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315 CAPÍTULO 20 PRINCIPAIS ASPECTOS DA LITOGÊNESE IURI ARRUDA ARAGÃO JOSÉ ANACLETO DUTRA RESENDE JUNIOR PAULO HENRIQUE PEREIRA CONTE RODRIGO RIBEIRO VIEIRALVES CARLOS ALBERTO DE FREITAS RIBEIRO Epidemiologia A prevalência de cálculos urinários durante a vida pode variar de 1% a 15% e os fatores de riscos associados mais citados são: geográficos, climáticos, étnicos (sendo mais comum nos cauca- sianos do que nos asiáticos, hispânicos e afrodescendentes), dietéticos e genéticos (Teichman, et al 1995; Taylor, et al 2007). Os cálculos urinários são mais frequentes nos homens do que nas mulheres, acometendo in- divíduos em todas as faixas etárias, tendo um pico de maior incidência entre os 20 e 40 anos (Trin- chieri, et al 2003). A recorrência pode variar de 1% a 50%, podendo atingir estas altas taxas, principalmente nos pacientes com vários fatores de risco (Strohmaier, et al 2000). Os cálculos urinários assintomáticos, especificamente os cálculos renais, quando não tratados adequadamente, podem causar insuficiência renal crônica em até 1% dos casos, aumentando assim as taxas de morbidade e mortalidade (West, et al 2008). Estudos recentes demonstraram associação entre a síndrome metabólica e litíase renal. As mudanças no estilo de vida nos últimos anos, caracterizadas pela maior ingestão calórica, de prote- ínas de origem animal, de sódio e o sedentarismo levaram a um aumento da prevalência de obesi- dade. Esses aspectos, acrescidos da maior capacidade de diagnóstico em virtude do aprimoramento tecnológico, seriam as principais explicações para o aumento da incidência e prevalência da doença (Ahmed, et al 2012; Kok, et al 1990). Fatores de risco O conhecimento dos principais fatores de risco e a estratificação adequada do paciente define

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CAPÍTULO 20

PRINCIPAIS ASPECTOS DA LITOGÊNESEIURI ARRUDA ARAGÃO

JOSÉ ANACLETO DUTRA RESENDE JUNIORPAULO HENRIQUE PEREIRA CONTE

RODRIGO RIBEIRO VIEIRALVESCARLOS ALBERTO DE FREITAS RIBEIRO

Epidemiologia

A prevalência de cálculos urinários durante a vida pode variar de 1% a 15% e os fatores de riscos associados mais citados são: geográ� cos, climáticos, étnicos (sendo mais comum nos cauca-sianos do que nos asiáticos, hispânicos e afrodescendentes), dietéticos e genéticos (Teichman, et al 1995; Taylor, et al 2007).

Os cálculos urinários são mais frequentes nos homens do que nas mulheres, acometendo in-divíduos em todas as faixas etárias, tendo um pico de maior incidência entre os 20 e 40 anos (Trin-chieri, et al 2003).

A recorrência pode variar de 1% a 50%, podendo atingir estas altas taxas, principalmente nos pacientes com vários fatores de risco (Strohmaier, et al 2000).

Os cálculos urinários assintomáticos, especi� camente os cálculos renais, quando não tratados adequadamente, podem causar insu� ciência renal crônica em até 1% dos casos, aumentando assim as taxas de morbidade e mortalidade (West, et al 2008).

Estudos recentes demonstraram associação entre a síndrome metabólica e litíase renal. As mudanças no estilo de vida nos últimos anos, caracterizadas pela maior ingestão calórica, de prote-ínas de origem animal, de sódio e o sedentarismo levaram a um aumento da prevalência de obesi-dade. Esses aspectos, acrescidos da maior capacidade de diagnóstico em virtude do aprimoramento tecnológico, seriam as principais explicações para o aumento da incidência e prevalência da doença (Ahmed, et al 2012; Kok, et al 1990).

Fatores de risco

O conhecimento dos principais fatores de risco e a estrati� cação adequada do paciente de� ne

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os grupos com maior probabilidade de recorrência, de formação ou de crescimento do cálculo. Esta informação se torna muito importante para auxiliar a tomada de decisão, bem como acompanha-mento e tratamento farmacológico preventivo.

Algumas informações demográ� cas já estão sabidamente associadas à formação de cálculo, como (Trinchieri, et al 2003):

• O pico de incidência de formação de cálculo ocorre entre as 2ª e 4ª décadas de vida.

• O sexo masculino possui incidência de 2 a 3 vezes maior quando comparado com as mulhe-res.

• A etnia in� uencia na incidência, sendo que os brancos possuem maior incidência que os his-pânicos, que por sua vez possuem incidência maior que os asiáticos e que por sua vez possuem incidência maior que os negros.

• Pacientes com o Índice de Massa Corpórea (IMC) elevado possuem maior risco de formação de cálculos.

Os fatores ambientais podem in� uenciar e aumentar o risco de formação dos cálculos. As re-giões montanhosas, desertos, áreas tropicais, regiões com clima mais seco e regiões com maiores variações sazonais podem in� uenciar diretamente no indivíduo (Breslau, et al 1988).

Os fatores ocupacionais, tais como pro� ssões que exponham o trabalhador a elevadas tempe-raturas e risco de desidratação estão mais associados à formação de cálculos.

Fatores dietéticos como ingestão de alimentos pobres em cálcio, ricos em oxalato, ricos em sódio, ricos em proteínas de origem animal e baixa ingestão de líquidos estão também frequente-mente associados à gênese dos cálculos. Altas doses de vitamina C também têm sido associadas à maior incidência de cálculos (Borghi, et al 2002).

A baixa ingestão de líquidos está amplamente relacionada com a formação de cálculos e atri-buem-se, dentre outros fatores, ao baixo volume urinário o papel preponderante no aumento da concentração de solutos, condição importante para a gênese dos cálculos (Parks, et al 1982).

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IURI ARRUDA ARAGÃO, JOSÉ ANACLETO DUTRA RESENDE JUNIOR, PAULO HENRIQUE PEREIRA CONTE, RODRIGO RIBEIRO VIEIRALVES, CARLOS ALBERTO DE FREITAS RIBEIRO

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Quadro 1. Grupos de riscos para formação de cálculos (Türk et al 2015; Paliouras, et al 2012)

Fatores GeraisInício precoce da litíase urinária (especialmente crianças e adolescentes)História familiar de cálculoCálculo contendo bruchita (CaHPO4.2H2O)Cálculo contendo ácido úricoCálculo de infecçãoRim único (o rim em si não particularmente aumenta o risco de formação de cálculos, mas a pre-venção da recorrência de cálculo é mais importante)

Doenças sistêmicasHiperparatireoidismoSíndrome metabólicaNefrocalcinoseSarcoidose Hipervitaminose DMalignidadeDoença de PagetDoenças gastrointestinais (ou by-pass jejuno-ileal, ressecção intestinal, doença de Crohn, condi-ções de má absorção, hiperoxalúria entérica após desvio urinário) e cirurgia bariátrica

Formação de cálculo determinado geneticamenteCistinúria (tipo A, B e AB)Hiperoxalúria primária (tipo 1, 2 ou 3)Acidose tubular renal (ATR) tipo 12,8-DihydroxyadeninuriaXantinúriaSíndrome de Lesch-NyhanFibrose cística

MedicamentosAlopurinol / oxipurinolAmoxicilina / ampicilinaCeftriaxonaQuinolonas

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EfedrinaIndinavirTrissilicato de magnésioSulfonamidasZonisamide

Alterações anatômicas congênitas Rim espongiomedularObstrução da junção ureteropiélicaDivertículo calicialEstenose ureteralRe� uxo vesicoureterorenalRim em ferraduraUreterocele

Fisiopatogênese dos cálculos urinários

A formação de cálculos renais é atribuida aos seguintes passos (Mandel, et al., 1996):

1 – Nucleação: diz respeito à mudança de fase de sais dissolvidos em um sólido, dependendo do grau de saturação da urina em um solvente. É possível que um sal continue dissolvido na urina mesmo em concentrações que excedam sua solubilidade, nesses casos a urina é caracterizada como metaestável. O limite da supersaturação, acima do qual a precipitação dos sais dissolvidos ocorre, é o limite superior da metaestabilidade. A nucleação é considerada homogênea quando a precipitação dos cristais acontece espontaneamente em uma urina supersaturada e considerada heterogênea quando a precipitação ocorre em graus menores de saturação na presença de agentes nucleadores (ex.: células, cristais, proteínas da urina ou componentes das células epiteliais).

2 – Retenção dos núcleos iniciais em sítios do urotélio

3 – Crescimento dos cristais

4 – Agregação dos cristais

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As três hipóteses mais aceitas para explicar a litogênese são (Mandel, et al., 1996):

• A Teoria da Partícula Livre

A precipitação dos cristais é resultado da nucleação homogênea da urina supersaturada no lúmen tubular do néfron distal e necessita de altos níveis de concentrações iônicas. O núcleo inicial cresce progressivamente em tamanho e obstrui os ductos coletores. Este é o mecanismo atribuido aos casos de pacientes com cistinúria, cálculos de oxalato de cálcio e após cirurgias de by-pass jeju-no-ileal em pacientes obesos, onde apresentam altos níveis de cistina e oxalato (Coe, et al., 2010).

• A Teoria da Partícula Fixa

Cristais aderem ao epitélio tubular induzindo à lesão celular e formação do núcleo. O núcleo � xado entra em contato com a urina supersaturada e os cristais crescem em tamanho. Este meca-nismo induz a nefrocalcinose intratubular e pode levar à nefrolitíase e tubulopatia obstrutiva (Evan, et al., 2006).

• A Hipótese da Placa de Randall (placa de apatita intersticial)

Em contraste com as teorias acima, foi demonstrado que cálculos de oxalato de cálcio são for-mados sobre uma placa intersticial de apatita chamada de placa de Randall (Verkoelen, et al 2007). O núcleo inicial, que é composto de apatita e matriz orgânica, é encontrado na membrana basal das alças de Henle descendentes que se propaga para o interstício da papila renal (Evan, et al 2006). O dano das células epitelial expõe a placa à urina supersaturada e os cálculos de oxalato de cálcio crescem (Figura 1). A hipercalciúria, volume urinário reduzido e pH urinário ácido estão relacionados com a formação da placa (Evan, et al 2003).

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Figura 1. Placa de Randall vista em ureterorrenoscopia

Independente dos mecanismos acima descritos também há condições � siopatológicas comuns que podem predispor à formação de cálculos. Mais especi� camente, a urina contém moléculas orgâ-nicas e inorgânicas que podem inibir a litogênese (Quadro 2).

Quadro 2. Principais inibidores da litogênese

CitratoMagnésioPirofosfatoGlicosaminoglicanas (condroitina, heparina, ácido hialurônico)Proteína de Tamm-HorsfallUropontinaFragmento F1 da protrombina

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Essas moléculas inibidoras da litogênese se ligam à superfície dos cristais, aumentando o limi-te de supersaturação para iniciar a nucleação, inibindo o crescimento e agregação dos cristais (Pa-liouras, et al., 2012). O citrato é um poderoso inibidor da litogênese do cálcio, sendo que a correção da hipocitratúria representa um alvo importante da terapia. Sua habilidade química de se ligar aos íons de cálcio, aumentando sua solubilidade na urina, impede a nucleação dos sais de cálcio. Os pep-tídeos aniônicos, como o fragmento F1 da protrombina, a proteína de Tamm-Horsfall e a uropontina, podem interagir com o cálcio e inibir também a litogênese.

Outro fator que promove a formação de cálculos é a presença de anormalidades anatômicas congênitas que causam estase urinária, levando a infecções e estagnação de cristais, como (Johri, et al., 2010):

- Estenose de JUP

- Rim em ferradura

- Divertículo calicinal

- Displasias medulo-calicinais

Figura 2. A- Estenose de JUP, B – Rim em ferradura, C – Divertículoa calicinal, D – Displasias medulo-calicinais.

• Cálculos de cálcio

Este é o tipo mais comum de litíase renal, com prevalência de 70-80% (Johri, et al 2010). Exis-tem dois tipos principais de cálculos de cálcio: oxalato de cálcio e fosfato de cálcio.

• Cálculos de oxalato de cálcio

A supersaturação da urina ácida em cálcio e oxalato é o principal mecanismo da sua formação,

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entretanto existem vários outros fatores que in� uenciam (Quadro 3) (Worcester, et al., 2010).

Quadro 3. Principais promotores de cálculos de cálcio (Paliouras, et al., 2012)

HipercalciúriaHipocitratúriaHiperuricosúriaFatores dietéticos (dietas com altas taxas de sal e proteína)pH urinário ácidoBaixo volume urinário

• Hipercalciúria

O cálcio urinário elevado (>300 mg/dia para homens e >250 mg/dia para mulheres) leva à precipitação de sais de cálcio insolúveis. A hipercalciúria pode ser primária ou secundária a estados hipercalcêmicos (Craven, et al., 2008). Várias anomalias congênitas e distúrbios metabólicos podem induzir hipercalciúria com consequente nefrocalcinose e formação de cálculos.

A maioria dos pacientes formadores de cálculos de oxalato de cálcio apresenta cálcio urinário elevado e não é possível atribuír a nenhuma causa especí� ca. A hipercalciúria idiopática é caracteri-zada pela presença de cálcio sérico normal e é tradicionalmente classi� cada em três subtipos (Pak, et al., 1974):

• hipercalciúria absortiva (por absorção intestinal),

• hipercalciúria renal (defeito tubular renal levando à baixa reabsorção de cálcio),

• hipercalciúria reabsortiva (aumento primário do turnover mineral ósseo).

Em aproximadamente 50% dos casos a hipercalciúria idiopática tem origem familiar (Kuo, et al., 2003).

• Hiperoxalúria

Excreção urinária de oxalato de mais de 45 mg/dia está presente em 8-50% dos formadores

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de litíase renal (Laminski, et al., 1991). O oxalato urinário é igualmente importante para a supersa-turação de cálcio. Hiperoxalúria pode ser o resultado de superprodução primária, consumo aumen-tado na dieta ou absorção intestinal elevada (Asplin, et al., 2002). O oxalato é produzido no fígado a partir do metabolismo do glioxilatoglioxilato. Normalmente, no fígado, o glioxilatoglioxalato é metabolizado em glicina pela alanina-glioxilatoglioxalato aminotransferase (AGT) e em glicolato pela glioxilatoglioxalato redutase/hidroxipiruvato redutase (GRHPR) (Holmes, et al., 1998). Defeitos congênitos nessas enzimas podem levar à superprodução de oxalato. A hiperoxalúria primária é classi� cada em três tipos, todos com herança recessiva (Harambat, et al., 2011). O tipo 1 é o mais comum, com incidência de 1 para 100.000 nascidos. É causado por de� ciência de AGT e é caracteri-zado clinicamente por surgimento precoce de nefrocalcinose, nefrolitíase, falência renal e deposição sistêmica de oxalato. O prognóstico é ruim e com rápida evolução para insu� ciência renal crônica em idade jovem. O tipo 2 é causado por de� ciência de GRHPR. Tem manifestações clínicas mais brandas e raramente leva a insu� ciência renal. O tipo 3 foi recentemente identi� cado como sendo causado por um defeito no gene DSDPSL no cromossomo 10 que causa de� ciência na 4-hidroxi-2-oxogluta-rato aldolase (Belostotsky, et al., 2010).

O oxalato diário na dieta varia entre 50 a 1.000 mg/dia e contribui com aproximadamente 45% da excreção urinária (Holmes, et al., 2000). Alimentos ricos em oxalato, como chocolate, espinafre, chá, nozes e amendoim, hipervitaminose C e dieta pobre em cálcio e magnésio aumentam a absor-ção de oxalato. No lúmen intestinal, o cálcio se liga ao oxalato formando complexos inabsorvíveis. Nas síndromes desabsortivas, como doenças in� amatórias intestinais, insu� ciência pancreática ou ressecções intestinais, gordura e ácidos biliares se ligam ao cálcio, consequentemente há também um aumento da absorção do oxalato e de sua excreção urinária.

A Oxalobacter formigenes é uma bactéria gram negativa anaeróbica que regula a homeostase do oxalato (Hatch, et al., 2006). Sua ausência no lúmen intestinal está associada com aumento da absorção de oxalato e nefrolitíase. Em pacientes com hiperoxalúria primária tipo 1, a recolonização com Oxalobacter formigenes administrado via oral reduz o oxalato urinário.

• Hipocitratúria

A hipocitratúria é de� nida como excreção urinária de citrato menor que 320 mg/dia em adul-tos, ocorrendo em 20-60% dos pacientes com nefrolitíase (Zuckerman, et al., 2009). O citrato forma, no plasma sanguíneo, complexos com ânions de cálcio e magnésio, sendo � ltrado livremente nos glomérulos. No lúmen tubular ele se liga ao cálcio e aumenta sua solubilidade, inibindo a nuclea-

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ção dos cristais de oxalato de cálcio. Entre 65-90% do citrato � ltrado é reabsorvido ativamente nos túbulos proximais. A excreção de citrato na urina é regulada pelo pH urinário. A acidose sistêmica e intracelular reduz a sua excreção renal, enquanto a alcalose metabólica tem efeito oposto, enquanto hipocalemia também diminui a excreção de citrato, pois induz a acidose intracelular.

A hipocitratúria é mais frequentemente idiopática, mas também pode ser secundária a desor-dens ácido-básicas (Hamm, et al., 2002). Acidose metabólica, acidose tubular renal, hipocalciúria e hipomagnesemia são os distúrbios ácido-básicos que mais podem causar nefrolitíase por oxalato de cálcio.

Aumento da ingestão de sódio e proteínas, baixa ingestão de frutas e vegetais e jejum prolon-gado também podem levar à hipocitratúria.

• Hiperuricosúria

O ácido úrico é um ácido orgânico fraco com pKa de 5,5 e sua solubilidade depende principal-mente do pH urinário. Urato é mais solúvel que o ácido úrico, mas em altas concentrações urinárias promove a cristalização de sais de oxalato de cálcio, pois reduz o limite de metaestabilidade da urina (Grover, et al., 2003).

• Cálculos de fosfato de cálcio

Os cálculos de fosfato de cálcio incluem a apatite (hidroxiapatita) e a bruchita (fosfato mo-nohidrogenado de cálcio), com taxa de ocorrência de 4-10% e 2-6%, respectivamente (Harambat, et al., 2011). Os fatores promotores de litíase de fosfato de cálcio são a hipercalciúria e o pH urinário alcalino, pois induzem à supersaturação de fosfato e precipitação dos cristais (Parks, et al., 2004). Os cálculos de bruxita são mais resistentes a tratamento conservador e usualmente necessitam de mais sessões de litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC) ou tratamento cirúrgico.

• Cálculos de ácido úrico

Cálculos de ácido úrico podem resultar de baixo volume urinário, hiperuricosúria e pH urinário ácido (Sakhaee, et al., 2009). Um estudo recente mostrou que pacientes com gota têm risco au-mentado de nefrolitíase (Kramer, et al., 2003). O baixo pH urinário é, de longe, o fator de risco mais importante para nefrolitíase por ácido úrico. Mesmo na ausência de hiperuricosúria, o pH urinário sozinho pode converter urato urinário no fracamente solúvel ácido úrico. Numa urina com pH abaixo de 5,5, ocorre supersaturação e o ácido úrico � ca menos solúvel. As causas de baixo pH urinário em

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pacientes com nefrolitíase úrica idiopática são consideradas como resultado de defeitos na excreção de amônia, associados com aumento da excreção ácida (Sakhaee, et al., 2009).

• Cálculos de cistina

Os cálculos de cistina são causados por defeitos congênitos do transporte renal (Dent, et al., 1951). A solubilidade da cistina é aumentada com pH alcalino e homodimerização de cistina em cis-teína. A incidência é relatada em 1 para 20.000 (Knoll, et al., 2005). Fatores que levantam suspeita para cálculos de cistina são idade precoce de apresentação, cálculos francamente radiopacos, histó-ria familiar e cristais de característica hexagonal (Moe, et al., 2006). O diagnóstico é feito baseado na coleta de urina de 24 h, com valores de cistina urinária entre 350 a 500 mg/dia. A excreção de cistina é reduzida quando se aumenta o pH urinário, reduz a ingestão de sódio e proteínas e com tratamento medicamentoso com drogas como D-penicilamina ou captopril, que formam heterodí-meros solúveis com a cisteína (Coe, et al., 2005).

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