ratzel, f. o solo, a sociedade e o estado

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  • 5/14/2018 RATZEL, F. O Solo, A Sociedade e o Estado

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    SOLO, A SOCIEDADE E 0 ESTADO (*)Nota do>Tradutor (**)

    Friedrich Ratzel (l844-1904) e , sem dii-vida urn dos mais destacados representantesda escola classica alema de geografia; suaobra, que trata de problemas que se associamaos de outras ciencias naturals e sociais, seconstitui numa das contribuicoes mais im-portantes para 0 desenvolvimento da geogra-fia moderna, em sua concepcao ambienta-lista.

    Recentemente, no pais, sobretudo em tex-tos de divulga~ao, multiplicaram-se as refe-rencias a autores classicos da geografia, entreos quais Ratzel, algumas vezes citados a partirde pontos de vista equivocados, em varioscasos por desconhecimento de suas obras,

    Isso se deve em muito, DO caso de Ratzel,a que a grande maioria d e seus escritosse encontra apenas em Idiorna alemao; foramcditadas algumas poucas tradu~Ocs de seusIivros e artigos em italiano, ingies e frances,todas atualmente esgotadas e de dif1cil acesso ,

    A traducao que ora se publica pretendeser uma contribuicao para que se conhecae possa avaliar devidamente em nosso meioo que Ratzelrealmente disse. Foi elaboradano comprimento de urn programa de pOs-gradu~o sob a orient~ do Prof. ManoelSeabra, a partir do texto em f r a n c e s publi-cado em L'Annee Sociologique, no qual n a oconsta referencia ao tradutor, Optou-se poruma traducao esttitamente literal, sem preo-cupa~ com elegancia de estilo, que, nacircunstAncia, poderia ser arriscada e peri-trastica. Isso posto, sua divulg~o nos ~a-rece oportuna. (Mario Antonio Eufrisio).

    Friedrich Ratzel

    I - 0 SOLO E A SOCIEDADEComo 0 Estado nao e concebivel sem territo-

    rio e sem fronteiras, constituiu-se bastante rapida-mente uma geografia polftica, e ainda que nas cien-cias politicas em geral se tenha perdido de vistacom freqiiencia a importancia do fatal' espacial, dasituacao, etc. , considera-se entretanto como forade dtivida que 0Estado nao pode existir sem urnsolo. Abstrai-lo numa teoria do Estado e uma ten-.tativa va que nunca pode ter exito senao de modopassageiro. Pelo contra rio. tern havido muitas teo-rias da sociedade que permaneceram completamentealheia a quaisquer consideracoes -geograficas. estastern. mesmo tao pouco lugar na sociologia modemaque c inteiramente excepcional se encontrar umaobra em que elas desempenham algum papel.. Amaior parte dos sociologos estuda 0 homem co-mo se ele se tivesse formado no ar, sem Iacos coma terra _ 0 erro dessa concepcao salta aos olhos, everdade, no que concerne as formas inferiores dasociedade, porque sua extrema simplicidade fazcom que sejam semelhantes as formas mais elemen-tares do Estado. Mas entao, se os tipos rnais simplesde Estado sao irrepresentaveis sem urn solo quelhes pertenca, assim tambem deve ser com os tiposmais simples de sociedade; a conclusao se imp6e.

    (.) _" Traduzido de "Le Sol, la Societe et l'aat"- L'Annee Sociologique (1898-1899) 3e: 1-14, Paris.C) _ Tradutor: Mario Antonio Enfnlsio. 0 tra-dutor, na epoca da elaboracao deste trabalho, era alunodo Deptv de Geografia da -FFLCH da USP, no curse deP6s-Gradua~o" a nfvel de Mestrado.Trabalho entregne para publica~o em 18/08/82.

    IIlst6'/~ do Pt1hS~lIftlhtO (joOIJ,tilieoAlce~ I (J,6p/~s

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    Num e noutro caso , a dependenc ia em relacao aosolo e u rn efeito de causas de todo g en ero qu e li-gam 0 homem a terra. Sem diivida, 0 papel do so -lo aparece com mais evidencia na hist6ria do s Es-tado s que na historia das sociedades, e isso seriad ev id o ao s espac os mais c o nsid era ve is d e que 0 Es-tado tern necessidade. A s leis da ev oluc ao geogra-fica sao m enos faceis de se perceber no desenvo l-vim ento da fam ilia e da so ciedade que no desenvo l-vim ento do Estado ; e 0 sao justamente porque aque-las estao m ais pro fundam ente enraizadas ao so lo em udam meno s fac ilm ente do que este. l! mesmo.um do s fates mais consideraveis da hist6ria a fo r~acom a qual a so ciedade perm anece fixada ao solo ,m esmo q uan do 0 Estado dele se destaco u. Q uandoo Estado ro mano m orre, 0 povo rom ano the sobre-vive sob a fo rm a de grupo s so ciais de todo tipo ee pelo in term ed io d esses g ru po s q ue se tran sm itirama po sterid ad e u rn a mu ltiplic id ad e d e p ro pried ad esque 0po vo hav ia adquirido no Estado e pelo Estado .

    A ssim , q uer seja 0 homem c o nsid cra do iso la da - .m ente o u em grupo (fam ilia, tribo ou Estado) , po r .to da parte em que se observar sc encontrara al-gum pedaco de terra que pertence o u a su a pesso aou ao grupo de que ele faz parte. No que dizrespeito ao E stado , a geo grafia po lftica apo s lo ngotempo se habituou a levar em consideracao a di-m ensae do territo rio ao lado da cifra da p opu la ca o .M esmo os grupo s, como a tribo , a fam ilia, a comu-na, que nao sao unidadcs po litic as auteno mas, s6-m ente sao possfveis so bre urn solo, e seu desenvol-v im ento nao pode ser compreendido senao comrespeito a esse so lo ; assim c om o 0 pro gresso do Es-tado e ininteligfvel se nao estiver relac io nado co mo progresso do dominic po litico . Em todo s essescaso s, estam os na presenca de o rganism os que en-tram em intercam bio m ais o u m eno s duravel co ni. aterra, no curso do qual se tro ea entre eles e a terrato do genero de a~es e de reacoes, E quem venhaa supo r que, num . povo em vias de cresc imento ,a impo rtanc ia do so lo nao seja tao ev idente, queobserve esse povo no momenta dadecadenc ia e dadiso lucao l Nao se pode en tender nada a respei-

    to do que entao o co rre se nao fo r considerado 0so lo . U rn povo regride quando perde territ6rio .EIe pede contar com menos cidadaos e conservarain da m uito so lidam en te 0 territ6rio onde se en-co ntram as fo ntes de sua v ida. M as se seu territo-rio se rc duz, e , de um a m aneira geral, 0 comeco dofim.

    II HABITAQAO E ALIMEN-TA~AO

    So b v ariaco es div ersas, a relacao da so ciedadecom 0 so lo perm anec e sem pre condicionada, po rurna dupla necessidade: a da habitacao e a da ali-mentacao . A necessidade que tern po r objeto ahabitacao e de tal modo simples que dc la resultou,entre 0 homem e 0 so lo , um a relacao que penna-nec eu quase invariavel no tempo . As habitacoesm odernas sao , na m aio r parte, m eno s efemeras queas do s po vo s prim itivo s; m as 0 habitante das gran -d es c id ad es fa z para S I com pedras talhadas urnabrigo artific ial que nem sempre e ta o espacosoquanta as cavernas da idade da pcdra; da mesmafo rm a, m uitas das aldeias negras e polinesias sa oc om po stas de chocas mais confortaveis qu e muitasald eias eu ro peias. Em no ssas c apitais,o s represen -tantes da m ais alta c iv ilizacao que ja ex is tiu d is-poem , para suas habitacoes, de menos Iugar queo s habitantes m iseraveis de urn kraal hotentote.As habitacoes entre as quais ha m ais diferenca sao ,de um Iado , aquelas do s pasto res nomades, com ae xtrema mob ilid ad e necessaria a s migracoes con -tinuas da vida pasto ril, e, de o utro , o s apartam en-to s am onto ado s no s eno rmes ediffcios de no ssasgrandes c idades. E todavia, o s proprios nomadesestao ligado s ao so lo , ainda que o s Iaco s que o sligam 'a ele sejam mais fraco s que aqueles da so -c iedade de v ida sedentaria. Eles tern necessidadede m ais espaco para se m over, m as vo ltam perio di-cam ente a o cupar o s m esrno s lo cais. Po rtanto , nEoexiste apo io para se o po r o s nomades a to do s o soutro s po vo s sedentario s to rnado s em blo co , pc laUnica razao de que apo s uma estada de alguns me-

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    sesllutn'lQcaI,onolnade Ievanta sua tenda e a trans-porta, rio 'dorso' de sen camelo, para algum O U -h-oillgar,de -pastagem , Essa diferenca nada tern'de iessencial; naotem, mesmo.. a importancia da-quela resultante de sua grande' mobilidade, de suanecessidade de espaco, consequencia da vida pas-to ril. .

    Rep resen to u- se ig ua lm en te os nomades COmocompletamente desprovidos de qualquer organiza-yao politica no sentido da antiga maxima Sacaenomades' sunt, civitatem non habent . (1) Indagou--se se eles valorizam 0 solo que ocuparn e, conse-quentemente, se eIes 0 delimitam. Mas hoje, talfato eIndubitavel: 0 territorio da Mong6lia e tao rd elim itado e dividido quanto 0 da Arabia. MOn-tanhas,riquezas, cursos d'agua e mesmo montesde pedra artificialmente edificados representam as.fronteiras das tribos, e ate mesmo as menores di-vis6es apresentam Iimites. E quanto a capacidadedesses mesmos povos em .criar Estados, pode-se verquanto eia e grande pela historia das sociedadessedentarias que se encontram rodeadas por tribosnomades: quando os E stad os d as primeiras decaem,sao justamente os nomades vizinhos que introdu-zero uma nova vida da qual resultam novos Esta-dos.

    De resto, nao e entre os pastores nomades quea liga~ao com 0 solo esta em seu minimo; comefeito e1es retornam sernpre as mesmas pastagens.Ela e muito mais fraca entre os agricultores daAfrica tropical e das Americas que, a cada doisanos aproximadamente, deixam seus campos de mi-lho ou mandioca para a eles nunca maais retomar.E elae menor ainda entre aqueles que, por medodos povos queameacam sua existencia, nao ousamse Iigar muito fortemente a terra. Entretanto, umaclassificacao superficial nao inclui tais sociedadesentre os nomades. Se se classificar os povos segun-do a forca com que aderem ao solo, e preciso colo-car decididamente no nivel mais baixo os pequenospovos cacadores da Africa central e da Asia dosudoeste, assim como aqueles grupos que se encon-

    ttam ierranfes emjoda especie de sociedade, sem.quetllll solo ideterminado lhes seja destinado em.particular (por- exemplo, osboemios da Europa. osPetths do [opao). Os AustraIianos, os habitantes daTerra do Fogo, os esquimos que para suas caca-das, para suas coletas de rafzes, procuram semprecertas localidades 0 que delimitam seus territoriesde caca, estao a urn nivel mais eleva do . Mais ad-rna, se encontram os agricultores nomades dos pai-ses tropicais: depois, as povos pastores que, liasdiferentes regioes da Asia, ha seculos se mantemsobre 0 mesmo solo. E e somente entao que vernos agricultores sedentarios, estabelecidos em aldeiasfixas, e os povos civilizados, igualmente sedenta-rios, dos quais a cidade e como que 0 simbolo.

    A alimentacaoe a necessidade mais prementepara os particulares como para a coletividade; tam-bem as necessidades que ela imp6e aos individuoscomo aosgrupos sobrepuja todas as outras. Ouero homembusque seus alimentos atraves da caca, dapesca, dos frutos da terra, e scmpre da naturezada alimentacao que dependem 0 lugar da habitacaoe a extensao do terreno que produz os alimentos.o tempo de permanencia dos estabelecimentos emurn mesmo local varia igualmente segundo as Ion-tes da alimentacao fluam de uma maneira duravelou se esgotem ao fim de certo tempo. A caca em-prega os homens de preferencia, enquanto que acoleta de fruto e muito mais ocupacao dasmu-lheres e criancas. Ouanto mais a caca e a pesca saoprodutivas, mais h

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    se explicar esse fato, nsoe necessario f i e reco rrer .juntos, limitados no mais estreito e sp ac o , u nid os aa teoria :daHurgeriCia" de que fala Lacombo .vse- mesma cunhade terra. Os habitantes da aldeia,gundo a : qual aeinstituicoesmais priniitivas 0mais da cidadeestaoainda, pela mesma razao, Iortemen-fundamentais seriam aqueles que respondem a s ne- te ligados uns aos outros. Mesmo quando estescessidades mais urgentes. 6ltimos tiposde sociedade tomam formas politicas,

    elas conservam ainda alguma coisa de familial namaneira pela qual estao constituidas e nao vemosainda 0 Estado aparecer porque ele se confunde coma familia. 0 carater domestico da associacao re-cohre 0 seu carater politico. E somente quando afamilia esta fragmentada que os acordos sociais, ne-cessarios a defesa, se distinguem dos outros; e ve-mas entao aparecer 0 Estado quando forcas toma-das .desses diversos grupos familiares sao associa-.das no objetivo especial de defender 0 solo. A ideiade que 0 solo tern aIguma coisa de sagrado, porqueos ancestrais estao nele en terrados , contribui paraesse resultado; porque a ligacfio ao solo, que econsequencia dessa ideia, cria entre as sociedades,distintas e separadas, uma comunidade de interesseque e um eneaminhamento para a formacao do Es-tado.

    necessidade que 0 Estado tira suas melhores for-cas, A larefa do Estado, no que concerne ao solo,permanece sempre a mesma em principio: 0 Esta-do protege 0 territ6rio contra os ataques externosque tendem a diminui-lo. No mais alto grau daevolucao polftica, a defesa das fronteiras nao e atinica a servir nesse objetivo; 0 comercio, 0 descn-volvimento de todos os recursos que contem 0 solo,numa palavra, tudo aquilo que pode aumentar 0poder do Estado a isso concorre igualmente. A de- .fesa do tcrrit6rio (pays) e 0 fim ultimo que se per-segue por todos esses meios. Essa mesma necessida-de de .defesa e tambem 0 resultado do mais notaveldesenvolvimento que apresenta a historia das rela-~6es do Estado com 0 solo; quero me referir ao Do ponto de vista economico tanto quanto docrescirnento territorial do Estado. 0 comercio pa- ponto de vista politico, a relacao mais simples quecffico pode preparar esse crescimento, porque ele uma sociedade pode manter com 0 solo e aqueJatende finalmente a fortaleeer 0 Estado e a fazer que se observa no case da familia monogamica: en-recuar os Estados vizinhos. Quer consideremos uma tendo por isso 0 grupo forma do por urn casal esociedade grande ou pequena, antes de tudo, ela seus descendentes que, a partir de uma choca co-busea manter integralmente 0 solo sobre 0 qual vi- mum, se irradiam sobre urn espaco limitado queve e do qual vive. Logo que venha a se assegurar . explorarn para a caca ou a pesea, tendo em vistaespeciaImente dessa tarefa, imediatamente ela se dele extrair sua alimentacao . Se a familia crescetransforma em Estado. por multiplicacao natural, entao se v e tambem

    crescer 0 solo que lhe e necessario para poder vi-ver. No caso mais simples, esse crescimento se fazsem solucoes de continuidade, ou seja, 0 dominioutilizado se estende em torno da casa familiar.Vindo a aumentar, a familia monogamica pode vira ser a familia composta ou 0 cla que, como naAmerica do Norte e na Oceania, inteira, permanecemorando sob urn mesmo tero, na "casa do cla".

    Quando se utiliza 0 solo apenas de urna rna-neira passageira, a fixa~o a ele se da apenas deumarnaneira tambem passageira. Quanto mais asnecessidades da habitacao e da alimentacao ligamestreitamente a sociedade a terra, tanto mais e pre-mente a necessidade de nela se manter. s .dessa

    E preciso observar as formas mais simples dassociedades para hem compreender essa relacao , Sese examina de perto a relacfio da sociedade com 0solo. e essa necessidade de proteger 0 solo que e arazao de ser do Estado, se nota que, de todos osagrupamentos socials, aquele que apresenta a maisforte coesao e a casa cujos rnembros moram todos

    III - o SOLO E A FAMiLIA

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    Na.tutalmerite~s6 pode Set a ssim onde.o soloe par-t ieu la rmen te -p rcdu ti vovcomo perto do s rios bflS-bm-!episcososdaAfilerica do Norte, ou ainda nasregiges onde a agricultura alcancou urn grau bas-tante alto de desenvolvimento .-Esse tipo de familiaou do cIa faz, entao, as vezes de Estado. Masquando 0 grupo familiar se divide a fim de assegu-rar aos recem-chegados uma parte determinada dosolo, logo aparecem habitantes novos e cada umdeles e a sede de uma nova sociedade domestica.Bntao 0 desigual valor das terras comeca a fazersentir seus efeitos; elas sao mais ou menos afas-tadas, elas nao tern a, 1l1~smas ituacao, a mesma fe-cundidade e todas essas diferencas tern urna in -fluencia sobre 0 desenvolvimento das familias. Ospais nao podem formar grupos economicamente fe-chados uns em relacao aos outros; mas 0 1a90 queos une em virtude de sua comunidade de origem semantem e liga muitos estabelecimentos, muitas aI-deias muitas casas de cIa uns aos outros. E assim'. ,que urn Estado tern origem. Desta vez, a separacaodas unid ades po lf tic a s e das unid ad es e co nom ic ase t i m faro consumado. Mas,' nesse estagio do de-senvolvimento, 0 Estado coincide ainda com 0 cla ,Ora, e de sua essencia fazer para si um territ6rioque ultrapasse aquele que ocupa 0 grupo familiar.Este ultimo e e permaneee um organismo mono-celular; 0 Estado, ao contrario, atrai para 0 seucfrculo de a9ao urn mimero sempre mais conside-ravel desses organismos elementares e ultrapassa atodos . Forma-se , assim, entre esses dois tipos deagrupamento, uma diferenca de dimensao que e pro-funda e essencial.

    IV- 0 SOLOE 0 ESTADO

    Para alem do cIa, todo crescimento da socie-dade e , na realidade, urn crescimento do Estado.Se muitos clas estabelecem uma alianca ofens ivaou defensive, a confederacao que formam por suauniao nao e ainda um Estado. 0 Estado se des-prende entao sucessivamente do grupo economico,depois do grupo familiar, os domina e os envolve.

    97Entao, se chegaa fase em que. (> Estado e 0 unicogrupo que pode receber uma extensdo territorialcont inua. E dessa maneiraque cresceu cada vezmais ate formar imperios que abarcaram quase con-tinentes; e 0 limiteextremo desse desenvolvimentcnao foi ainda atingido.

    Assim, do mesmo modo que os gru po s ec on o-micos compostos de uma habitacao com os territo-rios de caca, de pesca ou de cultura de que depen-dem representam as formas primitivas do Estado,sao eles tambem os primeiros a perder todo caraterdesse genero. Mas eles se desenvolvem ativamenteem outros sentidos e, se 0 Estado ao qual perten-cern vem a se dissolver, eles estao prontos a reto-mar sen antigo papel desde que seja 11tH. E queeles compreendem, como Estado, urn territ6rio ehomens. 0 grupo dos pais nao campreende senaohomens: nao temrafzes no solo; des de que 0 Es-tado ultrapasse 0 cIa, tambem se ve esse grupodesaparecendo entre a aldeia e 0 Estado ,

    Ainda que a tendencia a extensao territorialseja como que inata na natureza mesma dos Es-tados, sucede que, colocados esses em condicoesespeciais, devem, para poder se manter, renunciara se estender. Mas quando 0 Estado assim assina-la limites a sua dimensao, 0 crescimento natural dapopulacao a toma necessariamente muito densa, seforcas politicas e sociais nao intervem para colocarobstaculos a essa c ondensac ao , Se essa intervencaonao se produzisse, a rela9aO dos homens com 0 solodeveria se modificar po r toda parte no mesmo sen-tidoj eles se tornariam sempre mais numerosos en-quanta que a porcao do solo ocupada por cada umiria diminuindo. 0 Estado que depende firmemen-te de seu solo e que nao quer sair do isolamentoem que encontra seguranca e entao obrigado 3 seempenhar em urna luta contra a sociedade. Eleimpede 0 crescimento natural desta, determinandomigracoes. Todavia, enquanto a humanidade naoultrapassou ainda 0 estagio da barbaric, foram osmeios mais simples e os mais rapidamente efica-zes os de preferencia empregados. Todas as pra-

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    ficas que tem por efeito diminuir artificialmente 0nu.nerode vidas humanas e a s quais a sociedadeeobrigadaase conformarvdesde o vabandono dosrecem-nascidos ate a antro po fagia, a vendetta, aguerra, concorrem paraproduzir esse resultado. Anecessidade dessa diminuicao e particularmente evi-dente em toda parte em que os povos ocupam urndominio nitidamente circunscrito pela natureza, co-mo o s oasis e as ilhas; e 0 que Malthus j a havia vis-to. Eia nao e tao vislvel nos pequenos Estados dospovos primitives, porque a natureza nao os separatao radicalmente do resto do mundo; mas a vontadedes homens zela cada vez mais para mante-los iso-lados. l! urn dos mais prementes desiderata da so-ciologia que os metodos pelos quais se colocou obs-taculos ao crescimento da populacao, metodos eujapratica e tanto consciente como inconciente, sejamenfim expostos de uma maneira sistematica. A rna-neirapelaqual as sociedades definham e morremquando sao colocadas em contacto com povos decivilizacao superior foi descrita em numerosas mo-nografias: e entretanto esse fenomeno esta longe .de ter desempenhado na hist6ria da humanidadeurn papel tao importante quanto a tendencia dosgrupos sociais em se eoncentrar em espacos restri-tos e em se isolar uns dos outros, tendencia it qualmilhares de povos, pequenos ou grandes, sacrifi-caram as forcas que Ihes teriam permitido creseer.

    o progresso da hurnanidade, que s6 e possivelgracas ao contacto dos povos e a sua concorrencia,deveria necessariamente ser entravado ao alto pon-to por praticas desse genero. No cfrculo estreito e. sempre homogeneo do Estado familiar, nenhumapersonalidadeoriginal poderia se constituir e as ino-va~s seriam impossiveis. Elas...supdem, com efei-to, que uma primeira diferenciacao se tenha produ-zido no seio da sociedade e que, alem disso, se te-nham estabelecido relacoes entre as diferentes socie-dades de maneira a que possa haver entre elas c o -mo que uma mutua estimulacao para 0 progressoE e preciso que 0 fato D a O se produza uma s o etinica vez, mas que se repita. ~ essa mesma ideiaque exprimia Comte quando dizia que, fora 0meio,

    havia uma Io rc a, c ap az de ou estimular ou retardaroprogresso, na densidade crescente dapopulacao,na necessidadecrescente de alirnentos que apareceao mesmo tempo, e na divisao do trabalho e a coo-peracao ique dela resultam. Se Comte se tivesseelevado a um a c onc epc ao propriamente geografica,se tivesse compreendido que essa forca como essemeio tern 0 solo por base e dele nao podem serseparados porque 0 espaco Ihes e igualmente indis-pensavel, teria ao mesmo tempo aprofundado e sim-plificado toda a nocao que tinha do meio.

    A sociedade ~ 0 intermediarlo pelo qual 0Estado se une ao solo. Segue-so que as relacoesda sociedade com 0 solo afetam a natureza do Es-tado em qualquer fase de seu desenvolvimento quese considere. Quando a atividade economica epouco desenvolvida, ao mesmo tempo em que 0territorio e extenso, e, por consequencia, e facildesunir-se dele, resulta uma falta de consistenciae de estabilidade na constituicao do Estado. Urnapopulacao esparsa, que tern necessidade de muitoespaco, mesmo quando ela estiver encerrada emurn cfrculo de fronteiras nitidamente dcfinidas, pro-duz 0 Estadodos nomades, eujo trace caracterfsti-co ISurna forte organizacao militar, tornada necessa-ria pela necessidade de defender vastas extensoesde terra com urn pequeno mimero de habitantes.Se, pela pratica da agricultura, a sociedadc se unemais estreitamente ao solo, entao ela imprime aoEstado todo urn conjunto de earaeteres que dcpen-dem da maneira pela qual as terras estao divididasentre as famflias. De inicio, 0 Estado esta mais 50-lidamente estabelecido sobre urn solo bastante po-voado, de onde ele pode tirar mais forca huma-nas para sua defesa e uma maior variedade de re-cursos de toda especie do que se a populacao fossepequena. Tambem nao ~ simplesmente segundo aextensao de seu territ6rio que ~ preciso apreciara forca de urn Estado; tern-se uma medida melhorna relacao que a sociedade sustenta com 0 territ6rio.POI-emha algo mais; essa mesma relacao age tam-bern sobre a constituicao interna do Estado. Quan-do 0 solo esta dividido igualmente, a sociedade e

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    homogenea epropende para a democracia: ao con-tr~riQ~wn~J.l~yj~a.pd~$igual e um o bstac ulo (l todaorganiia980, soc ia ], .que . darla a preponderancia po-Utica eo s nao proprietaries e que seria, por con-seguinte, contraria a toda especie de oligocracia.Esta atinge se u maximo de 'desenvolvimento nassociedades que tern em sua base um a p op ulac ao de.escravos sem propriedade e quase sem direitos.

    Dai vern uma grande diferencaentre dois ti -pos de Estados: em uns, a sociedade vive exclusi-vamente do solo que ela habita (quer seja pelaagricultura ou pela crla~ao. nao importa) e 0 domf -nio de cada tribo, de eadacomuna, de cada familiatende a formar urn Estado no Estado; nos outros,os homens sao obrigados a recorrer a tetras diferen-tes e frequentemente muito afastadas ern que estaoestabelecidos. Onde a densidade esta em seu pontomais alto, nao hli senao uma pequena parte da po-pulacao que vive unicamente do solo; a maioriavai procurar os alimentos eo vestuario necessariespara viver em um outrosolo. Nos distritos indus-triais mais povoados, uma boa parte dos trabalha-dores reside longe do local em que estao emprega-dos; e uma populacao flutuante que vai para eaou lasegundo as oportunidades de trabalho quelhes sao oforecidas. Mas aqueles que nao vivem dosolo que ocupam tern naturalmente necessidade deestabelecer relacoes com outras terras. E para issoque serve 0 comercio , Somente que 0 cuidado decolocar essas relacoes ao abrigo das revoltas pos-siveis e uma funcao que incumbe ao Estado; assime que se ve este ultimo estender seu campo de a~aopor meio de colonies, de confederaeoes aduaneiras,de contratos de comercio.vmovimento de extensaoque tem 'sempte, pelo menos em algum grim, umcat~terpolitico. Encontramos, entao vmesmo nosestagios mais elevados da evolucao social, a mes-ma divisao do trabalho entre a sociedade que utili-za 0 solo para habitar e para dele viver, e 0 Estadoque 0 protege com as forcasconceatradas em suasmaos.

    Podera nos ser objetado talvez que essa con-cepcao deprecia 0 valor do povo e sobretudo do

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    homem edestl~s,faculdades intelectuais, porqueela ~#g~4ue$yja lev-ado em conta 0solo sem 0qu.alump6Vo'n~()podeeXistir. Mas a verdade naodeixa deser verd~de. 0" papel do elemento huma-no na politica DaO pode ser exatamente apreciado,se nao se conhecem as condicoes as quais a a9a0politica do homem esta subordinada. HA organiza-

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    100demaneira : v : a > criarem .outre Iu gar, p orem se abs-tendo .:de~u~qur~ase territorial. Nela s e v ec res-c er.sem in J rru p9 iq um .E s.tad o qlle tirasuas forcasdo so Io rec em "~ ijlq Uirldo ; aqui-se assiste a urn r a -pido abo rto dev ido 3 que .se estava m uito lo nge dasfontes m esm as da V i d a nacional. A guerra da Cri-meia, 0 tratado de Paris de 1856 e sua den Unc iaem 1871 sao o utro s exemplos do mesmo fenomeno:as c o nd ic c es g eo gr af ic as ai desempenharam 0 mes-m o papel.

    N essa p od ero sa a~o do so lo , que se manifestaatraves .de.to das asfases da hist6ria como em to -das as esferas da vidapresente, ha alguma coisade m isterio so que nao deixa de angustiar 0 espiri-to ; po rque a aparente liberdade do homem parecec omo queanulada. Vemos, c om efeito, no so lo afo n te de todaservidao. Sempre 0 mesmo e sem -pre situado no mesmopo nto do espa~o , ele serveco mo .supo rte. rigido ao shum ores, a s aspiracoesmutaveis do shomens, equando Ihes acontece es-q uec er d esse su bstrato , ele lhes fa z sentir su impe-rio e' Ihes lembra, po r serias advertenc ies, que to -da a v ida do Estado tern suas rafzes na terra. EIeregula o s d istino s do s povo s com uma brutalidadecega. Umpovo deve viver so bre 0 so lo que rec c -beu po r acaso, deve nele mo rrer, deve submeter-sea sua lei. ~ no so lo enfim que se a limen ta 0 egois-rno po litico que fa z do so lo 0 o bjetivo princ ipal dav ida public a; ele co nsiste, co m efeito , em eo nservarsem pre e apesar de tudo 0 territorio nacional, e emfazer de tudo para permanecer 0 iinico a dele des-fru tar, m esm o quando o s laces de sangue, as ali-nidades e tn icas inc linassem o s coracoes para as gen-te s e as c o isas situ ad as alem d a s fronteiras.v ~O SOLO EO PROGRESSO

    g in teiramente natural que a filo so fia da his-t6ria tenha sempre co lo cado urna especie de pre-d ileyao em investigar abase geografica d os ev en to shist6rico . Com efeito , em su a qualidade de cien-c ia mais elevada, que se distingue unicamente dasoutras d isc iplinas h ist6ric as po r sua tendenc ia em

    investigar de preferenc ia as causas gerais e per-manentes, ela encontro u no so lo , que e sempreidentic o a si m esm o , urn fundamento imutavel ao sevento s . m utaveis da histo ria. ig ualm en te assimque a bio lo gia, que e em definitivo a histo ria do sseres v ivo s sobre a terra, esta sempre vo ltada aconsideracao do so lo so bre 0 qual esses seres nas-ceram, se movem e Iutam . A filo so fia da hist6ria esuperior a so cio lo gia po rque pro cedeu po r compa-raco es histo ricas e po rque fo i assim conduzida, po rsi pro pria, a compreender a impo rtanc ia do so lo .D evido o ferecer urn ponto de referenda fixo nomeio de mudancas inc essantes das manifestacoesvitais, 0 so lo te m jil, em si e pO T si, alguma co isa d egeral. Eis como se deu que o s filosofos tenham vin-do bastante eedo a reconhecer, melho r que o s histo -ria do r es p ro p riamen te ditos, 0 papel do so lo na his-toria. Montesquieu e H erder nao se pro punham re-so lv er p ro blem as sociologicos ou geograficos quan-do se preo cuparam em estudar as relacoes do s po -YO S e do s Estado s co m seus territo ries respeetivo s;m as, para co mpreender 0 papel do homem e seudes tino , eles sen ti r am a necessidade de representa-- 1 0 so bre este so lo que serve de teatro a su a ativi-dade e que, segundo H erder 0 R itter, fo i c riado pa-ra ele, de maneira a lhe perm itir ai se d es en vo lv erco nfo rmemente ao plano do Criado r ,

    o que e surpreendente e que, nas considera-~oes relativas ao pro gesso hist6ric o , dele se tenhatao po uea co nta. Quan to sao -o bscuras essas teo -rias em que se no s represent a 0 descnvolvimcntohumano sob a fo rma de uma ascencao em linh a reta,.o u de um a especie de luxo e de refluxo, ou de urnrnovimento em espiral, etc .! R ejeitcmo s essas fan-tasias eno s atenhamo s a realid ade, no s o brigandosem pre a sentir 0 s6lido so lo so b no sso s pes. Entaoveremo s a evolucso so cial e politica s e rep ro d uzirso b no sso s olhos, no seio do espacos sem pre m aisextensos. E evidcnte que, po r isso mesmo, a evo-IU y30, ela tam bem , se eleva sempre m ais alto . Por-que 0 hor izonte geografico se estende, as ciencias,d a astro nom ia a so cio lo gia, alem de se desenv olve-rem em emplitude, alcancam um grau de c onhec i-

  • 5/14/2018 RATZEL, F. O Solo, A Sociedade e o Estado

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    t n e n t o t.: s e tt l p r e m a i s '~ e l e v a d o ~ Amedidaell1qu~ 0t e r d t Q r i q . , q A s - ~ s l ~ 4 Q ; ~ e 4 o . m a m a is C O t ls i q e r a v e 1 ;nao" 6 s o m e n t e 0 x n l m e r o de quilemetro s "quadradosque c resc e, m a s t a m b e m sua I o r c a co letiva, sua ti-queza, seu poder e, Iinalmente, seu tempo de per-manenct~h C9~o 0 espirito humane se enriquececada vez Ittaisit m e d i d a em que os caminhos per-corridos ~ laev()lu~~~ 4umana sobre esta terra sedilatam mals, 0 p r o g r e s s o pode s e r figurado, c o m

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    um~,apt9xima.~Qs~ficiente, por uma espiral as-- c e n d e n : t e - ~ j o . : t a io .v a i aumentando cada vez mais"Mas aunagelU .estatao longe da reaIidade que 6 des-pro vida dequalquer utili dade _ por isso que podeser co nsiderado como suficiente mo strar na exten-sao progressivado territ6rio do s Estado s, tim ca-rater essencial e, ao mesmo tempo, urn poderosomo to r do pro gresso hist6rico.