“pobreza reina na área mais protegida do pará” - o estado de são paulo

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Ociosidade Castanha, ganha-pão na região, só rende 3 meses de trabalho PLANETA Endêmicas Calha Norte tem maior nº de espécies da Amazônia SUSTENTABILIDADE & MEIO AMBIENTE Levantamento do instituto de pesquisa Imazon na região da Calha Norte, no norte do Pará, mostra que embora ela seja a mais protegida é também uma das mais pobres do Estado; para especialistas, exemplo mostra que é preciso avançar em soluções que possibilitem um desenvolvimento sustentável aliado à floresta para que ela possa permanecer preservada Pág. 3 Pág. 4 Floresta rica, população pobre http://www.estadão.com.br/planeta ILUSTRAÇÃO FARRER/ESTADÃO FOTOS: EVELSON DE FREITAS/ESTADÃO H1 QUARTA-FEIRA, 20 DE FEVEREIRO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO

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“Pobreza reina na área mais protegida do Pará” - O Estado de São Paulo

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OciosidadeCastanha, ganha-pão na região,só rende 3 meses de trabalho

PLANETAEndêmicasCalha Norte tem maior nºde espécies da Amazônia

SUSTENTABILIDADE& MEIO AMBIENTE

Levantamento do instituto de pesquisa Imazon naregião da Calha Norte, no norte do Pará, mostra que embora ela

seja a mais protegida é também uma das mais pobres doEstado; para especialistas, exemplo mostra que é preciso avançarem soluções que possibilitem um desenvolvimento sustentável

aliado à floresta para que ela possa permanecer preservada

Pág. 3Pág. 4

Floresta rica,população pobre

http://www.estadão.com.br/planeta

ILUSTRAÇÃO FARRER/ESTADÃO

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H2 Especial QUARTA-FEIRA, 20 DE FEVEREIRO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO

PLANETA

Giovana GirardiCALHA NORTE (PARÁ)

Se o desmatamento gera pobre-za nas cidades e comunidades aoseu entorno, tampouco a conser-vação da floresta por si só temconseguido garantir um quadroeconômico melhor. A regiãomais preservada e protegida doPará é também uma das mais po-bres do Estado. É o que mostraum levantamento do instituto depesquisa Imazon divulgado hojee obtido com exclusividade peloEstado. O trabalho identificouque os indicadores socioeconô-micos da CalhaNorte sãoinferio-resaosda média do Estado emos-tra que é preciso avançar muitoem soluções que possibilitemum desenvolvimento sustentá-vel aliado à floresta para que elapossa permanecer preservada.

A região, localizada ao nortedo Estado, à margem esquerdado Rio Amazonas, tem 27 mi-lhões de hectares e abriga cercade 321 mil pessoas (mais informa-ções na pág. H4). Remota, corta-da por rios com vários trechosnão navegáveis, acabou ficandofora do alcance do desenvolvi-mento e do arco do desmate. Até2011, só 5% desse território haviasido desmatado, contra uma mé-dia de 20% do resto do Estado.

Caso raro no Brasil, foi protegi-da pelos governos federal e esta-dual de modo preventivo. Hoje,74% da área é composta poráreas protegidas (unidades deconservação e terras indígenas).Mas a proteção e a riqueza de bio-diversidade ainda não se traduzi-ram em melhores condições devida para a população.

Em geral, o próprio Pará se en-contra em situação mais precá-ria que os outros Estados. O PIBper capita médio, de R$ 7.993 em2008, de acordo com os últimos

dados do IBGE, o deixava na 22.ªposição no ranking nacional. Me-nor do que a média para toda aAmazônia Legal (R$ 11.200). Jámunicípios da Calha Norte apre-sentaram média de R$ 6.155.

Os indicadores sociais tam-bém são ruins, segundo o levan-tamento. Por exemplo: somente11% dos domicílios da região têmsaneamento adequado (IBGE,2010). A média do Pará era de19% e a da Amazônia Legal, 24%.O Índice Firjam de Desenvolvi-mento Municipal reforça o retra-to. Numa classificação que vai de0 (baixo estágio de desenvolvi-mento) a 1 (alto estágio), os mu-nicípios da Calha Norte ficaram,em média, com nota 0,533. As mé-dias do Pará (0,628) e da Amazô-nia Legal (0,658) os colocam emdesenvolvimento moderado.

Antes do ‘boom-colapso’. ParaAdalberto Veríssimo, pesquisa-dor sênior do Imazon e um dosautores do estudo, a ocorrênciade indicadores baixos era espera-da pelas características da re-gião: muito grande, muito afasta-da, com pouca gente. Mas é dife-rente de outras regiões do Paráque sofreram com o processoque ficou cunhado como “boom-colapso” – na onda do desmata-mento, num primeiro momentoocorre um rápido e efêmero cres-cimento de renda e emprego, se-guido depois de um colapso so-cial, econômico e ambiental.

“A Calha Norte é pobre, mastem pouca violência, não tem mi-séria como vemos nas regiões de-vastadas pelo desmatamento.Os indicadores do Estado são su-periores, mas porque estamos fa-lando da média. Nesses locaiseles são bem piores”, diz.

“Ao criarem áreas protegidase chegarem na Calha Norte an-tes do problema, os governos fe-deral e estadual tiveram uma vi-são estratégica. O desafio agoraé como fazer com que essas am-plas reservas tragam uma opor-tunidade e não um estorvo eco-nômico para as populações”, afir-ma. E agir rápido, com uma “es-tratégia de vacina”, como defi-

niu Veríssimo, para impedir quea região cometa os mesmos er-ros de outras e tenha o velho mo-delo econômico de desmatamen-to que só leva a mais pobreza.

“A realidade é que a área semantém preservada porque o de-senvolvimento não chegou. Masestá começando. Linhas de trans-missão estão sendo instaladaspara levar energia até Manaus,os prefeitos querem empreendi-mentos”, comenta Carlos Augus-to Ramos, gerente da regional deSantarém do Instituto ChicoMendes de Conservação da Bio-diversidade (ICMBio), órgão res-ponsável pela gestão das UCs fe-derais. “Por isso a hora é de discu-tir qual seria o desenvolvimentoadequado para a região.”

O estudo mostrou que a re-gião não tem aptidão agrícola. Avocação é manter a floresta, quepode gerar renda com o manejode madeira e outros produtos(como castanha e óleo de copaí-ba), e os serviços ambientais.Num primeiro momento, por-tanto, a atividade mais fácil a seinvestir é nas concessões flores-tais, que já começaram, mas ain-da de modo discreto. Elas po-dem geram renda para as comu-nidades e para os municípios.

Outra riqueza ainda ativa é amineral, em especial a bauxita,

com a qual se produz a alumina.Na vila de Porto Trombetas, nomunicípio de Oriximiná, a Mine-ração Rio do Norte atua desde ofim dos anos 1970. A Reserva Bio-lógica do Rio Trombetas e poste-riormente a Floresta NacionalSacará-Taquera foram criadasem torno da área de exploração.Numa política que na época ti-nha mais a ver com a proteção dominério que do ambiente. Masque acabou servindo para con-trolar a atividade e estabeleceras regras de recuperação do am-biente, de modo que hoje ela é“mais uma solução que um pro-blema”, como define Veríssimo.

São os royalties da mineração,que vão para Oriximiná, que pos-sibilitaram que a cidade seja amais rica da região. Mesmo as-sim há problemas como falta desaneamento adequado – só 29%dos domicílios o têm.

Em entrevista ao Estado, o vi-ce-prefeito Antonio Odinélio(PV) se queixou da falta de repas-se do governo federal, mas admi-tiu que de fato não se investiu naárea. Seu grupo governa a cidadehá oito anos.

PobrezareinanaáreamaisprotegidadoParáCom 74% de seu territóriopreservado e protegido, aregião da Calha Norte trazpoucas alternativas derenda para a população

A REPÓRTER E O FOTÓGRAFO

VIAJARAM A CONVITE DO IMAZON

Desafio estratégico

ONDE FICA

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

AM

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CALHA NORTE

Oriximiná

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RIO AMAZONAS

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RIO XINGU

OCEANOATLÂNTICO

0 200km

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Belém

O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 20 DE FEVEREIRO DE 2013 Especial H3

Dentro da floresta

S ubindo o Rio Trombe-tas em direção ao Ma-puera, o condutor davoadeira de repente pa-

ra e pede para os passageiros des-cerem. Ali mesmo, no meio dorio. As rochas que se elevam na-quele trecho até a linha d’águasó permitem a passagem a pé.Enquanto tentamos andar des-calços sobre as pedras pontiagu-das e quentes, o experiente bar-queiro segue puxando a voadei-ra por entre os obstáculos.

São barreiras físicas como es-sas que atraíram para lá quilom-bolas há mais de 200 anos fugi-dos de fazendas em Santarém eÓbidos. Só eles e os indígenasque já viviam ali conseguem dri-blar as corredeiras e cachoeirasque se espalham pelos rios daCalha Norte. Embarcação gran-de não passa até hoje, que dirána época da escravidão.

Além de refúgio, foi além da-quela região acidentada que os

quilombolas encontraram osmelhores castanhais. Até hojeos moradores de Cachoeira Por-teira, que leva este nome por fi-car no limite do trecho navegá-vel do rio, transpõem as cachoei-ras para colherem castanha.

Por três meses, de março a ju-nho – às vezes um pouco antesou depois, dependendo do iní-cio das chuvas –, esses remanes-centes de quilombolas acam-pam nos castanhais e coletam tu-do que podem, enchendo repeti-das vezes o paneiro (cesto comalças que levam nas costas), quesuporta até 40 kg de castanhas.

“A gente leva só farinha, sal,café e açúcar. Às vezes tem deandar duas horas até chegar aocastanhal, pulando tronco e, de-pois, na volta para o barraco,tem de enfrentar carapanã (mos-quito da malária). Por isso a gen-te vai gordo e volta magrinho”,brinca Nelson da Silva Adão.

“Três coisas são importantes:

chuva, sol e vento”, conta JoãoPaulo Melo dos Santos. “A chu-va molha o ouriço e ele fica maismole, aí o sol seca e o vento der-ruba. A gente pega tudo o queestá no chão e leva para longe dacastanheira para só então abriros ouriços, se não corre o riscode levar um na cabeça.”

Um termo de responsabilida-de feito com a regional do ICM-Bio permite que os quilombolascoletem também na Rebio doRio Trombetas, que fica ao ladoda comunidade e tem os melho-res castanhais. Por lei eles nãopodiam entrar lá, mas como jáocupavam a área antes da cria-ção da unidade, em 1979, con-quistaram o direito de fazer umextrativismo controlado.

Praticamente 100% da rendade Cachoeira Porteira vem dacastanha. Fora de sua época, po-rém, não há muito o que fazer.Alguns cultivam uma rocinha,outros pescam, “mas a maioriafica andando de um lado para ooutro, bebendo umas”, comoconta Adriane Cordeiro do Car-mo, de 23 anos, moradora emembro do conselho de fiscali-zação da comunidade.

Além da falta de ocupação, osmoradores se queixam da frágilinfraestrutura, principalmentedos problemas causados por fal-ta de energia. Assim como ocor-re na maioria das cidades da re-gião, energia lá é à base de diesel.E o combustível para abastecergeradores normalmente é doa-do pela prefeitura. Se por algummotivo ele falta, não dá nem pa-ra pegar água do poço. Aí não sãoraros casos de diarreia.

A malária de tempos em tem-pos ataca e não existe um postode saúde, somente um agentetreinado para checar no micros-cópio o sangue dos moradores.Mas também não há remédios.Para ir até o centro urbano deOriximiná, são cerca de 12 horasde viagem. E nem sempre há bar-co público disponível. Um parti-cular cobra R$ 50 a viagem.

Um dos mais velhos morado-res da comunidade, Valdemardos Santos, de 78 anos, vê tam-bém diferença na abundânciados recursos. “Castanha não dámais como antes, as árvores no-vas não viçam como as de antiga-

mente”, lembra. “E a gente co-mia era muita tartaruga. É a co-mida melhor que tem.”

A Rebio foi criada justamentepara garantir a reprodução e pre-servar o animal, que estava seextinguindo. A caça foi proibida.“A população cresceu muito,acabou com as tartarugas. Sintofalta de comer, mas digo para opessoal do Ibama: se não fossemvocês, aí que já tinha acabado tu-do mesmo.” Mas apesar das difi-culdades, Santos contemporiza.“Pelo menos estamos melhor doque na cidade. Pro pobre lá é dife-rente. Lá se a pessoa não traba-lha, não come, não vive.” / G.G.

CALHA NORTE

No mítico Rio Nhamundá, ondeo conquistador espanhol Fran-cisco de Orellana teria avistadono século 16 as famosas amazo-nas, guerreiras que nomearam to-da a região, vive uma comunida-de que parece ter perdido a cora-gem de seus supostos ancestrais.

Os ribeirinhos da comunida-de Português refletem as condi-ções precárias do municípiomais pobre da Calha Norte, o Fa-ro. Em 2008, segundo o IBGE, oPIB per capita da cidade foi deapenas R$ 1.928 por ano, ou R$160 por mês, contra um valor mé-dio da região de R$ 6.155.

No Português, que fica dentroda Floresta Estadual do Faro, en-contramos uma comunidadequase fantasma, com casas fecha-das e população desanimada. So-mente Luiz Cortez de Moura, de89 anos, o primeiro a chegar aolocal há mais de 30 anos, conver-sou com a reportagem.

“Isso aqui (a terra) eu não com-prei, vim para cá atrás de casta-nha e quando cheguei me agra-dei, porque dava tudo, milho,mandioca, banana, feijão. Boteigado. Aí veio essa arrumação daSema (Secretaria do Meio Ambien-te) e me atrapalhou muito”, re-clama sobre a criação da unidadede conservação.

O plano de manejo da Flota,publicado em 2001, permite ro-

ça, mas não gado, então houveum acordo para que a comunida-de diminuísse o rebanho ao lon-go de cinco anos, enquanto bus-cava uma alternativa econômica,até eliminá-lo completamente.

“Já foram discutidas as regrasde uso do local. Eles podem, porexemplo, abrir roçado, preferen-cialmente em área degradada.Os termos foram apresentados,mas a verdade é que não vem nin-guém para ajudar a trazer as al-ternativas”, afirma Jakeline Pe-reira, do Imazon. A gestão dasunidades de conservação esta-duais está em Belém (mais infor-mações na pág. H04).

O maior problema é que semessa gestão, a comunidade estásofrendo com a invasão de ma-deireiros e de pescadores de ou-tras regiões. “Puseram essa pla-ca (com o nome da flora) aqui nafrente, mas não tá preservado na-da. Placa não anda nem fala. Dis-seram que ia aumentar o pesca-do quando foi criada, o que au-mentou foi a pescaria de gentede fora”, diz Moura. “Lei dá alter-nativa, mas cadê recurso? Senem merenda chega.”

No desespero, às vezes os mo-radores ligam para Jakeline edão a ficha completa dos madei-reiros, mas mesmo ela acionan-do a fiscalização, hoje a priorida-de do governo é combater os fo-cos de desmatamento na regiãocentro-oeste do Estado. / G.G.

● Localizada em parte na Flores-ta Estadual (Flota) do Trombetase parte na Reserva Biológica doRio Trombetas, a comunidadeCachoeira Porteira pede que suaárea seja reconhecida como ter-ra quilombola, título privado quefaria com que o local deixassede ser área protegida. De acordocom os líderes quilombolas, oobjetivo é poder investir em turis-mo de pesca esportiva. Mas oassédio de madeireiras tentandoentrar na área já é grande hoje.

Jakeline Pereira, pesquisado-ra do Imazon e coordenadorade projetos na Calha Norte, expli-ca que madeireira só não entra

hoje porque eles estão numaunidade de conservação que,apesar de não ter gestão, temmonitoramento por satélite. E acomunidade está a menos demeia hora de uma base do ICM-Bio. Por ali não tem como pas-sar um barco com madeira semser visto. Mas se for privatizada,a decisão sobre o que fazer coma terra seria dos quilombolas.

O Imazon defende a recatego-rização da Flota em Resex (Re-serva Extrativista), modelo deunidade de conservação em queaumentam as possibilidades deuso dos produtos florestais enão florestais. De todo modo,lembra Jakeline, hoje a Flota jápermite o turismo com controle.Sem gestão, no entanto, os mo-radores parecem nem saber quepodem fazer, muito menos co-mo. O assunto está sendo discu-tido com a população. / G.G.

Comunidade carentesofrecom invasões

www.estadão.combr/e/calhanorte

Foto e vídeo. A região e seu povo Mapa. Detalhes da Calha Norte

Comunidade pedetítulo de terraquilombola

UMA VIDA ÀESPERA DACASTANHAQuilombolas de Cachoeira Porteira passam trêsmeses no extrativismo e o resto do ano no ócio

Texto. Alternativas econômicas

estadão.com.brFO

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Pobreza.ComunidadePortuguês,no municípioFaro – omais pobreda CalhaNorte –, quetem rendaper capita deR$ 160/mês

Na floresta.Criança deCachoeiraPorteira:comunidadeluta porstatus deterraquilombola

Descanso.Barco levaoito horasno percursoentreOriximiná eSantarém;viajantesdormem emredes

Força.João PauloMelo dosSantosmostracastanhas;cesto quecarrega frutoguarda até40 quilos

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H4 Especial QUARTA-FEIRA, 20 DE FEVEREIRO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO

CALHA NORTE

O principal desafio dos gover-nos e do Consórcio Calha Norte(grupo de entidades que auxi-liou na criação dos planos de ma-nejo) para a região é impulsionara gestão das unidades de conser-vação, em especial as de uso sus-tentável, para possibilitar queelas de fato colaborem com o de-senvolvimento.

O problema, como aconteceem praticamente toda a Amazô-nia é que, mesmo com planos demanejo criados (8 das 11 unida-des já têm), falta implementa-ção. E no caso do Pará – cujomaior problema ambiental ain-da é o desmatamento e os esfor-ços são mais concentrados noseu combate e em fiscalização –,

a atenção para uma área que estápreservada e protegida podesoar como algo que não precisade uma ação imediata.

Tanto que até hoje a gestãodas unidades estaduais é feita re-motamente a partir de Belém. Oassunto, no entanto, é urgentejustamente para evitar que a me-dida preventiva não acabe se per-dendo. A boa notícia é que ao me-nos de falta de verba para mudaresse cenário o governo não podese queixar.

Um outro levantamento doImazon divulgado no início domês revelou que a compensaçãoambiental que deveria ser pagapor obras de infraestrutura licen-ciadas no Estado, como hidrelé-tricas, estradas e empreendi-mentos de mineração, poderiarender pelo menos R$ 720 mi-lhões, podendo chegar a até R$2,2 bilhões. Esse dinheiro existe,basta ser cobrado.

A taxa, que pode ser de 0,5% a2% do valor do empreendimen-to, é prevista no Sistema Nacio-

nal de Unidades de Conservaçãopara ser destinada a unidades deconservação de proteção inte-gral, como parques, estações eco-lógicas e reservas biológicas. Osrecursos podem ser usados tam-bém nas unidades de uso susten-tável que estejam no entornodas de proteção integral, que é ocaso das florestas estaduais e na-cionais da Calha Norte.

De acordo com Paulo Altieri,diretor de Áreas Protegidas daSecretaria do Meio Ambiente, oórgão já está pensando nesse di-nheiro para promover uma rees-truturação que deve criar um ins-tituto de biodiversidade e áreasprotegidas – nos moldes do ICM-Bio nacional. O plano, que estásendo desenhado pelo Executi-vo e precisa ser aprovado peloLegislativo, é ter isso concluídoaté o final do ano. E em 2014 pro-mover um concurso para contra-tar pessoas que possam atuar di-retamente em bases nas unida-des de conservação estaduais

Outro departamento que está

olhando para a Calha Norte é oPrograma Municípios Verdes doPará. Criado em 2011 para com-bater o quadro de devastação noEstado e ao mesmo tempo forta-lecer uma produção rural maissustentável a fim de diminuir apressão sobre a floresta, começaa voltar sua atenção para a tercei-ra parte da equação: apoiar osmunicípios de base florestal, co-mo são os da região.

“A maior dificuldade é que nes-ses locais ainda não existe a vi-são de que floresta é sinônimode desenvolvimento. Em geralse pensa que as unidades de con-servação criadas ali só engessa-ram a economia”, afirma Justi-niano Netto, secretário do pro-grama. “Nos últimos anos, quan-do visito as cidades que estão nalista das maiores desmatadores,tenho falado mal do desmata-mento. Na Calha Norte, eu preci-so falar bem da floresta”, comen-ta sobre a nova tarefa.

A ideia é capacitar o municípioem atividades de economia flo-

restal, em especial para os pro-cessos de concessão, que autori-zam por um período de 30 anos aretirada controlada de madeira.

“Mas não queremos só que em-presas concorram para fazer is-so. A ideia é investir nas comuni-dades, que elas próprias possamfazer esse manejo. O que hoje édifícil, porque o processo é bas-tante trabalhoso e burocrático.Mas queremos criar estímulo,simplificando o processo paraos projetos pequenos”, explicaNetto. Mais uma vez é o dinheiroda compensação ambiental quepoderia ser aproveitado.

Mosaico. Outra política que es-tá sendo pensada para a região éa integração das unidades de con-servação federais e estaduais emum grande mosaico voltado paraa conservação e o desenvolvi-mento sustentável.

“É pensar a política pelo terri-tório, olhar além das unidadesde conservação e ver o entorno,o horizonte. Ali temos um gran-

de maciço de 20 milhões de hec-tares, independentemente deser terra federal ou estadual. Ummosaico permitiria ações con-juntas”, defende Carlos AugustoRamos, gerente da regional deSantarém do ICMBio, órgão res-ponsável pela gestão das UCs fe-derais. “Temos de agir antes dofuração chegar. E ele vai chegar.”

O modelo já funciona na Terrado Meio e é bem-visto pelo gover-no do Estado, segundo Altieri.“Daria mais solidez para a gestãoda região”, diz. Por enquanto, po-rém, o tema não foi discutido pe-las duas instâncias.

Adalberto Veríssimo, do Ima-zon, lembra que a situação da Ca-lha Norte se repete em outras re-giões remotas da Amazônia quepermanecem preservadas. “Agente tende a olhar para ondetem desmatamento e violência,mas mais de 50% da Amazônia éassim. E temos de lidar com es-sas regiões que não têm proble-ma ambiental, mas têm proble-ma social.” / GIOVANA GIRARDI

PLANETAVerba esquecida

Falta de gestão barra desenvolvimento

Região temmaior nºdeespécies endêmicas

CALHA NORTE

“A Calha Norte conseguiu man-ter longe de si o agronegócio, asestradas e o desmatamento, mastambém os cientistas.”A declara-çãodo ornitólogo Alexandre Alei-xo traduz bem o quadrode desco-nhecimento biológico que haviasobre a região até bem poucotempo atrás.

O primeiro levantamento dabiodiversidade que existe na por-ção mais preservada do Pará sófoi feito entre 2008 e 2009. Doisanosantes,ogoverno estadualha-via decidido criar cinco unidadesde conservação (UCs) na região,masprecisava deinformações so-bre quantas espécies vivem ali ecomo elas se distribuem para ela-borar planos de manejo e políti-cas de preservação. Foi a deman-da que incentivou a pesquisa.

Sob coordenação de Aleixo,uma equipe do Museu ParaenseEmílio Goeldi partiu, então, nu-

ma maratona de sete expedições,ao longo de 12 meses. Além decontabilizar alguns milhares deespécies de fauna e flora que seespalham pelos 13 milhões dehectares das cinco UCs, o inven-tário mostrou que a região temuma peculiaridade. Ela apresen-ta o maior número de espéciesendêmicas de toda a Amazônia.

“Em termos de biodiversida-de,a parteoeste da Amazônia,en-tre os Rios Negro e Madeira, ten-de a apresentar uma maior rique-za de aves, primatas, peixes, bemmais que a Calha Norte. Mas elatem um grande número de espé-cies que só ocorrem ali. O que sig-nifica que programas de conser-vação têm de ser muito específi-cos para elas”, explica Aleixo.

Considerando ahistória geoló-gica da Amazônia, a Calha Norteé uma das áreas onde a floresta émais antiga. “Até 500 mil anosatrás, esse tipo de vegetação nãocobria toda a Amazônia. Aindahavia muito Cerrado, Caatinga.E o que hoje conhecemos comoCalha Norte serviu como um re-fúgio que abrigava várias espé-cies. Quando a floresta passou aocupar todo o espaço, as espé-cies migraram dali para povoartoda a região”, diz o pesquisador.

Ao todo, o trabalho registroucerca de mil espécies em cadauma das expedições, mas muitas,obviamente, ocorrem em maisde um ponto. A análise posteriorque ainda está sendo feita devefechar entre 2 mil e 2,5 mil espé-cies os habitantes da área estuda-da. Só de plantas, são mais de mil,sendo 30% endêmicas. Entre afauna, as aves são o grupo maisnumeroso, com cerca de 700 es-pécies – 20% delas endêmicas.

A investigação do material co-letadotambém járesultou na des-crição de três novas espécies: umpeixe (Stenolicmus ix, um tipo debagre) e um anfíbio (Microcaeci-lia trombetas, um tipo de cobra ce-ga) já publicados, e mais um anfí-bio ainda no prelo. “Foi avistadotambém o que imaginamos serum novo primata, mas não foipossível capturar o animal parainvestigar. E é só o começo. Nos-sa expectativa é que mais novida-de vem aí pela frente.”

Pedras no caminho. O quemanteve pesquisadores por tan-tos anos longe da Calha Norte fo-ram os mesmos obstáculos quetêm mantido o desmatamentoafastado da região. É muito difí-cil chegar lá. Os rios da região

são, em vários trechos, cheios depedra, com corredeiras e até ca-choeiras. Por eles, barcos gran-des ou médios não passam. Só ín-dios e quilombolas experientes abordo de voadeiras estreitas.

Helicóptero. Para romper esseisolamento, os cientistas doGoeldi tiveram de viajar de heli-cóptero, oferecido pela minera-dora Rio Tinto. A ONG Conser-vação Internacional financiougastos com alimentação e mate-riais. Assim grupos de 30 a 40 pes-soas, entre pesquisadores e equi-pe de apoio, puderam ser deslo-cados para as sete áreas remotasda margem esquerda do Rio Ama-zonas. “Honestamente, quandoa Secretaria de Meio Ambienteencomendou o estudo, acheique a gente não conseguiria fa-zer”, conta Aleixo.

Os primeiros a chegarem eramtrabalhadores que basicamenteeram deixados no meio da matafechada para abrir picadas e fazerumaclareira para queo helicópte-ro pudesse descer. Depois elesabriam quatro trilhas de cincoquilômetros em forma de cruz,que é a área que seria inventaria-da pelos pesquisadores.

Eram duas semanas só parapreparar o acampamento. De-pois mais duas semanas para fa-zer o levantamento. E toca correrpara o próximo local de trabalho,no que Aleixo brincou ser um “re-gime de expedição permanente”.Foi rápido, e até curto pelo tama-nho da área, mas foi o primeiropasso para preencher a maior la-cunaque haviasobre a biodiversi-dade da Amazônia. / G.G

IMENSIDÃO VERDE

27milhões de hectaresé a área da Calha Norteparaense (22% do Estado,equivale a São Paulo eAlagoas juntos)

20,1milhões de hectares(74% da região) são deáreas protegidas, em umtotal de 15 distribuídas en-tre terras indígenas e unida-des de conservação (UCs) *

320,6mil pessoas(1,14 hab/km2) vivem naregião, que é divididapoliticamente em novemunicípios: Alenquer,Almeirim, Curuá, Faro,Monte Alegre, Óbidos, Orixi-miná, Prainha e Terra Santa

8das 11 UCs já possuemplanos de manejoaprovados até 2012

Sete expedições partiramdo museu Emílio Goeldipara contabilizar fauna eflora nas cinco unidadesde conservação

Desafio é implementaros planos de manejo;verba de pelo menos R$720 mi da compensaçãoambiental pode resolver

FOTO S: EVELSON DE FREITAS/ESTADÃO

Isolada. Floresta submersa perto da comunidade Português

* Junto com outras do Amapá eAmazonas, formam o maiorcorredor ecológico do mundo

Barreira. Corredeiras impedem grandes expedições pelos rios

Recursos.Royalties damineraçãofazem deOriximiná omunicípiomais rico daCalha Norte