, 1988, 45-83, especialmente p. 83. 37IssonosignificaquenosepossaencontrarnoTeetetoumargumentomobilistasobreo mundosensvelquesatisfaaascondiesimpostasporPlato.K.Sayreapresentaboas razes para avaliarmos a hiptese de que a doutrina da sensao do Teeteto retrata uma das verses do conceito platnico de mundo-sensvel. Cf. SAYRE, K., Plato's Late Ontology: a riddle resolved, with a new introduction. Parmenides Publishing, 2005, pp. 206-218.40item-sujeito(-.) ouuma qualidade-predicado(. -.....e . -.).38 McDowell nota queessasrestriespodemserinterpretadasconformeumadistinoentre duasespciesdeasseresquealgumpodefazersobreumtemaousobre umobjeto.39Eleexplicaadiferenadaseguinteforma:(a)dizerdeumobjeto que ele um item especificado responder questo: o que ?. A segunda opo seria: (b) dizer de um objeto que ele qualificado de certo modo dizer comoqueeleseparece.Poderamosargumentarqualdasopes representaoserdeumobjetoemPlato,masoaspectoprincipalaqui(no necessariamenteoexclusivo)nooqueumobjetoouoqueumobjeto qualificadodecertomodosignificaparaPlato,masoquesignificapara Protgorasumobjetoseralgoeterumaqualidade,seissoexplicadosem refernciaaalguma nooobjetiva. Conformeminha leitura,nstemosnesse argumentoomaisimportantemovimentodeumnovomundoepistemolgico construdonoTeeteto:omundoprotagoreano.Oslimitesdessemundosoo espao entre o percipiente e o objeto percebido. nesse limite que umitem-sujeito e uma qualidade-predicado encontraro um modo de expresso.Essemundodesprovidodeitensdiscretosepropriedadesestveisser criticadoem181-3.Platoargumentarem181-3contraamudanagenuna, i.e.,oqueestivechamandodemobilismoextremo.Amaiorpartedos intrpretesestdeacordosobreisso,inclusiveOwen.Masoquedefendo queesseargumentotambmatingeaDoutrinasecreta,namedidaemque essadoutrinadsuporteaProtgoras.Estouassumindoqueointeressede Plato nessa doutrina o mundo epistemolgico que ela configura para que as proposies,quenouniversoprotagoreanoexpressamcontedoscognitivos, sejam, de fato, fundamentadas na verdade da tese segundo a qual o homem amedidadetodasascoisas.Platopensaqueessemundoprecisaser caracterizado sem objetos discretos e sem noes objetivas.

38Cf.152d4[.e e .-.-.cc. -..,. a ,.e . -.....e .-.].Vertambm152d6,157a2.Cf. SEDLEY, 2004, p. 39. 39 MCDOWELL, 1973, p. 122. 41Estou assumindo tambm que objetos discretos uma noo geral que incluipropriedadesematria. Nopenso, todavia, que seja possvel sustentar quenouniversoprotagoreanonohmatria.Mastambmnopossvel dizerqueexistemsubstncias,aomodoaristotlicodaMetafsica,que povoam o mundo. Os objetos no mundo protagoreano no esto l para serem responsveispelasensao,talcomo,numateoriacausaldasensao, poderamosargumentar.40Mesmoqueostatusdeumamatriasem propriedadesfixas,noprotagoreanismo,sejaumtemadifcildeexplicitar,o Teetetopermiteafirmarqueosobjetossomovimentos,semesclarecero que sobra de estvel numa ontologia dos objetos em Protgoras. MinhaanlisemostraqueocriticismodeProtgoraseHerclitotem implicaesmtuas.Aconjunodetesesconfigurouumuniversosem propriedadesestveisesemsujeitosfixos.Noqueseguequeroexploraro aspecto privativo da conscincia individual no mundo protagoreano. 2.7 Privacidade, Estabilidade e Alma. David Sedley argumenta que o protagoreanismo construdo por Plato no Teeteto apresenta uma noo de incorrigibility of our sense-data limited to the incorrigibilityofsense-perception41.Sedley,noentanto,manifestaalgumas dvidassobreaextensodessanoo.ComoProtgorascrqueoconceito de privacidade mental possa conviver com o conceito de um mundo externo? O problemapodesercaracterizadodaseguintemaneira.ADoutrinaSecreta, assumidacomodescriodomundoprotagoreano,sedesenvolvecomouma interao entre rgos sensveis e aspectos provenientes dos objetos. uma relaoentreo queinterno eo que externo. Apassagem seguinte mostra isso:

40 Cf. H. P. GRICE & ALAN R. WHITE, The Causal Theory of Perception, Proceedings of the Aristotelian Society, Supp. Vol. 35 (1961), pp. 121-168. 41 SEDLEY, 2004, p. 42.42Sigamos o que dissemos h pouco e estabeleamos que nada algo uno em si mesmo. Nessa linha, entenderemos que o preto, o branco e qualquer outra corserogeradasdacolisodosolhoscomomovimentoapropriado.Oque dizemos ser determinada cor no ser, nem o objeto que colide, nem o que sofre a coliso, mas algo peculiar que se forma entre eles. 42 Nessapassagemsorejeitadasduashiptesesparaostatusontolgico da cor: no algo que se identifica com o objeto e nem algo que se identifica comopercipiente,masalgointermedirio.Notemosnenhumaexplicao maisprecisasobreanaturezadissoqueseformaentreoolhoeoobjeto.O queseafirmaemtodooargumentosobreProtgorasqueoconhecimento segueessa lgica. O que cognoscvelno uma propriedade dos objetos e nemumapropriedadedaalmaoudosrgossensveisdosujeito.algo intermedirio.importantssimonotaraqueoexemplodacornouma analogia para explicar o relativismo perceptual, mas uma instncia do princpio mobilista que, no trecho acima, claramente universal: nada algo uno em si mesmo.Agora,sePlatoestivessepropondoparaProtgorasumatesesobrea privacidadesubjetivadoconhecimento,esseprocessoteriaquesedarno mbitomental.Defato,algumaspassagensdepois,em156ss,Scrates mencionafenmenosassociadosadelusions(alucinaes),umconceito conectadonoodeprivacidademental(mentalprivacy).Parece,portanto, queafronteiraentreomentaleono-mentalnoexamedeProtgorasno muito clara.Ainterpretaocorreta,comoobservaSedley,queoconceitode privacidadementalinsuficienteparaexplicaroprotagoreanismo.Otipode incorrigibilidade que Plato est argumentando para Protgoras no se explica pela noo de algo privativo que se constitui na mente do sujeito, uma espcie

42 153e4-9: [E-a ce -ae -. \.ya , _c . ee -.seee -.c . . . -.c .-c, se.c .. .e -a c \e. -c se.\ces. . se.. -..e . e \\. _a e c s -_, -.c3.\_, -a. . e -a. -. , -_ . -.c_ s.ece. .e . e.c.-e. ycyc._c ..., se.._c sec-.. c..e. ec. _ae .e -c -.-.c3e \\.. .e -c -.-.c3e\\. c... c c-e., e \\ec-e_e-. c se c-a. ... ycy... ,] 43deconscinciaunificadoradetodasasexperinciassensveis.O protagoreanismonoumaepistemologiabaseadanateseque,senoh qualqueritemobjetivonomundo,anicafontedecognioseriaaprpria conscincia individual.Nahiptesedeessainspeoprivadaserealizarexclusivamenteem minha mentee coincidir com anoo de verdade proposta pelaepistemologia protagoreana,porquenopossosustentarqueProtgorasest,defato, propondoumaepistemologiasubjetivistanessesentido?Oproblemaque umaepistemologiasubjetivistanosentidodeumaprivacidadecognitivano mbito mental compatvel com a estabilidade dos objetos e, inclusive, trata-se deumaspectodenossavidacomum,independentementedeaceitarmosa epistemologiaprotagoreanaouaplatnica.Nsprovavelmentenoseramos ossereshumanosquesomossenopudssemosdispordesseconceitode privacidade mental. improvvel que Plato no concorde com isso.Vejamosporqueoargumentodoprotagoreanismonocoincidecomo conceitodeprivacidademental.Em157e-158aScratesacrescentamais exemplosparaexplorarasconseqnciasdateseprotagoreana.Dopontode vistadosensocomum,essesexemplosmostramqueexistemfalsas percepes (cec. , e. c_ cc.,, 158a1). Scrates argumenta que as pessoas, de ummodogeral,consideramquecasosdedoenas,loucuraououtrasformas deperturbaopsquica,assimcomofalsasopiniessobreobemeobelo (cf.157d),revelamapossibilidadedejulgamentosequivocadossobreoque existe l fora,no mundo. Assim, temosqueconfrontar esse fato, trivial, com a negaodessapossibilidadepelateoriaprotagoreana.Scratesseapiano fatodequeseaspessoasacreditamquehfalsaspercepes,pode-se argumentarquehumpontodevistaverdadeiroeumpontodevistafalso sobreascoisas.Protgorasprecisarefutarisso.Paraexplicaressa inconsistnciaentreoqueosensocomumpercebeeoargumentode Protgoras, Scratesdesenvolve um argumento sobre a condio do sujeito e do objeto na percepo (158e-c). Nessa passagem Scrates argumenta que o sujeitonomantmamesmacondioduranteapercepo.Acada percepohumamudananoestadomentaldosujeito,mudanaestaque 44acompanhaomobilismoinerenteaosobjetos.Nofinaldesseargumentoele conclui com a seguinte afirmao:Dessemodo,minhapercepoverdadeiraparamim(e \__ , e e c .._c _e. c_c.,)porquesempredomeuser(-_ , ye c _ , . ec. e, e c. c c-..)e, como Protgoras disse, cabe a mim decidir, das coisas que so, que elas so, e das coisas que no so, que elas no so. (160a7-9) Ovnculocomafrasede152cnopoderiasermaisclaro:percepo, portanto,sempredoqueeinfalvel,sendotalcomooconhecimento (e. c-_c., e e -.e. .-., e c.c c-.. se.e cec , a , c -.c-_ _ .ece, 152c5-6). Temos aquiumanoodeprivacidadeeminentementeprotagoreana paraateoriada percepo.Oconceitodeousia,mencionadoaqui,deixadeseruma nominalizaoparapropriedadesouestadosdecoisasexistentes objetivamente para se tornar, na epistemologia de Protgoras,uma referncia privacidade da cognio. Mas no uma subjetividade de tipo cartesiana. O mundoprotagororeanoadmiteumanoodeousia,pormlhedumaforma deapreensodistintadaplatnica.OconceitodeousiaemProtgoras expressa a perspectiva cognitiva de um sujeito que nunca erra porque tanto ele quanto os objetos esto sob efeito do mobilismo. No se trata da tese de que a estrutura mental privada do sujeito garante o acesso verdade, mas do fato de quenemnosujeitoenemnomundohestabilidade.Oconceitode infalibilidadedapercepo,portanto,umconceitodeincorrigibilidadetotale irrestrita amparado em certa configurao mobilista do mundo.Essaconcluso,noentanto,oestgiofinaldeumlongoargumento.O princpiodoargumentoestem153e4-5:nadaalgounoemsimesmo (_c . ee -.seee -.c .). Na sequncia dessa afirmao o princpio expresso pelafrmulaarquetpica(cf.e __ c ,156a3)segundoaqualouniverso movimentoenadamais(-.-e . s. ._c., _. se.e \\. -ee-.e -. .e c .,156a4). Emteoriascomplexas(nosentidocartesianodecompostas)comum identificarmos princpios e aspectos derivados. Os princpios possuem a funo dedarsuporteteoriacomoumtodo.Isoladamenteelesnoindicammuita coisa, mas no arranjo proposto no texto eles do coerncia teoria. No tpico 45seguinteexplicocomoleioarelaoentreosprincpiosdateoriaeas conseqncias derivadas. 2.8 A teoria de Protgoras e os objetos estveis TodaaanlisequeoTeetetofazdodeProtgorastemnomobilismoo princpiobsico.Deoutrolado,ateoriaapresentacertasafirmaesque qualificamoprincpio.Umadelasaexclusodoverboeinai.Em157a-b8 Scratesargumentaquepalavrascomoalgo,algum,isto,aquelee meu(umalistaqueconsiderorepresentativa,noexaustiva)precisamser excludasdaepistemologiaprotagoreana.Essaqualificaoumaclara afirmaodequeascoisasnopersistthroughtime,comoafirma McDowell.43 De acordo com McDowell isso significa uma negao da referncia nomundo,poispalavrascomoistoouaquilosemprepegam(pick-up) entidadescomalgumaestabilidade(cf.Crtilo439d8-11,Timeu49d4-e4). McDowellaproximaaexclusodoverbosercomaimpossibilidadede referncia por meio da linguagem, i.e., a impossibilidade de ser referir a algo. Oquesobra,noentanto,paraapercepo, notaMcDowell,noclaro.Sem nadaquesigaoscritriosdeumisto,algoouaquilo,noh absolutamentenenhumacoisaindividualensnopodemosdescrevernada que esteja acontecendo na percepo.Segundo McDowell, para descrevermos algo na percepo precisamos de umconceitoqueesteve,propositadamente,ausentedadiscussoataqui:a mente. A ausncia do conceito no significa que Plato esteja sugerindo que a medida protagoreana um critrio usado por um homem sem mente. O que Platoquermostrarqueoconceitodementeoualma,fundamentalna percepo, no teve nenhum papel ativo na teoria at aqui. fcilverarazodisso.Seaceitarmosqualqueragnciadaalma,na linhadoqueargumentadoem184b8-d6,precisamosadmitiralgumacoisa estvel,poismenteoualmasignifica,noTeeteto,pensarsobreouobter

43 Cf. MCDOWEll, 1973, 141.46algopormeiode.Pretendoesclarecerissomaisadiante.Nessemomento, suficientedizerqueaalmasurgenoargumentodoTeetetoquandoScrates comea a elaborar a tese de que a sensao um jogo cego de fluxos e que, para ser efetivamente um processo sensrio, precisa admitir um agenciamento externo ao fluxo. Esse agenciamento ser atribudo, notadamente, alma.Houtroaspectorelevantequedecorredaintroduodoconceitode alma.Seadmitirmosqueaalmatemalgumpapelnasensao,temosque admitiroconceitodealgoquepenetranaalma.Trata-sedoconceitodeum objetoexternoquecausaapercepopormeiodosrgos.Osmovimentos dosrgosadentramaalmaeatingemaconscinciadosujeito.Massealgo causaminhapercepo,souobrigadoaadmitirqueexisteumaentidadeque possuipersistncianocampoexteriorpercepo.bastanteclaroque Protgorasnopodeadmitirissosemadmitirtambmoacolhimento,emsua epistemologia,doaspectoestvelqueoverboserdescreveedasentidades fixas que as palavras costumam exprimir.Ostatusdosobjetosnoprotagoreanismo,porm,continuasendoum problemanainterpretao.Crombie44notaqueaconcepodecoisas (things) na soutrina secreta, embora seja consistente com uma teoria causal da percepo,inconsistentecomotexto.Elediscuteaopometafricade interpretao, uma linha que interpreta toda a descrio de 151-6 como retrato analgicodoqueocorrenasensao.Crombieabandonaessainterpretao porqueconsideraqueacrticade181-3assumeque151-6umadoutrina descritivaenometafrica,oqueimplicaqueoargumentode181-3atinge 151-6.AposiofinaldeCrombienaanliseumtantoevasiva:eledefende que Plato deseja, na Doutrina Secreta, obter uma teoria causal da percepo, masPlatonoestbemesclarecidosobrecomofaz-lo,especialmente porquenodecidiuoqueumacoisaoqueumsense-datum.Todasas dificuldades discutidas por Crombie, num dos mais lcidos tratamentos do tema naliteratura,poderiamserminimizadasseCrombieaceitassequeso

44 CROMBIE, 1963, pp. 18-19. 47problemasparaProtgorasenoparaPlato.Protgorasnopodeaceitar umateoriacausal,portanto,eleprecisaexplicaranaturezadosobjetosque so definidos como movimento.Gostariadefinalizaraanlisedaepistemologiaprotagoreanaretomando opontodainfalibilidade.Platodescreveessaepistemologiacomoafirmao das teses professadas no ncleo duro da doutrina, em 151-6. A doutrina no umadoutrinadasensaocompatvelcomprocessoscognitivosquesedo nummeiopblico,i.e.,nummeioondehumaesferapblicadepercepo deobjetos.Seriapossvel,paraPlato,argumentarumadoutrinada percepocomofenmenoprivadoe,semnenhumproblemade inconsistncia,argumentarqueaexistnciadeumsense-datum,queno perceptvelamaisningum,noimplicaquetodososaspectosdasensao sejam privados nesse sentido. Russell desenvolve essa compatibilidade de um modoquepareceretrataroconceitodesensaotalcomoPlatoo descreveria:The core of the sort of occurrence which is usually called a perception of anexternalobjectisaneventhavingtwocharacteristics:(I)Itiscausally connectedwithatrainofpreviouseventshaving,sotospeak,acentreina certainregionofphysicalspace;(2)itcanbeknownbyaperson,i.e.ithas relationsofthekindimpliedwhenonesaysthatitisexperienced.Thesetwo characteristicsarenotnecessarilyconnected.Eventshavingthefirst characteristicconstitutethephysicalworld;eventshavingthesecondconstitute thementalworld.Thuswhatconstitutestheoccurrencecalledanexternal perceptionisbothmentalandphysical;butsuchoccurrencesdonotconstitute the whole of the physical world, nor yet the whole of the mental world45 NomesmoartigoRussellcitaoexemplodotringuloedopontonegro, dois objetos facilmente identificados pela percepo. Quando digo eu vejo um pontopretooueuvejoumtringulo,estouretratandoexperinciasdistintas

45 RUSSELL, B.Perception, Journal of Philosophical Studies, Vol. 1, No. 1 (Jan., 1926), pp. 78-86, aqui p. 86.48deexperincia h um pontopretoe h um tringulo. Nesta ltima frase, de acordo com Russell, a ocorrncia da percepo, como tal, no explica o fato de eu estar percebendo que existe um tringulo. Na frase h um tringulo o que serefereaoverboh(thereis)pressupeumespaoeoqueserefere palavratringulopressupeumobjetopblicocujaexistnciaatestadapor nossamemria.Essaanliseanegaodouniversoprotagoreanodo Teeteto.EmboraoataquerussellianoaoconceitodeexistnciaemPlato sejabemconhecido,opontodeRussellnesteartigode1926,noJPS,no mencionaoconflitocomPlato,apesardeRussellconhecerbematesede 184-6.46O que temos aqui uma afirmao sobre o equvoco de uma teoria da percepo que no descreve a sensao como umevento complexo no qual o quefsicoeoquementalsecruzamparaformarasensao.Esse cruzamentonointerfere,todavia,nadistinoformalentreoquefsicoeo quemental.Assim,pode-sedefenderqueoqueestritamenteprivadona

46Comoatestaoseguintetrechodoartigo:Cognitionisofvarioussorts.Take,asimportant kinds,perception,memory,conception,andbeliefsinvolvingconcepts.Perceptionisthe ordinary awareness of sensible objects: seeing a table, hearing a piano, and so on. Memory is awarenessofapastoccurrence,whenthisawarenessisdirect,notinferredorderivedfrom testimony.Conceptionismoredifficulttocharacterize.Onemaysay,asawayofpointingout what is intended, that we conceive whenever we understand the meaning of an abstract word, orthinkofthatwhichisinfactthemeaningoftheword.Ifyouseeawhitepatchofsnow,or recall it bymeans of images, you do not have a concept; but if you think about whiteness, you haveaconcept.Similarlyif,afterseeinganumberofcoins,youthinkaboutroundnessasa common characteristic of all of them, you have a concept. The object of your thought, in such a case,isauniversaloraPlatonicidea.Everysentencemustcontainatleastoneword expressingaconcept,andthereforeeverybeliefthatcanbeexpressedinwordscontains concepts(Russell,B,Perception,JournalofPhilosophicalStudies1,vol.1(jan1926),p.78-86, aqui p. 79. ). O que Russell chamathe object of thought, em casos como redondez, tem algumasimilaridadecomoargumentodePlatonoTeeteto184-6.Anoorussellianadecommoncharacteristic,noexemplodamoeda,porexemplo,umareminiscnciadanoo platnicadekoin.DigoreminiscnciaporqueemHistoryofWesternPhilosophy(London: GeorgeAllen&UnwinLTD,1957,p.174ff.)RussellcomentaoTeeteto184-6eaceitaparte (nocasodosnmeros)davisoplatnicasobreoskoin.Elecritica,obviamente,areduo que o argumento prope da capacidade da percepo no conhecimento. 49percepoapercepodeaspectosdosobjetosquenenhumoutrosujeito podeperceber,masessapercepoprecisadacontrapartefsica,fornecida porummundocompostodeobjetosestveis.necessrioqueexistalfora um mundo mais ou menos estruturado que cause a percepo.SabemosqueRusselldefendeuqueoconhecimentodessemundo exteriortarefadafsica.Plato,noTeeteto,descreveesseconhecimento comoumdeslocamentodopontodevistaprotagoreanoemdireo compreenso dopapel daalmanapercepo, o qual estabelece um pontode litgiocomRussell.ParaPlatoadistinoentrepercepoerazouma distinoentreeventosquesoexclusivamentefsicoseeventosqueso exclusivamentementais,tantonointeriordapercepo,comforte predominnciadarazo,comonareflexopropriamentedita.JRussell prefere dizer que a percepo uma experincia onde o mental e o fsico no podem ser distinguidos.ParaProtgoras,noentanto,nemadescriorussellianada complementaridadedasesferasfsicaemental,nemadescrioplatnicada necessidadedeumagenciamentodaalmanapercepo,retratamaspectos necessriosaoconhecimento.Oquenecessrioqueaaparnciaseja efetivamenteumaapreensoinfalveldomundo.Sealgonessemundofor pblico,qualquersujeitopodeperceber.Porisso,paraPlato,asimples relatividadedascrenasdossujeitosnogaranteaquiloqueo protagoreanismo diz que necessrio: a identidade entre aparncia, percepo e ser. Emsntese,aanlisequePlatofazdaepistemologiaprotagoreana mostraquehumaplausibilidadenatesedequepercepoconhecimento se,esomentese,definirmosoconhecimentodeummodoqueexcluao significadoordinriodapalavraousia.Paraessemovimentodeinterpretao fazersentido,porm,necessriogarantirduascondies:(i)averdade precisaserdefinidacomoaconscinciaperceptivadapessoanumadada situao; (ii) no podem existir objetos estveis. Os objetos so movimento. O conceitode ousiaem Protgoras temas caractersticas identificadas por M. Frede em sua anlise do Teeteto:50Itseemsto methatinthecontextofthediscussionintheTheaetetusto become might meanssomethinglike this:to temporarilytakeon,ordisplay,or be made to display the outward character or marks of an F, to come to give or to givetheappearanceofanF.Inthiswaysthecontrastbetweenbeingand becoming would be the contrast between what is a real F and what just takes on or displays the superficial marks of an F, without being one.47 Por que, em vez de dizer h um F que de tal e tal tipo ou algo F ou ns somos F, devo dizer que h um F que de tal e tal tipo somente no meucampoperceptivo?Porquesemessadoutrinanohinfalibilidadeda percepo no mundo protagoreano. A idia de que h um F que apenas exibe temporariamenteocarterdeFinusitadaeanti-platnica.Frededefende aqui que no uma meno tese de que instncias e universais podem ser F e ser no-F. O argumento de Plato no segue essa linha, familiar ao Fdon e Repblica.Pode-sedizerqueoargumentosegueumalinhadiferente.A epistemologiaprotagoreanatemascaractersticasdeumaepistemologia conseqente. Ela tem uma noo de ousia apreendida pela sensao. CAPTULO III RAZO E SENSAO EM 184-6 3.1 O argumento de 184-6 Em184-648Platotemdoispropsitos.Primeiro,eleargumentaqueh uma relao entre o corpo e a percepo. Depois, ele argumenta que, do ponto

47 FREDE, 1988, p. 43.48ApassagemtemimportantescontribuiesemHOLLAND,A.J.AnArgumentinPlato's Theaetetus: 184-6, The Philosophical Quarterly, Vol. 23, No. 91. (1973), p. 97-116; COOPER, J. M., Plato on Sense-Perception and Knowledge (Theaetetus 184-6), Phronesis, 15 (1970), 123-146, reimpresso in IRWIN, T., (ed.), Platos Metaphysics and Epistemology, New York & London, GarlandPublishing,1995;FREDE,M.,ObservationsonperceptioninPlatosLaterDialogues, 51devistadadefiniodeconhecimento,aperceponocognitiva.Em relaoaoprimeiroponto,Scratesdesenvolveem184-185umargumento que visa obtera tesedeque o corpoe os sentidos so uma espcie de canal paraapercepo.Platodefendeaatesedequeamenteeocorpo cooperam na percepo, mas seu ponto favorito destacar que, na percepo, amentequefazotrabalhofundamental.Amentetrabalhasobreosdados fornecidos pelos sentidos.Platotambmdefendenoargumentoumcontrasteentreessetrabalho cooperativo entre mente e corpo e um trabalho exclusivo que se d no inteiro domnio da alma. Ele parece argumentar que a natureza da alma examinar o contedodapercepoouocontedodequalqueroutroitemno-sensvel. nesse trabalho que Plato identifica a importncia da apreenso da ousia como um termo-dispositivo para qualquer estrutura de pensamento que exibe a forma x F.Noentanto,humasituaocuriosadefendidaporcertosintrpretes. Acredita-se que Plato est sendo ambguo em relao a um dos termos que estnocentrodesseargumento,otermoaisthesis.Asituaocuriosa porque o objetivo declarado de 184-6 no dilogo promover a desambiguao deaisthesis,suareduoaumsentidolimitadodeconscincia,emcontraste com o sentido epistemolgico que foi dado ao termo na parte construtiva (151-160) do argumento sobre Protgoras. Como Plato pode estar confuso sobre o significado de um termo que ele deseja esclarecer? PensoquesePlatoestexpressandoumargumentocomouma conclusoseguidadepremissasverdadeirasenoapenasumaob