pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc-sp ... cardoso silveira.pdf · tradução...

92
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Faculdade de Filosofia, Ciência, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) Gustavo Cardoso Silveira De A Streetcar Named Desire a Um bonde chamado Desejo: uma análise sob o enfoque da Linguística Sistêmico-Funcional Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem São Paulo 2018

Upload: others

Post on 25-Dec-2019

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP Faculdade de Filosofia, Ciência, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)

Gustavo Cardoso Silveira

De A Streetcar Named Desire a Um bonde chamado Desejo:

uma análise sob o enfoque da Linguística Sistêmico-Funcional

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

São Paulo

2018

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

Gustavo Cardoso Silveira

De A Streetcar Named Desire a Um bonde chamado Desejo:

uma análise sob o enfoque da Linguística Sistêmico-Funcional

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em Linguística Aplicada e

Estudo da Linguagem sob orientação da Profa.

Dra. Sumiko Nishitani Ikeda.

São Paulo

2018

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda (Orientadora)

___________________________________________________

Prof. Dr. Orlando Vian Júnior – UNIFESP

___________________________________________________

Profa. Dra. Sandra Madureira – PUC-SP

São Paulo, 29 de maio de 2018

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

À minha mãe, Maria Alice, pelo exemplo de vida. Ao meu amor: “Me dá a mão e vamos juntos”.

À Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, seguimos juntos.

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior (CAPES), fundação

vinculada ao Ministério da Educação (MEC), meu profundo agradecimento por

possibilitar a execução desta minha dissertação de mestrado.

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

AGRADECIMENTOS

Aos meus amigos, meu profundo agradecimento, não só pelas vivências e

sábios comentários com os quais fui contemplado, mas também pelo reconfortante

apoio a mim oferecido, em um momento de profundo aprendizado da minha vida.

Quero deixar, também, meu singelo agradecimento para aqueles que

contribuíram da mais diversificada maneira para a realização desse projeto de

pesquisa.

À Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, meu profundo agradecimento,

não só pelas leituras constantes e sábios comentários com os quais fui contemplado,

mas também pelo reconfortante apoio a mim oferecido, em um momento de profundo

aprendizado da minha vida.

Aos colegas de classe, pela agradável convivência e apoio mútuo; à Maria

Lúcia dos Reis (Malu), pela paciência, sempre solícita e dispostas a ajudar; aos

professores doutores que tão gentilmente aceitaram integrar a banca de defesa dessa

dissertação e contribuíram para o enriquecimento desse trabalho.

Todavia, não menos especiais são as contribuições dadas por tantos outros

que, seguramente, se encontrarão no quadro abaixo:

Q O G A I T S K E C O A

P S N E N O W U Q M Ã D

U A P I C T Q F A A I R

L N T O L I Ô R J C T I

A D R R R E I N A I S A

M R N N I A D N I N A N

O A E E A C I U Z O B A

S H F L L M I X A M E W

P R I S C I L A W L S E

X C A D N I L E M R E H

E O O D R A U D E Z T W

R O B E R T O K I M U S

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

[...] a hercúlea tarefa do leitor/desconstrutor não se restringe à academia e aos departamentos de filosofia ou de estudos da linguagem. Ao sacudir os alicerces de nossas mais caras e arraigadas convicções, a desconstrução de qualquer texto atinge necessariamente múltiplas dimensões: teóricas e filosóficas, institucionais e pedagógicas, familiares e sexuais, políticas e jurídicas, teológicas e científicas. Não é à toa, portanto, que tantos teóricos e tantos críticos tenham sucumbido a esse apelo sedutor à desconstrução de tudo aquilo que representa o estabelecido e o tido como certo dentro ou fora da academia.

Rosemary Arrojo (2003, p.8-9)

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

RESUMO

O objetivo desta dissertação de mestrado é a comparação entre o original em língua

inglesa de A Streetcar Named Desire, de Tennessee Williams, com a respectiva

tradução em português, Um bonde chamado Desejo, de Vadim Nikitin, a fim de

caracterizar as diferenças entre as duas versões com base nas escolhas

lexicogramaticais feitas pelos referidos autores. Desde 1950, o importante trabalho de

estudiosos da tradução baseada em linguística tem feito muito para romper as

fronteiras entre diferentes disciplinas dedicadas a ela, e tirar seus estudos de uma

posição de possível confronto. A pesquisa tem o apoio da Linguística Sistêmico-

Funcional (LSF), uma proposta teórico-metodológica de Halliday (1985) e Halliday e

Matthiessen (2004). A LSF estabelece que o uso da língua é funcional; que sua função

é construir significados; que os significados são influenciados pelo contexto social e

cultural em que são intercambiados; e que o processo de uso da língua é um processo

semiótico, um processo de fazer significado por meio de escolhas. Pesquisas mostram

que esse quadro teórico pode ser aplicável ao campo dos estudos da tradução a partir

de vários aspectos envolvidos na LSF: o sistema da transitividade, a modalidade e a

avaliatividade, além da noção de estrutura temática. Outras contribuições ajudam a

entender as características que marcam uma tradução, tais como as noções de

determinismo e relatividade linguísticos, bem como a questão da tipologia linguística.

O presente estudo busca responder às seguintes perguntas: (a) o que a comparação

do original em inglês e a tradução em português de A Streetcar Named Desire pode

revelar? (b) que consequências essas diferenças significam para a interpretação do

texto original e de sua tradução? Os resultados mostram a impossibilidade de uma

tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

termos da tipologia específica seja do inglês, seja do português. Esse fato obriga o

tradutor a fazer escolhas lexicogramaticais possibilitadas pela língua alvo o que pode

implicar modificações na interpretação do drama de uma língua a outra.

Palavras-chave: Tradução (inglês/português). “A Streetcar Named Desire”.

Linguística Sistêmico-Funcional.

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

ABSTRACT

The purpose of this master's dissertation is to compare the English-language original

of A Streetcar Named Desire, by Tennessee Williams, with the respective translation

in Portuguese, Um bonde chamado Desejo, by Vadim Nikitin, in order to characterize

the differences between the two versions based on the lexicographic choices made by

these authors. Since the 1950s, the important work of linguistic-based translation

scholars has done much to break the boundaries between different disciplines

dedicated to it, and to draw their studies from a position of possible confrontation. The

research has the support of Systemic-Functional Linguistics (SFL), a theoretical-

methodological proposal of Halliday (1985) and Halliday and Matthiessen (2004). The

SFL states that the use of language is functional; that its function is to construct

meanings; that meanings are influenced by the social and cultural context in which

they are exchanged; and that the process of language in use is a semiotic process, a

process of making meaning through choices. Researches show that this theoretical

framework can be applied to the field of translation studies from several aspects

involved in SFL: the transitivity system, the modality and the evaluation, as well as the

notion of thematic structure. Other contributions help to understand the characteristics

that mark a translation, such as the notions of linguistic determinism and relativity, as

well as the question of linguistic typology. The present study seeks to answer the

following questions: (a) what can the comparison of the original in English and the

Portuguese translation of A Streetcar Named Desire reveal? (b) what consequences

do these differences mean for the interpretation of the original text and its translation?

The results show the impossibility of a literal translation, since several linguistic

characteristics separate the two languages in terms of the specific typology of both

English and Portuguese. This fact obliges the translator to make lexicographic choices,

made possible by the target language, which may imply modifications in the

interpretation of the drama from one language to another.

Keywords: Translation (English / Portuguese). "Um bonde chamado Desejo".

Systemic-Functional Linguistics.

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Enquadre de satélite e Enquadre de verbo ........................................... 31

Quadro 2 – Resumo das teorias de apoio ................................................................ 35

Quadro 3 – Marcação das diferenças ...................................................................... 44

Quadro 4 – Comparação entre o original inglês e a tradução em português ............ 64

Quadro 5 – Mudança semântica .............................................................................. 66

Quadro 6 – Incidência de MS ................................................................................... 67

Quadro 7 – Acréscimo no português ........................................................................ 68

Quadro 8 – Incidência de ACRE ............................................................................... 69

Quadro 9 – Omissão no português .......................................................................... 69

Quadro 10 – Incidência de OMIS ............................................................................. 70

Quadro 11 – Expressão idiomática .......................................................................... 71

Quadro 12 – Enquadre de verbo X Enquadre satélite ............................................... 71

Quadro 13 – Tipologia de língua .............................................................................. 72

Quadro 14 – Mudança morfológica .......................................................................... 73

Quadro 15 – Perífrase .............................................................................................. 73

Quadro 16 – Modalização ........................................................................................ 73

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Diferenças na tradução do inglês para o português ................................. 65

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 – A Streetcar Named Desire (Scene XI) ..................................................... 81

Anexo 1 – Um bonde chamado Desejo (Cena XI) .................................................... 86

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14 1.2 Tennessee Williams: o poeta do coração ....................................................... 18 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................... 21 2.1 Linguística Sistêmico-Funcional ..................................................................... 21 2.2 Relação língua e cultura ................................................................................... 23 2.3 A tradução .......................................................................................................... 23 2.4 Relatividade e Determinismo Linguísticos ..................................................... 25 2.4.1 O nível lexical ................................................................................................. 26 2.4.2 O nível gramatical .......................................................................................... 27 2.5 Tipologia das línguas ........................................................................................ 28 2.6 A Linguística Sistêmico-Funcional e a tradução ............................................ 31 2.6.1 A metafunção ideacional e a tradução ......................................................... 32 2.6.2 A metafunção interpessoal e a tradução ...................................................... 33 2.6.3 A metafunção textual e a tradução ............................................................... 33 3 METODOLOGIA .................................................................................................. 36 3.1 Dados ................................................................................................................. 36 3.1.1 Estrutura da peça ........................................................................................... 39 3.2 Procedimentos de Análise ................................................................................ 43 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................. 46 4.1 Análise de registro – contexto situacional ...................................................... 46 4.2 Análise de A Streetcar Named Desire ou Um bonde chamado Desejo ........ 48 4.3 Discussão dos Resultados ............................................................................... 65 4.3.1 Mudanças Semânticas (42,5%) ..................................................................... 66 4.3.2 Acréscimo no Português (18,5%) ................................................................. 68 4.3.3 Omissão no Português (14,5%) ..................................................................... 69 4.3.4 Expressão Idiomática (6,5%) ......................................................................... 70 4.3.5 Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite (6,5%) .......................................... 71 4.3.6 Tipologia de Língua (6,5%) ............................................................................ 72 4.3.7 Mudança Morfológica (2%), Perífrases (2%) e Modalização (1%) .............. 73 5 DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS ........................................................ 74 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 76 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 77 ANEXOS ................................................................................................................... 81

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

14

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado é resultado do desejo de agregar um percurso

pessoal de formação em psicanálise à linguística aplicada. Em meio a dificuldades

que cercam o processo tradutório – do inglês para o português – enfrentado por meus

alunos, incluindo a tradução de A Streetcar Named Desire, de Tennessee Williams,

peça teatral, na qual, o autor mostra o percurso de Blanche DuBois em direção ao

surto psicótico que atinge sua máxima representação no final, julguei que esta

pesquisa reuniria as duas tendências.

Porém, no desenrolar da pesquisa, percebi que a junção dessas duas vertentes

careceria de um enfoque especial, não fazendo sentido a inclusão da questão

referente à psicanálise. Assim, decidi-me por dividir a pesquisa, deixando o enfoque

psicanalítico para um possível doutorado, concentrando meus esforços na tentativa

de esclarecer as diferenças que ocorrem entre o texto original e sua versão. Por outro

lado, não tenho conhecimento de trabalhos enfocando a obra de Williams sob a

perspectiva da linguística aplicada, em especial com base na Linguística Sistêmico-

Funcional (LSF) (HALLIDAY, 1994), fato que pode justificar a presente abordagem.

Para a LSF, a língua é considerada um recurso para fazer significado e, nesse

processo de realização, a língua funciona para preencher uma série de necessidades

humanas, e “a riqueza e a variedade de suas funções estão refletidas na natureza da

própria língua, em sua organização como um sistema” (HALLIDAY, 1973, p. 20). Uma

descrição sistêmica tenta interpretar simultaneamente tanto o código quanto o

comportamento, para especificar os sistemas dos quais se deriva um item linguístico,

isto é, as escolhas incorporadas naquele item. Portanto, ao analisar instâncias da

língua numa conversa, correlacionamos simultaneamente diversos sistemas da língua

para fornecer um tratamento linguístico compreensível. A LSF ganhou um lugar de

destaque nos estudos do discurso nos últimos vinte anos, e é provável que se

mantenha influente nos anos por vir, visto que atingiu o objetivo de Halliday ao

constituir-se como uma gramática funcional para fins de análise de texto, segundo

Ming (2007).

Nesse contexto, pesquisas na área da linguística tem promovido, desde 1950,

o desenvolvimento da teoria da tradução. O importante trabalho de estudiosos da

tradução baseado em linguística, como os de: Mona Baker, Roger Bell, Basil Hatim,

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

15

Ian Mason, Kirsten Malmkjaer, Katharina Reiss, Hans Vermeer e Wolfram Wilss, para

citar apenas alguns dos mais conhecidos, tem feito muito para romper as fronteiras

entre diferentes disciplinas dedicadas à tradução e tirar seus estudos de uma posição

de possível confronto (cf. BASSNETT, 2004, p. 3, apud MING, 2007).

A propósito, a hipótese do determinismo/relativismo linguísticos de que línguas

diferentes influenciam o pensamento de maneiras diferentes existe desde o início da

filosofia, segundo Slobin (1980), e pode interessar ao estudo da tradução.

Começamos a pensar nessa hipótese quando comparamos línguas, e descobrimos

quão distintas podem ser as categorias da experiência incorporadas nas diferentes

línguas. Relacionada a esses fatos, a conferência interdisciplinar pioneira sobre a

questão dos universais linguísticos, organizada em 1961, gerou bastante informação

a respeito das línguas do mundo, e veio a revelar padrões comuns surpreendentes,

dando início à noção de tipologia linguística. A consideração desse fator é essencial

na tradução, já que todas as línguas envolvem: tendências humanas a pensar e

imaginar de certa maneira; exigências de realização impostas por um código que se

enfraquece rapidamente e é temporariamente ordenado (seja fala auditiva ou sinal

visual); natureza e metas da interação humana.

Com referência à participação da linguística nas pesquisas sobre a tradução,

Nida (2001, p. 244) refere-se a “estudiosos que têm abordado a questão a partir de

pontos de vista de diferenças linguísticas entre os textos de origem e os de destino”.

Por seu lado, Bell (1991) julga que os teóricos da tradução não poderiam ir além de

uma avaliação subjetiva e normativa dos textos se não se voltarem para a linguística.

Mais recentemente, Ming (2007) recorreu à teoria da Linguística Sistêmico-Funcional

(LSF) para estudos da tradução a partir de parâmetros funcionais, como a

transitividade, a modalidade e a estrutura temática, entre outros. Assim também,

Zhang e Huang (2003) recorreram à perspectiva funcional para estudos de tradução,

apoiando-se em características textuais, escolha linguística, além da relação entre

língua e seu contexto de realização.

Isso dito, o objetivo desta dissertação de mestrado é a caracterização das

diferenças que ocorrem entre o original em língua inglesa de A Streetcar Named

Desire, de Tennessee Williams, com a respectiva tradução em português, Um bonde

chamado Desejo, de Vadim Nikitin, com base nas escolhas lexicogramaticais feitas

pelos referidos autores. A pesquisa tem o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

16

(LSF), uma proposta teórico-metodológica de HALLIDAY (1994); HALLIDAY;

MATTHIESSEN (2004). O modelo estabelece que o uso da língua é funcional; que

sua função é construir significados; que os significados são influenciados pelo

contexto social e cultural em que são intercambiados; e que o processo de uso da

língua é um processo semiótico, um processo de fazer significado por meio de

escolhas (EGGINS, 2004, p. 3).

Para tanto, o presente estudo busca responder às seguintes perguntas: (a) o

que a comparação do original em inglês e a tradução em português de A Streetcar

Named Desire pode revelar? (b) que consequências essas diferenças significam para

a interpretação do texto original e de sua tradução?

Esta dissertação de mestrado está assim estruturada: Introdução,

Fundamentação Teórica, envolvendo a Linguística Sistêmico-Funcional, que abrange

as metafunções e a relação da língua e contexto, as noções de modalidade e de

avaliatividade, além da Linguística Crítica; a tradução e a relatividade e determinismo

linguísticos; a tradução e a tipologia das línguas; a tradução e as metafunções; além

de noções que embasam a análise, como as de ironia, footing (alinhamento), frame

(conhecimento de mundo). Metodologia, incluindo Dados e Procedimentos de Análise.

Análise e Discussão dos Resultados. Considerações Finais. Referências e Anexos.

A presente pesquisa insere-se no projeto de pesquisa “Recursos para a

realização da persuasão através da avaliação implícita”, sendo parte integrante do

grupo de pesquisa Análise Crítica e Linguística Sistêmico-Funcional (ACLISF),

cadastrado no CNPq, ambos coordenados pela professora doutora Sumiko Nishitani

Ikeda. Cito alguns dos trabalhos feitos pelo grupo: SILVA, R. R. A Tradução de

Memórias de um Sargento de Milícias segundo o modelo comparativo e a GSF (2013);

SAPARAS, M. Representações metafóricas em títulos de filmes americanos e suas

traduções para o português: um enfoque sistêmico-funcional (2012); NINOMIYA, S. L.

A Estruturação Temática na tradução de textos literários da língua japonesa para a

língua portuguesa: um enfoque sistêmico-funcional (2012); BEZERRA, L. A. Marcas

linguístico-culturais presentes na tradução, do português para o inglês, da obra

Menino de Engenho, de José Lins do Rego (2010); ARMBRUST, C. As funções das

construções passivas em editoriais em português e em inglês: um estudo à luz da

perspectiva sistêmico-funcional (2006).

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

17

Mas, antes de iniciar o capítulo da Fundamentação Teórica, trato da

importância de Tennessee Williams na dramaturgia moderna e alguns dados sobre A

Streetcar Named Desire, estrutura e contexto histórico em que foi escrito o romance.

Esses itens dizem respeito aos requisitos de registro sugeridos por Goatly (1997), com

a finalidade de contextualizar a obra para facilitar a compreensão das suas três

variáveis: campo (assunto), relações (comportamento dos personagens) e modo (no

caso, um drama moderno) bem como para evitar a subjetividade das interpretações.

1.1 Contexto histórico de A Streetcar Named Desire

Desde muito antes da década de 1940, o apego de autores e críticos a um

teatro de molde realista e dramático deixava necessariamente à margem da cena não

apenas episódios de grande impacto histórico e coletivo, como a guerra, mas também

o impacto subjetivo das grandes transformações sociais e materiais. Tennessee

Williams e Arthur Miller desenvolveram soluções, formas e estratégias representativas

que permitiram avançar tanto num sentindo como em outro. Tennessee Williams

impregnou o eixo da subjetividade de elementos tomados ao âmbito do épico: sua

dramaturgia está impregnada de elementos como o fluxo narrativo e de memórias, as

projeções de slides, a ruptura com o passado apresentando a representação

verossimilhante do espaço e a criação de uma atmosfera determinada pela natureza

da afetividade da personagem protagonista.

De acordo com Berthold (2014, p. 451), a era da máquina havia começado. A

ciência empreendeu a tarefa de interpretar o homem como produto de sua origem

social. Fatores biológicos foram reconhecidos como forças formativas da sociedade e

da história. Numa época em que a sociologia começou a investigar a relação do

indivíduo e da comunidade e a derivar novas teorias estruturais das mudanças

observadas na vida coletiva, os historiadores da cultura claramente precisavam

também de novas categorias de classificação.

Chega-se, assim, à uma análise da dramaturgia da virada do século XIX. O

dramaturgo, nesse período, deveria levar ao palco uma realidade que explicasse todo

o comportamento humano; eliminando a fantasia da subjetividade, construindo

diálogos que fossem a reconstituição exata de uma conversa, tal como ela poderia

ocorrer fora dos palcos (SZONDI, 2015, p. 49).

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

18

No drama realista os heróis eram escolhidos dentro das camadas mais baixas

da sociedade e, o estilo cênico, impregnado de realidade, buscando, como

mencionado, a verossimilhança. Havia, também, o surgimento da quarta parede, ou

seja, no jogo cênico, o ator ignorava a existência do público e seu posicionamento no

palco ocorria pelo curso das ações e dos diálogos. A interpretação, juntamente com a

cenografia, era fiel à vida e, dessa forma, “mostrava a vida como ela realmente é, em

seu completo horror” (BERTHOLD, 2014, p. 457). O realismo absorve a técnica

analítica ibseniana.

Os Estados Unidos da América, durante dois séculos, recorreram aos modelos

europeus. Ao se comparar os quatro grandes centros teatrais, tinha-se: Paris como o

prazer artístico; Viena como o prazer sensorial; Berlim como a batalha entre atores e

críticos; e Moscou como a dedicação religiosa ao teatro. Nos Estados Unidos da

América, o teatro era um divertimento visto como negócio; o teatro deveria dar certo

como empreendimento comercial.

Os anos de 1940 assiste à emergência de Tennessee Williams, que permanece

até hoje como um dos mais representativos dos teatros da Broadway.

Autobiograficamente, ele reflete sobre as pretensões da tradição sulista, buscando

refúgio, do mundo moderno, nos sonhos e retraimentos (BERTHOLD, 2014, p. 520).

1.2 Tennessee Williams: o poeta do coração1

Segundo Falk (1961, p. 7) “Tennessee Williams tornou-se uma das figuras

literárias mais conhecidas no cenário americano [...]”. Para melhor entender sua obra,

importante se faz conhecer o autor que a produz.

Nascido Thomas Lanier Williams III, em Columbus, estado do Mississipi, nos

Estados Unidos da América, em 26 de março de 1911, era o segundo filho do casal

Edwina e Cornelius Williams, Tennessee e seus dois irmãos passaram a infância ao

lado da mãe, dos avós maternos e da babá Ozzie. Seus pais viviam aparentemente

separados, e, seu pai, considerado um homem frio e distante, com frequentes hábitos

etílicos, trabalhava como vendedor ambulante, aparecendo em casa somente para

ameaçar seus filhos e entristecer o ambiente familiar. Dentro desse desenrolar,

1 “[…] the poet of the heart.” (ROUDANÉ, 2009, p. 1, tradução nossa)

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

19

Williams “viu e tomou consciência de ambos: ao mesmo tempo em que temia, mas

respeitava o pai, amava, mas sentia pena de sua mãe” (FALK, 1991, p. 18).

Sua mãe, a bela Edwina, absorvera traços culturais remanescentes do Old

South, que, em tese, seria uma terra de fazendas prósperas, amplas casas brancas

com janelas envidraçadas, habitadas por homens e mulheres brancos e cultos, com

grandes habilidades e conhecimentos de literatura e música, sustentados por uma

economia estável sedimentada na produção agrícola, conforme Cáceres (1996). O

avô materno, Dakins, pastor da igreja episcopal, com forte presença no sul dos

Estados Unidos, supria, pelo status religioso perpetrado pelo ministério, grande parte

da figura paterna, não deixando faltar nada às crianças na casa paroquial em que

viviam com a avó materna Rose.

Tennessee era o segundo filho, tendo sua irmã, Rose, sido diagnosticada como

esquizofrênica, fato que influencia de maneira relevante a sua vida e obra,

apresentando personagens com instabilidade mental e emocional. Ainda, segundo

Williams (1975, p. 36):

(...) não consigo apresentar no palco uma fraqueza humana a menos que a

conheça na pele. Eu exponho uma boa quantidade de fraquezas e

brutalidades humanas e, consequentemente, eu as tenho”

Bloom (2004) destaca as personalidades antagônicas dos pais e suas

influências na vida e na obra do dramaturgo. A mãe, muito semelhante a Blanche em

seu principal trabalho, Um bonde chamado Desejo, aderiu a costumes irrelevantes e

a uma ideia quase irreal a respeito das convenções sociais de então. O pai o chamava

de “senhorita Nancy”, expressando abertamente sua aversão a ele [...] fazendo com

que, não importa para quão longe Tennessee tenha fugido, suas memórias e

cicatrizes daqueles anos para sempre permaneceram com ele (BLOOM, 2004, p.

557).2 Nesse ambiente de hostilidade, ele passa a sofrer com a ambiguidade, medos

e fragilidades. Cabe ressaltar que são esses sentimentos que o auxiliam a lidar com

suas próprias angústias, timidez, opressão paterna, homossexualidade e o

2 “William’s mother is much like Blanche in his masterwork, A Streetcar Named Desire, adhered to largely irrelevant mores and a somewhat unreal idea of the current social convention. William’s father called his son “Miss Nancy” and relentlessly expressed his disgust for the youngster […] no matter how far he fled the memories and scars of those years stayed with him”. (BLOOM, 2004, p. 557, tradução nossa)

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

20

reconhecimento de sua insignificância perante a humanidade (WILLIAMS, 1975, p.

23).

Roudané (2009, p. 2) afirma que Tennessee reinventou o palco norte-

americano, ao eleger as palavras como sua grande preocupação. De acordo com o

crítico, o valor que ele dava a elas é o que o torna singular entre outros dramaturgos

contemporâneos. Segundo ele, William “celebrava a linguagem”, e é sua “linguagem

poética que da vida à palavra” 3 e às suas produções teatrais:

Ele procurou encontrar equivalentes verbais para expressar a tortura interior

de seus personagens. [...] Esta vontade de ampliar seu teatro para algo além

da forma tradicional de realismo, que naquele momento era o modo

dominante de expressão teatral da América, permitiu a Williams criar um

drama lírico, um teatro poético (ROUDANÉ, 2009, p. 3).4

3 “Williams celebrates language [...] a poetic language that makes the world flesh”. (Tradução nossa) 4 “He sought to find the verbal equivalents for his characters’ tortured inner selves. […] This willingness to open up his theatre to more than the traditional forms of realism, then the dominant mode of theatrical expression in America, allowed Williams to create a lyric drama, a poetic theatre’. (Tradução nossa)

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

21

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Apresento, a seguir, as teorias que embasam a minha análise na comparação

do original e da respectiva tradução de A Streetcar Named Desire: a proposta teórico-

metodológica da Linguística Sistêmico-Funcional além das contribuições que a teoria

tem recebido mais recentemente; seguem-se as seguintes teorias complementares:

estudos da tradução; o determinismo e a relatividade linguísticos; e a tipologia

linguística.

2.1 Linguística Sistêmico-Funcional

A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) é uma proposta teórico-metodológica

de Halliday (1994) e seus colaboradores. Para a LSF, a língua está estruturada para

construir três tipos de significados simultâneos: ideacional, interpessoal e textual.

(a) A metafunção ideacional, por meio do sistema da transitividade, trata da

codificação pelos usuários da língua de suas experiências (HALLIDAY, 1994;

HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Para Halliday (1994), os processos semânticos

representados na oração têm potencialmente três componentes: o processo, expresso

pelo grupo verbal da oração; os participantes envolvidos no processo; e as

circunstâncias associadas com o processo, expressas por grupos adverbiais ou

preposicionais. Halliday sugere a existência de seis tipos de processo, conforme

representem ações, eventos, estados da mente ou estados de ser. material (ações e

eventos), mental (estados da mente) e relacional (estados de ser) e nos limites entre

esses processos, os processos: comportamental (que representam manifestações de

atividades internas), verbal (relações simbólicas construídas na consciência humana

e em estados fisiológicos) e existencial (processos relacionados à existência),

resumidos no Quadro 2 (os processos nos exemplos estão em maiúscula; os

participantes, entre colchetes).

(b) A metafunção interpessoal organiza a oração como um evento interativo,

envolvendo produtor e receptor da mensagem, e focaliza a interação como uma troca

de bens e serviços (denominados de proposta) ou de informação (denominada de

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

22

proposição) (HALLIDAY, 1994). A metafunção interpessoal envolve: mood5 (sujeito +

finito + modalidade) e resíduo (predicador + complemento + adjunto).

(i) O MOOD estabelece relações entre papéis de falante e ouvinte, por meio de:

● orações declarativas (afirmativas ou negativas), interrogativas, imperativas

e, no caso do português, as subjuntivas;

● modalidade, que inclui verbos modais (ex., precisar, poder, querer), adjuntos

modais (ex., talvez, certamente) e o tempo primário (tempo verbal)6.

(ii) O RESÍDUO consiste de elementos funcionais de três tipos: predicador,

complemento e adjunto. Há apenas um predicador, um ou dois complementos

e um número indefinido de adjuntos até, em princípio, cerca de sete.

A metafunção interpessoal da linguagem abarca, hoje, as demais metafunções,

já que as escolhas lexicogramaticais que se fazem tanto na metafunção ideacional,

quanto na textual, são feitas tendo sempre em vista a interlocução, ou seja, a

metafunção interpessoal.

(c) A metafunção textual organiza os significados ideacionais e interpessoais na

oração, de acordo com as exigências do meio sócio-histórico-cultural, apoiada nos

conceitos de tema e rema. O tema (sujeito psicológico) é o ponto de partida da

mensagem e indica uma posição importante na oração, ajudando a estruturar o

discurso, a dar proeminência aos elementos que o compõem e, segundo Figueiredo

(2006), a orientar a interpretação do leitor. O rema é o restante da mensagem da

oração. Rema é tudo menos o tema.

A língua pode manipular esses três tipos de significados simultaneamente,

porque possui um nível intermediário de codificação: a lexicogramática. É esse nível

que possibilita à língua construir três significados concomitantes, e eles entram no

texto através das orações, mediante escolhas feitas no sistema linguístico. Daí porque

5 “Mood” tem sido traduzido por Modo (com inicial maiúscula); porém decidimos manter o termo inglês para evitar confusão com “Modo”, componente de Registro, quando em início de sentença. 6 Thompson & Thetela (1995) propõem distinguir duas funções no interior da metafunção interpessoal:

(i) pessoal - posicionamento do escritor (= modalidade) e (ii) interacional – relação entre os falantes (=

mood).

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

23

Halliday dizer que a descrição gramatical é essencial à análise textual. Importante

para a LSF é a noção de escolhas. Assim, quando se faz uma escolha no sistema

linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado contra um fundo em

que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas, mas que não o foram, fato

importante na análise do discurso. Em resumo, a LSF procura desenvolver uma teoria

sobre a língua como um processo social e uma metodologia que permita uma

descrição detalhada e sistemática dos padrões linguísticos.

2.2 Relação língua e cultura

Outra questão importante para a LSF é a relação entre língua e contexto para

o estabelecimento do discurso, na medida em que este envolve questões

dependentes do compartilhamento de conhecimento de mundo entre escritor e leitor.

Os contextos que afetam a língua, para os sistemicistas, são sociais: (a) gênero

(contexto cultural) e registro (contexto situacional).

O gênero representa os processos sociais em estágios orientados para uma

finalidade de uma dada cultura, tais como a narrativa, uma anedota, uma reportagem,

um relato, um procedimento, etc., e, por isso, são em geral rotulados de contexto de

cultura. O registro, por outro lado, refere-se ao contexto de situação (MARTIN, 1992).

Na LSF, o registro é organizado pelas três variáveis contextuais, campo (assunto),

relações (status dos interactantes) e modo (organização do texto). Essas três

variáveis contextuais de registro são, por sua vez, organizadas pelas metafunções da

linguagem (HALLIDAY, 1978).

2.3 A tradução

As teorias da linguagem que emergem da tradição intelectual do Ocidente,

alicerçadas no logocentrismo e na crença que Jacques Derrida chamada de

“significado transcendental”, têm considerado o texto de partida como um objeto

definido, congelado, receptáculo de significados estáveis, geralmente identificados

com as intenções de seu autor, afirma Arrojo (1993, p. 16). Obviamente, esse conceito

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

24

de texto traz consigo uma concepção de leitura que atribui ao leitor a tarefa de

descobrir os significados originais do texto (ou de seu autor).

Porém toda tradução, diz Arrojo (2003), por mais simples e breve que seja, trai

sua procedência, revela as opções, as circunstâncias, o tempo e a história de seu

realizador. Toda tradução revela ser produto de uma perspectiva, de um sujeito

interpretante e, não, meramente, de uma compreensão neutra e desinteressada ou

de um resgate comprovadamente correto ou incorreto dos significados supostamente

estáveis do texto de partida. Portanto, “nenhuma tradução será [...] “neutra” ou “literal”;

será, sempre e inescapavelmente, uma leitura” (ARROJO, 2003, p.68).

É o que diz Venuti:

[...] um texto estrangeiro é o lugar de diferentes possibilidades semânticas, estabelecidas apenas provisoriamente em qualquer tradução, com base em hipóteses culturais variáveis e escolhas de interpretação, em situações sociais específicas, em períodos históricos diferentes. O significado é uma relação plural e contingente, não uma essência unificada imutável, e assim uma tradução não pode ser julgada conforme conceitos matemáticos de equivalência semântica ou de correspondência bi-unívoca (VENUTI, 1995, p.18).

Nos anos 1990, a figura do tradutor subserviente foi substituída pela do tradutor

visivelmente manipulador, o artista criativo mediador de línguas e culturas

(BASSNETT, 2003, p. 14 apud MING, 2007). Mas o que mudou? Bohunovsky (2001,

p. 54) afirma que o que muda agora é que “o tradutor é entendido como um sujeito

inserido num certo contexto cultural, ideológico, político e psicológico – fatores que

não podem ser ignorados ou eliminados na elaboração de uma tradução”. O tradutor

tornou-se “visível”. Dessa forma, deixou-se de esperar do tradutor uma tarefa que,

como diz Arrojo (1993, p.73) é impossível: um tradutor que seja não apenas invisível

e inconspícuo, mas que possa também colocar-se na pele, no lugar e no tempo do

autor que traduz, sem deixar de ser ele mesmo e sem violentar a sintaxe e a fluidez

de sua língua, de seu tempo.

De fato, como diz Robinson (2003 apud PÉREZ, p. 07), os tradutores sabem

algumas coisas: como regular o grau de "fidelidade" em relação ao texto fonte, como

estabelecer o tipo de fidelidade apropriada ao contexto de uso específico [...], como

tratar da terminologia, como falar e agir do modo como faz um profissional, dentre

outras coisas. Os tradutores são pessoas que sabem essas coisas, e deixam seu

conhecimento governar seu comportamento. E esse conhecimento é ideológico,

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

25

controlado por normas ideológicas [...]. Se quisermos ser um tradutor, devemos

submeter-nos ao papel submisso de tradutor, submeter-se à ser "possuído" por aquilo

que as normas ideológicas o informam.

Em artigo escrito em 1970, Halliday (apud FIGUEIREDO, 2006) afirma que

examinar a estrutura linguística em si não é suficiente para explicar a sua organização.

Seria necessário também levar em conta o uso da língua. Se pensarmos a tradução

do ponto de vista da LSF, veremos que as escolhas lexicogramaticais do tradutor são

importantes, principalmente se olharmos para essas escolhas como alternativas para

aquelas que poderiam ter sido feitas e também os efeitos de sentido criados por essas

escolhas.

Não é outra a situação que se vê no campo da literatura. Como não poderia ser

de outra forma, diante de um texto literário qualquer, os tradutores devem fazer

escolhas lexicogramaticais, que não são neutras, pois refletem a ideologia, a

subjetividade e a visão que cada pessoa tem sobre o que é "ser um texto" e como ele

significa.

2.4 Relatividade e Determinismo Linguísticos

A hipótese da Relatividade e do Determinismo linguísticos veio a ter o nome de

hipótese Whorfiana, em homenagem a Benjamin Lee Whorf, que devotou grande

atenção ao problema (WHORF, 1956 apud SLOBIN, 1980). Comecemos com uma

afirmação sobre o problema feita por Edward Sapir, o grande linguista que foi

professor de Whorf:

Os seres humanos não vivem isolados no mundo objetivo, nem no mundo da atividade social como ordinariamente se entende, mas estão muito a mercê da língua que se tornou o meio de expressão de sua sociedade. O fato de que o "mundo real" é, em larga extensão, inconscientemente construído sobre os hábitos linguísticos do grupo (MANDELBAUM, 1958, p. 162 apud SLOBIN, 1980).

Sapir, no princípio, diz que estamos "à mercê da língua" (versão forte do

determinismo); mais tarde, simplesmente diz que "os hábitos linguísticos [...]

predispõem a certas escolhas de interpretação" (versão fraca). Fica também claro

nessa afirmação que línguas diferentes são consideradas como tendo efeitos

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

26

diferentes no pensamento e na experiência. A afirmação de Sapir avança, assim, as

noções de Determinismo Linguístico (a língua pode determinar a cognição) e de

Relatividade Linguística (o determinismo é relativo à língua que se fala).

Como haveremos de ver logo a seguir, as línguas diferem grandemente, tanto

nas categorias que expressam como nos meios linguísticos especiais que empregam

para a representação das várias categorias. Essas diferenças vão além do fato tão

conhecido de que a maioria das palavras não tem tradução perfeitamente equivalente,

de uma língua para outra.

2.4.1 O nível lexical

Examinemos as questões mencionadas acima de maneira mais detalhada.

Inicialmente, pode-se perguntar o motivo de as pessoas falarem de relatividade

linguística. Podemos começar com o nível lexical.

(a) Quando comparamos duas línguas, podemos concluir que uma delas tem

palavras para as quais não há, de forma alguma, equivalentes na outra língua

(ex.: “pinga”; “tatame”).

(b) As línguas também diferem no fornecimento de hiperônimos para designar várias

categorias. Ex.: “nut” (inglês) não tem tradução para o português. Os árabes têm

muitos termos para as várias raças de cavalos, mas não têm nenhum termo

hiperonímico para “cavalos”, um termo geral para os equinos.

(c) As línguas diferem no modo como seccionam os vários campos semânticos. É o

que acontece com o campo semântico da cor: as línguas diferem tanto no

número de termos para cor, quanto no modo como dividem o continuum do

espectro solar. Uma grande quantidade de pesquisas mostrou que as cores que

eram designadas com facilidade – isto é, as cores que eram altamente

codificáveis – retinham-se melhor em várias tarefas de memória e

reconhecimento.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

27

Há, aqui, duas questões a considerar: (i) a natureza da codificabilidade, e (ii)

os efeitos da codificabilidade. Quanto ao primeiro ponto, consideremos o exemplo de

Whorf (1956 apud SLOBIN, 1980), da riqueza do vocabulário dos esquimós no que

tange à neve, o que não acontece no português. Notemos que em todos esses casos

é a presença ou ausência de uma única palavra que se oferece como prova da

relatividade e determinismo Iinguísticos.

Isso nos leva ao segundo ponto: o efeito da codificabilidade. Em francês, um

só termo, conscience, é usado para os dois significados diferentes expressos pelos

termos ingleses, conscience (ex.: perda de consciência ética) e consciousness (ex.:

perda de sentidos, desmaiar). Por um lado, isso significa que os que falam francês

não têm a seu alcance um meio de distinguir as duas noções, como têm os de língua

inglesa. Alguns pesquisadores pensam ser possível demonstrar que essa identidade

linguística levou os pensadores franceses a uma fusão conceitual maior entre os

conceitos de "conscience" e "consciousness", determinando confusão entre um ato

consciente e outro inconsciente, com possíveis implicações comportamentais.

2.4.2 O nível gramatical

Aqui a questão do determinismo se torna bastante complicada, porque há uma

variedade de classificações obrigatórias incorporadas à gramática, às quais

geralmente não prestamos atenção, segundo Slobin (1980). Tem-se generalizado a

noção de que as categorias gramaticais de uma língua nos levam, sem que o

percebamos, a prestar atenção nos diferentes atributos das situações.

Na língua nootka, a impressão combinada de uma pedra caindo é analisada de

forma bem diferente da do inglês. Não é necessário referir-se especificamente à

pedra; mas pode-se usar uma única palavra, uma forma verbal, que na prática não é

essencialmente mais ambígua do que a frase inglesa. Essa forma verbal consiste em

dois elementos principais, o primeiro indicando movimento geral ou posição de uma

pedra ou objeto semelhante a pedra, ao passo que o segundo se refere à direção para

baixo.

Podemos ter uma ideia do que é a palavra em nootka, se admitirmos a

existência de um verbo intransitivo, "to stone", referindo-nos à posição ou ao

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

28

movimento de um objeto semelhante a pedra. A frase "The stone falls", "A pedra cai",

pode ser reformulada mais ou menos como "it stones down", "pedra [verbo inexistente

ou suposto] para baixo". Nesse tipo de expressão, a qualidade de coisa da pedra está

implícita no elemento verbal generalizado "to stone", ao passo que a qualidade

específica do movimento que nos é dada na experiência quando uma pedra cai é

concebida como separável em uma operação generalizada do movimento de objetos

e uma noção mais específica de movimento de direção. Em outras palavras, enquanto

os nootka não têm nenhuma dificuldade em descrever a queda de uma pedra, eles

não possuem um verbo que corresponda a exatamente ao "fall" (ou "cait").

Creio que somos obrigados a admitir a hipótese determinista, se considerarmos

a influência do frame – conhecimento de mundo arquivado na mente – dos

interlocutores. A minha orientadora traz alguns dados que assim me fazem entender

as diferenças de expressão de uma língua à outra. Quando, em sua estada no Japão,

ao conversar com seus alunos universitários, ela notou que, mesmo falando sobre um

determinado objeto concreto, “cama” por exemplo, ela tinha em mente a cama

ocidental enquanto seu aluno pensava no seu tatame rente ao chão. Então, dizer algo

como “encontrei isso debaixo da cama” soa estranho para o japonês.

Entendeu, então, que havia uma força determinante que não permitia a ambos

pensarem na mesma coisa. O que se verifica, portanto, é que a língua uma vez criada

pela cultura, liberta-se de seu criador e envolve-se de poder, “escravizando”, digamos

assim, seu usuário. Cita-se, então, um outro exemplo: a dificuldade que sentiu ao fazer

a revisão de “Quincas Berro d´água”, romance regionalista de Jorge Amado. Não há

equivalente cultural entre o contexto brasileiro do romance e o contexto criado na

tradução, aparecendo a impossibilidade de o japonês experienciar a mágica de

Amado.

2.5 Tipologia das línguas

O ensino de inglês como língua estrangeira tem se mostrado uma área em

franco desenvolvimento e tem crescido bastante no Brasil nos últimos anos. A

aprendizagem de uma língua estrangeira exige o conhecimento não só das regras

gramaticais das línguas envolvidas no processo tradutório, mas também do contexto

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

29

sociocultural que cerca o uso dessas línguas. Assim, sabemos que uma tradução

pode estar gramaticalmente correta, mas discursivamente inadequada. Katan (2004,

p. 9) dá um exemplo de como isso pode acontecer:

(1) One of the main features of the complete machine are cantilevered tundish cars running

on tracks on an elevated steel structure for rapid change of the tundish ‘on the fly’.7 Segundo o autor, embora o texto seja gramaticalmente correto, poucos falantes

nativos compreenderiam o significado desse texto. Isso ocorre porque, dentre outras

coisas, as escolhas dos itens “tundish” e “on the fly” são usados de forma ambígua

nesse contexto. Para Katan, se cotejado com textos técnicos bem escritos, o texto

acima poderia ser reescrito da seguinte forma:

(1') One of the main features of the (complete?) machine are the cantilevered tundish cars.

These run on tracks on an elevated steel structure, which ensures a rapid change of the tundish ‘on the fly’.

Ou seja, o que ocorre aqui é que, embora seja possível escrever da forma como

no exemplo (1), a estrutura do texto (1’) é mais provável e, portanto, mais idiomática,

de mais fácil processamento pelo leitor. Pym (apud KATAN, 2004, p. 16) fala que: “[...]

nossos programas de treinamento devem ser orientados progressivamente para a

produção de mediadores interculturais, pessoas capazes de fazer e não somente de

traduzir".

Nesse sentido, Fillmore (1988) que ampliou nossa visão de semântica,

colocando o significado das palavras no enquadre cognitivo. Em sua proposta,

Fillmore e Atkins (1992, p. 78) propuseram - e demonstraram - que "o significado das

palavras só pode ser entendido com referência ao contexto da estrutura da

experiência, crenças ou práticas, constituindo uma espécie de pré-requisito conceitual

para o entendimento do significado".

Ilustram a questão, exemplos como os seguintes. As vendas do Corsa da GM

não decolaram quando o carro foi oferecido na Espanha com o nome de NOVA (No

va = não vá). Já, mais cuidadosa, a Mitsubishi, que vende o modelo 4 x 4 no Brasil e

na Grã-Bretanha com o nome de Pajero, rebatizou-o, em países de língua espanhola

como Montana, pois "pajero" significa "masturbar", nesses lugares.

7 Uma das principais características do maquinário está no carro de escoamento que funciona em uma estrutura elevada de aço permitindo rápida troca quando em movimento. (Tradução nossa)

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

30

Slobin (1996) tenta aplicar as intravisões da linguística cognitiva para os usos

de verbos de movimento em dois tipos de língua. Ele pretende estender a noção de

“enquadre” (frame) de dois modos: um verbo de movimento está situado no enquadre

discursivo de um relato de uma viagem; e fornece e limita os meios de expressão dos

componentes do movimento numa determinada língua. Para caracterizar a

codificação linguística desses elementos, então, deve-se ater ao uso, como sendo

limitado pela tipologia da língua em questão.

O contexto de uso com o qual Slobin está interessado é o da narrativa tanto

obtidas artificialmente, quanto por meio do trabalho de romancistas. Nos dois tipos de

narrativa, a forma e o conteúdo das descrições de viagens são fortemente formatados

pela tipologia dos padrões lexicais. O contraste tipológico em questão fica claramente

demonstrado na comparação do inglês com o espanhol. Essas línguas representam

os polos opostos da dicotomia tipológica, que Leonard Talmy (1985, 1991, apud

SLOBIN 1996) caracterizou com enquadre-satélite versus enquadre-verbo.

Consideremos o exemplo prototípico de Talmy sobre a saída de um homem montando

seu cavalo:

(2) He rode out of the garden versus El salió del jardin montando a caballo.

Em inglês, o satélite do verbo, out, expressa a formação nuclear do movimento,

enquanto que em espanhol, é o verbo por si, salir, que expressa essa informação.

Notemos que a informação sobre o modo do movimento não é expressa pelo

verbo em inglês, mas pelo adjunto adverbial (montando a caballo). Esses padrões são

muito frequentes nas duas línguas (com exceção de verbos de origem latina no

inglês). Assim, o inglês possui muitos verbos de movimento que expressam o modo,

mas não a direção (walk, run, crawl, fly, etc.), combináveis com uma coleção de

satélites (in, up to, across, etc.). Já o espanhol prefere verbos inerentemente

direcionais (entrar, bajar, subir etc.), com uso mais restrito de verbos de movimento

não-direcionais e alguns verbos de modo. Talmy (1991, p. 486) propõe que a

dicotomia tipológica é universal, dividindo as línguas nas que expressam o “esquema

nuclear” (no caso, movimento) por meio de verbos ou satélites.

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

31

Quadro 1 – Enquadre de Satélite e Enquadre de Verbo

inglês espanhol

rode out salió montando a caballo

mov + modo fora mov + fora modo

As línguas que mapeiam o esquema nuclear no verbo serão consideradas

como tendo um enquadre-de-verbo (espanhol, português e demais línguas românicas,

semíticas, japonês, tamil, polinésio, a maioria das bantu, a maioria dos mayanos, nez

perce e cado). Por outro lado, as línguas que mapeiam o esquema nuclear no satélite

serão consideradas como enquadre-de-satélite (o inglês e a maioria das línguas indo-

europeias – exceto as românicas, o finlandês, o chinês, o ojibwa e o warlpiri). Vejamos

mais alguns exemplos:

(3) Gradually he worked his way up to the foot of the bluffs.

Poco a poco, fue acercándose (Ø), hasta el pie de los riscos. [omite “movimento para cima”]

(4) Mrs Tranter rustled forward, effusive and kind. [rustle = sair farfalhando a saia]

(a) Mrs Tranter se adelantó (Ø), efusiva y amable. [ou omite “farfalhar”] (b) Salió del cuarto, acompañada del susurro siseante de sus ropas. [ou traduz]

2.6 A Linguística Sistêmico-Funcional e a tradução

Ming (2007) recorre à abordagem da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF)

(HALLIDAY, 1994) para estudar a tradução a partir de vários parâmetros funcionais,

tais como a transitividade, a modalidade e a estrutura temática, além das contribuições

que a teoria tem recebido, que ampliaram seu poder analítico, tal é o caso da

avaliatividade (appraisal), que complementa a modalidade da LSF. Segundo Martin

(2000), a interação através do discurso vai além da permuta de bens e serviços ou

informação proposta por Halliday (1994); assim, ele amplia a abordagem da LSF,

propondo a semântica da avaliação para referir-se aos sentimentos, julgamento

éticos, apreciação estética e o valor que os interlocutores incluem, posicionando-se

no discurso.

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

32

A LSF, proposta por Halliday (1994, 2004), entende a língua como um recurso

social semiótico que as pessoas usam para realizar seus propósitos ao expressar

significados em contexto. Essa proposta ganhou um lugar de destaque nos estudos

do discurso nos últimos vinte anos, e é provável que se mantenha influente nos anos

por vir, visto que atingiu o objetivo de Halliday ao constituir-se como uma gramática

funcional para a análise da microestrutura do texto, nas escolhas lexicogramaticais

feitas pelo escritor/falante às quais subjaz a ideologia e a relações de força do

discurso.

Recentes publicações mostram que o quadro teórico da LSF também pode ser

aplicável ao campo dos estudos da tradução, como mostram, por exemplo, alguns

tradutores chineses (HUANG, 2002, 2004, 2006; LI, 2007). Zhang e Huang (2003)

expõem a perspectiva funcional para estudos de tradução a partir de vários aspectos:

características textuais, contexto e escolha linguística, relação entre significado e sua

realização.

Na década de 1960, durante o boom das teorias linguísticas estritamente

científicas, linguistas falantes de inglês também desenvolveram abordagens teóricas

da tradução. Na Inglaterra, Catford (1965) aplicou a gramática sistêmica de Halliday à

teoria da tradução, categorizando de modo positivo as alterações nas traduções que

incidem em: níveis, estruturas, classes de palavras, unidades e sistema.

2.6.1 A metafunção ideacional e a tradução

A língua chinesa, segundo Ming (2007), constrói significados com menos

conjunções do que o inglês, não tendo essa abundância de orações subordinadas

como a língua inglesa, pois organiza as orações uma após outra sem o uso de

conectivos; já o inglês constrói significados por meio de construções subordinadas,

lançando mão de conectivos para estabelecer as relações lógicas entre orações. As

diferenças entre as línguas em termos da relação lógico-semântica podem ser

reveladas por meio de teorias da função lógica, possibilitada pela LSF, o que é

benéfico para analisar a distinção inerente entre língua fonte e língua meta, a partir da

dimensão da relação oracional.

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

33

2.6.2 A metafunção interpessoal e a tradução

Usamos a língua para interagir com outras pessoas, para estabelecer e manter

relações com elas, para influenciar os seus comportamentos, para expressar nosso

próprio ponto de vista sobre as coisas do mundo, e para obter ou alterar o dos outros

(THOMPSON, 1996, 2000, p. 28). A metafunção – ou significado – Interpessoal diz

respeito à interação entre o falante e o destinatário, o que se manifesta principalmente

no nível da oração no mood (interação por meio dos modos verbais: imperativo,

declarativo, subjuntivo), modalidade e avaliação. Por outro lado, há que se considerar

que, na tradução do imperativo, por exemplo, pode haver muitas maneiras de

expressar esse modo.

No entanto, a organização do sistema de mood e as realizações das várias

opções, diferem de uma língua para outra. Por exemplo, o grau da categoria

gramatical correspondente aos comandos é variável: pode haver ou não uma forma

distinta do imperativo, e, geralmente, há muitas outras realizações possíveis. No curso

da tradução interlinguística, é vital manter a correspondência dos significados do

mood entre as duas línguas. Para atingir este objetivo, o tradutor deve estar

familiarizado com as características do sistema de mood realizadas no original e na

tradução, respectivamente.

2.6.3 A metafunção textual e a tradução

Esse tipo de organização textual vem sendo explorado em LSF, de Halliday,

que também investiga os significados, examinando o modo como uma mensagem se

relaciona com as mensagens ao seu redor. Thompson (1996, 2000, p. 27) afirma que

esses significados são expressos principalmente pela ordenação dos constituintes da

oração.

Nesse contexto, Gouveia e Barbara (2004) suscitam argumentos que podem

ser úteis para entender as diferenças entre línguas. Tanto o inglês quanto o português

são línguas de padrão sintático SVO (sujeito, verbo, objeto); no entanto, o português,

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

34

assim como o espanhol e o italiano, é considerado línguas pro-drop, ou seja, permitem

a elisão do sujeito e o posicionamento do predicador8 em primeiro lugar na oração.

O fato de uma língua ser pro-drop, como, por exemplo, o português, acarreta

algumas consequências: (1) não há pronomes expletivos como o inglês (it), por

exemplo (1); (2) existe a possibilidade de posicionar o sujeito depois do verbo (2); e

(3) aparentemente a característica pro-drop parece estar relacionada à rica morfologia

verbal, em termos de pessoa e número, o que quer dizer que a ocorrência de sujeitos

pronominais, em português , pode ser redundante, se se considerar que, no tempo

verbal, informações sobre as pessoas envolvidas ou a identidade do participante

esteja codificada no finito9:

(1) Chove. (It is raining.)

(2) Apareceu um rato no meu escritório. (It apeared a mouse in my office.)

A análise dos dados dos autores mostra que os sujeitos pro-drop, em

português, tendem a ser utilizados em sentenças contextualizadas ou em textos onde

o sujeito já foi mencionado em sentenças anteriores. Além disso, quando não há um

sujeito explícito, ele está codificado na morfologia verbal, que carrega consigo as

características de pessoa e número do sujeito.

Gouveia e Barbara acreditam que a diferença entre português e inglês deveria

estar no estabelecimento de laços coesivos de referência e não entre diferentes

formas de marcar o elemento tema. Para os autores, tanto sujeito quanto verbo podem

ser instâncias de temas não-marcados em português, o que não quer dizer que a

escolha natural, no português, seja o verbo, mas sim o sujeito. Mas, sem dúvida, há

casos cujo primeiro elemento da oração é um verbo, que codifica o sujeito, que já foi

previamente expresso ou está óbvio no contexto de situação e, portanto, equivale à

escolha do sujeito como tema e não do verbo como tema.

A propósito, Figueiredo (2006), baseando-se em Halliday e Matthiessen (2004),

cuja teoria atribui à organização textual a responsabilidade principal pelo

desenvolvimento da informação, examina estruturas da organização textual em um

conto de ficção científica, enfocando sua estrutura temática e macrotemática

(MARTIN; ROSE, 2003), buscando entender como autor e tradutor constroem a

8 Predicador equivale a verbo principal (HALLIDAY, 1994) 9 Finito inclui: sujeito + verbo flexionado

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

35

mensagem. Para Figueiredo, mudanças temáticas, em especial, interferem na

interpretação da mensagem. A propósito, Ventola (1995) já se referia às poucas

pesquisas interessadas na estrutura temática e no padrão de progressão temática de

um texto quando submetido ao processo tradutório.

Nesse contexto, Ninomiya (2012) – tratando da questão tema e rema –

demonstrou que, mesmo tendo em vista a impossibilidade de uma tradução “ao pé da

letra”, muitas das diferenças que acabam interferindo na interpretação do texto

traduzido em relação ao original podem ocorrer devido ao desconhecimento dessas

questões linguísticas. No caso, o original japonês trata do início de romance entre dois

adolescentes, fazendo com que ora o rapaz ora a moça sejam o tema da oração,

aproximando-se sutilmente do par. Já na tradução para a língua portuguesa, por

questão da diferença tipológica, essa alternância não foi respeitada, já que os

elementos que podem figurar como Tema diferem de uma língua para outra.

Isso dito, apresento o Quadro 2, que traz o resumo das teorias apresentadas.

Quadro 2 – Resumo das teorias de apoio

Linguística Sistêmico-Funcional (LSF)

Metafunções

Ideacional – Interpessoal – Textual A relação entre língua e cultura: gênero, registro e ideologia

Modalidade – Avaliatividade

Tradução

Tipologia linguística Determinismo e relatividade linguísticos

Relação das metafunções com a tradução

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

36

3 METODOLOGIA

A pesquisa de caráter qualitativa, caracterizada pela investigação e

interpretação do pesquisador, em que uma entidade é estudada como uma unidade e

tem limites claros, em termos de perguntas feitas, recursos de dados usados e do

contexto envolvido e tem o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional – um modelo

multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a

interpretação da língua em uso.

Levo em conta, de acordo com Fowler (1991), Charteris-Black (2004) e de

Kerbrat-Orecchioni (2004), que o apoio teórico em pesquisa de linguística aplicada

tende a ser eclético, empregando metodologia mista, “já que os mesmos recursos não

são apropriados para descrever diferentes níveis e componentes da interação, sendo

necessário o apelo a várias tradições descritivas” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2004, p.

9).

3.1 Dados

O drama A Streetcar Named Desire (ou Um bonde chamado Desejo), de

Tennessee Williams é, segundo dados apresentada por Roudané (2009, p. 45), “a

primeira peça a ganhar as três maiores premiações, o Pulitzer Prize, o New York

Drama Critics’ Awards e o Donaldson Award”10. A primeira montagem da peça, dirigida

por Elia Kazan, estreou na Broadway em 03 de dezembro de 1947, tendo 855

apresentações até 17 de dezembro de 1949.

Segundo Londré (apud ROUDANÉ, 2009, p. 45) “[...] Um bonde chamado

Desejo é a “melhor” peça de Tennessee Williams, ou mesmo a mais encenada, sendo

a mais perto de identificação com o dramaturgo, e a que mais possibilitou comentários

da crítica.”.11 Para a crítica teatral do período, a peça era, assim, a representação de

uma mente mórbida e inescrupulosa.

10 “[...] became the first play ever to win all three major awards, the Pulitzer Prize, the New York Drama Critics’ Award, and the Donaldson Award”. (Tradução nossa) 11 “[...] A Streetcar Named Desire is Tennessee Willimas’s “best” play, or even his most performed play, it is probably the one most closely identified with the dramatist, and it is certainly the one that has elicited the most critical commentary.” (Tradução nossa)

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

37

Londré ainda nos aponta que a peça pode ser compreendida como um

compendio das características dramatúrgicas, verbal e visual, de seu autor,

apresentando elementos, tais quais: estrutura nos episódios, diálogo lírico, realismo

psicológico, uso dos elementos cênicos, efeitos sonoros, gestos, temática linguística,

marginalização de personagens, perda da inocência e escapismo da realidade

(LONDRÉ, apud ROUDANÉ, 2009, p. 45, p. 46-47). Por conta desses elementos, Um

bonde chamado Desejo apresenta-se como um novo estilo para produções teatrais,

afetando a compreensão do teatro da época.

O contexto original da peça está na Broadway, alguns anos após o final da

Segunda Guerra Mundial, dentro de um período dominado pelas comédias musicais

e pelos trabalhos de Shakespeare, Chekhov, Shaw, entre outros. Londré (LONDRÉ,

apud ROUDANÉ, 2009, p. 47) afirma que poucos autores se dispuseram a produzir

novas peças e, menos ainda, fizeram a transição para a ansiedade e o medo que se

fizeram presentes no pós-Guerra. Por esse motivo, as formas de diversão, tendo o

teatro como um de seus representantes, não satisfazia mais com as “peças bem

produzidas”12 (LONDRÉ, apud ROUDANÉ, 2009, p. 48) de autores de outro período.

Há um relativo consenso entre os críticos de que Tennessee Williams, em suas

peças, retrata a sociedade norte-americana de seu tempo, abordando a repressão

sexual, o preconceito social, a inadequação à competitividade e ao individualismo.

Tendo suas tramas, normalmente, na região Sul do Estados Unidos da América,

apresentando não só a localização geográfica, mas também a herança cultural da

aristocracia agrária e escravagista (RODRIGUES, 2001, p. 52).

A peça de Tennessee William, dentro desse contexto, apresenta-se como uma

quebra na estrutura teatral e na ambiguidade moral dos sujeitos, sendo única,

colocando as estruturas morais e sociais dentro dos palcos, ou seja, a

verossimilhança. Para adentrarmos à peça, seu título indica o brilhante processo de

produção de seu autor, apresentando a importância da metáfora em seu trabalho: o

uso da palavra concreta ‘bonde’ e as qualidades abstratas evocadas pela palavra

‘desejo’ (LONDRÉ, apud ROUDANÉ, 2009, p. 49). Além disso, apresenta a noção de

um ponto para outro, ou seja, do concreto para o abstrato, do consciente para o

inconsciente, do real para o imaginário.

12 “well-made play” (Tradução nossa)

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

38

A epígrafe escolhida por Tennessee Williams para a peça, marca, também, a

presença no autor dentro do desenrolar da narrativa, sintetizando não só suas

escolhas temáticas, mas também sua realidade:

And so it was entered the broken world To trace the visionary company of love, its voice An instant in the wind (I know not whither hurled) But not for long to hold each desperate choice.13

Podemos notar, assim, que a vida de Tennessee Williams está diretamente

associada às de suas personagens. Segundo Kolin (1998), o conjunto de suas obras

apresenta diversos elementos autobiográficos, constatando que muito de sua vida

está na obra Um bonde chamado Desejo. Williams declara “Eu posso me identificar

completamente com Blanche (...) ambos somos histéricos”14 (JENNINGS apud

KOLIN, 1998, p. 51). Além disso, em uma carta para sua editora, Audrey Wood, ele

também afirma “Eu fui e ainda sou a Blanche [, mas] eu tenho um Stanley em mim

também”15 (JENNINGS apud KOLIN, 1998, p. 51). Estudiosos da peça, afirmam que

ela seja o resultado da composição de diversos fragmentos da vida do dramaturgo,

sendo a personagem Blanche uma espécie de cópia de Williams, segundo Bigsby

(1986), criador e criatura são alienados, ficcionistas e possuidores de uma grande

tendência a empreender voos cegos como estratégia de vida, outro fator, ainda

segundo Kolin, é a ligação do enredo da peça à homossexualidade de Williams. Para

sintetizar, ao pensarmos em todos os elementos que relacionam a vida do autor com

a obra, temos “Um bonde ajudou William a realizar a sua vida tanto quanto na direção

oposta”16 (Kolin, 1998, p. 52).

Apresento, a seguir, um resumo de A Streetcar Named Desire ou Um bonde

chamado Desejo:

Blanche DuBois, uma professora de Laurel, Mississipi, chega em Nova Orleans

para ficar por um tempo indeterminado com sua irmã, Stella Kowalski, informando-a

que perdeu as propriedades da família. Stella aceita a estadia sob a condição de que

13 E então eu entrei no mundo partido,/Traçando a companhia visionária do amor, e sua voz/Um instante ao vento (eu sei sem saber para onde se lançou)/Mas sem se prender a escolhas desesperadas (Londré, apud Roudané, 1997, p. 49, tradução nossa). 14 “I can identify comletely with Blanche (...) we are both hysterics.” (Tradução nossa) 15 “I was and still am Blanche... [, mas] I have a Stanley in me too.” (Tradução nossa) 16 “Streetcar helped William perform his life as much as the other way around.” (Tradução nossa)

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

39

ela não incomode seu marido, Stanley, pessoa dura e com hábitos grosseiros,

diferente das pessoas refinadas com as quais Blanche está acostumada a conviver.

Um dia, ao retornarem ao apartamento, Blanche é a presentada a Mitch, um

solitário em busca de uma esposa, por quem ela se sente atraída. Mitch, então, deixa

o jogo de pôquer para conversar com ela, o que enfurece Stanley, fazendo-o agredir

Stella.

Ao notar que Mitch está interessado em Blanche, Stanley tenta interromper o

relacionamento dos dois como uma forma de se vingar da cunhada, que o tem

destratado. Para forçar sua mulher a deixar a amizade com a irmã, ele acaba

descobrindo fatos desairosos contra Blanche: ela não era uma mulher de boa fama

em Laurel, não está de licença da escola, mas, sim, fora demitida por má conduta

sexual, motivo que a fizera deixar a cidade natal.

3.1.1 Estrutura da peça

A peça Um bonde chamado Desejo divide-se em 11 cenas. As quebras

temporais presentes na peça estão nas cenas 4 e 6, marcando a divisão sazonal, ou

seja, as cenas de 1 a 4 apresentam dois dias consecutivos do início de maio; as cenas

5 e 6 tratam de uma noite de agosto; as cenas de 7 a 10 do dia do aniversário de

Blanche (15 de setembro); e a cena 11 algumas semanas após o aniversário de

Blanche, podendo-se inferir em outubro. A peça está assim estruturada:

I.

Blanche chega à Nova Orleans, ao apartamento de sua irmã, Stella, e de seu marido,

Stanley. Blanche observa o prédio com desdém, vestida com roupas caras, sente-se

fora de contexto. Eunice confirma o endereço para Blanche e abre o apartamento de

sua irmã para que ela possa entrar. Blanche olha atentamente para o interior do

apartamento, senta-se e fica incrédula com o espaço que vê. Blanche e Stella se

encontram. Blanche faz um comentário crítico da vida de Stella e pede mais uma dose

de bebida para acalmar seus nervos. Ao terminar sua bebida, Blanche questiona

Stella a respeito de suas condições de vida e como ela pode suportar isso. Para evitar

confrontos, Stella fica em silêncio ao qual Blanche responde como uma infelicidade

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

40

da irmã ao vê-la, explicando que foi obrigada a deixar sua cidade natal, pedindo uma

licença como professora titular, para se reestruturar. Blanche se preocupa com a

pouca privacidade do apartamento e faz comentário preconceituosos a respeito da

simplicidade de Stanley. Blanche informa Stella de que perdeu a propriedade da

família (Belle Reve, Mississippi) após a morte de seus pais e parentes. Stanley, após

marcar uma noite de pôquer com seus amigos, chega ao apartamento.

II.

Blanche e Stella saem para um passeio noturno. Stanley descobre que Blanche

perdeu a propriedade da família e Stella pede que ele seja gentil com a irmã e,

também, que não mencione sua gravidez. Stanley não se mostra preocupado com

Blanche, mas quer saber a respeito da sua parte na propriedade da família,

acreditando que Blanche usurpou Stella. Após uma pequena discussão entre Blanche

e Stanley, Blanche entrega-lhe os papeis da perda da propriedade e Stanley

reconhece a honestidade dela. Stanley conta a Blanche que Stella está grávida e as

irmãs saem, momento em que Blanche menciona que o sangue imigrante de Stanley

maculará a linhagem de sua família.

III.

Steve, Pablo, Mitch e Stanley estão jogando pôquer na cozinha. Stanley domina a

cena enquanto Mitch fala de sua mãe (mostrando-se o mais sensível entre eles). Stella

e Blanche chegam ao apartamento. Blanche é apresentada aos presentes. Nenhum

deles, com exceção de Mitch, mostra interesse por ela. Stella e Blanche vão para o

quarto e continuam a conversa, irritado e bêbado, Stanley grita para que elas fiquem

em silêncio. Blanche liga o rádio para ouvir música e evitar o som da voz de Stanley

que se levanta e quebra o rádio. Stella discute com Stanley e ele esbofeteei-a. Os

outros participantes do jogo vão para o quarto, separam a briga e Stella, juntamente

com Blanche, vão para o apartamento de Eunice. Stanley, sozinho no apartamento,

grita por Stella. Stella retorna para o apartamento e reata com Stanley.

IV.

Stella está feliz em seu quarto. Blanche retorna para o apartamento e mostra-se

inconformada com o fato de Stella ter voltado ao apartamento e, mais ainda, de ter

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

41

passado a noite com Stanley. Stella conta para Blanche que as atitudes violentas do

marido são comuns e que essa é a forma que ele tem de demonstrar amor. Blanche,

horrorizada, diz que Stella deve deixar Stanley. Com a recusa de Stella em abandonar

o marido, Blanche se vale de elementos emocionais para desestabilizar a irmã.

Stanley entra no apartamento, sem ser notado, e houve Blanche descrevendo-o como

primitivo e agressivo.

V.

Stanley chega ao apartamento e tem uma conversa tensa com Blanche que faz

comentários preconceituosos a seu respeito. Stanley é usualmente rude com Blanche

e, nesse momento, questiona seu passado e Blanche, ao ouvir a menção do nome

Shaw, dá respostas evasivas. Stanley insiste na menção de Shaw dizendo que ele é

cliente de um hotel de reputação duvidosa na região de Laurel (cidade natal de

Blanche e Stella). Os comentários de Stanley deixam Blanche abalada e ela conta

para Stella que nos últimos dois anos se comportou de maneira inapropriada em sua

cidade. Nesse momento, um jovem vendedor de jornais aparece em cena, Blanche o

seduz e beija-lhe os lábios.

VI.

Blanche e Mitch retornam de um encontro. Blanche mostra-se envolvida com o

encontro enquanto Mitch está aparentemente melancólico. Mitch diz que se interessou

por Blanche por ela ser diferente de todas as mulheres que já conheceu. A conversa

vai de encontro a Stanley e Blanche afirma que ele a odeia ao que Mitch responde

que ele apenas não a compreende. Blanche e Mitch passam a conversas pessoais e

Blanche conta-lhe o caso de seu marido, revelando um pouco de seu passado: ela

tinha apenas 16 anos quando eles se conheceram e se apaixonaram. Por outro lado,

esse amor não foi suficiente para salvá-lo de uma vida de infelicidade, pois algo o

atormentava. Um dia ela chega em casa e encontrou seu marido com outro homem

na cama. Algumas horas depois do incidente, fingindo que nada aconteceu, os três

foram para um casino. Após algumas bebidas, Blanche confronta o marido que foge

do casino e se suicida com um tiro na cabeça.

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

42

VII.

Stella decora o apartamento para o aniversário de Blanche. Aproveitando que Blanche

está no banho, Stanley conta para Stella que descobriu detalhes de seu passado:

Blanche tem uma reputação notória em um hotel chamado Flamingo. Esse hotel pediu

para que ela não fosse mais lá, pois ela teve comportamentos imorais que não são

aceitados no estabelecimento, tendo sido considerada como uma pessoa louca aos

olhos da comunidade. Stanley contou, também, que ela não está de licença da escola

em que leciona, mas que sim foi demitida após se relacionar com um aluno de 17

anos. Stella não se convence totalmente das histórias contadas e admite que Blanche

passou a ter problemas psíquicos após o suicídio de seu marido homossexual.

Mudando de assunto, Stella pergunta a respeito de Mitch que foi convidado para o

aniversário e Stanley afirma que ele não comparecerá, pois ele contou a Mitch todo o

passado de Blanche. Stanley ainda mostra o presente que comprou para Blanche:

uma passagem de volta para Laurel.

VIII.

Blanche tenta animar sua festa de aniversário com piadas e gracejos. Stanley fica

violento e quebra seu prato dizendo que não suporta mais ser chamado de asqueroso

(fato recorrente ao longo da peça) e diz para as irmãs que ele é o rei da casa. Stella

começa a chorar e Blanche questiona o que aconteceu enquanto ela estava no banho.

Blanche decide ligar para Mitch. Stanley, em conversa com Stella, diz que tudo ficará

bem quando Blanche for embora e o bebê nascer. Stanley e Blanche discutem e ele

lhe entrega seu presente de aniversário. Com tudo o que está acontecendo, Stella

sente-se mal e pede para ser levada ao hospital.

IX.

Mitch chega ao apartamento e confronta Blanche sobre seu passado. Blanche disfarça

fingindo não entender o que ele quer dizer. Mitch, então, diz abertamente que não

entende o motivo de Blanche ter mentido para ele durante todo o verão, fingindo ser

uma pessoa moralmente estruturada e, no final, não ser nada disso. Blanche tenta

negar o que foi dito a seu respeito, mas, após tantas informações, ela admite tudo.

Blanche passa a falar sozinha e retoma fatos ocorridos em seu passado em Laurel.

Mitch tenta se aproximar e Blanche o repele.

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

43

X.

Blanche abre sua mala e começa a atirar roupas por todo o quarto, senta-se em frente

ao espelho e coloca uma tiara na sua cabeça, falando sozinha, flertando com pessoas

imaginárias, brincando de carrossel. Irritada com sua imagem refletida, Blanche

quebra o espelho. Stanley entra no apartamento e assovia quando vê Blanche.

Blanche e Stanley estão bêbados. Blanche pergunta a respeito de Stella e Stanley

conta que veio para casa, pois o bebê só nasceria no dia seguinte. Stanley afirma que

eles estarão sós no apartamento. Stanley abre mais uma bebida e oferece a Blanche

que a nega. Blanche e Stanley discutem. Stanley após Blanche o chamar, novamente,

de suíno; vagarosamente vai em sua direção, Blanche grita para ele deixá-la passar.

Blanche pega uma garrafa e a quebra em uma mesa, ameaçando-o com ela. Stanley

pula sobre ela, segura seu braço e a força a largar a garrafa, ela se ajoelha. Stanley

a levanta e a carrega para o quarto e, então, a estupra.

XI.

Algumas semanas após o estupro. Stella chora enquanto arruma as coisas de

Blanche. Stanley e seus amigos estão na cozinha jogando pôquer Eunice e Stella

conversam sobre Blanche. Stella diz que não havia como acreditar na história que ela

contou. Eunice conforta Stella e diz que ela não teve outra escolha a não ser continuar

sua vida com Stanley. Blanche sai do banho e, ao ouvir a voz de Stanley, sente-se

mal. O médico e a enfermeira chegam para buscar Blanche que entra em estado de

pânico. Eunice reafirma que Stella tomou a decisão correta. Após uma conversa entre

Blanche e o médico, ela se deixa ser levada. O médico, a enfermeira e Blanche saem

de cena, enquanto Eunice entrega o bebê para Stella. Stanley vai ao encontro de

Stella que chora com a criança nos braços. Stanley conforta Stella, enquanto na

cozinha o jogo de pôquer continua.

3.2 Procedimentos de Análise

Devido à extensão da peça, será comparada a XI cena do texto original de A

Streetcar Named Desire, de Tennessee Williams, da coleção Penguin Modern

Classics, edição de 2004, publicado pela editora Penguin UK com a mesma cena do

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

44

texto Um bonde chamado Desejo, traduzido por Vadim Nikitin, da coleção Grandes

Dramaturgos, V.1, 2004. Selecionei o capítulo XI porque é nele que se realiza o clímax

da peça de Tennessee Williams, com diálogos mais tensos, traços de psicose e a

demonstração de como a mulher se transforma em vítima da sociedade.

A pesquisa deve responder às seguintes perguntas: (a) o que a comparação

do original em inglês e a tradução em português de A Streetcar Named Desire pode

revelar? (b) que consequências essas diferenças significam para a interpretação do

texto original e de sua tradução?

Para tanto, procederei da seguinte forma: Inicialmente procurarei algum tipo de regularidade que faz diferir o texto original do

texto traduzido. Para tanto:

(a) os textos serão colocados lado a lado, em duas colunas;

(b) as diferenças entre as duas versões serão indicadas por números (e.g.1)

antepostos ao elemento diferente, sublinhado, como mostra o Quadro 3.

Segue-se um Comentário explicando a causa da diferença (no caso, a tipologia

em 1“open on” e mostrando” em português, e 2 a diferença entre “raw” e

“desordenada” (uma mudança semântica)).

Quadro 3 – Marcação das diferenças

[1] It is some weeks later. STELLA is packing BLANCHE's

things. Sounds of water can be heard running in the bathroom. The portières are partly 1open on the poker players – Stanley, Steve, Mitch and Pablo – who sit around the table in the kitchen. The atmosphere of the kitchen is now the same 2raw, lurid one of the disastrous poker night.

(Algumas semanas depois. Stella está fazendo as malas de Blanche. Pode-se ouvir o som de água correndo no banheiro.

Os reposteiros estão parcialmente abertos, 1mostrando os jogadores de pôquer – Stanley, Steve, Mitch e Pablo – que estão sentados em volta da mesa da cozinha. A atmosfera da cozinha agora é a mesma atmosfera 2desordenada e sombria da desastrosa noite de pôquer.

Comentário: 1“open on” X “mostrando”

2“raw” X “desordenada”

TP

MS (lexical)

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

45

Os trechos não analisados, mas que servem de cotexto aos trechos analisados serão

digitados em tipo ARIAL NARROW 10.

Uma vez encontradas as regularidades, início a segunda parte da análise, por meio

de:

(i) pelo sistema da transitividade, da metafunção Ideacional;

(ii) pela avaliatividade, da metafunção Interpessoal;

(iii) pela estrutura temática, da metafunção textual.

(d) Cada parágrafo do texto assim analisado será seguido de uma Interpretação,

em que os achados serão discutidos tendo como pano de fundo as teorias

acima apresentadas e outras que a análise poderá sugerir.

(e) Em Resultados Gerais, serão computados os motivos das diferenças entre

original e tradução, com o que espero entender melhor as razões linguísticas

que impedem uma tradução literal.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

46

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Inicio a análise comparativa dentre A Streetcar Named Desire e Um bonde

chamado Desejo, apresentando o contexto situacional – ou registro – que cerca a

Cena XI, do drama de Tennessee Williams.

4.1 Análise de registro – contexto situacional

O exame das variáveis de registro – campo, relações e modo – segundo Goatly

(1997), diminui a subjetividade da análise.

Campo: A Cena XI da peça teatral Um bonde chamado Desejo, de Tennessee

Williams, retoma, sequencialmente, o evento que a precede (internação de Stella para

o parto; discussão acalorada entre Blanche e Stanley; e, tristemente, o estupro de

Blanche).

Stella já retornou do hospital com o bebê e, juntamente com a amiga Eunice, está

fazendo as malas de Blanche. Stanley, juntamente com seus amigos, alheio ao que

está ocorrendo, joga pôquer na cozinha (atmosfera que retoma a cena inicial na qual

ele bate em Stella). Enquanto isso Blanche, como recorrência de outras cenas, está

no banheiro do apartamento tomando banho e se preparando para uma “viagem” que

fará com o intuito de melhorar seus nervos; entretanto, psicossomatizando eventos

passados, afirma que não irá para uma casa de repouso, mas sim para uma viagem

com um grande amor (imaginário).

Nesse momento, Stella retoma com Eunice o estupro afirmado por Blanche e diz não

ter feito a coisa certa ao ignorar o fato e continuar a viver com Stanley, mas é

repreendida e a amiga afirma que não haveria outro meio a não ser esse. Após um

retorno aos sentimentos de Mitch por Blanche, pequena discussão entre ele e Stanley,

a campainha do apartamento toca e, para descrença de Blanche, não é o seu salvador

(Shep Huntleigh) quem chega, mas uma enfermeira e um médico (psiquiátrico) para

a levarem a um hospital para doentes mentais.

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

47

A enfermeira, agressivamente, tenta agarrar Blanche para levá-la ao hospital o que

acaba ocasionando um surto histérico em Blanche que tenta fugir correndo pelo

apartamento. Stella, depressiva, escora na saída do apartamento e Eunice vai a seu

encontro para confortá-la. O médico, educadamente, retira seu chapéu e afirma que

uma camisa de força não será necessária, acolhendo Blanche em seu sofrimento e

surto. O médico entra e dá seu braço para Blanche que o enlaça e emite a famosa

frase “Seja você quem for – eu sempre dependi da gentileza de estranhos”.

O médico, então, leva Blanche pela cozinha, ao que todos se viram para olhar, passam

por Stella, que agoniza na varanda, gritando o nome da irmã e leva-a. O médico, a

enfermeira e Blanche desaparecem e Eunice, como uma forma de confortar Stella,

traz o bebê. Stanley vai até a varanda e abraça Stella que chora.

Relações: As personagens presentes na cena em análise são: Blanche DuBois, irmã

mais velha de Stella; Stella Kowalski, irmã mais nova de Blanche e casada com

Stanley; Stanley Kowalski, esposo de Stella e cunhado de Blanche; Mitch, amigo de

Stanley; Eunice, amiga de Stella e casada com Steve; Steve, amigo de Stanley e

casado com Eunice; Pablo, amigo de Stanley; Médico, psiquiatra; Enfermeira

(matrona), acompanhante do médico.

Modo: A linguagem utilizada por Tennessee Williams para dar vida a suas

personagens busca representar a oralidade das personagens, uma das características

do teatro realista, a partir da verossimilhante, ou seja, valendo-se da língua com os

possíveis desvio de normas e inadequações, utilizando-se de construções

léxicogramaticais que representam as características de Novo Orleans dos anos 1940.

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

48

4.2 Análise de A Streetcar Named Desire ou Um bonde chamado Desejo

Código de análise: ACRE = acréscimo

EId = expressão idiomática

ENQ = enquadre

MM = mudança morfológica

Mod = modalização

MS = mudança semântica

OMIS = omissão

PE = perífrase

TP = diferença devida à tipologia linguística

SCENE ELEVEN CENA XI

[1] It is some weeks later. STELLA is packing BLANCHE's

things. Sounds of water can be heard running in the bathroom. The portières are partly 1open on the poker players – Stanley, Steve, Mitch and Pablo – who sit around the table in the kitchen. The atmosphere of the kitchen is now the same 2raw, lurid one of the disastrous poker night.

(Algumas semanas depois. Stella está fazendo as malas de Blanche. Pode-se ouvir o som de água correndo no banheiro.

Os reposteiros estão parcialmente abertos, 1mostrando os jogadores de pôquer – Stanley, Steve, Mitch e Pablo – que estão sentados em volta da mesa da cozinha. A atmosfera da cozinha agora é a mesma atmosfera 2desordenada e sombria da desastrosa noite de pôquer.

Comentário: 1“open on” X “abertos mostrando”

2“raw” X “desordenada

TP

MS (lexical)

[2] The building is framed by the sky of turquoise. Stella

has been crying as she arranges the flowery dresses in the open trunk. [EUNICE comes down the steps from her flat above and

enters the kitchen. There is a 1burst from the poker table.]

O prédio está emoldurado pelo céu de turquesa. Stella está chorando enquanto arruma os vestidos floridos no baú aberto. (Eunice desce os degraus, vindo de seu apartamento, e

entra na cozinha. Há uma 1explosão de vozes que vem da mesa de pôquer).

Comentário: 1“burst” X “explosão de vozes”

PE (acréscimo no PT) + explicitude

[3] STANLEY: 1 Drew to an inside straight and made it, by God. PABLO: Maldita sea to suerte!

STANLEY: Meu Deus, 1puxei bem a carta que precisava! PABLO: Maldita sea tu suerte!

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

49

Comentário: 1“Drew to an inside straight” X

“puxei bem”

EId

[4] STANLEY: 1Put it in English, greaseball!

STANLEY: 1Não sabe falar inglês, bola-de-sebo!

Comentário: 1“put it in” X “não sabe falar”

MS (julgamento (-) no PT)

[5] PABLO: I am cursing your goddam luck. STANLEY [1prodigiously elated]:

You know what luck is? Luck is believing you're lucky. Take

at Salerno. I believed I was lucky. I figured that 4 out of 5 would not 2come through but I would... and I did. I put that down as a rule. To hold front position in this rat-race you've got to believe you are lucky.

PABLO: Eu estou amaldiçoando a sua maldita sorte.

STANLEY (1monstruosamente exultante):

Sabe o que é sorte? Sorte é acreditar que tem sorte. Por

exemplo, em Salerno. Eu acreditei que tinha sorte. Mentalizei que, de cada cinco, quatro iam 2morrer e eu não...e deu certo... Isso para mim é lei. Nessa

corrida de ratos, pra ficar em primeiro lugar você tem que acreditar que tem sorte.

Comentário: 1”prodigiously” X

“monstruosamente” 2”come through” X “morrer”

MS (lexical) + concretude

MS (lexical, sem eufemismo no PT)

[6’] MITCH: You... you... you.. Brag... brag...1bull... bull. [STELLA goes into the bedroom and starts folding a dress.] STANLEY: What’s the matter with him? EUNICE [walking past the table]:

I always did say that men are callous things with no 2feelings, but this does beat anything. 3Making pigs of yourselves. [She comes through the portieres

into the bedroom.]

MITCH: Você... você... você... Papo... papo... 1tudo papo. (Stella entra no dormitório e começa a dobrar um vestido). STANLEY: O que é que há com ele? EUNICE (passando pela mesa):

Eu sempre disse que os homens eram calos duros, sem nenhum 2coração. Mas isso também já é demais. Porcos. (Passa pelos reposteiros em

direção ao dormitório.)

Comentário: 1“bull .. bull” X “tudo papo” 2”feelings” X “coração” 3“making... of yourselves

MS (lexical) + explicitude

MS (lexical) + concretude

OMIS (no PT)

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

50

[7] STANLEY: What's the matter with her?

STELLA: How is my baby? EUNICE: Sleeping like a little angel. Brought you some grapes. [She puts them on a stool and lowers her voice.] Blanche? STELLA: Bathing. EUNICE: How is she? STELLA: She wouldn't eat anything but asked for a drink. EUNICE: What did you tell her? STELLA: I – just told her that – we'd made arrangements for

her to rest in the country. She's got it mixed in 1her mind with Shep Huntleigh.

STANLEY: O que há com ela? STELLA: Como está o meu bebê? EUNICE: Dormindo feito um anjinho. Eu trouxe umas uvas. (Coloca as uvas num banquinho e abaixa a voz.) E a Blanche? STELLA: No banho. EUNICE: Como ela está? STELLA: Não quis comer nada, mas pediu um drinque. EUNICE: O que você disse pra ela?

STELLA: Eu – só disse que – a gente tinha arranjado um 2lugar no campo pra ela descansar. Mas ela misturou tudo com o Shep Huntleigh.

Comentário: 1“her mind” 2“lugar”

OMIS (no PT)

ACRE (no PT) (explicitude)

[8] [Blanche opens the bathroom door slightly.]

BLANCHE: Stella.

STELLA: 1Yes, Blanche?

(Blanche abre de leve a porta do banheiro.) BLANCHE: Stella!

STELLA: 1O que é, Blanche?

Comentário: 1“yes” X “o que é”

MS (lexical) + explicitude

[9] BLANCHE: If anyone calls while I'm bathing take the

number and tell them I'll call right back. STELLA: 1Yes.

BLANCHE: Se alguém ligar enquanto eu estiver no banho, anote o número e diga que retorno em seguida.

STELLA: 1Pode deixar?

Comentário: 1“yes” X “pode deixar”

MS (lexical) + explicitude

[10] BLANCHE: That 1cool yellow silk – the bouclé. See if it's crushed. If it's not too crushed I'll wear it and on the 2lapel that silver and turquoise pin in the shape of a seahorse. 3You will find them in the heart-shaped 4box I keep my accessories in. And Stella... 5Try and locate a bunch of artificial violets 6in that box, too, to pin with the seahorse on the lapel of the jacket

BLANCHE: Aquele amarelo, de seda, 1levinho – o buclê. Veja se não está muito amassado. Se não estiver muito amassado, é esse que eu vou usar, e também aquele broche de cavalo-marinho, prata e turquesa. 3Está naquele meu coração, onde eu guardo meus adereços. E, Stella... 5veja se você acha também 6nesse coração um raminho de violetas artificiais, pra prender junto com o cavalo-marinho na lapela da blusa. (Fecha a porta.)

Comentário: 1“cool” X “levinho” 2“lapel”

3“you will find them” X “está”

MS (lexical) afeto (PT)

OMIS (no PT)

TP

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

51

4“box” 5“Try and ,,,” X “veja se você acha” 6“in that box” X “nesse coração”

OMIS (no PT)

MOD (no PT)

MS (lexical) afeto (PT)

[11] STELLA: I don't know if I did the right thing.

EUNICE: What else could you do? STELLA: I couldn't believe her story and go on living with Stanley. EUNICE: Don't ever believe it. Life has got to go on. No matter what happens, you've got to keep on going.

[The bathroom door opens a little.] BLANCHE [looking out]: Is the coast clear?

STELLA: Não sei se fiz a coisa certa. EUNICE: O que mais você podia ter feito? STELLA: Eu não podia acreditar na história dela e continuar vivendo com o Stanley. EUNICE: Nunca acredite nisso. A vida tem de continuar. Aconteça o que acontecer, você tem que tocar em frente.

(A porta do banheiro se entreabre). BLANCHE (olhando para fora): O caminho está livre?

Comentário: “opens a little” X “entreabre”

ENQ (o português tem no verbo os

dois lexemas: abrir + um pouco, o que

não acontece no inglês; daí a

perífrase.)

[12] STELLA: 1Yes, Blanche. [To EUNICE] Tell her how 2 well she's looking.

STELLA: 1Claro, Blanche. (Para Eunice). Diga que ela está 2bonita.

Comentário: 1“yes” X “claro” 2“well” X “bonita”

MS (lexical) Apreciação (PT)

MS (lexical) Apreciação (PT)

[13] BLANCHE: Please close the curtains before I come

out. STELLA: They're closed. STANLEY: - How many for you? PABLO: Two. STEVE: - Three.

[BLANCHE appears in the amber 1light of the door. 2She has a tragic radiance in her red satin robe 3following the sculptural lines of her body. The

‘Varsouviana’ rises audibly as BLANCHE enters the bedroom.]

BLANCHE: Por favor, feche a cortina antes que eu saia. STELLA: Estão fechadas. STANLEY: - Quantas pra você? PABLO: Duas. STEVE: - Três.

(Blanche surge no âmbar da porta. 2Exala uma radiância trágica do seu roupão de cetim vermelho, que 3delineia as linhas esculturais do seu corpo. Enquanto Blanche entra no dormitório a

“Varsoviana” torna-se audível.)

Comentário: 1“light” 2“she has” X “exala”

3“following” X “delineia”

OMIS (PT)

MS (processo relacional x processo

existencial) + explictude no PT

MS (processos materiais) +

explicitude no PT

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

52

[14] BLANCHE [with faintly hysterical vivacity]: I have just

washed my hair. STELLA: Did you? BLANCHE: I'm not sure I got the soap out. EUNICE: Such fine hair! BLANCHE [accepting the compliment]: It's a problem. Didn't I get a call? STELLA: Who from, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Why, not yet, honey! BLANCHE: How strange! I –

[At the sound of BLANCHE's voice MITCH's arm supporting his cards has sagged and his gaze is dissolved into space. STANLEY 2slaps him on the shoulder.]

BLANCHE (com uma vivacidade ligeiramente histérica): Acabei de lavar o cabelo. EUNICE: É? BLANCHE: Não sei se enxaguei todo o xampu. EUNICE: Que cabelo lindo! BLANCHE (aceitando o elogio): Mas é um problema. Ninguém me ligou? EUNICE: Quem, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Ah, ainda não, meu bem! BLANCHE: Estranho! Eu –

(Ao som da voz de Blanche, o braço de Mitch, 1cuja mão segura as cartas, se afrouxa e o seu olhar fica perdido no espaço. Stanley lhe dá um 2tapinha no ombro.).

Comentário: 1“cuja mão” 2“slaps” X “tapinha”

ACRE (explicitude)

MS (diminutivo) (explicitude) +

Afeto

[15] STANLEY: Hey, Mitch, 1come to!

STANLEY: Ei, Mitch, 1acorda!

Comentário: 1“come to” X “acorda”

EId

[16] [The sound of this new voice shocks BLANCHE. She makes a shocked gesture, 1forming his name with her lips. STELLA nods and looks quickly away. BLANCHE stands quite still for some moments – the silver-backed mirror in her hand and a look of 2sorrowful perplexity as though all human experience 3shows on her face. BLANCHE finally speaks but with sudden hysteria.]

(O som dessa nova voz choca Blanche. Ela faz um gesto de espanto, 1desenhando o nome dele com os lábios. Stella maneia a cabeça e olha rapidamente em

outra direção. Blanche fica muito quieta por alguns momentos – o espelho de fundo prateado na mão e um olhar de 2contrita perplexidade, como se toda a experiência humana se 3revelasse no seu rosto. Finalmente fala, com súbita histeria).

Comentário: 1“forming” X “desenhando” 2“sorrowful” X “contrita” 3“shows” X revelasse”

MS (explicitude no PT)

MS (Afeto ↑ no ING)

MS (explicitude no PT)

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

53

[17] BLANCHE: What's going on here?

[She turns from STELLA to EUNICE and back to STELLA. Her rising voice penetrates the concentration of the game. MITCH 1ducks his head lower but STANLEY shoves back his chair as if about to rise. STEVE places a 2restraining hand on his arm.]

BLANCHE: O que é que está acontecendo aqui?

(Volta-se de Stella para Eunice e de Eunice para Stella. Sua

voz em crescendo penetra a concentração do jogo. Mitch 1abaixa cabeça, mas Stanley dá um empurrão em sua cadeira, como se fosse levantar. Steve coloca a mão no seu braço, 2impedindo-o).

Comentário: 1“ducks... lower” X “abaixa” 2“restraning hand” X “impedindo-o”

ENQ

MS (gramatical + explicitude no PT)

[18] BLANCHE [continuing]: What's happened here? I want

an explanation of what's happened here. STELLA [agonizingly]: 1Hush! Hush!

BLANCHE (continuando): O que é que está acontecendo aqui? Eu exijo uma explicação sobre o que é que está acontecendo aqui.

STELLA (angustiadamente): 1Calma! Calma!

Comentário: 1“hush” X “calma”

EId

[19] EUNICE: Hush! Hush! Honey.

STELLA: Please, Blanche. BLANCHE: Why are you looking at me like that? Is something wrong with me? EUNICE: You look wonderful, Blanche. Don't she look wonderful? STELLA: 1Yes.

EUNICE: Calma! Calma! Querida! STELLA : Por favor, Blanche. BLANCHE: Por que é que vocês estão, me olhando desse jeito? Tem alguma coisa errada comigo? EUNICE: Você está maravilhosa, Blanche. Ela não está maravilhosa?

STELLA: 1Claro, maravilhosa.

Comentário: 1“yes” X “claro, maravilhosa”

MS (lexical) Apreciação (PT)

[20] EUNICE: 1I understand you are going on a trip.

EUNICE: 1Quer dizer então que você está de viagem.

Comentário: 1“I understand” X “quer dizer então”

MS (O falante é o Experienciador no

INGL X o interlocutor é o Dizente)

(explicitude no PT)

[21] STELLA: Yes, Blanche is. 1She's going on a vacation.

STELLA: Está, sim. Blanche vai 1tirar umas férias.

Comentário: 1“going on a vacation” X “tirar

férias”

EId

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

54

[22] EUNICE: I'm green with envy.

BLANCHE: Help me, help me get dressed! STELLA [handing her dress]: Is this what you –

BLANCHE: Yes, it will 1do! I'm 2anxious to get out of here – this place is a trap!

EUNICE: Estou morrendo de inveja. BLANCHE: Me ajude, me ajude a me vestir! STELLA (dando-lhe o vestido): É esse que você –

BLANCHE: Esse, 1esse está ótimo! Estou 2louca pra sair daqui – esse lugar é uma armadilha.

Comentário: 1“ will do” X “ está ótimo”

2“anxious” X “louca”

Eid

MS (lexical)(+Afeto no PT)

[23] EUNICE: What a pretty blue jacket.

STELLA: It's lilac colored. BLANCHE: You're both mistaken. It's Della Robbia blue.

The blue of the robe in the old 1Madonna pictures. Are these grapes washed?

EUNICE: Que blusa azul linda! STELLA: É lilás.

BLANCHE: As duas erraram. É um azul Della Robbia. O azul do robe do manto da 1Virgem naquelas Madonas antigas. Essas uvas estão lavadas?

Comentário: 1“Madonna” X “Virgem”

MS (lexical) (+Julgamento no PT)

[24] [She fingers the bunch of grapes which EUNICE has

brought in.] EUNICE: Huh? BLANCHE: Washed, I said. Are they washed? EUNICE: They're from the French Market. BLANCHE: That doesn't mean they've been washed. [The cathedral bells chime] Those cathedral bells – they're the only clean thing in the Quarter. Well, I'm going now. I'm ready to go. EUNICE [whispering]: She's going to walk out before they get here. STELLA: Wait, Blanche. BLANCHE: I don't want to pass in front of those men. STELLA: Sit down and...

[BLANCHE turns 1weakly, hesitantly about. She lets them 2push her into a chair.]

(Toca com os dedos o cacho de uvas que Eunice trouxe) EUNICE: Ahn? BLANCHE: Eu disse lavadas. Foram lavadas? EUNICE: São do Mercado Francês. BLANCHE: O que não quer dizer que foram lavadas. (Os sinos da catedral repicam). Esses sinos da catedral – são a única coisa limpa deste bairro. Bom, eu já vou indo. Estou pronta para ir. EUNICE (sussurrando): Ela vai sair antes de eles chegarem. STELLA: Espere, Blanche. BLANCHE: Não quero passar na frente daqueles homens. STELLA: Senta aqui e...

(Blanche vira-se 1lenta e hesitantemente. Deixa que elas a 2façam sentar-se numa cadeira).

Comentário: 1”weakly” X “lenta” 2”push” X “façam sentar”

MS (lexical) (+ Apreciação no ING)

EId

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

55

[25] BLANCHE: I can smell the sea air. The rest of my 1time I'm going to spend on the sea. And when I die, I'm

going to die on the sea. You know what I shall die of? [She plucks a grape] I shall die of eating an unwashed grape one

day out on the ocean. I will die – with my hand in the hand of some nice-looking ship's doctor, a very young one with a small blond mustache and a 2big silver watch. ‘Poor lady,’ they'll say, the ‘quinine 3did her no good. That unwashed grape has transported

her soul to heaven.’ [The cathedral chimes are heard] And I'll be buried at sea sewn up in a clean white sack and dropped overboard – at noon – in the blaze of summer – and into an ocean as blue as [chimes again] my first lover's eyes!

BLANCHE: Eu posso sentir o cheiro do mar. Vou passar o resto da minha 1vida no mar. E, quando eu morrer,

vou morrer no mar. Sabe do que é que eu vou morrer? (Arranca uma uva.) Vou morrer um dia por ter comido uma

uva que não estava lavada, em alto-mar. Vou morrer – com a minha mão na mão de um lindo médico de bordo, muito jovem, que usa um pequeno bigode loiro e um relógio de prata. Vão dizer “Pobre lady, o quinino 3não fez efeito. Aquela uva não lavada levou

sua alma pro céu”. (Ouve-se sinos da catedral.) E vou ser enterrada nas águas, costurada dentro de um saco branco, 4muito limpo, e lançada ao mar – ao meio-dia – no fogo do verão – e num oceano tão azul como (Novo repique), como os olhos do meu primeiro amor!

Comentário: 1”time” X “vida” 2 ”big” 3”did her no good” X “não fez efeito” 4”muito”

MS (lexical)(+explicitude no PT)

OMIS (no PT)

MS (lexical) (+explicitude

+Apreciação no ING)

ACRE (no PT) (+Graduação↑)

[26] [A DOCTOR and a MATRON have appeared 1around the corner of the building and climbed the steps to the porch. The gravity of their profession is

exaggerated – the unmistakable aura of the state institution with its cynical detachment. The DOCTOR rings the doorbell. The murmur of the game is interrupted.]

(Um Médico e uma Enfermeira surgem do 1lado da esquina e sobem os degraus até o alpendre. A

gravidade de sua profissão é exagerada – a inconfundível aura da instituição pública, com a sua cínica indiferença. O Médico toca a campainha. O burburinho do jogo se interrompe).

Comentário: 1“around” X “lado”

MS (+lexical) (+abrangente no ING)

[27] EUNICE [whispering to STELLA]: That must be them.

[STELLA presses her fists to her lips.] BLANCHE [rising slowly]: What is it?

EUNICE [1affectedly 2casual]: Excuse me while I see who's at the door.

EUNICE (sussurrando para Stella): Devem ser eles. (Stela aperta um punho contra os lábios).

BLANCHE (levantando-se lentamente): O que é isso? EUNICE (afetando desimportância): Com licença que eu vou ver quem é.

Comentário: 1”affectedly X “afetando” 2“casual” X “desimportância”

MM (advérbio modal X processo)

MS (lexical) (+Apreciação no PT)

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

56

[28] STELLA: Yes.

[Eunice goes into the kitchen.]

BLANCHE [tensely]: I 1wonder if it's for me.

STELLA: Isso. (Eunice entra na cozinha).

BLANCHE (tensa): E se for para mim?

Comentário: 1”tensely” X “tensa” 2“(I) wonder” X “se”

MM (advérbio modal X Julgamento)

MS (+lexical) (+abrangente no ING)

[29] [A whispered colloquy takes place at the door.]

EUNICE [returning, brightly]: Someone is 1calling for Blanche.

(Dá-se um diálogo na porta.)

EUNICE (voltando, radiante): Tem alguém aí 1procurando a Blanche.

Comentário: 1“calling” X “procurando”

EId

[30] BLANCHE: It is for me, then! [She looks fearfully from one to the other and then to the portières. The ‘Varsouviana’ 1faintly plays] Is it the gentleman I was expecting from Dallas?

BLANCHE: Então é pra mim!

(Olha temerosamente de uma para outra e depois para os reposteiros. A “Varsoviana” toca 2bem 1baixinho.) É o gentleman de Dallas que eu estava

esperando?

Comentário: 1“faintly” X “baixinho”

2“bem” (acréscimo no português)

MS (lexical) (Graduação ↑ no PT)

(afeto no PT)

ACRE (no PT) (+Graduação ↑ no

PT)

[31] EUNICE: I think it is, Blanche.

BLANCHE: I'm not quite ready. STELLA: Ask him to wait outside. BLANCHE: I... [EUNICE goes back to the portieres. Drums sound very softly.]

STELLA: Everything packed?

EUNICE: Acho que é, Blanche. BLANCHE: Ainda não estou pronta. STELLA: Diga para ele esperar lá fora. BLANCHE : Eu... (Eunice volta aos reposteiros. Os tambores soam suavemente).

STELLA: 1Você colocou tudo na bagagem?

Comentário: 1“Você colocou”

ACRE (no PT) (explicitude)

[32] BLANCHE: My silver toilet articles are 1still out.

BLANCHE: Os meus acessórios de prata pra toalete 1ainda não.

Comentário: 1“(are) still out” X “ainda não”

MS (+ explicitude no ING)

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

57

[33] STELLA: Ah!

EUNICE [returning]: They're waiting in front of the house. BLANCHE: They! Who's ‘they’? EUNICE: There’s a lady with him. BLANCHE: I cannot image who this ‘lady’ could be! How is she dressed?

EUNICE: Just – just sort of a – 1plain-tailored outfit.

STELLA: Ah! EUNICE (voltando): Eles estão esperando na frente do prédio. BLANCHE: Eles? “Eles” quem? EUNICE: Tem uma senhora com ele. BLANCHE: Nem imagino quem seja essa "senhora"! Como ela está vestida? EUNICE: Só um – um tipo de – 1um conjunto de peça única.

Comentário: 1“plain-tailored outfit” X “um

conjunto de peça única

PE (não há termo único para

expressar o significado no ING e no

PT)

[34] BLANCHE: Possibly she’s [Her voices dies out

nervously.] STELLA: Shall we go, Blanche? BLANCHE: Must we go through that room? STELLA: I will go with you. BLANCHE: How do I look?

STELLA: 1Lovely. EUNICE [echoing]: 2Lovely.

BLANCHE: É possível que ela seja - (A sua voz some nervosamente). STELLA: Podemos ir, Blanche? BLANCHE: Temos que passar por aquela sala? STELLA: Eu vou com você. BLANCHE: Como estou?

STELLA: 1Uma graça. EUNICE (fazendo eco): 2Uma graça.

Comentário: 1“lovely” X “uma graça” 2“lovely” X “uma graça”

TP

TP

[35] BLANCHE 1moves 2fearfully to the portière. EUNICE draws them open for her. BLANCHE goes into the kitchen]

(Blanche 1dirige-se 2nervosamente para os reposteiros. Eunice abre-o para ela. Blanche entra na

cozinha).

Comentário: 1“moves” X “dirige-se”

2“fearfully” X “nervosamente”

ENQ (“moves” não apresenta

indicação de advérbio de direção,

enquanto que em “dirige-se” há o

movimento + direção)

MS (lexical) Apreciação (PT)

[36] BLANCHE [to the men]: Please, don’t get up. I’m only

passing through.

BLANCHE (para os homens): 1Não, por favor, não 2precisam se levantar. Eu só estou apenas passando.

Comentário: 1“não” 2“precisam”

ACRE (no PT) (graduação)

ACRE (no PT) +Explicitude (no PT)

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

58

[37] [She crosses quickly to outside door. STELLA and

EUNICE follow. The poker players stand awkwardly at the table – except MITCH, who remains seated, looking at the table. BLANCHE steps out on a small

porch at the side of the door. She stops 2short and 3catches her breath.]

(Dirige rapidamente para a porta da rua. Stella e Eunice a

seguem. Os jogadores de pôquer ficam todos de pé, desajeitados, 1em volta da mesa, exceto Mitch, que permanece sentado, olhando para a mesa. Blanche sai para um pequeno alpendre ao lado da

porta. Para 2abruptamente e 3prende a respiração).

Comentário: 1“em volta da” 2“short” X “abruptamente” 3“catches” X “prende”

ACRE (no PT) + Explicitude

MS (lexical)

MS (lexical) (processo material X

processo comportamental)

[38] DOCTOR: How do you do?

MÉDICO: Como vai 1a senhora?

Comentário: 1“you” X “a senhora”

TP (em PT é necessário o acréscimo

para denotar formalidade, sendo que

o ING não precisa dessa distinção)

[39] BLANCHE: You are not the gentleman I was expecting. [She suddenly 1gaps and starts back up the steps. She stops by STELLA, who stands just outside the door, and 2speaks in a frightened whisper.] That

man isn’t Shep Huntleigh.

BLANCHE: Não é o senhor que eu estava esperando. (1Ofega de repente e começa a recuar pelos degraus. Para ao lado de Stella, que está em pé, perto da porta, e sussurra assustada.) Esse homem

não é Shep Huntleigh.

Comentário: 1“gaps” X “ofega”

2“speaks

MS (lexical) (processo material X

processo comportamental)

OMIS (no PT)

[40] [The ‘Varsouviana’ is playing distantly. STELLA stares

back at BLANCHE. EUNICE is holding STELLA's arm. There is a moment of silence – no sound but that of Stanley

steadily shuffling the cards. BLANCHE 1catches her breath again and slips back into the flat with a peculiar smile, her eyes wide and brilliant. As soon

as her sister goes past her, STELLA closes her eyes and

clenches her hands. EUNICE throws her arms 3comforting about her. Then she starts up to her flat.

BLANCHE stops just inside the door. MITCH keeps staring down at his hands on the table, but the other men look at her

curiously. At last she 4starts around the table toward the bedroom.5As she does, STANLEY suddenly pushes back his chair and rises as if to block her way. The MATRON follows her into the flat.]

(A “Varsoviana” toca à distância. Stella olha de volta para Blanche. Eunice está segurando o braço de Stella. Há um momento de silêncio – nenhum som, exceto o de Stanley

embaralhando as cartas. Blanche 1prende a respiração novamente e desliza para dentro do apartamento. 2Entra com um sorriso singular nos lábios, os olhos bem abertos e brilhantes. Assim

que a sua irmã passa, Stella fecha os olhos e cerra as mãos. Eunice joga os braços ao seu redor, como que 3encorajando-a. Em seguida, começa a subir para o

apartamento. Blanche para bem na porta. Mitch continua a olhar para as suas mãos na mesa, mas os outros homens

olham curiosos para ela. Por fim, ela 4começa a andar em torno da mesa, em direção ao dormitório. De repente, Stanley empurra a sua cadeira para trás e se levanta, como que para bloquear a

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

59

passagem dela. A Enfermeira segue-a dentro do apartamento.)

Comentário: 1 “catches” X “prende”

2 “entra” 3 “comforting” X “encorajando” 4 “starts around” X “começa “a

andar” 5 “as she does”

MS (lexical) (processo material X

processo comportamental)

ACRE (no PT) (concretude)

MS (lexical) (Graduação ↑ no PT)

ENQ

OMIS (no PT)

[41] STANLEY: Did you forget something?

BLANCHE [shrilly]: Yes! Yes, I forgot something!

[She rushes past him into the bedroom. 1Lurid reflections appear on the walls in odd, sinuous shapes. The

‘Varsouviana’ is filtered into a weird distortion, accompanied by the cries and noises of the jungle. BLANCHE seizes the back of a chair as if to defend herself.]

STANLEY: Esqueceu alguma coisa? BLANCHE (estridentemente): Esqueci! Esqueci uma coisa!

(Passa correndo por ele e entra no dormitório. Os reflexos1assombrados aparecem nas paredes, 2compondo formas estranhas e sinuosas. A

“Varsoviana” é filtrada numa misteriosa distorção, acompanhada pelos gritos e barulhos da selva. Blanche agarra o encosto de uma cadeira, como para se defender.)

Comentário: 1“lurid” X “assombrados” 2“compondo”

MS (lexical) (+Apreciação no PT)

ACRE (no PT) (concretude)

[42] STANLEY [sotto voice]: Doc, you better go in.

DOCTOR [motioning to the MATRON]: Nurse, bring her out. [The MATRON advances on one side, STANLEY on the other. Divested of all the softer properties of womanhood, the MATRON is a peculiarly sinister figure in her severe dress. Her voice is bold and toneless as a fire-bell.] MATRON: Hello, Blanche.

[The greeting is echoed and re-echoed by other mysterious voices behind the walls, as if reverberated through a canyon 1of rock.]

STANLEY (em voz baixa): Doutor, é melhor o senhor entrar. MÉDICO (fazendo gestos para a Enfermeira): Enfermeira, traga-a para fora. (A Enfermeira avança de um lado e Stanley do outro. Despida de todas as propriedades mais suaves das mulheres, a Enfermeira é uma figura particularmente sinistra, com o seu vestido austero. A sua voz é forte sem modulações, como uma campainha de alarma). ENFERMEIRA: Oi, Blanche!

(O cumprimento é ecoado repetidamente por outras misteriosas vozes atrás das paredes, como se reverberasse num desfiladeiro.)

Comentário: 1“of rock” (omissão no português)

OMIS (no PT)

[43] STANLEY: She says that she forgot something.

[The echo sounds in threatening whispers.] MATRON: That's all right. STANLEY: What did you forget, Blanche? BLANCHE: I – I –

MATRON: It don't matter. We can pick it up later.

STANLEY: Ela disse que esqueceu alguma coisa. (O eco ressoa em sussurros ameaçadores.) ENFERMEIRA: Sem problemas. STANLEY: O que é que você esqueceu, Blanche? BLANCHE: Eu – Eu –

ENFERMEIRA: Não tem importância. A gente 1passa depois par pegar.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

60

Comentário: 1“passa” (acréscimo no português)

ACRE (no PT) (concretude)

[44] STANLEY: Sure. We can send it along with the trunk.

BLANCHE [retreating in panic]: I don't know you – I don't

know you. I want to be – left alone – please! MATRON: 1Now, Blanche! ECHOES [rising and falling]: 2Now, Blanche – 2now, Blanche – 2now, Blanche!

STANLEY: Claro. A gente manda depois junto com o baú. BLANCHE (recuando em pânico): Eu não conheço vocês – eu não conheço vocês. Eu quero – ficar sozinha – por favor!

ENFERMEIRA: 1 Vamos lá, Blanche! ECOS (subindo e descendo): 2Vamos lá, Blanche! 2Vamos lá, Blanche! 2Vamos lá, Blanche!

Comentário: 1“now” X “vamos lá” 2“now” X “vamos lá”

MS (lexical) Apreciação (PT)

MS (lexical) Apreciação (PT)

[45] STANLEY: You left nothing here 1but 2spilt talcum and 5old empty perfume bottles – unless it's the paper lantern you want to take with you. You want the lantern?

STANLEY: Você não deixou nada aqui, 3só um pouco de talco 4no chão e vidros de perfumes vazios – a menos que você queira levar a lanterna de papel. É a lanterna 6de papel que você quer?

Comentário: 1“but” 2“split" 3“só um pouco” 4“no chão” 5“old” 6“de papel”

OMIS (no PT) Contraste

OMIS (no PT)

ACRE (no PT) + Explicitude

ACRE (no PT) (concretude)

OMIS (no PT)

ACRE (no PT) (concretude)

[46] [He 1crosses to dressing table and seizes the paper lantern, 2tearing it off the light bulb, and extends it toward her. She cries out as if the lantern was

herself. The MATRON steps boldly 3toward her. She screams and tries to break past the MATRON. All the

men spring to their feet. STELLA runs out to the porch, with EUNICE following to 4comfort her, simultaneously with the confused voices of the men in the kitchen. STELLA rushes into EUNICE's

embrace on the porch.]

(1Vai até a penteadeira, pega a lanterna de papel, 2tira-a da lâmpada e estende-a para ela. Blanche

grita como se a lanterna fosse ela mesma. A Enfermeira

avança firmemente 3para ela. Ela grita e tenta

esquivar-se da Enfermeira. Todos os homens põem-se de

pé num salto. Stella sai correndo para o alpendre, seguida por Eunice, simultaneamente com a confusão das vozes dos homens na cozinha. Stella

lança-se aos braços de Eunice no alpendre.)

Comentário: 1“crosses” X “vai”

2“tearing it off” X “tira-a”

ENQ (caso de enquadre-satélite X

enquadre-verbo: “vai” encerra

movimento + direção “para”,

enquanto “crosses” não inclui

direção)

ENQ (enquadre satélite X enquadre

de verbo: “tear” precisa de “off” para

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

61

3“toward” X “para” 4“comfort”

indicar “tirar”, que já inclui essa

partícula adverbial)

MS (lexical) (+explicitude no PT)

OMIS (no PT) – Apreciação

47] STELLA: Oh, my God, Eunice help me! Don't let them

do that to her, don't let them hurt her! Oh, God, oh, please God, don't hurt her! What are they doing to her? What are they doing? [She tries to break from EUNICE's arms.] EUNICE: No, honey, no, no, honey. Stay here. Don't go back in there. Stay with me and don't look.

STELLA: What have I done to my 1sister? Oh, God, what have I done to my sister?

STELLA: Ah, meu Deus, Eunice, me ajude! Não deixe eles fazerem isso com ela, não deixe eles machucarem ela! Ah, meu Deus, ah, por favor, meu Deus, não machuquem ela! O que é que eles estão fazendo com ela? O que é que eles estão fazendo? (Tenta se desprender dos braços de Eunice.) EUNICE: Não, querida, não. Fique aqui. Não volte lá pra dentro. Fique aqui comigo e não olhe.

STELLA: O que é que eu fiz com a minha 1maninha? Ah, meu Deus, o que é que eu fiz com a minha maninha?

Comentário: 1“sister” X “maninha”

MS (diminutivo) (explicitude) +

Afeto

[48] EUNICE: You done the right thing, the only thing you

could do. She couldn't stay here; there wasn't no other place for her to go. [While STELLA and EUNICE are speaking on the porch the voices of the men in the kitchen overlap them.] STANLEY [running in from the bedroom]: Hey! Hey! Doctor! Doctor, you better go in! DOCTOR: Too bad, too bad. I always like to avoid it. PABLO: This is a very bad thing. STEVE: This is no way to do it. She should’ve been told. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy, muy mala!

[MITCH has started toward the bedroom. STANLEY 1crosses to block him.]

EUNICE: Você fez o que tinha que ser feito, a única coisa que você podia fazer. Ela não podia ficar aqui; não tinha outro lugar para ir. (Enquanto Stella e Eunice conversam no alpendre, as vozes dos homens na cozinha se sobrepõem às delas.) STANLEY (correndo de dentro do dormitório): Ei! Ei! Doutor! Doutor, é melhor o senhor entrar lá! MÉDICO: Que pena, que pena. Eu sempre tento evitar essas coisas. PABLO: Isso é muito ruim. STEVE: Não é assim que se faz. Tinham que ter contado pra ela. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy mala!

(Mitch começa a se dirigir para o dormitório. Stanley 1barra-lhe a 2passagem.)

Comentário: 1“crosses to block” X “barra”

2“passagem”

ENQ (enquadre de verbo no

português, pois “barra” já inclui

”crosses”)

ACRE (no PT) + Explicitude

[49] MITCH [wildly]: You! You done this, 2all o’your God damn 4interfering 5with things you –

MITCH (feroz): 1Foi você! Foi você que fez isso, 2

seu desgraçado, com essa sua 3mania de 4se meter 5em tudo, você –

Comentário: 1“foi” 2“all o’your God damn” X “seu

desgraçado”

ACRE (no PT) + Explicitude

MS (lexical) (+Apreciação no PT)

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

62

3“mania de” 4“interfering” X “se meter” 5“with things” X “em tudo”

ACRE (no PT) + Explicitude

MS (lexical, sem eufemismo no PT)

MS (lexical)(+explicitude no PT)

[50] STANLEY: Quit the blubber! [He pushes him aside.]

MITCH: I’ll kill you! [He lunges and strikes at STANLEY.] STANLEY: Hold this bone-headed cry-baby. STEVE [grasping MITCH]: Stop it, Mitch. PABLO: Yeah, yeah, take it easy. [MITCH collapses at the table, sobbing. During the preceding scenes, the MATRON catches hold of BLANCHE's arm and prevents her flight. BLANCHE turns wildly and scratches at the MATRON. The heavy woman pinions her arms. BLANCHE cries out hoarsely and slips to her knees.] MATRON: These fingernails have to be trimmed. [The DOCTOR comes into the room and she looks at him.] Jacket, Doctor? DOCTOR: Not unless necessary. [He takes off his hat and now he becomes personalized. The unhuman quality goes. His voice is gentle and reassuring as he crosses to BLANCHE and crouches in front of her. As he

speaks her name, her terror subsides a little. The 1lurid reflections fade from the walls, the inhuman cries and noises die out and her own hoarse crying is calmed.]

STANLEY: Para de choramingar! (Empurra-o para o lado.) MITCH: Vou te matar! (Investe contra Stanley e o golpeia.) STANLEY: Segura esse chorão cabeçudo. STEVE (agarrando Mitch): Para com isso, Mitch. PABLO: Calma, cara. (Mitch desaba na mesa, soluçando. Durante as cenas anteriores, a Enfermeira agarra o braço de Blanche e impede que ela escape. Blanche vira-se ferozmente e arranha-a. A pesada mulher imobiliza os braços de Blanche, que solta um grito rouco e deixa-se cair de joelhos.) ENFERMEIRA: Essas unhas têm de ser cortadas. (O médico entra no dormitório e ela olha para ele.) Camisa-de-força, doutor? MÉDICO: Só se for necessário. (Tira o chapéu e passa então a ter personalidade. A característica desumana desaparece. A sua voz é gentil e tranquilizadora, enquanto vai até Blanche e se curva diante dela. Quando ele pronuncia o seu nome, o seu terror diminui

um pouco. Os reflexos vão sumindo das paredes, os gritos e barulhos inumanos vão morrendo e o próprio choro rouco de Blanche se aquieta.)

Comentário: 1“lurid”

OMIS (no PT)

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

63

[51] DOCTOR: Miss DuBois.

[She turns her face to him and stares at him with desperate pleading. He smiles; then he speaks to the MATRON.] It won't be necessary. BLANCHE [faintly]: Ask her to let go of me. DOCTOR [to the Matron]: Let go. [The MATRON releases her. BLANCHE extends her hands toward the DOCTOR. He draws her up gently and supports her with his arm and leads her through the portières.] BLANCHE [holding tight to his arm]: Whoever you are – I have always depended on the kindness of strangers. [The poker players stand back as BLANCHE and the DOCTOR cross the kitchen to the front door. She allows him to lead her as if she were blind. As they go out on the porch, Stella cries out her sister's name from where she is crouched a few steps up on the stairs.] STELLA: Blanche! Blanche! Blanche! [BLANCHE walks on without turning, followed by the DOCTOR and the MATRON. They go around the corner of

the building. EUNICE descends to STELLA and places the child in her arms. It is wrapped in a pale

blue blanket. STELLA accepts the child, sobbingly. EUNICE continues downstairs and enters the kitchen where the men, except for STANLEY, are returning silently to their places about the table. STANLEY has gone out on the porch and stands at the foot of the steps looking at STELLA.]

MÉDICO: Senhorita DuBois. (Ela volta o rosto para ele e olha-o fixamente, com uma súplica desesperada. Ele sorri; e, em seguida, fala para a Enfermeira.) Não vai ser necessário. BLANCHE (debilmente): Peça pra ela me soltar. MÉDICO (para a enfermeira): Solte. (A Enfermeira solta-a. Blanche estende os braços para o Médico. Ele a atrai gentilmente, a ampara com o braço e a conduz através dos reposteiros.) BLANCHE (segurando forte o braço dele): Seja você quem for – eu sempre dependi da gentileza de estranhos. (Os jogadores de pôquer se afastam enquanto Blanche e o Médico cruzam a cozinha até a porta da frente. Ela deixa que ele a conduza como se fosse cega. Quando eles saem no alpendre, Stella, que está agachada poucos degraus acima, nas escadas, grita o nome da irmã.) STELLA: Blanche! Blanche, Blanche! (Blanche caminha sem se virar, seguida pelo Médico e pela

Enfermeira. Eles dobram a esquina do prédio. Eunice desce até 1onde está Stella e coloca a criança nos seus braços. A criança está envolta num cobertor azul-

claro. Stella recebe a criança, soluçando. Eunice continua descendo e entra na cozinha, onde os homens, exceto Stanley, estão retornando silenciosamente a seus lugares em volta da mesa. Stanley saiu para o alpendre e está de pé junto aos degraus, olhando para Stella.

Comentário: 1“onde está”

ACRE (no PT) + Explicitude

[52] STANLEY [a bit uncertainly]: Stella?

[She sobs with inhuman abandon. There is something luxurious in her complete surrender to crying now that her sister is gone.]

STANLEY [voluptuously, soothingly]: 1Now, honey. 1Now, love. 1Now, 3now, love.

STANLEY (meio hesitante): Stella? (Ela soluça com um abandono inumano. Há qualquer coisa de voluptuoso na sua total entrega ao choro, agora que a sua irmã se foi.)

STANLEY (libidinoso, tranquilizador): 1Ah, querida. 1Ah, 2 meu amor. 1Ah, 2meu amor.

Comentário: 1“now” X “ah” 2“meu” 3“now”

MS (lexical) (+explicitude no PT)

ACRE (no PT) + concretude

OMIS (no PT)

[53] [He kneels beside her and 1his fingers find the opening of her blouse] 2Now, now, love. Now, love...

(Ajoelha-se ao lado de Stella, e 1com os dedos encontra a abertura da blusa dela.) Ah, 3meu amor. Ah, meu amor...

Comentário: 1“his” X “com” 2“now” 3“meu”

TP

OMIS (no PT)

ACRE (no PT) + concretude

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

64

[54] [The luxurious sobbing, the sensual murmur fade away under the swelling music of the ‘blue piano’ and the muted trumpet.] STEVE: 1This game is 2seven-card stud.

(Os soluços voluptuosos e os murmúrios sensuais vão sumindo sob a crescente música do blue piano e do trompete com surdina.) STEVE: 2Mão de sete cartas.

Comentário: 1“this games (is)” 2“seven-card stud” X “mão de sete

cartas”

OMIS (no PT)

TP

O Quadro 4 apresenta os resultados da comparação entre o original A Streetcar

Named Desire e sua tradução Um bonde chamado Desejo, em termos de

porcentagem.

Quadro 4 – Comparação entre o original inglês e a tradução em português

TIPOS DE OCORRÊNCIA INCIDÊNCIA

Mudança Semântica (MS) 42,5% (46)

Acréscimo no Português (ACRE) 18,5% (20)

Omissão no Português (OMIS) 14,5% (16)

Expressão Idiomática (EId) 6,5% (7)

Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite (ENQ) 6,5% (7)

Tipologia de Língua (TP) 6,5% (7)

Mudança Morfológica (MM) 2% (2)

Perífrase (PE) 2% (2)

Modalização (Mod) 1% (1)

Esses resultados podem ser igualmente visualizados na Figura 1, a seguir:

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

65

Figura 1 – Diferenças na tradução do inglês para o português

4.3 Discussão dos Resultados

A análise comparativa realizada entre a Scene Eleven (A Streetcar Name

Desire) e a Cena XI (Um bonde chamado Desejo) nos mostra que há diferenças

lexogramaticais entre o texto de partida (original em língua inglesa) e o texto de

chegado (versão em língua portuguesa). No decorrer da discussão, me atarei aos

resultados mais significantes, mostrando as escolhas realizadas pelo tradutor.

42,5% - MS

18,5% - ACRE

14,5% - OMIS

6,5% - EId

6,5% - ENQ

6,5% - TP

2% - MM

2% - PE

2% - Mod

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

66

4.3.1 Mudanças Semânticas (42,5%)

As mudanças semânticas apresentam o maior índice de alteração na tradução

e tratam de diferenças que envolvem: abrangência, afeto, apreciação, concretude,

eufemismo, explicitude, graduação e processos, conforme Quadro 5 abaixo.

A discussão dos resultados colocará: (a) original seguido de sua tradução

literal; (b) tradução para o português.

Quadro 5 – Mudança semântica

ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS

Abrangência (I) wonder (me pergunto) se

Afeto

raw (bruta) desordenada

cool (fresco) levinho

in that box (naquela caixa) nesse coração

slaps (bofetada) tapinha

sorrowful (dolorosa) contrita (- afeto no PT)

anxious (ansiosa) louca (- afeto no PT)

faintly (fracamente) baixinho

sister (irmã) maninha

Apreciação

yes (sim) (2X) claro

well (bem) bonita

weakly (fragilmente) lenta (- apreciação no PT)

did her no good (não lhe fez bem) não fez efeito (- apreciação no PT)

casual (casual) desimportância

fearfully (temivelmente) nervosamente

lurid (sensacionalista) assombrados

now (agora) (2X) vamos lá

all o’ your God damn (seu maldito Deus)

seu desgraçado

Concretude prodigiously (prodigiosamente) mosntruosamente

feelings (sentimentos) coração

Eufemismo come through (passar dessa) morrer

interfering (interferir) se meter

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

67

Explicitude

bull... bull... (bobagem... bobagem...)

tudo papo

yes (sim) o que é

she has (ela tem) exala

folowwing (seguindo) delineia

forming (formando) desenhando

shows (mostra) revelasse

restraining hand (mão

delimitadora)

impedindo-o

I undestand (eu entendo) quer dizer então

time (tempo) vida

did her no good (não lhe fez bem) não fez efeito

(are) still out (ainda estão fora) ainda não

toward (em direção a) para

with things (com as coisas) em tudo

Graduação comforting (confortando) encorajando

Julgamento put it in (coloque em) não sabe falar

Madonna (Madona) virgem

Processos

she has (ela tem) – relacional exala – existencial

following (seguindo) – material delineia – material

catches (apanha) – material (2X) prende – comportamental

gaps (interrompe) – material ofega – comportamental

Quadro 6 – Incidência de MS

TIPOS %

Explicitude 30%

Apreciação 24%

Afeto 19%

Processos 11%

Concretude 4%

Eufemismo 4%

Julgamento 4%

Abrangência 2%

Graduação 2%

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

68

O Quadro 6 apresenta um resumo das mudanças semânticas presentes,

indicando que em língua portuguesa há maior necessidade de explicitude (30%) a

partir das escolhas lexogramaticais realizadas pelo autor da versão. Logo abaixo há

apreciação (24%), afeto (19%), processos (11%), concretude (4%), eufemismo (4%),

julgamento (4%), abrangência (2%) e graduação (2%). A partir da análise de

incidências, podemos afirmar que não se faz possível uma tradução sem a

intervenção do tradutor nas escolhas realizadas, mostrando que não se faz possível

uma tradução literal, fiel ao original, mesmo com o esforço do tradutor.

4.3.2 Acréscimo no Português (18,5%)

Os acréscimos no português apresentam o segundo maior índice de alteração

na tradução e tratam de diferenças que envolvem: concretude, explicitude e

graduação, conforme Quadro 7 abaixo.

Quadro 7 – Acréscimo no português

ACRÉSCIMO

Concretude

entra

compondo

passa

no chão

de papel

meu (2X)

Explicitude

lugar

cuja mão

você colocou

precisam

em volta da

só um pouco

passagem

foi

mania de

onde está

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

69

Graduação

muito

bem

não

Quadro 8 – Incidência de ACRE

TIPOS %

Explicitude 50%

Concretude 35%

Graduação 15%

O Quadro 8 apresenta um resumo dos acréscimos no português, indicando que

em língua portuguesa há maior necessidade de explicitude (50%) a partir das escolhas

lexogramaticais realizadas pelo autor da versão. Logo abaixo há concretude (35%), e

graduação (15%).

4.3.3 Omissão no Português (14,5%)

As omissões no português apresentam o terceiro maior índice de alteração na

tradução e tratam de diferenças que envolvem: concretude, explicitude e graduação,

conforme Quadro 9 abaixo. A discussão dos resultados colocará o original seguido de

sua tradução literal.

Quadro 9 – Omissão no português

Omissão

Concretude

her mind (sua cabeça)

lapel (gola)

light (luz)

of rocks (de pedras)

Explicitude

making (pigs) of yourselves (se fazendo de (porcos)

you will find them (você os achará)

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

70

speaks (fala)

as she does (como ela faz)

now (agora) (2X)

this game (esse jogo)

Graduação

big (grande)

but (mas)

old (velho)

comfort (comfortável)

lurid (sensacionalista)

Quadro 10 – Incidência de OMIS

TIPOS %

Explicitude 43,75%

Graduação 31,25%

Concretude 25%

O Quadro 10 apresenta um resumo das omissões no português, indicando que

em língua portuguesa há maior necessidade de explicitude (43,75%) a partir das

escolhas lexogramaticais realizadas pelo autor da versão. Logo abaixo há graduação

(31,25%), e concretude (31,25%).

4.3.4 Expressão Idiomática (6,5%)

As expressões idiomáticas apresentam o quarto maior índice de alteração na

tradução e tratam de diferenças que envolvem aspectos culturais e de uso da

linguagem, conforme Quadro 11 abaixo. A discussão dos resultados colocará: (a) o

original seguido de sua tradução literal; (b) a tradução para o português.

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

71

Quadro 11 – Expressão Idiomática

ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS

Drew to an inside straight (tirou um straight do monte)

puxei bem

come to (venha) acorda

hush (silêncio) calma

going on vacation (saindo de férias)

tirar férias

will do (será) está ótimo

push (empurrar) façam sentar

calling (chamando) procurando

Como dito no Quadro 4, as expressões idiomáticas representam 6,7% das

modificações presentes na tradução para o português, essas alterações se fazem

necessárias, para maior aproximação com o idioma de chegada (tradução), sendo o

processamento mais fácil para o leitor, aproximando, assim, o texto do enquadre

cognitivo.

4.3.5 Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite (6,5%)

Os enquadres de verbo e enquadres satélites apresentam o quinto maior índice

de alteração na tradução e tratam de diferenças que envolvem aspectos culturais e

de uso da linguagem, conforme Quadro 13 abaixo. A discussão dos resultados

colocará: (a) o original seguido de sua tradução literal; (b) a tradução para o português.

Quadro 12 – Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite

ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS

opens a little (abre um pouco) entreabre

ducks... lower (afunda... mais baixo)

abaixa

moves (move) dirige-se

starts around (inicia em torno de) começa a andar

crosses (atravessa) vai

tearing it off (rasga fora de) tira-a

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

72

crosses to block (atravessa para bloquear)

barra

O Quadro 4 apresenta os enquadres de verbo X enquadre satélite como 6,5%

dos resultados presentes nas alterações lexogramaticais realizadas na versão em

português, essas escolhas se relacionam com padrões lexicais da língua, ou seja, as

línguas em questão (inglês e português) representam polos opostos, mostrando que

o texto de partida (inglês) possuiu verbos que expressam o modo, mas não a direção,

enquanto o texto de chegada (português) possuiu verbos direcionais, nos quais modo

e direção se constroem integradamente.

4.3.6 Tipologia de Língua (6,5%)

A tipologia de língua representa o sexto maior índice de alteração na tradução

e tratam de diferenças que envolvem a língua em sua manifestação como um tipo

comunicativo, conforme Quadro 13 abaixo. A discussão dos resultados colocará: (a)

o original seguido de sua tradução literal; (b) a tradução para o português.

Quadro 13 – Tipologia de Língua

ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS

open on (abertos sobre) abertos mostrando

you will find them (você os achará) está

lovely (adorável) (2X) uma graça

you (você) a senhora

his (dele) com

seven-card stud (Stud de sete cartas – um tipo de jogo)

mão de sete cartas

No Quadro 4 a tipologia de língua representa 6,5% das mudanças realizadas

na tradução em português, sendo esse fator essencial para a tradução que envolve

tendências humanas que são impostas pelo código e que têm como meta a interação

entre os sujeitos, mostrando a necessidade de conhecimentos do contexto

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

73

sociocultural de uso. Como exemplo, temos a expressão em língua inglesa How do

you do? (objeto de análise presente em [38]), com sua tradução Como vai a senhora?,

em língua portuguesa se faz necessário o acréscimo da palavra senhora para denotar

a formalidade expressa em língua inglesa que não precisa dessa distinção.

4.3.7 Mudança Morfológica (2%), Perífrases (2%) e Modalização (1%)

Os Quadros 14, 15 e 16 mostram as mudanças morfológicas, perífrases e

modalização presentes na tradução para o português da cena analisada na peça.

Esses casos, conforme apresentado no Quadro 4, aconteceram em números

reduzidos, mas no conjunto mostram outras diferenças entre as duas línguas em

confronto. A discussão dos resultados colocará: (a) o original seguido de sua tradução

literal; (b) a tradução para o português.

Quadro 14 – Mudança Morfológica

ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS

affectedly (comovidamente) afetando

tensely (tensamente) tensa

Quadro 15 – Perífrase

ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS

burst (surto) explosão de vozes

plain-tailored outifit (uma simples

roupa de vestir)

um conjunto de peça única

Quadro 16 – Modalização

ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS

Try and... (Tente e...) Veja se você acha...

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

74

5 DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS

As etapas de análise permitem responder às perguntas de pesquisa, a saber:

(a) o que a comparação do original em inglês e a tradução em português de A

Streetcar Named Desire pode revelar? (b) que consequências essas diferenças

significam para a interpretação do texto original e de sua tradução?

Os resultados da análise mostram que uma tradução exata e fiel ao original não

é possível e não depende somente da subjetividade do tradutor, pois a língua, em si,

apresenta características que levam a modificações necessárias frente ao texto de

partida e o texto de chegada. Dessa forma, os dados apresentam categorias que se

fazem presentes no processo de tradução. Nida (2001) elucida, então, que há

diferenças linguísticas que se fazem presente entre o texto de partida e o texto de

chegada, mostrando que nenhuma tradução será “neutra” ou “literal”, mas uma leitura

de sua versão original (ARROJO, 2003).

Sendo assim, a análise mostra que 42,5% das modificações presentes na

tradução representam mudanças semânticas juntamente com 18,5% de acréscimos

no português e 14,5% de omissões no português. O que se sugere, então, é que essas

modificações mostram o envolvimento do tradutor em língua portuguesa na

apropriação do texto de partida, corroborando com Bohunovsky (2001), ou seja, de

que a tradução possuiu um tradutor que é um sujeito inserido dentro de um contexto

cultural, ideológico, político e psicológico.

Além disso, segundo Fillmore (1988), a visão semântica deve ser colocada

dentro de um enquadre cognitivo, sendo as palavras entendidas dentro de um

contexto estrutural de experiência, crença ou prática, constituindo um pré-requisito

para o entendimento de seu significado. Sendo o tradutor responsável por escolhas

lexogramaticais que refletem a ideologia, a subjetividade e a visão de um texto e do

que ele significa. Arrojo (1993), diz que o tradutor se torna “visível”, sendo aquele que

se coloca no lugar, tempo e espaço do autor, sem violentar a sintaxe e a fluidez da

língua.

Outras diferenças observadas tratam das tipologias de língua, enquadres de

verbo X enquadres satélites e expressões idiomáticas cada um deles com 6,5%,

somado um total de 19,5% de modificações que representam escolhas

lexogramaticais diversas dentro de um mesmo referente, sendo necessário critérios

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

75

linguísticos, pragmáticos e cognitivos, Halliday (1970) afirma que examinar a estrutura

linguística em si não é suficiente para explicar a organização de um texto, devendo-

se levar em conta, também, o uso da língua, momento em que as escolhas realizadas

pelo tradutor são importantes pois elas se fazem em detrimento de outras que

poderiam ter sido feitas e não foram e tendo, um sentido, criado por essas escolhas.

A análise da tradução em português mostra exatamente esse fato: as escolhas

lexogramaticais feitas pelo tradutor impossibilita, por conta de questões socioculturais,

um texto de chegada fiel ao texto de partida. O tradutor, então, movido por crenças e

valores de sua cultura, modifica-o, tendo como base as expectativas do leitor

brasileiro. Além disso, a análise sistêmico-funcional revela que há uma ideologia

marcada, respondendo a aspectos culturais.

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

76

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória da elaboração desta dissertação de mestrado se iniciou com a

preocupação a respeito das dificuldades que cercam o processo tradutório enfrentado

por meus alunos juntamente com a tentativa de esclarecer as diferenças que ocorrem

entre um original e sua versão, posso afirmar, com os resultados apresentados, que

consegui entender o que subjaz a essas diferenças.

De fato, a pesquisa me mostrou que as diferenças lexogramaticais, juntamente

com valores socioculturais, perpassam o discurso narrativo, sendo, por esse motivo,

a importância das pesquisas linguísticas firmada pela força explicativa no

esclarecimento de conceitos e na compreensão de fenômenos do discurso que

envolvem questões ideológicas.

Julgo, assim, que as perguntas de pesquisa foram respondidas, mostrando que

a análise da língua em uso, dentro de um contexto e de escolhas feitas, pode levar a

uma maior reflexão e entendimento de detalhes na compreensão de fenômenos

discursivos e suas manifestações. Valida-se, assim, a pesquisa para os professores

de língua inglesa que terão suas aulas engrandecidas graças a explicações

pormenorizadas sobre as diferenças entre original e tradução.

Além disso, este estudo une a literatura e teorias linguísticas, tendo enfoque na

funcionalidade da língua, enfoque, esse, que modifica a minha compreensão da

linguagem, vendo-a como um objeto sociosemiótico que pode ser melhor

compreendida ao se levar em conta a relação lexicogramatical e a relação que o

tradutor faz nas escolhas e modificações presentes no texto.

Dessa foram, este estudo se faz enriquecedor para mim, enquanto professor,

pois a Linguística Sistêmico-Funcional traz subsídios, ajudando a compreender a

complexidade do discurso, para uma análise tradutória mais ampla e profunda,

contribuindo para a minha prática pedagógica e sendo, também, útil para aqueles que

lidam com esse processo em sala de aula.

Finalmente, acredito que este trabalho tenha contribuído para as pesquisas na

área de linguística aplicada e estudos da linguagem, esperando responder à bolsa de

estudos CAPES, que me permitiu a elaboração desta dissertação. Espero, também,

que esse trabalho instigue o interesse em novas pesquisas que contribuam para um

melhor entendimento da tradução e do processo tradutório.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

77

REFERÊNCIAS

ARROJO, R. (Org.). O signo desconstruído: implicações para a tradução, a leitura e o ensino. Campinas: Pontes, 2003.

_____. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993.

BASSNETT, S. Translation Studies. Shanghai: Shanghai Foreign Language Education, 2004.

_____. The meek or the mighty: Reappraising the role of the translator. In: ALVAREZ, R; AFRICA-VIDAL, C. (org.) Translation Power Subversion. Clevedon: Multilingual Matters, 1996.

BELL, R. T. Translation and Translating: theory and practice. Londres: Routledge, 1991

BLOOM, Ken. Broadway: an encyclopedia. Nova Iorque: Taylor & Francis, 2004.

BERTHOLD, M. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2014.

BIGSBY, C. W. E. A critical introduction to Twentieth-Century American Drama. v. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

_____. Modern American Drama, 1945-1990. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

BOHUNOVSKY, R. A (im)possibilidade da “invisibilidade” do tradutor e da “fidelidade”: por um diálogo entre a teoria e a prática de tradução. Cadernos de tradução , v. 2, 2001, p. 51-62.

CÁCERES, F. História Geral. São Paulo: Moderna, 1996.

CATFORD, J. C. A linguistic theory of translation. Oxford: Oxford University Press, 1965.

CHARTERIS-BLACK, J. Corpus approaches to critical methaphor analysis. Londres: Palgrave Macmillan, 2004.

EGGINS, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics. Londres: Bloombury Academy, 2004.

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

78

FALK, S. L. Tennessee Williams. Rio de Janeiro: Lidador, 1961.

FIGUEIREDO, G. P. The flow of information in Brian Aldiss’ supertoys into Brazilian Portuguese. 2006. Disponível em: http://www.pucsp.br/isfc/proceedings/Artigos% 20pdf /05tr_figueredo_117a154.pdf. Acesso em: 23 nov. 2015.

FILLMORE, C. J.; ATKINS, B. T. Towards a frame-based lexicon: the case of RISK. In: LEHRER, A.; KITTAY, E. (org.) Frames, Fields, and Contrasts. Londres: Erlbaum, 1992.

_____. The Mechanisms of “Construction Grammar”: Proceedings of the Fourteenth Annual Meeting of the Berkeley. Linguistics Society, 1988, p. 35-55.

FOWLER, R. Language in the news. Londres: Routledge, 1991.

GOATLY, A. The language of metaphors. Nova Iorque: Routledge, 1997.

GOUVEIA, C. A. M.; BÁRBARA, L. Marked or Unmarked, that is not the question. The question is: where’s the theme? Ilha do Desterro, v. 46, 2004, p.155-177.

HALLIDAY, M. A. K ; MATTHIESSEN, C. M. I. M. An introduction to Functional Grammar. Londres: Arnolds, 2004.

_____. An introduction to Functional Grammar. Londres: Arnolds, 1994.

________ Language as social semiotic. The social interpretation of language and meaning. Londres: Edward Arnold, 1978.

_____. Explorations in the functions of language. Londres: Edward Arnold, 1973.

KATAN, D. Translating cultures: an introduction to translators, interpreters and mediators. Londres: Routledge, 2004.

KERBRAT-ORECCHIONI, C. Introducing polylogue. Journal of Pragmatics, 36, 2004, p. 1-22.

KOLIN, P. C. (org.) Tennessee Williams: A Guide to Research and Performance. Westport: Greenwood, 1998.

LI, S. Yuliaoku yu fanyi jiaoxue [Corpora and translation teaching]. China Journal of Scientific Translation, v. 3, 2007, p. 46-49.

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

79

MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. Londres: Continuum, 2003.

_____. Beyond exchange: APPRAISAL System in English. In: HUNSTON, S. H.; THOMPSON, G. Evaluation in Text - Authorial Stance and the Construction of Discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000.

_____. The English Text – System and Structure. Amsterdã: John Benjamins. 1992.

MING, L. Systemic Functional Linguistic approach to translation studies. US-China Foreign Language, 5.8, 2007, p. 74-85.

NIDA, E. A. Contexts in translations. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001.

NINOMIYA, S. R. L. Estruturação temática na tradução de textos literários da língua japonesa para a língua portuguesa: Um enfoque sistêmico-funcional. Tese de Doutorado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, 2012.

PÉREZ, M. C. Apropos of Ideology. Translation studies on Ideology – Ideologies in Translation Studies. Manchester: St. Jerome Publishing, 2003.

RODRIGUES, E. P. De A Streetcar Named Desire a Um Bonde Chamado Desejo: o percurso discursivo de apresentação da personagem Stanley Kowalski em duas traduções brasileiras. 2001. 179 f. Dissertação (Mestrado em Tradução) – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

ROUDANÉ, M. C. (org.) The Cambridge companion to Tennessee Williams. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

SAPIR, E. The collected works of Edward Sapir. Berlin: Walter de Gruyter, 2008.

SLOBIN, D. I. Two ways to travel: verbs of motion in English and Spanish. In: MASAYOSHI, S.; THOMPSOM, S. A. Grammatical constructions: their forms and meaning. Oxford: Clarendon Press, 1996.

_____. Psicolinguística. São Paulo: Companhia Editora Nacional e EDUSP, 1980.

SZONDI, P. Teoria do drama moderno [1880-1950]. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

80

TALMY, L. Path to realization: a typology of event conflation. In: Proceeding of the Seventeenth Annual Meeting of the Berkely Linguistics Society, 1991, p. 480-519.

_____. Lexicalization patterns: Semantic Structure in lexical forma. In: SHOPEN, I. Language Typology and Syntactic Description. Londres: Cambrigde University Press, 1985.

THOMPSON, G. Two ways to travel: verbs of motion in English and Spanish. In: MASAYOSHI, S.; THOMPSOM, S. A. Grammatical constructions: their forms and meaning. Oxford: Clarendon Press, 1996.

_____.; THETELA, P. The sound of one hand clapping: The management of interaction in written discourse. Text, 15.1, 1995, p. 103-127.

VENUTI. L. The translator’s invisibility: a history of translation. Londres: Routledge, 1995.

VENTOLA, E. The Structure of Social Interaction: a systemic approach to the semiotics of service encounters. Londres: Frances Pinter, 1995.

WILLIAMS, T. A Streetcar Named Desire. London: Penguin UK, 2004.

_____. Um Bonde Chamado Desejo. São Paulo: Peixoto Neto, 2004.

_____. Memoirs. Nova Iorque: Penguin, 2003.

_____. Memórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

ZHANG, Y. Analysis of influence of semiotic context on translating strategies: On the translation of "Peach Blossom”. Journal of Sichuan International Studies University, v. 2, 2003, p. 135-139.

_____.; HUANG, G. A text linguistic approach to translation studies. Chinese Translator Journal, v. 2, 2003, p. 145-153.

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

81

ANEXO A – “A STREETCAR NAMED DESIRE” – SCENE XI

It is some weeks later. STELLA is packing BLANCHE's things. Sounds of water can be heard running in the bathroom. The portières are partly open on the poker players – STANLEY, STEVE, MITCH and PABLO – who sit around the table in the kitchen. The atmosphere of the kitchen is now the same raw, lurid one of the disastrous poker night. The building is framed by the sky of turquoise. Stella has been crying as she arranges the flowery dresses in the open trunk. STANLEY: Drew to an inside straight and made it, by God. PABLO: Maldita sea to suerte! STANLEY: Put it in English, greaseball! PABLO: I am cursing your goddam luck. STANLEY [prodigiously elated]: You know what luck is? Luck is believing you're lucky. Take at Salerno. I believed I was lucky. I figured that 4 out of 5 would not come through but I would... and I did. I put that down as a rule. To hold front position in this rat-race you've got to believe you are lucky. MITCH: You... you... you... Brag... brag... bull... bull. [STELLA goes into the bedroom and starts folding a dress.] STANLEY: What's the matter with him? EUNICE [walking past the table]: I always did say that men are callous things with no feelings, but this does beat anything. Making pigs of yourselves. [She comes through the portieres into the bedroom.] STANLEY: What's the matter with her? STELLA: How is my baby? EUNICE: Sleeping like a little angel. Brought you some grapes. [She puts them on a stool and lowers her voice.] Blanche? STELLA: Bathing. EUNICE: How is she? STELLA: She wouldn't eat anything but asked for a drink. EUNICE: What did you tell her? STELLA: I – just told her that – we'd made arrangements for her to rest in the country. She's got it mixed in her mind with Shep Huntleigh. [Blanche opens the bathroom door slightly.] BLANCHE: Stella. STELLA: Yes, Blanche? BLANCHE: If anyone calls while I'm bathing take the number and tell them I'll call right back. STELLA: Yes. BLANCHE: That cool yellow silk – the bouclé. See if it's crushed. If it's not too crushed I'll wear it and on the lapel that silver and turquoise pin in the shape of a seahorse. You will find them in the heart-shaped box I keep my accessories in. And Stella... Try and locate a bunch of artificial violets in that box, too, to pin with the seahorse on the lapel of the jacket. [She closes the door. STELLA turns to EUNICE.] STELLA: I don't know if I did the right thing EUNICE: What else could you do?

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

82

STELLA: I couldn't believe her story and go on living with Stanley. EUNICE: Don't ever believe it. Life has got to go on. No matter what happens, you've got to keep on going. [The bathroom door opens a little.] BLANCHE [looking out]: Is the coast clear? STELLA: Yes, Blanche. [To EUNICE] Tell her how well she's looking. BLANCHE: Please close the curtains before I come out. STELLA: They're closed. STANLEY: - How many for you? PABLO: Two. - STEVE: - Three. [BLANCHE appears in the amber light of the door. She has a tragic radiance in her red satin robe following the sculptural lines of her body. The ‘Varsouviana’ rises audibly as BLANCHE enters the bedroom.] BLANCHE [with faintly hysterical vivacity]: I have just washed my hair. STELLA: Did you? BLANCHE: I'm not sure I got the soap out. EUNICE: Such fine hair! BLANCHE [accepting the compliment]: It's a problem. Didn't I get a call? STELLA: Who from, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Why, not yet, honey! BLANCHE: How strange! I – [At the sound of BLANCHE's voice MITCH's arm supporting his cards has sagged and his gaze is dissolved into space. STANLEY slaps him on the shoulder.] STANLEY: Hey, Mitch, come to! [The sound of this new voice shocks BLANCHE. She makes a shocked gesture, forming his name with her lips. STELLA nods and looks quickly away. BLANCHE stands quite still for some moments – the silver-backed mirror in her hand and a look of sorrowful perplexity as though all human experience shows on her face. BLANCHE finally speaks but with sudden hysteria.] BLANCHE: What's going on here? [She turns from STELLA to EUNICE and back to STELLA. Her rising voice penetrates the concentration of the game. MITCH ducks his head lower but STANLEY shoves back his chair as if about to rise. STEVE places a restraining hand on his arm.] BLANCHE [continuing]: What's happened here? I want an explanation of what's happened here. STELLA [agonizingly]: Hush! Hush! EUNICE: Hush! Hush! Honey. STELLA: Please, Blanche. BLANCHE: Why are you looking at me like that? Is something wrong with me? EUNICE: You look wonderful, Blanche. Don't she look wonderful? STELLA: Yes EUNICE:

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

83

I understand you are going on a trip. STELLA: Yes, Blanche is. She's going on a vacation. EUNICE: I'm green with envy. BLANCHE: Help me, help me get dressed! STELLA [handing her dress]: Is this what you – BLANCHE: Yes, it will do! I'm anxious to get out of here – this place is a trap! EUNICE: What a pretty blue jacket. STELLA: It's lilac colored. BLANCHE: You're both mistaken. It's Della Robbia blue. The blue of the robe in the old Madonna pictures. Are these grapes washed? [She fingers the bunch of grapes which EUNICE has brought in.] EUNICE: Huh? BLANCHE: Washed, I said. Are they washed? EUNICE: They're from the French Market. BLANCHE: That doesn't mean they've been washed. [The cathedral bells chime] Those cathedral bells – they're the only clean thing in the Quarter. Well, I'm going now. I'm ready to go. EUNICE [whispering]: She's going to walk out before they get here. STELLA: Wait, Blanche. BLANCHE: I don't want to pass in front of those men. EUNICE: Then wait'll the game breaks up. STELLA: Sit down and... [BLANCHE turns weakly, hesitantly about. She lets them push her into a chair.] BLANCHE: I can smell the sea air. The rest of my time I'm going to spend on the sea. And when I die, I'm going to die on the sea. You know what I shall die of? [She plucks a grape] I shall die of eating an unwashed grape one day out on the ocean. I will die – with my hand in the hand of some nice-looking ship's doctor, a very young one with a small blond mustache and a big silver watch. ‘Poor lady,’ they'll say, the ‘quinine did her no good. That unwashed grape has transported her soul to heaven.’ [The cathedral chimes are heard] And I'll be buried at sea sewn up in a clean white sack and dropped overboard – at noon – in the blaze of summer – and into an ocean as blue as [chimes again] my first lover's eyes! [A DOCTOR and a MATRON have appeared around the corner of the building and climbed the steps to the porch. The gravity of their profession is exaggerated – the unmistakable aura of the state institution with its cynical detachment. The DOCTOR rings the doorbell. The murmur of the game is interrupted.] EUNICE [whispering to STELLA]: That must be them. [STELLA presses her fists to her lips.] BLANCHE [rising slowly]: What is it? EUNICE [affectedly casual]: Excuse me while I see who's at the door. STELLA: Yes. [Eunice goes into the kitchen.] BLANCHE [tensely]: I wonder if it's for me. [A whispered colloquy takes place at the door.] EUNICE [returning, brightly]: Someone is calling for Blanche. BLANCHE:

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

84

It is for me, then! [She looks fearfully from one to the other and then to the portières. The ‘Varsouviana’ faintly plays] Is it the gentleman I was expecting from Dallas? EUNICE: I think it is, Blanche. BLANCHE: I'm not quite ready. STELLA: Ask him to wait outside. BLANCHE: I... [EUNICE goes back to the portieres. Drums sound very softly.] STELLA: Everything packed? BLANCHE: My silver toilet articles are still out. STELLA: Ah! EUNICE [returning]: They're waiting in front of the house. BLANCHE: They! Who's ‘they’? EUNICE: There’s a lady with him. BLANCHE: I cannot image who this ‘lady’ could be! How is she dressed? EUNICE: Just – just sorto f a – plain-tailored outfit. BLANCHE: Possibly she’s [Her voices dies out nervously.] STELLA: Shall we go, Blanche? BLANCHE: Must we go through that room? STELLA: I will go with you. BLANCHE: How do I look? STELLA: Lovely. EUNICE [echoing]: Lovely. [BLANCHE moves fearfully to the portière. EUNICE draws them open for her. BLANCHE goes into the kitchen] BLANCHE [to the men]: Please, don’t get up. I’m only passing through. [She crosses quickly to outside door. STELLA and EUNICE follow. The poker players stand awkwardly at the table – except MITCH, who remains seated, looking at the table. BLANCHE steps out on a small porch at the side of the door. She stops short and catches her breath.] DOCTOR: How do you do? BLANCHE: You are not the gentleman I was expecting. [She suddenly gaps and starts back up the steps. She stops by STELLA, who stands just outside the door, and speaks in a frightened whisper.] That man isn’t Shep Huntleigh. [The ‘Varsouviana’ is playing distantly. STELLA stares back at BLANCHE. EUNICE is holding STELLA's arm. There is a moment of silence – no sound but that of Stanley steadily shuffling the cards. BLANCHE catches her breath again and slips back into the flat with a peculiar smile, her eyes wide and brilliant. As soon as her sister goes past her, STELLA closes her eyes and clenches her hands. EUNICE throws her arms comforting about her. Then she starts up to her flat. BLANCHE stops just inside the door. MITCH keeps staring down at his hands on the table, but the other men look at her curiously. At last she starts around the table toward the bedroom. As she does, STANLEY suddenly pushes back his chair and rises as if to block her way. The MATRON follows her into the flat.] STANLEY: Did you forget something? BLANCHE [shrilly]: Yes! Yes, I forgot something!

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

85

[She rushes past him into the bedroom. Lurid reflections appear on the walls in odd, sinuous shapes. The ‘Varsouviana’ is filtered into a weird distortion, accompanied by the cries and noises of the jungle. BLANCHE seizes the back of a chair as if to defend herself.] STANLEY [sotto voice]: Doc, you better go in. DOCTOR [motioning to the MATRON]: Nurse, bring her out. [The MATRON advances on one side, STANLEY on the other. Divested of all the softer properties of womanhood, the MATRON is a peculiarly sinister figure in her severe dress. Her voice is bold and toneless as a fire-bell.] MATRON: Hello, Blanche. [The greeting is echoed and re-echoed by other mysterious voices behind the walls, as if reverberated through a canyon of rock.] STANLEY: She says that she forgot something. [The echo sounds in threatening whispers.] MATRON: That's all right. STANLEY: What did you forget, Blanche? BLANCHE: I – I – MATRON: It don't matter. We can pick it up later. STANLEY: Sure. We can send it along with the trunk. BLANCHE [retreating in panic]: I don't know you – I don't know you. I want to be – left alone – please! MATRON: Now, Blanche! ECHOES [rising and falling]: Now, Blanche – now, Blanche – now, Blanche! STANLEY: You left nothing here but spilt talcum and old empty perfume bottles – unless it's the paper lantern you want to take with you. You want the lantern? [He crosses to dressing table and seizes the paper lantern, tearing it off the light bulb, and extends it toward her. She cries out as if the lantern was herself. The MATRON steps boldly toward her. She screams and tries to break past the MATRON. All the men spring to their feet. STELLA runs out to the porch, with EUNICE following to comfort her, simultaneously with the confused voices of the men in the kitchen. STELLA rushes into EUNICE's embrace on the porch.] STELLA: Oh, my God, Eunice help me! Don't let them do that to her, don't let them hurt her! Oh, God, oh, please God, don't hurt her! What are they doing to her? What are they doing? [She tries to break from EUNICE's arms.] EUNICE: No, honey, no, no, honey. Stay here. Don't go back in there. Stay with me and don't look. STELLA: What have I done to my sister? Oh, God, what have I done to my sister? EUNICE: You done the right thing, the only thing you could do. She couldn't stay here; there wasn't no other place for her to go. [While STELLA and EUNICE are speaking on the porch the voices of the men in the kitchen overlap them.] STANLEY [running in from the bedroom]: Hey! Hey! Doctor! Doctor, you better go in! DOCTOR: Too bad, too bad. I always like to avoid it. PABLO: This is a very bad thing. STEVE: This is no way to do it. She should’ve been told. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy, muy mala! [MITCH has started toward the bedroom. STANLEY crosses to block him.] MITCH [wildly]: You! You done this, all o’your God damn interfering with things you – STANLEY: Quit the blubber! [He pushes him aside.] MITCH:

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

86

I’ll kill you! [He lunges and strikes at STANLEY.] STANLEY: Hold this bone-headed cry-baby. STEVE [grasping MITCH]: Stop it, Mitch. PABLO: Yeah, yeah, take it easy. [MITCH collapses at the table, sobbing. During the preceding scenes, the MATRON catches hold of BLANCHE's arm and prevents her flight. BLANCHE turns wildly and scratches at the MATRON. The heavy woman pinions her arms. BLANCHE cries out hoarsely and slips to her knees.] MATRON: These fingernails have to be trimmed. [The DOCTOR comes into the room and she looks at him.] Jacket, Doctor? DOCTOR: Not unless necessary. [He takes off his hat and now he becomes personalized. The unhuman quality goes. His voice is gentle and reassuring as he crosses to BLANCHE and crouches in front of her. As he speaks her name, her terror subsides a little. The lurid reflections fade from the walls, the inhuman cries and noises die out and her own hoarse crying is calmed.] DOCTOR: Miss DuBois. [She turns her face to him and stares at him with desperate pleading. He smiles; then he speaks to the MATRON.] It won't be necessary. BLANCHE [faintly]: Ask her to let go of me. DOCTOR [to the Matron]: Let go. [The MATRON releases her. BLANCHE extends her hands toward the DOCTOR. He draws her up gently and supports her with his arm and leads her through the portières.] BLANCHE [holding tight to his arm]: Whoever you are – I have always depended on the kindness of strangers. [The poker players stand back as BLANCHE and the DOCTOR cross the kitchen to the front door. She allows him to lead her as if she were blind. As they go out on the porch, Stella cries out her sister's name from where she is crouched a few steps up on the stairs.] STELLA: Blanche! Blanche! Blanche! [BLANCHE walks on without turning, followed by the DOCTOR and the MATRON. They go around the corner of the building. EUNICE descends to STELLA and places the child in her arms. It is wrapped in a pale blue blanket. STELLA accepts the child, sobbingly. EUNICE continues downstairs and enters the kitchen where the men, except for STANLEY, are returning silently to their places about the table. STANLEY has gone out on the porch and stands at the foot of the steps looking at STELLA.] STANLEY [a bit uncertainly]: Stella? [She sobs with inhuman abandon. There is something luxurious in her complete surrender to crying now that her sister is gone.] STANLEY [voluptuously, soothingly]: Now, honey. Now, love. Now, now, love. [He kneels beside her and his fingers find the opening of her blouse] Now, now, love. Now, love... [The luxurious sobbing, the sensual murmur fade away under the swelling music of the ‘blue piano’ and the muted trumpet.] STEVE: This game is seven-card stud.

ANEXO B –UM BONDE CHAMADO DESEJO – CENA XI

Algumas semanas depois. Stella está fazendo as malas de Blanche. Pode-se ouvir o som de água correndo no banheiro. Os reposteiros estão parcialmente abertos, mostrando1 os jogadores de pôquer – Stanley, Steve, Mitch e Pablo – que estão sentados em volta da mesa da cozinha. A atmosfera da cozinha agora é a mesma atmosfera desordenada e sombria da desastrosa noite de pôquer. O prédio está emoldurado pelo céu de turquesa. Stella está chorando enquanto arruma os vestidos floridos no baú aberto.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

87

Eunice desce os degraus, vindo de seu apartamento, e entra na cozinha. Há uma explosão de vozes que vem da mesa de pôquer). STANLEY: Meu Deus1, puxei bem a carta que precisava! PABLO: Maldita sea tu suerte! STANLEY: Não sabe falar inglês, bola-de-sebo? PABLO: Eu estou amaldiçoando a sua maldita sorte. STANLEY (monstruosamente exultante): Sabe o que é sorte? Sorte é acreditar que tem sorte. Por exemplo, em Salerno. Eu acreditei que tinha sorte. Mentalizei que, de cada cinco, quatro iam morrer e eu não... e deu certo... Isso para mim é lei. Nessa corrida de ratos, pra ficar em primeiro lugar você tem que acreditar que tem sorte. MITCH: Você... você... você... Papo... papo... tudo papo. (Stella entra no dormitório e começa a dobrar um vestido). STANLEY: O que é que há com ele? EUNICE (passando pela mesa): Eu sempre disse que os homens eram calos duros, sem nenhum coração. Mas isso também já é demais. Porcos. (Passa pelos reposteiros em direção ao dormitório.) STANLEY: O que há com ela? STELLA: Como está o meu bebê? EUNICE: Dormindo feito um anjinho. Eu trouxe umas uvas. (Coloca as uvas num banquinho e abaixa a voz.) E a Blanche? STELLA: No banho1. EUNICE: Como ela está? STELLA: Não quis comer nada, mas pediu um drinque. EUNICE: O que você disse pra ela? STELLA: Eu – só disse que – a gente tinha arranjado um lugar no campo pra ela descansar. Mas ele misturou tudo com o Shep Huntleigh. (Blanche abre de leve a porta do banheiro.) BLANCHE: Stella! STELLA: O que é, Blanche? BLANCHE: Se alguém ligar enquanto eu estiver no banho, anote o número e diga que retorno em seguida. STELLA: Pode deixar. BLANCHE: Aquele amarelo, de seda, levinho – o buclê. Veja se não está muito amassado. Se não estiver muito amassado, é esse que eu vou usar, e também aquele broche de cavalo-marinho, prata e turquesa. Está naquele meu coração, onde eu guardo meus adereços. E, Stella... veja se você acha também nesse coração um raminho de violetas artificiais, pra prender junto com o cavalo-marinho na lapela da blusa. (Fecha a porta.) (Stella vira-se para Eunice) STELLA: Não sei se fiz a coisa certa. EUNICE: O que mais você podia ter feito? STELLA: Eu não podia acreditar na história dela e continuar a vivendo com o Stanley. EUNICE: Nunca acredite nisso. A vida tem de continuar. Aconteça o que acontecer, você tem que tocar em frente. (A porta do banheiro se entreabre). BLANCHE (olhando para fora): O caminho está livre? STELLA: Claro, Blanche. (Para Eunice) Diga que ela está bonita.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

88

BLANCHE: Por favor, feche a cortina antes que eu saia. STELLA: Estão fechadas. STANLEY: - Quantas pra você? PABLO: Duas - STEVE: - Três. (Blanche surge no âmbar da porta. Exala uma radiância trágica do seu roupão de cetim vermelho, que delineia as linhas esculturais do seu corpo. Enquanto Blanche entra no dormitório a “Varsoviana” torna-se audível.). BLANCHE (com uma vivacidade ligeiramente histérica): Acabei de lavar o cabelo. EUNICE: É? BLANCHE: Não sei se enxaguei todo o xampu. EUNICE: Que cabelo lindo! BLANCHE (aceitando o elogio): Mas é um problema. Ninguém me ligou? EUNICE: Quem, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Ah, ainda não, meu bem! BLANCHE: Estranho! Eu – (Ao som da voz de Blanche, o braço de Mitch, cuja mão segura as cartas, se afrouxa e o seu olhar fica perdido no espaço. Stanley lhe dá um tapinha no ombro.). STANLEY: Ei, Mitch, acorda! (O som dessa nova voz choca Blanche. Ela faz um gesto de espanto, desenhando o nome dele com os lábios. Stella maneia a cabeça e olha rapidamente em outra direção. Blanche fica muito quieta por alguns momentos – o espelho de fundo prateado na mão e um olhar de contrita perplexidade, como se toda a experiência humana se revelasse no seu rosto. Finalmente fala, com súbita histeria). BLANCHE: O que é que está acontecendo aqui? (Volta-se de Stella para Eunice e de Eunice para Stella. Sua voz em crescendo penetra a concentração do jogo. Mitch abaixa cabeça, mas Stanley dá um empurrão em sua cadeira, como se fosse levantar. Steve coloca a mão no seu braço, impedindo-o). BLANCHE (continuando): O que é que está acontecendo aqui? Eu exijo uma explicação sobre o que é que está acontecendo aqui. STELLA (angustiadamente): Calma! Calma! EUNICE: Calma! Calma! Querida! STELLA : Por favor, Blanche. BLANCHE: Por que é que vocês estão, me olhando desse jeito? Tem alguma coisa errada comigo? EUNICE: Você está maravilhosa, Blanche. Ela não está maravilhosa? STELLA: Claro, maravilhosa. EUNICE: Que dizer então que você está de viagem. STELLA: Está, sim. Blanche vai tirar umas férias. EUNICE: Estou morrendo de inveja. BLANCHE: Me ajude, me ajude a me vestir! STELLA (dando-lhe o vestido): É esse que você –

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

89

BLANCHE: Esse, esse está ótimo! Estou louca pra sair daqui – esse lugar é uma armadilha. EUNICE: Que blusa azul linda! STELLA: É lilás. BLANCHE: As duas erraram. É um azul Della Robbia. O azul do robe do manto da Virgem naquelas Madonas antigas. Essas uvas estão lavadas? (Toca com os dedos o cacho de uvas que Eunice trouxe) EUNICE: Ahn? BLANCHE: Eu disse lavadas. Foram lavadas? EUNICE: São do Mercado Francês. BLANCHE: O que não quer dizer que foram lavadas. (Os sinos da catedral repicam) Esses sinos da catedral – são a única coisa limpa deste bairro. Bom, eu já vou indo. Estou pronta para ir. EUNICE (sussurrando): Ela vai sair antes de eles chegarem. STELLA: Espere, Blanche. BLANCHE: Não quero passar na frente daqueles homens. EUNICE: Então espere o jogo acabar. STELLA: Senta aqui e... (Blanche vira-se lenta e hesitantemente. Deixa que elas a façam sentar-se numa cadeira). BLANCHE: Eu posso sentir o cheiro do mar. Vou passar o resto da minha vida no mar. E, quando eu morrer, vou morrer no mar. Sabe do que é que eu vou morrer? (Arranca uma uva.) Vou morrer um dia por ter comido uma uva que não estava lavada, em alto-mar. Vou morrer – com a minha mão na mão de um lindo médico de bordo, muito jovem, que usa um pequeno bigode loiro e um relógio de prata. Vão dizer “Pobre lady, o quinino não fez efeito. Aquela uva não lavada levou sua alma pro céu”. (Ouve-se sinos da catedral.) E vou ser enterrada nas águas, costurada dentro de um saco branco, muito limpo, e lançada ao mar – ao meio-dia – no fogo do verão – e num oceano tão azul como (Novo repique), como os olhos do meu primeiro amor! (Um Médico e uma Enfermeira surgem do lado da esquina e subem os degraus até o alpendre. A gravidade de sua profissão é exagerada – a inconfundível aura da instituição pública, com a sua cínica indiferença. O Médico toca a campainha. O Burburinho do jogo se interrompe). EUNICE (sussurrando para Stella): Devem ser eles. (Stela aperta um punho contra os lábios). BLANCHE (levantando-se lentamente): O que é isso? EUNICE (afetando desimportância): Com licença que eu vou ver quem é. STELLA: Isso. (Eunice entra na cozinha). BLANCHE (tensa): E se for para mim? (Dá-se um diálogo na porta.) EUNICE (voltando, radiante): Tem alguém aí procurando a Blanche. BLANCHE: Então é pra mim! (Olha temerosamente de uma para outra e depois para os reposteiros. A “Varsoviana” toca bem baixinho.) É o gentleman de Dallas que eu estava esperando? EUNICE: Acho que é, Blanche. BLANCHE: Ainda não estou pronta. STELLA: Diga para ele esperar lá fora.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

90

BLANCHE : Eu... (Eunice volta aos reposteiros. Os tambores soam suavemente). STELLA: Voce colocou tudo na bagagem? BLANCHE: Os meus acessórios de prata pra toalete ainda não. STELLA: Ah! EUNICE (voltando): Eles estão esperando na frente do prédio. BLANCHE: Eles? “Eles” quem? EUNICE: Tem uma senhora com ele. BLANCHE: Nem imagino quem seja essa "senhora"! Como ela está vestida? EUNICE: Só um – um tipo de – um conjunto de peça única. BLANCHE: É possível que ela seja - (A sua voz some nervosamente). STELLA: Podemos ir, Blanche? BLANCHE: Temos que passar por aquela sala? STELLA: Eu vou com você. BLANCHE: Como estou? STELLA: Uma graça. EUNICE (fazendo eco): Uma graça. (Blanche dirige-se nervosamente para os reposteiros. Eunice abre-o para ela. Blanche entra na cozinha). BLANCHE (para os homens): Não, por favor, não precisam se levantar. Eu só estou apenas passando. (Dirige rapidamente para a porta da rua. Stella e Eunice a seguem. Os jogadores de pôquer ficam todos de pé, desajeitados, em volta da mesa, exceto Mitch, que permanece sentado, olhando para a mesa. Blanche sai para um pequeno alpendre ao lado da porta. Para abruptamente e prende a respiração). MÉDICO: Como vai a senhora? BLANCHE: Não é o senhor que eu estava esperando. (Ofega de repente e começa a recuar pelos degraus. Para ao lado de Stella, que está em pé, perto da porta, e sussurra assustada.) Esse homem não é Shep Huntleigh. (A “Varsoviana” toca à distância. Stella olha de volta para Blanche. Eunice está segurando o braço de Stella. Há um momento de silêncio – nenhum som, exceto o de Stanley embaralhando as cartas. Blanche prende a respiração novamente e desliza para dentro do apartamento. Entra com um sorriso singular nos lábios, os olhos bem abertos e brilhantes. Assim que a sua irmã passa, Stella fecha os olhos e cerra as mãos. Eunice joga os braços ao seu redor, como que encorajando-a. Em seguida, começa a subir para o apartamento. Blanche para bem na porta. Mitch continua a olhar para as suas mãos na mesa, mas os outros homens olham curiosos para ela. Por fim, ela começa a andar em torno da mesa, em direção ao dormitório. De repente, Stanley empurra a sua daceira para trás e se levanta, como que para bloquear a passagem dela. A Enfermeira segue-a dentro do apartamento.) STANLEY: Esqueceu alguma coisa? BLANCHE (estridentemente): Esqueci! Esqueci uma coisa! (Passa correndo por ele e entra no dormitório. Os reflexos assombrados aparecem nas paredes, compondo formas estranhas e sinuosas. A “Varsoviana” é filtrada numa misteriosa distroção, acompanhada pelos gritos e barulhos da selva. Blanche agarra o encosto de uma cadeira, como para se defender.) STANLEY (em voz baixa): Doutor, é melhor o senhor entrar. MÉDICO (fazendo gestos para a Enfermeira): Enfermeira, traga-a para fora. (A Enfermeira avança de um lado e Stanley do outro. Despida de todas as propriedades mais suaves das mulheres, a Enfermeira é uma figura particularmente sinistra, com o seu vestido austero. A sua voz é forte sem modulações, como uma campainha de alarma). ENFERMEIRA:

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

91

Oi, Blanche! (O cumprimento é ecoado repetidamente por outras misteriosas vozes atrás das paredes, como se reverberasse num desfiladeiro.) STANLEY: Ela disse que esqueceu alguma coisa. (O eco ressoa em sussurros ameaçadores.) ENFERMEIRA: Sem problemas. STANLEY: O que é que você esqueceu, Blanche? BLANCHE: Eu – Eu – ENFERMEIRA: Não tem importância. A gente passa depois par pegar. STANLEY: Claro. A gente manda depois junto com o baú. BLANCHE (recuando em pânico): Eu não conheço vocês – eu não conheço vocês. Eu quero – ficar sozinha – por favor! ENFERMEIRA: Vamos lá, Blanche! ECOS (subindo e descendo): Vamos lá, Blanche! Vamos lá, Blanche! Vamos lá, Blanche! STANLEY: Você não deixou nada aqui, só um pouco de talco no chão e vidros de perfumes vazios – a menos que você queira levar a lanterna de papel. É a lanterna de papel que você quer? (Vai até a penteadeira, pega a lanterna de papel, tira-a da lâmpada e estende-a para ela. Blanche grita como se a lanterna fosse ela mesma. A Enfermeira avança firmemente para ela. Ela grita e tenta esquivar-se da Enfermeira. Todos os homens põem-se de pé num salto. Stella sai correndo para o alpendre, seguida por Eunice, simultaneamente com a confusão das vozes dos homens na cozinha. Stella lança-se aos braços de Eunice no alpendre.) STELLA: Ah, meu Deus, Eunice, me ajude! Não deixe eles fazerem isso com ela, não deixe eles machucarem ela! Ah, meu Deus, ah, por favor, meu Deus, não machuquem ela! O que é que eles estão fazendo com ela? O que é que eles estão fazendo? (Tenta se desprender dos braços de Eunice.) EUNICE: Não, querida, não. Fique aqui. Não volte lá pra dentro. Fique aqui comigo e não olhe. STELLA: O que é que eu fiz com a minha maninha? Ah, meu Deus, o que é que eu fiz com a minha maninha? EUNICE: Você fez o que tinha que ser feito, a única coisa que você podia fazer. Ela não podia ficar aqui; não tinha outro lugar para ir. (Enquanto Stella e Eunice conversam no alpendre, as vozes dos homens na cozinha se soprepõem às delas.) STANLEY (correndo de dentro do dormitório): Ei! Ei! Doutor! Doutor, é melhor o senhor entrar lá! Médico: Que pena, que pena. Eu sempre tento evitar essas coisas. PABLO: Isso é muito ruim. STEVE: Não é assim que se faz. Tinham que ter contado pra ela. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy mala! (Mitch começa a se dirigir para o dormitório. Stanley barra-lhe a passagem.) MITCH (feroz): Foi você! Foi você que fez isso, seu desgraçado, com essa sua mania de se meter em tudo, você – STANLEY: Para de choramingar! (Empurra-o para o lado.) MITCH: Vou te matar! (Investe contra Stanley e o golpeia.) STANLEY: Segura essa chorão cabeçudo. STEVE (agarrando Mitch): Para com isso, Mitch. PABLO: Calma, cara. (Mitch desaba na mesa, soluçando.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... Cardoso Silveira.pdf · tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em

92

Durante as cenas anteriores, a Enfermeira agarra o braço de Blanche e impede que ela escape. Blanche vira-se ferozmente e arranha-a. A pesada mulher imobiliza os braços de Blanche, que solta um frito rouco e deixa-se cair de joelhos.) ENFERMEIRA: Essas unhas têm de ser cortadas. (O médico entra no dormitório e ela olha para ele.) Camisa-de-força, doutor? MÉDICO: Só se for necessário. (Tira o chapéu e passa então a ter personalidade. A característica desumana desaparece. A sua voz é gentil e tranquilizadora, enquanto vai até Blanche e se curva diante dela. Quando ele pronuncia o seu nome, o seu terror diminui um pouco. Os reflexos vão sumindo das paredes, os gritos e barulhos inumanos vão morrendo e o próprio choro rouco de Blanche se aquieta.) MÉDICO: Senhorita DuBois. (Ela volta o rosto para ele e olha-o fixamente, com uma súplica desesperada. Ele sorri; e, seguida, fala para a Enfermeira.) Não vai ser necessário. BLANCHE (debilmente): Peça pra ela me soltar. MÉDICO (para a enfermeira): Solte. (A Enfermeira solta-a. Blanche estende os braços para o Médico. Ele a atrai gentilmente, a ampara com o braço e a conduz através dos reposteiros.) BLANCHE (segurando forte o braço dele): Seja você quem for – eu sempre dependi da gentileza de estranhos. (Os jogadores de pôquer se afastam enquanto Blanche e o Médico cruzam a cozinha até a porta da frente. Ela deixa que ele a conduza como se fosse cega. Quando eles saem no alpendre, Stella, que está agachada poucos degraus acima, nas escadas, grita o nome da irmã.) STELLA: Blanche! Blanche, Blanche! (Blanche caminha sem se virar, seguida pelo Médico e pela Enfermeira. Eles dobram a esquina do prédio. Eunice desce até onde está Stella e coloca a criança nos seus braços. A criança está envolta num cobertor azul-claro. Stella recebe a criança, soluçando. Eunice continua descendo e entra na cozinha, onde os homens, exceto Stanley, estão retornando silenciosamente a seus lugares em volta da mesa. Stanley saiu para o alpendre e está de pé junto aos degraus, olhando para Stella. STANLEY (meio hesitante): Stella? (Ela soluça com um abandono inumano. Há qualquer coisa de voluptuoso na sua total entrega ao choro, agora que a sua irmã se foi.) STANLEY (libidinoso, tranquilizador): Ah, querida. Ah, meu amor. Ah, meu amor. (Ajoelha-se ao lado de Stella, e com os dedos encontra a abertura da blusa dela.) Ah, meu amor. Ah, meu amor... (Os soluços voluptuosos e os murmúrios sensuais vão sumindo sob a crescente música do blue piano e do trompete com surdina.) STEVE: Mão de sete cartas.