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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ PRISCILLA MELLILO SENNA DANO MORAL AO NASCITURO BIGUAÇU 2008

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  • UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

    PRISCILLA MELLILO SENNA

    DANO MORAL AO NASCITURO

    BIGUAÇU

    2008

  • PRISCILLA MELLILO SENNA

    DANO MORAL AO NASCITUO

    Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Biguaçu. Orientador: Profª. MSc. Maria Helena Machado.

    BIGUAÇU

    2008

  • PRISCILLA MELLILO SENNA

    DANO MORAL AO NASCITURO

    Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Bacharel em

    Direito e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

    Educação de Biguaçu.

    Área de Concentração: Direito

    Biguaçu, 31 de outubro de 2008.

    __________________________________

    Prof. Maria Helena Machado UNIVALI – CE de Biguaçu

    Orientador

    __________________________________

    Prof. MSc Geyson José Gonçalves UNIVALI – CE de Biguaçu

    Membro

    __________________________________

    Prof. Esp. Klenise Fávero UNIVALI – CE de Biguaçu

    Membro

  • TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

    Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

    pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

    Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

    Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

    Biguaçu, 31 de novembro de 2008.

    Priscilla Mellilo Senna

  • Dedico ao meu pai, pelo carinho,

    dedicação e amor.

    À minha mãe, pelo exemplo e amor, que

    sempre me apoiou e me amparou quando

    necessário.

    Ao meu namorado, Juliano Damásio

    Madeira, pelo amor, carinho e

    compreensão, que me apoiou e

    acompanhou cada etapa deste trabalho.

  • AGRADECIMETOS Aos meus pais, Silvia Lúcia Mellilo e

    Murilo Dias Senna, que sempre me

    apoiaram em todos os momentos de

    minha vida.

    Ao Ricardo, ao meu irmão, Rafael Mellilo

    Senna, à minha cunhada, Gisele e meu

    sobrinho, pelo amor e carinho.

    A toda a minha família, em especial meu

    tio Vitor, que sempre me apoiou e me

    amou e a todos os meus amigos que de

    alguma forma, viabilizaram a realização

    deste trabalho.

    A minha orientadora, professora Maria

    Helena Machado, que acreditou na minha

    pesquisa e me auxiliou em todas as

    etapas deste trabalho.

  • RESUMO

    O trabalho realizado tem como objeto de pesquisa a possibilidade de dano moral ao nascituro, na medida em que o artigo 2. do Código Civil é controverso ao estatuir que a personalidade civil inicia-se com o nascimento com vida, todavia os direitos do nascituro ficarão a salvo, desde a concepção. Para tanto, é preciso analisar a situação jurídica do nascituro, se ele tem ou não personalidade, se é ou não pessoa. Com efeito, surgiram três teorias para explicar a condição do concepto frente ao ordenamento jurídico, tal qual a teoria natalista (que não considera o nascituro pessoa), a teoria da personalidade condicional (onde os direitos do nascituro ficam condicionados ao nascimento com vida), e a teoria concepcionista (que considera o nascituro pessoa desde a concepção). No entanto, fica claro que o Código Civil ao salvaguardar os direitos do nascituro desde a concepção, adotou a teoria concepcionista, que atribui ao concepto o status de pessoa com aptidão para ser titular de relações jurídicas. Sendo assim, o nascituro é um ser social e único, com características próprias, capaz de ser sujeito de direitos e obrigações e, por isso, é passível de ser indenizado por danos morais, posto que toda pessoa física pode sofrer lesão aos direitos da personalidade.

    Palavra-chave: nascituro. personalidade civil. dano moral.

  • ABSTRACT

    The work has as its object of study the possibility of moral damage to the unborn child, to the extent that Article 2. of the Civil Code is the controversial rule that civil personality begins with the birth to life, however the rights of the unborn child will be safe, since the design. For this, we must examine the legal status of the unborn child, whether or not he has personality, whether it is individual. Indeed, there were three theories to explain the condition of the concept front of the legal system, as the theory Natalia (who does not consider the unborn person), the conditional theory of personality (where the rights of the unborn child are conditioned with life at birth), theory and concepts (which considers the unborn person from conception). However, it is clear that the Civil Code to protect the rights of the unborn from conception, adopted the theory conception, which gives the concept the status of person with ability to be in possession of legal relations. Thus, the unborn child is a social being and unique, with its own characteristics, capable of being subject to rights and obligations and, therefore, is likely to be indemnified for moral damage, since any person may suffer physical injury to the rights of personality. Keyword: unborn child. civil personality. moral damage.

  • GLOSSÁRIO

    Glossário que o Autor considera estratégias à compreensão do

    seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

    Gametogênese. Processo de formação e desenvolvimento de células

    especializadas para reprodução denominadas gametas.

    Espermatogênese. Processo de formação de gametas masculinos, os

    espermatozóides.

    Ovogênese ou ovulogênese. Processo de formação de gametas femininos, os

    óvulos.

    Vitelo ou deutoplasma. Material nutritivo de reserva, constituído de proteínas e,

    principalmente, fosfolipídios, que se acumula no citoplasma da maioria dos óvulos

    (nos animais) e que se destina à nutrição do embrião durante o seu

    desenvolvimento.

    Mitocôndria. Organela citoplasmática das células dos eucariontes, responsável

    pela respiração celular.

    Trompas de Falópio. Tubos musculares flexíveis, com cerca de 12 centímetros de

    comprimento, que comunicam os ovários com o útero.

    Ovogônias. Célula-mãe dos óvulos.

    Miométrio. Camada intermediária mais desenvolvida do útero.

    Perimétrio. Camada externa do útero, constituída de tecido conjuntivo.

    Endométrio. Mucosa uterina rica em vasos sanguíneos.

    Testículos. São gônadas ou glândulas sexuais masculinas.

    Espermatozóide. Gameta masculino; célula sexual masculina.

  • Óvulo. Gameta feminino; célula sexual feminina

    Patrimônio. Consiste na totalidade de bens econômicos de uma determinada

    pessoa.

    Concepto. Nascituro; aquele já concebido no ventre materno.

    De cujus. Falecido.

    stricto sensu. Em sentido estrito.

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .......................................................................................... 12

    1 DO NASCITURO ....................................................................................... 14

    1.1 INÍCIO DA VIDA HUMANA ........................................................................ 14

    1.2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA ..................................................... 17

    1.3 CONCEITO DE NASCITURO .................................................................... 19

    1.4 PERSONALIDADE E CAPACIDADE ......................................................... 20

    1.5 INÍCIO DA PERSONALIDADE CIVIL ......................................................... 22

    1.5.1 Teoria natalista ........................................................................................ 23

    1.5.2 Teoria da personalidade condicional ..................................................... 27

    1.5.3 Teoria concepcionista ............................................................................. 29

    1.6 O NASCITURO COMO PESSOA ..................................................................... 32

    2 DO DANO MORAL .................................................................................... 35

    2.1 NOÇÕES GERAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................ 35

    2.1.1 Conceito de responsabilidade civil ........................................................ 36

    2.1.2 Requisitos da responsabilidade civil ..................................................... 37

    2.1.3 Da responsabilidade civil contratual e extracontratual ........................ 38

    2.1.4 Da responsabilidade civil subjetiva e objetiva ...................................... 39

    2.2 NOÇÃO DE DANO .................................................................................... 41

    2.3 HISTÓRIA DO DANO MORAL .................................................................. 42

    2.3.1 Do código de Manu e de Hammurabi ..................................................... 42

    2.3.2 Do dano moral na Grécia Antiga ............................................................ 44

    2.3.3 Do dano moral no direito romano .......................................................... 44

    2.3.4 Do dano moral no direito civil brasileiro ............................................... 46

    2.4 DIFERENÇA ENTRE DANO MORAL E DANO PATRIMONIAL ................ 48

    2.5 CONCEITO DE DANO MORAL ................................................................. 50

    2.6 DIFERENÇA ENTRE DANO MORAL DIRETO E INDIRETO .................... 52

    2.7 CARACTERÍSTICA DO DANO MORAL .................................................... 52

    2.8 NATUREZA JURÍDICA DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL ................. 53

    2.9 DA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ....................................... 55

    2.10 DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA ...................................................... 57

  • 2.11 DANO MORAL À PESSOA FÍSICA ........................................................... 59

    3 DANO MORAL AO NASCITURO.............................................................. 61

    3.1 OS DIREITOS DO NASCITURO PREVISTOS NO ORDENAMENTO

    JURÍDICO .................................................................................................. 61

    3.1.1 Do direito a curatela e a representação ................................................. 62

    3.1.2 Do direito de receber doação ................................................................. 63

    3.1.3 Do direito de suceder e direito de filiação ............................................. 64

    3.2 A POSSIBILIDADE DE DANO MORAL AO NASCITURO ......................... 66

    3.2.1 Do quantum indenizatório ....................................................................... 77

    CONCLUSÃO ........................................................................................... 80

    REFERENCIAS DAS FONTES CITADAS ................................................ 82

  • 12

    INTRODUÇÃO

    A presente monografia tem como objeto de pesquisa, a

    possibilidade do nascituro de sofrer dano moral, uma vez que há controvérsias ainda

    não pacificadas, tanto nas doutrinas quanto nas jurisprudências, acerca do concepto

    ter ou não personalidade civil. Trata-se, principalmente, de trazer textualmente a

    condição jurídica do nascituro bem como a necessária tutela jurídica de seus

    interesses, na medida em que a lei põe a salvo seus direitos desde a concepção.

    Assim, motiva esta monografia, o interesse de investigar o

    início da vida humana bem como de sua personalidade civil, necessário para

    compreender a tutela jurídica do nascituro e, consequentemente, a possibilidade de

    ser abalado na sua esfera moral.

    Os materiais utilizados como fonte de informação e

    embasamento da pesquisa foram retirados da investigação doutrinária anteriormente

    realizada, além da análise de textos legais.

    A técnica de pesquisa utilizada na elaboração da monografia é

    a indireta, fazendo uso das fontes primárias, em especial, leis e jurisprudências.

    Utilizando-se também de doutrinas referente ao tema, como fontes secundárias.

    O método utilizado para a execução da presente monografia é

    o método dedutivo, pois se inicia a partir de uma premissa maior, qual seja, o estudo

    do concepto, do dano moral e, particularizando, ainda, para a possibilidade de dano

    moral ao nascituro.

    Para tanto, no Capítulo 1, denominado como “Do nascituro”,

    inicia-se com o estudo do início da vida humana, o problema da reprodução humana

    assistida, o significado da palavra nascituro, a diferença de personalidade e

    capacidade, o início da personalidade civil e suas respectivas teorias bem como o

    nascituro como pessoa.

  • 13

    No Capítulo 2, intitulado como “Do dano moral”, analisa-se

    além das noções gerais de responsabilidade civil, também a noção de dano, o

    histórico do dano moral, a diferença entre dano moral e dano patrimonial, o conceito

    de dano moral, a diferença de dano moral direto e indireto, as características do

    dano moral, o dano moral de pessoa jurídica e dano moral de pessoa física.

    No capítulo 3, com o título de “Dano moral ao nascituro”

    demonstra-se os direitos do nascituro previstos no ordenamento jurídico bem como

    a possibilidade de sofrer dano moral, por se tratar de pessoa por nascer, capaz de

    ser sujeito de direitos e obrigações.

    Encontra-se fundamento na teoria concepcionista, que admite

    o nascituro como pessoa, pois possui todas as características de um ser racional.

    Assim, se ao nascituro foi atribuído direitos, presume-se ter capacidade e,

    consequentemente personalidade.

    Vale lembrar ainda, que todo ato que causa dano a outrem

    deve ser indenizado, salvo caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima. Desta feita, o

    nascituro pode sofrer dano moral, porque ele é pessoa desde a concepção.

  • 14

    1 DO NASCITURO

    Existe uma grande polêmica acerca dos direitos inerentes ao

    nascituro, bem como o início da sua personalidade civil. O artigo 2º do Código Civil

    Brasileiro preceitua que a personalidade civil da pessoa tem seu início a partir do

    nascimento com vida, porém, ficam assegurados os direitos do nascituro desde a

    sua concepção.

    Para alguns doutrinadores, o nascituro é um ente

    despersonalizado, para outros possui personalidade civil, sendo considerado

    sujeito de direitos e obrigações.

    Destarte, para que possa ser compreendido melhor o tema

    abordado, será analisado neste primeiro capítulo, além do início da vida humana,

    também o problema da reprodução humana assistida, o significado da palavra

    nascituro, a diferença de personalidade e capacidade, o início da personalidade civil

    e suas respectivas teorias.

    1.1 INÍCIO DA VIDA HUMANA

    A reprodução humana tem seu início com a fecundação, que é

    a união de gametas masculinos (espermatozóides) e femininos (óvulo), dando

    origem ao ovo ou zigoto.1

    A formação de gametas é chamada de gametogênese.2

    A gametogênese pode ser dividida em dois tipos:

    espermatogênese, que é o processo através do qual se originam os

    espermatozóides e a ovogênese ou ovulogênese, que é o processo através do qual

    1 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 109. 2 LOPES, Sônia Godoy Bueno Carvalho. Bio: Introdução à biologia e origem da vida, citologia, reprodução e embriologia, histologia. 3. ed. Editora Saraiva, 1998, p. 258.

  • 15

    se originam os óvulos.3

    Os óvulos são células grandes e imóveis, onde no seu interior

    possuem uma reserva de nutrientes, denominado de vitelo ou deutoplasma, que irão

    servir para alimentar o embrião, na sua etapa inicial de desenvolvimento.4

    Ao contrário dos óvulos, os espermatozóides são células

    pequenas, móveis e alongadas.5 O espermatozóide é composto por uma cabeça,

    onde está localizado o acrossomo, rico em enzimas; uma peça intermediária, que

    contém diversas mitocôndrias; e uma calda, utilizada para a sua movimentação.6

    O aparelho reprodutor é, portanto, o responsável pela produção

    desses gametas, onde a sua principal função é a de perpetuar a espécie.7

    O aparelho reprodutor feminino é composto pelos ovários,

    trompas de falópio, útero e vagina. Os ovários estão localizados no abdômen, um de

    cada lado do útero, e apresentam células que darão origem aos óvulos, chamadas

    de ovogônias.8 Ocorrida a ovulação, o óvulo sai do ovário, passa pelas trompas de

    falópio e desemboca no útero.9

    A parede uterina divide-se em três camadas: o miométrio que

    corresponde à musculatura da parede do útero, o perimétrio que constitui a camada

    externa e o endométrio que é aonde o concepto irá se fixar e se alimentar até o seu

    nascimento.10

    Logo, o aparelho reprodutor masculino é constituído por

    testículos, epidídimo, canal deferente, vesícula seminal, próstata, canal ejaculador,

    3 LOPES, Sônia Godoy Bueno Carvalho. Bio 1: Introdução à biologia e origem da vida, citologia, embriologia e histologia. 16. ed. Editora Saraiva, 1995, p. 300. 4 LOPES, Sônia Godoy Bueno Carvalho. Bio: Introdução à biologia e origem da vida, citologia, repodução e embriologia, histologia, p. 258. 5 LOPES, Sônia Godoy Bueno Carvalho. Bio: Introdução à biologia e origem da vida, citologia, reprodução e embriologia, histologia, p. 257. 6 FONSECA, Albino. Biologia. 38. ed. São Paulo: Editora Ática, 1995, p. 277. 7 AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Fundamentos da Biologia Moderna. São Paulo: Moderna, 1990, p. 309. 8 AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Fundamentos da Biologia Moderna, p. 309. 9 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 109. 10 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 109.

  • 16

    glândulas bulbouretrais e o pênis. 11 No entanto, é nos testículos que ocorrerá a

    formação dos espermatozóides. 12

    Após a produção dos espermatozóides, estes migram para os

    outros órgãos descritos, passando por diversos processos, até formar o esperma ou

    semêm, que irão ser expelidos durante a ejaculação. 13

    Dos milhares de espermatozóides eliminados durante a

    ejaculação, somente um irá fecundar o óvulo. 14

    Realizada a fecundação, formar-se-á uma célula diplóide,

    constituída por 46 cromossomos provenientes da união de 23 cromossomos

    masculinos e 23 femininos. 15

    Deste modo, o zigoto, célula diplóide, começa a sofrer

    inúmeras divisões, denominadas clivagens, que darão origem aos blastômeros

    (células – filhas). Inicia-se então, um percurso em direção ao útero. 16

    Após setenta e duas horas, a mórula, decorrente da união de

    dezesseis blastômeros, penetra na mucosa uterina, recebendo certa quantidade

    líquida do útero. Deste modo, as células irão se dividir em duas partes, o trofoblasto,

    que originará a placenta e membranas embrionárias e o embrioblasto, que originará

    o embrião. 17

    Aproximadamente no quarto dia, a mórula se transforma em

    blastocisto, que ficará livre por dois dias nas projeções uterinas. 18

    Conforme ensina Silmara J. A Chinelato e Almeida:

    No sexto dia, o balstocisto liga-se ao endométrio. As células do

    11 PAULINO, Wilson Roberto. Biologia Atual: Seres Vivos, Fisiologia, Embriologia. 5. ed. São Paulo: Editora Ática, 1991. 2 v., p. 267. 12 FONSECA, Albino. Biologia, p. 276. 13 LOPES, Sônia Godoy Bueno Carvalho. Bio: Introdução à biologia e origem da vida, citologia, reprodução e embriologia, histologia, p. 263. 14 LOPES, Sônia Godoy Bueno Carvalho. Bio: Introdução à biologia e origem da vida, citologia, reprodução e embriologia, histologia, p. 265. 15 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito. 2 ed. rev., atual., e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p 152. 16 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 110. 17 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 110 e 111. 18 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 111.

  • 17

    trofoblasto, ativamente erosivas, iniciam uma invasão da camada endometrial do útero, rica em vasos sanguíneos e glândulas, extraindo daí a nutrição do concepto. Esse fenômeno é denominado implantação ou nidação. 19

    No mesmo sentido, Wilson Roberto Paulino resume todo esse

    processo pós-fecudação da seguinte forma: “Após a fecundação, o zigoto origina um

    pequeno embrião, que percorre a trompa de Falópio e se instala no endométrio,

    caracterizando a nidação”. 20

    Assim, conforme entendimento majoritário, caracterizado o

    fenômeno da nidação, o embrião pode ser chamado de nascituro. 21

    1.2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

    A reprodução humana assistida consiste na fecundação

    artificial ocorrida fora das víceras maternas (extra-uterina), por meio de inseminação

    de gametas humanos, com o objetivo de propiciar aos casais com problemas de

    infertilidade ou esterelidade, a oportunidade de terem filhos. 22

    Para alguns doutrinadores, como Benedita Inês Lopes Chaves,

    o embrião é um ser humano em formação, e por isso não pode ser tratado como

    uma coisa, necessitando de uma regulamentação adequada para a utilização dos

    embriões “in ,vitro”. 23

    De outra feita, a Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de

    Medicina do Brasil, admite que os embriões ou gametas não utilizados na

    fecundação artificial sejam criopreservados, não podendo o excedente ser

    19 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 111. 20 PAULINO, Wilson Roberto. Biologia Atual: Seres Vivos, Fisiologia, Embriologia, p. 275. 21 FILHO, Rodolfo Pamplona; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 18, p. 33-48, maio/jun. 2007. 22 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: Ltr, 2000, p. 64. 23 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 68.

  • 18

    descartado ou destruído. 24

    No momento da criopreservação, o casal deve se manifestar

    mediante documento escrito quanto ao destino destes embriões, caso ocorra

    divórcio, falecimento de uma ou ambas as partes, doenças graves e o período da

    doação. 25

    Todavia, essa Resolução é contraditória, pois ao mesmo tempo

    em que proíbe a destruição do embrião excedente, dá-se a faculdade de os

    cônjuges ou companheiros decidir o seu rumo. 26

    Assim, apesar da grande discussão acerca da utilização do

    embrião pré-implantatório, Benedita Inês Lopes Chaves acrescenta:

    O direito defende a vida, protegendo-a desde a concepção, concluindo-se que não se quer combater o progresso científico, mas caminhar a seu lado dentro da ética-moral-jurídico-científica. Por esses argumentos torna-se importante a regulamentação das experiências, permitindo-se somente, em casos extremos, devidamente comprovada, a necessidade de tais procedimentos, respeitando-se os seres humanos. 27

    Ademais, ensina Silmara J. A. Chinelato e Almeida que o ovo

    fecundado in vitro, não pode ser considerado nascituro quando ainda não tiver sido

    implantado no ventre materno, pois fora deste não ocorreu a gravidez, fenômeno

    necessário para caracterizar a existência de um novo ser. 28

    Somente dentro das víceras maternas, o embrião consegue se

    desenvolver, motivo pelo qual a gravidez é requisito indispensável para a sua

    viabilidade. 29

    Assim, ocorrendo à destruição do embrião fecundado “in vitro”,

    não ficará caracterizado o crime de aborto, pois o mesmo consiste na interrupção

    24 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 172. 25 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 172. 26 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 69. 27 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 71. 28 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 10. 29 ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. O nascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil. Revista de informação Legislativa. Brasília, Senado Federal, n. 97, p. 181-190, jan./mar. 1988.

  • 19

    dolosa da gravidez. É a morte do ovo, embrião ou feto. 30

    Portanto, neste período em que o embrião se encontra fora do

    útero da mãe, não se pode falar em nascituro, que é o ente já concebido no ventre

    materno, porém não nascido. 31

    1.3 CONCEITO DE NASCITURO

    Conforme preleciona Rodolfo Pamplona Filho e Ana Thereza

    Meirelles Araújo:

    O significado etimológico da palavra nascituro é “o que está por nascer”. Portanto, ente já concebido (onde já ocorreu a fusão dos gametas, a junção do óvulo ao espermatozóide formando o zigoto ou embrião), nidado (implementado nas paredes do útero materno), porém não nascido.32

    Para Pontes de Miranda, “nascituro é o concebido ao tempo

    em que se apura se alguém é titular de direito ou de pretensão, ação, ou exceção,

    dependendo a existência de que nasça com vida”.33

    Nascituro para Pablo Stolze Gagliaso e Rodolfo Pamplona

    Filho, “em outras palavras, cuida-se do ente concebido, embora ainda não

    nascido”.34

    Ainda, Eduardo de Oliveira Leite entende que, “nascituro é a

    pessoa por nascer, já concebida no ventre materno (in anima nobile)”. 35

    30 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 178. 31 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 10. 32 FILHO, Rodolfo Pamplona; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 18, p. 33-48, maio/jun. 2007. 33 MIRANDA, Pontes de. Tratato de Direito Privado, Parte Geral. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 220. 34 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: parte geral. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 82. 35 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade. Revista de Direito

  • 20

    No mesmo sentido, Rubens Limongi França dispõe:

    Nascituro, de acordo com a etimologia do vocábulo (de nasciturus-a-um) é aquele que há de ou deve nascer. Distingue-se da prole eventual, também protegida pelo direito (Cód. Art. 1.718, in fine), e a diferença específica, à face da ciência jurídica, está no fato de ser o nascituro o ente já concebido. Assim, para os jurisperitos, nascituro é a pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno. 36

    Nelson Godoy Bassil Dower, com relação ao nascituro afirma

    que “por nascituro se entende o feto já concebido e que se encontra no ventre

    materno. 37

    Por conseguinte, nascituro é o ente já concebido no ventre

    materno, que está para vir ao mundo, mas que seu nascimento ainda não se

    realizou. 38

    1.4 PERSONALIDADE E CAPACIDADE

    Clóvis Beviláqua afirma que, “pessoa é o ser a que se atribuem

    direitos e obrigações. Personalidade é a aptidão reconhecida pela ordem jurídica a

    alguém para exercer direitos e contrair obrigações”. 39

    Para Rubens Limongi França, “personalidade é a qualidade do

    ente que se considera pessoa. A pessoa a possui desde o início até o fim de sua

    existência”. 40

    Personalidade é, portanto, toda pessoa com capacidade para

    Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. ano 20, n. 78, p. 22-40, out./dez. 1996. 36 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 126. 37 DOWER, Nelson Godoy Bassil. Direito Civil simplificado: parte geral. São Paulo: Nelpa, 2000, p. 6. 38 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 7. 39 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1972, p. 67. 40 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 131.

  • 21

    ser sujeito de direito e contrair obrigações. 41

    Segundo Sérgio Abdalla Semião:

    [...] o sujeito de direitos é, em primeiro lugar, o homem, o mais imediato portador de direitos subjetivos, o sujeito por excelência, já que a ordem jurídica existe exclusivamente para os homens e, por isso, é natural que eles sejam os principais participantes da vida jurídica, individualmente ou em agrupamentos sociais. 42

    Ainda, Gustavo Tepedino acrescenta:

    Logo, podemos afirmar que a personalidade não se resume à possibilidade de ser titular de direitos e obrigações, ou seja, ao conceito abstrato de pessoa próprio do ideário oitocentista, importando no reconhecimento de direitos que tocam somente ao ser humano, expressão de sua própria existência. Trata-se do reconhecimento da personalidade como valor ético emanado do princípio da dignidade da pessoa humana e da consideração do direito civil do ser humano em sua complexidade. 43

    Todavia, não se pode confundir personalidade com

    capacidade. A capacidade corresponde a um dos elementos da personalidade, e

    pode ser dividida em duas: capacidade de direito e capacidade de fato. 44

    Conforme ensina Gustavo Tepedino, todas as pessoas físicas

    adquirem capacidade de direito, a luz do princípio da igualdade, verificado no artigo

    1º do Código Civil Brasileiro. 45

    Art. 1. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. 46

    Deste modo, a capacidade de direito ou gozo, é a aptidão para

    41 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 24. 42 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 29. 43 TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 3. 44 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 128. 45 TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional, p. 11. 46 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Vade Mecum RT. 2 ed. rev., ampl. e atual.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 177.

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    ser titular de relações jurídicas. 47

    No entanto, a capacidade de fato ou de exercício, consiste na

    aptidão de algumas pessoas exercerem direitos na vida civil. 48

    Além disso, Silmara J. A. Chinelato e Almeida diz que

    “capacidade de fato ou de exercício é a faculdade que tem a pessoa, por si mesma,

    de levar a efeito o uso e gozo dos diversos direitos”. 49

    Assim, apesar de todas as pessoas físicas adquirirem ao

    nascer capacidade de direito, somente algumas possui a aptidão para exercê-lo, na

    medida em que a lei faz restrições quanto ao seu exercício. 50

    1.5 INÍCIO DA PERSONALIDADE CIVIL

    Desde os tempos da Grécia Antiga e do Direito Romano,

    juristas de todas as partes do mundo vêm analisando o problema da personalidade

    civil do nascituro, posto que se trata de matéria ainda não pacífica nas diversas

    doutrinas. No Brasil, o problema não é diferente. 51 O artigo 2º do Código Civil

    Brasileiro dispõe que:

    Art. 2. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.52

    O artigo do Código Civil Brasileiro traz controvérsias acerca do

    início da personalidade civil do nascituro, uma vez que, a lei não o considera

    pessoa, mas garante os seus direitos desde a sua concepção. 53

    47 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed. rev., atual. e aumt. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 221. 48 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 133. 49 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 133. 50 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 39. 51 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 1 e 2. 52 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Vade Mecum RT, p. 177. 53 TEPEDINO, Gustavo.A parte geral do código civil:estudos na perspectiva civil-constitucional,p. 4.

  • 23

    Neste sentido, Sérgio Abdalla semião assevera:

    Considerando-se que, juridicamente, são pessoas apenas aqueles que são sujeitos de direitos, e que a personalidade é um atributo das pessoas, o artigo estabelece normas contraditórias entre si. Uma ao reverso da outra: esta repelindo aquela, anulando-se mutuamente. 54

    Com efeito, para elucidar a natureza jurídica do nascituro, a

    doutrina brasileira divide-se em três correntes: teoria natalista, teoria da

    personalidade condicional e teoria concepcionista.55

    A primeira corrente, afirma que a personalidade civil inicia do

    nascimento com vida. 56 Nascimento consiste na separação do feto da barriga ou

    ventre da mãe, podendo ocorrer de maneira natural ou artificial. Logo, o elemento

    vida, verifica-se pela respiração, que se constitui pela entrada de ar no pulmão,

    bastando um só momento para caracterizar a personalidade civil. 57

    A segunda teoria atribui ao nascituro uma condição, ou seja,

    somente se o concepto vier a nascer com vida, ficará caracterizada a personalidade

    civil desde a concepção. 58

    A terceira corrente, afirma que o nascituro adquire

    personalidade civil desde a sua concepção, independentemente da condição do

    nascimento com vida. 59

    1.5.1 Teoria natalista

    Os partidários da teoria natalista representam a grande maioria 54 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 66. 55 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 145. 56 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 145. 57 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 126. 58 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 145. 59 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 35-36.

  • 24

    dos doutrinadores e encontram respaldo jurídico no art. 2º do Código Civil Brasileiro,

    ao afirmar que o nascituro não tem personalidade jurídica. 60

    Grandes civilistas são adeptos a essa teoria como Silvio

    Rodrigues, Eduardo Espínola 61 e Pontes de Miranda. 62

    Para esses doutrinadores, o nascituro não é considerado

    pessoa, possuindo assim mera expectativa de direito. 63

    Conforme os ensinamentos de Pontes de Miranda:

    No útero, a criança não é pessoa. Se não nasce viva, nunca adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direito, nem pôde ter sido sujeito de direito (= nunca foi pessoa). Todavia, entre a concepção e o nascimento, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tenha de esperar o nascimento para se saber se algum direito, pretensão, ação, ou exceção lhe deveria ter ido. Quando o nascimento se consuma, a personalidade começa. Não é preciso que se haja cortado o cordão umbilical; basta que a criança haja terminado de nascer (= sair da mãe) com vida. 64

    Desta feita, por não ser o nascituro considerado pessoa, não

    tem este, vida independente, fazendo assim, parte das entranhas da mãe. Os

    natalistas sustentam que o nascituro e a mãe ficam unidos pela placenta, formada

    por tecido do concepto e por tecido materno. 65

    Portanto, para a escola natalista o nascituro adquire

    personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, visto que é considerado um

    ente despersonificado. 66

    Conforme se exemplifica com a decisão do Tribunal de Justiça

    do Rio Grande do Sul o nascituro adquire personalidade a partir do nascimento com

    vida:

    60 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução, p. 223. 61 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 145. 62 MIRANDA,Pontes de. Tratato de Direito Privado: Parte Geral, p. 217. 63 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p 25. 64 MIRANDA,Pontes de. Tratato de Direito Privado: Parte Geral, p. 217. 65 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 43. 66 TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do código civil: estudos na perspectiva civil constitucional, p. 4.

  • 25

    EMENTA: Apelação cível. Seguros. Ação de indenização. Seguro DPVAT. Direito de a mãe receber a indenização correspondente ao nascituro. Possibilidade jurídica do pedido. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Inteligência do art. 2º do Novo Código Civil. Insurgência contra o termo inicial de incidência da correção monetária. A correção monetária incide desde a data da ocorrência do evento danoso. Manutenção do índice fixado em sentença. O IGP-M é o indexador que melhor reflete a realidade inflacionária. Sentença mantida. Apelo desprovido. 67

    Rubens Limongi França preceitua os principais argumentos

    para essa teoria: o embrião não é considerado pessoa no campo jurídico nem no

    campo filosófico; se não constitui pessoa, difícil ter capacidade; a teoria oposta

    (concepcionista) alega o inconveniente de que a gravidez possa alterar o andamento

    das relações jurídicas. 68

    No mais, no direito romano, não bastava que o nascituro

    nascesse com vida, era necessário que adquirisse forma humana para ser

    considerado pessoa. A ausência de forma humana caracterizava-se o monstrum. 69

    O monstrum é o ser humano que nasceu com alguma deformidade. 70

    Apesar de existir alguns textos romanos que reconhecem o

    nascituro como pessoa, para os natalistas não há dúvidas de que prevaleceu entre

    os civilistas romanos à idéia de que o nascituro faz parte das vísceras da mãe, não

    sendo assim, considerado pessoa. 71

    Ainda, em Roma, além do nascimento com vida e da exigência

    de forma humana, era necessária a existência de um período mínimo de gestação

    de seis meses, no qual segundo Hipócrates, era o tempo mínimo considerado para

    que a criança sobrevivesse depois de nascida. 72

    Seguindo essa mesma linha de raciocínio dos juristas romanos,

    67 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70010345999. ÓRGÃO Julgador: Sexta Câmara Cível. Relator: Ney Wiedemann. Data da decisão: 24/11/2005. Disponível em www.tj.rs.gov.br. Acesso em 19/04/2008. 68 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 127. 69 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 22. 70 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 22. 71 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 47. 72 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 47-48.

  • 26

    o Código Civil Francês exige ainda o requisito da viabilidade, indispensável para a

    caracterização da personalidade civil. 73

    Para a lei brasileira, basta o nascimento com vida. No entanto,

    como há uma expectativa de que nasça com vida, a lei desde logo assegurou alguns

    direitos inerentes ao nascituro, posto que existe uma grande probabilidade de esses

    direitos em breve serem do nascido. 74

    Cumpre salientar, que o nascimento dá-se pela separação do

    embrião das vísceras maternas e, a vida, verifica-se pela entrada de ar no pulmão. A

    partir do nascimento com vida, a personalidade se consuma, passando a existir uma

    pessoa com aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações. 75

    Neste sentido, Sérgio Abdalla Semião acrescenta:

    Sustentam os natalistas que, caso os direitos do nascituro não fossem taxativos, como entendem os concepcionistas, nenhuma razão existiria para que o Código Civil declinasse, um por um, os seus direitos. Fosse ele pessoa, todos os direitos subjetivos lhe seriam conferidos automaticamente, sem necessidade da lei decliná-los um a um. Dessa forma, essa seria a verdadeira interpretação sistemática que se deve dar ao Código Civil Brasileiro. 76

    No mais, segundo estes civilistas, o aborto é possível quando

    for para salvar a vida da mãe ou preservar a sua saúde, posto que há uma

    desigualdade entre a vida do nascituro, ser ainda não nascido, contra a vida da mãe,

    que é pessoa já nascida. 77

    Ainda, se a gravidez for resultante de estupro, colocam-se os

    sentimentos da mãe acima da vida do nascituro. 78

    73 MIRANDA,Pontes de. Tratato de Direito Privado: Parte Geral, p. 54. 74 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral, p. 36. 75 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 126. 76 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 41. 77 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 45. 78 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 45.

  • 27

    1.5.2 Teoria da personalidade condicional

    Os adeptos à teoria da personalidade condicional afirmam que

    a personalidade civil começa desde a concepção, sob a condição de o nascituro

    nascer com vida. 79

    Alnoldo Wald diz que o nascituro não é considerado sujeito de

    direito, porém, o nosso ordenamento jurídico protege os seus direitos tanto na esfera

    Civil como na esfera criminal, no caso de aborto. 80

    Ainda, segundo este doutrinador, o nascituro possui uma

    personalidade condicional, ou seja, caso nasça com vida, adquire personalidade

    desde a concepção, caso contrário, a mesma se extingue. 81

    Também, o código Chileno e o Código Paraguaio adotam esta

    teoria, ficando o nascituro subordinado a uma condição suspensiva, qual seja o

    nascimento com vida. 82

    Para Washington de Barros Monteiro, independente da

    condição do nascituro, há nele uma esperança de vida, ficando salvaguardado os

    seus direitos, desde que ocorra o nascimento com vida. Por isso, atribui-se ao

    nascituro uma personalidade condicional. 83

    Nesse diapasão, extrai-se o seguinte julgado do Tribunal de

    Justiça do Estado de Santa Catarina:

    CIVIL - AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT) - ACIDENTE DE VEÍCULO - AUTORA QUE EM DECORRÊNCIA DO SINISTRO SOFRE ABORTO - GESTAÇÃO NO SEXTO MÊS - NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR PERSONALIDADE JURÍDICA - INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 -

    79 TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional, p. 5. 80 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Introdução e parte geral. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 120. 81 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Introdução e parte geral, p. 120. 82 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 91-97. 83 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 41. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 35.

  • 28

    CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO SE ENQUADRA NA HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 3º DA LEI 6.194/74 (MORTE DE PESSOA DECORRENTE DE ACIDENTE COM VEÍCULO AUTOMOTOR) - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

    O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Conseqüentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no art. 3º da Lei 6.194/74 (seguro obrigatório para o beneficiário da vítima fatal).84

    Outro civilista adepto a esta corrente é Gastão José Saraiva ao

    afirmar que o nascituro é sujeito de direitos mediante condição suspensiva, uma vez

    que se trata de evento futuro e incerto, ocorrendo à eficácia do ato jurídico se nascer

    com vida. 85

    Além disso, Rodolfo Pamplona Filho e Ana Thereza Meirelles

    Araújo ensinam:

    Sem o implemento da condição – nascimento com vida - não haverá aquisição da personalidade. Conclusivamente, a aquisição de certos direitos (como o de caráter patrimonial) ocorreria sob a forma de condição suspensiva, ou seja, se o não nascido nascer com vida, sua personalidade retroage ao momento de sua concepção. Assim o feto tem personalidade condicional, pois tem assegurado a proteção e gozo dos direitos da personalidade, mas, somente gozará dos demais direitos (os de cunho patrimonial) quando nascer com vida, ou seja, quando restar implementada a condição capaz de conferir a sua personalidade plena.86

    Todavia, Miguel Maria da Serpa Lopes preceitua que os

    direitos adquiridos pelo nascituro estão sob uma condição resolutiva e não

    suspensiva, posto que tivesse uma personalidade antecipada, condicional, futura e

    passageira. 87

    84 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº. 2005.039028-9/SC. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil. Relator: Marcus Túlio Sartorato. Data da decisão: 29/06/2006. Disponível em www.tj.sc.gov.br Acesso em 21/04/2008. 85 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 155. 86 FILHO, Rodolfo Pamplona; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 18, p. 33-48, maio/jun. 2207. 87 LOPES, Miguel Maria da Serpa. Curso de direito civil: introdução, parte geral e teoria dos

  • 29

    Igualmente, no direito Romano ás vezes também era

    reconhecido ao nascituro uma personalidade condicional, desde que nascesse

    viável, ou seja, “Nasciturus pro jam nato habetur quoties de ejus commodis agitur” (o

    nascituro se tem por nascido, quando se trata de seu interesse). 88

    1.5.3 Teoria concepcionista

    Segundo a teoria concepcionista o nascituro é considerado

    pessoa desde a sua concepção, independentemente da condição de nascer com

    vida. Alguns doutrinadores adotaram esta corrente como Rubens Limongi França,

    Francisco dos Santos Amaral, Teixeira de Freitas e Silmara J. A. Chinelato e

    Almeida. 89

    Para Rubens Limongi França:

    [...], a teoria da personalidade condicional é a que mais se aproxima da verdade, mas traz o inconveniente de levar a crer que a personalidade só existirá depois de cumprida a condição do nascimento. Ora, a personalidade já existe com a concepção. A condição do nascimento não é para que a personalidade exista, mas tão-somente para que se consolide a sua capacidade jurídica. 90

    Cumpre ressaltar, que segundo este civilista o nascituro é

    pessoa já que possui todas as características de um ser racional, podendo ser

    equiparado ao recém nascido que não possui capacidade de se administrar. 91

    Ainda, Eduardo de Oliveira Leite preceitua:

    A teoria concepcionista, que certamente influencia bastante o mundo jurídico, admite ser o embrião, desde a fecundação, algo distinto da mãe e com uma autonomia genético-biológica que não permite estabelecer nenhuma mudança essencial em sua natureza até a

    negócios jurídicos. 9. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 288. 88 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 97. 89 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 158. 90 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 127. 91 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 128.

  • 30

    idade adulta. 92

    Outrossim, todas as legislações dos povos civilizados

    reconhecem a proteção dos direitos ao nascituro. Portanto, se ao nascituro atribui-se

    direitos, presume-se ter capacidade, e quem tem capacidade reconhece

    personalidade. 93

    Logo, estes direitos reconhecidos ao nascituro desde a

    concepção dizem respeito apenas aos direitos personalíssimos, sendo que os

    direitos patrimoniais ficarão sujeitos a uma condição suspensiva, adquiridos somente

    a partir do nascimento com vida. 94

    Como exemplo transcreve-se decisão do Tribunal de Justiça do

    Rio Grande do sul:

    EMENTA: SEGURO-OBRIGATORIO. ACIDENTE. ABORTAMENTO. DIREITO A PERCEPCAO DA INDENIZACAO. O NASCITURO GOZA DE PERSONALIDADE JURIDICA DESDE A CONCEPCAO. O NASCIMENTO COM VIDA DIZ RESPEITO APENAS A CAPACIDADE DE EXERCICIO DE ALGUNS DIREITOS PATRIMONIAIS. APELACAO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 95

    Para esta corrente, ao proteger os direitos do nascituro, a

    legislação brasileira o considera pessoa, uma vez que pessoa é todo homem apto a

    ser sujeito de direitos. 96

    Ainda, o Código Civil austríaco e o Código Civil Argentino

    também adotam a teoria concepcionista ao assegurar que o nascituro é considerado

    pessoa, possuindo assim, personalidade jurídica. 97

    Ademais, vale frisar que há textos no direito Romano que

    92 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. ano 20, n. 78, p. 22-40, out./dez. 1996. 93 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 128. 94 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: parte geral, p. 83. 95 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº. 70002027910. órgão Julgador: Sexta Câmara Cível. Relator: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Data da decisão: 28/03/2001. Disponível em www.tj.rs.gov.br Acesso em 21/04/2008. 96 FILHO, Rodolfo Pamplona; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, 18 v., p. 33-48, maio/jun. 2007. 97 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 79 e 87.

  • 31

    afirmam que o início da personalidade começa desde a concepção. Portanto, se o

    feto nascer com vida a sua existência conta desde a concepção. 98

    Dessa forma, Clóvis Beveláqua acrescenta: “Ora, se a

    existência se calcula desde a concepção, para atribuir-se, desde então, direito ao

    homem, é irrecusável que, a começar desse momento, êle é sujeito de relações

    jurídicas”. [sic]99

    Desde o direito romano o aborto era punido. 100 Assim, para os

    adeptos a essa corrente doutrinária, a incriminação do aborto é a maior prova de

    que o nascituro é considerado pessoa, pois possui respaldo jurídico no código penal

    brasileiro, protegendo deste modo, o direito à vida do nascituro. 101

    Assim, fica claro que o crime de aborto constitui uma violação

    ao bem jurídico maior, qual seja, a vida do ser humano em formação. 102

    O direito a vida está assegurado na Constituição da República

    Federativa do Brasil, artigo 5º, caput. 103

    Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade nos termos seguintes:

    [...].104

    Ademais, para a teoria concepcionista o nascituro é, desde a

    sua concepção, uma “pessoa humana”, igual a qualquer outro sujeito. 105

    Adverte Eduardo de Oliveira Leite:

    Quando o Código Civil brasileiro distingue as duas realidades,

    98 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 45-46. 99 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 4. ed. Ministério da Justiça, 1972, p. 73. 100 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 164. 101 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 36. 102 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 252. 103 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução, p. 223. 104 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum RT. 2 ed. rev., ampl. e

    atual.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 29. 105 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. ano 20, n. 78, p. 22-40, out./dez. 1996.

  • 32

    pessoa e personalidade deixa bem claro e de maneira precisa, que a “personalidade civil” do homem começa do nascimento com vida, mas que a lei “põe a salvo” (isto é, protege, atribui juridicidade) desde a concepção os direitos do nascituro. Se a lei atribui direitos ao nascituro “desde a concepção” é porque aí visualizou ocorrência de pessoalidade.106

    Portanto, os partidários da corrente concepcionista, consideram

    o nascituro pessoa com aptidão para ser titular de direitos e obrigações, protegendo

    o direito a vida desde a concepção. 107

    1.6 O NASCITURO COMO PESSOA

    Para Rubens Limongi França:

    Pessoa vem do latim persona-ae, que por sua vez tem a origem no verbo personare (per +sonare), que quer dizer soar com intensidade. Servia aquêle vocábulo inicialmente para designar a máscara usada pelos atores teatrais, graças a qual lhes era assegurado o aumento do volume da voz. Por analogia, passou a palavra a ser utilizada no direito para designar o ser humano, enquanto desempenha o seu papel no teatro da vida jurídica. [sic] 108

    Para a teoria concepcionista, o nascituro é considerado pessoa

    humana desde a sua concepção, e por isso goza de certos direitos, na medida em

    que é titular de relações jurídicas. 109

    Assim, de acordo com o Código Civil Brasileiro toda pessoa

    possui capacidade de contrair direitos e deveres na esfera civil. 110

    Desta feita, o princípio da igualdade está em nosso

    ordenamento jurídico desde a primeira constituição da República, quando afirmava

    106 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. ano 20, n. 78, p. 22-40, out./dez. 1996. 107 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 34. 108 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, p. 123. 109 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: parte geral, p. 83. 110 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Vade Mecum RT, p. 177.

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    que todos são iguais perante a lei. 111

    Com efeito, Sérgio Abdalla Semião assevera:

    Não há perante a Constituição, diferenças entre pessoas do sexo masculino ou feminino, ricos ou pobres, idosos ou jovens. Portanto, é proibida a desigualdade no tratamento jurídico entre os indivíduos, salvo devido a algumas qualidades especiais. Assim, feita essa ressalva, entenda-se que a igualdade como postulado não é absoluta, às raias da cegueira, devendo respeitar a correspondência da paridade de direitos com paridade de condições dos homens na sociedade, devido a certas peculiaridades, como por exemplo, a capacidade de exercício dos direitos.112

    Outrossim, o Estatuto da criança e do adolescente, a luz dos

    artigos 2º, parágrafo único e 3º preleciona:

    Art. 2. Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.

    Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade.113

    Art. 3. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.114

    Assim, para a lei 8.069/90, criança é pessoa na medida em que

    o Estatuto atribui a ela direitos, como a vida e a integridade física. Portanto, se

    possui direitos, possui personalidade. 115

    Neste sentido, no Brasil para fins jurídicos, criança diz respeito

    111 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 26. 112 SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito, p. 27. 113 BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Vade Mecum RT, p. 982. 114 BRASIL . Estatuto da criança e do adolescente. Vade Mecum RT, p. 982. 115 QUEIROZ, Victor Santos. A personalidade do nascituro à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro: Ministério Público, n. 17, p. 239-242, jan./jun.2003.

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    a todos os seres humanos, nascidos ou que estão para nascer. 116

    Neste mesmo diapasão, Eduardo de Oliveira Leite acrescenta:

    Quando um espermatozóide humano fecunda um óvulo humano há, certamente potencialidade de pessoa, mas, sobretudo, surgimento indiscutível de uma vida humana porque este óvulo fecundado não conduzira a outra coisa, se não, a um ser humano. Esta vida, porque ela é humana, é, eminentemente respeitável e deve ser protegida desde o seu começo. 117

    Deste modo, considera-se criança desde a concepção, pois a

    partir deste momento há um ser humano em formação hábil a sofrer os efeitos das

    relações sociais. 118

    Enfatiza-se, portanto, que o nascituro é pessoa na medida em

    que sujeitos de direitos são pessoas. 119

    Por fim, cumpre salientar que para o campo jurídico o nascituro

    é pessoa, pois carrega em si características próprias, constituindo um ser social e

    único. 120

    Assim sendo, ao considerar o nascituro pessoa com

    capacidade para ser titular de direitos e contrair obrigações, além dos direitos

    previstos no ordenamento jurídico, outros lhe são conferidos, como o direito a

    indenização por danos morais,121que será tratado com ênfase nos capítulos

    seguintes.

    116 QUEIROZ, Victor Santos. A personalidade do nascituro à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro: Ministério Público, n. 17, p. 239-242, jan./jun.2003. 117 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito do Embrião Humano: Mito ou Realidade. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. ano 20, n. 78, p. 22-40, out./dez. 1996. 118 QUEIROZ, Victor Santos. A personalidade do nascituro à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro: Ministério Público, n. 17, p. 239-242, jan./jun.2003. 119 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 18. 120 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de; SOUZA, Tatiana Ribeiro de. O direito do nascituro: vida e pessoa. Revista Brasileira de direito de família. v. 7, n. 34, p. 153-163, fev./mar., 2006. 121 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato e. Tutela Civil do nascituro, p. 317-328.

  • 35

    2 DO DANO MORAL

    O presente capítulo tem como objetivo analisar o instituto dano

    moral e suas respectivas modalidades.

    Inicialmente serão abordadas algumas noções de

    responsabilidade civil e, na seqüência, será analisado a noção de dano, o histórico

    do dano moral, a diferença entre dano moral e dano patrimonial, o conceito de dano

    moral, a diferença de dano moral direto e indireto, as características do dano moral,

    a sua natureza jurídica, a fixação do quantum indenizatório e por fim, o dano moral

    de pessoa jurídica e de pessoa física, que abrange também o nascituro.

    2.1 NOÇÕES GERAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

    A responsabilidade civil tem suas raízes no direito romano,

    tendo como alicerce a vingança privada, onde se fazia justiça com as próprias mãos

    por meio da lei de Talião. 122

    Conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz:

    O vocábulo “responsabilidade” é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais.123

    Assim, devido aos conflitos humanos em sociedade, surge a

    idéia de responsabilidade, na medida em que todo ato que acarreta em um prejuízo,

    em regra, deve ser indenizado. 124

    122 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 4. ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. 3 v., p. 10. 123 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 7 v., p . 33. 124 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1.

  • 36

    2.1.1 Conceito de responsabilidade civil

    A responsabilidade civil consiste na obrigação que tem tanto a

    pessoa física quanto jurídica de indenizar os danos causados a outrem. 125

    Conforme leciona Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

    Filho:

    [...], conclui-se que a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às conseqüências do seu ato (obrigação de reparar).

    Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. 126

    Silvio Rodrigues define a responsabilidade civil como sendo a

    obrigação atribuída a uma pessoa, de reparar os danos causados à vítima, em razão

    de ato ilícito. 127

    Neste sentido, Antônio Jeová Santos adverte que “não existe

    responsabilidade, dever de indenizar, se não houver dano, culpa e nexo causal”. 128

    De outra feita, Maria Helena Diniz dispõe:

    [..] poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou extrapatrimonial causado a terceiros em razão do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. 129

    125 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 1. 126 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 9. 127 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 4 v., p. 6. 128 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável. 3. ed. São Paulo: Editora Método, 2001, p. 83. 129 DINIZ, Maria HELENA. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 7 v., p. 34.

  • 37

    É, portanto, a responsabilidade civil, um meio de obrigar o

    infrator que causou prejuízos à outra pessoa, a reparar o dano sofrido pela vítima

    lesada, mediante o pagamento de uma indenização. 130

    2.1.2 Requisitos da responsabilidade civil

    A responsabilidade civil decorre de uma atividade danosa

    praticada por alguém que se vê obrigada a reparar os prejuízos oriundos de uma

    violação a uma norma jurídica preexistente. 131

    Assim, para haver responsabilidade civil são necessários

    alguns requisitos como: ação ou omissão do agente, dano e nexo de causalidade.132

    O agente pode provocar dano por ato próprio, por ato que

    esteja sob sua responsabilidade ou por coisas que estejam sob sua guarda. 133

    Para existir responsabilidade é necessário, portanto, que o

    agente pratique evento danoso, agindo de maneira comissiva ou omissiva. 134

    Ainda, não há responsabilidade sem dano, seja ele moral e/ou

    patrimonial, pois somente surge o dever de indenizar se causar prejuízo a alguém.135

    Para que surja o dever de indenizar, é indispensável que exista

    uma ligação entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima. 136

    Portanto, se o dano for conseqüência de um ato exclusivo da

    vítima, não surge à obrigação de reparar o prejuízo, pois se quebra o nexo de

    130 CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro, p. 109. 131 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 9. 132 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p.9. 133 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 14. 134 DINIZ, Maria HELENA. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 37. 135 DINIZ, Maria HELENA. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 37. 136 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 17.

  • 38

    causalidade. 137

    2.1.3 Da responsabilidade civil contratual e extracontratual

    Quando uma das partes descumpre uma obrigação estipulada

    em contrato, diz-se que a responsabilidade civil é contratual. Entretanto, será

    extracontratual ou aquiliana quando o dano violar uma norma legal em razão de ato

    ilícito praticado pela pessoa que provocou prejuízo. 138

    Na responsabilidade contratual há o inadimplemento por uma

    das partes contratantes e o conseqüente dever de reparar o prejuízo, estando

    prevista em nosso ordenamento jurídico nos artigos 389 e seguintes, 1056 a 1064

    do Código Civil Brasileiro. 139

    Já, a responsabilidade extracontratual encontra respaldo

    jurídico nos artigos 186 a 188 e 927 e seguintes, todos do Código Civil Brasileiro. 140

    Noutras palavras, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

    Filho acentuam que:

    Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquilianaI, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém.141

    Em síntese, na responsabilidade contratual há uma violação à

    norma prevista em contrato, enquanto que, na responsabilidade extracontratual há

    137 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 42. 138 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 8. 139 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. p. 18-19. 140 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. p. 18-19. 141 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 18.

  • 39

    uma violação a uma norma legal. 142

    2.1.4 Da responsabilidade civil subjetiva e objetiva

    A responsabilidade subjetiva é aquela em que precisa ser

    comprovado a culpa ou dolo do agente causador do dano. 143

    O principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva é a

    culpa, que é empregada em sentido amplo, abrangendo tanto a culpa stricto sensu

    quanto o dolo. 144

    A culpa se caracteriza pela imprudência, negligência ou

    imperícia do autor do dano, enquanto, o dolo, verifica-se pela vontade consciente de

    praticar ato ilícito. 145

    A teoria da responsabilidade subjetiva é mantida como regra

    geral no nosso ordenamento jurídico, conforme pode ser analisado no artigo 186 do

    Código Civil Brasileiro:146

    Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.147

    Assim, a responsabilidade subjetiva depende do

    comportamento do agente que, se agir ilicitamente com dolo ou culpa, ficará

    obrigado a reparar o dano averiguado. 148

    Convém lembrar a lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo

    Pamplona Filho: “A noção básica da responsabilidade civil, dentro da doutrina

    142 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade civil. 6. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Editora Malheiros, p. 38. 143 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 11. 144 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade civil, p. 38. 145 DINIZ, Maria HELENA. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 41. 146 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p.13. 147 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Vade Mecum RT, p. 190. 148 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade civil, p. 40.

  • 40

    subjetiva, é o princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa –

    unuscuique sua culpa nocet”.149

    Outrossim, não se pode falar em responsabilidade civil sem

    culpa, eis que esta é fundamento daquela, pois não havendo culpa, não há, em

    regra, responsabilidade. 150

    Entretanto, há exceções que estão expressamente previstas

    em lei, como estabelece o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil Brasileiro:

    Art. 927. [...]

    Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.151

    Nestes casos específicos, ter-se-á a responsabilidade civil

    objetiva, que tem seu fundamento na teoria do risco, surgida principalmente na

    França no final do século XIX, onde consiste justamente no dever de indenizar a

    vítima, por ato praticado pelo agente do dano ou sob sua responsabilidade, mesmo

    que este não tenha agido com culpa. 152

    Sobre a teoria do risco, assevera Sílvio de Salvo Venosa:

    A teoria do risco aparece na história do Direito, portanto, com base no exercício de uma atividade, dentro da idéia de que quem exerce determinada atividade e tira proveito direto ou indireto dela responde pelos danos que ela causar, independentemente de culpa sua ou de prepostos. O princípio da responsabilidade sem culpa ancora-se em um princípio de equidade: quem aufere os cômodos de uma situação deve também suportar os incômodos. O exercício de uma atividade que possa representar um risco obriga por si só a indenizar os danos causados por ela. 153

    Logo, na responsabilidade objetiva não precisa ser

    demonstrado dolo ou culpa do autor do dano, bastando à existência do nexo de 149 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 14. 150 DINIZ, Maria HELENA. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 40-41. 151 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Vade Mecum RT, p. 233. 152 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade civil, p. 145. 153 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 13.

  • 41

    causalidade entre o dano e o ato praticado pelo agente, para surgir a obrigação de

    reparar o prejuízo sofrido pela vítima. 154

    Assim, o elemento dolo e culpa não são requisitos para a sua

    caracterização, ficando o agente obrigado a reparar o prejuízo, independentemente

    da conduta adotada por ele, na medida em que tal responsabilidade é estabelecida

    por lei.155

    2.2 NOÇÃO DE DANO

    A noção de dano compreende-se em prejuízo, deteriorização,

    perda de alguma coisa.156

    Na lição de João Roberto Parizzato, “dano derivado do latim

    damnum, indica mal ou ofensa in casu à moral, que vem a ser o conjunto de regras

    de conduta da pessoa. Com a ofensa vislumbra-se um prejuízo a alguém, em virtude

    da conduta de outrem.”157

    O dano, portanto, constitui uma lesão a um direito,

    ocasionando prejuízo ou perda de bens materiais ou imateriais do ofendido.158

    Dessa forma, Pablo Stolze Gagliano assevera: “Nestes termos,

    poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse

    jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou omissão do sujeito

    infrator.” 159

    Ainda, Carlos Alberto Bittar preceitua:

    Dano é prejuízo experimentado por alguém em razão de ação ou 154 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, p. 11. 155 DINIZ, Maria HELENA. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 50. 156 PICCOLOTTO, Neltair. O dano moral: caracterização e reparação. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 20. 157 PARIZATTO, João Roberto. Dano Moral. 2. ed. Ouro Fino: EDIPA: Editora Parizatto, 2000, p. 4. 158 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. 3. ed. Rio de Janneiro: Forense, 2000, p. 4. 159 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 36.

  • 42

    omissão de outrem, contrária ao Direito, ou com cujo resultado este não compactua. É a lesão suportada por certa pessoa, tanto em seu patrimônio (dano material), como em sua personalidade (dano moral), em função de ato ilícito, ou de exercício de atividade perigosa realizada por outrem. 160

    Desta feita, o dano abrange todo prejuízo causado pela ação

    contrária à norma jurídica, podendo ser de natureza patrimonial ou

    extrapatrimonial.161

    2.3 HISTÓRIA DO DANO MORAL

    Desde a antiguidade, há relatos sobre a existência da

    reparação por danos, decorrente de ato lesivo praticado entre particulares, como

    pode ser observado no Código de Manu e de Hammurabi, na Grécia Antiga e no

    Direito Romano.162

    No entanto, foi somente com o advento da Constituição da

    República Federativa do Brasil de 1988, que a reparação por dano moral passou a

    ser expressamente admitida na órbita jurídica, sendo mais tarde, também

    regulamentada pelo Código Civil Brasileiro de 2002.163

    2.3.1 Do código de Manu e de Hammurabi

    A caracterização do dano moral pode ser encontrada desde os

    códigos de Manu e de Hammurabi, que dispunham em alguns artigos a configuração

    160 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por danos morais. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 255. 161 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável, p. 75-76. 162 PICCOLOTTO, Neltair. O dano moral: caracterização e reparação, p. 23. 163 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. rev.,ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 53-54.

  • 43

    do dano moral e a sua respectiva reparação.164

    Para o código de Manu o simples descumprimento de um

    contrato implicaria, além das verbas indenizatórias, à sujeição a pena de desterro.165

    Ademais, quem seduzisse mulheres de outrem, estaria sujeito

    a reparação por danos morais, sob forma de desterro, após a imposição de

    mutilações desonrosas.166

    Nessa linha, Moacir Luis Gusso discorre em sua doutrina que

    na Babilônia, através do código de Hammurabi já se fazia menção em relação ao

    dano moral, na medida em que era admitida a reparação pela ofensa moral.167

    No código de Hammurabi entendia-se que a prática de bruxedo

    acarretaria além de uma perda econômica, também uma lesão moral ao

    enfeitiçado.168

    Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho trazem em

    sua doutrina alguns exemplos que caracterizam a reparação por dano moral daquela

    época, como o artigo 127 do código de Hamurabi que dispõe:169

    Art. 127. Se alguém “apontar o dedo” (calúnia) para uma “irmã de Deus” ou a esposa de alguém, e n”ao puder provar o que diz, deverá ser levado perante os juízes e sua testa será marcada (cortando a pele ou talvez o cabelo).170

    Observa-se, assim, que no código de Hammurabi prevalecia a

    lei de talião, qual seja, olho por olho e dente por dente, enquanto que no código de

    Manu, por tratar-se de uma civilização mais moderna, predominava como forma de

    164 ZENUN, Augusto. Dano moral e sua reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995, p. 5-6. 165 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983, p. 12. 166 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, p. 12. 167 GUSSO, Moacir Luiz. Dano Moral. São Paulo: Editora de Direito, 2001, p. 23. 168 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, p. 13. 169 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 58. 170 HAMMURABI, O código de. Traduzido por Leonard William King; tradução para o português de Julia Vidili. São Paulo: Madras, 2004, p. 54.

  • 44

    reparação, o pagamento em pecúnia.171

    2.3.2 Do dano moral na Grécia Antiga

    As leis da Grécia Antiga permitiam a reparação por danos

    causados a seus habitantes somente mediante pagamento em dinheiro, não sendo

    possível, como forma de satisfação, a aplicação da lei de talião.172

    A reparação por danos morais pode ser vista nos

    ensinamentos de Augusto Zenum, que assevera:

    O velho e sempre novo Homero, no Odisséia, rapsódia oitava, versos de 266 a 367, refere-se a uma assembléia de deuses pagãos, pela qual se decidia sobre reparação de dano moral, decorrente de adultério, cometido por Afrodite, em flagrante, com Ares, que fora condenado a reparar àquele.173

    Reconhecia-se, portanto, entre os gregos a compensação em

    pecúnia decorrente da ofensa moral causada à vítima.174

    2.3.3 Do dano moral no direito romano

    Não há dúvidas, que na antiga Roma vislumbrava-se através

    da Lex Aquilia a existência do dano moral, que previa, por exemplo, a reparação do

    dano causado pela morte de um homem ou de um animal.175

    A injúria era causa de indenização, na medida em que poderia

    171 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 59. 172 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 60-61. 173 ZENUN, Augusto. Dano moral e sua reparação, p. 7. 174 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, p. 18. 175 ZENUN, Augusto. Dano moral e sua reparação, p. 8.

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    causar lesão física na vítima ou dano a sua personalidade.176

    Conforme a Lei das XII Tábuas, havia três espécies de injúria:

    membrum ruptum, quando havia a amputação de algum membro ou a inutilização de

    algum órgão (utilizava-se a lei de talião); fractum, compreendia em uma indenização

    equivalente a 300 sestércios, e se fosse escravo, a 150 sestércios; iniuriae simples,

    que correspondia a lesões menores.177

    Quem fosse vítima de injúria poderia utilizar-se da ação

    pretoriana, denominada de injuriarum aestimatoria, onde o juiz, a seu critério, fixa

    uma quantia a ser paga em dinheiro, como modo de reparação à ofensa moral

    causada ao lesado.178

    Entretanto, para Gabba, não havia no direito romano

    indenização por danos morais, sendo que a ação proposta para a reparação do

    dano era de natureza penal e a sua indenização, de forma pecuniária.179

    Contudo, apesar de a ação ser penal, e o seu modo de

    reparação ser em dinheiro, fica claro que a lesão física e psíquica corresponde a um

    dano moral ou extrapatrimonial.180

    Noutro sentido, Wilson Melo da Silva preleciona:

    Iheing é bastante explícito ao advogar, para os romanos, uma aceitabilidade, quase ilimitado, da reparação dos danos morais.

    Segundo ele, essa reparabilidade se verificava não apenas nos casos de culpa extracontratual, como até mesmo nos de simples culpa contratual.181

    Acrescenta, de outra feita, Antônio Jeová Santos:

    O reconhecimento do dano extrapatrimonial entre os romanos é dado pelos próprios romanistas, pois Max Kaser, por exemplo, ao explicar a iniuria trata-a como lesão à pessoa, ao passo que Fritz

    176 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável, p. 84. 177 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável, p. 84. 178 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 62. 179 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável, p. 85. 180 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável, p. 86. 181 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, p. 24.

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    Schulz não se cansa em mencionar direitos imateriais e direitos personalíssimos. Assim sendo, já que indenizar por difamação não tem nenhum conteúdo patrimonial, é de aceitar a indenização do dano moral entre os romanos.182

    Desta feita, prevalecia entre os romanos o reconhecimento do

    dano moral, como pode ser observado por Sistenes e Ihering ao afirmarem: “o

    homem tanto pode ser lesado no que é, como no que tem”.183

    2.3.4 Do dano moral no direito civil brasileiro

    A questão do dano moral no direito civil brasileiro já foi matéria

    bastante controvertida, pois num primeiro momento negava-se a reparação por

    lesão moral, sob o argumento de que o sofrimento do ofendido não tem valor, e num

    segundo momento, admitia-se a reparação como forma de compensar a vítima pelo

    seu sofrimento.184

    Apesar de o Código Civil de 1916 não fazer menção à

    expressão dano moral, possui dispositivos no referido código que pode ser

    interpretado como sendo possível a reparação à ofensa moral.185

    Deste modo, Yussef Said Cahali preceitua:

    Assim, se é certo que o Código Civil se omitira quanto a inserir uma regra geral de reparação do dano moral, não era menos certo que se referia a diversas hipóteses em que o dano moral seria reparável (arts. 1.537, 1.538, 1.543, 1.547, 1.548, 1.549 e 1.550); tais hipóteses assim referidas estavam longe de constituir simples exceção à regra de que visando apenas disciplinar a “forma de liquidação do dano”, prestam-se para confirmar que está ínsita na lei civil a idéia da reparabilidade do dano moral.186

    182 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável, p. 87. 183 ZENUN, Augusto. Dano moral e sua reparação, p. 10. 184 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade civil, p. 102. 185 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil, p. 64-65. 186 CAHALI, Yussef Said. Dano moral, p. 46.

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    Igualmente, o art. 856 do Projeto do Código das Obrigações de

    Caio Mário já previa o ressarcimento do dano, ainda que moral.187

    Todavia, as jurisprudências dos nossos tribunais entendiam

    não ser possível a reparação por danos morais, prevalecendo a tese da corrente

    negativista, como abaixo exposto:

    No caso de morte da vítima, a indenização do dano só abrange alimentos se ela efetivamente os prestava ao autor.

    Não é indenizável o dano moral, salvo quando acarreta prejuízos materiais suscetíveis de comprovação. 188

    Outrossim, somente com a Constituição da República

    Federativa do Brasil de 1988, passou a admitir-se de maneira expressa a reparação

    por dano moral, como pode ser observado no artigo 5º, inciso V e inciso X, do

    referido dispositivo.189

    Art. 5. [...]

    V. É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.190

    X. São invioláveis a intimidade, a vida privada,