proteção social, saúde e trabalho: o auxílio-doença e a
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Universidade de Brasiacutelia
Instituto de Ciecircncias Humanas
Departamento de Serviccedilo Social
Taiacutes Leite Flores
Proteccedilatildeo social Sauacutede e trabalho
O Auxiacutelio-doenccedila e a incapacidade laborativa devida
agrave dependecircncia do aacutelcool
Brasiacutelia (DF) marccedilo de 2008
Taiacutes Leite Flores
Proteccedilatildeo social Sauacutede e trabalho
O Auxiacutelio-doenccedila e a incapacidade laborativa devida
agrave dependecircncia do aacutelcool
Monografia apresentada ao Departamento de Serviccedilo Social para obtenccedilatildeo do diploma de graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social
Orientadora Profordf Drordf Ivanete Boschetti
Brasiacutelia (DF) marccedilo de 2008
2
Este trabalho de monografia foi aprovado pela seguinte banca examinadora
Professora Drordf Ivanete Boschetti
Departamento de Serviccedilo Social IH
Universidade de Brasiacutelia
Orientadora
Mt ordf Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas
Assistente Social orientadora de estaacutegio curricular supervisionado
Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
1ordm membro
Prof Drordf Marlene Teixeira Rodrigues
Departamento de Serviccedilo Social IH
Universidade de Brasiacutelia
2ordm membro
3
Agradecimentos
A Deus
Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada
A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos
Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo
Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB
Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional
Aos clientes do PAAHUB
Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este
trabalho natildeo se concretizaria
Aos amigos da juventude de Nova Vida
Pelas palavras de apoio e acircnimo
Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social
Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados
Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia
Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos
Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social
Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo
Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social
pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos
Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues
pela disponibilidade em participar desta banca de defesa
Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas
Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa
pesquisa
Agrave Prof Ivanete Boschetti
Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada
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Resumo
Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo
social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool
(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da
concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O
estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do
tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito
previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os
resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as
instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do
trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes
de trabalho
Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de
dependecircncia do aacutelcool
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Lista de Siglas
CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas
CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo
CF ndash Constituiccedilatildeo Federal
CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas
CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas
DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho
DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo
Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor
GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho
HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees
Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia
Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social
LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede
MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social
MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo
PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social
PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
RPS - Regulamento da Previdecircncia Social
SAT - Seguro Acidentes de Trabalho
Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UnB ndash Universidade de Brasiacutelia
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Sumaacuterio
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Introduccedilatildeo 08
1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
24
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28
21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33
22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46
31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51
32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61
4 1 Metodologia do trabalho de campo 63
4 2 Resultados encontrados 66
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80
5 Consideraccedilotildees finais 85
6 Referecircncias bibliograacuteficas 86
Anexo 92
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
8
O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
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norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
10
os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
11
1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
12
Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
13
trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
14
nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
15
capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
16
Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
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Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
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Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
20
deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
21
um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
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Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
23
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
24
equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
25
seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
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prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
28
Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
31
Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
32
cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
33
Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
34
afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
35
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
36
previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
37
As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
43
Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
44
relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
45
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
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mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
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pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
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atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
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meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
65
construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
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da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
71
nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
72
serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
73
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
74
de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
75
situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
76
O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
77
O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
78
ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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91
Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
92
93
- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-
Taiacutes Leite Flores
Proteccedilatildeo social Sauacutede e trabalho
O Auxiacutelio-doenccedila e a incapacidade laborativa devida
agrave dependecircncia do aacutelcool
Monografia apresentada ao Departamento de Serviccedilo Social para obtenccedilatildeo do diploma de graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social
Orientadora Profordf Drordf Ivanete Boschetti
Brasiacutelia (DF) marccedilo de 2008
2
Este trabalho de monografia foi aprovado pela seguinte banca examinadora
Professora Drordf Ivanete Boschetti
Departamento de Serviccedilo Social IH
Universidade de Brasiacutelia
Orientadora
Mt ordf Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas
Assistente Social orientadora de estaacutegio curricular supervisionado
Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
1ordm membro
Prof Drordf Marlene Teixeira Rodrigues
Departamento de Serviccedilo Social IH
Universidade de Brasiacutelia
2ordm membro
3
Agradecimentos
A Deus
Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada
A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos
Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo
Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB
Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional
Aos clientes do PAAHUB
Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este
trabalho natildeo se concretizaria
Aos amigos da juventude de Nova Vida
Pelas palavras de apoio e acircnimo
Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social
Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados
Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia
Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos
Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social
Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo
Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social
pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos
Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues
pela disponibilidade em participar desta banca de defesa
Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas
Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa
pesquisa
Agrave Prof Ivanete Boschetti
Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada
4
Resumo
Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo
social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool
(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da
concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O
estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do
tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito
previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os
resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as
instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do
trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes
de trabalho
Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de
dependecircncia do aacutelcool
5
Lista de Siglas
CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas
CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo
CF ndash Constituiccedilatildeo Federal
CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas
CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas
DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho
DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo
Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor
GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho
HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees
Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia
Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social
LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede
MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social
MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo
PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social
PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
RPS - Regulamento da Previdecircncia Social
SAT - Seguro Acidentes de Trabalho
Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UnB ndash Universidade de Brasiacutelia
6
Sumaacuterio
7
Introduccedilatildeo 08
1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
24
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28
21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33
22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46
31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51
32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61
4 1 Metodologia do trabalho de campo 63
4 2 Resultados encontrados 66
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80
5 Consideraccedilotildees finais 85
6 Referecircncias bibliograacuteficas 86
Anexo 92
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
8
O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
9
norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
10
os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
11
1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
12
Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
13
trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
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nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
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capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
16
Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
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Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
19
Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
20
deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
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um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
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Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
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13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
24
equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
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seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
26
prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
28
Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
31
Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
32
cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
33
Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
34
afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
35
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
36
previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
37
As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
43
Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
44
relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
45
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
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mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
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pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
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atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
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meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
65
construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
68
da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
71
nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
72
serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
73
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
74
de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
75
situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
76
O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
77
O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
78
ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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91
Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
92
93
- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-
Este trabalho de monografia foi aprovado pela seguinte banca examinadora
Professora Drordf Ivanete Boschetti
Departamento de Serviccedilo Social IH
Universidade de Brasiacutelia
Orientadora
Mt ordf Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas
Assistente Social orientadora de estaacutegio curricular supervisionado
Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
1ordm membro
Prof Drordf Marlene Teixeira Rodrigues
Departamento de Serviccedilo Social IH
Universidade de Brasiacutelia
2ordm membro
3
Agradecimentos
A Deus
Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada
A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos
Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo
Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB
Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional
Aos clientes do PAAHUB
Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este
trabalho natildeo se concretizaria
Aos amigos da juventude de Nova Vida
Pelas palavras de apoio e acircnimo
Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social
Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados
Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia
Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos
Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social
Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo
Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social
pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos
Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues
pela disponibilidade em participar desta banca de defesa
Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas
Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa
pesquisa
Agrave Prof Ivanete Boschetti
Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada
4
Resumo
Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo
social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool
(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da
concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O
estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do
tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito
previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os
resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as
instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do
trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes
de trabalho
Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de
dependecircncia do aacutelcool
5
Lista de Siglas
CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas
CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo
CF ndash Constituiccedilatildeo Federal
CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas
CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas
DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho
DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo
Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor
GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho
HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees
Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia
Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social
LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede
MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social
MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo
PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social
PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
RPS - Regulamento da Previdecircncia Social
SAT - Seguro Acidentes de Trabalho
Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UnB ndash Universidade de Brasiacutelia
6
Sumaacuterio
7
Introduccedilatildeo 08
1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
24
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28
21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33
22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46
31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51
32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61
4 1 Metodologia do trabalho de campo 63
4 2 Resultados encontrados 66
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80
5 Consideraccedilotildees finais 85
6 Referecircncias bibliograacuteficas 86
Anexo 92
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
8
O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
9
norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
10
os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
11
1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
12
Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
13
trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
14
nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
15
capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
16
Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
18
Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
19
Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
20
deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
21
um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
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Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
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13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
24
equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
25
seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
26
prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
28
Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
31
Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
32
cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
33
Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
34
afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
35
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
36
previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
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As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
43
Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
44
relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
45
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
46
mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
47
pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
48
atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
49
meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
65
construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
68
da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
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nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
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serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
73
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
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de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
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situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
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O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
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O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
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ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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90
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91
Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
92
93
- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-
Agradecimentos
A Deus
Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada
A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos
Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo
Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB
Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional
Aos clientes do PAAHUB
Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este
trabalho natildeo se concretizaria
Aos amigos da juventude de Nova Vida
Pelas palavras de apoio e acircnimo
Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social
Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados
Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia
Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos
Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social
Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo
Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social
pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos
Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues
pela disponibilidade em participar desta banca de defesa
Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas
Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa
pesquisa
Agrave Prof Ivanete Boschetti
Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada
4
Resumo
Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo
social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool
(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da
concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O
estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do
tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito
previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os
resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as
instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do
trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes
de trabalho
Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de
dependecircncia do aacutelcool
5
Lista de Siglas
CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas
CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo
CF ndash Constituiccedilatildeo Federal
CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas
CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas
DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho
DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo
Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor
GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho
HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees
Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia
Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social
LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede
MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social
MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo
PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social
PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
RPS - Regulamento da Previdecircncia Social
SAT - Seguro Acidentes de Trabalho
Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UnB ndash Universidade de Brasiacutelia
6
Sumaacuterio
7
Introduccedilatildeo 08
1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
24
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28
21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33
22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46
31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51
32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61
4 1 Metodologia do trabalho de campo 63
4 2 Resultados encontrados 66
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80
5 Consideraccedilotildees finais 85
6 Referecircncias bibliograacuteficas 86
Anexo 92
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
8
O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
9
norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
10
os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
11
1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
12
Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
13
trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
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nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
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capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
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Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
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Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
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Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
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deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
21
um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
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Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
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13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
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equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
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seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
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prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
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Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
31
Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
32
cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
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Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
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afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
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legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
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previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
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As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
43
Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
44
relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
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3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
46
mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
47
pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
48
atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
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meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
65
construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
68
da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
71
nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
72
serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
73
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
74
de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
75
situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
76
O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
77
O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
78
ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
92
93
- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-
Resumo
Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo
social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool
(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da
concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O
estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do
tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito
previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os
resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as
instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do
trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes
de trabalho
Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de
dependecircncia do aacutelcool
5
Lista de Siglas
CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas
CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo
CF ndash Constituiccedilatildeo Federal
CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas
CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas
DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho
DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo
Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor
GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho
HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees
Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia
Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social
LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede
MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social
MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo
PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social
PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
RPS - Regulamento da Previdecircncia Social
SAT - Seguro Acidentes de Trabalho
Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UnB ndash Universidade de Brasiacutelia
6
Sumaacuterio
7
Introduccedilatildeo 08
1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
24
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28
21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33
22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46
31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51
32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61
4 1 Metodologia do trabalho de campo 63
4 2 Resultados encontrados 66
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80
5 Consideraccedilotildees finais 85
6 Referecircncias bibliograacuteficas 86
Anexo 92
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
8
O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
9
norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
10
os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
11
1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
12
Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
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trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
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nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
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capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
16
Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
18
Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
19
Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
20
deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
21
um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
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Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
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13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
24
equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
25
seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
26
prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
28
Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
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Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
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cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
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Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
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afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
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legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
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previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
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As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
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Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
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relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
45
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
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mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
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pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
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atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
49
meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
65
construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
68
da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
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nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
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serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
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422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
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de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
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situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
76
O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
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O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
78
ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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91
Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
92
93
- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-
Lista de Siglas
CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas
CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo
CF ndash Constituiccedilatildeo Federal
CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas
CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas
DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho
DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo
Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor
GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho
HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia
IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees
Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia
Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social
LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede
MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social
MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo
PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social
PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
RPS - Regulamento da Previdecircncia Social
SAT - Seguro Acidentes de Trabalho
Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
UnB ndash Universidade de Brasiacutelia
6
Sumaacuterio
7
Introduccedilatildeo 08
1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
24
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28
21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33
22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46
31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51
32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61
4 1 Metodologia do trabalho de campo 63
4 2 Resultados encontrados 66
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80
5 Consideraccedilotildees finais 85
6 Referecircncias bibliograacuteficas 86
Anexo 92
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
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O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
9
norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
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os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
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1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
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Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
13
trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
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nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
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capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
16
Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
18
Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
19
Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
20
deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
21
um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
22
Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
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13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
24
equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
25
seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
26
prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
28
Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
31
Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
32
cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
33
Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
34
afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
35
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
36
previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
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As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
43
Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
44
relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
45
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
46
mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
47
pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
48
atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
49
meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
65
construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
68
da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
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nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
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serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
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422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
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de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
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situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
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O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
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O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
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ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007
SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992
TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999
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VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004
VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007
VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)
91
Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
92
93
- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-
Sumaacuterio
7
Introduccedilatildeo 08
1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
24
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28
21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33
22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46
31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51
32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61
4 1 Metodologia do trabalho de campo 63
4 2 Resultados encontrados 66
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80
5 Consideraccedilotildees finais 85
6 Referecircncias bibliograacuteficas 86
Anexo 92
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
8
O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
9
norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
10
os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
11
1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
12
Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
13
trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
14
nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
15
capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
16
Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
18
Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
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Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
20
deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
21
um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
22
Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
23
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
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equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
25
seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
26
prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
28
Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
31
Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
32
cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
33
Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
34
afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
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legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
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previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
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As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
43
Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
44
relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
45
3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
46
mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
47
pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
48
atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
49
meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
65
construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
68
da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
71
nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
72
serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
73
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
74
de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
75
situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
76
O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
77
O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
78
ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
92
93
- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-
Introduccedilatildeo
A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na
Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e
assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma
proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no
mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para
regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que
acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se
reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo
do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e
acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e
inegociaacutevel
No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos
trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias
incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela
periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo
previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio
cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees
previdenciaacuterias e legais
Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede
puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas
consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia
previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos
segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como
AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute
incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
8
O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede
especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD
previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador
A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de
sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da
consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras
avaliaacute-lo como um direito social
Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso
acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso
de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a
2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)
subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071
estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia
quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo
Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica
do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho
devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo
sobre o AD
Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do
benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado
de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio
A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do
RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos
registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de
pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o
tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou
de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos
Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do
acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees
1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia
9
norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como
fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as
possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho
Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o
desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos
direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade
marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o
direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF
de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram
ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram
incorporados desigualmente
Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)
a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve
a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de
previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece
como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros
direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que
este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio
previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social
O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e
previdecircncia
O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta
a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o
reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia
social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se
analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social
O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-
se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um
direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender
2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004
10
os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta
especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do
benefiacutecio
O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como
determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as
situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a
complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a
materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da
proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias
Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais
11
1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil
O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela
previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a
sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este
benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade
por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no
Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de
problematizar a sua cobertura aos trabalhadores
Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em
particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a
generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil
Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro
puacuteblico de sauacutede
A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de
previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a
institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social
Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do
benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores
11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos
trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo
especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos
trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a
economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da
luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital
12
Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas
concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social
beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de
Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes
sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da
deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING
2004)
Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as
poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos
reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD
Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final
do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada
tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos
meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores
assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado
Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas
jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave
morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo
(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas
circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de
exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital
A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores
para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes
posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e
previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade
de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a
principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)
Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos
trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do
3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais
13
trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de
cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de
riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e
desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)
Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos
sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no
seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs
elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a
noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito
O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e
sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser
apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de
trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de
propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo
pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade
privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado
A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)
Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social
dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem
compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais
Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social
deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos
instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)
Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os
trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada
um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica
coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de
interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se
fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma
14
nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa
solidariedade
() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)
Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que
materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de
direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas
sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo
que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o
indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo
(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa
fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido
que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho
assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a
relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos
Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)
Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as
desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que
efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor
critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em
termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho
Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a
provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do
trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da
subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua
15
capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de
redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi
suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade
Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se
um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua
contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos
sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade
fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os
trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz
redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen
(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees
econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram
estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de
atuaccedilotildees do mercado
O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades
miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim
considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o
conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores
Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)
12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do
seguro social
Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social
dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo
previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a
abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves
margens desse sistema de proteccedilatildeordquo
16
Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil
ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do
movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o
setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre
acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo
judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a
responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)
Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho
caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a
indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o
princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees
No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a
autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal
modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees
(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios
custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute
entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado
A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no
Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das
CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a
partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema
tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social
Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social
ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos
direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de
industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs
configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a
responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede
a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas
transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)
Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e
sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e
assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social
configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees
17
consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se
fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de
acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo
(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)
Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede
sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos
pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na
gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e
o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social
(BOSCHETTI 2006)
De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute
imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos
por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como
direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede
sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da
sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas
Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar
de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica
natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das
doenccedilas como risco social antes da CF de 1988
A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica
como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934
houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de
ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram
equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento
maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede
como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos
definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o
AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)
A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da
organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora
abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir
praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)
18
Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC
(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando
o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status
de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste
seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica
descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre
outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a
cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para
o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho
correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano
O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo
entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos
a determinadas categorias profissionais
Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se
difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no
acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro
abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da
previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos
(BOSCHETTI 2006)
Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e
dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito
social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir
independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro
social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se
generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de
1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo
houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo
institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)
A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a
associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de
regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se
remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4
4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do
19
Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute
neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa
constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos
sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa
separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-
se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a
ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho
distinguindo-as das doenccedilas comuns
A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em
um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs
de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela
como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a
outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no
campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera
puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5
Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco
histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo
contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a
distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas
uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios
Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como
auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida
aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo
do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto
pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988
Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi
estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as
responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o
salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do
salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005
5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200
20
deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da
incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD
Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio
da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e
consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas
O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era
igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a
contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a
mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)
A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente
de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado
ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o
seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a
cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio
para os trabalhadores acidentados 6
O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de
assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia
Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta
orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do
seguro social
Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica
exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas
como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire
um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei
No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa
reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias
pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em
6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos
21
um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo
(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo
O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)
Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e
Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede
relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede
puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios
recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees
coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS
estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado
prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os
trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os
autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social
somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos
trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado
informal de trabalho (COHN 2006)
Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo
e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o
questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)
Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de
renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se
intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico
entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006
PUSTAI 2004)
7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977
8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo
22
Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto
neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se
a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees
informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas
sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos
suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e
no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de
direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das
poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO
1997)
Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos
aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de
organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo
contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes
seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva
Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela
Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de
serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social
universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9
A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que
colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao
financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo
desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia
agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e
integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro
independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano
reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila
social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10
9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)
10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003
23
13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila
Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma
categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na
alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais
serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos
Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)
Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo
incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate
sobre a justiccedila e a igualdade social
Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo
juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates
poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute
composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo
da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da
desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)
Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da
populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem
redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania
(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que
foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de
Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua
concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na
ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais
O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de
poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o
art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos
poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave
previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios
para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e
24
equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das
bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a
articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais
Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute
mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do
trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia
social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)
Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis
pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia
social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida
como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso
a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo
com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas
tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)
Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos
concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito
adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo
como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia
incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso
a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute
orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados
domeacutesticos e empresaacuterios) 11
O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de
garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da
construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal
responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto
abrange a seguridade social desafio mais amplo
A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios
constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de
11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112
25
seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de
cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia
social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo
dos direitos sociais
Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de
integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo
das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de
trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no
Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado
de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica
Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da
proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente
ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo
cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de
renda e incapacidade que orientam a assistecircncia
Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e
1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse
registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor
privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de
contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes
correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade
ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou
recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)
Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a
previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a
PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo
economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a
previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou
condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo
12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil
advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99
26
prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso
aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de
trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em
1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos
benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR
BOSCHETTI 2003)
O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos
ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de
1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento
na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da
Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais
Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo
desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a
assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo
da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)
Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a
concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal
a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento
Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a
precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas
situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade
contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
27
2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as
interfaces entre sauacutede e previdecircncia
A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute
um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a
proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e
previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito
ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo
atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os
resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute
direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que
visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves
accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo
Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute
orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede
puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais
especializados na poliacutetica de sauacutede
Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos
demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo
monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho
Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social
ao trabalhador segurado
Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da
previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no
SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade
todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a
participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica
Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um
direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo
beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo
bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social
28
Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI
2003)
Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia
social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o
AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas
definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave
universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita
e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva
compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal
continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos
previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do
AD acidentaacuterio
Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na
seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo
regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo
princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo
social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da
previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a
cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos
sociais
Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem
individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o
conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias
dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe
a seguinte conceituaccedilatildeo
Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)
No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como
A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional
15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit
29
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)
Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute
uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo
envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da
qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas
nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo
redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando
uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)
Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no
SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as
curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de
promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no
cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar
rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para
uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede
Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os
objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas
caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da
seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a
universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador
Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de
privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza
extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais
prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING
BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos
Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com
sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a
universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede
favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto
30
neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise
econocircmica iniciada na deacutecada de 80
Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo
destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras
perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as
mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do
Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)
Segundo os autores
Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)
O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e
sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de
sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como
um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de
um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de
sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-
se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias
caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre
os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos
programas de previdecircncia e sauacutede
Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como
um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a
responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas
desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais
A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces
com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas
intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees
entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees
no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade
31
Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito
de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)
Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao
evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos
trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os
direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase
nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases
de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees
no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento
de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho
A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo
Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras
finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e
por acidentes de trabalho
Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo
mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O
Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo
de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em
fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A
definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das
atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede
(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e
proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm
31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais
O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que
abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos
os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados
pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os
ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos
acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas
por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua
16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21
32
cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados
estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica
Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)
Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram
os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista
de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17
Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas
inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos
sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de
trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)
Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a
identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua
sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade
de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de
acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico
tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e
das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD
acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)
2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento
A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No
que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital
na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o
conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)
As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade
O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social
a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de
prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de
17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid
33
Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo
Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)
Segundo o art 59 do PBPS
O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)
Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente
nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute
necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD
previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado
Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25
PBPS)
Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer
natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)
Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza
(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do
MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente
rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores
assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de
18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses
34
afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo
legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos
correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica
antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do
benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho
Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a
partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na
previdecircncia social
Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD
correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa
nos primeiros quinze dias de afastamento
Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o
periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem
cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento
Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)
Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos
primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo
de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a
suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo
legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido
natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do
obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)
Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se
suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art
80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa
como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm
caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo
remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam
tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a
pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a
importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da
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legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da
liberalidade do empregador
Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A
regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo
art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave
melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos
coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)
Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar
inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos
cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a
empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do
benefiacutecio)
Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou
mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36
salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo
estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)
Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61
da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da
previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD
acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo
do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos
80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do
salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos
antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto
a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo
Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro
acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos
19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit
20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127
36
previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como
temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social
estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo
profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na
concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede
Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)
Segundo o art 78 do RPS
Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)
Segundo o art 77 do RPS
O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)
A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve
condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito
objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho
avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio
de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute
pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21
O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela
periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio
auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez
21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)
37
As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a
incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da
inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da
doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas
satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila
relacionada ao trabalho (DIAS 2001)
Segundo o art 78 do RPS
O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22
O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do
trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do
tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de
trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento
Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)
Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando
questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na
concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo
final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia
Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio
considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos
fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)
A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)
22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS
38
Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando
constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute
impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees
caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)
No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)
A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos
Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou
seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito
Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do
mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees
administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas
particularidades
A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e
integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica
predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do
INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira
A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para
concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do
segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo
capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e
oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)
O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma
equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros
profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da
seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve
levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e
na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de
doenccedilas (TEIXEIRA 2001)
23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre
39
2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico
O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo
SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia
social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia
social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria
por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo
profissional 24
O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho
assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito
relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das
doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio
eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal
distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute
uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede
O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e
de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo
especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na
perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser
atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da
coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da
LOS estatildeo
A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)
A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido
natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por
invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de
trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS
Segundo Santos (2007 p 200)
24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social
40
Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)
Segundo o art 19 do PBPS
Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)
O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho
I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social
II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I
sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho
O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho
Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)
Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra
que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do
contrato de trabalho
41
Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD
previdenciaacuterio e acidentaacuterio
Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de
Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo
miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo
do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)
Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do
trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-
se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas
Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta
estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no
mercado
O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)
A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de
depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho
prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da
CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa
haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em
que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo
disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)
42
A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de
acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da
periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao
Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais
alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD
O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal
para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o
aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho
pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de
obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das
accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador
A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a
ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza
acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)
Segundo o art 21-A do PBPS
A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26
Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma
enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito
um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo
anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT
Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e
relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho
(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus
dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas
Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha
gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)
25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS
26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008
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Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como
a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o
ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT
Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)
Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do
INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a
ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de
trabalho
Segundo o art 337 do RPS
() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28
A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao
anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas
(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se
refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas
Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o
nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas
Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V
da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas
27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007
28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007
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relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e
comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo
pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria
ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos
constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o
desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de
trabalho (Y96)rdquo
Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo
das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se
como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se
limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de
consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da
CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos
agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo
diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)
Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves
rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa
fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de
sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA
2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos
humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho
A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo
processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave
concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para
os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD
acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos
riscos agrave sauacutede do trabalhador
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3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica
As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo
das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os
fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do
fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)
Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser
associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado
civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os
homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as
propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas
e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro
do sujeito com o consumo da substacircncia
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao
consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica
causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool
representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas
iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa
mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos
paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29
O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica
com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas
pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade
dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de
intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o
consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das
29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008
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mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de
inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)
Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e
a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e
danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto
fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada
pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo
direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais
indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os
que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste
contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito
violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA
DUAILIBI 2007)
Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo
consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez
instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida
consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao
longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e
problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas
sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA
2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um
efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)
Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil
a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo
levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em
faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam
risco para a dependecircncia do aacutelcool
Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto
relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de
gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias
de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada
30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)
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pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo
tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)
Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome
de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou
psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia
ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos
efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em
detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo
independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de
abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia
apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem
estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a
realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um
desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)
O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do
aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do
SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares
como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a
R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente
de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros
natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas
aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6
do PIB segundo estudos internacionais 32
Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de
regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de
conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o
consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool
constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos
31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)
32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307
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atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que
movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual
natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO
2006)
Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das
bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento
enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33
quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que
atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais
haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho
O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais
os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo
social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como
alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o
aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma
recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no
desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)
No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool
predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo
de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas
(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das
mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a
questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA
2005 p 1171)
Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em
promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de
alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e
cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais
eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)
As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por
33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005
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meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de
taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da
induacutestria 34
Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para
atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados
ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da
prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos
Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja
possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a
disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o
ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades
modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p
60)
Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge
aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a
Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de
sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e
o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares
como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que
realizam consumo nocivo do aacutelcool
Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em
suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo
apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute
neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da
autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de
suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento
dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas
34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008
50
3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos
sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior
conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos
agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do
trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -
permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)
Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees
no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem
se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao
trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo
de estrateacutegias no interior do processo de trabalho
Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo
do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-
poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais
gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o
sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)
O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma
desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos
trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo
contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho
devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos
contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade
nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores
O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do
trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do
tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade
e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de
controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso
de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-
SILVA 2005)
51
Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e
trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do
trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam
primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e
exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do
Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)
No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado
dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes
do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem
estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores
psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos
Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os
aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da
psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma
compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute
compreendido como fator determinante da SDA
O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho
buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-
trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das
atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender
as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas
influecircncias sobre os processos de adoecimento
Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental
dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um
processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho
Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)
Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a
alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas
vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se
em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do
trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de
52
comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo
da organizaccedilatildeo do trabalho
Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute
estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do
trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia
humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da
vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer
suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho
A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)
Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees
psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento
Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de
defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo
(CASTRO 2002)
Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante
euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos
trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves
situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as
estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave
organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas
ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-
se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool
Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas
ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda
na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e
relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se
desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o
trabalhador
53
Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o
consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de
certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem
grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio
humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar
Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas
hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo
identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave
missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a
empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees
dos empregadores
Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as
repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho
O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha
visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da
Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da
organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades
laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual
(SELIGMANN-SILVA 2005)
As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de
necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como
alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por
prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos
distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou
dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou
acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho
acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo
(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)
Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve
ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no
contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho
A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de
sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta
questatildeo reclama um olhar integrado
54
Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia
a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento
considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte
social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de
mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia
aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a
reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar
as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)
Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio
Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se
por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a
prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as
abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um
significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)
Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de
prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados
positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais
e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para
alteraacute-las
Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo
indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)
propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente
nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens
tradicionais
Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)
55
3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do
aacutelcool
A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das
doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo
possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua
compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e
integralizadas
Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do
trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base
no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um
diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta
prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa
lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que
epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA
As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do
nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das
transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de
reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve
esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo
Glina et al (2001)
O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)
As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas
por Seligmann-Siva (2005 p 1178)
A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais
56
na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho
Segundo Dias (2001 p 175)
uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)
A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio
do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de
comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave
incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao
trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente
No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA
como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico
epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem
para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de
desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)
Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram
que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas
ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de
anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais
relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de
ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por
invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)
Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no
mundo e Vaissman (2004) explicita
35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196
36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)
57
No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)
Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave
concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi
concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos
benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na
categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas
equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37
Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-
Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal
categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo
da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios
concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo
com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10
2 38
37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007
38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia
58
Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades
Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais
e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004
Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000
viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863
63Atividades anexas e auxiliares de transporte
(transporte aquaviaacuterio)839
60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41
Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo
A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria
demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se
tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do
AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as
relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento
como uma doenccedila relacionada ao trabalho
Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios
desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho
reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve
a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco
proporciona intervenccedilotildees preventivas
No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de
promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de
prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave
suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os
procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio
59
Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)
A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a
modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia
meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo
demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios
valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco
Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito
da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas
e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos
trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das
categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o
trabalho
60
4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39
Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-
hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao
sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal
ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital
Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas
accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito
Federal (DF)
Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das
mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool
inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas
O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)
oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe
meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro
foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do
projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica
Meacutedica do hospital
O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do
aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de
substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos
demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a
comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees
As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via
institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de
trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a
formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento
O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social
que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa
avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O
assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem
39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB
61
acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a
internaccedilatildeo e grupo de familiares
O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo
humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees
sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de
confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada
pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento
contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo
desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos
sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool
O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de
substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos
sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser
um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees
fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da
filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo
individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o
plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees
Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o
uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras
especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos
profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser
internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica
O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja
colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo
coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de
forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e
qualidade de vida
Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas
relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees
agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o
desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de
desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores
62
afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da
sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede
A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes
pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e
das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la
A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos
para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de
contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o
proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia
em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees
afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do
indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)
Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo
problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a
intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de
tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da
rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores
envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees
de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal
41 Metodologia do trabalho de campo
Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da
visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees
vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como
um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do
PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo
aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento
das abordagens terapecircuticas
Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso
que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro
63
previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na
qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados
A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam
o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha
sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute
demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia
puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou
na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional
observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de
atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de
ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)
A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo
de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos
trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de
aacutelcool
Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma
menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a
compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem
natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma
() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)
A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em
discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os
criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se
encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se
recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do
40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA
64
benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de
cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista
Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a
serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram
apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e
assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador
para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois
aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e
das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados
As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica
por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo
das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela
realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no
programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos
entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB
Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender
a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da
concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados
falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o
trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do
seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo
anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados
A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o
campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute
uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de
atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a
articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede
A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao
tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua
reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento
contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na
41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista
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construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi
analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento
Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede
Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo
foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao
AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-
se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo
aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo
deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os
entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho
42 Resultados encontrados
Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de
sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois
tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes
procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho
Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e
contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo
de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em
adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno
e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos
trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento
42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado
66
Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados
no PAAHUB ndash set 2007out 2007
Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB
O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um
problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial
teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um
direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os
entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)
associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da
concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida
como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados
Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma
compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com
o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma
dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de
uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados
terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida
67
Pacientes
entrevistados
Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos
Vigecircncia do
AD
1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
56Dois a trecircs
Trecircs meses
2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
39Dois a trecircs
Um ano e dois
meses
3 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
Acima de 30 anos
Dois a trecircs Seis meses
4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos
5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
33Dois a trecircs
Trecircs anos
6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia
puacuteblica
44Dois a trecircs
Seis meses
7 MMotorista de ocircnibus de transporte
coletivo
46Dois a trecircs
Dois anos
8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48
Um Mais de
dois anos
421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila
Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do
trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do
trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave
sauacutede mental
Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender
os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas
nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de
trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees
satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua
sauacutede mental
Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD
pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade
absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo
da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma
dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool
Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que
em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves
frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de
bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos
psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho
Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para
aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas
sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho
Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho
demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do
tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)
infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e
da tensatildeo gerada no trabalho
Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A
partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era
realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio
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da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do
aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de
fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho
As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e
mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O
desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza
o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como
estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho
Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de
trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava
de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais
de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do
funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho
O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43
Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44
A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para
enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool
associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre
a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo
43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs
69
Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45
A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool
associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades
psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o
sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do
trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees
de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho
surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas
A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46
Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos
epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de
SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de
isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que
a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os
vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o
aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA
O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool
inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um
bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho
45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs
70
Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47
A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do
entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em
muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho
caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se
tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia
Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48
O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente
do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo
como o trabalho
Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49
Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos
interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado
levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho
A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica
motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho
Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo
47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois
71
nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50
O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51
Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52
A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo
caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente
laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os
conflitos no trabalho
Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da
dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os
sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA
Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53
Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54
O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o
50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco
72
serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55
Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois
de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia
e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A
gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e
social 57
O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para
suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo
Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58
A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o
processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo
com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento
profissional
A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do
trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho
relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o
trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho
se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores
psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de
reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou
a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no
ambiente de trabalho
55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado
tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria
cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007
58Trecho de entrevista do paciente quatro
73
422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do
trabalhador
Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os
entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no
papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos
depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria
Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da
SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo
da sauacutede mental dos trabalhadores
Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo
dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas
natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma
garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente
ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento
do tratamento
Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por
justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de
demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em
serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo
(MARTINS 1999 p 33)
Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para
a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o
caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com
consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito
trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a
uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho
Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo
previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo
daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social
que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa
Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo
do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a
74
de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento
admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo
do beneficio
Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)
A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da
SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a
legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si
soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova
compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho
A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva
(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser
percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem
e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas
como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo
profissionalrdquo (p1149)
O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho
ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis
referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se
caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa
Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de
estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da
categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de
sauacutede
Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores
tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos
assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com
posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio
O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta
75
situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59
Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60
A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a
formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os
encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio
familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado
Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61
Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS
por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem
conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito
do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente
cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este
processo
Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62
O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da
dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os
fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as
representaccedilotildees sociais da SDA
59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco
76
O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees
sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos
trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma
importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos
trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito
quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo
Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63
O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64
Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65
423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do
tratamento especializado
Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o
trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas
Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento
especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento
nos cuidados com a sauacutede
63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois
77
O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem
como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do
pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos
resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de
proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador
Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de
requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do
benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses
instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas
demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso
quanto na renovaccedilatildeo do AD
Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66
Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67
Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a
readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo
social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido
diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool
A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de
vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos
enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do
aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da
abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede
social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais
Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou
66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis
78
ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68
Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69
A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para
isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo
meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do
benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA
A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a
avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com
base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas
relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo
do AD 70
O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71
Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse
sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais
confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho
para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a
sauacutede e o AD como direitos sociais
68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores
diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007
71 Paciente oito
79
424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao
trabalho e readaptaccedilatildeo profissional
Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72
Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73
A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo
do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do
trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade
previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por
precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho
Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais
teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do
INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do
parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS
Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador
como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio
Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o
usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de
trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de
um tratamento de sauacutede
Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do
AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam
situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas
empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os
contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute
72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco
80
fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da
sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo
e controle da produtividade do trabalho
A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como
um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade
Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente
evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade
para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave
readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria
Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos
de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo
almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica
possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios
mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito
administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou
permanecircncia no beneficio
Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees
laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do
INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o
retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco
Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da
transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este
periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de
alternativas no acircmbito do INSS
Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo
relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em
afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho
como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados
ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-
SILVA 2005)
Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do
trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-
se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de
readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante
81
avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos
sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o
tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo
(GLINA et al 2001 p 616)
Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao
longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees
pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das
decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a
ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas
abordagens terapecircuticas
Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o
INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees
Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)
A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria
foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das
informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho
inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de
maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas
Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de
vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria
Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74
Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade
provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham
consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos
projetos de vida
74Trecho de entrevista do paciente seis
82
Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75
Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76
O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias
psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do
INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS
Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria
Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77
Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute
complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil
compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema
previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo
utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos
que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos
conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho
O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo
globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta
ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional
dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade
ocidentalrdquo (2001 p 151)
Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho
diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do
sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho
75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete
83
Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de
Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias
psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos
sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa
envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo
os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral
em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental
84
5 Consideraccedilotildees finais
A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre
as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do
Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas
previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia
do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo
do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um
forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado
a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de
accedilotildees preventivas
Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas
abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais
incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos
diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a
construccedilatildeo de alternativas concretas
A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui
para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao
trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de
reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez
caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias
no RGPS
Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do
auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o
trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que
justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio
Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito
previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a
concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo
institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas
satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao
ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede
85
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Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado
1 Questotildees norteadoras
11 Trabalho
- Qual eacute a sua profissatildeo
- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho
- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo
alguma outra profissatildeo
- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para
vocecirc
- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu
trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)
- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)
- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo
- Porque vocecirc foi afastado do trabalho
- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu
trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira
12 Auxiacutelio-Doenccedila
- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila
- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como
- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao
benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila
- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila
- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego
- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho
13 Tratamento
- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc
utiliza o tempo antes destinado ao trabalho
- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB
- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento
ao PAA Como
- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento
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- Sumaacuterio
- Introduccedilatildeo
-
- 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
- 41 Metodologia do trabalho de campo
-