poesia e militância

10
Poesia e militância. Raúl González Tuñón e a Guerra Civil Espanhola El poeta socialista no ha de ser tal únicamente en el momento de escribir un poema, sino en todos sus actos, grandes y pequeños, internos y externos, conscientes y subconscientes y hasta cuando duerme y cuando se equivoca y cuando se traiciona voluntaria e involuntariamente y cuando se rectifica y cuando fracasa. César Vallejo. El arte y la revolución Introdução: Nos anos trinta, uma forte “politização” é sentida não só na sociedade, mas também na literatura e a arte. As vanguardas da década anterior, embora não deixem a experimentação estética, vão se comprometer politicamente. Por exemplo, os surrealistas franceses tomam a decisão de ingressar ao Partido Comunista. Nesse contexto, a Guerra Civil Espanhola radicaliza as posições políticas e propor ao realismo como o modo privilegiado de transmitir mensagens sociais nas obras para o povo. Na Argentina, mas também na América Latina em geral, o estouro da guerra em 1936 causou uma bipolarização social que teve várias materializações: o fascismo contra a democracia, o catolicismo contra o comunismo, o povo contra a burguesia. Esses enfrentamentos trasladam-se ao campo da arte e da literatura. Raúl González Tuñón, escritor ex-vanguardeiro, junto com Borges, Girondo e Xul Solar, e militante comunista desde 1934, será o poeta 1

Upload: laucabezas

Post on 28-Aug-2015

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Guerra civil espanhola

TRANSCRIPT

Poesia e militncia.Ral Gonzlez Tun e a Guerra Civil Espanhola

El poeta socialista no ha de ser tal nicamente en el momento de escribir un poema, sino en todos sus actos, grandes y pequeos, internos y externos, conscientes y subconscientes y hasta cuando duerme y cuando se equivoca y cuando se traiciona voluntaria e involuntariamente y cuando se rectifica y cuando fracasa.

Csar Vallejo. El arte y la revolucin

Introduo: Nos anos trinta, uma forte politizao sentida no s na sociedade, mas tambm na literatura e a arte. As vanguardas da dcada anterior, embora no deixem a experimentao esttica, vo se comprometer politicamente. Por exemplo, os surrealistas franceses tomam a deciso de ingressar ao Partido Comunista. Nesse contexto, a Guerra Civil Espanhola radicaliza as posies polticas e propor ao realismo como o modo privilegiado de transmitir mensagens sociais nas obras para o povo. Na Argentina, mas tambm na Amrica Latina em geral, o estouro da guerra em 1936 causou uma bipolarizao social que teve vrias materializaes: o fascismo contra a democracia, o catolicismo contra o comunismo, o povo contra a burguesia. Esses enfrentamentos trasladam-se ao campo da arte e da literatura. Ral Gonzlez Tun, escritor ex-vanguardeiro, junto com Borges, Girondo e Xul Solar, e militante comunista desde 1934, ser o poeta argentino mais comprometido com a situao espanhola. Nos seus poemas, crnicas e discursos, a Espanha republicana ser sinnimo de liberdade e mundo novo.

O caminho da guerraNosso itinerrio comea no ano 1923 quando o general Miguel Primo de Rivera pe fim Monarquia Liberal atravs de um golpe de Estado, com o aval do rei, rasgando a constituio monrquica e instalando uma ditadura. Em janeiro de 1930, Rivera deixa o poder, entregando a responsabilidade para o rei. A ditadura continua durante mais um ano, tendo como primeiro-ministro o general Berenguer e depois o Almirante Aznar. No entanto, desde finais da dcada de 1920, as ideias republicanas comeam se fortalecer, j que ganham a adeso das camadas mdias da sociedade urbana e tambm de alguns monrquicos que estavam preocupados com a insatisfao popular. Ento, uma Repblica moderada vista como um sistema poltico mais apto a garantir os interesses da oligarquia, ao invs de uma Monarquia desacreditada. Assim, em agosto de 1930, representantes de organizaes republicanas assinaram em San Sebastin um pacto para derrubar a Monarquia, e em outubro, o Partido Socialista Espanhol, que controlava a Unin General de Trabajadores (UGT) se une aos republicanos num Comit Revolucionrio. Em 1931, o rei Alfonso convoca eleies onde confrontam-se monarquistas versus republicanos aliados a socialistas. Na maioria das cidades vencem com facilidade os republicanos e socialistas, que ganham as eleies. O rei no v outra sada a no ser abdicar. Em 14 de abril de 1931, um Comit Revolucionrio assumiu o Governo Provisrio da Segunda Repblica. Segundo ngela Almeida, a histria da repblica espanhola de 1930 a 1936 pode ser dividida em dois perodos. O primeiro, perodo republicano reformista, que vai at 1933. O segundo, perodo de governos de direita, que vai at 1936 (1981: 13). Contudo, a nova Constituio, aprovada em dezembro de 1931, era extremamente revolucionria no que se refere ao anticlericalismo: a Espanha deixa de ter uma religio oficial, reconhecida a liberdade de culto, o divrcio legalizado, os salrios do clero deixam de ser pagos pelo Estado, dissolvida a Ordem dos Jesutas e determinada a nacionalizao de suas propriedades, a excluso das outras Ordens da participao na educao, na indstria e no comrcio por isso que a partir de abril de 1935, a esquerda republicana e os socialistas do incio a um processo de construo de uma coalizo de esquerda para fazer frente direita que estava no poder. Nasce a Frente Popular. O programa da Frente Popular continha reivindicaes republicanas como a Reforma Agrria, o replanejamento do ensino, a anistia para os presos de 1934 (cerca de 30.000), mas no tocava em questes de carter socialista.A prxima eleio seria em 16 de fevereiro de 1936. Polarizam-se as posies da esquerda e da direita. Como aponta Martin Blinkhorn, para a Frente Popular, a vitria da direita levaria diretamente ao fascismo; para a direita, a vitria da Frente Popular seria o incio da revoluo bolchevique. (1994: 47). A Frente Popular vence as eleies por uma pequena vantagem, e consegue uma maioria parlamentar. Azan assume o governo em maio de 1936. Imediatamente, o presidente Azan liberta milhares de presos polticos, inicia uma poltica agrria, educacional e religiosa proposta nos anos 1931-33, restabelece a autonomia da Catalunha, promete o mesmo aos bascos. Mas, como explica Oliveira Machado, camponeses pobres e trabalhadores agrcolas de diversas regies antecipam-se s aes governamentais e ocupam grandes fazendas, promovem greves espontneas e descoordenadas, portanto o clima fica tenso. Uma organizao de extrema direta, a Falange, promove aes terroristas contra a esquerda e oficiais generais do Exrcito preparam-se a todo vapor para o golpe.Em 17 de julho de 1936, comea a guerra. No Marrocos espanhol e nas ilhas Canrias, assume o comando do movimento rebelde o general Franco. Em 22 de julho, data prevista pelos golpistas para a vitria, a Espanha se encontra militarmente equilibrada: nenhum dos lados da contenda tem capacidade para derrotar imediatamente o oponente. Tropas estacionadas na frica, com 24 mil homens sob o comando do general Franco, as mais preparadas do Exrcito, uma vez transportadas para o centro do conflito desequilibrariam a contenda. Os golpistas vo pedir ajuda militar a Hitler e Mussolini. A Itlia envia para o Marrocos, no dia 29 de julho, doze bombardeiros Savia- 81, chegando apenas 9. Hitler, tambm em julho, envia 30 aeronaves de transporte Junkers JU-52. A partir da, a ajuda da Itlia e da Alemanha passou a ser constante. A Frente Popular, em julho de 1936, dissolve o Exrcito e distribui armas s milcias organizadas por sindicatos e partidos polticos. Ao no encontrar apoio da Inglaterra, da Frana ou dos EUA, pede ajuda URSS que comea a chegar em outubro de 1936.Os militares rebeldes no conseguiram alcanar seu objetivo principal que era Madrid, nem tambm no das cidades grandes como Barcelona, Valencia ou Mlaga, mas dominavam a metade do territrio espanhol, partes do norte, as cidades de Sevilha, Crdoba e Cdiz e diferentes lugares no interior rural. Durante 1937 as tropas de Franco foram alcanando objetivos cada vez mais importantes: Mlagafoi tomada em 8 de fevereiro,Bilbaoem 9 de julho; a maior parte da Cornija Cantbricatinha sido conquistada pelos nacionais em setembro. Aragon sucumbiu em maro de 1938. Ao final desse ano, depois de ser rechaada pelos franquistas a contra-ofensiva republicana do Ebro, Catalunha se derrubou. Em 1939 o exrcito franquista irrefrevel. Madri cai em 26 de maro. Com a queda deValencia eAlicanteem 30 de maro, e deMurciaem 31, a guerra termina em 1 de abril e se instaura o regime ditatorial de carter fascista, liderado pelo general Francisco Franco.

No pasarn! A defensa da culturaA base do regime franquista foi, como comenta Valentina Terescova, o Nacional-Catolicismo e o anticomunismo, criando um imaginrio mstico de uma cruzada dirigida pelo General Franco, que faria com que a Espanha resgatasse seu passado imperial de glria e poder, restituindo-a ao seu lugar de direito dentro da Europa. interessante assinalar que esse imaginrio imperial tambm vai ser resgatado pelos republicanos, mas com outro contedo ideolgico. No poema Madrid de Ral Gonzlez Tun, escrito em abril de 1937, quando mal tinha chegado capital espanhola, se mostra a necessidade de um novo descobrimento, atravessado pela Repblica. Lemos: Lgrima abierta, corazn adentro,estoy al fin bajo tus arcos mrtires.Descbreme otra vez! Yo soy Amrica.

Fundadora del 5 Regimiento,loba de las milicias iniciales,inventora del 7 de Noviembre,

sangre dadora universal tu sangre.Vengo directamente de tu tierra,estrictamente de tu sangre.

()

Capital del coraje, capitana,sin secretos, desnuda, sin orgullo,te apareces ahora con un vientode plvora final y nuevo mundo. (2011: 33)

A possibilidade de uma nova descoberta para Amrica e, portanto, a construo de um novo mundo aparecem para o poeta como dois fatos inseparveis do legado republicano que sustenta uma vida mais livre, sem classes sociais e sem normas de comportamento burgus. Madrid, capital da coragem, vai ensinar ao mundo a potncia revolucionria que se precisa para vencer ao fascismo ditatorial. Mas o poema no fica no abstrato. Dois momentos so explicitamente mencionados: a fundao do Quinto Regimento e a Batalha de Madrid em 7 de novembro. Se, por um lado, se faz aluso ao famoso corpo militar de voluntrios que defenderam Madrid ao comeo da Guerra e que tambm teve um importante trabalho social e cultural (j que muitos poetas e escritores comunistas estiveram recrutados); pelo outro lado, a Batalha de Madrid lembra sobre a defensa de Madrid frente s tropas sublevadas (do general Mola, general Varela e general Yages) que queriam ganhar a capital espanhola. A particularidade deste ltimo episdio que foi a primeira vez que foram bombardeados objetivos civis dentro de uma cidade. Esse novo modo de estratgia militar foi depois muito utilizado na Segunda Guerra Mundial, mas j nesse momento foi vista como a terrvel associao entre fascismo e barbrie, que derivou na ideia do ataque cultura. por isso que os escritores sustiveram sua defensa. Essa opinio se foi reforando ainda mais por trs episdios ocorridos em 1936: o assinado de Federico Garcia Lorca, o bombardeio que alcanou ao Museu do Prado e a discusso entre Miguel de Unamuno e o General Milln Astray, quem defendeu o fascismo a partir da exaltao da morte. Em Defensa da Cultura, Ral Gonzlez Tun afirma:No hay neutralidad posible. (...) [E]scritores de distintas tendencias estticas y polticas estn de acuerdo en que el fascismo brbaro y negativo es enemigo de la cultura y se opone a la dignificacin de la vida. () Somos militantes sin renunciar a ser artistas. () Saber que la revolucin en la vida supone la revolucin en el arte. Saber que la parte vital de la masa nos comprender siempre y la otra slo ser elevada al arte por la transformacin de la sociedad que le imponga nuevas condiciones de vida. (2011: 198-201)

Na sua estadia em Madrid, Gonzlez Tun combina a literatura com suas visitas aos frentes do Jarama e Utrera, a Barcelona e Valencia. A letra no se ope militncia. Tudo o contrrio. A vanguarda esttica inseparvel da vanguarda poltica porque ambas tm um mesmo fim: a emancipao esttica e social da humanidade. A revoluo contamina tudo com sua fora vital. Mas essa revoluo se faz com o fuzil e com a pluma, como se deixa ler na ltima parte do poema Madrid: De todas partes hacia ti venimoscon fusiles o versos a tus muros.Flamante capital de todas partesnovia del mundo! (2011: 34)

Escrever a guerra e escrever na guerra. Forma e contedo se encontram atravs da confiana em que a poesia possa exercer uma decisiva interveno nas prticas sociais. Ensinar ao povo analfabeto a importncia da cultura do livro e o doutrinamento poltico popular. No entanto, Gonzlez Tun, como outros poetas latino-americanos (Pablo Neruda, Csar Vallejo y Vicente Huidobro) no renunciam as conquistas formais dos seus anos de vanguarda. Tudo o contrrio. Eles sabem, como dizia Maiakovsky, o poeta da Revoluo Rusa, que sem forma revolucionria, no tem arte revolucionrio.

Concluso: o poeta testemunhaNeste trabalho no pudemos fazer um analise do livro inteiro de Ral Gonzlez Tun, La muerte en Madrid, e somente nos concentramos no poema Madrid para mostrar no s a importncia da Guerra Civil Espanhola na Argentina, mas tambm a nova figura que a revoluo traz nesses anos: o poeta militante que fala pelo povo, pelos aqueles que no podem faz-lo. O poeta testemunha atravs de sua fe revolucionria e conta sua verdade: a possibilidade de um mundo novo menos opressivo que aparece no seu presente com o bando republicano que canta:Ya llegar el da de nuestra victoria;la Paz por el mundo se pasear,talleres y campos cantando la gloriade los que cayeron por la libertad.Somos los campesinos,hoy somos los soldados.Adelante!Gritan nuestros fusiles,gritan nuestros arados.Adelante!Adelante! Adelante!BibliografiaALMEIDA, ngela M., Revoluo e Guerra civil na Espanha, So Paulo, Brasiliense, 1981.BLINKHORN, Martin, A guerra civil espanhola, tica, So Paulo, 1994.GONZLEZ TUN, Ral. La muerte en Madrid. Las puertas del fuego. 8 documentos de hoy. Rosario, Beatriz Viterbo editora, 2011. OLIVEIRA MACHADO, Evandro de. Guerra Civil Espanhola, em http://www.mortalcombate.net/guerracivilespanhola.pdfTERESCOVA VELEDA, Valentina. A Espanha sob o regime franquista: do isolamento aceitao internacional (1939 1953), em Abro, Janete (org.). Espanha. Poltica e Cultura. Porto Alegre, Edipucrs, 2010.

7