pleuropneumonia suína causada por actinobacillus

6
193 ARTIGO DE REVISÃO Resumo: A pleuropneumonia suína, causada por Actinobacillus pleuropneumoniae é uma das mais importantes doenças respira- tórias dos suínos. A sua importância deriva das perdas económi- cas (a pneumonia pode resultar em morte), redução da produção, aumento do índice de conversão e custos associados à terapêuti- ca e profilaxia. Está normalmente associada à produção intensi- va, estando a sua gravidade relacionada com factores ambientais e de maneio. O diagnóstico baseia-se no isolamento e identifi- cação do agente a partir de lesões características, recorrendo às técnicas utilizadas tradicionalmente em laboratório. As provas serológicas são o método de eleição no estudo epidemiológico de um efectivo, sendo essenciais para o estabelecimento de me- didas rápidas de controlo baseadas na erradicação de animais seropositivos. As provas fundamentadas na genética apresentam- se muito prometedoras, contudo, não parecem ser práticas nem económicas para o processamento de grande número de amos- tras. Todas as estratégias que visem o controlo da doença, devem centrar-se no seu carácter multifactorial. Como tal, os esforços desempenhados não devem recair apenas sobre o agente infec- cioso, mas, sim, ter em atenção todos os factores determinantes envolvidos. Através da epidemiologia analítica (ecopatologia), foram identificados 11 factores de risco com relação com o am- biente e o maneio que reproduzem um conjunto de interacções que induzem a doença. Palavras-Chave: pleuropneumonia suína, Actinobacillus pleu- ropneumoniae, diagnóstico, controlo Summary: Pleuropneumonia due to Actinobacillus pleurop- neumoniae is one of the most important respiratory diseases of swine, because it causes economical losses as death, production decrease, and increase wastes associated with therapeutic and prophylaxis. The disease is related with intensive rearing and its gravity is associated with environmental and handling factors. Diagnosis is made by isolation and identification of the etiologi- cal agent in typical lesions. Serological tests are the best option for an epidemiological study of herds, and detection of the agent by genetic tests is very promising. All control strategies must be oriented to a multifactorial process, paying attention to all deter- minants factors due to the ecopatological nature of the disease. Keywords: pleuropneumonia, Actinobacillus pleuropneumoni- ae, diagnosis, control Introdução A pleuropneumonia, causada por Actinobacillus pleuropneumoniae é uma das mais importantes doen- ças respiratórias suínas que ocorre em quase todos os países, acarretando elevadas perdas económicas em to- das as idades. A sua importância deriva, não somente, do facto da pneumonia poder conduzir à morte, mas também da redução da produção, aumento do índice de conversão e custos associados à terapêutica e profilaxia (Taylor, 1999). A doença está normalmente associada com a produção intensiva, estando a sua gravidade re- lacionada com factores ambientais e de maneio. O diagnóstico desta doença baseia-se no isolamento e identificação do agente a partir de lesões característi- cas, recorrendo às técnicas utilizadas tradicionalmente em laboratório. As provas serológicas são o método de eleição quando se pretende obter informação sobre o estado epidemiológico de um efectivo, sendo essenciais para o estabelecimento de medidas rápidas de contro- lo baseadas na erradicação de animais seropositivos. As provas fundamentadas na genética apresentam-se muito interessantes, contudo, não parecem ser práticas nem económicas para o processamento de grande nú- mero de amostras. Todas as estratégias que visem o controlo, devem centrar-se no facto de que esta doença tem carácter multifactorial. Como tal, os esforços desempenhados não devem recair apenas sobre o agente infeccioso, mas antes, ter em atenção todos os factores de risco envolvidos, isto é a epidemiologia analítica (ecopato- logia) na qual se encontram identificados 11 factores de risco: quatro factores eminentemente ambientais, quatro de maneio e três de índole sanitária (Perestrelo- Vieira et al., 2000). Etiologia O agente etiológico, Actinobacillus pleuropneumo- niae (Haemophilus pleuropneumoniae, Haemophilus Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus pleuropneumoniae – diagnóstico e estratégias de controlo Swine pleuropneumonia due to Actinobacillus pleuropneumoniae – diagnosis and strategies of control A. C. Coelho*, F. J. Vieira-Brito, M. G. Vieira-Brito e J. Rodrigues Departamento de Ciências Veterinárias, CECAV, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5001-911 Vila Real * Correspondência: e-mail [email protected]

Upload: donguyet

Post on 08-Jan-2017

222 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus

193

� � � � � � � � � � � � � � � � � ���

���������������������

ARTIGO DE REVISÃO

Resumo: A pleuropneumonia suína, causada por Actinobacillus pleuropneumoniae é uma das mais importantes doenças respira-tórias dos suínos. A sua importância deriva das perdas económi-cas (a pneumonia pode resultar em morte), redução da produção, aumento do índice de conversão e custos associados à terapêuti-ca e profilaxia. Está normalmente associada à produção intensi-va, estando a sua gravidade relacionada com factores ambientais e de maneio. O diagnóstico baseia-se no isolamento e identifi-cação do agente a partir de lesões características, recorrendo às técnicas utilizadas tradicionalmente em laboratório. As provas serológicas são o método de eleição no estudo epidemiológico de um efectivo, sendo essenciais para o estabelecimento de me-didas rápidas de controlo baseadas na erradicação de animais seropositivos. As provas fundamentadas na genética apresentam-se muito prometedoras, contudo, não parecem ser práticas nem económicas para o processamento de grande número de amos-tras. Todas as estratégias que visem o controlo da doença, devem centrar-se no seu carácter multifactorial. Como tal, os esforços desempenhados não devem recair apenas sobre o agente infec-cioso, mas, sim, ter em atenção todos os factores determinantes envolvidos. Através da epidemiologia analítica (ecopatologia), foram identificados 11 factores de risco com relação com o am-biente e o maneio que reproduzem um conjunto de interacções que induzem a doença.

Palavras-Chave: pleuropneumonia suína, Actinobacillus pleu-ropneumoniae, diagnóstico, controlo

Summary: Pleuropneumonia due to Actinobacillus pleurop-neumoniae is one of the most important respiratory diseases of swine, because it causes economical losses as death, production decrease, and increase wastes associated with therapeutic and prophylaxis. The disease is related with intensive rearing and its gravity is associated with environmental and handling factors.Diagnosis is made by isolation and identification of the etiologi-cal agent in typical lesions. Serological tests are the best option for an epidemiological study of herds, and detection of the agent by genetic tests is very promising. All control strategies must be oriented to a multifactorial process, paying attention to all deter-minants factors due to the ecopatological nature of the disease.

Keywords: pleuropneumonia, Actinobacillus pleuropneumoni-ae, diagnosis, control

Introdução

A pleuropneumonia, causada por Actinobacillus pleuropneumoniae é uma das mais importantes doen-ças respiratórias suínas que ocorre em quase todos os países, acarretando elevadas perdas económicas em to-das as idades. A sua importância deriva, não somente, do facto da pneumonia poder conduzir à morte, mas também da redução da produção, aumento do índice de conversão e custos associados à terapêutica e profilaxia (Taylor, 1999). A doença está normalmente associada com a produção intensiva, estando a sua gravidade re-lacionada com factores ambientais e de maneio.

O diagnóstico desta doença baseia-se no isolamento e identificação do agente a partir de lesões característi-cas, recorrendo às técnicas utilizadas tradicionalmente em laboratório. As provas serológicas são o método de eleição quando se pretende obter informação sobre o estado epidemiológico de um efectivo, sendo essenciais para o estabelecimento de medidas rápidas de contro-lo baseadas na erradicação de animais seropositivos. As provas fundamentadas na genética apresentam-se muito interessantes, contudo, não parecem ser práticas nem económicas para o processamento de grande nú-mero de amostras.

Todas as estratégias que visem o controlo, devem centrar-se no facto de que esta doença tem carácter multifactorial. Como tal, os esforços desempenhados não devem recair apenas sobre o agente infeccioso, mas antes, ter em atenção todos os factores de risco envolvidos, isto é a epidemiologia analítica (ecopato-logia) na qual se encontram identificados 11 factores de risco: quatro factores eminentemente ambientais, quatro de maneio e três de índole sanitária (Perestrelo-Vieira et al., 2000).

Etiologia

O agente etiológico, Actinobacillus pleuropneumo-niae (Haemophilus pleuropneumoniae, Haemophilus

Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus pleuropneumoniae – diagnóstico e estratégias de controlo

Swine pleuropneumonia due to Actinobacillus pleuropneumoniae – diagnosis and strategies of control

A. C. Coelho*, F. J. Vieira-Brito, M. G. Vieira-Brito e J. Rodrigues

Departamento de Ciências Veterinárias, CECAV, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5001-911 Vila Real

* Correspondência: e-mail [email protected]

Page 2: Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus

RPCV (2004) 99 (552) 193-198Coelho, A.C. et al.

194

parahaemolyticus), é, do ponto de vista morfológi-co, um pequeno cocobacilo (0,5-1x1-2 µm) (Ferri et al., 2002), Gram-negativo (Biberstein, 1990; Nicolet, 1992), pleomórfico, imóvel, não esporulado e capsu-lado (De la Fuente et al., 1988; Ferri et al., 2002). Em culturas antigas ou na ausência das condições óptimas de crescimento, podem ocorrer formas filamentosas, que são mais evidentes entre as 24 e as 96 horas de incubação (Kilian et al., 1978).

Os primeiros isolamentos foram realizados nos EUA, em 1957 por Pattison, e em 1964 por Shope na Argen-tina. Nessa altura, foi proposto o nome Haemophilus pleuropneumoniae ou Haemophilus parahaemolyticus. A partir de 1983, como resultado dos estudos genéti-cos, foi proposta a transferência de H. pleuropneumo-niae para o género Actinobacillus. A família Pasteu-rellaceae, na qual se encontra este género, inclui outros microrganismos de interesse na patologia suína (Ferri et al., 2002). O agente cresce bem a 37 ºC, preferivel-mente em presença de CO

2 (5%), nas culturas iniciais

(Ferri et al., 2002). As colónias em agar-chocolate são opacas acizentadas, atingindo um diâmetro de 1 a 2 mm em 48 horas (Kilian et al., 1978).

Baseado na necessidade em nicotinamida adenina-dinucleósido (NAD+), as estirpes deste agente podem ser classificadas em biótipo I, NAD-dependentes e no biótipo II, NAD-independentes (Nicolet, 1992). No bi-ótipo I integram-se 14 serótipos (1-12, 15 e K2:O7), tendo sido sub-divididos os serótipos 1 e 5 nos subtipos a e b (Nicolet, 1992; Blackall et al., 2002). Dentro do biótipo II, também se incluem os serótipos 1 e 2 que, de acordo com Nielsen et al. (1997), deverão ser reco-nhecidos como serótipos 13 e 14. Como, independen-temente da dependência do NAD+, se partilham antigé-nios entre ambos biótipos, recentemente unificou-se o sistema num só biótipo com 15 serótipos. Em qualquer caso, ambos os biótipos produzem pleuropneumonia em suínos. Para além do antigénio capsular (K), o an-tigénio somático do LPS (O), imunodominante causa reacções cruzadas que originam problemas na tipifica-ção. Outras moléculas da membrana externa também são antigénios importantes, como é o caso das lipopro-teínas. Algumas substâncias solúveis, que são excreta-das durante a fase de crescimento e multiplicação, pos-

suem carácter antigénico. Entre estas destacam-se as toxinas RTX, que são citotoxinas formadoras de poros (Ferri et al., 2002).

Diagnóstico

O diagnóstico deste tipo de pleuropneumonia é feito a partir da anamnese e das lesões macro e microscópi-cas e é confirmado através do isolamento do agente e sua identificação.

Diagnóstico Clínico

Clinicamente, a forma aguda e a hiperaguda são caracterizadas por morte súbita, febre, anorexia e fre-quentemente tosse ou vómito. A morbilidade é baixa mas pode tornar-se elevada em novos surtos de doença. A mortalidade pode chegar aos 100% sem tratamento (Figura 1).

É necessário fazer o diagnóstico diferencial com ou-tros quadros clínicos de suínos, como é o caso de in-fecções por Pasteurella multocida, Doença de Glasser, Peste Suína Clássica, úlceras gástricas, septicemias por Salmonella, intoxicações, Rinite Atrófica. PRRS, Gri-pe Porcina, Doença do Coração de Amora, entre outras (Ferri et al., 2002). Esta afecção é fortemente agravada pela presença da doença de Aujeszky e da gripe (Peres-trelo-Vieira et al., 2000).

Diagnóstico Anátomo-patológico

As lesões pulmonares da pleuropneumonia causada por Actinobacillus pleuropneumoniae são frequente-mente bilaterais e englobam os lobos apical, o cardíaco e o diafragmático. Neste último, as lesões são focais e bem demarcadas. As zonas pneumónicas são escuras e duras existindo pleurite fibrinosa (Taylor, 1999) (Fi-gura 2). Nos casos hiperagudos, as vias respiratórias contêm um exsudado espumoso sanguinolento. Em casos crónicos, é muito característico observar nódu-los encapsulados no lobo diafragmático. As lesões pul-monares podem facilmente melhorar deixando, como sequela, aderências (Shokouhi, 1998).

Diagnóstico Laboratorial

Colheita de amostras e envio ao laboratório

O diagnóstico laboratorial é função do diagnóstico clínico e patológico que representam as etapas prévias à recolha de amostras. O tipo, a quantidade e a quali-dade das amostras constituem o ponto que relaciona o laboratório com o campo. Para o isolamento de Actino-bacillus pleuropneumoniae devem colher-se amostras que contenham lesões típicas, sendo aconselhável o trabalho com amostras frescas, em vez de congeladas. Nos casos agudos, a bactéria pode isolar-se a partir de

Figura 1 – Suíno com sintomatologia

Page 3: Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus

195

RPCV (2004) 99 (552) 193-198Coelho, A.C. et al.

secreções nasais, enquanto que, nos casos crónicos, a cultura a partir das lesões pode dar resultados nega-tivos. Em casos agudos é possível isolar o agente de vários órgãos (Shokouhi, 1998).

Isolamento e identificação do agente

Para o isolamento do agente o agar chocolate é o meio mais frequente, devidamente suplementado com factor V, complexos vitamínicos e minerais, e, caso necessá-rio, com alguns agentes inibidores como a bacitracina (100 µg/ml), simples ou combinada com a cloxacilina ou lincomicina (1 µg/ml), com antimicrobianos (viole-ta de cristal 1 µg/ml) ou antifúngicos (nistatina 50 µg/ml), apesar de poderem crescer outros microrganismos patogénicos (Vieira-Brito, 1997; Ferri et al., 2002).

Ao fim de 48 horas, as colónias são pequenas (entre 1-2 mm), redondas, opacas e de cor cinzenta (Kilian et al., 1978). No agar PPLO enriquecido com extracto fresco de levedura e soro de cavalo, pode observar-se crescimento precoce ao fim de 6 horas. Este é o meio eleito para a tipificação e preparação de antigénios (Ferri et al., 2002).

O agar sangue é utilizado para a observação do fenó-meno de satelitismo, no qual se faz uma sementeira de Actinobacillus, seguida de uma outra sementeira, em direcção perpendicular à primeira e em estria única, de uma bactéria fornecedora do factor V (Vieira-Brito, 1997).

Caracterização bioquímica

A caracterização do agente faz-se mediante reacções bioquímicas ou outras, salientando a presença de forte actividade ureásica, β-galactosidase e fosfatase alcali-na, assim como a sua capacidade hemolítica por ac-ção sinérgica da β-toxina de uma estirpe de S. aureus (fenómeno CAMP) (Taylor, 1999; Ferri et al., 2002) (Figura3).

A caracterização bioquímica serve para a diferencia-ção dos biótipos I e II. A serotipificação é um método frequentemente utilizado. Baseia-se na determinação de antigénios capsulares presentes em cada isolamento, permitindo o seu agrupamento em serótipos, utilizan-do anticorpos específicos policlonais e monoclonais. Os seus inconvenientes prendem-se com as reacções cruzadas. Existe uma grande quantidade de métodos, o que indica a inexistência de um sistema óptimo, sem inconvenientes (Clota et al., 1996).

Técnicas utilizadas no diagnóstico serológico e mo-lecular

A técnica de ELISA tem sido o procedimento de eleição, utilizando diferentes tipos de antigénio (Bos-sé et al., 1990). A purificação do antigénio específico do serótipo ainda não é possível. A fixação do com-plemento foi um teste adaptado da peripneumonia em

1971. Embora, sendo considerado como teste padrão, tem vindo a ser substituído pela técnica de ELISA. Ini-cialmente era uma prova de detecção da espécie, sendo actualmente uma prova específica do serótipo. Os an-tigénios preparam-se por sonicação de uma suspensão de bactérias, recolhendo o sobrenadante (Ferri et al., 2002).

As provas de aglutinação e coaglutinação são méto-dos simples. Existem três variantes: a aglutinação lenta em tubo, a aglutinação com 2-mercaptoetanol, e a rápi-da. Fazem-se diluições seriadas com o anti-soro, que se mistura com o antigénio em partes iguais (Gutíerrez et al., 1990). A aglutinação rápida evita muitas reacções cruzadas, embora não permita a classificação de seró-tipos do tipo rugoso (Ferri et al., 2002). Outra variante

é a aglutinação em partículas em látex, de uso pouco frequente (Mitui et al., 1981). Outras técnicas cujas li-mitações superam as vantagens são a imunofluorescên-cia indirecta, a imunodifusão em gel e a precipitação em anel (Ferri et al., 2002). A hemaglutinação indirec-ta para a detecção de anticorpos é a técnica preferida pela a maioria dos laboratórios, pela sua sensibilidade e especificidade, embora não descrimine H. parasuis (Clota et al., 1996). A imunohistoquímica que utiliza antisoros específicos do serótipo, é uma técnica rápida e fácil de executar e que pode ser aplicada em amostras antigas (Ferri et al., 2002).

A técnica de PCR é eficaz para a detecção e tipifi-cação do agente de Actinobacillus pleuropneumoniae apresentando-se como uma alternativa aos métodos imunológicos. Utilizou-se pela primeira vez em 1991

Figura 2 – Pulmão com lesões características

Page 4: Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus

RPCV (2004) 99 (552) 193-198Coelho, A.C. et al.

196

com “primers” inespecíficos. Na última década utiliza-ram-se muitas variantes, incluindo “primers” aleatórios na diferenciação dos serótipos. Também já se propôs a tipificação molecular em função da presença dos genes das toxinas Apx (Ferri et al., 2002). O gene ApxIV é específico da bactéria causal, tendo sido apresentadas algumas técnicas de PCR que têm obtido bons resulta-dos (Schaller et al., 2001; Costa et al., 2004; Jaglic et al., 2004).

Este método consegue um elevado grau de especifici-dade e sensibilidade, apesar de não ser viável, quando se trata de um número elevado de amostras, e de serem precisas precauções rigorosas para evitar contamina-ções (Frey et al., 1995; Chiers et al., 2001).

ser alterados ou eliminados para permitir que a doença, que em determinada altura se posiciona como um pro-blema menos sério, não venha a revelar-se uma catás-trofe (Vieira-Brito, 1997).

As estratégias de controlo a aplicar devem ser diri-gidas a várias frentes visto tratar-se de uma afecção perfeitamente controlada pela combinação das práticas higiene-maneio e trabalho de equipa, na qual o médico veterinário funciona como gestor das 11 variáveis cor-respondentes aos factores de risco (Perestrelo-Vieira et al., 2000). As estratégias de maneio “tudo dentro – tudo fora”, a limpeza e desinfecção, o respeito pelas regras McRebel, a redução da carga animal, são aconselháveis para a minimização da incidência da pleuropneumonia (Rodrigues, 2000). A nível regional devem desenvol-ver-se esquemas orientados para a monitorização sero-lógica de matadouro ou mesmo de achados acidentais, controlo do maneio e do trânsito animal (Taylor, 1999). Para além da muito discutida questão da sensibilidade e especificidade das provas de laboratório, há outros aspectos dignos de considerar no controlo da doença, como a rapidez e a limitação numérica. As provas sero-lógicas podem realizar-se de forma muito rápida, mas esta não é sinónimo de rapidez no diagnóstico, já que os anticorpos requerem um período mínimo de desen-volvimento desde o início da infecção. Devido aos fac-tores limitantes económicos, tanto a nível de laborató-rio como de produção, não se podem recolher amostras numericamente representativas, o que é grave quando se trata de infecções subclínicas (Shokouhi, 1998).

As explorações livres da doença devem manter uma política de isolamento dos seus animais que inclua a não utilização do sémen ou embriões de outros efectivos. A quarentena é uma medida que é necessária, enquanto se espera pelo resultado dos testes serológicos. Quan-do se estabelece a infecção numa exploração, é difícil eliminar o agente, principalmente, porque os animais podem apresentar-se clinicamente normais, sendo, nes-tes casos, as medidas de erradicação a estratégia a ele-ger. Este método é dispendioso e pode conduzir a perda de potencial genético. Todas as estratégias de controlo têm que tomar, em linha de conta, as características epidemiológicas da doença. A principal prioridade é o controlo das perdas económicas (mortalidade, infecção clínica e subclínica) e, seguidamente, considerar o con-trolo ou eliminação da infecção. A mortalidade pode ser controlada através do tratamento numa fase preco-ce da doença, mantendo este grupo de suínos isolados até ao abate (Taylor, 1999). Uma estratégia de controlo eficaz consiste na identificação serológica e eliminação dos animais seropositivos utilizados para reprodução. Nos efectivos expostos após a remoção dos positivos proceder-se-ia à medicação em massa (Biberstein e Hirsh, 1999). O controlo de factores de risco como a temperatura e a ventilação podem minimizar e mesmo anular o impacto da doença (Perestrelo-Vieira et al., 2000). A medicação contínua pode ser prática mas não deve ser usada de forma sistemática, devendo-se moni-

Estratégias de controlo

O controlo da pleuropneumonia suína por Actino-bacillus pleuropneumoniae tem sido problemática nas últimas décadas, já que esta é uma doença de nature-za multifactorial, na qual a abordagem sistemática é fundamental (Nicolet, 1992; Perestrelo-Vieira et al., 2000), e as intervenções (vacinais e terapêuticas) en-cerram em si próprias um efeito negativo, por poderem originar decréscimos nas taxas de crescimento e inges-tão de alimento. Por outro lado, injecções maciças dos animais com antibióticos são pouco práticas, acarretam substanciais perdas de tempo e são caras (Vieira-Brito, 1997). Na realidade, a prescrição de antibióticos como a penicilina e sulfamidas é efectiva nas fases clínicas iniciais da doença, não alcançando contudo, resultados que encorajem o seu uso generalizado. É frequente o aparecimento de estirpes com multi-resistência (Rodri-gues, 2000).

As novas estratégias de controlo são actualmente um desafio que se abre ao mundo da produção suinícola. Este, consiste em determinar que tipo de maneio, o(s) factor(es) ambientais ou os hospedeiros necessitam de

Figura 3 – Fenómeno CAMP

Page 5: Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus

197

RPCV (2004) 99 (552) 193-198Coelho, A.C. et al.

torizar continuamente, a sensibilidade aos antibióticos. A medicação estratégica deve ser utilizada em períodos de risco identificados. Os métodos tradicionais usados no controlo das doenças respiratórias em unidades de engorda, como são exemplo os sistemas “tudo dentro – tudo fora”, ou a utilização de espaços amplos, reduzem consideravelmente o risco de infecção. Outra medida de sucesso é a compra de animais provenientes de ex-plorações livres da doença, que evitam a introdução de novos serótipos ou o aparecimento de resistências aos antibióticos. Em explorações com infecção crónica, a compra de animais seronegativos deve ser seguida de vacinação (Radostitis et al., 1994; Taylor, 1999).

Existem dois grandes grupos de vacinas utilizadas no controlo da doença: inactivadas e de subunidades. São administradas em duas doses, conferindo protecção aos porcos de engorda, específica do serótipo e, como tal, devem conter o serótipo existente nessa população suína (Radostitis et al., 1994). Estas vacinas nem sem-pre previnem o estado de portador mas são uma ajuda nos programas de erradicação, devendo a sua utilização ser rigorosamente avaliada (Taylor, 1999).

Conclusão

O controlo das infecções respiratórias como a pleu-ropneumonia suína em explorações intensivas, deve estabelecer-se com base nos dados de diagnóstico clí-nico, patológico e laboratorial, pois os numerosos fac-tores que intervêm na sua génese são muito difíceis de averiguar se não se consideram estes três pilares bási-cos de diagnóstico simultâneo. A sequência de controlo começa com a recolha de dados e amostras e termina com a aplicação de vacinas e medicamentos economi-camente viáveis (Shokouhi, 1998).

Os resultados clínicos, patológicos e laboratoriais são fonte de informação para avaliar quantitativa e qua-litativamente os factores de risco e adoptar decisões. A ecopatologia e bem-estar animal são temas muito im-portantes, contudo, parece que a referência constante às normas básicas de maneio e condições de explora-ção, nem sempre têm eco ao nível das explorações. O maneio e os factores ambientais estão muito relacio-nados, mas a alteração das instalações ou a ampliação do espaço vital podem requerer uma inversão que não justifica, economicamente, com o rendimento adicio-nal que se pode obter. A aplicação de novas técnicas de maneio ou de outras procedentes de certas disciplinas, como a técnica de controlo dos pontos críticos (Hazard Analysis Critical Control Point - HACCP) a nível da produção de suínos, parece interessante e prometedora (Shokouhi, 1998).

A acção sanitária veterinária encontra-se, actual-mente, cada vez mais longe do conceito de medicina para se assemelhar a um controlo ligado à economia de produção, no entanto, sem nunca prescindir das leis de diagnóstico e tratamento da medicina tradicional. Os medicamentos e vacinas disponíveis actualmente

podem controlar em grande parte, os casos de pleu-ropneumonia suína. Contudo, só serão eficazes se fo-rem utilizados no seu devido tempo e lugar (Shokouhi, 1998).

Bibliografia

Biberstein, L. e Hirsh, C. (1999). Actinobacillus. In: Veterinary Microbiology, 8ª edição. Editores: D. C. Hirsh e Y. C. Zee. Blackwell Science, Massachusetts, 141-143.

Biberstein, E. L. (1990). Haemophilus spp. y agentes semejantes a Haemophilus. In: Tratado de Microbiologia Veterinaria. Editores: E. L. Biberstein, e Y. C. Zee. Editorial Acribia, Zaragoza, 207-213.

Blackall, P., Klaasen, H., van den Bosch, H., Kuhnert, P. e Frey, J. (2002). Proposal of a new serovar of Actinobacillus pleu-ropneumoniae: serovar 15. Vet. Microbiol., 84, 47–52.

Bossé, J., Johnson, R. e Rosendal, S. (1990). Serodiagnosis of pleuropneumonia using enzyme-linked immunosorbent assay with capsular polysaccharide antigens of Actinoba-cillus pleuropneumoniae serotypes 1, 2, 5 and 7. Can. J. Vet. Res., 54, 427-431.

Chiers, K., van Overbeke, I., Donné, E., Baele, M., Ducatelle, R., de Baere, T. e Haesebrouck, F. (2001). Detection of Actino-bacillus pleuropneumoniae in cultures from nasal and ton-sillar swabs of pigs by a PCR assay based on the nucleotide sequence of a dsb-like gene. Vet. Microbiol., 83, 147-159.

Clota, J., Foix, A., March, R., Riera, P. e Costa, L. (1996). Ca-racterizatión serológica de cepas de Actinobacillus pleu-ropneumoniae (APP) aisladas en Espanã. Med. Vet., 13, 17-23.

Costa, M., Klein, C., Balestrin, R., Schrank, A., Piffer, I., Sil-va, S. e Schrank, I. (2004). Evaluation of PCR based on gene apxIVA associated with 16S rDNA sequencing for the identification of Actinobacillus pleuropneumoniae and related species. Current Microbiol., 48, 189-195.

De la Fuente, R., Ruiz, J. e Ferri, E. (1988). Pleuropneumonia porcina por Haemophilus (Actinobacillus) pleuropneumo-niae. Med. Vet., 5, 135-153.

Ferri, E., Barceló, J., Gómez, S. e Sánchez-Viscaíno, J. (2002). Actinobacillus pleuropneumoniae. Curso Digital de Enfer-medades Infecciosas Porcinas. Acesso: http://www.3tres3.com.

Frey, J., Beck, M., van den Bosch, J., Segers, R. e Nicolet, J. (1995). Development of an efficient PCR method for toxin typing of Actinobacillus pleuropneumoniae strains. Mol. Cell. Probe., 9, 1-6.

Gutiérrez, C., Arguello, J., Vázquez, J., Táscon, R. e Ferri, E. (1990). Comparación de dos métodos de hiperimmuniza-ción de conejos frente a serotipos de Actinobacillus pleu-ropneumoniae. Med. Vet., 7, 43-49.

Jaglic, Z., Svastova, P., Rychlik, I., Nedbalcova, K., Kucerova, Z., Pavlik I. e Bartos, M. (2004). Differentiation of Acti-nobacillus pleuropneumoniae by PCR-REA based on se-quence variability of the apxIVA gene and by ribotyping. Vet. Microbiol., 103, 63-69.

Kilian, M., Nicolet, J. e Biberstein, L. (1978). Biochemical and serological characterization of Haemophilus pleuropneu-moniae (Matthews and Pattison 1961) Shope 1964 and proposal of a neotype strain. J. Syst. Bacteriol. 28, 20–26.

Mitui, T., Onaga, H., Nagasawa, Y., Nomura, Y. & Kuramasu, S. (1981). Studies on Haemophilus infection in swine. Appli-cation of the agglutination test to the diagnosis of Haemo-philus pleuropneumoniae (H. parahaemolyticus) infection. Vet. Microbiol., 6, 339-349.

Nicolet, J. (1992). Actinobacillus pleuropneumoniae. In: Diseas-es of Swine, 7ª edição. Editor: B. E. Straw. Iowa University

Page 6: Pleuropneumonia suína causada por Actinobacillus

RPCV (2004) 99 (552) 193-198Coelho, A.C. et al.

198

Press, Iowa, 401-408.Nielsen, R., Andersen, L.O., Plambeck, T., Nielsen, J.P., Krarup,

L.T. e Jorsal, S.E. (1997). Serological characterization of A. pleuropneumoniae biotype 2 strains isolated from pigs in two Danish herds. Vet. Microbiol., 54, 35-46.

Perestrelo-Vieira, R., Perestrelo-Vieira, H., Tillon, J.P. e Madec, F. (2000). Prevenção das afecções enzoóticas respiratórias em suinicultura intensiva. In: Doenças dos suínos, 2ª ed-ição. Editores: R. Perestrelo-Vieira, J. Sobestiansky, D. Barcellos e H. Perestrelo-Vieira. Publicações Ciência e Vida, Lisboa, 589-600.

Radostitis, O., Blood, D. e Gay, C. (1994). Veterinary Medicine – A Textbook of diseases of cattle, sheep, pigs, goats and horses. London: Ballière Tindall, 824-829.

Rodrigues, J. (2000). Pleuropneumonia. In: Doenças dos suínos, 2ª edição. Editores: R. Perestrelo-Vieira, J. Sobestiansky, D. Barcellos e H. Perestrelo-Vieira. Publicações Ciência e Vida, Lisboa, 362-368.

Schaller, A., Djordjevic, S.P., Eamens, G.J., Forbes, W.A., Kuhn, R., Kuhnert, P., Gottschalk, M., Nicolet, J. e Frey, J. (2001). Identification and detection of Actinobacillus pleuropneu-moniae by PCR based on the gene ApxIVA. Vet. Micro-biol., 79, 47-62.

Shokouhi, V. (1998). Nuevos horizontes en el diagnóstico y con-trol de las infecciones respiratorias. Evaluacíon económica de las medidas de control. Anaporc, (78), 46-60.

Taylor, D. (1999). Actinobacillus pleuropneumoniae. In: Dis-eases of Swine. Editores: B. E. Straw, S. D’Allaire, W.L. Mengeling e D. J. Taylor. Oxford: Blackwell Science, 343-354.

Vieira-Brito, F. (1997). Análise de indicadores da patologia res-piratória de suínos por Actinobacillus pleuropneumoniae. Tese de Mestrado em Produção Animal. Vila Real: UTAD, 159 pp.