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Explorando a estrutura da linguagem (um guia do estudante) THOMAS E. PAYNE 1 Introdução à morfologia e à sintaxe 1.1 O composto forma-função 1.2 Gramática 1.3 Morfologia e sintaxe 1.4 Léxico 1.5 Três tipos de expressão comparadas 1.6 Subtipos de expressão lexical 1.7 Tipos de palavras, protótipos e pinguins 1.8 Introdução aos exercícios Tradução elaborada por Flávia de Castro Alves (LIP / UnB) especialmente para ser utilizada nas aulas da disciplina Introdução à Linguística Tema “Níveis de análise linguística: análise gramatical e identifcação de critérios de classifcação de unidades gramaticais” Não divulgar sem autorização Obrigada! 1

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  • Explorando a estrutura da linguagem(um guia do estudante)

    THOMAS E. PAYNE

    1 Introduo morfologia e sintaxe1.1 O composto forma-funo 1.2 Gramtica1.3 Morfologia e sintaxe1.4 Lxico1.5 Trs tipos de expresso comparadas1.6 Subtipos de expresso lexical1.7 Tipos de palavras, prottipos e pinguins1.8 Introduo aos exerccios

    Traduo elaborada por Flvia de Castro Alves (LIP / UnB) especialmente para ser utilizada nas aulas da disciplina Introduo Lingustica

    Tema Nveis de anlise lingustica: anlise gramatical e identifcao de critrios de classifcao de unidades gramaticais

    No divulgar sem autorizaoObrigada!

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  • 1 Introduo morfologia e sintaxeSe voc perguntar a qualquer um "O que lngua?", voc provavelmente receber uma

    resposta que inclua a palavra "comunicao". A maioria de ns, se pensarmos sobre a nossa linguagem, tem a noo de senso comum de que a linguagem existe com a fnalidade de comunicao. Esta maneira de pensar v a lngua como uma "ferramenta" que as pessoas usam para realizar o "trabalho" de comunicao. Essa no pode ser a nica ferramenta que as pessoas usam para este trabalho, e pode ajudar a realizao de outras tarefas tambm. No entanto, muitas pessoas, ambos linguistas e no-lingistas, tem a idia de que o objetivo principal da linguagem humana a comunicao.

    Ver a lngua como uma ferramenta tem profundas consequncias para todos os tipos de aplicaes. Se voc est planejando contribuir para a teoria lingustica, para a documentao das muitas lnguas no descritas do mundo, para a preparao de materiais educativos, ou simplesmente aprender a falar uma segunda lngua, voc ir se benefciar grandemente de uma perspectiva que considera a linguagem como um instrumento de comunicao. Nesta seo introdutria, vamos explorar esta perspectiva em algum detalhe, aps a qual vamos discutir alguns conceitos fundamentais de anlise lingustica.

    Toda ferramenta tem dois componentes: uma FORMA e uma FUNO. A funo o trabalho para a qual a ferramenta projetada para realizar; j a forma a estrutura concreta que realiza esse trabalho.

    A principal funo de um tipo de martelo, por exemplo, a de bater pregos em madeira e remov-los. A forma o desenho da cabea de ferro ligada a um punho. Apesar de martelos poderem diferir entre si em muitos aspectos, eles tambm tm muito em comum. Esta forma particular especialmente adaptada para a funo de bater pregos.

    Se o martelo tivesse uma forma que fosse muito diferente desta, no serviria para este propsito. Imagine um martelo com uma cabea de papel, ou faltando um punho. Tais desculpas esfarrapadas para martelos no seriam muito teis para martelar pregos (embora eles possam servir para outros fns).

    Assim, a funo "motiva" (fornece uma razo para) a forma deste dispositivo muito til. Sem uma funo, a forma seria simplesmente uma protuberncia de forma estranha de ferro e madeira. Claro, voc no tem que usar um martelo martelar pregos uma pedra dura ou o salto do seu sapato poderia faz-lo.

    Alm disso, como o martelo tem sua forma particular, ele tambm pode ser usado para realizar outras funes, como alisar metal ou quebrar concreto. Mas sua funo principal tem a maior infuncia em sua forma bsica.

    A linguagem tambm constituda de uma funo e uma forma. O senso comum nos diz que a funo principal da linguagem ajudar as pessoas a se comunicarem. A forma composta por sons, gestos ou outras variaes fsicas no ambiente susceptvel de ser percebida por outras pessoas.

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  • Alm disso, como no caso do martelo, a forma da linguagem faz sentido em termos de sua funo bsica, como veremos ao longo deste livro. Sem a funo de comunicao, a linguagem no seria mais do que rudos aleatrios ou outras variaes fsicas no ambiente.

    Enquanto a analogia com o martelo pode ser til na compreenso da relao entre funo e forma, a linguagem de fato uma ferramenta muito mais complexa do que um martelo.

    Em primeiro lugar, a funo da linguagem mais complexa. Embora existam muitos tipos de pregos, e vrias maneiras que voc pode querer preg-los ou retir-los, as maneiras de usar um martelo so bastante limitadas. Por outro lado, h um nmero infnito de ideias que as pessoas querem comunicar todos os dias, e muitos tipos sutis e nuances de signifcado que as pessoas sentem a necessidade de se expressar. Segundo, a forma da linguagem mais complexa do que a de um martelo.

    A forma da maioria das lnguas consiste de um pequeno nmero de sons, organizados em palavras, frases, oraes, sentenas e discursos, incluindo conversas, sermes, discursos, argumentos e outras estruturas comunicativas altamente complexas.

    Como com qualquer ferramenta, as formas de uma linguagem "fazem sentido" em termos de suas funes, embora no sejam precisamente determinadas (ou matematicamente "previstas") por essas funes. Na verdade, o que primeiro notamos sobre uma nova lngua quo diferente ela da nossa prpria.

    Se todas as lnguas so ferramentas para realizar o trabalho de comunicao, porque elas so to diferentes umas das outras? Para comear a responder essa pergunta, vamos considerar outra ferramenta cultural que varia muito ao redor do mundo - a estrutura das casas.

    As grandes diferenas entre as casas de uma parte do mundo para outro refetem solues diferentes para problemas semelhantes - a necessidade de abrigo, calor, espao para o preparo da comida, descanso, etc. As diferentes solues so motivadas por vrios fatores, incluindo a ecologia local, mas a estrutura de uma casa particular no inevitvel, dados os vrios fatores de motivao.

    Mesmo na minha prpria cidade, algumas casas tm telhados planos, e outras tm telhados inclinados. As diferentes formas de telhados todas cumprem a mesma funo de proporcionar abrigo. De forma semelhante, lnguas diferentes podem usar diferentes formas de expressar o mesmo conceito.

    Os linguistas descobriram que, apesar das muitas diferenas superfciais entre lnguas, h um ncleo de semelhanas bsicas. Voc pode imaginar uma lngua sem palavras? Sem frases? Outras maneiras de se comunicar incluem, por exemplo, expresses faciais e estilos de vestir. Estes sistemas ajudam as pessoas a se entenderem, em certa medida, mas difcilmente queremos cham-los de lngua. Eles se comparam com linguagens da mesma maneira que pedras e sapatos podem ser comparados com martelos - capaz de ser usado para martelar pregos, mas no exclusivamente adaptados ou projetados para essa fnalidade. A lngua, porm,

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  • um sistema altamente complexo de partes inter-relacionadas, exclusivamente adaptado para a fnalidade da comunicao humana.

    Embora diversas lnguas difram muito em muitos aspectos, as funes da linguagem fornecem uma motivao para as muitas semelhanas na forma.

    Nas sees seguintes vamos discutir alguns dos termos e conceitos que linguistas usam para explorar a estrutura das lnguas.

    1.1 O composto formafunoEmbora os linguistas geralmente assumam que a linguagem composta por elementos de

    forma que pessoas empregam para "dizer", "expressar", "representar" ou "referir-se a" outras coisas, isto deve ser tomado como uma forma resumida de dizer que os falantes usam formas lingusticas (entre outras ferramentas) para realizar atos de expresso, referncia, signifcao etc (BrownandYule1983: 27FF. ). Por exemplo, uma palavra uma forma lingustica. Em si apenas um rudo feito pelo aparato vocal de algum. O que o torna uma palavra ao invs de apenas um rudo aleatrio que ele produzido intencionalmente em para expressar alguma idia.

    Quando usado pelo falante qualifcado, as palavras podem ser combinadas em estruturas maiores para expressar ideias muito complexas. Enquanto formas lingusticas ajudam pessoas a formular ideias, as formas lingusticas em si so logicamente distintas das ideias que possam ser expressas, da mesma maneira que a forma de um martelo distinto do trabalho de bater pregos.

    Langacker (1987), baseando-se em Saussure (1915), descreve as unidades lingusticas como compostas de forma-funo. A metade superior representa os signifcados, os conceitos ou ideias expressas na linguagem, enquanto a metade inferior representa as unidades lingusticas em si. A linha que atravessa o centro representa a relao, ou o "vnculo" entre os dois.

    Vrios termos tm sido usados para se referir s partes deste composto. Termos associados metade superior incluem "signifcado", "semntica", "funo", "domnio conceptual" e "contedo". Termos associado metade inferior incluem "sinal", "signifcante", "smbolo", "estrutura" e "forma".

    Na antiguidade, os flsofos que pensavam sobre a linguagem, muitas vezes consideraram as palavras intrinsecamente ligadas aos seus signifcados. Invariavelmente, a lngua que o flsofo falava (snscrito, grego ou latim) era considerada a lngua que expressava o "verdadeiro" signifcado das palavras. Em tempos mais recentes, os linguistas tendem a enfatizar a arbitrariedade dos signos lingusticos.

    Ou seja, no h necessariamente uma ligao intrnseca entre a forma de um signo e seu signifcado. O rudo escrito rvore certamente no tem nenhuma conexo inerente gama de conceitos que pode expressar. Na verdade, mesmo em lnguas relacionadas, tais como alemo e francs, rudos muito diferentes (baum e arbre, respectivamente) expressam

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  • aproximadamente a mesma ideia. Ainda mais recentemente, os linguistas esto comeando a perceber que os signos lingusticos so arbitrrios, em certa medida, mas que eles so tambm motivados por fatores tais como inteligibilidade, iconicidade (incluindo simbolismo sonoro) e economia.

    Porque o vnculo entre forma e funo motivado? Os linguistas assumem que a ligao entre o smbolo e o conceito intencional. Ou seja, usurios da lngua tm a inteno de estabelecer uma ligao entre forma e signifcado - eles querem conscientemente que seus enunciados sejam compreendidos. Da resulta que as formas utilizadas para representar conceitos sero estruturadas de forma a fazer a ligao bvia, dentro dos limites da capacidade cognitiva, memria etc. Isso no negar a possibilidade de que certos aspectos da linguagem possam realmente no ter qualquer relao com os conceitos expressos ou possa at servir para esconder conceitos. No entanto, ns a tornamos uma hiptese de trabalho que em geral os usurios da lngua querem e esperam formas lingusticas para representar conceitos a serem comunicados.

    Em qualquer sistema simblico, deve haver coerncia na relao entre os smbolos e categorias ou dimenses no reino simbolizado. Ns no vivemos em um mundo "Humpty Dumpty", onde as palavras signifcam qualquer coisa que ns queremos que elas signifquem (Carroll 1872). Para se comunicar com os outros, contamos com a probabilidade de que as palavras na nossa lngua signifquem praticamente a mesma coisa para outras pessoas assim como para ns. Sistemas simblicos ideais (por exemplo, "lnguas" de computador) maximizam este princpio ao estabelecer uma relao de codifcao direta e invariante entre toda forma e seu signifcado ou signifcados.

    No entanto, as lnguas de verdade no so sistemas simblicos ideais neste sentido. Elas existem em um ambiente onde a variao e a mudana so normais e no excepcionais. Novas funes aparecem todos os dias, novas situaes, conceitos, perspectivas que os falantes desejam expressar. Limitaes vocais e auditivas causam pronncia inexata e percepo incompleta das mensagens. Estes e muitos outros fatores levam a uma variao na forma da linguagem, mesmo na fala de um nico falante. O vnculo entre forma e signifcado na linguagem real, ento, no rgida nem aleatria, ela direta o sufciente para permitir a comunicao, mas sufcientemente fexvel para permitir a criatividade, a variao e a mudana.

    1.2 Gramtica Que imagens vm a mente quando escutamos a palavra gramtica?Para muitas pessoas essa palavra lembra aquelas listas do tipo isso certo ou isso

    errado, tanto para a fala como para a escrita: 'nunca diga para mim comer' etc.Para um linguista, a palavra 'gramtica' tem um signifcado muito diferente. Gramtica no

    sentido lingustico mais amplo simplesmente tudo que uma pessoa precisa saber no sentido de

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  • ser um falante fuente de uma lngua. Por exemplo, a maneira de formar um sintagma nominal (o gato no chapu com um fta amarela) parte da gramtica do portugus alguma coisa que todo falante de portugus inconscientemente sabe. Algumas vezes a palavra tcito usado para descrever o conhecimento lingustico de uma pessoa (bem como outros padres de comportamento culturalmente condicionados).

    O que isso signifca que pessoas no so normalmente conhecedoras de sua gramtica internalizada. Eles podem tornar-se conhecedores, por exemplo, tendo umas aulas de lingustica. Contudo, a maioria das pessoas simplesmente usa sua gramtica sem pensar a respeito dela, apenas usam seu conhecimento tcito de outros aspectos do comportamento social, como expresso facial, modos de comer, caminhar, expressar emoes e muitos outros.

    Gramtica para um linguista alguma coisa a ser descoberta, descrita, explicada, ao invs de ser inventada e forada. Inclui uma boa poro (alguns diriam tudo) dos padres habituais mentais e categorias que permitem s pessoas em uma comunidade comunicar-se com as outras. Gramtica interna mente humana, mas permite mente conectar-se outras mentes que tm padres gramaticais similares.

    Sob o nvel Gramtica, h tradicionalmente vrios subnveis, incluindo fontica, fonologia, morfologia, sintaxe e semntica. No resto deste captulo, discutiremos alguns desses subnveis.

    1.3 Morfologia e sintaxeNesta seo, discutiremos brevemente a questo principal deste livro, muitas vezes

    referido como morfossintaxe, que se relaciona a outros subnveis no domnio da Gramtica.Fontica e fonologia tm a ver com a forma como os sons da lngua so produzidos nos

    rgos vocais humanos (pulmo, laringe, boca, cavidade nasal), e como os sons so sistematicamente organizados nas lnguas em particular. Morfossintaxe tem a ver com a forma como esses sons se combinam para formar palavras e frases. Semntica tem a ver com os signifcados dos elementos individuais da estrutura lingustica e suas combinaes. Anlise do discurso um termo que descreve o estudo de como frases se combinam para formar as conversas, histrias, palestras e outras formas mais extensas de expresso.

    Na verdade, "morfossintaxe" uma palavra hbrida, que vem de outras duas - morfologia e sintaxe.

    Morfologia simplesmente o estudo das formas. Por exemplo, zologos podem estudar a morfologia dos camelos como seus corpos so formados. Diferentes espcies de camelos tm diferentes formas corporais. Alguns tm uma corcova e outros tm duas. Morfologia na lingustica tem a ver como as palavras so formadas, e como as formas das palavras podem ser sistematicamente ajustadas no sentido de realizar tarefas comunicativas. Podemos pensar tambm na morfologia como o estudo de como as unidades signifcativas se combinam para formar palavras.

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  • A sintaxe, por outro lado, tem a ver como as palavras se combinam para formar sentenas. Uma razo pela qual muitos linguistas gostam de falar de morfologia e sintaxe conjuntamente que muitas vezes um trabalho comunicativo que desempenhado por formas de palavra (morfologia) em uma lngua desempenhado pela combinao de palavras (sintaxe) em outra. Assim se linguistas querem comparar diferentes lnguas, ajuda estar apto a referir-se morfossintaxe.

    Por exemplo, olhe atentamente para as seguintes frases do Naga, uma lngua Tibeto-Burmana do norte da ndia, com o equivalente em portugus:(1) a. ngama ate hethoang eu o ensinarei

    eu ele ensinar.FUT b. ate hethoang ngama eu o ensinarei c. atema nganang hethohang ele me ensinar d. nganang hethohang atema ele me ensinar Em 1a, os signifcados so dados em portugus diretamente sob as palavras Naga. Em

    Naga, a principal forma pela qual um falante comunica que est ensinando, e que est sendo ensinado pelas formas das palavras. Em todas essas frases, a palavra que menciona a pessoa que est ensinando termina com -ma, no importa onde esta palavra aparea na frase. Ele pode aparecer no incio (exemplos 1a e 1c) ou no fnal (exemplos 1b e 1d). Em todas essas frases, a palavra que indica o ator principal termina em -ma. O modo de expressar quem o ator em uma sentena realizado morfologicamente pelas formas das palavras.

    Em portugus, a situao bem diferente. Em portugus, o modo como um falante comunica que est agindo e quem est sendo atendido principalmente a ordem das palavras. Considere estes exemplos:(2) a. Alice ensinou Flora.

    b. Flora ensinou Alice. Estas frases no signifcam a mesma coisa, apesar de todas as formas das palavras serem

    idnticas. A diferena de signifcado expresso apenas pela ordem das palavras. Por isso dizemos que a tarefa de identifcar o ator em portugus realizado sintaticamente.

    A primeira parte deste livro (captulos 1 a 5) lida principalmente com a morfologia. A segunda parte (captulos 6 a 10) lida principalmente com a sintaxe. No entanto, deve-se ter em mente que estes no so necessariamente dois domnios completamente distintos. A estrutura sinttica certamente afeta a morfologia e a morfologia uma maneira muito importante na qual a estrutura sinttica revelada. As principais ideias que devemos ter em mente at este ponto so:

    - a linguagem uma ferramenta de comunicao; alm disso, similaridades estruturais entre lnguas no-relacionadas podem, na maioria dos casos, ser atribuda a funes comunicativas comuns;

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  • - as lnguas podem realizar as mesmas ou tarefas comunicativas similares pela variao na forma das palavras (morfologicamente) ou pela variao em como as palavras so arranjadas (sintaticamente).

    1.4 LxicoAt agora descrevemos duas posies dentro do domnio geral da gramtica em qualquer

    lngua - a morfologia e a sintaxe. Temos visto que empregos comunicativos que so realizados em uma lngua morfologicamente pode ser realizado sintaticamente em outra. H um outro subnvel que talvez deva ser considerado juntamente com estes dois. Este o lxico.

    Diferentes teorias lingusticas tm ideias muito diferentes do que constitui o lxico de uma lngua. A caracterizao aqui apresentada fexvel o sufciente para englobar a maior parte da variao terica, mantendo-se fel a uma compreenso comum do que os linguistas querem dizer quando falam sobre o lxico de uma lngua.

    No sentido mais amplo, o lxico de uma lngua consiste em uma lista de todas as unidades naquela lngua. Unidades no lxico so construes mentais idealizadas, ou imagens. Elas no so palavras verdadeiras, frases ou sentenas, mas sim "imagens" mentais que podem ser chamadas da memria quando necessrio para fns de produzir palavras verdadeiras, frases e sentenas. s vezes, essas imagens so referidas como "representaes" ou "modelos." Tais unidades so chamadas entradas lexicais. Por exemplo, o gato uma entrada no meu lxico mental interno do portugus. Como tal, no mais que uma representao idealizada - uma memria, por assim dizer, de um rudo que tem servido de uma determinada gama de funes em conversas anteriores nas quais estive envolvido. O fato de eu poder confar na probabilidade de que outro falante de portugus compartilhe uma mesma memria, deve-se representao estar disponvel em conversas em portugus em caso de necessidade. O lxico, no entanto, no mais do que uma potencialidade, uma representao abstrata da possibilidade de alguns comportamentos lingusticos especfcos.

    A entrada lexical para uma unidade lingustica consiste de um conjunto (concebido por vezes como uma lista e, por vezes, como uma imagem) de todas as suas caractersticas. A "entrada" baseada na metfora do lxico como um dicionrio. Ns falamos sobre a "entrada do dicionrio" de uma palavra como sendo composta de informaes sobre sua grafa, pronncia, signifcados e usos. Entradas lexicais so algo parecido, exceto que so concebidas como imagens mentais inconscientes armazenadas na mente dos falantes individuais, em vez de livros publicados ou discos de computador.

    Alm de palavras inteiras, como gato, partes de palavras tambm podem ser unidades no lxico. Por exemplo, a parte -ed de uma palavra como 'walked' signifca 'tempo passado'. Isso parte do que se tem de saber a fm de saber ingls; portanto, est no lxico do ingls. Pode ser mais exato dizer que o padro de um verbo seguido de -ed est no lxico do ingls. Isso pode ser representado em uma frmula como:

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  • (3) VERBO + -ed = [VERBO]tempo passado

    Em outras palavras, no qualquer -ed que signifca "tempo passado", mas apenas aqueles exemplos de -ed que esto ligados a verbos. A frmula em (3) uma forma de representar no papel o padro inconsciente na mente de todos os falantes de ingls que lhes permite expressar o tempo passado de muitos verbos. Neste conceito amplo de lxico, estruturas sintticas tambm podem ser encontradas l. Frases reais e sentenas no fazem parte do lxico, mas os padres idealizados, abstratos, o so. Por exemplo, (4) um padro sinttico do portugus:

    (4) PREPOSIO + SINTAGMA NOMINAL

    Este padro especifca que qualquer membro de uma classe de coisas chamado preposio e qualquer membro de uma classe de coisas chamada sintagma nominal podem se combinar para formar uma unidade. Este padro idealizado d origem a toda uma gama de possveis estruturas lingusticas em uso, como por exemplo: (5) a. em casa

    b. debaixo da cama c. com um martelod. na esteira e. no buraco do coelho f. atravs da foresta mstica habitada por seres estranhos e repleto de perigos insondveis, nenhum dos quais eram aparentes para Alice quando ela comeou a seguir o Coelho Branco

    As frases em (5) no esto no lxico. Pelo contrrio, elas so compostas de outros elementos que esto no lxico. O padro de (4) um desses elementos, sob uma viso ampla de lxico.

    H, no entanto, vrios pontos de vista mais estreitos do lxico. Muitas vezes os padres sintticos, como (4), no so considerados parte do lxico. Ao contrrio, eles so parte de um componente separado da gramtica de uma lngua. Sob essa tica, o lxico pode ser considerado como um dicionrio mental de todas as palavras e morfemas (unidades signifcativas de palavras). Padres sintticos, como em (4), so as imagens mentais, mas eles no fazem parte do lxico, na viso mais estreita.

    A caracterstica comum a todas os conceitos de lxico, porm, que ele contm listas de unidades. Isso geralmente pensado como distinto da morfossintaxe, que descreve as regras para a construo de novas ideias. O conceito-chave aqui "lista" em vez de "regra". Listas incluem peas de informao detalhada, cada um dos quais devem ser memorizadas por conta prpria. Regras, por outro lado, envolvem padres regulares para a criao de novas

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  • informaes. As regras em si podem ser itens na lista que constitui o lxico, mas as sadas das regras no so. A diferena entre lxico e morfossintaxe, ento, a diferena entre o que os falantes precisam saber, e o que eles podem construir com base no que j sabem.

    A diferena entre lxico e (morfos)sintaxe a diferena entre o que os falantes precisam saber de imediato, e o que eles podem construir com base naquilo que eles j sabem.

    Charles Fillmore

    1.5 Trs tipos de expresso comparadasAgora que j discutimos os trs principais subnveis da gramtica que estaremos mais

    interessados neste livro, podemos comparar os diferentes tipos de expresso que as lnguas oferecem para permitir que os falantes expressem as variaes no signifcado. Estes tipos de expresses so expresses lexicais, processos morfolgicos e padres sintticos (analticos).

    Uma expresso lexical a que exige que o falante ative o lxico, a fm de expressar uma nuance de signifcado especial. Frequentemente, isso envolve a substituio de um item lexical por outro. Processos morfolgicos so aqueles que expressam variaes de sentido, alterando as formas das palavras, de algum modo previsvel. Finalmente, os padres sintticos expressam as variaes regulares no sentido de combinar ou rearranjar itens lexicais uns em relao aos outros.

    A diferena entre os sons representados pelas grafas call e called seguem um padro regular. Pode-se dizer que os falantes derivam a forma called de call adicionando -ed ao fnal. Este padro se aplica a muitos verbos em Ingls, e sua funo permitir que os falantes de ingls expressem o tempo passado.

    No h necessidade de memorizar ambos call e called (assim como stall e stalled, walk e walked, etc), como membros de uma longa lista de palavras que no so necessariamente relacionados um ao outro de alguma forma. Em vez disso, tudo que voc precisa uma lista um pouco mais curta de verbos individuais, alm de um padro morfolgico (ou regra) que diz acrescente -ed para formar o pretrito.

    Por outro lado, os rudos grafados go e went em ingls no so dedutveis, um do outro, por qualquer padro regular. Os falantes tem que memorizar essas duas formas, bem como as formas como eat e ate, buy e bought, think e thought, e muitos outros. Os signifcados das formas de go e went, esto relacionados entre si, mas as formas no. Went inclui a idia de "passado" em seu signifcado bsico.

    No podemos separar a parte que signifca "passado" da parte que signifca "ir." Assim, dizemos que a entrada lexical para went inclui a noo de tempo passado. Portanto, a fm de expressar o tempo passado do verbo ir em Ingls, no usamos o padro regular do passado. Se fzssemos isso, iramos chegar a uma forma como goed. Em vez disso, voltamos para a nossa lista mental - nosso lxico - a fm de recuperar a forma do passado do verbo. Pessoas

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  • aprendendo ingls no poderiam adivinhar que o pretrito de go era went se nunca a tivesse ouvido antes.

    Por outro lado, os alunos podem rapidamente adivinhar o que o passado de um verbo sem sentido como blick poderia ser, mesmo que nunca tenham ouvido antes. A relao entre go e went baseia-se em seus signifcados relacionados, e no em suas formas. Por isso dizemos que essa diferena uma diferena lexical, ao invs de morfolgica ou sinttica. Voc pode ouvir um linguista dizer algo como "o tempo passado do verbo ir em ingls expresso lexicalmente".

    Finalmente, um padro sinttico envolve o arranjo de itens lexicais em um sintagma ou orao (ver exemplos em 2), ou a combinao de itens lexicais separados. Por exemplo, o futuro do ingls expressos sintaticamente. Se eu quiser expressar a ideia de "chamamento" no futuro eu possa dizer:(6) I will call.

    A forma do verbo call no muda, e uma palavra separada, will, adicionada a fm de expressar a idia de tempo futuro. Portanto, voc pode ouvir os linguistas dizem coisas como "tempo futuro um sinttico sinttica em ingls", ou "tempo futuro expresso sintaticamente em ingls." Outros termos que so usados para esse tipo de expresso so padro "analtico" ou "perifrstico".

    1.6 Subtipos de expresso lexicalSubstituir um item lexical por outro, a fm de expressar uma variao de sentido regular

    (como com go / went), um tipo de expresso lexical. Este tipo particular de expresso lexical s vezes chamado supleo de radical, ou, como veremos a seguir, supleo forte de radical. H pelo menos dois outros tipos de expresso que fazem referncia fundamental para propriedades memorizadas, ao invs de padres previsveis. Os trs subtipos de expresso lexical so as seguintes:

    (1) supleo de radical (forte): substituio de um radical por outro completamente diferente (go went);

    (2) supleo de radical fraca: substituio de um radical por um aleatoriamente similar (buy bought); e

    (3) isomorfsmo: expresso de um ajuste de signifcado esperado regular, sem alterao estrutural (hit hit).

    A trade de expresso lexical, processos morfolgicos e padres sintticos relevante para diversas tarefas funcionais na linguagem. Algumas tarefas que normalmente so realizadas por um tipo de expresso em uma lngua, podem ser realizadas por um dos outros em outra lngua. Por exemplo, o passado frequentemente expresso morfologicamente em ingls por uma regra que acrescenta uma terminao no verbo.

    Em outras lnguas, o tempo de uma situao expresso sintaticamente por sintagmas como h dois dias, etc. Alm disso, como vimos tambm, as lnguas muitas vezes permitem que

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  • certas tarefas sejam realizadas por mais de um caminho.Finalmente, as lnguas muitas vezes combinam tipos de expresso. She did go um

    exemplo de uma combinao de tipos de expresso. Trata-se de uma estrutura sinttica em que dois elementos distintos so usados para combinar as noes de ir e passado, mas tambm lexical em que a parte do passado emprega a palavra did, que uma forma supletiva fraca do verbo fazer do.

    Classes no lxicoNesta seo discutiremos brevemente a estrutura interna do lxico de qualquer lngua,

    como entendida pelos linguistas. Dentro do lxico, h sempre vrias "classes" de entradas. Uma classe de entradas lexicais simplesmente um grupo de entradas que agem da mesma forma, de alguma maneira. No captulo 4 discutiremos como identifcar classes de palavras, tais como nomes, verbos, preposies, etc. Aqui precisamos discutir uma outra diviso, mais bsica, no lxico. Esta a distino entre palavras lexicais plenas e morfemas gramaticais.

    Como voc logo ver brevemente, a maioria das distines feitas pelos linguistas no absoluta, mas descreve o fm de um continuum, com muitas possibilidades intermedirias. Este o caso da distino entre palavras lexicais plenas e morfemas gramaticais. Existem bons exemplos de palavras lexicais plenas e muitos bons exemplos de morfemas gramaticais, mas h tambm muitos exemplos de itens que tem algumas propriedades de palavras lexicais plenas e algumas propriedades de morfemas gramaticais. Isto porque toda lngua est em processo de mudana. Como itens no lxico de uma lngua sofrem alteraes normais ao longo dos tempos, eles geralmente comeam como palavras lexicais plenas e tornam-se morfemas gramaticais (raramente o inverso). Como em qualquer estgio de uma lngua, h unidades em vrios pontos ao longo deste caminho; estas unidades no podem ser facilmente classifcados como pertencentes a uma classe ou outra.

    No entanto, til tentar classifcar as entradas lexicais em uma lngua entre palavras lexicais plenas, por um lado, e morfemas gramaticais, de outro. Isso vai ajudar enormemente na anlise de lnguas individuais, e na conceptualizao de como a estrutura gramatical funciona muda ao longo do tempo. Primeiro, apresentarei alguns exemplos de palavras lexicais plenas e morfemas gramaticais, e depois darei listas de caractersticas de ambos os grupos.

    Morfemas gramaticais incluem elementos que ocorrem em conjuntos relativamente pequenos (ou paradigmas), tais como pronomes (eu, me, voc, ns, nos, ela, etc.), preposies

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  • (em, sobre, de, embaixo, etc.) e afxos, como passado -ed, e o plural -s em ingls. Eles tambm tendem a ser menores do que as palavras lexicais plenas, tanto em nmero de segmentos fonticos, como em nmero de componentes de signifcado que elas expressam. Palavras lexicais plenas, por outro lado, tendem a ser muito maiores em todos os sentidos. Primeiro, elas pertencem a classes maiores, por exemplo, h muitos mais nomes em qualquer lngua do que pronomes. Segundo, muito mais fcil adicionar uma palavra lexical plena ao vocabulrio de uma lngua do que adicionar um morfema gramatical. Alguns exemplos de palavras lexicais plenas em ingls so coelho, Alice, cair e ramifcao. s vezes dito que a palavra lexical plena tem um alto grau de contedo semntico, ou de contedo lexical, em comparao com morfemas gramaticais. Por exemplo, uma palavra como coelho evoca uma imagem bastante complexa, com muitos traos semnticos: mamferos, orelhas longas, pele macia, nariz enrugado, mover-se por saltos, e muito mais. Um pronome como ela, por outro lado, evoca exatamente trs traos semnticos, ou seja, terceira pessoa, singular e feminino.

    Algumas caractersticas destas duas classes gerais de itens so listadas na tabela 1.1.

    Tabela 1.1 Uma comparao entre palavras lexicais plenas e morfemas gramaticais

    Palavras lexicais plenas Morfemas gramaticaisTendem a ser maiores na forma.Ocorrem em classes relativamente abertas. razoavelmente fcil adicionar novos membros a uma classe palavras lexicais, atravs de emprstimos de outras lnguas, inovao de novos termos, etc.Ocorrem em classes relativamente grandes.

    Tendem a ter signifcados ricos, como "Alice", "coelho", ou "avaliar". Palavras lexicais expressam muitos traos semnticos.Tendem a estar por conta prpria como morfemas livres.

    Tendem a ser menores na forma.Ocorrem em classes relativamente fechadas. difcil adicionar novos membros s classes de morfemas gramaticais.

    Ocorrem em classes relativamente pequenas. H apenas alguns poucos itens em cada classe de morfemas gramaticais.Tendem a ter signifcados mais estreitos, como "feminino, singular", ou "tempo passado".

    Tendem a vincular-se a outros itens, ou seja, tendem a ser clticos ou afxos (veja abaixo).

    Como voc vai trabalhar com exerccios ao fnal deste captulo, ser til estar ciente da diferena entre palavras lexicais plenas e morfemas gramaticais. Quando voc vir a analisar uma lngua real, isso ser essencial.

    Alguns conceitos bsicos em morfologia MorfemasUm MORFEMA uma forma mnima. Em lingustica, a defnio clssica de um morfema

    uma forma estrutural mnima ou pedao que expressa signifcado. Por exemplo, a palavra do ingls dogs contm dois morfemas: dog que expressa o principal signifcado da palavra, e -s que expressa o signifcado de pluralidade (mais de um). A forma dog no pode ser dividida em unidades signifcativas menores (por exemplo, o d- no incio no expressa um signifcado em si).

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  • Portanto dog um morfema - uma forma mnima. Na maioria dos casos esta defnio funciona bem. No entanto,teorias lingusticas recentes reconhecem o fato de que os signifcados particulares no so necessariamente ligados diretamente a determinadas partes da forma. Teremos mais a dizer sobre isso mais tarde.

    Outros problemas com a defnio tradicional de um morfema incluir fatos como: (1) o signifcado de um morfema pode variar dependendo dos outros morfemas na palavra, e (2) toda a mensagem pode ser mais, menos, ou simplesmente diferente da soma dos "signifcados" de todos os morfemas na mensagem. Por estas razes, conveniente pensar em morfologia como um sistema estabelecido de variaes nas formas das palavras, ao invs de simplesmente uma srie de peas signifcativas.

    Tipos de morfemasUm MORFEMA DEPENDENTE um morfema que deve ser preso a outros morfemas, a fm de ser

    usado naturalmente no discurso. Morfemas dependentes podem ser afxos, razes ou clticos. O -s em dogs um exemplo de morfema dependente, pois no tem nenhum signifcado de plural quando proferidos por si s. A raiz dog, por outro lado, um MORFEMA LIVRE, uma vez que no tem que se unir a alguma outra forma. Em muitas lnguas, razes so morfemas dependentes porque no podem ser usados no discurso sem algo ligado preso a eles. Por exemplo, a raiz do espanhol habl- 'falar' deve ter uma terminao adicionada a ele antes que ele possa ser usado na conversa.

    Muitas vezes, um morfema gramatical estar associado a mais de um signifcado, ao mesmo tempo. Considere o seguinte paradigma parcial para o verbo espanhol hablar "falar":(11) a. hablo eu falo d. habla ele/ela fala

    b. habl eu falei e. habl ele/ela falouc. hablar eu falarei f. hablar ele/ela falar

    A nica parte destas palavras em espanhol que no muda habl-, portanto, a hiptese de que esta a raiz (ver abaixo). Assim, a diferena de signifcado, tal como expresso nas tradues livres do portugus, deve ser expressa por meio dos sufxos verbais. Em (11a) por exemplo, o que a terminao -o signifca? Ser que isso signifca "eu" (primeira pessoa)? Bem, os exemplos (11b) e (11c) tem a primeira pessoa como parte do seu signifcado, e eles no tem este sufxo -o. Assim, -o signifca mais do que apenas primeira pessoa. Ele signifca primeira pessoa, tempo presente. Se voc alterar o tempo, voc tem que mudar o sufxo. Alm disso, se voc alterar o ator, de primeira para terceira pessoa (ele ou ela), voc tem novamente que mudar o sufxo. Ento, esses sufxos em espanhol expressam tanto a pessoa do sujeito e o tempo (presente, passado ou futuro). A expresso lingustica comum para os morfemas gramaticais que expressam mais de um signifcado morfemas p o r t m a n t e a u. A palavra morfema portmanteau se refere a um tipo de mala. Eu penso que a sua aplicao aos morfemas que

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  • expressam mais de um signifcado uma extenso da idia de que voc mantm um monte de coisas diferentes em uma mala - que "carrega" um monte de coisas. Morfemas portmanteau "carregam" muitos signifcados.

    Afxo um termo para cobrir prefxo, sufxo e infxo. Os prefxos so morfemas presos que ocorrem no incio de uma raiz. Por exemplo, a forma pela in- em incapaz um prefxo. Sufxos so morfemas presos que ocorrem no fnal de uma raiz. Por exemplo, -s em caminhadas um sufxo. Infxos no ocorrem no padro portugueses, mas so morfemas presos que ocorrem dentro de uma raiz. Infxos e outros tipos de afxos so exemplifcados e discutidos em mais detalhes no captulo 2.

    Alm disso, palavras podem ter vrias "camadas" de afxos. Isto tambm discutido no captulo 2. Os termos de raiz e radical algumas vezes so usados como sinnimos. No entanto, h uma diferena sutil entre eles: uma raiz um morfema que expressa o signifcado bsico da palavra e no pode ser dividido em morfemas menores. No entanto, uma raiz no constitui necessariamente uma palavra totalmente compreensvel em si mesma. Outro morfema pode ser necessrio. Por exemplo, a forma strut em portugus uma raiz, pois no pode ser dividida em partes signifcativas menores, mas tambm no pode ser usada no discurso, sem um prefxo ou um sufxo a ela ser adicionado (construo, destruio, estrutural, etc.).

    Um radical pode consistir de apenas uma raiz. No entanto, tambm podem ser analisados em uma raiz mais morfemas derivacionais (discutido no captulo 2). Como uma raiz, um radical pode ou no ser uma palavra totalmente compreensvel. Por exemplo, em portugus, as formas de reduz(-ir) e deduz(-ir) so radicais porque agem como qualquer outro verbo regular - eles podem ter o sufxo de passado. No entanto, no so razes, porque podem ser analisados em duas partes,-duz(-ir), alm de um prefxo derivacional re- ou de-.

    A forma habl- 'falar' em espanhol uma raiz e um radical. uma raiz porque expressa um signifcado principal e no divisvel em partes menores. um radical porque pode ser integrado no discurso, como qualquer outro verbo. Os nicos morfemas que precisam ser adicionados a fm de tornar habl- uma palavra pronuncivel so os morfemas fexionais.

    Assim, algumas razes so radicais e alguns radicais so razes (dog, habl-), mas razes e radicais no so a mesma coisa. H razes que no so radicais (-duz-) e h radicais que no so razes (reduz-). Na verdade, esta distino no muito importante no plano conceptual, e algumas teorias acabam com ela totalmente. Eles podem falar apenas de radicais simples ("razes", tal como defnido aqui) e radicais derivados ou complexos ("radicais"). Alm disso, a distino difcultada pelas camadas da mudana histrica, incluindo as razes, radicais e formas inteiras de palavras emprestadas de outras lnguas. Isto particularmente evidente no que diz respeito s camadas de infuncia do grego, latim e francs pela qual o ingls passou para chegar ao seu estado atual. No entanto, os termos raiz e radical so tradicionais, e ainda so comuns na literatura, de modo que os estudantes de lingustica deve estar cientes deles. A

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  • fgura 1.3 um "diagrama de Venn", que podem ou no ajudar a conceituar essa relao de sobreposio.

    Um cltico um morfema dependente que realiza uma tarefa em uma unidade estrutural que maior do que apenas uma palavra, mas ainda deve prender-se fonologicamente a alguma outra palavra. A palavra qual um cltico se pendura conhecida como o hospedeira. Clticos frequentemente prendem-se primeira ou ltima palavra do constituinte sinttico, se a palavra for um nome, um verbo, um advrbio, um auxiliar, ou qualquer outra classe de palavra (veja o captulo 4 sobre classes de palavras).

    As palavras a e the em Ingls so clticos, porque (a) no podem ser usados no discurso padro sem estar ligado a alguma outra forma, e (b) o seu hospedeiro pode ser qualquer uma das vrias partes do sintagma nominal:

    (12) the dog the cliticiza-se a um nomethe big dog the cliticiza-se a um modifcadorthe two big dogs the cliticiza-se a um numeralNo devemos nos confundir pelo fato de que o sistema de escrita do ingls trata a e the

    como palavras separadas. H muito boa evidncia lingustica para que essas formas estejam presas palavra que as seguem. Estas evidncias incluem o fato de que, na maioria das variedades do ingls falado, as regras sonoras afetam a fronteira do cltico. Essas mesmas regras no afetam palavras separadas que ocorrem encadeadas no discurso. Estas regras so as seguintes:1. O vogal de the totalmente pronunciada quando aparece antes de uma palavra que comea com uma vogal e reduzida quando aparece antes de uma palavra que comea com uma consoante:(13) [ipl] the apple

    [dg] the dog 2. O artigo a seguido de [n] quando aparece antes de uma vogal, mas no quando ele aparece antes de uma consoante. Tambm reduzido a antes de uma consoante:(14) [npl] an apple

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  • [dg] a dogEstas regras no se aplicam entre palavras separadas, como ilustrado nos seguintes

    exemplos:(15) [gil pl] Gala apple

    No: [gilanpl] galan apple [sli dg] silly dog No: [sldg] silla dog Uma vez que a e the mudam suas formas, dependendo da palavra que os segue, enquanto

    palavras plenas (como "Gala"e "bobo") no, a e the no devem ser palavras plenas.Portanto, eles devem ser morfemas presos. Porque eles so morfemas dependentes que se

    ligam (penduram-se) a uma variedade de hospedeiros possveis (ver exemplo 12 acima), devem ser clticos.

    1.7 Tipos de palavras, prottipos e pinguinsUma palavra um conceito difcil de se defnir. Nossa defnio operacional "a menor

    unidade estrutural que pode ocorrer entre pausas. Estudos empricos, no entanto, so inconclusivos quanto a se essa defnio corresponde a alguma categoria lingstica universal. Palavras podem conter um ou mais morfemas. Morfemas livres podem ser palavras (mar), mas nem todas as palavras so morfemas livres eles podem ser morfologicamente complexos (mares).

    Um prottipo o melhor exemplo de uma categoria (ver, e.g., Coleman e Kay 1981). Por exemplo, para a maioria dos falantes de ingls um pardal est provavelmente perto do prottipo para a categoria de "pssaro". Os pinguins, perus e galinhas so tambm pssaros, mas no so os melhores exemplos das categorias. Eles no so normalmente a primeira coisa que vem mente de um falante de ingls quando algum menciona a palavra pssaro.

    Em lingustica, a maioria das defnies so baseadas em prottipos. Por exemplo, as defnies dadas abaixo para "nome" e "verbo" so defnies prototpicas. Os melhores exemplos de nomes so palavras que se referem a coisas que no mudam ao longo do tempo. Contudo, h muitos nomes que se referem a coisas que mudam signifcativamente ao longo do tempo, tal como sinceridade ou exploso. Ns sabemos que estes so nomes porque eles tm muitas das propriedades gramaticais dos nomes prototpicos, e poucas das propriedades gramaticais de verbos de prototpicos. O conceito de prototipicalidade importante em muitos nveis de anlise lingustica, e ser discutido em mais detalhes no captulo 4.

    1.8 Introduo aos exercciosOs seguintes exerccios lhe daro alguma prtica em lidar com um nmero de diferentes

    lnguas em termos de sua morfossintaxe. Todo os exerccios deste livro so de lnguas reais. Algumas delas so muito bem conhecidas, embora algumas outras no. Mas todas so

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  • ferramentas usadas por pessoas reais para ajud-los a comunicar-se uns com os outros no seu dia-a-dia. Pode ser desafador e fascinante tentar "adentrar" as mentes dos falantes dessas outras lnguas para externalizar a lgica de como as ideias so expressados.

    Um outro sentido no qual estes exerccios podem ser teis que eles fornecem uma oportunidade de comear a compreender a vasta complexidade e diversidade das lnguas do mundo. Muitos dos exerccios incluem perguntas sobre "onde esta linguagem falada"? ou "quantos falantes esta lngua possui"? Na maioria dos casos, estas perguntas exigiro voc faa alguma pesquisa na biblioteca ou na internet.

    A melhor fonte de informaes para estas perguntas provavelmente The Ethnologue (Grimes 2004, http://www.ethnologue.com), embora sejam possveis outras fontes relevantes tambm. Tenha cuidado, no entanto, porque s vezes duas lnguas bastante distintas podem ter o mesmo nome, ou nomes muito semelhantes.

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    Exerccio 1.1: Swahli padroO Swahli pertence a uma grande sub-famlia, chamada Bantu, do grupo Niger-

    Kordofaniano de lnguas. As lnguas Bantu so faladas por mais que 100 milhes de pessoas na frica Meridional e Setentrional. Swahli a lngua materna de mais ou menos 5 milhes de pessoas e a lngua comum de comrcio ao longo da costa leste da frica.1. mtoto criana 5. watoto crianas 2. mtu pessoa 6. watu pessoas 3. mpii cozinheiro 7. wapii cozinheiros 4. mgeni estranho 8. wageni estranhos

    A. Listar e glosar os dados acima. Uma glosa simplesmente uma breve caraterizao do signifcado de uma forma lingustica.

    Exerccio 1.2: Telugu1. pilla criana 2. puwu for 3. pillalu crianas 4. puwulu fores5. ciima formiga 6. godugu elefante 7. ciimalu formigas 8. ciire sar9. turailu cabaas 10. annagaaru irmo mais velho

    A. Onde o Telugu falado?B. Descreva, usando suas prprias palavras, como se faz o plural de um nome em Telugu.

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  • C. Quais so as tradues para o Telugu dos seguintes enunciados em portugus?cabaa: elefantes: sars: irmos mais velho:

    Exerccio 1.3: Checo1. novi: novo 5. nevini: inocente 2. nevinj eji: mais inocente 6. novj eji: mais novo 3. mora:lnj eji: mais moral 7. nadani: talentoso 4. u:plni: completo 8. u:plnj eji: mais completo

    A. Descreva a regra gramatical que permite que os falantes expressem o grau comparativo (mais X) de um adjetivo em Checo.B. Quais so as tradues das palavras do portugus mais talentoso e moral?

    Exerccio 1.4: Kaqchikel Kaqchikel Traduo para o portugus: 1. nimajay sala 2. nunimajay minha sala 3. raxkej cimbra 4. k'ixawuch porco-espinho 5. samaj trabalho 6. animajay tua sala7. ruraxkej cimbra dele 8. ruk'ixawuch porco-espinho dele 9. kisamaj trabalho deles10. kinimajay sala deles 11. araxkej __________________12. nuk'ixawuch __________________13. ______________ sala dele 14. ______________ porco-espinho deles 15. ______________ minha cimbra

    A. Onde o Kaqchikel falado? B. Complete as lacunas nos dados.

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  • C. Listar e glosar todos os dados acima.

    Exerccio 1.5: YaquiAbaixo, seguem oito oraes enfticas na lngua Yaqui. As tradues dessas oraes so dadas de maneira aleatria.1. Inepo siika. ____ a. Voc me ajudou. 2. Empo nee aniak. ____ b. Voc danou. 3. Inepo apo'ik aniak. ____ c. Eu vi voc. 4. Inepo apo'ik vichak. ____ d. Eu o vi. 5. Inepo enchi vichak. ____ e. Eu ajudei voc. 6. Inepo enchi aniak. ____ f. Eu o ajudei. 7. Empo ye'ek. ____ g. Ele viu voc. 8. Aapo enchi vichak. ____ h. Eu sa.

    A. Onde o Yaqui falado? B. Relacione a traduo correta do portugus com cada uma das oraes em Yaqui.

    Exerccio 1.6: Curdo Curmnji Abaixo, seguem seis oraes na lngua Curdo Curmnji. As tradues para o portugus so dadas em ordem aleatria.1. Ez h'ir' dibnim ____ A. Voc v o urso. 2. Tu dir'ev ____ B. Voc me v.3. Tu min dibn ____ C. O urso corre. 4. H'ir dir'eve ____ D. Voc corre.5. Ez dir'evim ____ E. Eu vejo o urso.6. Tu h'ir' dibn ____ F. Eu corro.

    A. Onde o Curdo Curmnji falado? Por quantas pessoas? B. Relacione as oraes do Curdo Curmnji com suas respectivas traduces em portugus. C. Como a seguinte orao do portugus fcaria em Curdo Curmnji?: O urso me v.

    Exerccio 1.7: Oodham A. A qual famlia lingustica o Oodham pertence? B. Quantos so, aproximadamente, os falantes fuentes?

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  • C. Relacione as palavras do Oodham com os signifcados corretos do portugus dados direita.Signifcados do portugus em ordem aleatria

    1. pa:n ____ a. comprar 2. golont ____ b. uma coisa para contar; calculadora etc.3. pa:ntakud ____ c. ajuntar4. kuintakud ____ d. fazer po5. nolawtakud ____ e. um lugar ou coisa para comprar; dinheiro, loja etc.6. pa:nt ____ f. uma coisa usada para fazer po; forno, panela etc. 7. nolawt ____ g. po 8. wakontakud ____ h. uma coisa usada para lavar 9. wakon ____ i. roupas limpas

    D. Como voc diria as seguintes palavras em Oodham? 10. um rastelo (coisa para rastelar): 11. contar: 12. lavar: E. Explique como voc chegou a essa concluso.

    Estudo Dirigido

    1. Linguagem uma ferramenta complexa designada para ajudar a comunicao humana. Por esta razo, as formas da linguagem fazem sentido em termos de suas funes na comunicao. Comente essas consideraes encontradas no captulo de Thomas E. Payne (2006) que vimos em classe. Voc pode usar as metforas do martelo e da estrutura das casas para subsidiar sua resposta.

    2. A gramtica, ao contrrio, o conhecimento inconsciente que todo falante de uma lngua precisa saber no sentido de saber falar/compreender essa lngua. D uma breve defnio de dois dos nveis de anlise identifcados pelos linguistas e trabalhados em classe, a saber, morfologia e sintaxe. A seguir, explique porque os linguistas preferem falar de morfologia e sintaxe conjuntamente (ou seja, a morfossintaxe). Exemplifque.

    3. Um prottipo o melhor exemplo de uma categoria. Nos estudos lingusticos de base tipolgico-funcional, a maioria das defnies so baseadas em prottipos. O que isso exatamente quer dizer? D um exemplo.

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