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PARTE III Ganância!... Bambus, capim elefante, lianas, arbustos, mais capim, sarças, espinheiros, árvores frondosas, trepadeiras; durante a tarde: calor sufocante, opressivo, adensado pela humidade pútrida; cemitério de alguns negros e da bicharada extremamente atrevida; emaranhado dominador, espesso; sempre noite rente à terra, sempre quase tarde a meia altura das árvores, e dia pleno só na ramaria cimeira, frondosa; noites e manhãs frias, sempre frias até a uns bons metros acima do solo continuamente embriagado de água podre, e onde a copa do arvoredo verdejante e altaneiro não autorizava a penetração do Sol. Soberanos deste valhacoito: o Inverno e a noite. Súbditos: toda a espécie de cobras, e serpentes fabulosas! Era soberbo, invejoso, déspota, cruel, o mais próximo feiticeiro — adivinho- mágico. Ai daqueles de quem suspeitasse que pretendiam fazer-lhe sombra!... Pele engelhada, unhas terrosas, cabelo esbranquiçado, cabeça cheia de crostas onde os piolhos decidiram instalar-se a longo prazp. Chupado de carnes, quase nu; apenas com casca de árvore, presa por nagalho de capim, a tapar-lhe as vergonhas. O umbigo tinha o tamanho duma pêra goiaba. Nas orelhas usava descomunais tarolos de umbila. Era um tipo -.trevas!, estivesse ou não preparado para funções feiticistas. Nunca teve coração de Páscoa. Vivia em permanente hora:traição. Curandeiros, bruxos, régulos, cipaios, intérpretes, cabos-de-terra, ficavam coelhinhos tímidos quando desconfiavam que o feiticeiro—adivinho-mágico— entrava a esquerdear com eles. Imperava !, e atordoava quantos negros atravessados vivessem num raio superior a duzentos quilómetros. Dominava com preponderância na vida particular e na vida religiosa, política, social da tribo. Todos cumpriam, assustados, suas ordens enérgicas e secas. Idade?... Os animais pré- históricos tinham resolvido repousar; mas o feiticeiro — adivinho-mágico — teimava em manter-se no activo. Sabendo-se invejado e odiado, na certeza de que as serpentes não deixavam sair ninguém vivo do valhacoito do Inverno e da noite, continuamente divulgava que só seria substituído quando algum súbdito pene- trasse e conseguisse voltar daquele império misterioso após percorrê-lo em todas as direcções. Assim entretinha, distraía e dominava os que até chegavam momentaneamente a pensar matá-lo de qualquer forma. Aventureiros e pretendentes secretos não faltavam; atreverem-se, porém, ao encharcado e nebuloso emaranhado daquela selva !, a tanto nunca nenhum se arriscou a sangue- frio. «Preciso apanhar bebedeira que me dê coragem e ajude a ficar grande como o feiticeiro adivinho-mágicol», matutava o filho maior ao curandeiro vizinho. Este, também ganancioso e ciumento, igualmente detestava o feiticeiro—adivinho- mágico—e incitava o filho à aventura. Ambos comentavam os fracassos dos que antes beberam-beberam e se atreveram. Mas o pai daria catana enfeitiçada para matar as serpentes, e cuidaria das feridas que o filho trouxesse. Para não perder o tento por completo, como acontecera a outros atrevidos, iria mal percebesse

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PARTE III

Ganância!...Bambus, capim elefante, lianas, arbustos, mais capim, sarças, espinheiros, árvores

frondosas, trepadeiras; durante a tarde: calor sufocante, opressivo, adensado pela humidade pútrida; cemitério de alguns negros e da bicharada extremamente atrevida; emaranhado dominador, espesso; sempre noite rente à terra, sempre quase tarde a meia altura das árvores, e dia pleno só na ramaria cimeira, frondosa; noites e manhãs frias, sempre frias até a uns bons metros acima do solo continuamente embriagado de água podre, e onde a copa do arvoredo verdejante e altaneiro não autorizava a penetração do Sol. Soberanos deste valhacoito: o Inverno e a noite. Súbditos: toda a espécie de cobras, e serpentes fabulosas!

Era soberbo, invejoso, déspota, cruel, o mais próximo feiticeiro — adivinho-mágico. Ai daqueles de quem suspeitasse que pretendiam fazer-lhe sombra!... Pele engelhada, unhas terrosas, cabelo esbranquiçado, cabeça cheia de crostas onde os piolhos decidiram instalar-se a longo prazp. Chupado de carnes, quase nu; apenas com casca de árvore, presa por nagalho de capim, a tapar-lhe as vergonhas. O umbigo tinha o tamanho duma pêra goiaba. Nas orelhas usava descomunais tarolos de umbila. Era um tipo -.trevas!, estivesse ou não preparado para funções feiticistas. Nunca teve coração de Páscoa. Vivia em permanente hora:traição. Curandeiros, bruxos, régulos, cipaios, intérpretes, cabos-de-terra, ficavam coelhinhos tímidos quando desconfiavam que o feiticeiro—adivinho-mágico—entrava a esquerdear com eles. Imperava !, e atordoava quantos negros atravessados vivessem num raio superior a duzentos quilómetros. Dominava com preponderância na vida particular e na vida religiosa, política, social da tribo. Todos cumpriam, assustados, suas ordens enérgicas e secas. Idade?... Os animais pré-históricos tinham resolvido repousar; mas o feiticeiro — adivinho-mágico — teimava em manter-se no activo. Sabendo-se invejado e odiado, na certeza de que as serpentes não deixavam sair ninguém vivo do valhacoito do Inverno e da noite, continuamente divulgava que só seria substituído quando algum súbdito penetrasse e conseguisse voltar daquele império misterioso após percorrê-lo em todas as direcções. Assim entretinha, distraía e dominava os que até chegavam momentaneamente a pensar matá-lo de qualquer forma. Aventureiros e pretendentes secretos não faltavam; atreverem-se, porém, ao encharcado e nebuloso emaranhado daquela selva !, a tanto nunca nenhum se arriscou a sangue-frio.

«Preciso apanhar bebedeira que me dê coragem e ajude a ficar grande como o feiticeiro adivinho-mágicol», matutava o filho maior ao curandeiro vizinho. Este, também ganancioso e ciumento, igualmente detestava o feiticeiro—adivinho-mágico—e incitava o filho à aventura. Ambos comentavam os fracassos dos que antes beberam-beberam e se atreveram. Mas o pai daria catana enfeitiçada para matar as serpentes, e cuidaria das feridas que o filho trouxesse. Para não perder o tento por completo, como acontecera a outros atrevidos, iria mal percebesse indícios de embriaguez.

Escondido das autoridades e bem disfarçado num celeiro, sobre estacaria tosca, um alambique começou a trabalhar, enervado, destilando mapira; a cachaça desligou, preguiçosa. Em breve uma cambada de tipos nus ficou espapaçada na terra batida. Entre urina e excrementos permaneceram assim durante dias. Quando recuperaram ténues fiapos de lucidez preferiram atirar--se à cachaça restante. Curandeiro e filho tornaram a tombar; todos se alongaram num total abandalhamento.

Quando o feiticeiro—adivinho-mágico—morreu de ferrugem, azebre, bolor, ninguém o lamentou! Muita gente, todavia, recordou quantos tentaram usurpar-lhe o poderio...

Perdição !...

1961

61A segunda época habitual das chuvas, de Outubro a Dezembro, fora acidentada no

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Sudoeste do Tanganica. Agora corria tempo amigo. As novas chuvas só viriam de Março a Maio.

O comissário distrital da TANU, em Mbeya, fumava à entrada do escritório. Lançou olhar suspicaz aos três indivíduos que avançavam ao seu encontro(«com a TANU a governar!, agora os estrangeiros surgem às manadas»).

Fanuel Mahluza, Absalão Baúle, e Sabastene Sigauke, abeiraram--se do comissário, postado à porta. Entreolharam-se. Entendendo que lhe davam a palavra, Mahluza impou mentiras escusadas:

— Somos «refugiados políticos», nacionalistas moçambicanos, e vimos fugidos da cadeia de Lourenço Marques; chegados de lá direitinhos!; e tudo batido a pé posto. Estamos a pedir auxílio.

— Bravo! Atravessastes de seis a oito fronteiras!, conforme o caminho palmilhado...; e sempre com sorte?, nessa fuga aos brancos sebentos ?!...

— Pois! E não custou, íamos procurando à nossa gente. Os sebentos são poucos; as fronteiras, unh!, nem demos conta delas, calhou bem!

O comissário admirou que viessem de Lourenço Marques a pronunciar o inglês de forma tão sofrível. Espiolhou-os:

— Documentos ?!...— Nem nada! Então?; foi fugir da cadeia e toca de bater tudo seguidinho até aqui, a

caminho de Dar-es-Salaam e da MANU. Ah!: só descansámos pouco-pouco em Salisbúria.Mahluza concluiu a frase e deu rápida palmada na testa; começou a desalfinetar do

forro do casaco a carta de recomendação recebida no NDP, em Salisbúria(«nervos e atrapalhação nem deixaram lembrar isto antes»). Neste interim, o comissário foi adiantando:

— Sendo autênticos Moçambicanos destinados à MANU, com ou sem documentação sois bem-vindos—(Passou de Primavera a Outono)—: A bater inglês dessa maneira!, não vkeis da República da África do Sul?...—(Vendo as caras de caso do Baúle e Sigauke viradas para o atrapalhado Mahluza)—:(«que procura?, ele ali!...»). Não aceitamos Sul-Africanos, por enquanto. Malta porreiríssima de Moçambique, isso sim, quanta mais, óptimo!, toda é pouca. Para o Oriente destruir os brancos da República da África do Sul, vão lá pró diabo!, primeiro temos de nos haver com os Portugueses de Moçambique—(Pegou na carta de recomendação estendida pelo Mahluza; e alvoroçado)—: Ah!; o assunto assim muda de figura! Entrai-entraU, tropinha de heróis(«o NDP está a colaborar bem com a TANU!; e o MCP mais o UNIP seguem o exemplo»). Entrai cá. Esta carta devia ter andado à frente das palavras!, homem.

* *Depois dos sete Moçambicanos serem atendidos na sede do NDP, cinco dos mentirosos

mantiveram-se curtos dias em Salisbúria, enquanto o Aurélio Bucuane e o David Chambale tornavam a Bulawayo pela bagagem de todos, guardada na palhota do António Mandlate.

De posse das malas, Adelino Chitofo Gwambe e Calvino Mahlayeye formaram o par que primeiro saiu da Rodésia do Sul, atravessou a Rodésia do Norte e penetrou no Tanganica. Sempre com sorte a correr de feição, galgaram a cantar a extensa distância até Mbeya. Apeavam-se das camionetas perto das fronteiras; cautelosos, percorriam a pé as zonas perigosas, e, sem documentação, iam apanhar outro transporte lá adiante. Durante o trajecto evitaram os brancos e só lidaram com negros entusiasmados e excitadores. Na passagem pela Rodésia do Norte, Gwambe esquerdeou para a capital; alcançada Lusaka, apareceu na sede do UNIP, e atreveu-se à audácia de ir ao semanário «African Mau» borbulhar palavreado logo aproveitado para uma entrevista apresentada em grande estilo!... («se o Joshua Nkomo afirmou que na política a propaganda é tudo!, então começo já a servir a minha UDENAMO»). Chegou à desfaçatez de se intitular político em fuga das prisões de Moçambique!, como vinha de afirmar e continuaria a dizer até para lá do fim da jornada.

Com três dias de intervalo partiu o segundo par; Bucuane--Chambale iam dispostos a fazer viagem turística; porém, sem contar, cairiam no inferno! Lembrados da sorte na sede do NDP, igualmente se dirigiram a Lusaka para praticar golpe idêntico junto do presidente do

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movimento UNIP(«venha dinheirinho!»).Por ainda incipientes nas trafulhices de monta, não souberam argumentar; provocaram

desconfianças, e foram considerados espiões.Entre os que formaram o disperso gfupo de Bulawayo, Chambale era o único portador

de passaporte /prestes a terminar/. A extemporânea exibição deste documento contribuiu imenso para duvidarem deles.

— Isto em seu poder?!(«quê?!; afirmam-se nacionalistas, fugidos de cadeias!, e trazem passaporte válido passado pelos brancos para esta Federação de caca?...»). Você traz coisa igual?

— Não—(Tartamudeou Bucuane, agora com lábio gilvaz)—.O presidente ausentou-se. Daí a minutos reapareceu, e disse-lhes para voltarem dentro

de cinco dias. Saíram. No seu encalço seguiram dois sócios do UNIP, incumbidos de investigar o procedimento deles.

Bucuane e Chambale trocaram impressões. Esperavam apanhar tanto ou mais dinheiro do que na Rodésia do Sul. Com segunda intenção, decidiram satisfazer o vício das passeatas, e tomaram o comboio para Broken Hill:

— Enquanto esperamos, lá podemos arriscar nova cartada na delegação do UNIP ou noutros partidos. O atrevimento desenvolve a coragem!—(Sentenciou Bucuane)—. Depois tornamos a Lusaka.

Os perseguidores também entraram no comboio.Na primeira noite em Broken Hill, Bucuane e Chambale foram atraídos a uma cilada:

encontravam-se a contas com apetitoso tas-salho de carne, quando de repente os dois espiões, acompanhados de sócios locais do UNIP!, se levantaram de mesa vizinha e jogaram à fedoca:

— De visita?, ou à cata de serviço...— Somos nacionalistas moçambicanos, recentemente fugidos da cadeia.— Mesmo de Moçambique?...— De Moçambique!, pois.— Trazeis documentos ?— Nada disso(«o presidente do UNIP não gostou de ver o passaporte»). Quem foge das

cadeias e arranca para o estrangeiro, como pode usar documentos?—(Bucuane tomou a peito as respostas, e premiu um joelho ao Chambale, para silenciar)—.

— Nem passaporte!, ao menos?...—(Grunhiu o mais afiambrado, mantendo rosto: ouriço)—.

— Aos nacionalistas em luta com os brancos manhosos, nada disso faz falta entre os Africanos, deveis saber...

O debate avançou. Aumentou a perfídia nos da Rodésia do Norte; manteve-se a credulidade nos Moçambicanos. Estes, sem suspeitarem da má fé, acabaram por aceitar a dormida na palhoça de um interrogador, nos arredores. «Confraternizaram» com bebidas fortes /vendidas à sorrelfa/ e pagas pelo Bucuane. Saíram tarde, envoltos em sentimentos diversos. A um quilómetro da urbe, pumba catapumba!: os Moçambicanos foram surpreendidos por pancadaria de criar bicho!

Chambale, de perna longa, pés para que vos quero!: largou a mala e desatou a fugir furando a escuridão, ao acaso. Quatro inimigos, meio ébrios, perseguiram-no; ele esgueirou-se e perderam-lhe o norte.

Os que ficaram, vingaram-se a dobrar no Bucuane. Refeito da surpresa, ainda tentou transformar a mala em escudo protector. Pior!: arrebataram-lha e arremessaram-na às pernas. Cambaleou. Esgrimindo os braços atabalhoadamente, foi recuando-recuando-recuando debaixo de viva pancadaria. Violentamente malhado, depressa sentiu a cabeça ferida. O sangue jorrou e entrou-lhe na boca. Deixou de recuar!: inopinada cambalhota, brrroouuuuumm!, fê-lo ir estatelar-se ao fundo de ribanceira medonha, demasiado declivosa para as vítimas conseguirem sobreviver...

Os atacantes lançaram gargalhadas alcoólicas. Um, que conhecia o abismo, cantarolou num griteiro: «Aí!, seu espião, mabeco sujo!; agora podes ir coscuvilhar bem feito na tua

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terra!»).---------------------------------------------------------------------------------------------------------

621961 foi esperado e ia ser vivido em alvoroço pelos principais negros Tanganiquenhos:

a independência estava prometida para Dezembro... O ano mostrava cariz radioso aos dirigentes da TANU. Julius Nyerere, já Primeiro-

Ministro no recente^ Conselho de Ministros, continuava presidente do seu movimento; Oscar Kambona, nomeado Ministro da Educação, mantinha o cargo de secretário-geral; Ronald Mwandjisse passou a secretário administrativo, e o seu antigo lugar de vice-secretário-geral foi ocupado pelo amigo Barongo.

Mbiyu Koinange ;vénias apareceu decidido a trabalhar com eles a todo o vapor.Embora ainda no início da transição governamental, /período de adaptação concebido

pelo pusilânime Governo Inglês/, Kambona instigou Nyerere a dar andamento a projectos audaciosos, um tudo-nada abandonados nas mesas da TANU, devido à mudança de ocupações operada na vida dos chefes.

E, a seis de Janeiro, Nyerere juntou os amigos no seu gabinete ministerial para dar maior solenidade às palavras dirigidas ao actual Mbiyu Koinange :batuque(«regalava-me se visse o director da cadeia central de Nairobi nestas imponências!, ji!»).

— Estamos jubilosos pela futura prestimosa colaboração do brilhante político ex-preso e zeloso secretário-geral do PAFMECA

—(Koinange, arredando vénias atamancadas, flectiu o tronco e saboreou as palavras:grinalda do novel Primeiro-Ministro)—. A sua chegada, há semanas atrás, representa feliz impulso no progresso da TANU. Todos nós gostosamente pedimos ao correligionário Mbiyu Koinange que se encarregue de dirigir e de tomar conta das questões relacionadas com os refugiados políticos afluídos a Dar-es-Salaam cada vez em maior número—(Koinange aproveitou a pausa e fez vénia espectacular)—. Assiste-nos a obrigação de ajudar quantos Africanos nacionalistas apareçam dispostos a derrubar os seus governos brancos. Acolhem-se à nossa protecção, graças à campanha de propaganda sabiamente orientada pelo conselho superior da TANU(«e poderosamente atiçada e subvencionada pela China»). O precioso colaborador Mbiyu Koinange dirigirá as casas destinadas aos refugiados políticos: tantas!, como os governos a que fogem os irmãos de cor—(O veniador teve amplo gesto :girassol)—. Ë indispensável imensa paciência, atendendo a que muitos foragidos políticos serão como esses elementos da MANU: desconhecedores, em absoluto, de doutrinas políticas...—(Sem pausar, derivou para)—: Ora amanhã estamos a sete; acaba precisamente em Casablanca a «Conferência dos Seis», ou seja, dos representantes da «NovaÁfrica». Pois se procurássemos aos nossos refugiados quais os objectivos daquele grupo, apesar de ouvirem emissoras talvez nenhum soubesse explicar que os Estados membros da Conferência pretendem acima de tudo a unidade africana e a libertação da África do jugo estrangeiro! Então os de Moçambique, — (Alteou a voz) — recomendo-lhos principalmente, Mbiyu Koinange, nunca ouviriam falar a preceito de comunismo e temas do género... Vai contactar gente rude; mas confiamos em si, caro Mbiyu Koinange—(Este fez que sim numa vénia temerosa)—.

Kambona, ao lado de Bhoke Munanka, tomou a palavra, virado para o todo-orelhas:

— É necessário alimentar sempre em força o turbilhão da revolta que para cá toca os foragidos. Ao mesmo tempo deverá ir esclarecendo que só podemos ajudar decisivamente os movimentos nacionalistas estrangeiros depois de conquistarmos total independência, no fim deste ano. Há excepção para a MANU!, claro(«nunca a conquista do Cabo Delgado poderá ser descurada»). A propósito disso, é natural que de onze a treze, próximos, o dr. Julius Nyerere interceda por ela, em Nairobi, na Conferência Especial dos Chefes dos Movimentos Nacionalistas Africanos, do PAFMECA, convocada pelo Tom M'Boya. A obtenção de qualquer apoio, seja ele qual for, ajudará os nossos intentos contra os Portugueses.

Mbiyu Koinange aproveitou pausa estirada para abrir os braços, vergar em vénia

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rasgada e dizer, solene:— Há quem deteste brancos de toda a forma e feitio: sou um deles!, senhores.

Descansem: quantos irmãos nacionalistas chegarem, ficam bem debaixo da minha orientação(«os badamecos brancos das cadeias de Nairobi deviam ver isto!»). Deixem os da MANU cá comigo!

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63Fanuel Mahluza, Absalão Baúle, e Sabastene Sigauke, tiveram especiais deferências ao

entrar no comissariado distrital da TANU, em Mbeya. O chefe do escritório disse ao servente para mandar preparar alimentação com tempero de puxavante, acrescentando:

— E boa pinga!, hem?... Tudo na aprumada; estes amigos merecem bom trato; estão por nossa conta. Vão trabalhar na libertação de Moçambique.

— É verdade!—(Chirreou o servente, afirmativo, seguindo hábito antigo)—.Entrementes, o comissário ficou a desbobinar amendoim-gergelim, de mistura com

doutrinação política; injectou ódio contra os brancos; acirrou contra os Portugueses; acoimou a Europa de responsável pelos danos verificados em África no passado, no presente e no futuro. Num andamento deixa-correr, acabou en-feitador:

— Quando precisarem, é só apitar; de ora avante a TANU protege-os. Dentro dum migalho vão comer e descansam, que do Sul de Moçambique a esta zona do Tanganica, quase tudo feito de rota batida!, conforme explicaram, é obra!, é. Amanhã cedinho meto--os no comboio, apontados a Dar-es-Salaam—(Coçando o nariz)—: Não enxergo patavina!: como aprendem inglês?, os Africanos, em Moçambique...

Mahluza, Baúle e Sigauke, entreolharam-se numa inquirição de qual devia responder. Temiam deixar perceber que não eram refugiados políticos. O primeiro decidiu-se, /pronto a ocultar a aprendizagem do inglês em Bulawayo/:

— Sabemos pouco-pouco. Aprendemos quase-nada quando trabalhámos nas minas do «Rand»!). Os Moçambicanos, a viverem nas missões protestantes, ou perto delas, também praticam alguma coisinha—(Desentaramelada outra vez a língua, arriscou pergunta coberta de mentira)—: Disseram em Salisbúria que no NDP apareceram uns tipos Aurélio Bucuane e David Chambale. Eles passaram aqui?...

— Bucuane?, Chambale?; na..., não! Adelino Chitofo Gwambe e Calvino Mahlayeye, esses sim; até já chegaram a Dar-es-Salaam(«o Gwambe trazia cabeleira óptima para sanatório de piolhos!»).

* *Uma patrulha da Polícia regressada de ronda-surpresa aos bairros indígenas de Broken

Hill viu duas malas caídas rente à estrada, perto de perigoso precipício. Travou. Palpitou encrenca! Aproximou-se do despenhadeiro. Projectou o foco das lanternas no fundo da escarpada encosta, e descortinou um homem. Dois polícias percorreram caminhos escabrosos, e conseguiram abeirar-se dele. Ainda respirava. Levaram-no ao hospital; passou lá o resto da noite. Achado apto, transitou para a esquadra.

A um quilómetro de Broken Hill, Bucuane estivera inanimado longo tempo na base da abrupta ribanceira. Quando rebolou por ali abaixo sem soltar pio!, os meliantes julgaram-no a caminho do diabo...

Espantou a própria Polícia!, ficarem as malas abandonadas resvés à estrada, até que horas da noite, sem ninguém as levar.

Na esquadra, Bucuane foi metralhado com perguntas díspares. Antes de iniciar as respostas, conseguiu raciocinar ser indispensável contar aos brancos história bem diferente das mentiras desfiadas aos negros na pedinchice de favores(«nesta trapalhada convém dizer quase a verdade à Polícia; se acreditarem, terei sorte, ainda»). Revelou que era de Moçambique e vivia há muito em Bulawayo, empregado na cantina dos Caminhos de Ferro; viera à Rodésia do Norte visitar amigo antigo, na companhia de um David Chambale, dono da outra mala; no caminho foram atacados por passantes, talvez tocados de álcool...;

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Chambale fugira.Silenciou; mordiscou o lábio superior; levantou o rosto e mostrou a vista esquerda mais

acesa do que a direita.O inquiridor ficou neutral. Navegava em divagações. Volvido pouco tempo, tornou a

procurar se estaria fugindo de Moçambique para Tanganica; se era espião contra os Portugueses brancos; se viria envenenar com politiquices de cordel os negros dali já demasiado esturrados; se pertenceria a grupo de estrangeiros aparecido para formar novo partido político!, acompanhando a moda corrente...; e se, devido a discórdia, teria sido espancado pelos companheiros!, pois lhe custava a crer que desconhecidos o atirassem para o barranco, e desistissem das malas...

Bucuane ensaiou semblante morrediço. Aproveitando o ambiente amenoso, em duas penadas repetiu-se de fio a pavio.

O interrogador não desarmou:— As malas só trazem roupa; documentos não existem!; ora mostra cá a direcção do

amigo que vinhas visitar; talvez ele ponha luz nesta embrulhada...(«cheira-me a tramóia de autênticos mel-catrefes!...»).

O padecente,(«preferia continuar em Bulawayo como o António Mandlate e os que lá ficaram»), jogou, lamuriento:

— Comi tanta pancadaria!, e, para cúmulo do azar, o tal David Chambale, bastante mais leve, fugiu levando os documentos e o papel da direcção que nem lembro. O amigo tinha-a enviado há anos.

Brusco polícia reaparecido sacudiu dedos e atirou ao colega:— Tudo em pratos limpos!: este é Aurélio Bucuane; acaba de citar um David

Chambale; pronto: terroristas puros!, ou a caminho disso, se nós deixássemos...—(Abriu a pasta, puxou e folheou o jornal «African Mau». Enquanto atónito o Moçambicano, e ligeiramente obtuso o Rodesiano, entoou)—; Está bem claro nesta entrevista dum pateta Adelino Chitofo Gwambe!, publicada há dias: afirma-se fundador da UDENAMO; vós vindes directos de Moçambique, fugidos das cadeias, com destino à MANU do Tanganica. Vossos nomes e os doutros lêem-se aqui!; acabaram as dúvidas.

— Político?, sua peste!...—(Prorrompeu o primeiro polícia, com um olho aberto e outro fechado, e a cara de viés para o azarento)—. Arranjaste esteira para o resto da vida !(«devemos entregá-lo às autoridades portuguesas»).

Bucuane, passadinho de todo, contorceu-se a falar do Gwambe como seu inimigo mortal desde miúdos; jurou ser aquilo partida infame por sabê-lo bem vivido em Bulawayo; uma vingança destinada a rebentar-lhe a vida(«só vejo esta possibilidade»):

— Se o Chambale estivesse presente, os senhores guardas veriam passaportes impossíveis nas mãos de fugitivos das cadeias e de Africanos dados à política—(Na esquadra servia de álibi o que na sede do UNIP fora motivo de condenação)—. A certeza de que não sou preso e nem venho de Moçambique, facilmente a obtêm telefonando para o escritório central dos Caminhos de Ferro, em Bulawayo. Eu trabalhava na cantina, já disse. Da pas-telaria onde o Chambale comprava doçaria também poderão confirmar há que tempos ele vive na Rodésia do Sul.

— Puxa!: quero ver esse descaramento e a tua habilidade... («ou o Gwambe será charlatão de carregar pela boca?...»)—(O encarregado da investigação preferiu trabalhar com segurança. Aventurou-se ao telefonema, noutra sala. Concluído)—:(«bem supus ir descobrir patranha complicada!...»): Arriba esses ombros!, desgraçado. Mais amargos de boca, irás conhecê-los no futuro. Confirmaram que eras lá empregado; mas esclareceram igualmente ser o tal Gwambe da entrevista contínuo na tesouraria central dos Caminhos de Ferro, e que desaparecestes ao mesmo tempo sem comunicar palavra!—(Volveu ao colega)—: E esta?, hem?...

O segundo polícia respondeu empedernido, apesar de fitar o rosto do negro pela hora da morte:

— Quando o nosso chefe souber, só pode tomar a decisão de comunicar a ocorrência ao

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director da Polícia de Moçambique; e de lá virá alguém tomar conta deste malandro—(Franziu o cenho)_: Se ainda conseguíssemos apanhar a nódoa do Gwambe e a lástima do Chambale!, isso então é que os da Polícia de Lourenço Marques experimentava alegria delirante!...

* *

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(«naturalmente apenas com a instrução primária!, e fala armado em líder desta sucata UDENAMO!, fundada, diz ele!, para libertar Moçambique... Libertar quem?; como?!; e de quê?... Há cada palhaço!...»). O director da Polícia de Moçambique tinha nos territórios vizinhos quem lhe remetesse as publicações editadas pêlos negros(«deixamos ir os nossos autóctones para onde lhes apetece!, e são corrompidos»). Tornou a pegar no «African Mail»; procurou a entrevista revolucionária!:(«Chitofo Gwambe!: como é possível?, desconhecer este nome, e surgir-me pela primeira vez encabeçando tanta choldraboldra!...»). Arranhou a cabeça. Animou o cachimbo(«estas perguntas e respostas estão cheias de dislates!; mesmo assim, é tudo obra de jornalista em busca de sensacionalismo. O buzarate Gwambe nada perceberá destas vidas...»). Atirou-se a segunda leitura no propósito de assinalar a vermelho os nomes referenciados e as frases que mais lhe dilaceravam o amor pátrio. No final soltou espiral de fumo; e:(«um parvajola daqueles!, arvorado em ditador e sei lá que mais... Enfim!; tem de ser seguido: pelo que badala aqui, já deve andar em Dar-es-Salaam. É isto!, não descortino melhor solução: enfio alguém no Tanganica a vigiá-lo. Acho difícil outro negro servir para tal tarefa!: ainda seria transformado em seu lugar-tenente... Conforme escreveu Álvaro Pinto, o pessoal da TANU chegou a desconfiar dele; portanto convém artedá-lo desta alhada. Enviar daqui um branco não resulta; era contraproducente. Quem for, deve viver à margem e ignorar totalmente o Álvaro Pinto, e até o seu escritório. Só assim conseguirei quanto pretendo»). Fazendo cantar dois dedos exclamativos :(«ah!: exacto, nem mais!»).

Em Lourenço Marques o director da Polícia também ainda desconhecia quem fosse Aurélio Bucuane; e nem por sombras podia imaginar o que lhe estava sucedendo na Rodésia do Norte!...

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Com um pequenito adiante a ensinar o caminho para o Hotel Internacional, de Dar-es-Salaam, Belisário Mota e Mbiyu Koinange avançavam na marginal.

O Moçambicano e o Queniano tinham sido apresentados há pouco, na TANU. Belisário aparecera quando estavam o dr. Nyerere, Bhoke Munanka, e o novo vice-secretário-geral Barongo; depois chegou Oscar Kambona, dando o braço ao Mbiyu Koinange, e Mwandjisse.

Desusado espalhafato!, nas apresentações. De seguida, Belisário foi forçado a recomeçar o despejo de mentiras muito solenes, como se no cérebro tivesse o decalque das grossas petas enfiadas em Blantyre ao Orton Chirua e depois ao dr. Bhanda!, tempos atrás...

Provocou delírio. Munanka lançou:— Destes homens estava a MÁNU precisada. Choveram elogios. E Barongo:— Dirigentes assim experimentados, a saberem realmente o que pretendem, faziam

falta tremenda. Também Nyerere, blandicioso:— O presidente e o secretário da MANU desertaram. Faltou--Ihes arcaboiço para

cargos de tamanha envergadura. Sem o mínimo estofo, anda por lá a saltaricar o estarola SangoUpinde. Vão chegando novos elementos dos mais diversos pontos de Moçambique: é gentinha sem cotação!, louvado Deus; portanto, o senhor Belisário Mota está indubitavelmente indicado para um dos lugares cimeiros, quando o Ronald Mwandjisse e o Mbiyu Koinange estudarem eleições a sério. Até lá, vá entrando na sede; convém misturar-se, relacionar-se, conquistar amigos; se não, chamam-no estrangeiro!, mal o virem na direcção!, e só por não ser Maconde, nem do Cabo Delgado... Para melhor se impor ao respeito dos...—(Num aparte conselheiro)—: Deve armazenar paciência, senhor Belisário Mota; aquilo na MANU é tudo pingalho confrangedor!; fica prevenido...—(Retomou o fio)—: Dizia: para melhor se impor ao respeito, a TANU resolveu instalá-lo no Hotel Internacional. Evidentemente, senhor Belisário Mota, com essa brilhante folha de serviço, de nenhuma forma ficava bem na casa dos refugiados de Moçambique(«certa só para gwambes, mahlayeyes e quejandos»).

Prosseguiram numa chuchadeira de chocalhices. Quando cansaram, foram dispersando.Belisário e Koinange persistiram na maledicência, ao longo da marginal. O primeiro

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cedeu a uma espécie de confidência, visando os Portugueses a seu bel-prazer.O miúdo, à frente, espetou topada brava numa pedra adormecida na berma da estrada.

A chofrada fê-lo chorincar. Vendo que não lhe ligavam, estancou as lágrimas(«em aqui passando calçado, deixa estar!, vingo-me aos chutos nestas pedras todas»).

Belisário Mota deixara a Niassalândia na companhia dos colaboradores Cândido Cadaga, Saylah e Cerejo Mateus. Haviam tomado um barquito a Noroeste do Lago Niassa, pelas quatro horas da manhã, em direcção a Mbamba Bay. Chegados aqui, recorreram ao representante da TANU, que foi todo serventias perante a credencial passada pelo dr. Hastings Bhanda. Depressa atravessaram o Tanga-nica. Alcançada Dar-es-Salaam e a TANU, os colaboradores do ex-«autêntico!», deram entrada na casa dos «refugiados» de Moçambique, recentemente inaugurada.

No percurso da marginal, Belisário aproveitou a lengalenga para ir estudando o Mbiyu Koinange(«os da TANU pensam que vou ficar sob a tua alçada; governe-me ou não!, nunca desistirei da minha UNAMI em favor da MANU. De qualquer modo, este Koinange será sempre correio mais de levar do que de trazer. Eu o trabalharei à conveniência!...»). E, feito barbalhoste, desatou a moer pancada na Europa, penteando cada frase com opressão, servidão, escravidão... No rescaldo:(«faz vénias à farta!; fala pouco!; todavia, admiro como certas conversas têm o condão de transformar um simples amigalhote num caro amigalhaço!...»).

Sem proferir palavra, o pequeno guia deixou a beira-mar e torceu à esquerda, mantendo olhos no chão desde o descuidado pontapé na pedra. Os homens seguiram-no. Lembravam elefantes alentados obedecendo a adestrador circense.

Belisário sentiu lume na curiosidade:— Debandaram os dirigentes da MANU: ora essa!... Quem anda lá a modos mais

saliente?(«o Nyerere falou num Sangolipinde... Não dêem eles cabo do juízo aos meus homens!...»).

— Tudo cambada inútil. Um Sangolipinde tenta impor-se. Vai comendo pancada pela medida grossa; fica indiferente! Quanto mais mexerica, menos amanha. A maioria são Macondes; difíceis de aturar como tigres! Veremos no futuro; também estão aparecendo homens do Sul de Moçambique, igualmente animados das melhores intenções.

— Ë difícil atirar corda ao cachaço desses morcegos. Se o ilustre Mbiyu Koinange e a TANU não tiverem mão neles, será infrutífero todo o esforço(«coincidência curiosa!: referiram um Gwambe e outros, dizendo-os fugidos da cadeia: andariam como eu pelo estrangeiro na pedincha de credenciais para chegarem cá disfarçados de revolucionários!, e ficarem a viver à custa da TANU?... Este Koinange será esturradinho!...»). O meu amigo não é dado a muita letra!; parece-me...

— Conforme calha... Gosto de ler, gosto.— Digo conversação!...— Ah! Fiquei mais tal desde que entrei na maldita cadeia de Nairobi. Mudei que nem

queira crer!... Era alegre, risonho a fartar!; agora...— Aprecio escutar choradeira sobre a vida dentro das grades!— Irra!... Lembrar venenos?...; mais ficamos a detestar o mundo! Deixe-me cá

continuar a odiar em seco, deixe. Quanto menos falarmos, quanto mais enrodilharmos e calcarmos tudo cá dentro!, melhor saberá a explosão.

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Em Dar-es-Salaam, a casa dos «refugiados políticos» de Moçambique fica no Bairro Ilala. Está bastante isolada. É tipo chalé, O único empregado cozinha e coloca na mesa; faz a limpeza quando calha... Diariamente vai à TANU receber instruções para cada refeição. O secretário administrativo Ronald Mwandjisse, indica-lhe as quantidades dos alimentos a preparar. Costuma ir dali à mercearia. Preços e pagamentos da mercadoria não o incomodam: são problemas a resolver mensalmente entre o merceeiro e o administrador Mwandjisse. Além do salário, ainda goza com as desavenças e as truanices, frequentes entre os comensais.

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Cada hóspede trata da sua roupa e faz a respectiva cama. Dormem, comem, discutem e berram; às vezes agridem-se. A vantagem da vida de costas ao alto força-os a darem-se os braços após os desaguisados. Deitam-se, levantam-se e vão comer quando lhes dá na bolha.

Miúdas, raparigas e mulheres apanhadas no Bairro Kariakoo, na Rua da Ilala e na Rua Somália, entram e saem com frequência a qualquer hora do dia; ébrias, geralmente.

Casa de paredes nuas: não existem imagens de divindades; não há retratos familiares; nem tão-pouco o de Mão Tse Tung em homenagem aos Chineses: mesmo antes da saída total dos Ingleses do Poder ajudam às despesas por intermédio da TANU e cultivam o rancor nos Moçambicanos ali residentes. Nenhum reza; vivem a Leste de preocupações espirituais. Blasfémias, voam como carusma, â cada momento.

Decorre um jantar; vai quase no fim. Estão poucos à mesa. Impera a truculência do estopante Chitofo Gwambe, sedento por atrair a atenção de jornais e emissoras especiais!(«nem que seja a talhos de podoa ou com a folha da catana!, conseguirei»). Blasona:

— Já eu hei-de valer milhões!, e ainda vós continuareis atidos à farinha da TANU—(De cenhos aferrenhados, os parceiros nem uma nem duas! Truão, o jagodes enterrou pregos)—: Sois uns cágados!; em breve aparareis o meu nome nas melhores emissoras do mundo; que pensais?... Apenas entrei em Lusaka, fui logo ao UNIP, apareci no semanário «African Mail»; deixei nome bravo na Rodésia do Norte! Ai não!...—(Gwambe:gazua propusera-se pegar com o primeiro a dar troco. Nenhum arriscava preta nem parda!; entretinham os nervos com bolinhas de pão entre os dedos)—. Ah!, lindos defuntos!...

Pairava na sala nevoeiro de cortar à catana,De fora abriram a porta. Entraram quatro homens. O ambiente baço ficou mais toldado com a

gargalhada :carocho disparada pelo Gwambe contra os aparecidos.Da mesa, Mahlayeye, Mahluza, Baúle e Sigauke saudaram primeiro. Responderam Bucuane,

Chambale, Belisário e um Paty Momade, conhecido de tarde na sede da MANU /misto: filho de negra e de Mauriciano islamita. A rir, prometia ser esperto; se carrancudo, parecia bruto como as casas!.../. Foi observado da cabeça aos pés. Não embasbacou.

Bucuane, entupido pela casquinada do rival, atreveu-se a iniciar tímida apresentação; porém não prosseguiu: de chofre, Gwambe atirara veneno candente:

— Éia!, manos: o misto sabe apresentar-se; dispensa criados («mal o vi, poh!, ficou-me cá atravessado...»). Vamos saber a verdade, seu Belisário: temos fugido um do outro!; porquê? Se pensa que lhe quero tirar o lugar de presidente da MANU, escusa de recear. Por mim, fique lá dono daquilo tudo, mais o inocente Bucuane e esse misto de má pinta. Sei bem o que pretendo—(O misto firmava pés no pavimento; os outros não sabiam como pôr as mãos)—. Quem merecia estar no Hotel Internacional, era eu!; ouviu?, seu velhote...

— Para tal distinção, precisava apresentar-se na TANU como autor de obras válidas—(Atreveu-se Belisário, de testa enrugada. Adiantou, à má fé)—: Já fundei e realizei iniciativas importantes com a Associação Nacional Africana de Moatize. Veio corja de polícias de Lourenço Marques a perseguir-me. Traiçoeiros, deitaram fogo à sede. A Polícia de Tete nunca fez nada!, comigo. Estive preso durante cambulhada de anos. Consegui fugir!, algemado e tudo. Depois ganhei coragem dobrada e fundei a UNAMI(«calar; é cedo para falar nela»). Novas perseguições! Olhe: acabei por chegar ao Tanganica pronto a trabalhar na MANU. Não sou qualquer fabiano!

— Aí!, seu Belisário: contou história rija!—(Gwambe roncou. Belisário insistiu na má catadura. Paty Momade continuava a encruar. Bucuane e Chambale encostaram-se à porta. Os restantes, pressentindo trovoada, arredaram da mesa. Terminada a roncadela)—: Éia!, seu velhote: mas quando daqui a uns anitos conhecer as minhas façanhas!, verá: há-de arrepelar-se de inveja!—(Tornou a roncar. Dardejou para o Paty Momade)—: Agora, tu!, meu misto...

Ficou impossibilitado de continuar!, perante a disparada do alvejado, à virga-férrea;— Meu misto!, uma gaita!, ò seu pulha safardana!Gwambe enraiveceu. Estava longe de esperar reacção tão furiosa. Com os calcanhares

arremessou a cadeira de encontro à parede. Vendo o Paty Momade a fazer-lhe frente, pretendeu ate-morizá-lo: no propósito de atirar-se a ele feito pantera,(«fica tudo raso!, todos gagas»), fincou as mãos na mesa e a pés juntos saltou para cima. No instante preciso, o corisco Paty deitou mãos electri-cidade à mesa e virou-a de cangalhas, sem dar tempo ao antagonista de esboçar o pontapé passado pelo cérebro no momento em que pisou o tampo e pressentiu a intenção do inimigo.

Quando o Gwambe :faísca se levantou, com o fato da vaidade feito em fanicos, já o misto brandia no ar coruscante catanão! Aquele parou, subitamente. Inflamado, disparou voz:inferno:

— Misto porcalhão!: larga a catana, e avança! Em resposta, Paty Momade patenteou golpe de mestre ao cravar a lâmina num canto do

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sobrado.Feito isto!, os dois furiosos viram-se maniatados. Gwambe :manicómio ficou aos arrancos nos

braços dos companheiros de mesa. Paty Momade, resignado após ligeiro estremeção, deixou-se arrastar pêlos acompanhantes. Bucuane levava a catana do misto; ao atingir a porta, foi alvejado pelo desvairado Gwambe:

_Foges regalado?, pançudo sarnento! Na Rodésia do Norte vinguei-me de ti antecipadamente. Quanto contaste à chegada a Dar-es-Salaam provoquei-o eu em Lusaka: no UNIP revelei que parecias espião a favor dos brancos!; portanto, se lá aparecesses... E ao «African Mail» buzinei de forma especial a teu respeito por supor que a Polícia inglesa lia o jornal, tu estavas sujeito a ser apanhado e assim te tramava! Chupa destas!, parvo zebu.

Berradas as últimas palavras, Bucuane alcançava já o portão da rua. Confuso, atordoado, respondeu soltando palavrão ácido.

Bem seguro ainda, Gwambe:turbamulta escumava em convulsão e mostrava dentes dispostos a reduzirem rochedos a brita!...

*Paty Momade atrevera-se de tarde a entrar pela primeira vez na sede da MANU. Meteu

conversa:música a torto e a direito. Afirmou ser consumado revolucionário! Acabou por amesendar-se com o Belisário Mota, Aurélio Bucuane, David Chambale, Saylah, Cândido Cadaga e Cerejo Mateus. /Os três últimos desapareceram depressa; pretendiam dar um giro e ir jantar antes de todos, para evitarem o Gwambe díscolo/.

Paty inventou historieta deveras curiosa para explicação da sua proveniência e dos objectivos futuros. Em seguida manejou cordelinhos e pôs o Belisário a cantar seus mundos e fundos; tambémo Bucuane foi picado: igualmente bazofiou à grande! Juntou à sua a vida do Chambale. .

Sem ninguém dar conta, o misto devorava com olhos e orelhas os mínimos pormenores. Gravava tudo na memória. Nos detalhes mais excitantes, dominava-se; quase fingia fria indiferença.

Pelo tarde /ia a descrição do Bucuane a meio/ notaram enorme atraso para o jantar i— Pouco importa—(Esclareceu Chambale)—. Ao menos evitamos a carraça do Chitofo

Gwambe.À nomeação deste nome, Paty Momade agitou-se. Astucioso, fez questão de ir conhecer a casa

dos «refugiados» de Moçambique («ainda hoje posso ter a sorte de encontrar o bichano bravo?...»)-Belisário apreciava a companhia, embora parecesse avô dos restantes homens; e decidiu

acompanhá-los(«petisco qualquer coisa com eles. É demasiado tarde para ir comer ao hotel»).Alcançaram a sala de jantar quando o Bucuane dizia ter gramado três dias na esquadra de

Broken Hill, à espera do chefe da Polícia, ausente em Lusaka.O misto ficara em pulgas perante a interrupção imposta pelo Gwambe. Nem a inesperada

sarrafusca aturada lhe arrefeceu a curiosidade. Apanhado de novo na rua, espicaçou:— Para melhor serenarmos, esqueçamos a besta do Chitofo, ou Gwambe, ou o raio que o

pele!..., e o amigo Bucuane acabe antes a sua história valente—(Tentou ligá-lo ao ponto exacto)—: Faz pasmar!: em vez de cair nas mãos da Polícia de Moçambique, conforme ameaçaram na esquadra rodesiana, como veio parar a Dar-es-Salaam?...

Bucuane não se fez rogado(«para espairecer, é bom recordar vitórias sobre policiaria branca!»). E com inúmeros floreados contou que enquanto o chefe da Polícia não regressava de Lusaka, tinha conseguido a liberdade em troca da mala oferecida uma noite ao guarda vigiador.

— O guarda era branco?, ou africano!...—(Cortou o misto)—.— Africano!, evidentemente—(Bucuane prosseguiu; explicou o reencontro com o Chambale,

no comissariado distrital da TANU, em Mbeya. Tornou a ser interrompido)—:— E a travessia da raia?...— O Chambale passara a corta-mato. Eu mal podia comigo!, quanto mais com a mala

restante... Saí de Broken Hill e fui pedindo boleias—(Esmiuçou ter-se escondido, por fim, entre a carga de enorme camião, e que alcançou Mbeya entregando com sacrifício mortal a segunda mala ao motorista que o ajudara a transpor a fronteira)—.

Paty Momade :sorvedoiro voltou à carga disparando perguntas enfiadas umas nas outras, enfeitadas de sonsice. Quis saber tudo acerca do Gwambe. Ajudado pelo Chambale, Bucuane foi dando vazão, e acabou afirmando que o lanho no lábio era obra pessoal:

— Arranjei esta racha em Salisbúria, à saída do NDP, quando vínhamos de pedir auxílio ao presidente Joshua Nkorno, antes de enfiarmos no Tanganica. Fiz o golpe só para não enterrar a catana no bandulho do Gwambe!, por amor à vida!; pois!: fiquei furibundo com gargalhadas dele, e se lhe metesse o aço nas tripas, acabávamos nas mãos um do outro.

—Gwambe!-Gwambe!... Está debaixo de olho!; deixem-no... para a próxima será com isto:

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vejam!

Periclitantes, todos tentaram toscar o revólver exibido pelo misto, à luz:cadáver da Lua.Duas horas volvidas, Paty Momade entrou no quarto da pensão onde se hospedara à chegada a

Dar-es-Salaam. Fechou a porta com precaução:segredo. Correu a cortina da janela. Na mesa colocou revólver bem acordado!... Lavou a cara. Concentrou ideias(«o primeiro dia foi ganho de forma brilhante!; vamos ao que importa!»). Sentou-se, inclinado a escrever carta extensa-extensa!... Começou assim:

Meu caro primo Ibrahïmo Rhentula:---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

66Se o Gwambe tinha um plano a desenvolver, Momade estava incumbido de tarefa espinhosa.

Fingiram esquecer a cena desagradável; não lhes convinha empecer demasiado o caminho a percorrer. Passaram a disfarçar o azedume. Decorreram duas semanas. E rebentou calamitosa catástrofe numa parcela de Portugal:

4 de Fevereiro de 1961!...Dia de carnificina, de sanha demoníaca e desvairamento em Angola!: início do terrorismo.Imediatamente, Agência Tass, Agência Nova China, e outras, Rádio-Moscovo, Rádio-Pequim,

Rádio-Cairo, Rádio -Brazzaville, Emissora de Ghana, Emissora de Dar-es-Salaam, Emissora do Senegal, e outras, atroaram o Mundo e incitaram os negros à rebelião contra os brancos!

4 de Fevereiro de 1961!...Na capital do Tanganica perpassavam frémitos de convulsa loucura entre desnaturados

Moçambicanos ligados à MANU!: entraram em desvario, afundaram em bebedeiras :orgia. Nos antigos companheiros do Kibiriti, principalmente, ardia louco desejo de empunharem armas e invadir Moçambique.

Os da TANU rejubilaram! Felicitavam-se! Ficaram numa roda viva! Mwandjisse e Barongo fizeram sucessivos telefonemas. Correram ao encontro do ministro Oscar Kambona. Além do levante de Angola, tinham outro caso grave a expor e a debater em profundidade.

Caminho fora, esfarraparam conversa de Africanos, Europeus, bombas, fogo, sangue!... Chegados ao Ministério da Educação, arredaram o tema Angola por lembrarem de novo a gravidade e o peso do outro motivo que os trouxe ali.

Contra o costume, tiveram de aguardar vez. Deram saída à preocupação aflorada à mente ao penetrarem na sala de espera. Barongo, tartaranhão;

— Pois o misto Paty Momade não é tipo qualquer!; o sacripanta é de certeza qualquer tipo!— Descoberta a mínima ponta por onde lhe pegar!, nisto não haverá abafarete—(Virou

Mwandjisse)—.— Pelo Gwambe, sei que o misto é fala-barato, pergunta muito respondendo pouco, farta-se de

achincalhar Portugal, de apoucar os brancos graúdos de Moçambique!...— Segundo informação de outros, o Paty não é tanto assim; mas para lá caminha!, atendendo às

confidências do Mbiyu Koinange...— Destoa!..., a fazer fé nas palavras do Gwambe(«este mostra detestá-lo»). Acho demasiada

sede contra os Portugueses!; para mais antes da fúria dos nossos irmãos angolanos!... Se atacasse a partir de hoje!, vá lá, vá lá... Ora assim!...

— Veremos a reacção do Kambona... Ficará grogue!, se ainda desconhecer a última novidade...— Com quem estará?, o nosso ministro... De sorte fala a indivíduos tão importantes como

nós!...— Ali o contínuo disse que atendia o cabecilha do Partido Popular de Zanzibar e Pemba.— Esse talvez venha a ser um dos líderes que nos ajudará à anexação do Zanzibar, conquistada

a total independência do Tanganica, embora o xeque Abeid Karume e o xeque Othman Shariff, dirigentes do Afro-Shirazi Party, presentemente se mostrem mais inclinados às intenções da nossa TANU.

— Actualmente todo o mundo põe olhos em África. Só devemos resolver a anexação de Zanzibar e de Pemba tempos depois de obtermos a liberdade, para não sermos criticados. Disfarçaremos bem; os nossos irmãos de cor, determinados mouros e asiáticos, devidamente preparados, lá rebentarão com o Governo Asiático--rnuçulmano, na devida oportunidade.

— Dizem que toda a população está virada ao islamismo, assim como a da Costa Francesa dos Somális, já agora,..

— E aumenta a tendência para o comunismo, ultimamente. Os nossos amigos Chineses infiltraram-se lá primeiro do que aqui.

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— No fim deste ano instalam-se em definitivo no Tanganica. Destronados os Ingleses, eles poderão ajudar-nos melhor, e também aos territórios fartos da inglesada e dos portuguesitos.

Nas salas de espera, o palavreado costuma ser vadio; forma livre de matar tempo. Também aqui aumentou de moiros para toiros.

Mwandjisse tentou desobstruir cérebro :névoa:— Noutros tempos, os Russos imaginaram ser mais fácil conquistar populações islamizadas do

que tribalizadas. Hoje arredam esse critério e estão, igualmente, lançados ao ataque.— A experiência directa foi a mestra deles. A Rússia, depois, acabou por alarmar-se com a

enorme extensão de África, mesmo aquém-Norte!, já ocupada pela fé islâmica. E, à compita com a China, resolveu fazer frente à infiltração árabe-asiática. Além de nos ajudarem economicamente, contribuem para a expulsão dos antigos colonialistas.

— Chineses e Russos escusam de se queixar!: o islamismo penetra e semeia ódios contra o Ocidente; ora, tais sentimentos favorecem a implantação do comunismo...

— Tudo correria de vento em popa aos Chineses e Russos, e até mesmo aos Americanos, se Asiáticos e Árabes não continuassem tão empenhados na ocupação de África!, desde séculos.

— Cáfila de sanguessugas!, alguns, como os Europeus(«saem estes, entram outros; adianta-nos?...»).

O volante da parlenga funcionou; enveredaram, às curvas;— Na tropinha chegada de Moçambique distingo os três rafeiros sempre atrás do Belisário

Mota.— Às vezes falam no dialecto deles.— Para esconderem segredos, certamente...— UNAMI, já o Koinange percebeu!, e viu o Belisário de testa franzida.— O velho Mota não será tão-tão!, como o dr. Nyerere e o ministro Kambona julgam...— Isso di-lo Mbiyu Koinange.— De entrada, todos são estupendos e magníficos!; ao fim vamos ver e..., faça o diabo a

escolha.— Em pouco tempo já sucederam desacatos levados da breca! Assoma por aí cada bico!... Só

os malandros deixam as suas terras...— Insisto no Paty Momade!: diz-se comerciante, ou filho de próspero comerciante em

Lourenço Marques, e que deseja combater Moçambique sem ser pesado à TANU, e toca para boa pensão desdenhando a casa destinada aos da MANU!

— Ui!, os da MANU... Trabalhar, é do que eles precisam. São todos calaceiros.— Mbiyu Koinange reuniu-os e exortou-os a irem primeiro pelas plantações sisaleiras, perto de

Dar-es-Salaam, e mais longe, depois, à procura de novos sócios.— Com o início da expulsão dos Portugueses de Angola, talvez comece a ser fácil a conquista

de adeptos para a MANU...— E os verdadeiros nacionalistas africanos de Moçambique ficam danadinhos por fazerem seus

brilharetes diante dos brancos.— A esses já não dou seis meses em África!—(Mwandjisse puxou carteira :armazém;

vasculhou e passeou papéis, papelinhos, fotografias, cartas e cartões. Ao encontrar o mapa procurado)—: O Kambona mandava entrar, se nos soubesse à espera.

Aberto o mapa, Barongo e Mwandjisse puseram-se a ver o Império Português.Quanto ao novo Ministério da Educação do Tanganica, por fora cordas de viola, por dentro pão

bolorento. Os funcionários andavam ainda em palpos de aranha. A inexperiência do próprio ministro levava-o a mexericar em papéis que logo largava para retomá-los depois de implicar com outros. Todavia, manifestava férreo desejo de triunfar.

Quando recebeu os dois amigos, envolveu-os em braços :batuque, sorridente. Cantantes, congratularam-se pelo sangue de Europeus jorrado em Angola, ao poder de balas fornecidas pelos inimigos do Ocidente em geral. Abrandado o alarido inicial, Kambona disparou num foguete:

— Óptimo!, aparecerem. Tenho novidade importante!: recebi telefonema de Mbiyu Koinange; julga que o misto Paty Momade é espião!

— Oh!... Estamos aqui precisamente por isso!; e viemos depressinha devido ao triunfo africano iniciado hoje em Angola

—(Atirou Barongo)—.— Suspeitas, serão apenas suspeitas, quanto ao Momade —(Comentou Mwandjisse)—. Ontem vi o Koinange perto da meia-noite. E nada adiantou

às revelações feitas ao fim da tarde!... A não ser que hoje descobrisse mais qualquer coisita... Kambona, ameaçador:

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— Se for verdade!, tenho jogo bravo a disputar com esse Paty Momade. À custa do misto talvez façamos a vida amarela ao Álvaro Pinto! Eles virão à fala!... Mas o jogo bravo com o Momade!, é outro... O que já todos sabemos, é que entrou em Dar-es-Salaam enraivecido como búfalo solitário!, e ainda por cima enxertado em chavelho retorcido de rinoceronte destemperado-(Amainando)-. Vá, sentem-se; vamos conversar...

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Ninguém sabia de onde rompiam!; os gafanhotos saltavam e voavam, saltavam e voavam, saltavam e voavam.

Foi por intermédio do jornal «The Nationalist», da TANU, que no Tanganica bastantes negros conheceram melhor a extensão dos crimes perpetrados em Angola no dia quatro de Fevereiro. Para eles era façanha heróica!, aquela hediondez.

Os Moçambicanos, ultimamente afluídos a Dar-es-Salaam, ficaram macambúzios e recalcitrantes na ocasião em que Mbiyu Koinange os impeliu ao trabalho, com frases tão atamancadas como tantas das suas vénias. O início do terrorismo em Angola, e a consequente azáfama lingual dos da TANU, foi a pedra de toque para aqueles se inclinarem à angariação de sócios.

Para melhor servirem os seus intentos particulares, Gwambe e Mahlayeye foram parar longe: às ruas de Morògoro.

Gwambe, um tudo-nada nuvioso:— A MANU não tem nenhum jeito. Arranjaremos dois ou três sócios, para disfarçar; e

falaremos só da UDENAMO; quando a fundarmos à grande!, voltamos cá e viramos tudo a nosso favor. Em Moçambique um tal Kibiriti iniciou primeiro a guerra da libertação; mas em Angola terá pegado melhor... A UDENAMO será a salvação da nossa terra!

Calvino Mahiayeye, em gesto mito;— A UDENAMO vai valer muito(«depois as meninas serão todas a mim a mim»). Aquilo da

MANU, nada presta. Anda lá zangação continua; ora!...Este apoio deixou o Gwambe menos nublado; e:— Eu podia destruir o Sangolipinde e suas bravatas. Enerva!, julgar-se superior a nós, lá porque

badala aquele cargo sem importância. Também era capaz de tirar a respiração ao misto mal cheiroso. Porém, nada disto convém ainda: teríamos maiores dificuldades para lançar o nosso

movimento. E assim, encostadinhos à TANU-MANU, iremos longe...— Nem mais!...— A porcaria do misto de mau pêlo não perderá pela demora!... Bem sabes!: à minha custa já

anda tudo cheio de que é espião sebento. Ainda lhe reservo rasteira especial a aplicar na hora própria com as devidas malhas e manhas. Haja paciência na espera.

— Uma rasteira e pêras goiaba!...— Quando me julgar amigo sério! Até lhe adiantarei bebedeira tesa!, para se convencer da

minha boa fé...—(Numa sacudidura)—: Nunca vi semelhante multidão de gafanhotos!: apre!Os gafanhotos saltavam, voavam, saltavam sem parar. Quantos?... Milhões?!...Belisário Mota saiu de Dar-es-Salaam acompanhado de Saylah, Cândido Cadaga e Cerejo

Mateus. Contrariando ordens do Mbiyu Koinange, foram ter a Kisiju.Belisário remordia:— Não faltava mais nada!: um homem de respeito como eu, entra na MANU e é

desconsiderado pelo parvalhão Sangolipinde! Ele há cada traste!...— Ë abusador e atrevido!: eu bem digo...—(Apimentou Saylah)—.— Até à primeira!; deixem-no...—(Belisário temeu os gafanhotos que estavam chegando a

Kisiju)—. A gafanhotada faz lembrar a confusão da guerra em Angola, no passado dia quatro! A nossa UNAMI encontrará maior sucesso em Moçambique; ai encontra! À sombra de tanus e manus bem nos governaremos. Viemos parar longe de Dar-es-Salaam para termos alguns sócios quando a UNAMI principiar a girar triunfal.

— Demorará?...—(Picou Cândido Cadaga)—.— Depende dos auxílios internacionais a conseguir...—(Volveu o velho)—. Além da Rússia e

China, há diversos países interessados na expulsão dos Portugueses. A própria América está danadinha pelas riquezas de Moçambique! Os povos árabes, arraigados ao maometismo, esses então detestam o catolicão Portugal! Havemos de arranjar quem ajude a rebentar manus, a estoirar tanus, e a conquistar moatizes, tetes, Moçambique!...—(Em brusco safanão)—: Praga de gafanhotos!: safa!

Os gafanhotos voavam e saltavam, infrenes. Milhões?; biliões?!... Percorriam dezenas, centenas de quilómetros!, em saltos e voos:baralhada.

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Baúle, Mahluza e Sigauke cumpriam à risca as ordens do Mbiyu Koinange. Batiam o Bairro Kariakoo. Baúle desafiou:

— Descarado espalhafato nas emissoras!; lá fora fica-se com a impressão de que no Tanganica há milhares de Moçambicanos em pé de guerra contra Moçambique, como está acontecendo em Angola; e afinal chegamos a Dar-es-Salaam e temos de andar nisto! Ora abóbora!...

— Mbiyu Koinange não sabe orientar—(Irritação no Sigauke)—:Só abre a boca para resmungar ordens, sem habilidade nenhuma. Se o Gwambe não mandasse

ficar aqui para melhor enganar os da TANU com a futura UDENAMO, bem daria socos nas ordens do Koinange e íamos arranjar sócios fora desta cidade somenos. Mahluza entrou a rezingar por Koinange pouco mais falar do que em próximos auxílios do estrangeiro, a obter pela MANU por intermédio da TANU. Ríspido, espetando soquete no ar:

— Esta bodega dos gafanhotos ainda vem chatear tanto!, e de graça!Os gafanhotos começaram a infestar Dar-es-Salaam. Chocavam no ar; empancavam nos

prédios. Formavam medonhas nuvens em galope erradio.Ao longo da extensa Rua da Ilala, Bucuane e Chambale igualmente obedeciam ao Mbiyu

Koinange.Bucuane, a turvar:— Tem algum jeito?! Isto da TANU só dar comida e dormida, puf!, não presta. Para hoje

vestirmos roupa escapatória, ontem tornámos a ficar nus, terminado o jantar, impossibilitados de sair(«só pus toalha nas partes quando entrou o Gwambe porcalhão»). As nossas malas!: fazem uma falta!...

Chambale, a turvejar:— As malas!...—(Trémulo)—: Nem quero recordar aquela noite suportada numa árvore de

Broken Hill!...— Passou, Chambale. Agora precisamos de falar ao Mwandjisse ou ao Barongo. Ao songa-

monga Koinange não adianta nada. Está sempre enevoado. Ultimamente arribou de maneiras!, a elogiar os Africanos rijos de Angola. U!, desses arrebitanços não queremos saber. Necessitamos é de roupa.

— Já devíamos ter mostrado esta pelintrice aos taludos da TANU—(Irado)—: Com tantos gafanhotos a chatear à doida!, é impossível andar na rua.

Os gafanhotos chegavam a todos os lados!, num raio de centenas de quilómetros. Apavoravam!Paty Momade prestava obediência cega ao Mwandjisse e ao Koinange: os mais ligados à

MANU. Foi lançado, isolado, pela cidade, na campanha de novos sócios. Dois negros seleccionados seguiam-lhe a peugada. Enquanto um lhe vigiava os passos, outro ia espiolhar junto das pessoas abordadas.

O misto trabalhava com afinco. Desejava suplantar os demais angariadores, apesar de absorvido por diversas preocupações. Incitava-se pensando no Gwambe(«andar longe da minha ira, para ele são dias de folga. Torne a ser labrego comigo!, e verá quem o serrilha em três tempos!... Num já-está!, paga pelo que me apetecia fazer aos terroristas de Angola. Sus!: para longe, gafanhotada bravia»).

Os gafanhotos até já obumbravam o centro comercial de Dar--es-Salaam!Os gafanhotos tinham atravessado campos, herdades!: e a alma de vários agricultores ficou

doente!...-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

68Reencontrados, Gwambe e Momade passaram a alternar questiúnculas com altercações. Iam

cevando ódios, ora cão e gato ora fingindo de gazelas. A secreta fome de sangue era disfarçada fazendo suceder escapatórios a irritantes momentos.

Ditos e quezílias fuinhas continuavam a ser o constante prato forte entre os assíduos frequentadores da MANU. Não era preciso cozedura em muita água para amiúde ferver sopapo, chapada, soco, pontapé!, e às vezes a sua catanada...

Iam passando os dias. E o Chambale e o Bucuane sempre maltrapidos.O Mahlayeye recorria frequentemente a roupa emprestada para, de aspecto razoável, acelerar

atrás das miúdas.Finalmente surgiu uma hora: de início, nem peixe nem carne, mas a breve trecho transformada

em opíparo bocadinho. À sede da TANU chegou carta imprevista. Barongo e Bhoke Munanka abriram-na: continha convite e bilhete para viagem de avião, de Dar-es-Salaam a Rabat, destinados ao representante da MANU que a TANU decidisse enviar a Marrocos a fim de assistir à conferência dos partidos políticos subversivos, em actuação no Ultramar Português. Nela participariam elementos da oposição ao Governo de Salazar, incluindo os principais dirigentes do Partido Comunista

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Português, habitualmente dispersos pelo Norte de África.A carta girou de mão em mão. Foi parar às do Kambona. Este lamentou a ausência do Mmole e

Millinga. Sem omitir nenhum dos Moçambicanos chegados nos últimos tempos, passeou-os pelo cérebro. Separou três: Belisário(«são cinquenta anos sem dinamismo; só mostra agilidade na língua! Apenas agradou ao princípio!, repleto de fingida santimónia. Não, portanto»); Paty Momade («quanto ao misto, o Mbiyu Koinange, afinal, nunca passou de suposições; e foi tocado pelo Gwambe! Lá fiquei de novo a perder terreno sobre Álvaro Pinto... Mas enfiar o Momade em Rabat!, pode ser rasgo temerário da minha parte... Estarei xexé?... Na!; não vai. Preferia enviar o do lábio rachado...: Bucuane»); e Chitofo Gwambe(«acertei!; pronto: por isto, aquilo e aqueloutro, faço boa escolha. Mando chamá-lo imediatamente»).

Só no dia seguinte o ministro Kambona conseguiu dirigir a palavra ao seleccionado, no próprio Ministério da Educação. Revelado o motivo da chamada, Gwambe :baile de máscaras delirou. Num turvo desejo de vingança e bajoujice quis aproveitar a ocasião para traçar a sorte do Paty Momade. E pôs Kambona numa curiosidade e expectativa aguçada. Este acabou por mandar chamar o misto, depois do Moçambicano garantir que o vira na cervejaria do Chinês pisco medroso.

Gwambe ficou antegozando o efeito que esperava provocar com a revelação na cara do inimigo(«Koinange é maluco. Nunca disse nada aos superiores. De contrário, há muito teria acabado a liberdade do misto repelente. Convém arrumá-lo de vez; se continuasse à rédea solta, sei lá quanto mal poderia tramar contra mim!, quando daqui a semanas eu chegar a Marrocos. Em Rabat acabo por lixar tanus e manus!: na conferência apanharei dinheiro para os primeiros passos da UDENAMO; e trato de arranjar padrinhos para o futuro»).

Demorou pouco o aparecimento do Paty Momade(«irei ser nomeado director da MANU?... Mas não posso meter-me em camisa de-onze-varas!...»).

Kambona arregalou olhos!, ao ver os dois Moçambicanos lado a lado. Sem detença:— Puxa!... Pretenderão devorar-se?... Nunca supus inimizade assim!...Gwambe :epidemia, sem a calma indispensável para convencer em tais circunstâncias, rompeu

e antecipou a revelação :bomba!:— Então?, senhor ministro!: não posso gramar semelhante gajo!: desconfio que é espião dos

Portugueses! Era isto que desejava dizer diante deste misto!, já que o senhor Koinange nunca atou nem desatou.

Kambona, mal refeito da surpresa pêlos modos desconchavados do vociferador, interveio:— Não esqueça onde está!; calma; evite gritar; controle-se —(Ao Momade)—: Cuidado!:

suspenda gargalhadas disparatadas.Desenrolou-se falatório :tourada. O ministro fez de inteligente. Ao deitar água na fervura

procurou ocultar que também os da TANU navegavam apenas na suspeita do acusador. Acabava de forjar projecto simples para descobrir a verdade... A execução perfeita exigia paz entre os contendores: aparente, pelo menos... E jogou a cartada:

— Só mostram rivalidades indecentes; bem escusadas. Sois homens válidos. Ambos podem ter lugar de mérito na MANU. O Gwambe vai participar numa conferência; amanhã poderá ir o Momade; e assim sucessivamente. É preciso harmonia, para o partido progredir e triunfar. Ora façam as pazes, vá—(Dirigiu-se ao misto)—: Será capaz de perdoar esta calúnia?; ou afronta, digamos... («eu te caçarei à traição!...»).

— Tanto se me dá como deu...—(Evitou a negativa por aos seus objectivos imediatos e futuros nada convir o recrudescimento das hostilidades)—. É conforme entenderem.

— Eu é que não aparo tais perdões!, olha-olha...—(Recalcitrou Gwambe)—.Kambona, sanhoso, recorreu à esperteza(«na política vale mais a inteligência do que rancores e

caprichos»):— Nesse caso, prefiro enviar o Paty Momade à conferência de Rabat. O Gwambe tem escassos

segundos para dar a mão ao companheiro. Com lágrimas nas pálpebras semi-fechadas, Gwambe estendeu a ponta dos dedos(«para

não perder a oportunidade soberana de movimentar a UDENAMO! Neste cumprimento fica a jura da sua criação urgente. Juro vingar-me destes pulhas!, apenas regresse de Marrocos. Agora há vivo interesse em fingir calma, etc.-etc.»). Trocaram palavras ambíguas, ainda. Todos colaboraram na camuflagem. Os contendores saíram daí a pouco, disfarçados de parentes rixentos, mas chegados às boas...

Na rua, Paty Momade propôs irem tomar uma bebida; e indicou a cervejaria do chinesito. Acrescentou:

— Saí de lá há bocado. Deixei os amigos com a promessa de lhes pagar boas rodadas. O Gwambe vá indo, enquanto salto à pensão a buscar massas; vim pouco prevenido.

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Afastaram-se. O misto :raposa parou na primeira esquina, e pôs-se à espreita. Desaparecido o Gwambe, abandonou o posto de observação e correu ao Oscar Kambona. Alcançado o secretário;

— É urgente voltar a falar ao senhor ministro. Pode e deve esclarecê-lo de que Paty Momade não chegou a revelar o mais importante!

Foi atendido. Desopilou em catadupa.Kambona oscilou entre as dez e as onze...Quando Momade reapareceu na cervejaria, o Gwambe já fazia mesuras a borracheira de cariz

truculento. Ao perceber o misto, desenfiou o queixo do copo, pôs olhos à roda e atirou zagunchada:— A pensão fugiu do sítio? Demorou a encontrá-la!... Ou topou gaja pelo caminho!, foi?,

senhor Paíy Momade(«misto!»).— Por acaso, por acaso(«boa gaja te preparei eu!...»). Era cá um traço!...— Viva Marrocos!; viva Rabat!—(Pingarelhou Gwambe)—.-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

69Belisário tornou a transportar noites no coração. Embraveceu por uma pá velha!, ao saber da

escolha do Gwambe para ir a Rabat, à conferência. Ficou tanjão durante dias e passou a viver à faca-sola. Andava possuído de mau íntimo. Lembrava a esposa e a filha na cidade da Beira; poderia arribar num santiamém se lhes escrevesse, mas,(«não tivessem bulido nos meus papéis. Parvas! Amarguem-nas!; eu também aturo. E depois, para mais!, ainda aquele papel poisado no rádio... Tolas varridas!...»).

Deixados à deriva, os seus colaboradores dilectos passaram a perder-se pelas cubatas das mulheres de má nota.

À força de tanto matutar na escolha do Gwambe para ir a Marrocos, Belisário experimentou diversas fases de ânimo(«enviam um parvalhão daqueles!, a nem valer ressequida ponta de capim... A respeitabilidade dos homens como eu, já não contará na TANU?... Ensinarei estes tipos! Em vez de continuar a naufragar, tentarei arribar. Mas se fosse a Marrocos abichava rica oportunidade para obter benefícios formidáveis a favor da minha UNAMI. Deixá-lo!; mesmo sem ir, o meu partido será brilhante realidade!»). E, labareda viva ciumenta a seguir ao amargo do revés, procurou Saylah, Cadaga, Mateus. Levou-os à cova-funda de um bar manhoso fora-de-portas.

Lá, ao princípio de jáculo, depois vagaroso e zangão rabino, foi arrastando:— A minha idade não tolera, nunca suportou bestidade igual à cometida pelo Kambona

patarata!: manda um criançola à conferência!... Incrível!, estando eu metido na M ANU. Perdemos a primeira oportunidade de arranjar dinheiro para a nossa UNAMI —(Circunvagou a vista)—. A MANU, sabemos, foi sempre propaganda barata das emissoras. Pancadaria e outras sujeiras não cantam elas! Como descobrem tão rápido o que lhes agrada divulgar?... Algumas já noticiaram a próxima ida do Chitofo Gwambe à doidice daquela conferência sem pés nem cabeça. Quem escutou, até pensaria que o parvito do Gwambe é por lá o senhor doutor de tal!... Ao cabo e ao resto não passa dum farroupilha!, sem roupa decente para levar!, o cabeludo—(Abeirou-se um garoto a procurar o que bebiam. Foi arredado em gesto :nada. Belisário nem o mirara)—. A MANU não é, nunca será coisa que valha a pena. Acabaram-se as nossas esperas!: desde hoje, a UNAMI fica realidade a valer! Ajeitamos a sede no meu quarto, por ora. Permaneço no hotel enquanto a TANU pagar; talvez mais um ou dois meses... Mantemos cargos antigos: eu presidente, o Saylah vice-presidente, secretário-geral o Cadaga, o Mateus continua cobrador-tesoureiro e protege as minhas costas!: aqui é tudo bravo e desordeiro, muito diferente de Moçambique e Niassalândia! Esta cidade é mais confusa e trapalhona que as de lá; bastante porca!, tão carregada de Africanos fugidos de diferentes povos, e desses Árabes, Indianos, Paquistaneses e Chineses atrasadinhos! Pessoal da TANU, Sangolipinde e parceiros que indicarei, são os primeiros a vigiar, Mateus—(Notando inquietação)—: Enquanto a TANU permitir, prosseguis na casa dos «refugiados políticos» de Moçambique. Entrementes, aparecerá dinheiro das quotas da UNAMI e dos meus serviços de enfermagem. Torno a tratar dentes, como fazia no Moatize. Em comprando material indispensável a um pequeno consultório, governarei bem a nossa vida. Conheço centenas de Moçambicanos a precisar dos meus serviços—(Numa entoação farrambamba)—: Esta decisão firme pela UNAMI, não foi por ter sido preferido o Gwambe para a conferência! Nada disso. Anojei a brutalidade, tanta desordem, a pouca-vergonha entre o pessoal da MANU e até da TANU. Soou-me que decidiram tornar a chamar os discutidos Mmole e Millinga. Basta ouvir sobre isto os comentários do Sangolipinde e outros!, para logo imaginarmos pior futuro...(«segundo referências acerca do Mmole, adorava vê-lo atirado ao Gwambe!, e pegado com o misto Momade. Ah!...») —(Terminada ruidosa esfregadela de mãos)—: E eles voltam! Pela rádio saberiam da próxima passeata do Gwambe ao Norte de África... Regressarão ao cheiro de futuros passeios—(Tocou no ombro do Cerejo Mateus)—: A cabecear?... Esta cova-funda fará sono assim?!...(«perdes

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noites na moina!»). Esperte aí com esta!: outra causa do rápido nascimento em forma da UNAMI, foi o Kamboná desconfiar que andam entre nós espiões dos Portugueses! A não ser o misto!, mais nenhum revela habilidade para tanto. E o ministro, atendendo ao meu porte, claro!, chegou a pedir para eu tentar empregar-me algum tempo no escritório do comerciante Álvaro Pinto..., espécie de consulado, é...—(Estendeu braços a impedir três exclamações; e)—: Não era para descobrir o espião!, como pensais; não. Disso cuidaria ele!; quando me falou, tinha a sua fisgada... Kambona pretendia, nem mais nem menos!, que eu fosse depois parar a Lourenço Marques e entrasse a trabalhar na Polícia, ao serviço da TANU e MANU!(«o ministro é chanfrado!: esqueceria quanto contei de meu contra os Portugueses?...»). Livra!, camaradas... Se fosse na cantiga dele!, depressa ficava preso em Moçambique. Ou pensa por lá que!...

A algazarra dos quatro homens atraiu de novo o garoto que servia às mesas. E Belisário:— Só voltas agora?, meu pirilampo! A fundação da UNAMI precisa de ser festejada!; ouviste?

Serve a piela que melhor entenderes; valeu?...Horas decorridas, o garoto esbarrondava-se a rir, doidinho!, por ver o senhor Belisário Mota a

piruetar fora das marcas...-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

70 Se os virtuosos acabassem na terra!, Lúcifer ficava tão radiante como o chefe do Governo

Chinês!, se pudesse transferir trezentos milhões de súbditos para o segundo continente do mundo /em extensão/ ocupado só por uns duzentos e vinte milhões de negros. /E a China ficaria ainda com louca densidade populacional!: à volta de quinhentos e vinte milhões!/.

*Não são apenas os criminosos que actuam pelas três horas da manhã.Naquela tarde em que Paty Momade, sob pretexto de ir buscar dinheiro à pensão, impontou o

Gwambe para a cervejaria do medroso Chinês pisco, o misto ainda causou embaraço ao ministro Kambona!: desvendando as mentiras que sabia pregadas pelo Gwambe na chegada a Dar-es-Salaam, acabou por desmascarar os Moçambicanos ali apresentados como «refugiados políticos» excepcionais!, por fugidos das cadeias!, e vindos de fresco de Moçambique.

Kambona:penedo ficou de cara à banda!, ante a revelação («quem havia de dizer!... Tudo isto será verdade!, será... Nenhum se aproveita!, desde o velhote e Gwambe até ao Chambale e Mahluza»).

Paty Momade ignorava as desconfianças dos dirigentes da TANU a seu respeito. Por isso ficou atarantado ao escutar o ministro na resposta ao desabafo vingativo e acusador: «Vá embora. Entre vós todos há um espião. Se for você, tenha cuidadinho. Tanganica vive uma transição de Governo!, mas o vitorioso partido TANU já pode fazer e mandar fazer habilidades... Para bom entendedor !...»(«estou tramado!, com estes revolucionários de pacotilha!... Andarão a mangar?, ou!... E vai um Gwambe destes à conferência!... Oh!: são todos o mesmo»).

E no dia seguinte Kambona conferenciou com o dr. Nyerere, Mwandjisse, Barongo, Munanka e Koinange. Revelou a intenção anteriormente tomada de pôr espiões atrás do Paty Momade. Foi fervorosamente apoiado. Daí a pouco o ministro transmitiu ordens a três negros latagões(«sendo o misto detective, poderei vingar-me dos Portugueses se conseguir metê-lo na Polícia moçambicana!, a favor da causa africana. Era de arromba!...»).

Apesar de um espião labrego rondar a pensão onde estava o Paty, e de outro vigiar o escritório do Álvaro Pinto, e do terceiro procurar acamaradar com o perseguido, para este as semanas iam decorrendo desanuviadas.

Kambona veio a conhecer horas de neurastenia. Acabou abrindo-se a um Chinês, em viagem diplomática, e hóspede da TANU. Seguindo-lhe o conselho, deu instruções especiais aos três negros espadaúdos(«realmente assiste razão ao Chinês!: se o misto não foi apanhado em falso no decorrer de tantos dias!, é porque...»).

*

Ainda faltavam cinco horas para as três da manhã... Paty Momade poisou na mesa o revólver bem acordado !(«janelas e porta estão em ordem»). E começou nova carta, assim:

Meu caro primo Ibrabimo Rhentula:A carta ficou extensa-extensa!Não são só os criminosos que actuam pelas três horas da manhã!... E o Paty Momade, pé ante pé,

alcançou a porta da pensão. Sorrateiro, fez-se à rua. Avançou, contornou à direita, outra vez à direita,

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volveu à esquerda, e ala por ali fora, avançando-avançando-avançando. Três negros fortalhões foram-lhe na cola. Aproximavam-se gradualmente, conforme previam próximo o fim da jornada. Usavam calçado silencioso...

Dois perseguidores iam a escassos metros do Paty no momento em que alcançou a estação central dos correios. Seguia mais atrás o espião que andou tentando acamaradar.

Momade tirou a carta do interior da camisa; não chegou a introduzi-la no receptáculo postal!: braços musculosos imobilizaram-no quando vencia o último degrau da reduzida escada do edifício! O da fugaz camaradagem impostora arrebatou-lhe a carta; e:(«o Chinês importante aconselhou certo o Kambona!; como ele adivinhou que este misto viria aos correios ao meio da noite!... Os brancos igualmente pensariam logo assim!...»).

Os Tanganiquenhos, intervenientes na detenção do misto Paty Momade, ignoravam a frase várias vezes repetida por Napoleão!: «A China dorme; mas cuidado com ela, se acorda; eis aí o perigo amarelo»!

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71

Desespero, desolação e raiva costumam ser inquilinos do casalinveja-ciúme! .

Bucuane:aranha ficou danado com a escolha do Gwambe :cigarra para ir à conferência. Chambale também enresinou.

Chegou às últimas!, o vestuário de ambos.Movidos pelo despeito, arredaram o propósito de só se queixarem ao Mwandjisse ou ao Barongo, e

às cegas desataram a moer a paciência ao Koinange, acentuadamente impenetrável.Bucuane e Chambale já andavam descalços no dia catorze de Março... /14 de Março de 1961!...O terrorismo em Angola tornou a romper num horripilante e nauseabundo cortejo de horrores!,

depois de parecer que as iniciais fúrias de Fevereiro tinham sido extintas/.Descalços, rotos, sujos, Bucuane e Chambale arreganharam dentes ao esquisito Koinange, e

resolveram aproveitar o entusiasmo que calculavam existir no Mwandjisse, devido ao recomeço da guerra em Angola, para o atazanarem com pedinchices. Propuseram abordá-lo em rua de movimento comercial(«há-de sentir vergonha ao falar connosco!...»).

O encontro deu-se, passado pouco tempo. Entre Mwandjisse e Bucuane aconteceu diálogo:floresta;— Pertencemos à MANU.— Tenho ideia...— Andamos neste estado!— Estou vendo—(Ruborizado, Mwandjisse acelerou a marcha e entrou numa quelha)—. E daí?...— Tanta propaganda, tanta barulheira!, e chegámos a esta miséria.— Buh!...— Até o cabeludo Chitofo Gwambe foi a Marrocos pessimamente amanhado!— É lá com ele...— TANU não dá roupa?; ha?...— Alimentação e cama!, é bem bom(«o auxílio chinês só brilhará quando cá instalada a

embaixada, no fim do ano, ao desaparecerem do Governo os Ingleses»).— Como viver assim?, a mal podermos sair do Kariakoo!...— Procurai serviço!, então.— Como?, se a TANU constantemente manda que arranjemos sócios!, sócios.— Há tempo para tudo, rapazes.— Isto é que é tudo bodega de política!, muito diferente da de Angola. Eu e o Chambale

teremos de ir àquilo de «consulado português»!, a pedir auxílio, e até emprego!, se calhar...Mwandjisse pareceu despertar à frase;desafío; e:— Os nacionalistas angolanos são outra louça!, amigos. Atenderam mais cedo as nações

inimigas de Portugal. E souberam obedecer! Estão longe de ser como vocês!, continuamente aos pinotes.

— Oh!...—(Chambale abalou: foi tentar uns cêntimos para tabaco, junto do Mahlayeye, topado na companhia de rapariga vistosa)—. Angolanos, roupa..., tche!...

— Isso de roupa, a TANU não consegue fornecer(«lembiaste o Álvaro Pinto!: espera...»). Procurai o dr. Julius Nyerere. Talvez ele vos valha... Não como presidente da TANU, que de sorte transgredirá os regulamentos; mas na qualidade de Primeiro-Ministro(«citaste o «consulado»!: pareces o mais indicado para quanto Nyerere e Kambona pretendem daquele que lá se encaixar. Já que o Beíisário recusou!, vejamos onde isto vai dar...»). Primeiro devíeis abordar o senhor Mbiyu Koinange.

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— Koinange?; livra!: será maluco!... Quantas vezes o ralámos!, sem proveito nenhum... Está sempre empenado!, diante dos «refugiados» de Moçambique. Sei lá se nos detesta!... Dizem que odeia tudo quanto seja branco!, quanto faça lembrar Ingleses, Portugueses, Belgas, Franceses, Alemães!... E assim aturamos nós a sua permanente má disposição?...

— Será intratável porque na cadeia pensou demasiado naqueles que lhe repugnam(«falhou rotundamente na missão confiada pela TANU. Só se safa no cargo de secretário-geral do PAFMECA»). Tendes razão.

— Oh!; razão-razão, e continuarmos miseráveis!, não anima.— Veremos se a MANU endireita com a chegada doutro senhor do PAFMECA.— Outro?!; para maior confusão?... — Nada disso. É um Timothy Chokwe, cheio de qualidades directivas; mais equilibrado

que o senhor Koinange: vítima de destrambelhamento nervoso. Calculamos que fará trabalho válido à frente dos antigos dirigentes, chamados de novo. Ainda está no Quénia; ele mesmo foi já a Mombaça a convencer o secretário-

-geral Mülinga.— E em vez de nos tocar algum para roupa!, a verba das quotas desaparece nos ordenados

dessa gente... Dinheiro a menos e estrangeiros a mais!, como acertadamente resmungam os Macondes furiosos.

— Não faça caso.— O pior é a nossa pobretanice!, a refilar no corpo. Vai ser lindo!, o ferver dos azeites do

Sangolipinde, armado em secretário-geral e presidente!, quando regressar o Mmole!, pelo que dizem deste. Mwandjisse calcou a observação. Preso a lembrança surgida há pouco, olhou à rectaguarda e preferiu jogar:

— O seu amigo abalou!; melhor; tenho boa proposta para si. Falou naquilo de «consulado português»!; pois magnífico; gostava de lhe propor importante empresa!, em nome dos senhores ministros dr. Nyerere e Kambona, mas na TANU(«mastiga os lábios!; tem um olho mais farol do que outro; ficou espantado!»). Não se importa de me seguir, não?

— Sei lá!...(«conseguirei trepar mais depressa do que supunha!, para me vingar e fazer ver ao Gwambe corvo?...»). Posso experimentar. ..

— Deve compreender!: sou líder do partido governamental; não amue: assim descalço e vestido dessa maneira..., convinha vir atrás!

— Hum!...(«entusiasmou-me e de seguida mandou cajadada... O Tanganica está ainda em regime de autonomia, e este já suplanta os brancos!, na ordinarice. Se a «boa proposta» for cheia destas surpresas!, não sei...; acabaria o Gwambe por caçoar de mim. Possuo inteligência!; veremos...»).

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Paty Momade foi levado algemado para a sede da TANU. Ficou fechado numa das retretes desde as quatro horas da manhã até às seis da tarde. Os três espiadores revezaram-se na vigilância. O misto alimentou-se de fedor e pensamentos:trovisco no caudal de preocupações torturantes:(«olha se não me portasse direito!, na angariação de sócios: mais cedo era apanhado; bem escutei o nome do Álvaro Pinto e ouvi referências ao «consulado português»; se lá entrasse, esta tragédia teria acontecido antes. Vou aturar o Kambona! Irra!: é autêntico rebenta-barrocos! Se o revólver aguentasse tantas balas quantos negros vão troçar!, atrevia-me a liquidar tudo. Manguços! Os detectives não fizeram vistoria!: óptimo»).

Houve delírio!, em diversos conhecidos; apenas espanto!, noutros.Kambona encontrou agitado povoléu na TANU. Feriu a expectativa geral!: surgiu trombudo...

A sua carranca contrastava com a disposição dos presentes. Não faltava nenhum dos Moçambicanos chegados a Dar-es-Salaam desde o início do ano; nem o Belisário(«agora alcanço por que me queriam meter na alhada de espião! Arranjem outro!; para tais cavalarias não sirvo. Mas preciso de conhecer os nervos do Kambona num caso destes!: nunca se sabe o que pode suceder a cada um de nós!...»).

À conta do Gwambe já tinha começado a haver mosquitos por cordas, várias vezes, tal o entusiasmo posto nas discussões; e sem nunca deixar cair o sorriso :desforra!, apesar de empancar no Bucuane, com frequência(«o farrapo do misto fica hoje despachado; e o esfregão do Bucuane será torcido até rasgar todo!, apenas eu regresse de Rabat...»).

Reinou ambiente: arena no compartimento maior da TANU quando o misto Paty Momade entrou de escantilhão, empurrado pelos detectives.

Kambona mostrava indisposição devido a violenta pega com o secretário, no Ministério. Enfurecera loucamente por o chamarem psicopata após Nyerere o incumbir da resolução do caso

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Momade.Kambona exibiu a carta e procurou qual seria capaz de a ler. A gentalha estendeu o nariz. Foi

Bucuane quem se aprestou à tradução do dialecto ronga para um inglês:emplastro, adiantando primeiro de sua lavra: «Inglês, ronga, changane e português, sei eu a cantar» («só para picar o urso do Gwambe!... Rapidamente aprenderá quem eu sou: talvez logo que regresse de Marrocos... A vida sorri-me! Se não fosse por coisas tentava safar o Momade para também ele ir às fuças ao Gwambe. Ui! outro pode ler depois a carta, descobre-se a verdade e estrago o meu futuro»). Traduziu à letra.

Terminada a leitura, plena de empáfia, Kambona roncou: — Carta política em tom familiar!, cheia de frases com segunda intenção!, foi

razoavelmente engendrada!, foi(«nem uma única referência ao Álvaro Pinto! O branco deve ser mesmo do contra!... É a salvação dele! Pobrezinho!, se tivesse sido apanhado com este misto»). O teu caro primo Ibrabimo Rhentula, comerciante conforme se depreende, necessita imenso de saber o que vai pela MANU e TANU!, para fazer negócio em Lourenço Marques. Venderá política!, em pacotinhos? Quererá escrever livro sobre mim e os meus colegas!, à custa dos teus relatórios?... Nem vale a pena investigarmos se esta caixa postal é dum teu primo comerciante, ou se pertence à Polícia —(Impaciente, irado)—: Não estou para te aturar!, mabeco tinhoso. Por mim espetava-te dois tiros nos miolos e arrumava a questão. Vale-te o dr. Julius Nyerere aconselhar calma, enquanto os Ingleses não desaparecem. Mas ainda vou ver!...(«e pensei eu com tanto empenho virar este misto a favor da causa africana!; repugna-me!, agora. Será por ter-me exaltado com a besta do secretário?; por só hoje atentar bem neste mabeco tinhoso inclinado a branco?; ou porque o Mwandjisse sussurrou estar prestes a revelar estupenda novidade acerca do caso da espionagem na Polícia moçambicana a nosso favor?...»)—(Colérico)—: Nem estou em mim!: ignoro se te abato como a cão raivoso!, ou se cumprirei instruções do dr. Julius Nyerere, entregando-te na esquadra...—(Incomodado pela alegria barulhenta do Gwambe, atacou-o)—: Chiu!: caluda-caluda; conheço-te. Vê se não basta ires amanhã para Marrocos convencido de que o mabeco tinhoso dificilmente tornará a revelar as tuas imposturas...

— Eu só dizia que o misto usava revólver!...(«daria conta da minha entrevista no «African Mail»!, e envenenou o ministro a meu respeito?... Na!: se este conhecesse a minha ideia na UDENAMO!, tirava-me a viagem. O Belisário e Bucuane, invejosos, cravam olhos em mim!...»).

Paty Momade foi desarmado. Volteando arma de fogo, Kambona guinchou:— Lamento não ter estado este revólver ao serviço dos nacionalistas angolanos, no passado dia

catorze—(Desanuviou)—: Seu misto: se no inferno conseguir escrever cartas, comece assim: «Meu caro director da Polícia: o ilustre senhor ministro Oscar Kambona manda dizer que o revólver ficou guardado na TANU e servirá para iniciar a próxima guerra contra os brancos de Moçambique, sendo depois colocado por um Chinês importante no Museu Municipal de Dar-es-Salaam, onde os nacionalistas do Cabo Delgado passarão a venerá-lo»—(Brusco, impôs a saída dos curiosos. Segui -damente, cresceu para Momade)—: Ora vamos ao remate das contas!, cavalheiro...

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Na Província moçambicana, no regulado Megama, /posto administrativo do Chiúre Velho, circunscrição de Mecúfi, distrito de Cabo Delgado/, vivia e imperava o régulo Megama: considerado a autoridade gentílica mais poderosa, influente e rica de Moçambique! Possuía casa em Porto Amélia; era dono de terras; tinha camião, automóvel, motorista privativo; dispunha de muitos criados e de bastantes esposas; pertencia à religião islâmica. Lograva estima e consideração do governador distrital, do administrador, e dos brancos que o conheciam.

O régulo Megama procurava cumprir à risca a lei alcorânica, e partiu para a mesquita nacional da «Caaba», em Meca, via Dar-es--Salaam.

Precisou de recorrer aos préstimos do Álvaro Pinto; e foi enfeitado com atenções: acamaradaram, saiu do hotel e instalou-se na casa do Europeu, até tomar o avião.

À despedida, entre outras jubilosas amabilidades:—Vou encantado!, radiante!, precioso e grande amigo senhor «cônsul»!—(Voz diferente)—:

Oh!, igualmente lamento imenso a tragédia de Angola. Nunca em Moçambique acontecerá catástrofe semelhante. É impossível! Os meus súbditos, apesar de predominarem os muçulmanos, respeitam deveras o catolicismo, e são extremamente amigos dos brancos.

* *Bem industriado pelo Ronald Mwandjisse, Aurélio Bucuane demandou o escritório do Álvaro

Pinto. Aplicou a fundo toda a gama dos seus recursos!, para encobrir o embuste a desenrolar. Esforçou-se a tirar partido da réstia de piedade lobrigada no semblante do Europeu. Fingiu admirável arrependimento!, «por ter caído na MANU».

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Desbobinada choradeira hábil, ousou:— Mas só vivi errado umas três semanas!: o meu tempo de Dar-es-Salaam(«arrisco!, para

convencer. Desconhece-me; se lhe atirasse dois-três dias, era igual»). Estava tão bem colocado na Rodésia do Sul!... O Tanganica é sucata!, comparado. Quem me dera emprego escapatório em Lourenço Marques!, senhor «cônsul».

Álvaro Pinto, abananado de todo!, aparou as últimas frases ditas com intervalos granditos. Mal refeito, decidiu, manhoso:

— Deixas-me de cara à banda!, criatura...—(Prosseguiu-prosseguiu, até que)—: Tanto se me dá como deu!; a MANU faça o que entender, mas que aprecio conhecer novidades arrebitadas!, lá isso adoro!, para satisfazer esta velha mania do contra(«toda a precaução é pouca!; e oportunidade idêntica para abichar um recadeiro!, pode não voltar...»). Disseste querer trabalho...; curioso!: necessito doutro homem aqui. Afirmaste desejar fugir da MANU; e quem traria as suas histórias?...

— Eu prefiro trabalho, e deixar mesmo aquilo, senhor «cônsul»; Se não, a malta põe-se a chamar traidor!,(«olha o Gwambe!...»), e seria bem capaz de me linchar... («óptima ocasião !; o Chambale ajudará à vingança perfeita contra Gwambe; Kambona e Mwandjisse ' engolem a pastilha»): Para servir de correio, pensei no Chambale: amigo meu; anda lá por andar. Arranjasse ele emprego, e depressa deixaria também a casa dos «refugiados políticos» de Moçambique. Desejando o senhor «cônsul», continua na MANU e à socapa vai trazendo as últimas! Eu frequentei o sétimo ano liceal, sim!, mas quanto a instrução, ele não vale nada.

— Propões lindamente! Ora avança, entra; vamos combinar tudo a valer!(«pareço adido diplomático graúdo!, assoberbado com acontecimentos inesperados; emissoras e jornais anunciaram um Gwambe para Marrocos, e certo Timothy Chokwe, do Quénia, para Dar-es-Salaam!; «The Nationalist» anunciou o regresso à MANU dos tais Mmole e Millinga!; dei conta da bronca Paty Momade!; há o caso do régulo Megama!, e isto mais aquilo!; agora surgiu este a badalar estudos!, e quase nu...; arre!...»)—(Já sentado à secretária, com Bucuane acadeirado diante a trincar lábios e de olho esquerdo aguçado, cantarolou)—: Pois eu nada ligo à política, mas..., mas, que tal?, o Gwambe da conferência...

— Essa besta é um pouca-vergonha!, arteiro a enganar todo mundo. Está em Rabat feito pobretana!, arrastando cabelo de palmo. O senhor «cônsul» nem imagina como é aquela peste!... Contarei peças dele!, e fará ideia; quando o régulo Megama esteve em Dar--es-Salaam, ao princípio temeu que viesse à TANU discutir a independência de Moçambique!, o invejoso. É zuca chapado!

A papagueada foi atingindo altura, com o Álvaro Pinto a dar corda sem parar...

* *

Os dirigentes da TANU souberam, em pormenor, dá passagem do régulo Megama, como peregrino a caminho da Arábia Saudita. Houve maquinação!... Resolveram tomar as precauções necessárias para o régulo português, ao desembarcar no regresso, ser imediatamente abordado por dinâmico embaixador da TANU, encarregado de conduzi-lo direitinho ao Ministério da Educação.

Assim aconteceu.Kambona envolveu-o num amplexo veemente, proferindo:— É para mini subida honra!, conhecer a mais famosa das autoridades africanas de

Moçambique. Só lamento que, sendo de religião igual à minha, continue dominado pêlos abomináveis católicos portugueses.

Falaram, acamaradaram; Megama foi distinguido com especialíssimas deferências enquanto esteve por Dar-es-Salaam; /mais uns dias!, além dos previstos... Contra o combinado, já não visitou o Álvaro Pinto/.

Entre outras amabilidades jubilosas, à despedida:—Vou encantado!, radiante!, precioso amigo e ministro ilustre! («segredaste muito direito!:

ainda estou a tempo de ser o grande e legítimo rei de Moçambique!»). As instruções recebidas serão fielmente cumpridas. Lá prepararei o terreno à MANU(«a idade já pesa!: mesmo que venha a reinar uns anitos!, vale a pena obedecer à TANU»). Os meus súbditos, principais adeptos do islamismo, trabalharão conforme indicou, ilustre ministro. As populações receberão e apoiarão decididas quantos homens da MANU lá forem combater os brancos. A estes será realmente impossível descobrir a manobra!(«nunca tinha lembrado destruir assim o catolicismo!, e expulsar os Europeus... Mas visto que o Tanganica ajuda!...»).

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74

Mathew Mmole entrou em casa. Aborreceu os paparicos que a mulher dispensava ao gato. Contudo..., rangeu:

— Aquece água; quero tomar banho.— Outra vez?... Viesses na hora marcada!...— Prepara água!; hoje está frio—(Mmole exibia rosto:trovoada. Faiscou dardejante sobre o

gato)—. Depressa!, mulher.— Nem devagar!...— Aquece água!, repito eu—(Mostrou carão ainda mais macareno!)—.— Só vens agora?, Mmole!...—(Pronunciou o nome na tentativa de reduzir a tempestade às

mínimas consequências; todavia, continuou a brincalhar)—.Mathew Mmole esfarrapou-se em voz:caverna.A mulher não conseguia encadear o arrazoado. Ainda ajudou ao chinfrim, atirando à toa

palavras :pântano. Teimava nos paparicos ao gato.Mmole, de sorriso :inferno, acendeu o lume. Sorrindo, deitou água na panela maior: pô-la ao

fogo. E ria. Recomeçou a cegarrega, mofador;— Não vales cheta!, mulher. Levas vida inútil. O gato que te ature(«aprenderás como é!, daqui

a nada...»). Desta vez abalo para triunfar!: limpinho!(«quem ia à conferência de Marrocos, era eu!, se estivesse em Dar-es-Salaam»). És uma parva!

A mulher notou o coração a entumecer. Levantou-se. Foi preparar sopinhas de leite para o gatinho.

* *Malinga Millinga e Timothy Chokwe já estavam no Tanganica. Passavam pela MANU como

bichos assomadiços.A porta do Banco Inglês comentavam o atraso do Mathew Mmole.Os dirigentes da TANU e do PAFMECA pensaram inicialmente no Chokwe para pôr cobro aos

desmandos inqualificáveis entre os zaragateiros da MANU. E os dois Quenianos logo surgiram animados do propósito de promover uma reunião conciliadora. Mas caiu-lhes testo duro na cabeça!, ao saberem da existência do partido UNAMI.

Perto do Banco Inglês puseram o nariz à banda!, ao comentarem uma carta enviada pelo Gwambe ao Calvino Mahlayeye. Este, e Sigauke, Mahluza e Baúle, eram avisados pelo inspirador da UDENAMO de que deviam preparar-se para começarem a trabalhar no movimento, apenas regressasse de Rabat. A imprevidência levou-os à revelação do conteúdo da carta, embora o autor tivesse recomendado segredo. Mas ficaram aos saltos!, devido à promessa de cargos importantes para todos. E a indiscrição resultou ainda de quererem fazer rilhar dentes ao Sangolipinde, Bucuane, Chambale, Belisário, e a outros.

O que mais roía os fígados e provocava comichão na língua do Chokwe e Millinga era saberem que o Gwambe afirmara na sede do Partido Comunista Português, em Marrocos, ter a MANU acabado, e assim ele conseguira importante financiamento para o «único partido apto a trucidar os brancos de Moçambique, dentro em breve». Enjoavam quando remexiam frases da carta: «São tipos giros, estes do Partido Comunista Português! Vão dar boa remessa de dinheiro. Vestiram-me todinho de ponto em branco. Gabam Nyerere e Kambona por mandarem à conferência o fundador--presidente da famosa UDENAMO, em vez dos chefes da MANU fugidos depois de a terem destruído totalmente».

Também o estado-maior da TANU se coçava!, sem saber onde o bicho mordia... Dr. Nyerere: «À parvoíce do macaco Belisário!, junta-se agora a doidice do desmiolado Gwambe. Olhem que esta!...». Kambona: «Arrepelo-me!, só de pensar na facilidade como caí na esparrela da escolha do bardino guedelhudo enviado. Continuando tudo neste pé, nunca mais arrasaremos os Portugueses!, embora o régulo Megama e sua gente se atirem ao trabalho no Cabo Delgado». Mwandjisse: «Raleiras dobradas para o Timothy Chokwe!: supunha chegar e harmonizar instantaneamente quem por aí se arreganhava!, e é obrigado a enfrentar berbicacho de estalo». Barongo: «Uma destas!, uma destas!... Cata-ventos! Mbiyu Koinange, embora secretário-geral do PAFMECA, nada terá adiantado...». Munanka: «Trapalhadas-trapalhadas!...».

Ainda nas imediações do Banco Inglês, Chokwe abandonou a primitiva ideia da reunião conciliadora e disse ao Millinga ser preferível uma conferência apenas o Gwambe regressasse, a fim de este não ter tempo para actuar, exigindo a sua presença e a do velho Belisário, na tentativa de impedir a progressão definitiva da UDENAMO e UNAMI.

— Valerá a pena?, amigo Chokwe...(«ou tornará a rebentar pancadaria?, como na noite da

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chuva... Segundo ouvi, o Gwambe não fica atrás do Mmole!, na mania da força. Em vez dele, ia eu à conferência de Rabat, se cá estivesse, na altura. À próxima!...»). Valerá a pena?, ou quê!...

— Havendo pontinha de bom senso e humildade nos faladores da UDENAMO e UNAMI, talvez... .

— Em condições idênticas, dessas virtudes nem nos brancos!, quanto mais...— Então!...(«encrencas, dispenso-as. Quénia fica perto. Se cá entortar, ala!; vivo lá melhor, a

saber-me útil à KANU, ao PAFMECA, vogal do Conselho Legislativo e membro do Parlamento»). Topo baralhada desconforme!, sabe?, caro Millinga...

—E ainda cá falta o Mathew Mmole!... Em voltando!, verá como elas sopram...(«quais seriam as ilusões dos da TANU?, ao chamarem-nos!...»).

* *Na panela maior a água gritava fervuras.Num consolo de louvar a Deus, o gatinho papava sopinhas de leite.Mathew Mmole não titubeou: deitou o gadanho aos cabelos da mulher!, e arrastou-a ao

cubículo escuro, por entre barafustação;guerra.O gato, com língua a barulhar dep-dep-dep!, revelava sopinhas catitas.Mmole bimbalhou os sinos das gargalhadas. O bichano assustou-se. No entanto, activou o

lambe-lambe. De imediato, Mmole pegou-lhe pelo rabo, alçou-o, volteou-o no ar: vouum-vouum--vouum!, espetou com ele de encontro à porta do cubículo escuro, vezes sucessivas!, e enfiou-o na panela!, esmigalhadinho.

A mulher afundou num pranto sentido!, suficiente para retalhar o coração de carrasco :pedra.Mmole continuou a gargalhar exageradamente!, e a despejar asneiredo à conta dos ligeiros

salpicos de água fervente. Cacarejou:— Dei cabo dos meus ciúmes de estimação!, querida mulherzinha. Trata de arranjar quem te

entretenha melhor!, minha adorada —(Revolteou tralha miúda)—. Acabas esse fun-fun-fun!, ou te esgano!, cadela—(Agarrou em duas malas)—. Quando as vizinhas espreitarem, que venham abrir-te a porta!, namoradeira de animais. Até à vista, ou até ao inferno!...

— Bandido!: fico presa e sem dinheiro?; sem nada para comer?— «Sem nada para comer»?, parvinha! Tens o gato a cozer!; é só temperar a gosto e passá-lo

ao estreito!; rico petisco!, ôh-ôh!...75

Com a cara mais destampada deste mundo!, Gwambe regressou tardio de Marrocos e tornou a instalar-se na casa dos «refugiados políticos» de Moçambique!, sem sequer dirigir a mínima vírgula aos chefes da TANU. Durante dias ainda se atreveu a lançar chocarrices aos da MANU que menos lhe caíam no goto.

Kambona e seus pares iam inchando-inchando... Consumida a paciência, o Ministro da Educação destravou e chamou a si a iniciativa de meter o insurgente na ordem. Diante do Timothy Chokwe, Mmole e Millinga, entregou uma carta ao estafeta do partido, vomitando azedume:

— A cavalgadura logo hoje havia de faltar ao almoço!; pois tu baterás Dar-es-Salaam, e tens de encontrar a besta antes das seis horas. Se fizer objecções à carta, gritas que preciso falar-lhe imedia -tamente—(Sem responder, o estafeta arredou. Kambona, rábido, acrescentou, berrão)—: Espiolha bem nas ruas das mulheres!: há-de lá estar.

Gwambe regressara e tratou de animar aqueles a quem dirigira a carta, esclarecendo-os de que fora orientado em Rabat pelos dirigentes do PCP. Mostrou cheques de curiosa proveniência!, e dinheiro com circulação no Tanganica.

Intitulou-se presidente da UDENAMO. Fez do Mahlayeye secretário-geral; Sigauke ficou vice-secretário; nomeou Mahluza presidente do executivo; um Constâncio Stanislaus, vendedor ambulante de tabaco, e amigo recente do Mahlayeye, por mostrar boa lábia e sanha contra os brancos colocou-o no cargo de chefe da propaganda e informação!, embora ignorasse o que isso fosse...; e ao Baúle deu o lugar de tesoureiro, brincando com ele no «acto de posse»:

— Tesoureiro!: homem das massas; cuidadinho, atenção ao comprimento das unhas!, meu marau...

Gwambe entendeu que a cerimónia devia ficar bem regada com doses avantajadas de cerveja. Imitando o Belisário Mota, igualmente preferiu descer à cova-funda do bar manhoso fora-de-portas, lá permanecendo horas e horas.

Enquanto isso, o estafeta da TANU ia passando à peneira o Bairro Kariakoo(«por força o fulano é maluco!: foi a Rabat, voltou tarde!, e nem diz palavra?...»).

Na cova-funda, entre dois goles, Gwambe tornou a pedir novas sobre Bucuane e Chambale.Antecipando-se ao secretário-geral, Mahluza explicou quanto sabia. A concluir, envenenou:

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— Passaram-se para o inimigo. Substitutos do Paty Momade!, naturalmente...Mahlayeye fez voz grossa:— Para o inimigo!, é como quem diz... O Belisário foi abordado pelo Kambona. Tudo se

descobre! Ora o velhote receou aceitar a proposta. Nada custa crer que o recadinho fosse depois soprado ao Bucuane...

Gwambe enguliu em seco antes de jorrar asneiredo peludo.O estafeta guardou a carta entre a camisola e a pele. Escorria suor; o envelope ficou lambuzado.

Propunha-se bater de fio a pavio a zona comercial(«não adiantará chegar às casas dos Ingleses, Gregos, Holandeses, Alemães, Suíços, Italianos... Onde param Goeses, Indianos, Árabes, Paquistaneses, é que sim»).

Despejadas obscenidades em catadupa, Gwambe rilhou:— São parvos!, quantos julgam o lunático Bucuane capaz de trabalhar no «consulado» para a

TANU. Ele acaba por enganar o Kambona e servirá o nojento Português Álvaro Pinto!, apesar deste ser fresco...—(Interrogativo)—: Feito «cônsul»!, pode lá ser do contra?... Para mais!, veja-se como ele e a Polícia inglesa resolveram a questão do sujo mabeco Momade!: convenceram os malucos da TANU a consentirem no envio do misto para Moçambique! Os brancos estão todos feitos uns com os outros!... E os depravados da TANU foram no embrulho!...

Sigauke alfinetou a contento: — Esses passarões medrosos disfarçaram a desfeita espalhando que deixaram ir o misto

para evitarem complicações com os Ingleses, antes da independência total. E Absalão Baúle:—Timothy Chokwe pretendeu convencer o Belisário Mota a desistir da UNAMI, convidando-o

para formidável conferência!, e saiu-se da casca!: referindo o Momade, preveniu que a TANU ajustaria contas com quem lhas devesse!, mal apanhasse pulso livre...

O estafeta, já pés :tonelada, passou da zona comercial à área industrial, ao Sul(«raleira chata!, debaixo desta caloraça»).

Mbiyu Koinange veio à colação na grazinada confusa da cova-funda; e Mahlayeye pontapeou;— Afastou-se da MANU descoroçoado! Nunca fez nada de jeito. Ninguém o gramava.— Nos desesperos sem tom nem som..., sofre dos parafusos!, é..., afirmava não suportar quem

fizesse recordar os Portugueses!; ohh o que lhe faltava sei eu: era habilidade para lidar connosco—(Socou o Mahluza)—.Constâncio Stanislaus insistiu no pedido de cerveja(«é de aproveitar o dia!»).— Carrega-lhe!, lindo chefe da propaganda e informação. E se lembrares que bebes à conta do

Partido Comunista Português!, até te sabe melhor—(Gwambe, entusiasmado, repetiu que apesar de fundada definitivamente a UDENAMO, continuariam hospedados na casa dos «refugiados» de Moçambique. Gozão)—: Enquanto não formos expulsos, tudo é lucro!, rapaziada. Na discussão com o liró Timothy Chokwe, ao convidar-me para a tal conferência monumental!..., garganta não lhe falta!..., na frente da cambada, Mmole, Munanka e Millinga, citou a ameaça da TANU: sermos corridos, mais o pessoal do Belisário, se depois não desistirmos dos nossos partidos!

— Vamos à conferência?, chefe!—(Pipilou Sigauke)—.— Ao menos para fazer chiqueiro!; tem de ser, ói!—(O presidente asneirou mais)—: E se lá a

carneirada entrar a chatear!, ainda me atreverei a matar alguém...O estafeta voltou ao bairro indígena: populoso como cortiço! Dali rumou ao Norte(«uü:

adiantará rondar os hotéis caros?...»). Depressa torceu caminho(«ideia baril!: vou sair da cidade»).A perguntas do Stanislaus, Gwambe foi repisando a lengalenga acerca da viagem a Marrocos.

Num ímpeto sonoro: — E actualmente os meus ídolos são os pugüistas americanos da nossa cor, o Marcelino

dos Santos e o Raul Pires da Silva. Que pena!, serem mistos. Trouxeram-me nas palminhas!, enquanto demorei em Rabat. Estes dois Moçambicanos comunistas e outros de Lisboa é que ofereceram este fato formidável, vede! Fartámo-nos de urrar morras a Portugal!, e de cantar vivas à Rússia! Desta nação receberá a UDENAMO chorudo auxílio, dentro em breve; ficou assente!, companheiros(«será verdade que os Russos enviam homens e mulheres disfarçadas!, servindo-se até dos seus barcos pesqueiros nas costas de África?... Aguardo!...»). Os meus amigos comunistas pelam-se por ver a destruição dos Portugueses. Na conferência aprendi que muitos daqueles vivem principalmente na França, Marrocos, Ghana, Rússia, Argélia, Cuba e Egipto^). Em Rabat assentaram na criação dum organismo político, a CONCP, destinado a coordenar a acção dos movimentos empenhados na luta contra Portugal, tanto na Europa como em África.

Continuaram a virar cerveja.A China veio também à balha quando o Gwambe cantou ser precisa uma sede jeitosa para o seu

partido emancipalista, referindo ainda a urgência de arrebanharem os sócios descontentes da MANU,

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impedindo-os de irem parar à UNAMI. Dando-se ares de sabichão!:— A China iniciou a penetração no Tanganica!, mesmo nas barbas dos Ingleses medricas.

Claro: a UDENAMO será protegida pela Rússia, mas quando os Chineses cá riscarem ordens, evidentemente, a eles pediremos maior protecção económica. Ardem muito por Moçambique! Temos auxílio garantido.

— Piramidal!, fabuloso Gwambe—(Incensou o Síanislaus, aproveitando fiapos de lucidez)—-.O estafeta alcançou a cova-funda e sentiu alma:foguete ao pôr olhos na sociedade(«cheira tão

mal!, aqui»).Gwambe viu-se observado, e varou-o:— Vai um copo?, ò nosso amigo.— Era favorzinho—(Sem parar)—: De manhã estoirei à cata do velhote da UNAMI. Ao

almoço e durante a tarde não parei à sua procura—(Puxou a carta; tresandava a catinga. Entregou-a)—: Mandam-lhe isto(«até dá sono!; tudo tão abafado!, nesta por-calhice »).

— Carta de Salazar?, ou do camarada Kruchtchev!...(«ou da Polícia?...»).— Chatice!, senhor Gwambe: devia entregá-la antes das seis horas!, e pouco falta para as

oito(«Kambona estará furioso»).— Não te rales!, que eu também não—(Vendo esticado o rosto dos parceiros)—: Arredai!;

quereis queimar a carta com esses olhos acesos?...—(Espicaçou o Mahlayeye)—: Ò secretário-geral abelhudo!: não lhe basta fixar as pernas das miúdas?... Vamos lá ver!...

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Álvaro Pinto e Aurélio Bucuane haviam concordado: este ficava a trabalhar no escritório, e o David Chambale passava a fornecer novidades.

Rematada a estrangeirinha, Bucuane saiu transportando coração :aleluia! e correu ao encontro do Chambale(«desta forma passo rasteira de gritos ao Kambona!; deixá-lo... Devo-lhe tantos favores como aos Portugueses!, ora-ora...; que o Álvaro Pinto dificilmente fará o ninho atrás da minha orelha!: não pede segredinhos por simples curiosidade pessoal!... Olha quem!... O Chambale também só acarretará notícias referentes aos detestados por nós; será bem prevenido. E o Kambona ainda fica com sorte. De forma alguma o ministro pode saber-me a par da futura actividade do Chambale. Então é que o Gwambe escancararia a boca!, contra mim... Se eu gramasse este odiento Gwambe, o grilo Chambale nunca falaria ao «cônsul»... Mas assim, é a única e magnífica forma de principiar a vingar-me do palermão da trapalhice UDENAMO. Eu lhe digo!... Aprenderá quem é o Aurélio Bucuane!... Quando menos esperar!, há-de estoirar-lhe dura castanha caju na boca!...»).

Concluída a combinação da tramóia com o Chambale,(«vou ficar muito importante!, está visto»), Bucuane foi comunicar ao Oscar Kambona a conquista do emprego desejado.

O ministro rejubilou!, admiradíssimo perante a sorte(«não pedi ao Álvaro Pinto para meter o bedelho na vida atrevida do misto Momade. Ele devia ter tapado orelhas ao aviso da Polícia inglesa. Talvez ainda as pague com língua de palmo!...»). De súbito, estremeceu!:(«fortes bestas nós fomos!; nem o Nyerere previu isto!: deixámos abalar a nojice do misto!; e se um dia vê algum dos nossos a querer infiltrar-se na Polícia de Lourenço Marques?... O estratagema deve ser habilmente trabalhado, para surtir efeito.

Mesmo que eu descubra travessuras no Álvaro Pinto, fingirei nada ligar, enquanto convier à TANU. E o Bucuane tem de recorrer sei lá a que habilidades!, para provar pleno arrependimento e mostrar ser nosso inimigo. Em Moçambique aceitam-no logo!, olá se não!, ao menos para o escutarem contra nós. Mas..., e se o apanham?, depois; ora!, é menos um a dar cuidado. E chegaria o momento de meter Álvaro Pinto na ordem. O régulo Megama fazia mais falta!, se fosse descoberta a sua tarefa»).

Por seu lado, Álvaro Pinto participava o sucedido ao director da Polícia de Moçambique. Passou a fazer-lhe telefonemas combinados, da residência, afastando sempre o moleque;curiosidades. Lia jornais e revistas suspeitas. Prestava atenção às emissoras tendenciosas («vou seguir imediatamente as instruções do director da Polícia!; cem olhos são poucos atrás do Gwambe, vindo dentre os comunistas perdidos em Rabat. Por mais viva que seja a curiosidade, preciso fingir indiferença. No Bucuane percebi aversão pelo Gwambe!; essa animosidade pode beneficiar-me. Mas devo ter cuidado!: o do lábio rachado é finório»).

Chambale entrou em acção.Bucuane depressa se adaptou ao regime de serviço contínuo. Ao segundo dia ficou

preocupado(«é boa!: caso encontre o Paty Momade em Lourenço Marques, como tentarei a parte do ingresso na Polícia?... Os da TANU pensariam nisto?... Muito arrependimento hei-de fingir!... E o Álvaro Pinto tem de ser bem enganado!»).

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Quando foi conhecida a criação da UDENAMO, Álvaro Pinto comunicou-a à Polícia; e aconselhou o Chambale a fazer-se sócio. Entusiasmou:

— Olho fino e pé leve(«convém disfarçar!»); Uns saguis daqueles!, metidos em altas cavalarias... Vou divertir-me à larga! E ali o Bucuane também, naturalmente...

— À custa do Chitofo Gwambe?; claro-claro!, senhor «cônsul» («há outros a quererem divertir-se!...»).

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Antes, durante e depois do fragor das armas nas revoluções, conta imenso a propaganda, e hoje mais do que nunca.

Os comunistas professos com quem o Gwambe contactou em Rabat, conheciam as tendências pró-China dos líderes da TANU. Apesar de considerarem mentira pegada quanto o Moçambicano proferiu acerca do fracasso da MANU e do apogeu da UDENAMO, incentivaram-no à luta, na preocupação de servirem a Rússia protectora e de ela vir a conquistar, pelo seu partido, posição sólida no Tanganica, a fim de poder competir com a China no açambarcamento das numerosas parcelas de África. E, obedecendo a ordens dimanadas do Presidium do Soviete Supremo, trataram de industriar o Adelino Chitofo Gwambe.

Marcelino do Santos, acotovelou:— Arreda medos!: essa UDENAMO tem de ser famosa; propaganda-propaganda!: por tudo e

nada persegue os jornais, procura os correspondentes das melhores emissoras do mundo. Procedendo assim!, verás onde tu e o teu partido ireis parar...

Raul Pires da Silva, empurrou:— Em casos mais que tal, não te acanhes!, anda para diante: promove conferências de imprensa

e fala forte!, seja verdade ou mentira. Actua sempre em grande!, alardeia sucessos da UDENAMO, mesmo que ela só tenha o nome. Os jornais gostam de rasgos ousados. Escusas de rir!, Gwambe: devido à publicidade, por vezes há milhões de criaturas a crerem no inexistente!

Estas frases encasquetaram-se nos miolos do novo nefelibata!, movimentado numa África movediça, complexa, múltipla... Ficou à espera da primeira ocasião para obedecer cegamente; ela surgiu no Tanganica, na cova-funda de um bar manhoso fora-de-portas.

Gwambe atirou pés à parede ao acabar de ler a carta sebosa entregue pelo estafeta da TANU:— Venha o Kambona ter comigo!, ói-ói... Sou tão líder como ele!, ai-ai... Lá por estar já

ministro, olha a grande avaria!; ainda hei-de passá-lo!, chegando a Primeiro-Ministro de Moçambique —(Mofa embkrenta)—: Esperava-me hoje às seis horas! Ora toma!; não desejaria mais nada?... Vá, estafeta: vira a cervejinha, e põe-te ao fresco; escutaste o recado para o psicopata Kambona. Percebeste?, gajolas...

— Ui!; porrada não quero levar, não. Só falo da carta entregue muito tarde; e fujo da zangação dele, jü...

Quando o estafeta abalou, Gwambe pediu silêncio. Levantou-se cambaleante. Sem os companheiros verem bóia, cantou solenidades;

— Brevemente organizarei a minha primeira conferência de imprensa!(«apenas digo-digo; os jornalistas ajeitarão as palavras próprias»). Será acontecimento de arromba!, para amolar kambonas e nyereres dos infernos! Em letras graúdas, a ver se amasso vários meninos já enfurecidos, há-de sair!: o competente líder Adelino Chitofo Gwambe foi convidado a participar numa conferência da MANU; uia!, ele é esperto e recusou-se a tratar assuntos políticos de Moçambique com estrangeiros!, seja onde for; e muito menos os discutirá com os Quenianos Timothy Chokwe, Malinga Millinga, e com o Tanganiquenho Mathew Mmole.

— Mbiyu Koinange não grama esses três!; já escutei... Vai delirar!, ao lamber palavras tão doces.

— Ai sim?, Mahluza! A ele valeu ter deixado os Moçambicanos; de contrário partia-lhe o focinho!, como farei a ti daqui a bocado, por miares antes do tempo. Discursava o teu presidente! Se não sabes emborcar cerveja!, bebe...—(Concluiu a frase indecente apontando a retrete)—.

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As horas gloriosas do troca-tintas Sangolipinde, na MANU, decorreram enquanto por lá cirandou o taciturno Koinange, embora ninguém fizesse caso do seu cargo de vice-secretário.

O reaparecimento do presidente Mmole e do secretário-geral Millinga, e o regresso de sócios que não o suportavam, mataram-lhe as cócegas na vaidade. Mais frequentemente passou a ser vítima de apupos.

Escarmentado, Sangolipinde ruminou-ruminou; e:(«é isto!; mas primeiro vejamos: aguentei

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umas turras com o Gwambe; agora badala a UDENAMO à farta!, mesmo; acho cedo para o procurar; se aguentasse ir já a ele, seria bem capaz de troçar. Aguento a certeza de apanhar lugar importante no seu partido!, mais tarde. Pois é isto!: arranjando emprego no escritório do Álvaro Pinto..., seja o que for!..., a menina Bucuane não aguenta ser superior a mim em nada!, largarei toda esta garotada mordida de inveja purinha. À próxima desordem na MANU, deito imediatamente atrás do «cônsul» mesmo»).

A desordem pouco tardou!; uma disputa acesa com o Mmole, /terminada entre este e o Gwambe, que continuava pela sede enquanto cozinhava a conferência de imprensa e procurava casa para a UDENAMO/, levou o Sangolipinde, pé:telegrama, à frente do Álvaro Pinto(«não encontrando sorte aqui, aguento amolar a menina Bucuane do olho eléctrico. As danações do Gwambe contra a menina, oh!, estão certinhas!, mesmo. Também é fresco!, o assobiador da UDENAMO; aguenta ir à MANU a pescar sócios. Os Africanos deste escritório têm manias irritantes!: demoram a atender»).

Os empregados continuaram como se não tivesse entrado ninguém.Bucuane baixou a cabeça.O patrão pitava o seu cigarrito(«acho piada!, a estes tipos»). Resolveu avançar, contente;— Revolucionário?... Vens convidar tudo para a conferência do Tymothy Chokwe, na

MANU?...— Nada disso aguento!, senhor «cônsul»; só sou o Feliciano Sangolipinde, mesmo.— E daí?...— Aguento trazer vida chateada.— Agora viveis como quereis! Oiço falar em três partidos dispostos a esmagar Moçambique!; e

tu desanimas?...— Nada aguento conhecer dessas vidas desgraçadas, senhor «cônsul»—(Pronunciou em

surdina, para Bucuane não perceber o descaramento)—. Procuro serviço; aceito mesmo o de servente, senhor «cônsul».

— Tenho cismado que hei-de aturar um espião de cada partido! A qual pertences?— Oh!; sei lá...(«espião safado, aguenta ser aquela menina Bucuane»).— A maluqueira da politiquice vai arredando os Moçambicanos da indústria hoteleira, da venda

de bugigangas, das estações de serviço, das engraxadorias e do sisal. Serás dos tais sem amor ao tra-balho, por culpa da TANU?... Mostras pinta disso!, belo chefe de matilha(«eu te arrumo!, negrão tenebroso»): Quem adoidou tua cabeça, que te ature!, menino.

— Se não aguentar dar trabalho aqui ou em casa, torno a movimentar a minha grande associação, pronto!

Bucuane refreou a gana de gargalhada estridente. Álvaro Pinto sorriu; e: — Linda ameaça!, seu sigopinde, ou lá quê... Passaste o atestado comprovativo da tua

brilhante inteligência!,(«asno desferrado»). Pois fico mortinho por ver quatro partidos aptos a transformarem Moçambique em terra queimada!...—(Olhou o Bucuane. Já mal podiam reter gargalhadas. Voltou à carga)—: Então desejo-te sucesso esplendoroso igual ao da MANU, UNAMI e UDENAMO! Quererás levar ali o senhor Bucuane para teu presidente?...

O visado abandonou a compostura inicial num indomável froixo de riso. Mesmo assim, escutou distintamente a resposta:

— Se a menina Bucuane aguentasse ir comigo, quem ficaria cá?, para informar o Nyerere e o Kambona!...

Sangolipinde gargalhou alto e abalou(«ao menos aguentei matar o escárnio da menina!»).Álvaro Pinto fixou Bucuane; notou-lhe vermelhidão no rosto!, e o olho esquerdo assanhado...-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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Devido aos desastrosos resultados obtidos pelo Timothy Chokwe ao convidar Belisário e Gwambe para a conferência conciliatória, Kambona foi forçado a entrar directamente na refrega.

Aos recados enviados por intermédio do estafeta da TANU, só obedeceu Belisário Mota. Ao ser catrafilado pelo Ministro da Educação, barulharam por uma pá velha!, ao longo de discussão :espinho. Quando se afastaram, suados, cansados, coléricos!, continuava tudo encrencado.

Kambona ficou esquizofrénico!, a remoer o estanhado procedimento do Gwambe(«faltou!... Como se não bastasse o descaramento de continuar na casa dos «refugiados»!, parecendo proprietário daquilo!, atreve-se a nova desfeita?... Não fosse o Nyerere aconselhar calma até à conferência, e eu lhe diria!: corria-o a tiro!»).

Enrodilhado na crise nervosa, dias volvidos Kambona recaiu num enfurecimento devastador, ao atender telefonema :agulha do Ronald Mwandjisse. Este acabou recebendo ordens para ir ao

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ministério. Chegado lá, colocou na escrivaninha do amigo um exemplar antigo do jornal «African Mau», aberto nas páginas da entrevista do Gwambe, fabricada em Lusaka. Adiantou:

— Jornal de meses!, da Rodésia do Norte!, enviado de Lourenço Marques..., vê-se no carimbo!, destinado à TANU, sem remetente; obra de quem?, Kambona...

Do Paty Momade!; não há á menor dúvida(«os Portugueses mandaram este galo a espiar. Nós gozamos!, mantendo em Moçambique o régulo Megama ao serviço do Tanganica»). E respeitável e retardada vingança do misto!... Desse ele conta desta borrada no devido tempo!, decerto a desmascararia, e nunca o urso do Gwambe poria patas em Marrocos. Como este filho de javali me enganou!, faz pasmar...

_Sobre a entrevista, aparei zunzuns em tempos!, finalmente recordo. Mas não liguei ao disparate. Se esse jornaleco fosse de mais nomeada, as nossas emissoras aproveitariam frases tão sensacionais como parvas!, e ficávamos inteirados; assim!...

Kambona e Mwandjisse gastaram o resto da manhã envenenando--se. Ao meio-dia foram almoçar juntos. Apenas petiscaram. Sentiam ingurgitamento na garganta. Devoravam cigarros de enfiada!: alguns eram abandonados a meio. Só as bebidas tiveram honras atentas.

À noite houve reunião de emergência, na TANU:— É grave!, a questão com o Gwambe.— Gravíssima!— E o da UNAMI parece palonço!, incapaz de capar mosquitos l; ui!: também escoiceia por

nada!— São todos iguais!Às quatro lamentações sucedeu contenda ;espinheiro. Nyerere alongou-se a recomendar calma-

calma-calma; Kambona discordava: entendia que os atrevidos mereciam ser corridos das instalações onde estavam protegidos pela TANU, e só deviam regressar depois de reentrarem na MANU; Mwandjisse dizia sim e coisa; Barongo repetia coisa e mais sim; Chokwe bombardeava os Moçambicanos conhecidos!, sem excepções; Koinange, actualmente só encarregado das restantes casas de refugiados, repetia vénias amplas a cada bombardeamento; e Munanka via, suava, ouvia...

No final acordaram na escolha do dia para a propalada conferência da pacificação; decidiram afixar avisos na sede da MANU e na casa dos «refugiados»; ao Belisário e ao Gwambe resolveram enviar convites pelo correio.

— O da UDENAMO merecia que eu lhe encostasse os pés à pança!, em vez do convite.— Ò Kambona!: essa tirada fez-me lembrar a Polícia—(Nyerere dirigiu-se ao Timothy

Chokwe)—: Convém prevenir na esquadra!: a conferência não deve principiar sem estarem dois guardas brancos e dois ou três africanos.

— Safa!... Até num caso destes?...— Verá!... Conhece mal os animais da MANU!— Imagino-imagino!: há tempos o Mmole entrou duro com o Sangolipinde; o descarado

Gwambe aproveitou para pegar com o presidente; nem lhes digo nada!: fartaram-se de jorrar gasolina inflamada!, boca fora; ignoro como escaparam ilesos!... Cheguei a tremer!, confesso.

— Dou prémio colossal a quem matar o Gwambe!; pode divulgar, Timothy Chokwe.— Deixa lá isso, Kambona — (Nyerere voltou ao Chokwe)—: Bulharam sem sangue!; acredite:

ficaram em flores. Altercação com pontapés e socos à mistura, é simples música!, entre essa canalhada. Acontecimento sério!, sucede quando puxam e manejam armas. Isso acontece facilmente!

— Uü...— Ui?!... Previno e recomendo!: a Polícia é indispensável na conferência; pouco adiantará!,

todavia pode livrar a TANU de sarilhos, ao menos...Separaram-se de gorra.A concórdia entre Kambona e Nyerere tomou a tremer no dia imediato!, a seguir à leitura dos

jornais.Decorreram horas estrepitosas!, na cidade.Dar-es-Salaam em peso acordou para bisbilhotar e comentar até adormecer de novo!, à noite.Os jornais deixaram tresloucado o próprio dr. Julius Nyerere!, quanto mais Kambona!, e o

restante pessoal maior da TANU... Telefonaram às primeiras horas úteis; deixaram outra reunião marcada para logo após o almoço!

A pensar na demora, o Ministro da Educação levou-se da breca!: arrepelou os cabelos!, enquanto a hora não chegou. Descalçou os sapatos! Arranjou discussão cinzenta com o secretário; ficaram de coração tisnado, novamente.

Ao princípio da tarde, Kambona compareceu como louco! Descarrilou, jurou vingança ferrete!, e apostrofou:

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— Eu não disse ontem?, dr. ,Nyerere! Para quê?, contemplações! Se não escorraçarmos já-já-já a besta do Gwambe!, jamais poremos albarda no burro. Por mim!, dava ordens imediatas para ser abatido à bala!

Nyerere, aparentemente imperturbável, insistiu:— Calma-calma, caro Kambona. As precipitações prejudicam. Há sempre tempo para nos

vingarmos de gente nova. Teimo e exijo que saibamos esperar até à conferência na MANU. Faltam escassos dias. De seguida agiremos consoante o procedimento dos parvos da UDENAMO e UNAMI—(Deu meia volta)—: O Timothy Chokwe mantenha presente a necessidade da Polícia; cuidado!

— Fique descansado, senhor Primeiro-Ministro(«e recordarei ser preferível esperar no hotel. O jornal de hoje bastou para adivinhar forte doidice no Gwambe. Avenham-se!...»).

— Caro Kambona,—(Continuou Nyerere)—escuta o meu conselho. Olha, não estejas aperreado; lembra que foi suficiente lermos: «A fundação do poderoso movimento emancipalista UDENAMO significa a libertação integral de Moçambique»!, para imaginarmos chuchadeira indecente toda aquela pseudo conferência de imprensa do inepto Gwambe.

— E os jornalistas apararam o jogo!, arre!... A cidade ficou alarmada e desatou num escarcéu medonho!, por causa da «chuchadeira indecente», cheia de afirmações gravíssimas!, e com implicações de carácter internacional!; viram bem?, senhores. Eu deixe de ser Kambona!, se o disparate não trouxer amargos de boca ao autor! Juro!, e juro!

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80Lançada a frase :granada do Sangolipinde contra Bucuane, Álvaro Pinto interrogou o

empregado, assim como quem não ligava... O interpelado descartou-se lindamente, atribuindo a vermelhidão do rosto ao facto de ter sido tratado por menina, e afirmando ser de refinada inveja a pergunta torpe do Sangolipinde. Rendilhou:

— Estou convencido de que esse patife parvalhão foi empurrado pelo Gwambe peneirento!; dois potes de intrigas, mortinhos por me estragarem a vida!; isto desde há anos, senhor «cônsul».

— Pretenderão arrastar-te à UDENAMO!; mas o enviado especial teve azar.— Tarrenego!: nunca pude ver um nem outro; cruzes!, mafar-rico dos besoiros.— Detestas o Gwambe?—(Álvaro Pinto, raposa velha de rabo pelado, fingia não acusar as

marteladas)—. Detestas?— De morte!, senhor «cônsul».O patrão vergou até à orelha do empregado. Ciciou;— Se vier a certificar-me da tua inocência na espionagem, hei-de ensinar-te a aplicar o golpe

fatal no orgulho do Gwambe («actualmente é cedo: o Chambale está pouco relacionado; papéis e documentos da UDENAMO serão de restrito valor, ainda, apesar da viagem e das relações do presidente, em Rabat... Continuem a juntar!: cá espero a oportunidade»). Golpe fatal!...

Desta vez ^Bucuane mostrou duas pupilas ligadas a corrente de alta tensão!(«Álvaro Pinto-Kambona!... Nem sei para que lado pender... Esquisito!...»). Fazendo ranger a cadeira:

— Os Moçambicanos armados em políticos, nunca mais me largam, aqui. O melhor, era o senhor «cônsul» tratar do meu perdão junto do nosso Governo!, e abreviar a minha ida para Lourenço Marques. Preciso fugir do Tanganica(«assim encaixado na Polícia, nem receio o misto Momade. Fomos quase amigos»).

— Antes disso, tenho espinhosa missão a confiar-te(«ao Chambale faltará habilidade para tanto!, sozinho...»). Os da MANU continuam a badalar conferência importante. Se ganhares coragem, irás lá; poderás descobrir novidades úteis para o futuro.

Álvaro Pinto pôs ponto e vírgula no incidente(«o ponto final será colocado pelo Chambale. Depressa ficou sócio da UDENAMO!»).

Quando o recadeiro apareceu daí a dias, foi sujeito a interrogatório torcido(«convém abrir-lhe a boca sem desconfiar nadinha; de contrário, mete tudo nas orelhas do amigo, e estrago os meus projectos contra a peste do Gwambe!, e contra o Belisário!, até; e mesmo contra a MANU e TANU!...»).

Mas o Chambale óptima e oportunamente preparado pelo Bucuane, em nenhuma resposta arriscou ponto sem nó.

Álvaro Pinto coçou atrás da orelha(«isto leva água no bico!, leva...»). E decidiu mandar vigiar o Bucuane. Poucos dias decorridos ia virando de costas!, perante revelação:trombeta. Sem se conter, caiu numa antecipação precipitada:

— Senhor Bucuane!; ilustre senhor Bucuane [...(«prefiro entrar deste modo; há conveniência»). Com que então!, perdido e achado na casa do ministro Kambona!, a que horas da noite!...

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— Falso!; redondamente falso-falso!, senhor «cônsul».— Donde saíste ontem?, quase à meia-noite!...— Sou homem!; é necessário namorar!— Adiante!; estás a caminhar bem.— Quero lá saber quem seja!, o patrão da miúda...— Conhece-lo ?...— Evidentemente!: um ministro Kambona(«neste tom estrago tudo. Devo aproveitar a

inteligência»). O senhor «cônsul» foi mal informado. Que saio das traseiras da casa!, é certo; ora lá do interior?, impossível!

— Sais das traseiras?, ou pelas traseiras!...— O senhor «cônsul» desconversa!; assim nem dá gosto falar verdade, oh!...— A tua verdade começará no fim das tuas mentkas?— Juro pelo próprio sangue(«de Cristo»)!, senhor «cônsul»; a minha namorada faz serviço em

casa do ministro Kambona; ora, trabalhando de dia, só posso vê-la à noite. Mande lá quem quiser a procurar se é verdade!, senhor «cônsul»; peço por favor!(«quanto mais arrisco melhor ele cai»).

A f irmeza destas palavras desmoronou os propósitos do Álvaro Pinto. Feito lorpa!:— Permita Deus que nada disso seja mentira. Para salvação de ambos!, rapaz.— Já disse alto!, senhor «cônsul»: permanecendo no Tanganica, muitos Moçambicanos

desejarão sempre estragar-me a vida. Ando farto disto!: necessito ir para Lourenço Marques, nem me importando de trabalhar numa polícia qualquer!; vê?, senhor «cônsul» («és fácil de levar. Não fosse o Kambona desejar-me em Moçambique à tua custa!, e ele te diria...»).

— Primeiro hás-de executar espinhosa missão na companhia do Chambale. Atreveis-vos ?— Contra quem?, senhor «cônsul»!—(Sem respirar!)—: Seja contra quem for!, estou disposto;

mas é só para ver...— UDENAMO, UNAMI, MANU, TANU, por exemplo...— Atacar a UDENAMO dá especial prazer! O Gwambe é deveras perigoso!, atafulhado de

ideias comunistóides, continuamente alardeando cheques, dinheiros, Rússia, Rabat, Ghana, comunismo —(Viu o patrão a balouçar)—. Ele não passa dum parvalhão brutamontes! A patacoada louca da conferência de imprensa nos jornais!, foi preparada pêlos jornalistas(<<para combater a UDENAMO encontras meus braços abertos, Álvaro Pinto; contra os demais, dkei sim, e faço curvas!»).

— As revelações sensacionais vindas a lume, continuam a levantar mil diabos! Convenci-me de que surgirão notas oficiosas à escala internacional. Forçosamente! Quem leu aquilo e não conhecer a pelintrice destes Moçambicanos!, até imaginará o Gwambe o Gengiscão da África!

— Aquelas afirmações!, são refinadíssima mentira. Pasmei!ao ver como se atreveu a meter o Governo de Ghana em semelhante zebrada!, senhor

«cônsul»(«gostas destas palavrinhas!...»). Se deseja a morte do Gwambe!, basta entregar pistola e garantir imediata passagem e colocação em Lourenço Mar quês («tenho a certeza de ir parar à Polícia bem coberto!, sem temer o misto Momade»).

— Matar!, não. O negócio é diferente; e deveras importante («mostras o lábio rachado e o olho eléctrico tão inflamados!...»). O Chambale será homem capaz?...

— Francamente!, senhor «cônsul».— Então ide armazenando coragem e sangue-frio para importante tarefa, daqui a uns tempos(«o

maior ganho está na escolha da melhor oportunidade»)—(Paternal)—: Ah!: a bodega da conferência de imprensa do Gwambe contribuiria para a rápida realização da conferência da MANU, há muito anunciada. É amanhã; avisou Chambale. Creio que servirá para treinares a coragem; percebes?... Agora faz como entenderes.

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Em breve tempo Timothy Chokwe conheceu também o feitio truculento do Mathew Mmole(«evidente!; revela ferocidade igual à do Chitofo Gwambe. Então amolem-se todos!: visto dizerem que discursarão-discursarão!, façam eles a conferência. Não apareço!; nem arrastado pelo diabo! Bem procedeu o Koinange!; desentendeu--se, amuou, largou os Moçambicanos e cuida só dos outros refugiados. Alguém suportará o tresloucado Gwambe?...; tão-já garantem a sua presença!, como dizem que não assoma!... Vá lá uma pessoa fazer caso das afirmações despejadas na conferência de imprensa!... E depois a TANU abandonava-me no meio das feras!, praticamente sem sabermos quem sejam os oradores!... Tudo cabeças no ar!; foge!... Assentei!: quem não vai, sou eu!»).

Sem transpirar a mínima pontinha da resolução tomada, Chokwe esperou pela hora crítica.

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Chegada, encerrou-se no seu quarto do Hotel Príncipe. Ficou para ali estendido na cama, aturando renhido combate de pensamentos.

Já um depauperamento dama jazia na sua alma quando Millinga, Belisário e os três colaboradores, mais o Sangolipinde («importa aguentar seguir os passos do velhote, para caçar bom lugar na UNAMI!, mesmo») bateram à porta.

Chokwe, lento, foi abrir. Ficaram a olhar-se. Eles entraram sem pedir licença. Ladearam a cama. Chokwe tornou a deitar-se. Continuaram mudos.

Alguém tinha de rebentar as comportas da opressão peitoral!, e Millinga furou o dique:— Adivinhámos onde estava!; largámos aquilo. Era impossível permanecer na MANU!;

impossível!— E vim eu propositadamente do Quénia!, para unir os desavindos... Pedi explicações ao

Koinange. Contou a triste realidade; contudo, cheguei cá; estou bem arrependido! Tanta confusão entre vocês, é unicamente pela mania de todos quererem mandar!, de serem importantes!, mais do que os outros!, tche...—(Sangolipinde furtou-se aos olhos :cataplasma do Belisário)—. E a maioria mal sabe ler!

— Triste verdade!, senhor Timothy Chokwe.— Verdade confrangedora, senhor Belisário Mota. Será possível união!, entre gentinha

assim?...— A MANU ficou atafulhada de furiosos!; palpitámos sangue, e preferimos arrancar!, antes

que fosse tarde. União?!... Jamais a sonhem!, sequer. A UNAMI compareceu; só para ver, sou franco.Chokwe movimentou curiosidade borbulhante;— Os jornalistas entraram?— Alguns. Saíram apressados!, tapando as ventas. Esperaram fora, por não suportarem o fedor;

e talvez porque pressentiram catástrofe rija!...— Logo de início ?!— Nem faz ideia!, senhor Chokwe—(Exclamou Millinga, tomando a vez ao Belisário)—. O

Mmole armou-se em Napoleão!, quando ainda entrava gente. Soltava cada barbaridade contra tudo e todos!; havia de ver!... Nisto, apareceu o Gwambe, extremamente emproado!, acompanhado de Macondes bravos-bravos; porventura pagos com dinheiro vindo da Rússia, via Rabat... Rompeu a barafustar no meio da sala!, por terem principiado sem a presença dele. Parecia possesso!, ao berrar: «Quanto maior uma reunião, mais atrasada deve começar». O Mmole não ficou menos endemoninhado!,

com as mãos nos quadris e aquelas beiçolas cerradas à bruta! Desataram a disputar o lugar da presidência. Para mostrar autoridade!, e por calcular que seria obedecido, o Gwambe, peito-largo, atreveu-se a dar ordem de expulsão ao Bucuane e ao Chambale.

— Palavra?!... E a Polícia?...— Ainda não estava. Escute!, senhor Chokwe: todo mundo ali desenvolveu gritaria de acordar

mortos!, por causa dos enxotados não tugirem nem mugirem. Ih!, cum raio; ao vê-los levantados!, o Mmole desceu do estradito, atravessou o inferno!, e opôs-se à saída de sem-jeito dos dois maricas. Nós os seis estávamos à porta; vimos o caso mal parado!, e toca para a rua; livra!... A matulagem delirava!, entre barulheira ensurdecedora. Cá fora, alguns jornalistas esfregavam as mãos e aguavam l, por notícia de sangue a jorros. Pelas janelitas ainda conseguimos perceber que o Gwambe correra para o estradito deixado vago, e ouvimos ameaçar que também expulsaria o Mathew Mmole!, se não ficasse imediatamente quedo. Nem parámos; durante curtos passos escutámos distintamente o Mmole a crescer como capado!: «Sai daí!», e o Gwambe a dominar no mesmo tom!: «Não saio!; tu cala-te!». No intervalo de cada frase, o berreiro da corja era medonho! Pareciam ensaiados! Indiscritível!, absurdo!

Sangolipinde meteu a colherada:— Os dois malucos maiores aguentaram arranjar pistolas!, antes da conferência; foi dito à boca

cheia!, mesmo.— É lá com eles. Também por esse motivo preferi ficar no hotel. Tivesse aparecido a Polícia;

aviseia-a, ora!...(«sangue, mortes!... Não tenho culpa»). O polícia que me atendeu mostrava-se ensonado..., lá isso!...

Belisário, Millinga e Sangolipinde, exclamaram à uma!, em delírio :agonia:— Eih!, grande alarido!— Irá directa à MANU!— Não era de sem tempo!Precipitaram-se para a janela.Uma ambulância ;choro comprimia corações por onde passava. Foi vista durante segundos,

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ouvida durante segundos, sentida ao longo de minutos...A ambulância damento dizimou os corações do Saylah, do Cadaga, do Cerejo Mateus: sentiram

a própria alma aos pés!... («tanta luta inútil!»).Timothy Chokwe imaginou-se impotente!; arremessou o cigarro à rua:— Como o homem é só homem!, quando a razão está ausente... («e vim eu do Quénia!, aturar

misérias...»). O barulho da ambulância corporizou a minha dor!, e vivo mais ao rubro a tragédia daMANU!--------------------------------------------------------------------------------------------------------------

82Peter Balamanja!...Peter Balamanja notou o entusiasmo esmorecido ao contactar com os principais chefes políticos

da Niassalândia(«vêem-me forte!, e receiam perder a gerência dos seus partidos. Têm medo de mim! Bhanda e Chirua!, mestres?... Coitaditos!: medricas iguais aos outros. Hei-de ensiná-los! Preocupados!, porquê?... Ah!: Niassalândia é pequena, andam por aí uns seis movimentos às turras, e, embora só um clandestino, assusta-os novo rival como eu! Duvidam de que penso unicamente transformar a Zambézia no meu reino!, fazendo de Quelimane a capital. Temem este ex-polícia, iupe!; ôh!, tanto faz braquinarmos como não!: cada qual tem de seguir o seu destino»).

Peter Balamanja bem pensara antes de alcançar Zomba e atingir Blantyre; porém, cedo verificou a diferença do sonho à realidade («a discussão de querer aprender aqui como fundar e desenvolver um partido, ou congresso, ou movimento, mais tarde, no Zimbábwe^), desagradou a estes politiqueiros desconfiados da Niassalândia! Dizem-se africanos nacionalistas!; não passam de negros chalados! Fui polícia!, iupe!; nunca fui qualquer borta-botas! Ah!: descobri como safar-me uma temporada enquanto leio, descanso e atendo rádio. Claro, certos conterrâneos que por aí andam precisam de mim!; a brincar!, levo-os à certa»).

Petei Balamanja morria por vidinha de costas ao alto!: razão porque em rapazote preferira estudar umas coisas e depois ingressara na Polícia da Rodésia do Norte(«Moçambique, Zambézia, Quelimane: Peter Balamanja rei! Vai ser vida rica e brilhante!, cheia de Sol no corpinho! Isso, chi!, dá muitas mulheres à minha volta! Não poderei maçar-me a trabalhar!, ah-ah!... Nem desejarei a raleira de fazer guerra à Niassalândia!: seria demasiado trabalhoso. Livros e rádio!, ainda aturarei. Entretanto, acho fácil arranjar vida regalada. Os tais conterrâneos necessitam de mim, necessitam»).

Peter Balamanja deu em andar para ali assim... Ia preparando terreno para conseguir passadio opíparo sem ralação(«basta dar tempo ap tempo: lá chegarei; cá, os altos cargos convêm-me!: quando entrar em Salisbúria, mais facilmente fico dono daquilo Sociedade da África Oriental Portuguesa, e Sociedade Nacional de Tete—África Oriental. Hei-de conquistar tudo!, aqui e no Zimbábwe. Fui polícia!, iupe!; todos juntos, não passam duns brutos!, ao meu lado. Basta jogar-lhes duas lerias arrancadas à minha moda!, e..., qual polícia?!; logo me julgam doutor! De policiaria fiquei eu farto. Â propósito!, e disto eles não enxergam patanisca: Rússia e China Vermelha mostram real apetite em unir as populações de cor numa luta aberta, até guerra sangrenta!, contra os brancos. Oh!: também os Russos são brancos... Então, de sorte os move a questão rácica!... Ganância-ganância!... Fartinho de saber isto, ando eu! Já agora!: qualquer raça odeia outra que a deteste. Mas entre Africanos e Portugueses não há rancores como entre nós e os Ingleses! Pior para mim!: talvez encontre maiores dificuldades ao invadir o mundão da Zambézia, superior a muitas nações do mundo!, e rico aquilo à farta!, dizem... Ora..., na Rodésia do Sul, aliás, no Zimbábwe, há os assanhados políticos nacionalistas Robert Chikeram, Nyandoro e o pastor metodista Ndabaningi Sithole; embora cristão adventista, hei-de pedir-lhe colaboração. Conselhos?..., dispenso-os! Igualmente posso e devo valer-me de quantos Moçambicanos Africanos jornadeiam pelos territórios circunvizinhos. Bastantes andam fugidos por serem galdérios, inimigos do trabalho metódico, dos preceitos de moral desconhecidos entre tribos relaxadas e muçulmanos. Só assim se percebem as vitórias da fé islâmica entre Africanos atrasados. Estou a desviar-me!; ora..., ora..., exacto!: raças, nações, China, Rússia: esta concedeu auxílio graúdo à Guiné!, em 1959; e quer ajudar todo este Continente Africano!; a China também!; igualmente a América! Procurarei apoio financeiro!, antes de abarbatar a Zambézia»).

Peter Balamanja, cirandando entre Zomba e Blantyre, tentou e foi-lhe fácil ingressar no Conselho Distrital da Niassalândia, sendo de seguida convidado para conselheiro da Assembleia Nativa Chingale(«vivo como nunca!: bem pensei que eles precisavam de num... Chingale!: circunscrição onde nasci, na povoação Balamanja do parente régulo Mumbe. Poderão vir a pertencer ao meu futuro império da Zambézia!, a seguir ao esmagamento dos brancos?... Chatice perra!: mas os Africanos nunca viveram em nações ou Estados constituídos!... Nos recentemente criados, nenhum apresenta afinidades étnicas!, e quase ninguém revela sentimento nacional!... Estamos habituados a

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sobados, a regulados!, separados aos milhares. Por vezes houve chefes maiores!, porém só à custa da força, enquanto os escravizados ganhavam alento para fugirem à opressão. Nações, reis, Estados?: eram trapalhadas ignoradas!, antes da vinda dos Portugueses. Apenas conhecíamos a família e a constituição clânica. Uil: agora o que desejo é ser soberano rei da sua Zambézia! Nada difícil!; Portugal e a Europa estão velhinhos porque as suas gentes são velhas; em África, mal se apitam independências!, até os nacionalistas velhos arrebitam!, e ficam jovens a vida inteira. Politicamente falando, na Europa é tudo previsto!, e isso gera moleza, provoca apatia; no actual Continente Africano quase tudo irrompe de modo brusco, imprevisto!, e assim há espevitamento, acicate, contínuo arrebitaço»).

Peter Balamanja sorria a meses gostosos; mantinha-se atento às emissoras de Moscovo, Pequim, Cairo, Brazzaville, Dar-es-Salaam, e a outras(«hoje quero apanhar a do Senegal; adorava caçar a de Ghana!: também bate muita roupa suja contra Portugal. Aí!, N'Krumah: meu valente novo Deus! Conheço-te apaixonado da concepção filosófica e ideológica do consciencismo l, tua preciosa criação. Vá lá!: ao menos ainda aprendi umas coisitas com o dr. Bhanda e companheiros. Antes, pouco sabia disto. Bá-bá-bá..., ontem fui polícia!, iupe!, e amanhã serei mais reinante do que o N'Krumah»).

Peter Balamanja avançava orelhas ao escutar alguém vindo de Tanganica e quando, sintonizava o aparelho para determinadas emissões de Dar-es-Salaam(«os Moçambicanos esgaravatadores no Tanganica trabalham duro!; mas na Zambézia não meterão o dente; pertence-me! Unh!: ouvi falar demais de nacionalistas fugidos das cadeias de Moçambique para Tanganica... Mentiras! Eles arrancam daqui e das Rodésias!, para onde vieram por vk... Agora a célebre MANU é menos referida... Estará pronta a invadir o Norte de Moçambique?... Oh!, na; ainda há dias apanhei várias emissoras a anunciarem reunião ou conferência monumental!, destinada à fusão de três partidos numa frente única. Concretizariam essa habilidade?, ou quê!... A reunião seria realmente monumental?... Curioso!: a maioria das minhas emissoras deu em atacar mais Portugal, o Ocidente, a religião católica...»).

Peter Balamanja impava, sonhando vaidades(«formado o meu partido formidável no Zimbábwe!, também serei muito discutido nos jornais e nas emissoras. Ultrapassarei os mexeriqueiros de Dar--es-Salaam! Diabo!: a mesma emissora numa semana gritou a tal possível união dos três movimentos num só bloco indestrutível!, e noutra esclarece que os líderes máximos da UNAMI, UDENAMO e MANU foram convidados por intermédio da TANU a participar na terceira Conferência Pan-Africana dos Povos, no Cairo, para melhor aprenderem a libertar Moçambique! Anh!... Tudo incrível confusão!... Deixá-lo. Em breve serei eu convidado a entrar na alta roda! Bravo!, seu ilustre Peter Edward Nthamira Balamanja!»).

Peter Balamanja!...-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

83As instruções dadas pelo Marcelino dos Santos e Raul Pkes da Silva ao Chitofo Gwambe foram

seguidas à risca. Na mirabolante conferência de imprensa teve afirmações patuscas!; «Fundei a poderosa UDENAMO em Bulawayo, há muito; mantive-a secreta até alcançar o Tanganica, devido ao receio de poder ser entregue pelos Ingleses Rodesianos aos Portugueses; tanto nas Rodésias como no Tanganica conto milhares de sócios; a maior parte dos governos nacionalistas africanos já prometeram o seu incondicional apoio em armas e homens; a independência total de Moçambique será realidade, dentro de meses, contando para isso com diversos campos de treino gentilmente cedidos pela TANU; a minha imensurável vontade e coragem resultam da sólida amizade e incitamento encontrado nos chefes do novo Governo nacionalista do Tanganica, desde a primeira hora». /!!!/.

Perante estes foguetes e outros de igual estoiro!, os jornalistas não sentiram reumatismo a compor palavreado suculento!, convencidos de prestarem ribombante serviço aos dirigentes da TANU.

Ao ver as suas palavras impressas e a fotografia nos jornais, Gwambe delirou, entusiasmado, e cirandou por Dar-es-Salaam com peito;arreda para lá!, convicto de ser tão conhecido como o Sol. Espetou borracheiras em mulheres!, e pregou bebedeiras nos conhecidos encontrados no decorrer do dia. Desde o fim da tarde até perto das duas horas da manhã encerrou-se na casa do particular amigo Tangazi Makalika, mesmo diante da sede da MANU, e manteve-se freneticamente agarrado ao rádio, sintonizando para diversos postos emissores, oficiais e clandestinos(«ocuparão o tempo todo a falar de mim! De certeza lêem quanto disse!, duma ponta à outra. Estou famoso!; fico célebre!»).

De madrugada, Adelino Chitofo Gwambe apanhou embriaguez de rebolar!, para abafar os desgostos da decepção(«brrreeee!; habilidades vingativas da TANU!... Nada valeu ter andado o dia

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inteiro a pedir tratamento de líder. Brrreeee!... Só duas emissoras glorificaram o meu nome; gaita! E porque os informadores se anteciparam aos pedidos daqueles invejosos Nyerere e Kambona!, de certeza. Hão-de aprender à minha custa!: invado a MANU!, e transformo a conferência num chiqueiro bestial! Correrei o Timothy Chokwe»).

As pretensões goraram-se-lhe, em parte. Já tinha um grão na asa quando viu o Chambale a par do Bucuane, na MANU. Apesar do primeiro ser sócio da UDENAMO, berrou a expulsão de ambos por vê-los camaradas e não suportar a presença do segundo. Mas o presidente Mathew Mmole forçou os expulsos a sentarem-se de novo, calcando-os mesmo nos ombros.

E quando o Mmole intimava o Gwambe a deixar o estradito da presidência, entraram polícias que ficaram durante momentos a escutar insultos entre os contendores e o riso em convulsão dos assistentes mergulhados em passageira demência.

Compreendida a inutilidade do ajuntamento, e prevendo até mortes no caso de não actuar imediatamente, a Polícia dissolveu a reunião; e apoderou-se das pistolas dos dois maiores berrões, por não possuírem licença para uso e porte de armas. Estes ficaram contentes com a debandada imposta, pois temiam-se reciprocamente e nenhum estava inclinado a ficar diminuído, caso chegassem a vias de facto. No final pensaram que depressa surgiriam oportunidades para desforra, e que ainda era cedo para morrer, visto estarem no início de carreira brilhante...

Gwambe saiu primeiro. Afastando o desgosto pela perda da pistola, exibia ar triunfal. Encontrou um jornalista entediado, e galhofou:

— Esperava pratinho forte!, pois sim?... Desculpe a falta dele; será servido na próxima sessão. Isto para mim não foi mauzito: missão cumprida!—(E assobiou a um grupo de Macondes bravos-bravos, para o seguirem)—(«a conferência deu em águas de bacalhau: desforrei-me da TANU! Agora falta o Chokwe pencudo; lá chegarei!...»).

Dirigiu-se à cervejaria do medroso Chinês pisco. Parou no caminho, alertado pela barulbeira duma ambulância em disparada para perto do local onde se cruzaram. Tomou-lhe a direcção, e veio a saber da morte de dois homens envolvidos numa zaragata iniciada por motivo fútil. No local do drama viu vários jornalistas que há pouco haviam farejado «pratinho forte» na MANU.

Também o Chambale andava por ali. Atraiu-o. Explicou porque pretendera expulsá-lo, e disse-lhe que enquanto fosse sócio da UDENAMO não queria tomar a topá-lo na companhia do Bucuane. Falaram do Sangolipinde; comentaram os disparates de ter saído da MANU, ido ao Álvaro Pinto, ingressado logo na UNAMI!, sem qualquer consulta à UDENAMO.

— Bastava assomar; imediatamente o aceitava no meu partido. E mais tarde podia ocupar sólida posição nos quadros directivos!... Preferiu ir parar à UNAMI; asneirou: nunca passará da cepa torta. O Belisário está velho e não é homem de acção.

— Esse velhote também foi aos jornais!, e aos correspondentes das agências noticiosas!, ou lá como seja...

— Olha a grande avaria!: aprendeu comigo! Se faltasse o meu exemplo, nunca seria conhecido no estrangeiro. Mas não lhe gabo o rasgo imaginativo, não: só mostrou preocupar-se com divulgar que a UNAMI era mais antiga do que a UDENAMO. Há-de ganhar muito à custa disso!, o pobrezinho...

Num desvio forçado, Chambale atreveu-se:— A conferência foi fiasco de bota-abaixo!, para os da TANU («sem ninguém de jeito a

presidir»). Deixarão continuar o pessoal hospedado onde está?— Não sei!, nem importa. Para enxotarem os udenamistas da casa dos «refugiados», ainda hão-

de ficar azuis!...— Ficarão ?!...— Oh!, se não... Na minha célebre conferência de imprensa eles acabaram por mangar comigo,

mabecos!; hoje posso dizer que caçoei eu!; e amanhã vou chuchar com o Timothy Chokwe; olarila!— Põe-te a pau!, Gwambe(«olha o Álvaro Pinto a passar-te rasteiras!...»).

* *

No dia seguinte à fracassada conferência na MANU, Ronald Mwandjisse abriu o correio. Ficou surpreendido ao ver três bilhetes de avião acompanhados de convites para os presidentes da UNAMI, UDENAMO e MANU irem ao Cairo participar na Terceira Conferência Pan-Africana dos Povos(«alguma vez estes bichinhos seriam convidados a pôr pé na República Árabe Unida!, sem a propaganda feita aos seus partidos pelas nossas emissoras amigas?... Até a comunizada Rádio-Portugal Livre ajuda!...»).

A derrota da conferência na véspera foi imputada totalmente à ausência do Timothy

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Chokwe, uma vez que Belisário e Gwambe compareceram.Na TANU reinava relativa calmaria pelo facto de não haver cenas degradantes a lamentar entre

os Moçambicanos. A surpresa dos três convites teve o condão de suspender as ameaças que pairavam sobre diversos, relacionadas com a hospedagem.

Nyerere serviu-se da sua influência para demover o Kambona dos anteriores propósitos drásticos:

— Só com paciência e calma levaremos os desordeiros ao bom caminho. Temos nova e melhor possibilidade para os convencer. Morrem pelo passeio ao Egipto! Só irão se jurarem que regressam prontos a irmanarem-se na MANU, pondo de lado as iniciativas particulares. O Mwandjisse resolverá tudo com o Gwambe, o Belisário e o Mmole. O Chokwe é fraco para tratar disto(«onde pára?...»). E eles juram!

— Oxalá!: o pior é se recusam ir...(«atrasavam o magnífico esforço desenvolvido pelo régulo Megama no Cabo Delgado. É verdade!: onde estará o Chokwe?...»).

— Juram!, Kambona; tenho absoluta certeza. Quem não apreciará visitar o Cairo?; de longe a mais populosa cidade do Continente Africano!(«três milhões e trinta e cinco mil bocas!; é obra!...»). Deixemos o assunto nas mãos do Mwandjisse.

Gwambe procurou-procurou o Timothy Chokwe. Em vão. Foi ao Hotel Príncipe(«barafustarei, enxovalharei o parvalhão. Paga-as por ele, Nyerere, Kambona, Munanka, e o resto da manada. Vou disposto a cuspir-lhe no trombil!, já que a TANU matou o efeito da minha conferência de imprensa junto das agências informadoras das emissoras. Não tenho medo de ninguém!; desafio todo mundo! Se afligir e apavorar o Chokwe, ponho em respeito e domino a malta da TANU. Belo!, é isso!, é. Hei-de mandar neles, hei-de!»). Ao recepcionista do hotel:

— Comunique ao Timothy Chokwe a visita do engenheiro Zuze Mineje.— O senhor Chokwe partiu esta manhã para Nairobi(«engenheiro cabeludo!, mal

enjorçado...»).------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

84Antes que novas ideias bailarinas fervilhassem no juízo do Gwambe e do Belisário, tão

sedentos de fastígio!, Ronald Mwandjisse imediatamente resolveu atrair os presidentes dos três partidos(«envio mensageiros; afirmarão a suas excelências que é para trocarem impressões única e exclusivamente comigo. O Mmole aceita; os outros virão, se souberem do passeio. O velho e o Gwambe?...; olha quem!...»).

Entretanto, um barco :perseguição atracou às portas da cidade :formigueiro. Procedia de mares distantes!... Vinha espalhar mercadoria:dinamite!, pelas ruas de Dar-es-Salaam.

Decorridos escassos dias sobre a malfadada conferência de MANU, Mwandjisse falava aos três homens insistentemente convidados a comparecer:

— ...E a responsabilidade que podem assumir é muito pesada!: à Terceira Conferência Pan-Aíricana dos Povos, a realizar brevemente no Cairo, deverão assistir uns trezentos delegados em representação duns oitenta e tal partidos políticos(«Nyerere percebe da poda »).

— Para África!, acho extráordinário(«Nasser vai delirar!») —(Belisário sacudiu careta feia por ninguém lhe ligar)—.

Mwandjisse fingiu distracção. Dirigiu-se ao Gwambe, pretendendo amaciá-lo(«enverga enorme fato de orgulho! Pensará levar a melhor nesta aparente contemporização da nossa parte?... Continua juntando caniço seco!...; na devida altura verás a fogueira e saberás da esteira que estou a preparar-te. Devo retroceder; a matutar esquerdo, posso atraiçoar-me»).

— Há de facto iminente oportunidade para ir à República Árabe Unida, senhor Gwambe. Mas custa vê-lo assim duro!; nem o senhor Mmole devia estar tão fechado. As zangas fazem envelhecer!

Os dois barrocos engranitaram ainda mais.O barco vindo de mares distantes permanecia ancorado às portas da cidade :formigueiro.

Principiou a vomitar veneno pelas ruas de Dar-es-Salaam. Uma mulher :boceta de Pandora ia executar missão ;xadrez!...

Belisário interveio:— Geralmente é tarde!, quando damos conta do fígado estram-palhado por causa dos

enfurecimentos.Com a cabeça, Mwandjisse fez que sim. Tornou aos carrancudos:— Deixem-se disso!, amigos. Ninguém lucrou com os últimos desacatos ocorridos na MANU.

Só arranjaram prejuízos!: perderam as armas e precipitaram a estúpida deserção do precioso colaborador Timothy Chokwe. Há-de dizê-las lindas!, no Parlamento queniano, pela KANU, e junto doutros funcionários do PAFMECA...

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Gwambe, Mmole e Belisário mostraram rosto:enjoo.Do barco amarrado ao cais saiu a mulher :boceta de Pandora. Tinha esquisita missão a

cumprir(«as informações dos mistos Marcelino dos Santos e Raul Pires da Silva foram preciosas!...»). Batia duro as ruas de Dar-es-Salaam.

Mwandjisse percebeu ser preferível deixar de sermonar daquela forma(«é cedo para remoques»). Num esforço mal sucedido:

— Não estranharam a imprensa e a rádio? Apenas anunciaram a conferência; e só um jornal nacionalista fez o sacramental elogio: «É de salientar ter decorrido tudo dentro da melhor compreensão e harmonia, embora não concordassem na unificação os dinâmicos partidos ardorosamente empenhados na mesma luta». Vocês-vocês...

Emudeceu!, ao ver os três ouvintes mais embezerrados. Sustiveram-se, pela tineta na passeata à vista. Todavia, se ele arriscasse outra vírgula mal vestida!, o Gwambe e o Mmole talvez escabreassem à bruta.

A mulher viageira percorria as ruas da cidade :formigueiro. Diante de Dar-es-Salaam, o barco :perseguição esperaria o tempo conveniente...

Mwandjisse ficou ligeiramente à deriva. Mas:— É indispensável trabalhar melhor. Em política não devemos queimar tempo!, para o tempo

não nos queimar. Vejam como estão atentos e notem a rapidez com que actuam os líderes dos movimentos de países avançados!: UNAMI e UDENAMO são de biberão, e contudo têm aqui convite igual ao da MANU!—(Risonho, voltado para o Belisário e Gwambe)—: Este sucesso deve-se exclusivamente ao dinamismo dos dirigentes da União Nacional( l) da RAU e aos benefícios da propaganda radiofónica. Ora se os vossos esforços convergissem no sentido de fortalecer uma aguerrida e intrépida MANU!, então, sim!

Mwandjisse ia inventar louvores aos promotores da Terceira Conferência Pan-Africana dos Povos. Gwambe travou-lhe o fluxo palavroso:

— Vamos!; depois de tanta cantiga, que sai daí?...Mwandjisse tragou enraivecimento súbito. Recordou a responsabilidade assumida dentro da

TANU; e fazendo das tripas coração, explicou numa penada a razão daquele encontro. Terminando:— Mas foi decidido só entregarmos os bilhetes se jurarem que no regresso desistem de

actividades individuais e particulares para lutarem unidos pelo engrandecimento da MANU.— Quanto a isso, nada tenho a dizer. Espero, apenas—(Rosnou o Mmole)—.— Ando farto de trapalhadas; aceito jurar(«nova viagem?; venha ela!»). Cá o Gwambe é

assim!, senhor Mwandjisse: o interesse comum acima dos caprichos.Belisário ripou o lenço e assoou-se com estrondo(«viagem à vista?, Mwandjisse! Dá-ma

depressinha!; deixa-te de parvoíces e vai fazer fosquinhas a grilos»). Guardado o lenço:— Resolvi: vou pela decisão do Gwambe.— Vejam lá!...— Está dito!, chefe(«das arábias»).— E na minha idade basta falar uma vez!, senhor Mwandjisse. Perante a severidade do mais

idoso, Mwandjisse desarmou; e:— A vossa palavra selou e lacrou o assunto.

* *A mulher viageira fora conduzida à TANU. Gratificava o pequeno guia quando o Mmole saía.

Interceptou-o:— Na TANU indicarão a UDENAMO?— Isso é borrada sem sede nem nada. O maluco dessa sucata julgo que é aquele gajo, além,

atrás do velho. São dois pantomineiros de alto lá!A mulher, vinda de mares distantes, aguardou. No momento favorável:— É o Adelino Chitofo Gwambe?— Eu todinho!, boneca. Procuras companheiro?(«branca de luxo!»).— Pode ser(«é atrevidito!, o negro»).— De famoso passo a celebridade?! Novo convite para outra conferência?... Do Fidel Castro,

Kruchtchev!, ou de quem?...— Trago mensagem importante. Onde podemos trocar ideias?— Ah!, magana,.. Arranca daí!, boneca(«esta branca fala um inglês curtido! Que

pretenderá?...»).-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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Sangolipinde e Chambale, entregues ao propósito de sondagem mútua, foram à praia, sob a alegação de irem tirar as côdeas dos tornozelos. Deram em armar ao efeito!; e Chambale:

— Está visto de sobra: apesar de tanta-tanta propaganda, a MANU não vale caganita de rato. A UDENAMO é movimento sanguinário!, a querer entrar amanhã em Moçambique para massacrar quantos brancos encontrar.

— Pudera!: o Gwambe aguenta impor mil respeitos aos franganotes, e só estende a mão aos mais que tal!... Será carrasco autêntico!, mesmo.

— A UNAMI..., ignoro!: o velhote tão depressa diz desejar ultrapassar as habilidades da UDENAMO!, como afirma preferir negociar a independência com o Governo de Lisboa. Mostra telha grossa!, o velho...

— São iguais a garotos! Aguentas acreditar que cumpram a promessa feita ao Mwandjisse?— Ninguém acredita, Sangolipinde; os da TANU fingem que sim!, na tentativa de tirarem

algum proveito. Estão bem livres!...— Contra vontade do psicopata Kambona aguentam entreter as desavenças com papas de

linhaça! Esperam sapatos de defunto!, é o que é mesmo,— O dr. Nyerere, espertalhão, sabe que nada terá conserto se for tratado aos coices—

(Chambale roeu a unha mais larga da mão canhota. Com língua :lâmina caiu numa imprevidência desastrosa repetindo o que Álvaro Pinto havia pronunciado displicentemente, ao pretender desanuviar ideias lúgubres)—: Disseram-me ter o nosso «cônsul» afirmado que considera o Gwambe e o Mmole homens com arcaboiço para irem ao inferno colocar bombas no assento de Satanás!, e que tu terias tarefa sinistra a cumprir no meio da barafunda dos Moçambicanos.

— Apareça ela!—(Sangolipinde bamboleou-se, peitudo. Mostrou dentes num riso alvar. De supetão)—: Aguenta ficar para aí!, mais o diabo.

— Aonde vais ?, camarada.— «Camarada»!; à moda nova do Gwambe! Querias aguentar conversinha fiada para passá-la

ao branco do «consulado português»!, não?...— Mordidelas das más-línguas!; bem sabes. Posso acompanhar-te?— Vai vigiar baratas mesmo!, patife.— Faz-me sócio da UNAMI!; aproveita e mostra serviço ao velhote.— Gira a gozar brancos!, manguço. O Belisário aguenta ser homem de muita linha!; ele já disse

não querer ver salta-pedrinhas como tu.— É mentira!, meu cesto roto.— Deixa ser mesmo! Aguenta pegado ao «cônsul» e ao Bucuane I; depois queixa-te!... Na

UNAMI constou que o Gwambe te traz debaixo de olho!, enquanto continuares amigo do gajo mais detestado por ele!, a seguir ao misto Momade. Nem imaginas porque te atura na UDENAMO?, palermão!...

Chambale sentiu-se naufragar. Sabia como responder para amachucar. Porém, desta vez, o bom senso veio ao de cima, e, na impossibilidade do silêncio, preferiu retalhar:

— Vai pró diabo!, menino. Ainda hei-de chegar para vós todos!...------------------------------------------------------------------------------------------------------------

86Sob a orientação da mulher viageira, Dar-es-Salaam foi inundada de opúsculos!, despejados

pelo barco:perseguição. A propaganda antieuropeia era impressa nos idiomas swahili, inglês e português.

A mulher, infiltrada na cidade:formigueiro, recebeu inesperadas instruções graves. Imediatamente comunicou ao comandante do barco :perseguição:

— Houve alteração no programa. Levante ferro e passe do Índico ao Atlântico, o mais rápido possível. Execute todo o serviço destinado daqui até ao Sudoeste Africano. Cuidado ao longo da costa de Moçambique!...(«eu cá me encarrego de tratar da pele aos Portugueses!»). Fundeará em direcção à capital Windhoeck, a poucas milhas de Swakopmund, onde atracará quando receber o meu radiotelegrama. Fico aqui uns dias. Irei de avião. Antes, tentarei uma saltada à República do Malgaxe. Boa viagem!, comandante («o partido político SWAPO nasceu e possui a sede em Windhoeck desde 1959. Apenas lá chegar, procuro o cabecilha Sam Nuioma. É inimigo do Governo da República da África do Sul, e tem o apoio de diversas entidades inglesas e americanas; também os Chineses pretendem ajudá-lo! Vou manobrá-lo como ao Gwambe, e no momento próprio, mais tarde, o meu país apodera-se da sua vontade..., é questão de dinheiros!..., e trabalha-o à conveniência. No Sudoeste Africano devo proceder com extrema precaução, embora continue a dizer-me cidadã inglesa. Maravilhoso!, ser poliglota. Aquilo é enorme, e só conta uns 350 000 nativos atrasados para mais de 50 000 brancos! Aproveitando a confusão da guerra acima de Luanda, a SWAPO tem que

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desenvolver activa propaganda subversiva pelo Norte do seu povo e também no Sul de Angola entre os Cuamatas e Cuanhamas da região de Pereira d'Eça. Quando a Rodésia do Norte conquistar a independência e a Rússia fizer de Keneth Kaunda seu presidente, o Sudoeste há-de aproveitar o estreito e comprido corredor de Caprivi para o comunismo transitar entre os dois territórios numa tentativa de melhor infiltração na Rodésia do Sul, Angola, Bexuana-lândiaQ, África do Sul e respectivos enclaves»).

A mulher :boceta de Pandora vivia a pensar, dava que pensar!, pensava a viver, e pensava em milhões de vidas!...

A Russa, a quem às vezes convinha dizer-se inglesa!, teve encontros com o Gwambe na casa do Tangazi Makalika, diante da sede da MANU!, onde o Moçambicano estivera freneticamente agarrado ao rádio depois da publicação daquela bambochata da conferência de imprensa. Makalika foi gratificado principescamente!...

E a mulher procedente de mares distantes também chegou a disfarçar-se de homem!, para estudar o Gwambe de modo muito especial...(«sem sombra de moral: serve!»).

O brusco e matinal desaparecimento da mulher mistério aconteceu na véspera da partida para o Cairo dos presidentes da UDENAMO, MANU e UNAMI.

Gwambe passou de triloré a trabuzana...Durante o almoço, na casa dos «refugiados» de Moçambique manteve ar taciturno, mais

parecendo refinado bandurrilha... Batida uma sesta agitada, roncou:— Camaradas: fiquei solteiro! Ide prevenir os ausentes: logo exijo tudo jantado antes das nove;

sem falta! Depois dessa hora tranco portas e janelas; só entrará o material que vou engatar ao Kariakoo, de tarde.

Os circunstantes embasbacaram com a chofrada. Em voz :veludo, um aventurou-se:— Vossa excelência fará o favor de indicar a hora de recolher?— Às quinhentas!, camarada. Quem não aceitar imposições, fora daqui!, vá dormir à TANU. A

viagem de amanhã, já ninguém ma tira!: vede, cheirai ao menos o bilhetinho(«se o Mwandjisse não entregasse este papelinho mágico!, ia na mesma ao Cairo: a Russa espadinha branca pagava as despesas. Ela abalou?; governo-me à minha maneira!»).

O de voz:veludo sentiu pêlo arrebitado. Grimpou, falsete:— Seria lindo!, se um passageiro ficasse em terra, ou se partisse de braço engessado...(«nada

disto te agrada»).— Atreves-te a tanto?, pulha! Nem mais um pio!, desgraçado. Pois torno a repetir!, e ai daquele

que me contradiga: a casa ficará hoje por minha conta!; sei onde procurar materiais bravos! Ide dormir à TANU ou ao quarto do diabo mais chavelhudo!

* *Ronald Mwandjisse entregou ao Barongo o bilhete de passagem para o Cairo. Ia representar a

TANU na Terceira Conferência Pan-Africana dos Povos. Kambona dirigiu-lhe a última exortação, /enquanto recordava o régulo Megama/:

— Procure acompanhar de perto os presidentes dos três partidos moçambicanos; e principalmente não deixe o Gwambe pôr pata em ramo verde. Olho vivo e pé leve!, atrás dele e do Belisário, hem?, Barongo.

87

A voz das emissoras votadas à rebelião africana contra os brancos foi avidamente captada por grupos de Moçambicanos em Dar-es-Salaam, após a abalada dos representantes máximos da MANU, UNAMI e UDENAMO. Apararam referências infrenes à Terceira Conferência Pan-Africana dos Povos; chegaram a ouvir os nomes do Gwambe, Belisário e Mmole; todavia, longe de trasbordarem burras!, a maior parte urrou blasfémias!, numa chirinola esquisita.

Na UNAMI, Saylah, Cândido Cadaga e Cerejo Mateus escutavam o Sangolipinde: — Ao preparar-se para a viagem, o dianho do velho parecia aguentar ter a sola dos

calcanhares untada com piripkü, mesmo... Velhadas como está, quem devia ir à conferência era eu!; ele não aguenta toscar meia daquilo, coitado.

— Rica saída!, sócio de caca—(Cerejo Mateus mostrava mau peito contra Sangolipinde. Apontou os companheiros antigos)—: Os nossos cargos deixaram de valer?... Chateia suportar um bada-meco destes!...

Saylah apostrofou:

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— Se o Belisário está cocuana, um de nós é que devia viajar; entende?, seu sangolas faz-me rir...

O alvejado quis ripostar. Cadaga atirou-lhe braços e travou-o:— Mete a língua na caixa!, criançola. O presidente disse para irmos arranjar sócios a Kisiju.

Saímos amanhã; tu ficas; preferimos--te longe de nós; descobrimos!: andas atrelado ao Gwambe. Morres pela conquista de poleiro em qualquer partido!, malandro(«ainda os da TANU pedem a fusão com tipos assim!... A UNAMI foge a isso»).

Sangolipinde desenvencilhou-se; e disse das frescas!... Quanto a fazer o gosto ao dedo!, foi mantido em respeito pelos três rostos: cutelo.

* *Na MANU fervilhavam discussões. Todos julgavam ter mais direitos do que o Mmole para o

passeio ao Cairo. Como alegação geral e única apresentavam o péssimo exemplo dado pelo presidente ao abandonar o partido, no final do ano anterior. «À próxima, quem vai sou eu»!, era a frase repisada centenas de vezes, até por línguas que nunca tinham soletrado o b-á=bá!

Millinga pagou por ele e pelo Matbew Mmole nas duas ocasiões em que adregou entrar na sede. Aperreado com dichotes grosseiros e ditinhos de «estrangeiro», enervou-se e fugiu firme na intenção de só voltar na companhia do presidente(«incríveis Macondes, nem pretendem a UNAMI e a UDENAMO ligadas à MANU!... Se a junção for impossível, a TANU pode limpar mãos â parede! Estudei quatro anos em Londres!, e ando para aqui a suportar isto...

Se eu alardeasse brio apurado!, o Mmole não era o presidente nem ia às conferências. Em relação a mim, mais essa mosquitagem danada, estão todos abaixo de hienas. A forma de arrumar o Mmole e o Gwambe, é pô-los à bulha. Conheço pessoal indicado para esse trabalhinho!...»).

Entre os da UDENAMO a barafustação não era menor. Invocando a viagem anterior do presidente, a Marrocos, cada qual se dizia agora mais indicado para voar até ao Cairo.

Despeitados, agarraram no dinheiro destinado à jornada a Morògoro, à cata de novos sócios, e foram derretê-lo na cova--funda do bar manhoso fora-de-portas.

O secretário-geral Mahlayeye estava chifre quebrado.O vice-secretário Sigauke ladrava pelos cotovelos.Baúle, tesoureiro, prestou informações:— Muitos gajos das plantações dos arredores largaram o serviço e desejam viver connosco!,

por o Gwambe lhes ter afiançado que em pagando quotas certinhas, depressa limparíamos o sarampo aos brancos!, passando depois nós àquela rica vida sem trabalho nem impostos a pagar; só de comer, descansar, pescar, caçar e andar atrás de mulheres.

Fanuel Mahluza, presidente do executivo, alçou o copo acima da testa;— O nosso chefe prometeu ensinar o que é ser presidente do executivo!, e nunca explicou

nadinha; continuo zebra.— Nem ele saberá!...—(Mahlayeye riu)—. Constando Stanislaus saiu-se:— «Camaradas»!, conforme goza o presidente: nesta mesa fui nomeado alto chefe da

propaganda e informação. Vós sabereis explicar o que isso seja?...Sigauke levantou-se, virou-se e urinou mesmo ali ao canto. Sacou o copo das mãos do Mahluza

e arremessou-o i, para disfarçar a sujeira.Barrigada de riso. Baúle chirreou:— O senhor Gwambe, passeia; nós folgamos! E quando voltar?...— Entrega massinha para mais bródio!, ou grama cinco tiros na cana do nariz—(Cachinou

Stanislaus)—.A barulheira despertou a atenção do encarregado da cova--funda. Largou o balcão e desceu.

Observou o copo partido e a urina:— Quem fez aquilo?... "Borbulharam gargalhadas:circo, em resposta.O encarregado abalou, chicoteado pelo descoco. Regressou depressa, senhor de uma atitude!: e

a gente da UDENAMO suspendeu a chinfrinada!...

* * Em Lourenço Marques o director da Polícia também deu conta das referências feitas pelas

emissoras tendenciosas à Terceira Conferência Pan-Africana dos Povos. Soube da ida do Gwambe, Belisário e Mmole(«não posso descuidar-me. O disparatado alarido das propagandas deles é felizmente a minha melhor informação!, às vezes»). E enviou atilado agente ao Álvaro Pinto(«pressinto h quando os ingleses desistirem da governação do Tanganica, a ligação aérea Beira

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—Dar-es-Salaam terminará. Então, aproveito-a enquanto é tempo»).O agente, armado em turista, desceu na cidade e gastou escassos dias com Álvaro Pinto.

Apoiou o golpe projectado por este, a executar na sede dos três partidos inimigos. Adiantou:— Se o Chambale e o Bucuane conseguissem limpar também a TANU na mesma noite!, isso

era golpe de gritos!

88Imperava caloraça de espapaçar bichinhos e feras! Em todos os aspectos, tarde sabatina para

Nyerere, Kambona e Mwandjisse. O bilioso:— Os barcos pesqueiros russos batem estas margens de África por Moscovo conhecer as

nossas tendências pró-China. Pensam nestas paragens!...— No Continente Africano inteiro!, Kambona, sem esquecerem a República do Malgaxe, ali ao

lado. Há pouco, os moslemes de Zan2ibar foram bem assediados!; igualmente os milhares de animistas lá existentes(«é de têmpera!, a propagandista; mulher de sete fôlegos!...»).

Nyerere cedeu a palavra ao Mwandjisse:— Ultimamente, Russos e Chineses deram em chegar até à costa Ocidental; insistem,

manobram defronte do Sudoeste Africano; atrevem-se mesmo às águas de Angola!, pretextando pescarias; e cobiçarão, claro!, as terras que já o Cecil Rhodes quis ligar: do Cabo ao Cairo.

— Nas águas internacionais do canal de Moçambique operam frotas pesqueiras francesas, japonesas, sul-africanas, e russas!, principalmente—(Murmurou Kambona)—.

O calor escaldante e a humidade não permitiam profundos raciocínios. Se calhava esforçarem-se, logo mudavam de assunto. A frase do Mwandjisse acordou neles o motivo da reunião: haviam recebido da ONU a consulta-comunicação sobre o estudo da possibilidade de já em Maio ou Junho uma comissão especial se deslocar da América a Dar-es-Salaam para conhecer e tratar problemas dos refugiados do Sudoeste Africano.

E Nyerere, num repentino sapé gato!, após as palavras do Kambona:— Tantos nacionalistas vindos doutros países!, e todos cada vez mais mal servidos de

orientadores; vejam bem!: até o Mbiyu Koinange pediu vinte dias de licença: precisamente quando lhe ia recomendar de modo especial os refugiados lembrados pela Curadoria das Nações Unidas!

— Badalando aborrecimentos, este calor enerva mais!— Tens razão!, Kambona—(Nyerere sacudiu bagas de suor da testa)—. Torno ao Koinange

morte-lenta: Nairobi é a capital de muitos parques e lindos jardins; todavia, possui bairros miseráveis, de vida promíscua, nos arrabaldes. Oxalá ele não os alcance!, para evitar nova prisão pelas críticas cheias de contumélia contra os Ingleses. Igualmente lhe receio encontros com o fracassado Timothy Chokwe. Se ambos tivessem um terço da genica dessa propagandista Russa que para aí cirandou e catrafilou o Gwambe!, ui-ui...

* *O barco :perseguição fundeara em Swakopmund, disfarçado de barco pesqueiro.Antes ainda de rebentar o terrorismo em Angola, o Sudoeste Africano foi invadido por milhares

de brochuras clandestinas saídas de barcos :pirataria, /ou pesqueiros :pirata/, da China e da Rússia. A população autóctone era incitada a unir-se em massa para expulsar os brancos. E os massacres hediondos cometidos em Angola espevitaram os ânimos dos leitores anteriormente acicatados pelas brochuras.

A mulher :boceta de Pandora já está na capital Windhoeck. Foi à sede da SWAPO, cativou o líder Sam Nujoma, e apaparicou-o como ao Gwambe.

A Russa, que às vezes se dizia inglesa!, procura introduzir ideologias marxistas-leninistas nos principais centros: Windhoeck, Mariental, Keetmanshoop, Karasburg, Valvis Bay e Swakopmund («alguns destes nomes ainda fazem recordar a passagem dos Alemães por aqui. Se a Rússia não actuar em profundidade, os malditos Chineses que nós despertámos e levantámos!, infiltram-se e ocupam a maior parte da portentosa África. Eles também actuam nestas paragens, na preocupação de dominarem o mundo inteiro»).

A mulher viageira encontrou bastantes negros atentos(«quando rebelarmos todo mundo contra os Portugueses de Moçambique e Angola!, é fácil esmagarmos os brancos da África do Sul. Esta imensa zona, contando mesmo com infindáveis extensões pouco menos que desérticas do Sudoeste, será dos melhores bocadinhos de África!, igualmente demasiado cobiçada pelos Chineses cachorros. As informações dos magníficos comunistas portugueses enviadas de Rabat, referentes ao Chitofo Gwambe, bateram certinhas. Moçambique poderá pertencer mais depressa à Rússia se o Marcelino dos Santos passar de Marrocos ao Tanganica, enquanto os negros da UDENAMO e dos outros partidos continuarem crus nestes assuntos de monta»)”.

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O Governo de Pretória bate o pé aos fragorosos clamores desencadeados na ONU contra a República da África do Sul, exigindo o regime de tutela para o Sudoeste Africano sob seu mandato desde o tempo da Sociedade das Nações. Na carta de mandato, lavrada por aquele Organismo, dava-se à África do Sul o direito à administração do território como se estivesse integrado. Assim continua a vigorar. Mas a mulher que se infiltrara no continente negro e os seus patronos do Kremlin discordavam(«SWAPO e Sam Nujoma ficaram conversados. Atenção!: a tribo dos Ovambos comporta umas duzentas mil cabeças; constitui a etnia mais numerosa deste promissor território: até consta haver petróleo!... A minha atenção deve ir para ela e suas seis subtribos. Insubordinados os chefes, fácil será revoltar todos estes negros contra o Governo da África do Sul. Os cinquenta mil brancos destas paragens, dê para onde der!, hão-de ser estraçoados»).

* *

— O Kambona teria um flato!, ao saber da minha escapada..., ò Koinange?— Ficou taralhouco!, é verdade. Engole preocupações, TÍmothy Chokwe: acertaste!, ao

abandonar aquela carneirada.— Fartei-me de aturar desconsiderações! Iguais aos dementados Moçambicanos!, só o bando

da Ku-Klux-Klan...—(Chokwe recordou os violentos ritos secretos que mantinham latente a feroz vingança e ódio:tripas contra os brancos, desde o início da seita Mau-mau, /formada pela tribo camponesa Kykuyu quando os Ingleses a esbulharam de preciosas terras/)—. O Koinange fica?, ou regressa ao Tanganica.

— Oh!; sei lá...—(Cuspiu)—. Esta danação que me arrasa e faz parecer doente do caco é por, entre diversos motivos, prever que nem daqui a cem anos teremos uma válida civilização tipicamente africana(«e armados em espertos dizemos nós que a cultura europeia nasceu na África!...»).

— Cem anos são rápido soluço na História do nosso continente!— O meu enfurecimento recrudesce ao cogitar na presença dos Portugueses para lá desse

tempo!, não tão soluço como isso... Eles ajudarão a levantar aquilo que depois o mundo, até o Chinês e o Russo!, definirão como civilização tipicamente africana?

— Delírio?!...—(Chokwe envolveu a pergunta numa gargalhada :festival)—.— Antes fosse!; nos delírios há visões I... Esta cisma persegue--me..., Chokwe.— Portugueses-Portugueses!; e então?, os Ingleses da África do Sul, ao menos... Estão livres

de colaborar na tal civilização?— Bem sabes!: iriam facilmente ao ar se não vivessem escorados pelo baluarte português:

Moçambique dum lado e Angola doutro. Sem os Portugueses a ladeá-los, há que tempos o comunismo russo e o neomarxismo chinês lutariam na República da África do Sul!... Lá campeia a força económica, enquanto os Portugueses, mabecos nauseabundos, marcham devagar nos bens terrenos, contudo, melhor no catolicismo e mais sólidos na harmonia entre as raças—(Koinan-ge :tarasco empertigou)—: Desvairo!, a rilhar isto. Quem pode acompanhar desvairados?, Chokwe!...

— Desvairamento!...—(Chokwe arrastou passos)—. Os desvairados políticos odeiam polícias, prepotências!, os bairros miseráveis, a sua própria terra, o seu próprio lar!... Cuidado!, Koinange: vêm além dois guardas a olhar demais para ti!

* *Caloraça e humidade teimavam no amolecimento de ossos. Nyerere, Kambona e Mwandjisse

continuavam a esparralhar-se numa lengalenga monotonia. Discutiam o régulo moçambicano Megama, ao serviço deles no Cabo Delgado.

— O favor que presta ao Tanganica será em breve aproveitado se a UDENAMO e a UNAMI morrerem na MANU.

— Ai!, Mwandjisse, tomara eu essas belas ilusões!...—(Kambona cochichou para o Nyerere)—: A lição deixada pelo Gandhi é boa, querido amigo; porém, não sonhes que os peçonhentos Belisário e Gwambe regressam prontinhos a cumprir o prometido. Calma, paciência e prudência, são virtudes infrutíferas nas relações com tais abortos políticos.

— Persisto na minha, Kambona: seja qual for o desfecho da jura, devemos mantê-los onde residem; hão-de convencer-se de que separados nada valem.

— O pior é o tempo escoar-se vazio de obras, doutor. Eles aterram aí amanhã; se o Gwambe entrar a esquerdear!, o diabo o livre das minhas unhas. Pobre!, caso torça o caminho jurado diante do Mwandjisse; nem que eu precise de mandar três latagões arrastá-lo pelas orelhas!, ou pelo fundilho das calças!

— Possui os instintos selváticos do Mmole!; será mais bruto!, ainda..., e mais possante!, talvez...

— Deixá-lo, Mwandjisse. Ando mortinho por demonstrar que posso com ambos!, juntos.

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Nyerere preferiu brincar:— O calor ajuda a essa quentura?, ou quê!, Kambona...—(Por fazer face a olhos :tição!,

decidiu)—; Afinal, já ontem soubemos de números certos da Terceira Conferência Pan-Africana dos Povos: dos trezentos delegados esperados, compareceram duzentos e cinquenta, em representação de setenta e um partidos, dos oitenta e tal previstos(«quesílias, intrigas, falta de dinheiro..., na base das ausências!»). Nasser ficaria satisfeito; eu, para o Cairo, esperava melhor.

— Também escutei a rádio—(Esclareceu Mwandjisse; e)—: Foram bem premidas as teclas da descolonização total de África; a sua unidade, solidariedade, a obtenção da liberdade, e a aniquilação radical dos agentes do imperialismo nos países já independentes, estiveram sempre na brecha!

— Pelo que ouvi na emissora apanhada por mim, fiquei pensando ter-se gasto muito tempo com debates cheios de esterilidades—(Kambona sossegara. Acrescentou)—: As conclusões finais agradam. Admirei serem tantas! Só as resoluções políticas e económicas preencheram umas quarenta páginas.

— Eu apanhei a bem informada Rádio-Moscovo—(Tornou Nyerere)—. Plena de gáudio esclareceu que a Comissão Directora para a próxima conferência ficou nas rnãos de comunistas, ou de pró-comunistas!, na quase totalidade.

— Vocês esperam milagre das palavras do Belisário e do Gwambe!; pois aposto em como chegam amanhã com as mãos bem untadas pela Rússia, por outras nações com quem pouco privamos, pelo pelintra e ganancioso Nasser! Este, para atrair as simpatias dos actuais e futuros chefes africanos!, não se importa de oferecer dinheiro anteriormente a ele cedido pêlos Russos e Chineses...

— Terás alguma razão, Kambona—(O Ministro da Educação voltou a embezerrar. Nyerere pretendeu arrebitá-lo)—: Megama progride; e o Mmole não virá de mãos a dar-a-dar! Corre bem o teu «namoro» com o artista Bucuane?

— Na ponta da unha!Finalmente, Kambona sentiu a fé dilatada e a esperança remoçada!, apesar de amargar calor

húmido...

89

Na África Oriental as moscas costumam acasalar, de preferência, entre Oütubro-Dezembro.Antes de Adelino Chitofo Gwambe regressar a Dar-es-Salaam, os principais colaboradores da

UDENAMO tornaram a reunir na cova-funda do bar manhoso fora-de-portas. A verba deixada pelo presidente para viagens à cata de sócios em Morògoro, acabou. Passaram a rebentar dinheiros das quotas.

Moscas!...Os estoira-vergas haviam suspendido a chinfrinada, na estadia anterior, quando reapareceu o

encarregado da cova-funda, molengão de pés e de olhar maroto, mantendo braços atrás das costas. Mas atearam gargalhadas diferentes ao verem-no colocar um banquito com guardanapo de papel e pequeno vaso contendo flores de plástico!, ao canto onde o Sigauke estilhaçara o copo para disfarçar a sujeira feita. O encarregado :pachorra era um Indiano :bonança(«a não proceder deste modo, esfolavam-me vivo. E nada adiantava!, se tentasse condená-los à força de palavras»).

Puf!, as moscas...No decurso da discussão, Mahlayeye insistiu:— A única acção decente na vida do Gwambe, foi praticada antes de abalar, ao engatar ricos

materiais para quantos vivem na casa dos «refugiados»! É de gabar o procedimento, éia!— Receou perder a viagem ao Cairo!: se cumpria as ameaças feitas de véspera!, alguns

cascavam-lhe duro!, à noite.— O frete do mulherio foi pago com dinheiro entregue ao maltês pela branca estrangeira..., ou

Russa!, sei lá bem...— Sarilho dos diabos!, se os da T ANU vêm a saber tudo isso.— Enfiamos rolhas nas bocas do Chambale e Bucuane! As moscas: arre!...

* *Chambale:chirinola ia vivendo a gosto(«assim vestido!, as meninas dão melhor bolinha. O

Bucuane é parvo!: não catrapisca nada. Bem faz o Mahlayeye: sempre aperaltado, atira-se valentemente!, à custa dos desgraçados que pagam quotas à UDENAMO»).

Envergando balonas ridículas, Chambale pensava ficar boneco diante das garotas! A maioria julgava-o pateta-alegre.

As moscas têm banquete nos cadáveres!...

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Bucuane fazia asneira grossa no serviço, desde o ataque do Sangolipinde, e principalmente depois de inventar o namoro com a falsa empregada do Kambona. Mas Álvaro Pinto estava passa--culpas de todo!, por esperar novidades importantes através de Chambale(«tanto um como outro, mostram bom comportamento. Bucuane ficaria aborrecido se descobrisse que o agente da Polícia de Moçambique achou mais útil a presença de ambos aqui»).

Monco em nariz descuidado: primoroso hotel de moscas!...O atilado agente da Polícia segredou como quis na residência do Álvaro Pinto e abalou sem

nenhum negro pernicioso dar conta! Levou ao seu director diversos opúsculos saídos do barco :perseguição; Chambale entregara bastantes ao «cônsul».

Corpo chaguento: excelente parque de diversões para moscas!...Álvaro Pinto soube do regresso dos presidentes da UDENMAO, MANU e

UNAMI(«oportunidade soberana!: posso caçar revelações de estalo. O Chambale, e mesmo o Bucuane, devem fingir-se autênticos banazolas, para descobrirem novas sensacionais. Depressa entrarão na operação ziszás; correndo bem, continuam por cá, mas se engrolar, então lutarei na preocupação de colocá-los em Lourenço Marques. O meu amigo chefe da Polícia, ajudará»).

Numerosas moscas presenciaram á recomendação feita ao Chambale:— Disfarça principalmente junto do Gwambe. Aqui o amigo Bucuane também desejará

divertir-se com as patranhas caçadas ao charlatão da UDENAMO. É verdade?, ou não!...— Oh!, se é!, senhor «cônsul»... Moscas: puf!...

90

À ida, no Cairo, e ao regressarem, Belisário e Gwambe não ligaram importância ao vice-secretário-geral da TANU. Barongo, moído no seu orgulho, fazia-se desentendido; todavia, tomara ele poder palhetear!... Limitou-se a espiar passos e ditos desgarrados, tendo às vezes a colaboração do Mathew Mmole.

De volta a Dar-es-Salaam, acompanhados de cheques taludos, Belisário e Gwambe estavam resolvidos à conquista de novos sócios para os seus respectivos movimentos!, como se nada tivessem prometido ao Mwandjisse!, quando quiseram apanhar os bilhetes. Continuavam a não perceber patavina de ideologias políticas, porém, desfiavam asneiras em torno de tema tão transcendente, teciam elogios aos governantes fornecedores dos cheques avantajados, citavam o Marcelino dos Santos e outros elementos do PCP por adversos ao Governo de Lisboa. Discutiam com entusiasmo, e os mirones ficavam papalvos, chegando a convencer-se de estarem escutando fervorosos mestres consumados.

Os corifeus da TANU dobravam banzados!, ante as lamúrias do Barongo. E ao aperceberem-se da inqualificável atitude tomada pêlos falsos juradores!, rangiam dentes!, na gana de virá-los do avesso.

Por seu turno, Mathew Mmole pouca alegria saboreou no regresso, apesar de se locupletar com parte das somas destinadas à MANU. Encontrou berbicacho duro no movimento: o sócio Lucas Mahussa aderira ao número dos perpétuos revoltosos(«em assomando o Mmole, trato-lhe da saúde! O Millinga está corrido. O cisco do Sangolipinde abalou há muito. Hei-de ficar a mandar!, sem precisar saber ler: basta a minha força para espantar os estrangeiros»).

Este refilão foi o iniciador dos dichotes grosseiros e ditinhos de «estrangeiro» nas duas vezes em que o Millinga adregou entrar na sede, durante a ausência do presidente.

Lucas Mahussa transportava reizetes na barriga!, e o Mathew Mmole adivinhava-o prego rombo difícil de roer...(«abaixo a estrangeirada ! Se não expulsar mmoles e millingas!, nunca nenhum Maconde próprio irá de graça aos passeios das conferências. Tendo eu testa de ferro!, posso rachar a cabeça de quem se atrever a tossir quando falo»). Além de analfabeto, era forte, muito mais entroncado que o presidente; albino, sem poder fitar o Sol; varredor camarário, com inúmeras faltas ao serviço(«estando quase grande chefe da MANU!, parece mal andar a empurrar vassouras»).

Por dá cá aquele capim, a primeira contenda surgiu desabrida. O Mmole ganiu meter-lhe os punhos pelas goelas e arrancar-lhe as tripas! Lucas Mahussa limitou-se a recuar, encostou costas à parede, fingiu tomar balanço, e sacolejou gargalhadas como doido perdido. O presidente aturou arrepios na espinha dorsal!, disfarçou, cuspiu no chão, calcou a cuspidela e desandou, cheio de constrangimento.

Belisário relacionou-se no Cairo com possíveis futuros patronos da UNAMI. Retornado ao Tanganica, poucos óbices teve a remediar. Sanou ligeiros desaguisados nomeando o Sangolipinde seu guarda-costas(«a TANU poderá tomar decisões grosseiras...; e homem prevenido!, vale por três... À queixinha de o novo guarda-costas rabeirar atrás do Gwambe, nem vale a pena ligar»).

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Desencoscorou a cara de todos, distribuindo dinheiro.Gwambe reapareceu prenhe de fumos de glória!:— Camelos!; então sendo eu o presidente do único grande partido apto a destruir Moçambique

inteiro!, tendo as maiores emissoras do universo gritado o dia da minha chegada!, e ninguém me foi esperar ao aeroporto? Haveis de amargá-las!

— Vens com os copos?, ou mordeu-te mosquito gaiteiro!, menino...Gwambe atirou pragas ao Sigauke, ameaçou destituí-lo do lugar, jurou não lhe dar dinheiro

fresco; e completou:— O lêndeas!, hem?... Vale-te estares pingado, e eu voltar famoso!; se não, tínhamos das

nossas!...—(Pluralizou)—: Todos uns frascários!: só derretestes dinheiro!, preguiçosões. Sois indignos deste glorioso chefe! Duvidais?, camelos!; esperai!...

E daí a dias os jornais traziam enorme ladainha!, sem a mínima interferência do chefe da propaganda e informação, Constando Stanislaus. Imediatamente o presidente deixou eclipsar os ressentimentos e entregou dinheiro aos relambórios, depois de ler!: «O dinâmico e inteligente líder Adelino Chitofo Gwambe era aguardado no aeroporto por delirante multidão de Moçambicanos residentes no Tanganica, muitos deles vindos de distantes terras. O norne da sua prestimosa UDENAMO foi entoado em coro durante minutos».

Belisário rangeu!-(«se queria elogio parecido, devia ter dado os passos deste descarado!, e gasto umas libras em almoços. Bem procede ele! Uü, as fuças do Kambona, ao ler isto...»).

Na TANU aconteceu esquizofrenia colectiva. A neura do Ministro da Educação ultrapassou a dos companheiros. Contrariando ordens do dr. Nyerere, empurrou um estafeta à procura do Gwambe:

— Seja que horas forem quando o encontrares!, trá-lo imediatamente à minha presença(«arrumam-se as últimas patifarias e as atrasadas!»). Descarta-te como puderes!, estafeta; se não arrastares o javali até aqui, morres tu!

91Pela manhã, Gwambe reunira os companheiros e mostrou o recorte do jornal mais laudatório.

Fez espiche rendilhado, insuflou genica. E depois de datem voltas pelo Bairro Kariakoo, bateram as ruas melhor talhadas à feição do Mahlayeye, abalaram à conquista de sócios nas plantações sisaleiras vizinhas da cidade. Iniciada a jornada:

— Não vos quero com algodão debaixo dos braços nem com papas na língua. Almoçamos e jantamos fora. Se o dia render, à noite fazemos forrobodó na cova-funda.

O estafeta da TANU evitou ralar-se!: deixara Kambona e alinhou direito à casa dos «refugiados» de Moçambique («gastar sola!, para quê?; o Gwambe vem almoçar, de certezinha: ainda recebe o recado a tempo»).

Os membros da UDENAMO actuaram nos acampamentos rentes às plantações, perto das mesquitas, junto às capelas que servem simultaneamente a religião católica e a protestante, próximo das cantinas e das lojas de chá onde os trabalhadores apreciam cavaquear. Não lhes correu sorte brilhante. Vários dos abordados responderam que estavam fartinhos de vigarices do género; outros recusaram aderir ao movimento, invocando a sua falta de dinheiro por terem sido eliminados nas plantações os antigos prémios de produtividade e assiduidade. Gwambe, todavia, cantou aos companheiros:

— Arrebitar!, maltinha. É difícil obter sucesso às primeiras tentativas. Insistiremos as vezes necessárias. Todo este pessoal, cedo ou tarde, pertencerá à UDENAMO; a bem ou a mal! Basta apregoar a segunda conferência de imprensa!, e os resultados serão infinitamente superiores. Os amigos estrangeiros deram bagalhoça!; por conseguinte, devemos trabalhar!, meninos. Centenas de nações e milhares de governantes!, esperam formidáveis triunfos do meu partido. Decidi!: apesar do azar, esta noite iremos molhar o bico a preceito à cova-funda, e jantamos lá.

O estafeta pouco se ralou pela falta do Gwambe. Aproveitou a oferta do moleque e rapou os tachos na casa dos «refugiados»(«gastar sola!, para quê?; o Gwambe vem jantar, de certeza: ainda recebe o recado a tempo!, visto o Ministro da Educação desejar seroar»). Mas às tantas da noite descoroçoou. Medroso,(«Kambona é maluco!, quando lhe dá na bolha»), resolveu desafiar a escuridão; seguindo palpites do moleque, dirigiu-se à cova-funda do bar manhoso fora--de-portas. Mal apontado ao fundo das escadas, experimentou de novo alma;foguete!, por o Gwambe lhe disparar:

— Olá!; vai um copo?, ò nosso amigo.— Era favorzinho—(Sem parar)—: Chego à rasquinha!...— A retrete é além!, camarada...

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— Nada disso. À rasquinha porque esperei o dia inteiro para dizer ao senhor presidente Chitofo Gwambe que o Ministro da Educação está à sua espera.

— Ôh-ôh!; desenrasca-te!, camarada: ainda apareces muito a tempo de ires berrar a esse gajo, e aos zucas Nyerere, Barongo e Mwandjisse, que no senhor presidente Adelino Chitofo Gwambe nenhum gebo manda! Vão lá roer capim e caniço para a machamba do mafarrico mais pintado!, e deixem-me cá tranquilo com a minha UDENAMO.

Terminadas gargalhadas, o recadeiro balbuciou:— Então não prometeu acabar tudo!, e regressar à MANU?...— Eu?, camarada!; ninguém disse ao Mwandjisse para ser chanfrado!—(Semi-volteou o

indicador na testa, repetidor)—. Aceitei jurar!, unicamente; e fiquei por aí; nunca fiz a jura!, não, camarada(«graças à idade respeitável do Belisário!»).

— São lá vidas dos senhores. Indo eu comunicar essas manhas!, os chefes da TANU ficarão parados?...

— Estoirai!; bem me ralo!...; quero lá saber!... Pois olha!, acrescenta ainda!, e agora é que juro: dentro de dois-três dias acontece outra fenomenal conferência de imprensa!, cheia de broncas!, e nela mostrarei com espalhafato o entusiasmo ainda sentido pelas palavras escutadas no Cairo ao representante do novo Deus N'Krumah! («arranjei dinheirinho para tudo isso»). E mais!: no dia da publicação será inaugurada a sede oficial da UDENAMO!, em local de fazer morder beiços aos Africanos invejosos !(«Bucuane, «cônsul», o mundo inteiro pasmará! Ao Chambale teimoso darei ordem para comunicar as minhas grandezas»).

— Ui!, como há-de ser?: o senhor ministro Kambona ameaçou matar-me!, caso não levasse de rastos o senhor presidente Chitofo Gwambe.

— E eu ameaço enforcar-te!, se não engulires dum trago este copázio. Escolhe!, camarada. Com a TANU inteira às costas!, enfiada num espeto!, posso eu bem.

— Ji!— Apanhe-os diante!: faço-os em pó!, camarada. Podes cuspir tudo isto direitinho!; entendido?,

estafeta ordinário...— Ji! («confusão!, cabeludo»).De madrugada, a cerrada escuridão foi abrindo e deixou perceber diversos corpos:álcool

estendidos pelos caminhos!...

92

Decorreu um dia. O estafeta não voltou. Kambona enxofrou («trabalhará ainda certo, ao menos, o régulo Megama?...»).

Passaram dois dias. E o estafeta sem aparecer. Kambona enverrugou(«uma destas!... Se o filo!, trinco-o!»).

Galgaram três dias. Quanto ao estafeta: nada! Kambona envermelheceu(«dão comigo no hospital!... Ninguém se rala com o taralhouco Gwambe excremento! E logo hoje havia de surgir o trombudo Koinange!, para mais me fritar a mioleira. Agora!, até o ferrugento velho Belisário dá cabo de mim!»).

Ao quarto dia, na sede social da UDENAMO, alguns jornalistas perceberam estar diante de um paranóico ou parasito; e continuaram só para verem onde chegava o descaramento do presidente! Outros., porém, achavam as afirmações do líder plenas de interesse!, capazes de fazerem esgotar edição de tiragem reforçada.

E no quinto dia, permanecendo o estafeta da TANU fora da circulação a curtir borracheira e pneumonia!, e com o Kambona a lançar bílis, aconteceu:

Adelino Chitofo Gwambe(«ah!-ah!-ah!-ah!: jornais cheios de garra!, hoje. Aí!, Kambona e parceiros da quadrilha...»).

Governador do território Tanganica até à independência total («com mil tições e meio!...»). Chegou à janela. Procurou ler melhor. Fechou e abriu olhos, repetidas vezes, sobre o jornal(«estarão a reinar?!...»).

Primeiro-Ministro, dr. Julius Nyerere(«quê?!, quê?!...»).Sua Excelência Reverendíssima o bispo de Dar-es-Salaam («enlouqueceram?, louvado

Deus!...»). Ficou vesgo. Custou-lhe recuperar a normalidade. Ministro da Educação, Oscar Kambona(«quê?!, quê?!...»). Aos berros!, implorou copos de

água gelada...Clero e membros de ordens religiosas(«Deus dos céus!...»). Títulos, subtítulos e linhas

corridas foram lidas a toque de caixa!

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Secretário administrativo, Ronald Mwandjisse(«quê?!, quê?!...»).Xerife da municipalidade(«puh!»). Engasgou-se, expeliu café e pedaços da torrada. Tentou

segunda leitura dos títulos; aturou violento ataque de tosse. Vice-secretário-geral, Barongo(«quê?!, quê?!...»). Chefe da Polícia já titubeante mantenedor da ordem/(«eih lá!: estarei a ler direito?!...»).

Descontrolou, aos berros: «Que raio de abusos são estes?!... Atingem-se extremos tais!, sem o meu conhecimento?!... Os galifões da TANU dormem?, ou fomentam semelhantes loucuras!... Terão iniciado abusos antes do tempo ?!». Sentiu o cigarro azedo. Arremessou-o ao espaldar da cadeira em frente. Triturou-o no tapete com a biqueira esquerda. Naquele esmaga--esmaga conseguiu acalmar um pouco as fúrias.

Mbiyu Koinange(«olai-larilo-lela!: destas ameaças aos Portugueses, gosto eu!»).Funcionários públicos /brancos e Goeses/(«hou!-hou!...»). E pestanejaram !(«epígrafe

macabra!...»). Munanka e pessoal dos escritórios da TANU(«quê?!, quê?!...»). Industriais

/brancos/(«hã?!...»). Fecharam portas dos escritórios. Concentraram-se melhor. Procuraram luz a jeito e retomaram a leitura.

Porteiro-polícia e serventes da TANU(«tanta guerra à porta!, e ignorávamos tudo isto!; sim senhores!...»).

Comerciantes /brancos/(«hem?!...»). Coçaram-se ao acaso. Os que sorviam chá ou café, arredaram as chávenas. Dilataram as narinas diante do jornal.

Três negros fortalhaços, grandalhões, /perseguidores do misto Paty Momade até à curta escadaria dos correios/(«este Gwambe é águia!...»).

A maioria dos súbditos /brancos/ de Sua Magestade a Rainha («hum..., bah!»). Passaram o jornal de mão em mão. Tossiam uns, fungavam outros, e outros assoavam-se, inquietos(«N'Krumah odiará tanto os Portugueses!, para comprometer Ghana neste jogo arriscado com qualquer Gwambe paranóico?...»).

Alemães, Italianos, Gregos, Holandeses e Suíços, residentes em Dar-es-Salaam(«isto vai lindo!...»). Piscaram olhos. Deitaram contas à vida.

Bucuane, Chambale e diversos negros(«ná! Só palhaçada!»). Sentiram orelhas tensas, retesadas!, apesar da opinião pessoal. E procuraram com quem trocar ideias.

Álvaro Pinto(«aí!, Gwambe vaca: tornas a exibir língua de quilómetro!...»). Como acontecera com a primeira conferência de imprensa, enviou jornais ao director da Polícia moçambicana(«para se divertir!, e...»).

Acompanhando tanta espantação fantasmagórica!, Kambona:vulcão, ao fim da manhã, tornou a espirrar ordens :espada para as orelhas dos três negros brutamontes que haviam actuado pela madrugada sob conselho do Chinês em missão diplomática por conta da TANU.

O Ministro da Educação recuperava do torpor que o acometera quando emborcou dois copos de água gelada(«se não sou eu a mexer-me!, valeria bem a pena o esforço do régulo Megama!, pelo Norte de Moçambique...»).

93No Cairo, Barongo apresentara o Mathew Mmole como presidente do mais lídimo partido de

Moçambique, no exílio. Assim, depressa o abordaram dois representantes do Governo Egípcio. Aproximaram-se festeiros pela oportunidade de falarem com um homem da região da África Oriental onde melhor prosperava a fé islâmica. O de nariz afilado:

— Ninguém melhor, nem mais entusiasticamente do que o nosso presidente Nasser, poderá ajudar a MANU a expulsar os Portugueses, de Moçambique.

— É natural, talvez...—(Pronunciou Mmole, inclinado a dar trela ao Árabe)—.— A sua gente precisa ser instruída na táctica de guerrilhas e noutros segredos próprios para a

guerra que à MANU convém desencadear em Moçambique.Interveio o segundo Árabe:— A seguirem o exemplo dos vossos irmãos de Angola, naufragam rapidamente!, sem nada

conseguir. Devem confiar nos mestres protectores.Encontraram-se várias vezes e assentaram que o Mmole traria doze bolsas de estudo para

melhor manobrar os indivíduos que entendesse escolher e enviar ao Cairo. O primeiro Árabe:— Apanhados cá, serão colocados nos campos de treino adequados às características de cada

um.— Só assim a MANU dominará Moçambique—(O segundo Árabe acrescentou, sentencioso)

—: O nosso presidente Nasser sabe sempre o que diz!

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* *Em Dar-es-Salaam, Mathew Mmole pensou que era preferível impontar da MANU quantos lhe

provocavam indisposição(«quem desejar as «bolsas», há-de comprá-las!; vai pagar algum por elas, ao menos... Isto são contas cá comigo; não comunico coisíssima nenhuma aos da TANU. Eles nem gostarão do Nasser!, pelas manias de querer ser o dono-mor da África. O certo é estar empenhado no contínuo alastramento do islamismo e na expulsão dos Portugueses»).

Desde que o Mmole atendeu as queixas apresentadas pelo Malinga Millinga contra o Lucas Mahussa, este ficou-lhe atravessado na garganta; e considerou indesejável o analfabeto varredor camarário ao questionarem por continuamente o acusar de «estrangeiro»! («o albino indecente devo arrumá-lo de qualquer maneira!, antes de todos. Suplanta o Sangolipinde!, no atrevimento asinino; e é bruto igual, mas muito mais forte!»). Voltaram à fala, com o Mmole :cordeirinho a fingir amizade.

Lucas Mahussa pesou o negócio(«deseja enganar-me, espantar comigo!»). Cravou os olhos no chão; endureceu; respondeu:

— Eu zaranza até tão tarde!, vou chegar a essa terra longe!, para ficar doutor?.,. Éia!: dá trabalho demais; não aceito. Sendo isso verdade tão direita!, aproveita tu e os teus amigos. Querias apanhar dinheirinho!, era?...

O presidente da MANU suportou cegueira no coração. Arredou mudo, roncando lá adiante:— Cuidado!: não tornes a irritar-me com isso de estrangeiro! Menos confiança no físico!,

cabrito montês.Lucas Mahussa recuou, encostou-se à parede, balançou o tronco numa ameaça antiga e

sacolejou gargalhadas como doido perdido. De seguida:— À próxima conferência vou eu!, eih?, seu presidentolas...—(A plenos pulmões atacou

modinha em voga. Num desabrimento esquipático)—: Deixas acompanhar-te?, ò estrangeiro!—(Seguiu atrás do alvejado)—.

Mathew Mmole fez que não era com ele. Além do temor, fugia a fitas na Rua da Ilala. Alinhou em direcção à cervejaria daquele chinesito habituado a pôr olhos à tona do balcão nos momentos aziagos.

Ao entrar, circunvagou a vista, procurou conhecidos(«nenhum!, bolas. Eles virão... Umas seis «bolsas» estão praticamente passadas: falta trazerem o resto do dinheiro combinado. Aqui costumo abichar negócios! Apenas tudo concluído, entro numas noitadas bravas, com as respectivas bebedeiras puxadas ao caro. Lixem-se os Árabes e Nasserl: foram os primeiros a picar jogo sujo, ói!...»). Acadeirou a mesa vaga. Afinou os ouvidos. Irritou-se com a vozearia: «Gwambe disse, Gwambe fez, Gwambe prometeu, o cabeludo Gwambe vai cumprir»!

O chinesito aprestou-se a servir, e ouviu:— A remessa do costume—(Autoritário, Mmole acrescentou)—; Acerca do Gwambe: tem

entrado cá?; sabes dele?(«era giro!, vê-lo pegado com o varredor albino duma figa... À próxima desavença, escacho este sem dó nem piedade!: não julgue que troça de mim!»). O descarado atrevido da UDENAMO aparece?, ou desarvorou daqui!...

— Depois da barulheira nos jornais!, todo mundo o diz em Nairobü, para lá falar igual até nos rádios..., upa!

— Isso sei eu!, mas não engulo dessas, olha!... É aldravice!

* *Os jornalistas aproveitadores das tolices do presidente da UDENAMO, na sua segunda

conferência de imprensa, ilustraram o palavreado do videirinho com grandes fotografias.No dia da publicação, Gwambe :pavão principiou muito cedo a calcorrear as ruas da cidade.

Afoito, atreveu-se à zona comercial, contente, num sino! A breve trecho foi perdendo o badalo... Bastantes negros paravam e olhavam-no!, embasbacados; porém, muito mais gente o fuzilava com olhos: satanás !

Teve sorte, a meio da manhã: encontrou o Belisário Mota de boa catadura. Deram o braço; rebateram pontos de vista. O velho matraqueou:

— Fique-se com esta: aconselho-o a desaparecer durante uns dias. Tudo aquilo é extremamente grave, compreende?... Dar-es-Salaam inteira pode cair-lhe em cima!

— Oh!; diga antes: fizeram sucesso retumbante!, as minhas tiradas!, ò amigo!— Repita dessas!... Deve ocultar-se fazendo primeiro constar que foi a Nairobi, ou mesmo a

Kampala, com demora, para esfriarem os ímpetos que trovejam na TANU, na esquadra, no palácio do Governador... A brincadeira não fica como da primeira conferência!, tenha absoluta certeza. Fez afirmações gravíssimas de amplitude internacional! Fuja das vistas do mundo!, colega.

Um nadinha temeroso, Gwambe obedeceu. Antes do meio-dia colocou na sede uma carta

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explicando partida imprevista para o estrangeiro, e ficou a bom recato em Dar-es-Salaam!(«se algum topasse onde me escondo, o maricas Bucuane vinha a sabê-lo, e logo os da TANU descobriam»).

Pouco depois de entrar no esconderijo, há tempos debaixo de olho, Kambona pôs em campo os três negros espadaúdos que haviam apanhado o misto Paty Momade.

Os três latagões deram em gastar-se pelas imediações da casa dos «refugiados» de Moçambique. Sabiam que o fugitivo regressaria, pois cometera a imprevidência de ali deixar a maior parte dos seus pertences.

Enquanto isso, o Ministro da Educação parecia possuído de arreliadora demonomania(«e costumo acordar ao meio das noites!... Ah!, Gwambe chacal, celerado!»).

* *Na cervejaria do chinesito, Mathew Mmole devorou a remessa do costume num zás-trás. Não

entrou bicho careto a quem pudesse propor o cambalacho das «bolsas». Danado por tanta cegarrega em torno do presidente rival!, saiu lesto. Incomodativo encontro o esperava: deparou com o Lucas Mahussa encostado à parede fronteira. O albino montanha balançou o tronco e desafiou, escarninho:

— Seu presidentinho: vai oferecer papelinhos da «bolsa» para eu ir ao Cairo e ficar logo doutor?

Mmole parou, louco de raiva!, como se tivesse sido atacado de apoplexia fulminante(«chegou o minuto de afinar braços e pernas! Se ele mostra força, eu possuo agilidade. Atreva-se a dizer outra!, e verá...»). Medonho!:

— Quiietinho aí!, zebu leproso.— Ahi-ah!: ficou tão perdido?, seu estrangeirão da porca MANU!...

94

«O líder supremo da prestigiosa União Democrática Nacional de Moçambique—UDENAMO—informa:

Foram usados todos os meios pacíficos e todos os processos calmos de persuasão com o Governo Português, na mira de obter a imediata e total independência de Moçambique. Ã falta de qualquer resposta satisfatória, está declarada guerra às autoridades portuguesas, sem excepção, sendo abrangidas as africanas que continuem fiéis ao Governo de Lisboa».

«Em virtude da teimosia dos Portugueses, e visto não quererem sair a bem, serão imediatamente expulsos a mal. Desde agora passo a ser um rebelde, assim como os milhares de sócios da UDENAMO».

«Os principais chefes africanos nacionalistas de Moçambique começaram já a chegar a Dar-es-Salaam. Reunirão em conselho de guerra, logo que surjam todos os previstos, senão por estes dias também esperado para o efeito o líder dos Moçambicanos nas Rodésias».

«As forças militares da UDENAMO iniciarão a luta em diversas frentes, do Norte ao Sul, com a tradicional guerra de emboscadas. Serão comandadas por guerrilheiros árabes recomendados pêlos governos da África do Norte. As operações bélicas desencadeiam-se a partir do Tanganica. Prevê-se sucesso retumbante em poucos meses».

«A táctica de guerrilhas a adoptar dá total certeza duma rápida vitória. Nem é preciso esperar pelo melhor apoio que a TANU me dispensaria depois do Tanganica alcançar a independência no fim deste ano. A meio caminho entre Dar-es-Salaam e a fronteira Norte de Moçambique, centenas de nacionalistas terminaram o curso de comandantes, ministrado num campo de treinos sob a orientação de instrutores egípcios e argelinos».

«A UDENAMO possui milhares de armas no seu arsenal privativo. N'Krumah e Ghana fornecem o armamento e as munições necessárias às operações a desencadear pêlos meus aguerridos e bem treinados duzentos e vinte mil partidários, todos em pé de guerra na capital do Tanganica»(2).

Estas foram as primeiras frases :loucura que entonteceram Dar-es-Salaam, apalermaram Tanganica, que fizeram estremecer vários governos, e deixaram outros delirantes!...

Kambona continuava apopléctico de furor!, revoluteado em pensamentos :vinagre e desejos :arsénico(«se os três gorilas demorarem a trazer o fedorento!, serão também estrangulados. Ai!, Megama...»).

Da TANU, e dos ministérios, jorravam ainda vitupérios contra os jornais e Gwambe.Até o dr. Julius Nyerere ficou com os nervos esfrangalhados por tantos pedidos de

esclarecimento, uns enviados pelo povo, e diversos remetidos oficialmente pelas abismadas autoridades inglesas.

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Mwandjisse, Barongo, Munanka, e demais colegas dos escritórios do partido, estavam fartinhos, rebentados, devido às reclamações recebidas de viva voz e aos telefonemas, telegramas, cartas, tudo surgido durante dias, solicitando explicações.

Entre tamanha barafunda, Álvaro Pinto permaneceu calmo! («nem era preciso saber pelo Chambale que o Gwambe chineleiro fez semelhante cagaita!, só para ser discutido, badalado nas emissoras, e para exasperar o psicopata Kambona. Autêntica palermice mentirosa!, sem pés nem cabeça, como repete o ciumento e invejoso Aurélio Bucuane. Não pronunciarei palavra! Já que passo por Encarregado de Negócios, o meu silêncio perante as autoridades de cá, incluída a tropinha da TANU, pode significar prova de força inabalável e coragem inquebrantável do Governo Português. Silenciando, mais me julgarão do contra. O telefone é auxiliar precioso: o fino director da Polícia aconselhou muito bem!, afinal, apenas leu as palavras atolambadas do Gwambe ou do jornalista atoleimado. Quanto ao assalto à sede dos partidos!, igualmente convém esperar o remate desta chavascada. Aguardando, melhor oportunidade surgirá para o Bucuane e o Chambale arrebanharem documentos, papéis importantes...»).

Enquanto os três negros :gorila iam lançando olhadelas à nova sede da UDENAMO, sem deixarem de vigiar a casa dos «refugiados» de Moçambique, o presidente daquele partido estava longe de sentir-se caguincha, e às vezes ria a bandeiras despregadas(«agora é que o Bucuane morde lábios!, e acende mais o olho eléctrico!, danadinho por não ser eu. Faço ideia!, de como ficaram todos. Valeu a pena!, o arriscanço: a maioria das emissoras amigas da onzenice africana portaram-se à altura!, desta vez. Diante duma conferência de imprensa com afirmações tão bem metidas!, quem podia travar os correspondentes das agências noticiosas?... Bomba universal!, ah!; e o meu nome espalhado e discutido no mundo inteiro!... O Marcelino dos Santos e o Raul Pires da Silva já estarão convencidos de que fui bom aluno! E se calhar até julgarão verdade admirável!, aquilo tudo... Está em letra de jornal!: ajuda a acreditar. Ainda quero saborear uns restinhos do efeito!: amanhã espeto cabeçada neste esconderijo e saio; combinado! Ando mesmo necessitado de bebidas de guerra, escolhidas a dedo no meu bar predilecto ou na cervejaria do chinesito medroso. Ao psicopata já teria passado a neura...»).

95O desatino da espalhafatosa conferência de imprensa movimentou notas oficiosas nas esferas

governativas.O dr. Kwame N'Krumah riu a bom rir; todavia, embora alheio a tudo, achou prudente

intervir(«é conveniente evitar atritos com quem devo manter-me de bem. Por motivos de sem jeito, seria disparate turvar ainda mais a ténue amizade africana. E já que consegui colocar um embaixador no Tanganica!, vou agir para evitar na TANU, principalmente, graves arrelias contra mim e o povo de Ghana»).

Gamal Nasser, Ben Bella, Habib Bourguiba, o rei Hassán, o Governo monárquico da Líbia, e fulanos diversos, rejubilaram pelo Norte de África!, ao conhecerem as bombásticas afirmações do Gwambe à imprensa(«era esplêndido!, a saída dos Portugueses, do outro extremo, era: melhor se acabava de arabizar a parte Oriental deste continente»). Após galhofarem, reflectiram e vislumbraram a realidade, concluindo que o Adelino Chitofo Gwambe avançara demasiado(«dentro duns tempitos, quase tudo isto poderá ser verdade... Actualmente!, calma-calma...»).

Kambona, ora mergulhava em fúrias vulcânicas ora dava em afleumar(«apanhe eu o javali tagarela!: começarei por interrogar se a UDENAMO está oficializada, se é partido autorizado pelo Governo Inglês, etc. e tal. No meio de tanta zanguizarra!, admiro a calmaria do Álvaro Pinto. Confirma!: é realmente do contra; se não, fartava-se de bombardear a TANU com perguntas agressivas. Apesar de quanto conta o Bucuane, o «cônsul» adorará tirar do Chambale simplesmente por distracção... Pois se ele ficou como se nada de anormal os jornais tivessem publicado!,..»).

Rolou novo dia. Houve mexedela de papéis urgentes. Foram tomadas decisões drásticas contra jornais e Gwambe. Entretanto, o Ministro da Educação ia mergulhando no desalento(«o tempo!...: antes, não havia meio de escoar!, a pensarmos na independência; agora, não vejo modos de passar!, nesta espera do nojo peçonhento. Se os disparates dele fossem pronunciados por outrem, e noutra ocasião, até podiam proporcionar tesa barrigada de riso; ora assim... Aquilo dito de maneira diferente faria debandar Portugueses desprevenidos que atendessem à barulheira das potentes emissoras votadas à causa africana. Lamento a gritaria de tanta parvoíce. A intenção foi boa?; os resultados serão catastróficos. As autoridades portuguesas alertaram, e a seguir ao choque emocional terão passado a valente pancada de gargalhadas... Oxalá o régulo Megama não dê o flanco pelo Cabo Delgado!...»).

Kambona estava nisto, afundando-afundando num desânimo :charco...; em espirro zás!,

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imaginou-se cair das nuvens!: sem cerimónia escancararam a porta do gabinete e catatrás-pumba!, às três pancadas atiraram lá para dentro com um homem:cilindro!, firmemente encordoado desde o pescoço aos pés!, e solidamente amordaçado.

Deus da vida!; o ministro ficou a nem um chícharo lhe caber nos ouvidos!...Dois dos três negros fortalhões arrancaram a mordaça do rolo humano.Kambona dobisomem avançou feito locomotiva Diesel e saltou a pés juntos sobre o maniatado.Escumaram!Kambona mirou-o como a precito pestilento(«com a última volta que o caso levou ontem nos

altos comandos, já nem pergunto se a UDENAMO é isto ou aquilo»). Após cuspir na cara do Gwambe ;fardo, ribombou:

— Tiraram-te o acamo; podes ladrar. Por aí a zanzar?, ou estiveste escondido!—(Espetou pontapés; e)—: Ladra!, desembaraça essa língua!, urso.

— Juro!: a isso não respondo.— Ainda mostras peito de leão?, gerbo inútil!...—(Ordenou aos três orangotangos)—: Malhai

onde e como quiserdes, quando ganir torto — (Para o Gwambe)—: Lembraste juras!, chacal des -prezível; esqueceste aquela feita ao senhor Ronald Mwandjisse?

— Ele é mentiroso!; aceitei jurar, mas nunca cheguei a jurar («há sempre possibilidades de salvação em cada enrascadela; respondendo com arte, talvez ainda me safe! Hei-de proceder a conve-niente vingança!»).

— Bem disse o Bucuane!, ontem; «Com o turbulento Gwambe, ninguém vive vinte e quatro horas seguidas sem arranjar desordem porca»—(Gwambe enrubesceu mais. Rangeu e contorceu-se ao aparar esguichadela de saliva do Kambona)—. Vamos a eito; estás vivo; agradece-o à intervenção do dr. Kwame N'Krumah e ao embaixador de Ghana. Mal empregados padrinhos para tão fraca rés. Mesmo assim, hás-de explicar aquela loucura nos jornais.

Despachar!, camelão asqueroso; ou cai-te pancadaria no lombo!— Foram coisas dos jornalistas; pronto!— Dos jornalistas?!, pessegada tão completa?!...—(À falta de resposta, fez sinal ao mais

brutamontes para pontapear onde calhasse, sem poupar a cabeça)—. Odeio-te como Africano nacionalista pode odiar branco!; vê lá se desejas pior!... Responde!, escarro!

— Só falei; os jornalistas escreveram como quiseram, pronto!— Mentiroso repugnante! Com que então!, habilitado a invadir Moçambique!, a partir do

Tanganica!, e nenhum governante sabia nada!... Ghana fornece armas!, munições!, à margem do conhecimento do dr. KFKrumah!, e do seu embaixador em Dar-es-Salaam?!... Etc.-etc.-etc.! Se os jornais publicaram inexactidões!, porque não recorreste a formal desmentido?...

— Oh!...(«ficava queimado nas emissoras»).— Oh?!... Isso não é resposta suficiente para te livrares de pancada—(Açudou os gorilas)—. À

tarde vais aos jornais exigir a verdade?— Não!— Magnífico!, piolho de cão. Quanto mais ligo a um tinhoso!, mais me rebaixo. A teu respeito

foi ontem tomada decisão irrevogável —(Impôs aos três latagões)—: Agarrai neste lixo, colocai-lhe a mordaça e lançai-o à rua. Batei quanto vos apetecer—(Berrou ao bruto que ia abrir uma das janelas)—: Nada disso, nada disso!, canzarrão; lançai-o à rua, mas é lá fora. Deixai-o numa valeta. Quem passar!, que o desamarre, se quiser...—(Levantando o pé direito e esfregando o sapato na cabeça do Gwambe ;serpente)—; A decisão irrevogável a teu respeito, está dentro deste envelope—(Pediu ao bruto da janela para entalar a carta nas cordas. Continuou a bombardear a vítima)—; Quando qualquer animal te desamarrar, abre o envelope e verga imediatamente às ordens contidas dentro. O diabo te livre de nos tornarmos a encontrar! Agora não ficas mais ameigado por..., por..., por uma certa consideração às instruções do Primeiro-Ministro senhor dr. Julius Nyerere!, continuamente a recomendar calma e paciência. Obedeço-lhe porque sei que és um lunático, e por esperar que sigas à risca as ordens dessa carta. De contrário!...—(Calcando-o no bandulho)—: Todos!, rápido: saiam imediatamente!, ou rebento-vos o canastro!

96

Seguindo a prudente recomendação do Belisário Mota, Gwambe tinha-se escondido na casa do Tangazi Makalika, mesmo em frente à MANU, onde já estivera freneticamente agarrado ao rádio e, mais tarde, com a mulher viageira.

Caíra na asneira de sair demasiado cedo. De qualquer forma, tinha o destino marcado para quando desacanhasse...

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Não chegou a tomar o gosto às predilectas bebidas de guerra. Resolveu desacoitar depois das duas da madrugada. Cometeu o erro de ir à casa dos «refugiados» de Moçambique, por uma peça de agasalho, disposto a alcançar os bares próximos do porto marítimo.

Fatalidade!; aquela era a primeira noite de sentinela dos três negros espadaúdos, em conjunto, imposta aos berros pelo Kambona.

Quando mal se precatava, ao pretender bater à porta, os gorilas caíram-lhe em cima. Gwambe nem pôde estrebuchar, ao menos... Carregaram-no para uma carrinha, próxima, donde haviam espreitado. Foi amarrado, e fechado na parte detrás.

Perto, um relógio martelava as três horas da manhã!...Entraram no Ministério da Educação pouco depois de Kambona.E quando despedidos, no final, correram a despejar o Gwambe num campo baldio.Só ao lusco-fusco as cordas e a mordaça foram tiradas por garotos que se preparavam para

jogar a bola.Daí a minutos o presidente da UDENAMO alcançou o primeiro candeeiro. Abriu o envelope.

Embasbacou ao ler a Nota Oficiosa de Expulsão(«abandonar o Tanganica!, dentro de vinte e quatro horas?!... É o abandonas!, carneiros medrosos. Pobre Kambona!, se me julgas aquela fraqueza dentre cordas! Ah!, desgraçado!, estás muito enganado! Verás-verás!... Que o teu avô rabudo te livre de caíres nas minhas unhas!... Tomei decisão firme!; e não saio dela!»).

Rasgou a Nota(«guardo estes papéis!; servirão na retrete»). Abrasado em pensamentos :vitríolo, alcançou a casa dos «refugiados» de Moçambique. Lançou mão a quanto lhe pertencia. Saiu acom-panhado pelo Mahlayeye.

Atacaram a fundo questões envolventes. Lá para diante:— A casa do Tangazi Makalika oferece perigo, agora. Prefiro esconder-me num cubículo da

minha amante antiga, na Rua Somália. Fico mais seguro! És o único, o único!, a saber e a ir lá até eu entender poder voltar à luta!, ou à brincadeira...; veremos! Passas a fingir ignorância total, a meu respeito!; entendido?...

— Entendido—(Mahlayeye foi arrastando)—: Mas tendo possibilidades de ir parar a Ghana!, e de avião!, seria melhor aproveitares. Por imposição do Governador e da TANU, o embaixador do N'Kru-mah tratou comigo a assinatura dum desmentido, a sair amanhã nos jornais que publicaram a tua segunda conferência de imprensa. Nem imaginas o entusiasmo do embaixador ghanês!, a prometer o máximo auxilio a ti e à UDENAMO! Afiançou que te punha em Accra com imenso prazer!, pois o N’Krumah odeia os Portugueses!, parece que tocado pelos Russos e Chineses ao mesmo tempo…, e deseja abrir um coração generoso a quantos Africanos perseguirem Portugal e a sua gente espalhada por África. Mais ou menos, afirmou!: «Apenas possa, diga ao Gwambe para aparecer. Terá protector seguro no meu presidente dr. N’Krumah!, que delirou e aplaudiu imenso as suas arrojadas declarações. Ele aprecia o presidente da UDENAMO através das informações prestadas por amigo dedicado que também assistiu à última grande conferência, no Cairo». Então?, Gwambe!... Eu cá!...

— Por agora, recuso. É impossível sair de Dar-es-Salaam enquanto não puser um certo gajo a escarrar sangue com língua de palmo fora da boca!...(«e o Bucuane há-de ser outra das minhas vítimas!, apesar de viver encostado ao «cônsul» manhoso»).

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O albino Lucas Maiiussa provou ser mais homem para o ataque do que lutador defensivo: o diabo escangalhou-se todo!, perto da cervejaria do chinesito medroso quando o varredor analfabeto avançou para o Mathew Mmole, pronto a demonstrar o peso das suas ameaças ao encostar-se às paredes, cachinador.

Mmole não esperava ofensiva tão cerrada, e ao aprestar-se para sacar a catana, bumba-catrapós!, ficou virado de cangalhas!: o albino, mal adivinhara o fito, enclavinhara dedos e disparou-lhe punhos:avião ao queixo!(«vá, perde a mania do boxe!»).

O derrubado imaginou o pescoço desatarraxado; mesmo assim procurou e conseguiu erguer-se. Cambaleou. Com olhos raiados de sangue, mediu o carrasco; e tentou desensarilhar a catana; demorou a fazê-la brilhar no ar; e o gargalhadas aproveitou para ministrar lição de cambapé!, em que era mestre, e tornou a prostrar o rival.

Mmole, enlouquecido, recorreu a ténue faísca de alento, pôs-se de cócoras, depois ajoelhou e atirou a catana, finalmente, sem pontaria nem vibração(«hás-de pagá-las!, seja como for!»).

Lucas Mahussa tornou a cachinar com redobrado fragor, apossou-se da catana, entrou na cervejaria do chinesito(«esta malta devia ver a tareia!»), e pôs logo a boca no mundo...

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De roldão, veio tudo assomar à porta; mas a vítima, pressentindo isso, arrastara-se para a portada defronte. Retesado no seu orgulho, lá ficou a magicar como fora possível sofrer tamanho desaire(«hei-de retomar os treinos. O boxe ajuda a derrubar brutos como este. Vai amargá-las!; ai vai!: ou eu não fosse o Mathew Mmole!»). A lição fê-lo decidir que nenhum dos conhecidos atrevidos iria ao Cairo receber instrução de guerrilha s («como enfrentaria doze gajos bravos bem treinados?... Olha se há bocado tivesse a língua entre dentes!... Ficava toda trilhadinha! Ainda sinto a queixada a zunir!»).

O presidente da MANU depressa foi importunado por diversos indivíduos a quem não desejava passar as bolsas de estudo. A principiar pelo Sangolipinde(«aguento ser antigo nacionalista; tenho direitos!, mesmo»), até aturou discípulos do Belisário Mota e elementos da UDENAMO. E a troça que à socapa faziam ao lembrarem a tunda infligida pelo varredor camarário, era vingada com a recusa das «bolsas», apesar de mostrarem dinheiro(«pretendeis ir e voltar superiores a mim?; estais bem livres!...»).

Mmole andou uma temporadita arredio da sede. Millinga tinha raros aparecimentos :relâmpago(«terminei a última porção de mari-juana»). Lucas Mahussa deu em manobrar e impar por lá numa aparente paz podre. O estado-maior da TANU deixava correr, na expectativa de acalmar ânimos. Era visível uma relativa acalmia, /aparente/, e considerada como certa a saída de Gwambe do Tanga-nica. Pelo menos as pesquisas de Chambale e Bucuane conduziam os da TANU a essa suposição.

Nyerere aconselhara a não se tocar no movimento UDENAMO:— Sem isso de presidente, pouco dura. Acabará por si próprio, quando terminar o dinheiro

vindo da RAU.— E o Belisário Mota?...— Tem paciência, Kambona. Esse também trouxe verba, e vai andando com os serviços de

enfermagem. Continuarão todos onde estão hospedados. Escorraçando-os, ainda mais envenenariam a MANU, fatal e irremediavelmente. E ficaríamos sem qualquer partido apontado a Moçambique. Procedendo segundo penso, eles regressarão lentamente à MANU fortalecendo-a.

— E cruzamos braços?, Nyerere!...(«então para quê?, o esforço do régulo Megama em Moçambique...»).

— Não. Mas esperaremos devagar, devagarinho...Dias volvidos, noutra reunião, o dr. Nyerere notou que uma expressão de melancolia

obumbrava o rosto de Kambona. Pretendeu aplicar-lhe compressa redentora na alma:— O Barongo alvitrou certo: Belisário e Mmole conheceram e relacionaram-se com o

Marcelíno dos Santos, no Cairo. Este devia ser convidado a vir tentar a fusão da UNAMI com a MANU. Se o Belisário for bem trabalhado, acederá facilmente.

— Talvez esteja aí o remédio!, sim... Contudo, se me deixasses, Nyerere, dava um aperto ao velho safado!, como fiz ao mísero Gwambe.

— Estragavas tudo!, caríssimo amigo — (Obtemperou Nyerere) —.— Ao menos satisfazia-me!...— No meu entender,—(Interveio Barongo)—, urgente-urgente é unir os da UDENAMO à

MANU. Raivosos ante a expulsão do chefe, dificilmente desarmarão... Persistem na arrebanha de sócios!, resolvidos a sobreviver. Belisário caminha para a decrepidez, o seu pessoal mostra desinteresse; portanto, estes, afundarão naturalmente.

Ronald Mwandjisse;— O Marcelino dos Santos irá a Ghana como embaixador do Partido Comunista Português. Lá

pode ser contactado pelo representante da MANU, durante a Conferência das Organizações Nacio-nalistas dos Estados Africanos Dependentes, a começar no dia vinte e oito de Junho, em Wínneba.

Sem vénias, Mbiyu Koinange dignou-se:— Ia revelar: convites e bilhetes de passagem para essa conferência, têm chegado directamente

às diversas casas dos refugiados sob a minha orientação. Quando hoje apareci na caixa postal, dei conta de que foram igualmente enviados à UNAMI e UDENAMO!

— Só conhecia o caso da MANU!, convidada através da TANU —(Esclareceu Mwandjisse, de pescoço encolhido)—.

Nyerere, Kambona, Bhoke Munanka e Barongo atiraram olhos :frecha ao Koinange!...

98Determinado rochedo, constantemente açoitado pelas águas do mar, passou a suportar lamúrias

de fulano enigmático!...

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No lupanar onde acantoava, Gwambe recebia cautelosas visitas do Calvino Mahlayeye, e passava-lhe as instruções achadas convenientes ao prosseguimento contínuo e perpétuo da UDENAMO!, estivesse o presidente onde calhasse.

O secretário-geral umas vezes entrava pela frente, outras pelas traseiras: por pequeno portal, atravessando terreno pedregoso.

Gwambe julgava-se bem escondido na Rua Somália. Pela rádio e jornais inteirou-se do desmentido às suas afirmações. E ria largo! («cá, choraram; catita!; N'Krumah e outros riram a perder: estupendo! O Presidente do Ghana é igual a mim!: aprecia o nome espalhado no mundo inteiro, seja lá de que maneira for... E gostou daquilo tudo por eu ameaçar os Portugueses!, claro. Em breve recorrerei a ele!: será protector soberano. Basta deixar o Kambona adormecer sobre o nosso caso, depois faço-lhe uma espera de noite, vou-me a ele, derrubo-o com punhaladas nas costas, cravo-o no coração, e alo direito a Nairobi. Para imediatamente lá tomar o avião, o embaixador ghanês devia ir desembaraçando a papelada. Vou recomendar isto ao Mahlayeye, na próxima visita»).

Determinado rochedo, constantemente açoitado pelas águas do mar, ia aturando desabafos de fulano preocupado!...

Chegaram directamente às casas dos refugiados os convites e bilhetes de passagem para a Conferência das Organizações Nacionalistas dos Estados Africanos Dependentes, por o embaixador de Ghana ter fornecido as direcções aos promotores da mesma(«poupo trabalho à TANU, embora ela goste de enfiar o nariz em tudo. Lá o Mwandjisse é danado!, sempre a meter dedinhos onde não é chamado»).

Imprevistamente, Mahlayeye entrou no prostíbulo exibindo semblante radioso. Gwambe fulminou-o:

—Trazes a papelada!, e posso apanhar o avião para Acera... Mas acho impossível o Ghanês tê-la amanhado tão depressa! Nem ainda eu consigo executar a operação nocturna!: é cedo.

O secretário-geral ria, de mãos atrás das costas. Sentia prazer ao moer o seu presidente. Ficaram a olhar-se, em estados de alma diferentes. As pupilas perscrutantes do maioral forçaram-lhe a língua:

— Além do escasso tempo para ajeitar os papéis, o embaixador de Ghana só hoje ou amanhã começaria a movimentá-los — (Sonoro)—: Mas olha!, capitão—(E mostrou dois convites e respectivos bilhetes de avião: Dar-es-Salaam—Winneba, com trasbordo em Nai-robi)—. Duas viagens a Ghana!, já no dia vinte e oito, para assistirmos à conferência famosa presidida pelo dr. Kwame N'Krumah; informou o embaixador deste.

Gwambe absorveu as palavras e apoderou-se dos bilhetes. Deitou contas à vida; concentrou-se nas suas reflexões(«Mahlayeye pensa que vamos ambos! Eu, sim; e voltarei cá a cumprir a jura contra o Kambona; mas ele, parvinho, não, para evitar que se julgue tão importante como eu. Nem o mais esperto nem o mais burro deve ir comigo; Stanislaus?... Livra!...; quem aturaria depois aquela telha de vivaz?... Certo!: escolho o Fanuel Mahluza; carrila menos mal. O Mahlayeye é fácil de empandeirar!, se lhe falar à vaidade e mostrar a necessidade dum pulso forte na UDENAMO, durante a minha ausência. Mahluza, Mahluza...; e o Chambale?...; não será tão tròlaró como parece!... Estudarei a escolha entre os dois »).

Determinado rochedo, constantemente açoitado pelas águas do mar, continuou a receber lamentações de fulano sombrio!...

A Conferência das Organizações Nacionalistas dos Estados Africanos Dependentes surgiu na mente de N'Krumah ao ser convidado a visitar a Rússia e a Europa Oriental. Era seu propósito armar-se em arauto dos mais fracos, junto dos poderosos, no intuito de conquistar a admiração de todos. E a conferência trazia-lhe propaganda e servia para conhecer directamente as necessidades monetárias e a falta de armas nas organizações africanas em luta pela independência («sendo as despesas pagas pelos Russos e Chineses!, vou imediatamente pôr a ideia em marcha. Quem lucra mais, sou eu!»).

Determinado rochedo, constantemente açoitado pelas águas do mar, TTeixou de atender desabafos pungentes de fulano seu conhecido !...

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Calvino Mahlayeye foi relativamente fácil de convencer!, mesmo com promessas disparatadas:— A vida vai correr-me direita no Ghana; torno cá expressamente para matar Kambona e dar

ensaboadela maluca no Bucuane; a seguir passo-te dinheiro e compras automóvel!; ficarás patareco, à rasquinha!, com tantas garotas atrás de ti. Verás!...

— Só isso?; mais nada?...— Já disse!; na minha ausência ficas presidente; e na próxima conferência imparás tu em

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representação da UDENAMO, quer a sede continue aqui, quer seja no Ghana [(«acreditou!...»).— Jura!, presidente.— Fica juradinho!, amigalhote compincha.Decorridos dias, Gwambe tomou o carro do embaixador ghanês e, pela calada da noite,

abandonou a capital do Tanganica. Alcançou Nairobi sem a mínima contrariedade. Na capital do Quénia esperaria o seu presidente do executivo(«acertei preferindo o Mahluza ao Chambale. Se este não fosse tão amigo do Bucuane, poderia ser o escolhido...»).

Sigauke, Baúle e Stanislaus embraveceram, ao verem-se preteridos ; e o primeiro prometeu vingança de cartaz!...

Fanuel Mahluza:confidência abalou de Dar-es-Salaam na companhia do Belisário Mota e Mathew Mmole.

O presidente da UNAMI e o representante da UDENAMO sustentaram discussão :fogueira sucessivamente com Mwandjisse, Munanka, Koinange e Kambona; porfiaram nas mentiras e teimosia, acabando por entrar no avião, plenos de gáudio, atrás do Mmole.

A viagem do presidente da MANU foi tratada na TANU, sem o albino Lucas Mahussa descobrir nada. Quando na sede soube da partida do chefe, disparatou: «Cá o espero!». E limpou o nariz aos dedos esfregando as mucosidades nas fotografias dos dirigentes da TANU, colocadas no quadro pendurado na parede(«em o mmolezas voltando, talvez encontre o seu partido dividido em dois!... Chateiem-me novamente!, e verão...»).

Também Malinga Millinga exasperou(«mil chifres!, para todos. Que ando a fazer entre tanta bestiaga?,.. Se aquele animal vai a duas conferências seguidas, preciso rever a minha situação neste movimento repugnante»).

Pela UNAMI, Sangolipinde sobrelevou os outros descontentes nos coices atirados à Lua. Belisário Mota teve de apaparicar os súbditos, prometendo dinheko, no regresso.

Gwambe encontrou-se com os conhecidos a poucos quilómetros de Nairobi: no aeroporto de Embakasi /importante cruzamento de linhas aéreas/. Cumprimentou-os, fingindo estar ali desde a expulsão de Tanganica. Enganou o próprio Fanuel Mahluza!, a quem o Mahlayeye nada revelara acerca do paradeiro dele. Afirmou desejar ficar em Accra, terminada a conferência.

O Mmole achou que a viagem do Gwambe levava água no bico!...Em Winneba contactaram com o Marcelino dos Santos. Belisário, Mmole e Gwambe acharam-

no diferente dos tempos do Cairo. Ante a estranhez notada, aquele esclareceu, sem preâmbulos:— É contraproducente mais dum partido, seja contra Moçambique, Angola ou Guiné, meus

amigos. Precisamos ver a posição deles, na guerra aos brancos de Moçambique—(Notando testas:ferro, prosseguiu numa oitava abaixo)—: O dr. Kwame N'Krumah pensava chegar a Moscovo e pedir auxílio em separado para cada um dos vossos partidos. Tresantontem desistiu disso. Recebeu duas cartas da TANU, sendo uma para mim. O dr. Nyerere convenceu-o; só interessa ajudar partido único em cada território! E a mim chama-me a Dar-es-Salaam a ver se unificamos os movimentos desavindos.

— Eu trazia o encargo de fazer esse convite!...(«misto como és!, a procurar harmonizar Africanos?... Cá o Mathew Mmole duvida de sucessos»).

— Na carta explicavam isso, explicavam.Lampejo:esperança iluminou a cara do Gwambe(«vejo de novo minha vida mudada!: ainda

arranjarei possibilidades de viver livremente em Dar-es-Salaam!, para executar o meu servicinho no Kambona e Bucuane»). Arteiro;

— A UDENAMO só pode unir-se à MANU, presidindo eu à cerimónia da fusão, em Dar-es-Salaam—(E contou o seu caso)—. Desde já, fica assente!, Marcelino dos Santos,(«misto deslavado»).

— Promete?, Gwambe!— Por hoje, fico naquilo que todos ouviram. O resto estuda-se lá, e estou convencido de

trabalho brilhante da sua parte, Marcelino dos Santos(«misto manientoi, arreda»).— E o senhor Belisário Mota?...(«encontro cada negro!...»).— Veremos isso na altura(«até este misto quer dar sentenças!...»).Marcelino telegrafou à TANU. Dois dias volvidos, Gwambe recebia autorização para voltar ao

Tanganica. Comemorou com uma tachada!, superior à do patriarca Noé. Tudo lhe decorreu maravi-lhosamente em Winneba. Chegou a falar com N'Krumah!; riram a fartar ao comentarem a segunda conferência de imprensa do Moçambicano; apalavraram ousados projectos!; temperaram frases a gosto contra o Ocidente e a favor do Oriente; beliscaram na vida dos mentores da TANU; afervoraram-se numa amizade construída às três pancadas!, movimentada a gás:álcool...

A razão de N'Krumah gostar da conferência do Gwambe, era a mesma que o levou a realizar em Winneba, e não em Accra, a presente conferência: a vaidade! Ao referirem-se a ela, revistas,

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jornais e rádio citariam o Instituto Ideológico Kwame N'Krumah!, onde teve lugar.No final, Marcelino dos Santos disse que ia em breve a Dar-es-Salaam; e seguiu para Marrocos

na companhia do Fanuel Mahluza, a fim de doutriná-lo convenientemente numas teorias ideológicas muito do seu agrado.

Os presidentes da UNAMI, UDENAMO E MANU regressaram ao Tanganica, fornecidos de cheques inchados!, passados pelo agitador N'Krumah sobre verbas concedidas a Ghana por outros agitadores, ao desafio, de Moscovo e Pequim...

Gwambe reapareceu em Dar-es-Salaam com a boca rolhada sob pressão(«para amarfanhar estes imbecis, devo evitar espalhafatos, e toca de esgravatar caladinho, por aí. Kambona..., Bucuane...; trago cá a minha fisgada!; diante desta brusca reviravolta na vida, farei pequenas alterações nos meus objectivos. Se não for agora, é logo!: o Governo inteiro de Tanganica virara de patas ao ar! Africanos e brancos aprenderão quem é o verdadeiro Adelino Chitofo Gwambe!»).

Quando Calvino Mahlayeye recebeu violento abraço do seu presidente, à luz do Sol, prometeu fazer visita de agradecimento a determinado rochedo constantemente açoitado pelas águas do mar, mas desta vez acompanhado por muitas mulher es :cigarra!, vestidas com tons berrantes... E:

— Dinheiro?, para o meu carrinho!...(«nem carta tenho!...»).— N'Krumah é tão besta como os da TANU!; mandei-o à fava!; o mabeco nem para tabaco

deu cheta!; mas se quiseres ficar segundo presidente durante uma semana!, isso pode ser-(E soltou gargalhadas de fazer- chorar mendigos!)—.

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Um dos maiores suplícios na vida do Mahlayeye foi manter o segredo da reclusão do Gwambe. Guardou-o por temer o descontrole furibundo do presidente, no caso de ser descoberto. Até se coibiu de acompanhar as miúdas que melhor o faziam cacarejar. Desvanecia a crise tormentosa indo bufar de encontro a determinado rochedo!, constantemente açoitado pelas águas do mar.

— Fum!...—(Ruidou Gwambe, expelindo ar pelas ventas)—. Criancice tua!, Mahlayeye...— Hum!... Diz-lhe que sim!...— Tudo isso foi devido a natural baixa de forma na conquista de garotas!; unicamente!,

esplêndido segundo presidente.— Cheguei a trazer cara desconhecida! O próprio Chambale atreveu-se a procurar qual era a

doença; vê!— Ao Bucuane é que eu preciso deitar as unhas!— Na tua ausência o Chambale fez-se coscuvilheiro sabidão!; e tomou cá uns ares!...— Quando entrar na UDENAMO, esteja eu ou não, é corrê-lo imediatamente! Detesto-o

porque continua agarrado ao pulha do Bucuane. Este, lá por trabalhar naquela estrebaria do «consulado»!, julga-se superior a nós.

—Andam para aí numa amizade embirrenta!; nem imaginas! — Acabou!: a UDENAMO, e nós!, afinal, começámos a ser tremendamente importantes;

terminaram as brincadeiras(«com a dinheirama do Nasser, nem um grão de chumbo comprei destinado ao abate dos Portugueses; ai!, se ele descobre. E o dinheirinho do N'Krumah? Continuo a gastá-lo em proveito pessoal. Ninguém saberá. Compro outro revólver; é vergonhoso um líder da minha classe possuir simplesmente punhal»). Os empecilhos correm-se a pontapé e soco! Do Bucuane encarrego-me eu; perfeitamente(«Kambona tombará depois...»).

— Fum!...—(Fez Mahlayeye, agora)—. O «cônsul» português..., estou farto de pensar!..., também terá muito que se lhe diga!...

* *

Sábado; fim de tarde. Bucuane e Chambale tardavam. Álvaro Pinto esperava. Para enganar o tempo entretinha-se a viver:(«as emissoras piratas

teriam engasgado?... Tanta treta, tanta leria sempre transformando misérias em grandezas!, e sobre a presença dos estouvados Portugueses negros na conferência do N'Krumah, praticamente nicles!... Talvez a TANU desistisse de movimentar os cordelinhos da propaganda, devido aos amuos... Felizmente não se entendem por lá com a geringonça dos partidos antimoçambique. Bucuane e Chambale ter-se-ão perdido pelo Kariakoo?... A miséria que corrói essa gentinha dos movimentos é devida em grande parte à inexperiência política e à fome de mando. Ainda bem!: assim Moçambique pode continuar a progredir à vontade. Segundo Chambale, o Gwambe

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reapareceu diferente; mostra focinho mais raivento e ameaçador! Um bonifrate destes!, foi visto a desenrolar paleio com o embaixador de Ghana... Serão da mesma louça!, é o que é. Mas o Bucuane e Chambale teriam mau encontro pelo caminho?... Volto à minha: a UDENAMO é o único movimento negro fora do bairro africano! Enquanto as outras sedes são de caniço!, ou para aí..., a do Gwambe está logo num primeiro andar de alvenaria!, no centro da capital!, mesmo entre o comércio e as residências dos Europeus e doutras raças não negras! Sendo o boquinegro inimigo do trabalho e perdulário!, como se atreveu a tanto?... O embaixador do N'Krumah pagará a renda?... A vida do Belisário Mota vai-se entendendo: ganha uns xelins com a enfermagem e tem a sede da UNAMI na sala dos curativos. Ora o Gwambe?!... É certo!: atrás do Ghanês manobram Russos e Chi neses e outros galfarros da África do Norte. Bem calculo!: arabismo, comunismo internacional, capitalismo americano, ao desafio espalham desolação e morte!, mundo fora. Nas regiões mais atrasadas, acontecerá o pior, pela insensatez dos gananciosos abordados. Bucuane e Chambale!: nunca atrasaram como hoje!; uma destas!...

Ah!, por comunismo internacional: notícia momentosa é a do estorninho Marcelino dos Santos vir de Marrocos promover a fusão dos movimentos que se preparam «activamente» para invadir Moçambique! Não são pecos em paleio!, nada. Sem esta minha rica habilidade a driblar Kambona e seus pares!, já há muito teria sido corrido... Com esse Marcelino cá, a salsada poderá chiar mais fino... Urge esmerar-me em redobrados cuidados. Atraso tamanho!: que aconteceria ao Bucuane e Chambale?... O agente da Polícia, ao falarmos da operação nocturna, recomendou calma, aconselhou a espera de momento azado; mas para estes dois actuarem nas diversas sedes, pois não acredito em uniões, acho oportuníssima uma das noites após o regresso do Marcelino a Rabat. Lembrança peregrina!, a desse Sangolipinde, ao pedir trabalho, há tempos; agora pergunto eu!: não faria melhor serviço no lugar do Chambale?.-.. E tentar joguinho ardiloso entre eles?... Acho demasiado tarde; e nem se gramam! Aquele seria mais capaz de dar e comer facadas!, e...; ouriços danados!: então hoje é que o Bucuane e Chambale resolveram fazer gazeta? Os banabóias andarão a perambular?, ou meteram-se em alhada com algum desses tantos diabos à solta!... Ideia firme; a minha decisão é grave: espero até à noite!»).

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Afazeres ministeriais e associativos assoberbavam a gente da TANU. Mbiyu Koinange foi indigitado para ir esperar o Marcelino dos Santos. Obedeceu sem vénias: contrariado, portanto(«MANU e tal, endireitarão?, ou continuará tudo cada vez... na mesma?; ou afundarão sempre?...»).

Mbiyu Koinange topou conhecidos no aeroporto; não virou palavra às saudações que lhe embateram no carão .'penedo; limitava--se a vénias secas; e:(«estes partidecos ainda terão conserto?... Estão bem livres! Como é possível?, o Nyerere confiar em êxitos!, se os presidentes regressaram de Winneba, e o Belisário mais o Gwambe encetaram outra campanha de novos sócios, parecendo navegar num lago de nenúfares... Kambona fingiu desconhecer o atrevimento!, perdidinho, desanimado. Ou resolveu retemperar nervos?, convencido de sucessos à chegada do Marcelino?... Coitadinhos!»).

No ar, longe, surgiu bolinha zumbidora. A bolinha foi crescendo e alongando, crescendo e alongando-alongando até que tomou formas de avião e o zumbido passou a ronco. E Koinange: («lá por ser misto, e comunistóide, este Marcelino pensará obter frutos superiores aos meus e aos do Timothy Chokwe?... Saberá que vem enfrentar feras?... Olha as patifarias do Gwambe!; os viciados na marijuana!; a sorte imposta à MANU pelo búfalo albino Lucas Mahussa!, cheio de felicidade!: não se desviasse ele tão rápido!, anteontem, e a catana do Mmole ter-lhe-ia traspassado o coração!, antes de ficar espetada na porta! E despejou gargalhadas!, o varredor analfabeto, como se nada fosse com ele. Até amarguei calafrios!, ao conhecer disparate assim!»).

Marcelino dos Santos libertou-se dos serviços alfandegários. Koinange identificou-o facilmente por intermédio da fotografia publicada no «The Nationalist», e lançou-lhe vénia malfadada. Apesar disso, Marcelino correspondeu com sorriso :Lua cheia, avançou, e abriu em ademanes, arriscando após rapapés mal encaixados:

— Estou deserto por visitar a vossa cidade maravilhosa.— «Vossa»!, deles(«foi a propósito deste misto pavão que as emissoras fizeram tanto

alarido?...»).— Não é de Dar-es-Salaam?— Livra!— Mesmo assim, cidade maravilhosa!—(Tornou Marcelino, brandíloquo)—.

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— Se a maioria da população é arroz queimado: três vezes nove, vinte e sete!,(«poderá a cidade prestar?... Estiquei demais a língua»). Acha?...

— Naturalmente-naturalmente.— Ai!: já conhece?— Conhecerei agora(«não haveria gente polida para vir esperar--me?...»).— Ah!...(«misto a querer endireitar Africanos! Onde se viu isto?»). Quanto tempo pensa ficar?— É passeio maravilhoso!: para aí mês e pico...— Tente viver quatro dias de cara alegre!...— Quê?!...— Ói-ói! Vamos embora.

* *Nos dois dias imediatos, Marcelino dos Santos viu-se vedeta na TANU. Choveu um ror de

perguntas. Foram viradas do avesso as nações Ocidentais-Europeias ligadas de alguma forma ao Continente Africano. Apoteose total!

Depois a vedeta começou a actuar nos partidos que pretendia unir; ao defrontar negros :lobo, percebeu que naufragava. Derrocada interior .'(«pestes : os próprios presidentes fingem quase não me conhecer. E já contribuí para todos trazerem cheques abonados! Ligámos tão bem!, no Ghana...; mostram palavra reles! São negros!, e basta. Se fosse hoje, não levava nem deixava o Fanuel Mahluza em Marrocos. Koinange teve razão: cidade imunda»).

Marcelino esforçou-se na conquista de simpatia. Ante a renitência dos líderes conhecidos, descambou a pregar como gramofone rachado(«em Winneba deviam prevenir que não lhes quadrava a fusão desejada pela TANU! Escusava de vir fazer figura de urso. Nem arrisco mais esforços para lhes caçar de novo as graças. Amolem-se!... Asneirice!, ficar o negro Mahluza a receber doutrinação ideológica em Rabat. À tábua!... Mas a reunião-magna realiza-se; ao menos justifica a passeata. Tentarei ainda picar a vaidade dos líderes, fazendo ver que valerão muito mais unidos num só movi -mento»).

A ex-vedeta pôs em prática esta e outras decisões; inutilmente... Do Gwambe só obteve ligeiro sorriso quando, a pedido insistente, lhe forneceu a direcção do dr. Eduardo Mondlane. E resolveu trabalhar no sentido de arrumar depressinha a propalada reunião-magna, mesmo contra vontade do dr. Nyerere, continuamente a recomendai calma e prudência, enquanto Kambona se dizia enlouquecer em face dos resultados e, à vista principalmente, pelo procedimento ignóbil do Gwambe.

Uma das maiores preocupações do Marcelino, em Dar-es-Salaam, fora divulgar pela imprensa e rádio a realização da reunião-magna(«quanto barulho consiga, dá-me nome retumbante!»). Ao reconhecer a ineficácia das tentativas sentiu-se vexado(«ninguém tira nada de bom duns negros tão imbecis e presunçosos!, convencidos de virem a ser donos de Moçambique!, como se eu não estivesse à frente destes parasitas! Sou misto, sim, mas de classe!, e muito mais Moçambicano do que eles. Negros a mandarem nos mistos?; não queriam melhor?... Se lhes arranjei dinheiro, foi por pretendê-los a trabalhar para mim, palermas»).

*

UDENAMO, MANU E UNAMI andaram em polvorosa nos dias que antecederam a tentativa final do promotor da reunião--magna. Marcelino fez estrondoso apelo na rádio e imprensa à disposição da TANU. Esperava a presença dos três partidos desavindos, na sua máxima força.

Na véspera do tão batucado acontecimento, Mmole e Sangoli-pinde tiveram encontro secreto. No remate de combinação :encrenca:

— Não sais disto!, Sangolipinde.— Não!, mesmo.— São pedidos meus e do Mülinga!— Sim!, mesmo.— É se desejas voltar à MANU para mandar tanto como nós! («magnífico!: ponho-o às patadas

na outra cavalgadura Mahussa»).— Sim!, mesmo.— A TANU há-de perder a mania de dar ordens na MANU!— Sim!, Mathew Mmole: aguentaremos!Enquanto decorria esta maquinação, também o Gwambe, algures, passava ordens :estardalhaço

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ao seu vice-secretário Sigauke, /aparelhado com promessas:açúcar/. Prestes a saírem do esconderijo:— Combinado?, Sigauke!— Combinado!— Segredo absoluto!—Nem repitas!, Chitofo Gwambe.Estes quatro indivíduos, em locais diferentes, ao escurecer ficavam unidos pela trama urdida!Marcelino dos Santos e Kambona consumiam-se a repensar na reunião-magna a realizar num

amplo salão alugado para o efeito pela TANU.-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

102

Dos braços em pancadaria surge alegria!, para uns...Debaixo dos pés se levantam os trabalhos!, para outros...Depois daquele sábado em que Gwambe ordenou ao Mahlayeye a imediata expulsão do

Chambale apenas entrasse na UDENAMO, o presidente passou a saborear horas:rouxinol!, pelo acontecido a seguir... A euforia experimentada levou-o logo à aquisição de novo revólver, e a comprar prendas para a prostituta da Rua Somália: sua amante mais antiga, na casa da qual se resguardara, e para o Tangazi Makalika; amigo pronto a franquear-lhe as portas sempre que neces-sitasse(«devo contemplar esta gente; Kambona pode tornar a ser atacado de telha, e assim mantenho dois esconderijos à disposição. Dão para tudo!, os subsídios do N'Krumah ou lá de quem...»).

Naquele mesmo sábado, Álvaro Pinto, amalancornado, abandonou o escritório, à noite; ignorava que os desgraçados Bucuane e Chambale já tinham aturado daquelas de que nem o demo gosta!...

Ambos almoçaram na calma; deram em acamaradar, terminada a refeição, passeando-passeando. Aquilo estava a saber-lhes; de repente, Bucuane quis dar-se ao luxo de satisfazer curiosidades, por tanto escutar ao Chambale: «Mimo rico!, a sede da UDENAMO». E viraram os pés para lá, enquanto não chegava a hora de irem ao escritório do patrão.

Esperava-os um encontro com dois diabos em forma de gente!; Gwambe e Mahlayeye haviam apontado há bocadinho; tagarelavam à porta da rua. Mal divisaram os visitantes, fizeram-se de novas; mas por dentro?, sabe Deus!... E combinaram recepção: ataque.

Bucuane e Chambale, num acto :bravata, estugaram o passo. Alcançado o prédio, Chambale ladriscou;

— Sou sócio; vou mostrar a sede ao amigo Bucuane.Gwambe e Mahlayeye subiram dois degraus, às arrecuas, e barraram a entrada com pernas e

braços abertos. O presidente, ladrou:— «Ao amigo Bucuane»!, que cuspiu para as orelhas burricais do Kambona podre!: «Com o

turbulento Gwambe, ninguém vive vinte e quatro horas seguidas sem arranjar desordem porca!»—(Virado ao Bucuane)—: Dá vontade maluca de rir!: ah-ah-ah-ah!...

-(Fitou o Chambale, galhofeiro)—. Pois neste preciso momento deixas de ser sócio do partido emancipalista UDENAMO!, e não podes mostrar a sede ao olho eléctrico de lábio rachado; arredai!, meninos.

— Isto só a tiro!—(Bramiu Bucuane, inflamado)—.E sem tir-te nem guar-te!, o de lábio gilvaz resolveu virar tiranicida: fechou olhos e pumba!,

atirou-se de cabeça contra o peito do Gwambe. A primeira acometida foi completo revés!: Bucuane aturou violento pontapé na boca do estômago, disparado pelo Mahlayeye. Refeito do pasmo, catrapumba!, Gwambe, tira-que-tira!, fez faiscar pancadaria de três em pipa! Foi um a-ver-se-te-avias de traulitada!, entre os quatro. A confusão lançada pelo ataque súbito do Bucuane, impediu que recorressem de imediato às catanas.

Transeuntes acudiram, pressurosos. Arredaram o Gwambe quando ia manejar o punhal, e arrastaram Bucuane e Chambale.

Ao notar os resultados da refrega, o presidente ficou plenamente satisfeito: ele nem por isso estava amachucado; os inimigos levavam a roupa em frangalhos, sem botões!; Bucuane tinha uma orelha trincada, jorrava sangue de vários sítios, e o parceiro, igualmente com as canelas inchadas, mostrava as narinas a borbotar sangue.

— Na próxima comereis o resto!; isto foi apenas ligeiro ensaio; mas consolei-me!—(Feriu ainda Gwambe)—. Vou apanhar carraspana!, e o Mahlayeye, para comemorarmos o arraial!

* *

Álvaro Pinto só tornou a ver os bulhentos colaboradores na tarde da terça-feira imediata.

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Atendeu-os e procurou desculpar:— Trazeis bem estampada no corpo a razão da ausência..., apre! Preocupei-me bastante. O

motivo do encontro de sábado era estudarmos a possibilidade de conseguir chaves para facilmente entrardes nas sedes dos partidos antiportugueses, e na TANU!, podendo ser.

— Estamos inteirinhos voltados contra a esterqueira da UDENAMO!, senhor «cônsul»(«torpedear os outros partidos?; isso não! Como procederia depois diante do amigo Kambona?... Basta enganá-lo com a rasteira do Chambale»). Não será arriscado assaltarmos tudo numa noite? Primeiro a sede do bácoro Gwambe, talvez; e as restantes, noutras noites a seguir, senhor «cônsul»...

_Tudo ou nada numa noite!, rapazes. Anh?, Bucuane!...._ Tentaremos, senhor «cônsul»,(«apenas na UDENAMO!, para me vingar e rapidamente

alcançar Lourenço Marques e entrar na Polícia; assim ainda dou vivo alegraço ao amigo Kambona!, ói-ói...»). E o problema das chaves?...

— Não há problemas, Bucuane. Senhor «cônsul»!: deixe a questão das chaves ao meu cuidado—(Chambale provocou espanto. Tivera ideia luminosa e saiu-se por conhecer os desejos :macaco de Bucuane na pretensão arriscada do patrão(«fui corrido de sócio?; pois partirá de mim a melhor vingança sobre a UDENAMO!»). Notando incredulidade)—: Verão!

A modos inhenho, pela surpresa, Álvaro Pinto titubeou:— Tate!; muita cautela!, Chambale. Nada de te arriscares demais!, antes do tempo. Se de todo

em todo forem impossíveis as chaves, na noite ideal recorrereis a esta alavanca, chamada pé-de--cabra; descobri-a ontem numa lojeca de bricabraque.

— Primeiro que tudo!, senhor «cônsul»: para quando calcula os assaltos?—(Inquiriu Bucuane, de má catadura, por a lembrança do Gwambe o incomodar)—.

— Exactamente numa das noites após o regresso do apregoado Marcelino dos Santos a Marrocos.

— Então deixe o caso das chaves nas mãos do Chambale, senhor «cônsul». Essa alavanca poderia dar nas vistas!, ao mínimo descuido...

— Firmemente decididos ?, rapazes—(Obteve sins estridentes)—. Já sabeis!; quanto ao meu nome, caluda; mas havendo azar, contais comigo!, hem?...

103

Salão Arnautoghlu à cunha!...Marcelino dos Santos entrara empunhando bengala com castão de prata. Distribuiu sor

risos :bichinha-gata!, à multidão. Decorrida uma hora sentiu as orelhas murchas(«inconcebível desfeita!; forjada pêlos presidentes da UDENAMO e MANU?... Da UDENAMO topo o Sigauke!, só a rir, palerma!»). Passadas duas horas ficou de testa franzida(«...e tantos homens da informação!, aqui. Faltar o Gwambe, era como o outro!...; mas no fim desta espera!, não terem chegado o Millinga e o Mmole, é duro; irra!...»). Vendo jornalistas passear mão:comédia no bloco de apontamentos:

— Ninguém sabe nada do senhor Gwambe?; e dos senhores Mmole e Millinga?— Represento o alto líder ilustríssimo senhor Adelino Chitofo Gwambe!, nesta funçanada;

espero que me chamem para a mesa da presidência!, pois-pois—(Esclareceu Sigauke, divertido)—.— Inconcebível!...—(Rilhou Marcelino)—. Que é feito do seu presidente!, homem?— «Matar um gajo!, está acima da patuscada do Marcelino!», afirmou ele; a esta hora tirará a

ferrugem às armas!, ou passeará no Kariakoo atrelado a boas lascas. Tomara eu!...— Doidos?, ou brincalhões estúpidos?, ambos!...— Qualquer coisa serve!, rico amigo,(«misto»).— Então trepe ao estrado!, seu...(«mísero ambiente!: toirada carnavalesca!...»). Inconcebível!

No final veremos tudo com os chefes da TANU!Sabastene Sigauke avançou como se batesse passo numa pista de circo. O povoléu, mais ou

menos circunspecto até há pouco, descambou em cotoveladas, cochichos e risos :garoto. Marcelino vertia as estopinhas. Indisposto:

—Quem sabe dos senhores Mmole e Millinga!, não aprendeu a responder?...— Olé!, cavalheiro(«misto!»); eu cá «sabo» e aguentei aprender tudo mesmo; olarila!...Belisário Mota e súbditos escutaram, aparvalhados!, o Sango-lipinde. Salsifré no salão

Arnautoghlu. Marcelino, irado:— Quietos com os pés !,(«cavalgaduras negras»). Haja respeito pelas autoridades presentes!, ao

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menos—(Todos puseram olhos nos polícias. Estes, moveram-se)—. Inconcebível!... Acrescente o resto!, você, Sangolipinde..., se sabe tudo!

— Ai sei!, mesmo: de quantos tipos destacados apodrecem nestes partidos emancipalistas, aguento ser o elemento mais antigo e brilhante; venho do tempo das UMM e AAM do ignorantão Kibiriti; aguentei fundar o meu movimento!, mesmo, evidentemente—(Pavão, mirou a assistência; provocou invejas, desassossego. À fula-fula)—; Assim, está visto, Mmole e Millinga aguentam encontrar cá no competente Sangolipinde o seu melhor representante; fugiram de vir aturar este ambiente estuporado!; pois-pois!, como disse aí o Sabastene Sigauke.

— Irra!, repito eu!; inconcebível!... Chuta!, povo barulhento; e o senhor suba ao estradito!(«como afundei tanto?... Fico rodeado de imbecis agressivos, insolentes. Melhor fora não terem vindo os homens da informação. Devo providenciar para a TANU intervir junto dos correspondentes das agências noticiosas. Com certos representantes de jornais e o da Agência Noticiosa Nova China, entendo--me perfeitamente»).

Vencendo celeuma hílare, Sangolipinde, petulante, alcançou a mesa presidencial. Imediatamente Lucas Mahussa empinou, pôs olhos a varrer o chão, e provocou escarcéu, fazendo alarido:

— Esse patego aí—(Secaram alegrias na cara do Sangolipinde)— não explicou nada dos manientos estrangeiros da MANU. Eu sei deles!: Millinga foi comprar marijuana, e o Mmole está a treinar boxe com medo deste valente Mahussa!

— Inconcebível [-inconcebível!... Silêncio!, povo(«negro»). Isto nem parece reunião-magna.Belisário Mota tinha os nervos em franja(«esta inesperada atitude do Sangolipinde faz

endoidecer elefantes!, quanto mais... E a balbúrdia?; ui!»). Desesperado pelo descaramento do súbdito, e incapaz de suportar a gritaria, rasgou a manta!:

— Inconcebível!, tanta pouca-vergonha!, digo eu, agora. O senhor Marcelino despeja imediatamente quanto pretende soprar!, ou a UNAMI retira-se. Também o que cá vim fazer e nada!, é igual ao litro.

— Olha-olha!—(Tornou a romper o Lucas Mahussa)—; alguém pensa que o estrangeiro de Marrocos compõe isto?... Calma aí!, Marcelino piolhoso; zangar não vale!; ai!, é Moçambicano?; pronto-pronto. Olhe, amigo: então fique sabendo!: quem vai dar ordens em Moçambique, sou eu; eu!; só estive à espera desta reunião «magna» para anunciar!: a MANU depressa ficará dividida em dois partidos. E o meu triunfará !-triunfará! Mmole, Millinga e quantos estrangeiros entrarem no batuque!, serão esmagados 1-esmagados! Viva Moçambique!, viva o Governador-Geral de Moçambique!, viva o Governo Português! Vivam brancos e Africanos! Vivam os mistos!

A corja desfez-se a rir!, terminado o fungagá do Lucas Mahussa. Marcelino perdeu as estribeiras. Lembrou a bengalinha com castão de prata(«mal empregada!, metida neste chiqueiro»). Silenciou, atónito!, ao ver levantar-se novamente o Mahussa, bamboleante. Mas o varredor analfabeto, rebelão, trovejou asneiredo e abandonou a sala. Os amigalhotes seguiram-no. O promotor do ajuntamento castigou o tampo da mesa descarregando palmadas violentas; e chamou dois polícias para perto de si. Sem esperar silêncio, iniciou a leitura de fastidioso discurso. Estava há minutos a cantar de papo, quando o Lucas Mahussa assomou à porta e zurrou:

— Mete discursata? Deixa-te disso!, misto vaidoso. Por a matulagem ladrar à brava, é que nunca ninguém se entendeu!, e todos tossem.

A Policia arredou o provocador. O orador descontrolou-se; fechou a torneira da circunlocução. Atirou com os papéis. Propôs o debate da fusão dos movimentos. «Não-não-não»!, eram as respostas, invariáveis, de Sangolipinde e Sabastene Sigauke. Os assistentes galhofavam. Por fás e por nefas, igualmente Belisário respondia na negativa. Incapaz de se controlar, o pretenso apaziguador chafur -dou num destrambelhamento inusitado malpropício:

— É bem verdade!: quanto mais ignorantes, mais atrevidos. Simplesmente inconcebível!: até o velho destrambelha!—(Sussurrou as últimas palavras)—(«juízo mostram os da TANU!: não vieram»).

Um polícia tossiu; outro bateu os calcanhares. Belisário cuspiu no chão; abandonou a mesa da presidência; de punhos no ar, saiu do salão, acompanhado pela sua gente. Vários jornalistas foram atrás deles.

Marcelino abominou os vexames. Pediu aos guardas para dispersarem a súcia farroupilha. Pegou no livro onde os da TANU já tinham lavrado o auto da fusão dos três partidos; abriu-o; e;

— Sangolipinde, Sigauke...— ...Senhor Sangolipinde e senhor Sigauke!, se faz favor —(Corrigiu, lesto, o traidor da

UNAMI)—.— Ou isso—(Mirou o tecto)—. Desejando unir a MANU à UDENAMO, assinam nestas linhas;

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não concordando..., ide passear!, («negros inferiores a trampa»).Os representantes do Gwambe e Mmole-Millinga puxaram das esferográficas, folhearam o

livro, e escrevinharam!...

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Marcelino dos Santos, ao fazer a descrição da reunião-magna aos da TANU, diversas vezes teve de intercalar: «Pela minha sau-dinhah inconcebível!, é; mas foi assim tal-qual!».

Dr. Julius Nyerere, Oscar Kambona, Ronald Mwandjisse, Barongo, Bhoke Munanka, o tesoureiro e outro pessoal directivo, e ainda Mbiyu Koinange, limitavam-se a escancarar a boca, esbugalhar olhos e a deixar cair indisciplinadamente: «Êh!», «Jü», «Eih!», «Uü», «Chi!», «Òü», «Éia!», «Ih!», «Verdade?!...», «Como foi possível?!...».

Só Kambona.-montanha, de nariz entumecido, permaneceu mudo, empertigado. No fecho das informações, ao ler as palavras abusivas escrevinhadas pelo Sangolipinde e Sigauke no livro desti -nado ao auto da fusão, de repelão arrancou páginas, amarfanhou-as, arremessou-as ao solo, e desandou sem proferir palavra!; nem se despediu do dr. Nyerere!...

Marcelino roeu mais dois dias em Dar-es-Salaam. Sustentou sarrenta luta interior. Enfrentou ironias. Abandonou ostentações supérfluas. Desistiu de engalanar-se com a bengala chibante.

Mbiyu Koinange acompanhou-o ao aeroporto. Nem uma palavra disseram!, ao longo do percurso. O vénias acomodava-se a respirar as partes tteatrinho tramadas pelos Mmole-Millinga e Gwambe; («o misto emproado pensava alcançar o impossível! Bem feita!, o procedimento dos chefes da MANU e UDENAMO. Onde estarão ?... Lucas Mahussa!: puxa!, um bravo!, apto a entontecer o Kambona. Este é giro-giro!, aferroado contra o plano-Gandhi do Nyerere. Que resolverão?, finalmente. Adoro ver!... Sem as preocupações da próxima independência, já teriam bulhado à grande. Lindeza!, vir o Marcelino principescamente trajado!, e a mostrar bengala com castão de prata!, para unir desgraçados maltrapilhos. Alguns andariam nus!, se as rameiras não fossem adiantando ajuda...»).

Alcançado o aeroporto, Marcelino imaginava-se liberto de cataclismo. A sua carantonha desanuviou um nadinha ao escutar inopinado cumprimento do Fanuel Mahluza, regressado de Marrocos; além da saudação apoteótica, interrogou cantante:

— De volta?, senhor Marcelino! Deixou por cá tudo O. K.?...— K. O.!, sim—(Notando incredulidade no Mahluza)—: Inconcebível!; mas pela minha

saudinha!— Então, pouco adiantou eu ter ido a Rabat!...— Se continuares a lidar com bestas como as da UNAMI, UDENAMO, MANU!,(«e TANU»),

creio que nada adiantou.— Passem muito bem—(Interrompeu Koinange, sacudindo vénia atamancada)—(«tagarelai;

vou à vida. Quê?!...: Bucuane-Kambona!, Bucuane-Gwambe!, Bucuane-Álvaro Pinto!, Kambona-Gwambe!, Nyerere-Kambona-Gwambe-Belisário!... E outros!-outros!... Quê?!... Quem ganhará a partida?...»).

Marcelino desabafou-desabafou, a seguir à abalada do vénias. Mahluza fez-se importante, mostrando beber tudo com infinita atenção, e mantendo cara à banda. Mordido de curiosidade:

— Oh!: Sigauke, e o quase analfabeto Sangolipinde, rabiscaram quê?... E souberam?!...— Estavam treinados!, pelos Mmole-Millinga e Gwambe. Mal andei eu!, ao falar a estes do

magestoso livro já com tudo preparadinho, cantado e louvado na TANU. Nos dialectos das suas regiões, traduzidos pelo Bucuane e Chambale, Sangolipinde alinhavou!, vagaroso: «Superior a mil tanus aguentara ser as botas de Salazar, mesmo».

— Deverei acreditar?, senhor Marcelino dos Santos!...— Inconcebível!; mas pela minha saudinha!...— E o Sigauke?— Até sinto vómitos!, ao lembrar. Ele foi ensinado pelo Gwambe, e este por outro!, pois nem

esqueceu vírgula e ponto de admiração. Oiça!: «Para esta reunião e fusão desejada pela TANU, merda!» («Dar-es-Salaam!: cidade maravilhosa de trastes e porcaria, foge!...»).

Fanuel Mahluza mostrou-se escandalizado. Esvaziou bochechas turgescentes:— Ousaram ridicularizar assuntos políticos!...—(Abanou a cabeça. Vendo novamente

Marcelino com rosto :ouriço-cacheiro)—; Esqueça isso, agora. Olhe: vai rir à valentona ao saber da formidável partida que preguei ao dr. Oliveira Nunes, cônsul português em Nairobi, quando ontem mudei de avião no aeroporto Embakasi —(Misturou)—; Em Rabat, os amigos do senhor Marcelino não explicaram só teorias ideológicas!, não—(Retomou o fio)—; A chamada para o seu avião,

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demora; entrementes, cheguemos àquele canto. De gritos!, a rasteira espetada ao cônsul português de Nairobi!...

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Enquanto Marcelino dos Santos seguia viagem atafulhado de arraigados desejos de vingança,(«e fiz tanto por eles!,junto do influente Nasser, do poderoso PCP, dos famosos embaixadores russos do N'Krumah omnipotente!; arranjei-lhes dinheiro, impulsionei-os, contribuí para a sede da UDENAMO penetrar na zona inacessível aos negros!; e os patifes borraram os meus esforços de forma tão indecente?... Aguardem!: a vingança não tarda! Bem fez o Timothy Chokwe!, ao fugir sem dizer água vai»);

enquanto Nyerere implorava aos seus antepassados coragem para aturar as cólicas smanicómio do xucro Kambona,(«admiro!, vê-lo cegar a tal ponto... Necessitamos de calma!, Kambona, se desejamos conquistar o Norte de Moçambique»);

enquanto Barongo, Mwandjisse e Munanka encolhiam ombros e se benziam com a mão esquerda!,(«os Moçambicanos são autênticos tigres em fúria! Como lidá-los?; quem melhor vê o caminho?: Nyerere ou Kambona?...»);

enquanto Koinange mastigava saliva,(«Moçambique é difícil de vencer!; muito diferente dos territórios ocupados pêlos Ingleses soberbos. Os da TANU não acreditam! Hão-de ver!... Tão certo!, como eu estar destinado para grande tarefa! ; tenho firme certeza!»);

enquanto Belisário remoía a deserção do Sangolipinde,(«a suja fuga do animal desgastou-me a própria alma! E meteu-se novamente na detestada MANU! Curioso!: fez-me recordar a família. As mulheres levarão vida sofrível?... Brrreeee!: ninguém as mandou desencantar e queimar os meus papéis!; estavam convenientemente guardadinhos no cesto dos trapos. Brrreeee!: não quero saber delas para nada. Brrreeee!: esta moléstia surgiu por causa do vil procedimento da alimária Sangolipinde?, ou devido ao regabofe da reunião-magna do Marcelino e consequente barulho louvaminheiro de certa imprensa e rádio amigas?... Brrreeee!: é tudo tão diferente dos meus cálculos feitos na vida mais ou menos regular do Moatize! Brrreeee!: Saylah, Cadaga, Mateus, também vós tendes nojo da TANU, MANU E UDENAMO?... As indecências dessa gentalha sugerem ser preferível negociar com o Governo Português a independência de Moçambique. Pelas armas já não interessa!, brrreeee... E o comunista^ Marcelino?... Brrreeee!...»);

enquanto Álvaro Pinto atiçava Bucuane e Chambale ao golpe nocturno,(«se me descuido!, ainda mandam fechar o escritório e sou corrido!, antes de obter sucesso... Noto demasiada ventania nesta gente!, conforme se aproxima a data da independência do Tanganica. E o Kambona ficou doido varrido!, a seguir à fracassada reunião-magna: ontem passou por mim e deitou-me uns olhos!...; parecia querer devorar-me calçado!... Ah!, Bucuane e Chambale: ajudai a tratar-lhe da saúde»);

enquanto o futuro embaixador chinês pensava na próxima inauguração da Embaixada no Tanganica,(«a China, finalmente, vai penetrar num estratégico ponto de África! Conseguimos ultrapassar a Rússia!, na corrida ao Oriente negro. Esplêndido! De Dar-es-Salaam irradiaremos e abarcaremos todo este continente! A primeira imposição ao Nyerere, Kambona e companhia, é correrem o Encarregado de Negócios, Álvaro Pinto, haja ou não motivos para expulsão compulsiva. De forma alguma consentiremos em África quaisquer sombras de Portugal! Kambona obedecerá cegamente!: basta lembrar como ensinei a deterem o misto Paty Momade. Álvaro Pinto dispensa ser espec 3o e seguido de noite até aos correios...»);

enquanto o embaixador de Ghana rejubilava por ter cumprido ordens,(«N'Kmmah, Russos e Chineses bem dizem!; para dilatar o comunismo, não há como fingir e dar auxílio aos oprimidos, ao mesmo tempo que se incitam amigos e inimigos à rebelião!, a partir dos desacatos de operários e estudantes em qualquer parte do mundo, e da sublevação geral dos Africanos! Gwambe compreendeu formidavelmente o recado!; e o Sabastene Sigauke foi magistral a cumprir instruções! O Gwambe prestou-se a fazer chegar o meu desejo ao Mmole!; Sangolipinde!, quem diria?..., fixou tudo e portou-se airosamente! Marcelino, TANU...»);

enquanto o Mmole procurava evitar o analfabeto varredor camarário e persistia na vigarice das falsas bolsas de estudo,(«os papalvos hão-de ser bem levados; só embarcam quando pagarem o combinado. Que pena!, a besta Mahussa e Sangolipinde não implicarem mais; este sabe fugir, chatice. Bulhando!, folgava eu»);

enquanto Millinga ladriscava,(«derrotado!, eu?... Não vivo no meu meio!, ora essa... Ando rodeado por cabritos!, sempre assoando o nariz com o índex espetado na aleta. Se a MANU tardar a endireitar, coloco-me num jornal do Tanganica, Quénia ou da Uganda. O meu inglês vale muito! Em qualquer lado há marijuana. Cá custa a suportar tanta macacada!, desde o Nyerere ao Lucas

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Mahussa»);enquanto Kambona amargava formigueiro no estômago, («nunca!, nunca o Gwambe porcalhão,

canalhão, levará a melhor!; não! Se estivesse aqui!, destruía-o aos pedacinhos com este canivete. Nyerere talvez proceda certo, finalmente, escrevendo ao dr. Eduardo Mondlane. Só ele conseguirá ter mão nos Moçambicanos. De contrário, adeus belo esforço do abnegado régulo Megama. América, ONU, Mondlane!: auxílio afro-asiático, chinês, russo, também europeu: a ideia do Nyerere pode resultar!, sim... Uü, nada de misturar o Mondlane com Álvaro Pinto, Gwambe, etc., credo!... Quando chegará a hora de vingança absoluta?... A pensar no Gwambe imundo, até emagreço. A culpa é do Nyerere»);

enquanto Gwambe pimponava,(«tendo a sorte de meter duas balas no casco do Kambona, ou de lhe enterrar o punhal no coração!, encontro o dia piramidal da minha carreira política. E Bucuane há-de comer mais!; amargará o atrevimento de ter sido ele a iniciar à cabeçada a batucada doutro dia; aprenderá que nem vinte e quatro segundos pode viver comigo!, sem arranjar desordem porca. Destroçarei ambos! Mathew Mmole, Lucas Mahussa, David Chambale, Mahlayeye das garotas, Álvaro Pinto, embaixador de Ghana... ôh!; porque misturo esta gente com aqueles dois?...»);

enquanto Fanuel Mahluza tornava a contar que se fingirá Português muito patriota, à rasca, e assim apanhara baguinho ao cônsul português, ao mudar de avião, em Nairobi,(«acreditou tudo!, o dr. Oliveira Nunes; foi bem levadinho! Se lhe escrevesse a comunicar que vinha de doutrinação comunista para um partido disposto a destruir os Portugueses de Moçambique, era cá um gozo!... Sugestão baril!, a do Marcelino, no aeroporto...»);

pois enquanto iam decorrendo estas vidas e aconteciam estes pensamentos, a casa dos «refugiados» de Moçambique todas as noites ficava à pinha!: com a verba dada pelo N'Krumah, Gwambe comprou rádio, e o pessoal juntava-se para ouvir as emissoras antieuropeias falar acerca da reunião-magna e do seu organizador. Desta vez foi lograda a curiosidade, em parte.

Uma noite em que Rádio-Moscovo, ao noticiar o regresso do Marcelino dos Santos a Marrocos, o indicou como «inteligente e incansável obreiro da paz e do progresso africano»!, Gwambe desligou o aparelho e enguiçou:

— Quem quer saborear mentiras, compre rádio; fora daqui!, seus canalhas—(Ofereceu fiapos de riso aos arreganhados)—. Na sala de jantar houve zanguizarra. Um cacarejou:

— Deixa-te de fitas, Gwambe; procura outra emissora—(Brincou)—: Se não, peço ao Kambona para correr contigo. Vê lá!...

O presidente da UDENAMQ detestou a piada; enfureceu. Ia dar troco, porém, como surgiu o Chambale, vindo da camarata, preferiu descarregar nele(«o da gracinha imunda é torto travesso; dava maior trabalho...»):

— Eu permaneço nesta casa, desafiando o ministro kambada!; e tu atreves-te a continuar onde vive o teu perseguidor implacável?, ò bigorrilha safado!

Sem quê nem por quê, Gwambe ameaçou voar para o alvejado. Foi sustido pelos companheiros.Lucas Mahussa quis ampliar o gracejo do parceiro torto travesso:— Poupa essas forças, Gwambe. Podem ser precisas contra o teu amigalhote Kambona._ Livre-se ele de me apanhar leão fora da ratoeira!—(Voltou ao Chambale)—: Mas aquele

javali é espião!, por força. Basta acompanhar o chatão Bucuane. Devoro-os vivos!, se me passarem a mínima rasteira. Vestem tão bem como eu!: presidente!; donde lhes vem a massa?...

Chambale fixara as calças do Mahlayeye. Aproveitou a pergunta para arriscar, pisa-mansinho: ,— O Bucuane não há-de abarbatar umas libras no «consulado»? Álvaro Pinto é branco, e

Português!, portanto, engana-se à meia volta. Ou vocês pensavam que!...—(Amoleceram iras; esticou a curiosidade)—. Ai não!...

Gwambe farejou mina:_ Só acredito quando vir a primeira libra nas minhas unhas! Eihl, chambalinho: somos amigos!Chambale, arteko, passando olhos pelas calças do Mahlayeye:Amanhã mesmo falo ao Bucuane! Dar dinheiro, seja a quem for, nunca o farei; mas fica

combinado!: à noite estejam todos outra vez aqui; haverá bebidas para trabuzana de truz! Valeu?..,Soaram estridentes «Valeu!».A chave estremeceu na porta da rua!, do lado de fora...Chambale sentiu-se mordomo. Demorou demasiado a vista nas calças do Calvino Mahlayeye...

Ficou incomodado! Embora não tivesse passado de aprendiz durante nove anos pelas tipografias de Lourenço Marques, percebeu que devia rir, mesmo sem trelho nem trabelho, e proferir qualquer coisa:

— Vocês verão!...—(Cauteloso)—: Percebi passos lá fora...Nisto!, a porta abriu-se. Uma personagem metediça penetrou na sala de jantar. Cumprimentou.

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Ao dirigir saudação especial ao Fanuel Mahluza, este embatucou :(«com a entrada deste tipo, já não repito as grandezas aprendidas em Rabat sobre o comunismo. Chatice!»).

Chambale tornou a fitar as calças do Mahlayeye.O intruso bateu a porta com estrépito, fora de tempo. Cravou olhos no presidente da

UDENAMO. Estrondeou:— A mim não interessa nadinha mesmo; quero lá saber!; mas ali o senhor Adelino Chitofo

Gwambe deve aguentar ouvi--me em segredo, imediata-imediatamente!, mesmo.

106

Manhã cedo, Chambale passou palavra ao Bucuane e Álvaro Pinto. Este cantarolou e deu dinheiro suficiente para matar a sede a numeroso batalhão.

— Vê?, senhor «cônsul»!; eu bem disse que deixasse o problema das chaves entregue ao Chambale. A UDENAMO ficará limpa esta noite(«rü, Gwambe palhaço»), e o assalto às outras sedes acontece amanhã ou depois(«estás bem livre!»). Chambale arranjará meio de lá entrarmos sem recorrer ao pé-de-cabra.

— Formidável!, Bucuane. Nunca esperei tal rasgo deste reca-deiro! Passo a confiar mais nele; aliás, em vós.

— Ai deve confiar!, senhor «cônsul»—(Espremeu Bucuane, mordendo lábios)—(«o sucedido ao Gwambe sabujo, unh!...»).

— Mas esse eclipse do Gwambe!, faz-me pensar; fui...— Para nós, tanto pode ser mal como bem!, senhor «cônsul». O Bucuane crê em mim; ora,

deixem tudo à minha conta.O presidente da UDENAMO tinha obedecido de chofre ao sujeito aparecido na sala de jantar.

Foram para a rua. Trocaram palavras:moribundo! Gwambe arriscou uns assomos :canhão! A personagem metediça aconselhou moderação. Daí a nada, o presidente regressou à casa dos «refugiados»; arrastou o Mahlayeye. para a retrete; à chucha calada bichanou-lhe urgências!; saíram; Gwambe arrebanhou diversos pertences e, antes de tornar a alcançar a porta da rua, cascalhou:

— Pouca chulice na carraspana de amanhã—(Suspiroso)—: Guardai umas garrafas até eu voltar—(Soturno)—: Se essa espécie de homem falhar ao prometido!, ficais todos encarregados de me avisar, quando aparecer—(Ameaçador)—: Põe-te a pau!, chamba-lão...—(E sumiu-se)—.

Encantado da vida, à tarde Chambale acarretou bebida engarrafada e engarrafonada. Levou aperitivos, petiscos de puxavante!, para a pinga ser emborcada num corre-corre...

À noite, bastante cedo, foi um despacha-te!, Zé, em derredor da mesa. Alguns lamentaram a ausência do Gwambe; outros desejaram-no distante. Sempre que aturava aquele nome, Chambale punha olhos cobiçosos nas calças do Mahlayeye!... Vários clamaram pelas amantes, Bairro Kariakoo, Rua Somália, Rua da Ilala, e citaram ruas adjacentes. O secretário-geral da UDENAMO arredou ideias de mulheres, e recordou o seu presidente, associou-o a Kambona, a punhais e revólveres!... Muitos imitaram o Lucas Mahussa e berraram vivas a Portugal, a Salazar, ao Cardeal de Lourenço Marques, ao Governador-Geral de Moçambique, ao Papa, aos Portugueses brancos, ao Álvaro Pinto. A piela no Fanuel Mahluza deu para o patriotismo!, esganiçando i

— Arriba o legítimo Governo Português!; abaixo o comunismo!, camaradas, já que o nosso Gwambe perdeu a mania desta palavra.

Em escassos minutos caíram a desejar o contrário, fazendo imperar a palavra «morra!».Chambale fingiu-se embriagado desde o princípio, no intuito de ninguém reparar na pouca

bebida que pretendia ingerir. Com olhinhos de carneiro mal morto implorava segredo a propósito da pândega, tartamudeando;

— Para daqui-amanhã tornarmos a saborear consolos de boca!, amigos. Superior a isto, só beijinhos de mulher sabidona(«gira tudo de vento em popa!»)—(Tornou a pôr a vista nas calças do Mahlayeye...)—.

Em breve ficaram de caixão-à-cova, /excepto o fornecedor do álcool, embora parecesse o mais pingado/. A maioria tombou e adormeceu a monte. Chambale acomodou-os de modo a ficar livre o caminho para a porta da rua; ajudou a despir e a deitar o Mahlayeye :autómato, que caíra de borco na esteira. Namorou-lhe as calças e apalpou os bolsos(«catitah tinha de bater certo»). Ficou alerta durante muito tempo. Quando achou conveniente, resolveu actuar («ressonam, roncam num primor! Não acordam, e mesmo que sim!...; nenhum perceberia nadinha»). Puxou e vestiu as calças do Calvino Mahlayeye!...(«Gwambe!... Encontrando-o, finjo k à rasca, a mal suportar dores de barriga; falo na borracheira, que vesti as calças apanhadas primeiro a jeito..., e procuro a farmácia de serviço.

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Unh!..., aconteceu-lhe boa! Sem assomar desde ontem, de sorte o toparei. Serão umas três horas, talvez...»). Às escuras, com infinitas precauções, lã-lã-lã!, alcançou a porta da rua.

Chambale arrepiou, à cacimba da madrugada; deu gasosa às pernas finas; num rufo chegou perto da pensão do Bucuane. Este esperava num sítio combinado; passou-lhe mala grandita; e:

— Aligeira passo como quem vai atrasado para o comboio. Sem novidade ainda?...— Nenhuma. Só penso no Gwambe!— Quanto a isso, segue tranquilo(«sei lá!... Até eu tremo!...»). Gira!; e boa sorte(«se levasse ao

Kambona a mala carregada, ficaria espantado, e também ele agradeceria!, por ser a papelada do Gwambe. Asneira h eu perdia esta possibilidade de poder ser enviado para Lourenço Marques e de lhe satisfazer o sonho doirado desde a bronca com o misto Paty Momade. Deste, arredei o medo!: basta-me ingressar na Polícia pelo assalto à UDENAMO. Rico Álvaro Pinto!; pobre Álvaro Pinto!... E depois eu?, em Moçambique... Éia!: Kambona sabe proceder e dá rica gratificação. Nunca atrapalhará a minha vida enquanto o servir convenientemente»).

A trote largo, Chambale atravessou ruas; breve chegou à sede da UDENAMO(«pelo caminho, nem vivalma; cai cacimba e faz frio»). Sacou as chaves de um dos bolsos das calças do Mahlayeye; abriu a porta; entrou; devassou tudo; revolveu as gavetas da mesa; remexeu as prateleiras do armário; meteu a papelada na mala; ajeitou de maneiras; e fugiu sem fechar nada; nem a porta da entrada!,

precipitado.Ao virar a esquina deparou com o guarda-nocturno. Saudou-o, encolhido(«tolice!... Foi

parvoíce falar. Na!; assim desarmei-o de perguntas atrevidas. Não me conhecerá!... Oh!, tão-pouco olhou para mim. E caminha contra a sede!, calha bem»). Sem mais contratempos retornou ao local onde Bucuane o esperava, impaciente; entregou-lhe a mala; comunicou bom sucesso, omitindo ter encontrado o guarda-nocturno; desejaram-se boas-noites, e tomaram caminhos opostos.

Chambale trotava(«espero tanta sorte à chegada como abichei à saída. Oxalá o Mahlayeye não tenha ido vomitar à retrete!... E se os bebedanas atravancaram a entrada?...»). Deitou a galope.

Bucuane tremia(«não fosse o verdete cego pelo Gwambe came-lão!, e nunca entraria nisto. Álvaro Pinto atirará foguetes! Que fará a estes papéis?... Murchará quando atender as nossas desculpas para fugirmos ao assalto às restantes sedes. Se o Kambona soubesse desta patifaria pregada ao Gwambe!, saltaria de alegria. A mala pesa! E agora?... Não me entendo!: vou entregar ao Álvaro Pinto?, ou levo-a ao Kambona!, contando-lhe tudo...»). Em passo vacilante seguiu como se estivesse rancatrilha.

107

Chitofo Gwambe ocultara-se no prostíbulo da Rua Somália onde já estivera acoitado.Esvaecida a potência do álcool, Mahlayeye levantou-se /impossibilitado de adivinhar a

noctambulação das calças, encontradas no sítio costumeiro/; e foi visitar o seu presidente.Participou-lhe primeiro ter gasto o dia anterior numa contínua espera pelo embaixador de

Ghana, inutilmente, razão pela qual faltara; depois, cantando a embriaguez, descambaram numa char-la : trapos.

Gwambe revelou curiosidade:— Falei ao Sangolipinde na possível pândega; participou?— Não; naturalmente por supor a presença do Lucas Mahussa... —(Mahlayeye, ainda mais

curioso)—: Admirámos como procedeu contigo!, e a sobranceria nunca vista!, ao entrar na casa dos refugiados. Conta lá tudo; fez pasmar!, ter ele descoberto ser preciso prevenir-te, e como resolveu fazê-lo...

— Apanhou o Millinga descuidado a revelar ao Mmole que o Kambona ia pôr na rua os três brutos atrás de mim, novamente. São bisarmas loucas! Claro, o Sangolipinde grama-me tanto como aos brancos!, sabe-se; mas o fuinha esbarrou com o Lucas Mahussa, na MANU; ficou patareco, a balançar entre o Mmole e o Belisário. Certamente o velho atirou-lhe parelha de coices... Então, aproveitou adoçar-me a boca, para fazer-se à UDENAMO. Agiu emproado, mausote!, por saber que me prestava alto favor. Oh!: primeiro atirou sorrateira piscadela de olho!; se não!...

— Quer trepar!, seja como e onde for. Não pára em nenhum partido. Mesmo ocupando cargos, sem a mínima competência, sempre se julga com direito a mais! É gabiru cheio de nicas!; interessará entre nós?...

— Todo mundo serve. Deixa-te disso. O teu lugar ninguém to tira. Eu disse-lhe anteontem que fugia para o Quénia, e que ao voltar trataria da admissão dele na UDENAMO. Pois se assomar ide entretendo o gajo. Poderá surgir tarefa própria para ele!...

— A de matar qualquer melro!, por exemplo...

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— Fizeste bem lembrar! Mas ainda não devemos encarregá-lo de nada_(Com modos rebarbativos)—: Procura tu saber a que horas o Kambona chamborgas sai habitualmente do ministério, e vê para onde costuma ir—(Notando expectativa no Mahlayeye)—; Arreda!; despacha-te então a falar ao embaixador de Ghana. Tenta encontrá-lo depressa. E ao Sangolipinde vai adiantando que penso nomeá-lo meu guarda-costas.

— Isso foi ele!, ao serviço do Belisário.— Esse velho jarreta compara-se comigo?; olhem!... Pronto!; o Sangolipinde ficará chefe dos

meus guarda-costas; passa palavra. Preciso cuidar melhor da minha defesa—(Dando palmada na testa)—: Ah!, urgência importante; amanhã traz papel, tinta e diversos rascunhos de cartas formidáveis: devem estar numa gaveta ou no armário da sede; torno a escrever ao dr. Mondlane; insisto sempre, até enfiar a UDENAMO na ONU. O Marcelino dos Santos pretendia fazer assim com a MANU!, caso caíssemos na pataratice da fusão. E o Nyerere talvez conseguisse... Aprendi certos malabarismos nos contactos com o misto farronca. Ao menos!...

— Se o Mondlane enviasse dinheirama da América!, íamos comprando armamento.— Esse negócio chia mais fino! A UNAMI não vale nadinha; tem um cocuana à frente,

portanto babau!; a MANU, é sabido; irá encostar-se à China; e a UDENAMO espera auxílio da Rússia, de Ghana, do Egipto..., ou RAU, doutros países da África do Norte, igualmente dos Chineses, que a estes e aos Russos interessa a confusão e, não sabendo quem dominará Moçambique, dispensam apoio económico a quantos lho suplicarem. Ora, se a UDENAMO entrar na ONU, ganha fama retumbante!, e depois, sim, a brincar choverá auxílio de diversas partes do mundo !(«sem ir ao estrangeiro às conferências, nada perceberia destas grandezas!, nem teria conseguido tanto! U!, volto a lembrar; a Russa branca só quereria ensinar-me a odiar ainda mais os Portugueses!... Esperei maior auxílio dela!, e afinal...»).

— O diabo seja cego, surdo e mudo!; e se os da TANU têm a triste ideia de chamar o Mondlane para fazer triunfar as tentativas falhadas do Mwandjisse, Koinange, Chokwe, Marcelino?...

— Seria outro a ficar escaldado! E se viesse disposto a demorar, eram novas arrobas de carne para canhão!...—(Ralhador)—: Traz os diversos rascunhos e bastante papel: enquanto aqui estiver escrevo aos governos de várias nações. A verdade é andarmos continuamente a falar de guerra!, e ignoramos como proceder; necessito da colaboração de muitas nações!, só para fazer ver aos da TANU!, e assanhar furiosamente o Kambona.

— A propósito: o Mmole despachou para o Cairo doze imbecis com bolsas de estudo!; sabias?...

— Conhecia-lhe a patifaria do negócio das «bolsas». Silenciei. Sei lá como nós procederemos!, se no próximo ano a UDENAMO apanhar uma porção delas...

— Palavra?!...— Ficou mais ou menos combinado quando estive no Egipto. Àquilo chamam bolsas de

estudo!, para a rapaziada ser facilmente levada. Apanhada lá, põem-na a aprender serviço de guerra. O Mmole abusou!: vendeu-as. Procederemos igual, olha-orna!...

— Dará sarilho!, enganar assim. A RAU..., ou Egipto, já aguenta dessas despesas?!...— Dar sarilho ou não, pouco importa: a trafulhice começou logo nos governos dos países que

iniciaram a manobra!; e isto desde 1957, com a criação do Comité de Solidariedade Afro-Asiática; organização criptocomunista, conforme bazofiou o bem rasteirado Marcelino misto!; e é tudo à conta da Rússia e China Continental!

— Assim, ah!..., qualquer país africano brilha à custa de rublos e do jen-min-piau.— Percebes disso à brava!, arre!...—(Chocalheiro)—: Não posso ficar atrás!: se o Kambona for

vivo quando regressarem os doze imbecis das «bolsas», a UDENAMO imediatamente os pilha à MANU.

— Essa é de gritos!, presidente. Quanto tempo calculas estar escondido?— Depende. Combines o que combinares, a protecção do embaixador de N'Krumah só devo

aceitá-la num caso de emergência; portanto, sairei depois de ao Kambona passar a camada maior dos fornicoques.

— Chi!, tantos dias de gaiola...— Não te dê cuidado, Mahlayeye—(Ao contrário do costume, mostrou-se precatado)—; Só nós

temos chaves da sede; fecha cuidadosamente as portas. Mais; há por aí muita menina mortinha por te escutar amorosidades; faz-lhe o jeito e conserva tento na bola!; escusas ir apalermado a marrar no rochedo!...

* *

Kambona não resistiu mais; chamou os três brutos e, antes de lançá-los à cata do Gwambe,

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desopilou, fumegante;— O lorpa continua na cidade. Nada de ficardes mirones como elefantes a contemplarem

ministérios. Se apanhar os três especados diante da casa dos «refugiados» ou da UDENAMO!, engulo-vos! Toca a dar à pata; vasculhai todos esses tugúrios das rameiras.

Percebestes?, brutos 1...— Tugúrios e rameiras!; que é isso?, senhor ministro...----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

108

Dos componentes da patuscada na casa dos «refugiados» de Moçambique, só o Calvino Mahlayeye saíra antes do almoço. A maioria despertou quando já o Sol ia alto. Com boca a saber a papéis de música!, preferiram ficar para ali estendidos, relaxados.

Chambale regressara sem entraves. Embora tremente, depressa adormeceu. Acordou aquando o secretário-geral da UDENAMO, porém preferiu fingir-se dorminhoco até perto do meio-dia. Espio-Ihou os mínimos movimentos do Mahlayeye. Ressonando, e com dedos :gelosia nos olhos, ia dando conta de quanto acontecia(«fÍ2; mal deixar a porta escancarada. Se o guarda-nocturno percorreu o prédio e viu a sede naquele estado!...»).

Terminada a visita ao Gwambe, o secretário-geral regressou a casa sem cirandar pelas ruas onde tinha cachopas conversadoras («má disposição, chirra!... As pândegas assentam doce; no fim

amargam»).Ao princípio da tarde, Calvino Mahlayeye, Sabastene Sigauke, Fanuel Mahluza, Constâncio

Stanislaus e Absalão Baúle, foram àUDENAMO.Pararam embasbacados!; entreolharam-se, diante do espectáculo. Atacaram discussão

assanhada, sem tom nem som. Mahlayeye tirou as chaves do bolso; mirou-as desmesuradamente; apertou-as repetidas vezes; mostrou-as aos companheiros-, apalparam-nas.

A discussão, ainda sem pés nem cabeça, virou questiúncula inevralgia. Casualmente, passou o inquilino do terceiro andar. Resmungou:— Lindo serviço! Devem apresentar queixa na Polícia; se não, amanhã assaltam tudo, no

prédio. O guarda-nocturno dormirá pêlos cantos?...Seguiu sem parar. Sigauke soprou aos colegas:— Obra do Sangolipinde?...; ao serviço da TANU?, ou da MANU1...— Chegou a ocasião de fazer valer o meu alto cargo de chefe da propaganda e informação?—

(Stanislaus gozava)—.— A UDENAMO roubada indecentemente!: bela propaganda!, maluco...—(Verberou Fanuel

Mahluza)—.— Soubéssemos nós do presidente Gwambe!, para descobrirmos se perdeu ou alguém lhe

roubou as chaves!...— Acertaste, Baúle—(Mahlayeye entoou)—: Sangolipinde!..., Sangolipinde!...—(Enérgico)—:

Acabou!: avançai para a primeira esquadra; breve apareço; vou só ali resolver grave assunto. Encon-tramo-nos diante do Café Lago Victória(«o Gwambe deixaria que o Sangolipinde lhe bifasse as chaves?... Verei já isso!, junto do presidente. Ou aproveitou chave falsa?...»).

*Apresentada a queixa, o subchefe alimentou ganas de dar um aperto;— Ouço badalar a UDENAMO, há tempos; que vem a ser isso?Num desplante, responderam todos atabalhoadamente, misturando olhos com abrolhos.

Stanislaus pretendeu sobressair, e miou, isolado:— Sou o alto chefe da propaganda e informação.— Fiquei a saber o mesmo !,(«palermas»). Em frases de sem jeito, tagarelastes «associação,

clube, união». Possuís licença?, alvará?; quem registou isso?...Silêncio. Mahlayeye desejou salvar a situação, insistindo na mentira de grosso calibre:— A TANU está a tratar de tudo, há muito.— TANU-TANUI...—(O subchefe, branco, pensou na inde-pendência(«prestes a rebentar:

infelicidade!»). A humidade reinante bastava para o consumir(«dispenso novas ralações; amolai-vos!»). Afastando pesado fardo)—: Quem cá fica, sois vós. Essas vidas são lá convosco e a senhora TANU. Adiante: qual é o mandão da UDENAMO?

— Foi a Nairobi—(Tornou a mentir Mahlayeye)—.

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_Não vos teríeis zangado!, e ele pregou-vos esta partida?..._Nada!—(O secretário-geral quase berrou. Provocou espanto. Arriscou)_: Despedi-me dele no

aeroporto. Demos abraços. Levava as chaves. Na fechadura da sede funcionou chave alheia. Questão de inveja doutros partidos sem préstimo que para aí há(«o aviso do Sangolipinde ao Gwambe não seria rebate falso?, movimentado pelo Kambona!, para trabalharem à vontadinha?...»).

— Bom... Entrastes a referir papéis importantes l Bom... Já fostes ao guarda-nocturno?— Ainda não.— Bom... «Questão de inveja doutros partidos sem préstimo». Bom... Desconfiais de alguém?— Mahlayeye:jacto, seringou:— Desconfio eu!, e acertadamente!, senhor subchefe.

109

Pelas cinco da manhã Aurélio Bucuane acabou por levar a mala ao Álvaro Pinto. Este permanecera longas horas de sentinela.

O agente de comissões e consignações admirou a diversidade dos papéis observados(«ui!: trapalhada de cartas para alguns dos maiores inimigos de Portugal em África! As cartas teriam seguido?, ou o assunto mantém-se nos rascunhos!... Talvez venha a deslindar isto por intermédio do Chambale, após caçar a documentação da UNAMI, MANU e TANU! Prudência-prudência. Por ora, a UDENAMO tanto pode suspeitar da minha gente, como de qualquer lacaio do Kambona...; é!»). Febricitante, continuou a rebuscar («ufa!: cópia de carta enviada ao dr. Eduardo Chivambo Mondlanel, na América!, e logo ao cuidado da capoeira onusina!... O Gwambe queria crescer! Apanhar a resposta do doutor!, seria de gritos!, na Polícia de Lourenço Marques. Oh!: pela data desta cópia, a carta chegaria há dois-três dias, à ONU... Chatice!...; que pena!, se não obtenho a resposta. Em trabalhos de nova envergadura o Chambale conseguirá safar-se?... Acho o Sangolipinde superior!, para serviços de monta. Sangolipinde!...: devia tê-lo atendido melhor, quando me procurou. A resposta do Mondlane interessa sobremaneira! No princípio do ano visitou Moçambique. Foi recebido como príncipe! À despedida, ele e a mulher mostraram-se encantados, radiantes. Prometeram divulgar na América mundos e fundos!, sobre Portugal e as gentes Moçambicanas de todas as raças, etnias e credos. Sangolipinde!...»).

Chambale, feito estorninho depravado, entregou-se a deixar correr o marfim(«Gwambe e quadrilha têm a mania da esperteza!; mas fintei-os!»).

Bucuane, terrulento, aparentava ser um maria-vai-com-as-outras!; todavia...(«limpinho sem osso!: atirarão culpas a mim ou ao Chambale. Apenas isso para aí soe, e antes que o assalto chegue ao conhecimento da Polícia, o «cônsul»!, truca; de avião ou barco deve despachar-nos imediatamente para Lourenço Marques. Procedi certo não ter virado palavra ao Kambona acerca desta jigajoga. Ficará branco!, ao saber como e por quê fui parar à Polícia!, tão de repente. Calha óptimo!, termos já combinado a troca do correio. Será fácil amanhã enganarmos o «cônsul» quanto à impossibilidade da depredação nas restantes sedes. Se o Kambona estivesse a par de tudo isto, consideraria o Álvaro Pinto espião muito mais perigoso do que o misto Momade. Há-de sabê-lo. É lá com eles... Depois nem ligará, e desculpa o meu silêncio!, por a patifaria acontecer contra o venenoso Gwambe»).

Pela segunda noite consecutiva, Álvaro Pinto esperou-esperou. Debalde!... Quando resolveu adormecer a sério, já o Sol entornava luz e calor no casario de Dar-es-Salaam.

Chegou ao escritório ligekamente entorpecido. Encristou ao ver Bucuane; e:— Corresse bem ou mal, devias avisar!; estive de atalaia a noite inteira!; anh?...Bucuane também encrespou(«sei dominar-te!»). Afirmou terem ido à UNAMI, MANU, TANU,

e que depararam com guardas nos três partidos(«comes quantas mentiras te sirvo!»). Lamentou:— Na TANU fomos mesmo corridos!, senhor «cônsul». Péssima tragédia!, se o guarda chegou

a conhecer-nos. O assalto à UDENAMO deu brado!, e todos resolveram precaver-se. Aconteceu isto!, senhor «cônsul».

— Tche!.,.—(Fez Álvaro Pinto, movimentando a língua de encontro aos dentes cerrados)—. Tragédia!...

— É de aflição!, senhor «cônsul»; ou virá a ser!, se não pararmos, cautelosos(«estás levado!»). Ui!...; sou quem precisa ter maior cuidado!; com este olho assim, este lábio, esta orelha, sei lá mais quê!, unh!, facilmente me identificam..., senhor «cônsul».

— Aguardaremos, sim(«entrementes vou pensando na resposta do Mondlane à carta do Gwambe»). Em achando propício, insistiremos, e tornareis à UDENAMO, estudando eu outras voltas para essas operações. Também te fartarás de rir!, com curiosos papéis surripiados(«convém falar assim, para ocultar-lhe o meu fito»). De acordo?, Bucuane!

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— Suspendendo agora as operações, sempre às ordens!, senhor «cônsul»,(«e entretanto!...»).* *

Adelino Chitofo Gwambe ficou como que possesso de mil mafarricos!, quando Mahlayeye surgiu a procurar pelas chaves e revelou a catástrofe da sede, enquanto os parceiros arrastavam pés na direcção do Café Lago Victória.

Sangolipinde foi detido para averiguações. É submetido a interrogatório :rebulício.Três negros mastodontes, ao serviço do ministro Kambona, bisbilhotaram nas casas onde

supunham mulheres de porte duvidoso.Mahlayeye avistou-se com o embaixador de Ghana. Entre diversas observações-sugestões,

ouviu:— De qualquer modo, trata-se de roubo num partido emanci-palista. Advirão daí consequências

funestas e poderão tomar proporções graves. Até ser tudo aclarado, o Chitofo Gwambe deve perma-necer onde está. Depois estudaremos a sua situação à luz doutras perspectivas.

— Paciência, senhor embaixador («e eu amoxo, aturando»). Sangolipinde teimou sempre, cheio de acrimónia:

— É impossível aguentar devolver aquilo que não roubei!; já disse mesmo.— Os ladrões águias demoram a confessar; contudo!... O guarda-nocturno entrou na berra.

Descartou-se, persistindo em bernardices. Aproveitou-se, somente;— Lá no prédio, todo mundo afirma que isso da UDENAMO não vale cigarro morto(«o fulano

da mala!, àquela hora..., donde viria?... ôh!: caluda; detesto complicações»). Palhaçadas!_ Guarde esses comentários para si(«fosses menos bestiaga!, e terias melhor profissão»).Os cabecilhas da TANU souberam do assalto. Absorvidos pelas preocupações da próxima

independência, pouco ligaram, excepto Kambona. Em relação ao Gwambe, o Ministro da Educação permaneceu entre besta-fera e falcão(«não andasse tão assoberbado também com a instalação da Embaixada da China Comunista, em Dezembro!, e até ofereceria aos amigos jantarada assombrosa. Faz-se tudo de afogadilho; nem recordo amiúde o precioso régulo moçambicano Megama»). Implorou aos três gorilas que intensificassem as pesquisas dentro e fora de Dar-es-Salaam.

Gwambe escumava de raiva no lupanar da Rua Somália(«multidões a rirem de mini!... Na embaixada ghanesa entreteria melhor o tempo, já que não quero deixar o Tanganica sem limpar o sarampo ao kambonachão. Mas o Ghanês terá as suas razões... Comigo atrás da Polícia, a picá-la bem picada!, Sangolipinde confessava a patifaria. É assim tão difícil?... Se o Mahlayeye não visse por aí as três bisarmas loucas, diabólicas!... E eu?, tentar um disfarce!...»). Considerava Sangolipinde réprobo imperdoável(«além dele, qual seria capaz de tamanha ousadia?...»).

Sangolipinde, /antigo servente de pedreiro, em Tanga/, na primeira esquadra de Dar-es-Salaam confessou ser engraxador ambulante. Por alma do pai, da mãe, do avô e da avó jurou nunca ter entrado na UDENAMO.

— Quem achas mais capaz de cometer tal patifaria?

* *Bucuane temia pela sorte do seu arrojo(«nada correu como calculei. Quase apetecia enviar carta

anónima ao chefe da Polícia, acusando o Chambale. Então, poderia pendurar-me no Álvaro Pinto, para me dar o destino pretendido. Kambona parece desinteressado de tudo!, como os restantes da TANU!, obcecados com niquices da independência. Mostram lembrar mais o povo zanzibanta! Andarão esquecidos da malta moçambicana?...»).

— Em que pensas?, Bucuane!— Uh-uh!—(Apanhado de chofre, refez-se, e foi ao encontro da paixão de Álvaro Pinto)—:

Vai sendo tempo de novas tentativas nas sedes!, senhor «cônsul»; matutava cá com os meus botões («apreciaste a guloseima!, toleirão...»).

— Rói-me a curiosidade pelos papéis da UNAMI!, é verdade. O Chambale conseguiu tirar nabos do púcaro!, junto dos fulanos do velhote. Até o Belisário deu em querer escrever para indivíduos taludos da Rússia!, China!, do Egipto, Ghana...

— Macaco de imitação!—(Intercalou Bucuane, aparentando curiosidade e fingindo desconhecer o motivo do desabafo)—.

— ...E ainda para o dr. Mondlane!, seguindo o exemplo do estabanadc Gwambe, a quem terá pedido a direcção, provavelmente... («só saberão garatujar verrina, apoucando os Portugueses brancos»).

— Repetem tudo!, vaidosos; e copiam-se uns aos outros.— Quem não há-de gostar da decisão do velho, será o Gwambe, quando regressar à cidade—

(Pedinchão)—: O Belisário conserva os jornais «Notícias», de Lourenço Marques, que trazem a visita

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do dr. Mondlane a Moçambique. Sublinhou muitas frases!, e recortou as referências e as palavras do tal Mondlane(«o Chambale continua a sair da casca! Arranjou novas amizades. Sangolipinde é menos querido; paga as que o meu correio faz!; calhou bem não ter enviado recado»). Como conseguiria ele os jornais antigos?...(«guarda!, para aqui?...»).

— Qualquer amigo trataria disso em Moçambique!, senhor «cônsul».Um guarda fardado interrompeu o diálogo ;casca de banana:— Escritório do Português senhor Álvaro Pinto?— Exacto!; eu mesmo!— Conhecerão certo David Chambale?— Perfeitamente-perfeitamente!; fez das dele!, não?...— Pretendemos averiguar isso. Poderei interrogá-lo?— Possivelmente encontra-o nisso a que chamam casa dos «refugiados» de Moçambique!:

palermices dessa cambada(«sarilho!: Sangolipinde terá aberto a pista; entrarei na balha! Foi sorte!, ensinar com tempo as respostas que o Chambale deve repetir continuamente na esquadra. Mesmo assim, mando o Bucuane ultrapassar esta autoridade. Vale mais prevenir!»).

O guarda saiu.Bucuane disfarçava alvoroços(«finalmente vai!»). Álvaro Pinto passou-lhe recado :ziguezague.

Sem mordiscar lábios, voouuumh o do olho eléctrico deu asas ao bico dos pés. Mal virou a primeira esquina, fixou calcanhares em passos :tartaruga!, e toca de trautear música enroU-enrola(«o «cônsul» pensará quê?...; apanhar o Chambale e safá-lo antes de lá chegar o guarda?..,; unh!, que julga o Álvaro Pinto?...»).

110

Pumba!: e o mosquito voltou a livrar-se de pancada sapateiral...Danação no Belisário Mota(«hoje, as feras ruins de África!, são os brancos e estes

endemoninhados mosquitos»).Uma pequena casita de pau a pique e mataca, no Bairro Kariakoo, é actualmente sede da

UNAMI e posto de enfermagem do Belisário Mota(«rica ventura!, a TANU andar já tão preocupada com as festas da próxima independência. Até Kambona esqueceria cobras e lagartos contra os Moçambicanos!, e continuamos instalados à grande! Mas ele traz três macacões na rua!; se o Gwambe regressa e o caçam!, pregam-lhe a cabeça à sola dos pés. Xô!, mosqui-tagem perigosa; ide lá morder os brancos. Kambona é fresco!; todo punhos-de-renda com esses Chineses que estão chegando!, depois consentirá o Álvaro Pinto no Tanganica?... Ele e Nyerere, que farão?, à cambada dos Indianos e Goeses molengões das repartições públicas...(2). Esta piolhagem não é chupada pêlos Chineses, futuros donos disto!, no lugar dos Ingleses; portanto!...»).

Belisário já ia tratando dentes. A clientela, ainda medrosa, era constituída por negros, pêlos Indianos e Árabes mais pelintras ou somíticos(«recordando o «cônsul» português de cá, sempre lançado muito x. p. t. o.: o Fanuel Mahluza gabarolou-se de ter enfiado o barrete ao cônsul em Nairobü, dr. Nunes. Agora os da MANU e UDENAMO andam tesinhos e cantam que qualquer dia vão ao Quénia enganar o doutor branco, Oliveira Nunes.,., julgo... Até o varredor Lucas Mahussa deseja ir! E o Gwambe estará a cravá-lo?... Notasse eu coragem e habilidade para lhe apanhar libras!...: faziam um jeitão!, no melhoramento deste consultório. Metia pés ao caminho!; ai metia!»).

Mosquitos ladinos iniciaram ataque cerrado.Suplício!...Saylah, Cândido Cadaga e Cerejo Mateus procuravam aumentar o número de sócios e

propagandeavam o posto de enfermagem.Se assediado por preocupações :verrumão, Belisário fechava-se à noite na sede(«atrevam-se a

fazer aqui o que aconteceu na UDENAMO!: não ficarão à perna solta!, não! Os malvados mosquitos baralham-me o fio das ideias. Correio e independência: inquietações de hoje. É!; posso e devo tentar uma independência negociada para Moçambique; mas sem relações internacionais a fazerem peso, nada consigo. Ultimamente, os presidentolas da MANU, UDENAMO, e os chefes pataratas dos partidos doutros territórios, deram em escrevinhar cartas para a Rússia, China, RAU, Ghana, Argélia, Marrocos!, até América!, sei lá... É as respostas vêm! Preciso despachar a correspondência; nada de vagarosidades; retardando-a, o auxílio daquelas nações irá todo para uns ignorantes!; e fico a fazer cruzes na boca»).

Mosquitos atacaram à porfia. Belisário fez mão:papo, e zás!: mas não matou nada; enervado, cuspiu das tais!... Atirou-se a escrever; venceu a carta; leu páginas de livro emprestado(«frases assim, incendiarão a outros!; não a mim. Estas palavras de Marx: «Os comunistas negam-se a dissimular as

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suas ideias e os seus projectos. Declaram abertamente que não podem atingir os seus objectivos senão destruindo, pela violência, a antiga ordem social»!, agradam aos desmiolados Marcelino, Gwambe, Mmole, Kambona, etc., por aí fora... Puf!, pois não se vê logo?; prometem obra redentora a começar por funesta destruição! Enervante destruição!, uil... Oh!: verguei ao sentimento devido a sentir as ferroadas dos mosquitos?, ou porque recordei a filha e a mulher?... Foram palermas!: amargam-nas. Éia!: quero lá saber das teorias dos políticos esgazeados»).

Dois mosquitos pareciam estar em conluio. Belisário, zapeb descarregou palmada ;tufão. A mesa estremeceu; os dois anófeles furtaram-se às iras da mão;ciclone, e continuaram a zarelhar com o impaciente, prestes a atingir a zina da irritação.

O presidente da UNAMI fechou a carta destinada ao secretário-geral do partido comunista, da Rússia(«isto tem de seguir; de contrário, o dinheirinho só vem para os partidos rivais. Também sei gastá-lol E eles rebentam tudo na estroinice com mulheres. Se nas conferências internacionais soubessem como são derretidas as verbas concedidas!, de sorte haveria bolsas tão francas para lider-zecos armados em super líderes... A propósito!: à _ Conferência de Tananarive, já de seis a doze de Setembro, pelos vistos não irá nenhum de nós... Ou os organizadores abordariam a TANU?, e ela fecha-se em copas!, para aprendermos... Teria o Marcelino dos Santos prevenido que pouco adiantava ligarem-nos importância?... De qualquer modo, também devo escrever a este vaidosão, assim como quem não quer a coisa. Outro tanto terão feito o Gwambe, Mmole e Millinga!, pois o vaidoso está ligado ao PCP, por intermédio do qual podemos esperar auxílio. Sabe-se!: a Conferência de Tananarive será mais uma em guerra aberta contra Portugal, Inglaterra, França, África do Sul e quejandos; lá farão solenes promessas de ajuda material e moral aos movimentos preocupados na destruição do colonialismo e do neocolonialismo em África!, já... Chegue cá a ajuda material!; o resto...»).

Belisário espetou forte chapada na cara: e o mosquito conseguiu esgueirar-se. Folheou um número antigo do «Notícias», de Lourenço Marques(«quem nos dá cheques, fá-lo por amizade?... Não desejarão codilhar o indígena?... Igualmente a Ásia está longe de se mostrar descolonizada!; e a Rússia estende-lhe mais unhas e patorras do que auxílio. Que sucede na Ásia Central?, senão autêntico e refinado colonialismo soviético! Palavras do Álvaro Pinto ao Bucuane; percebe! Encontrei!: dr. Eduardo Mondlane; chegou à capital de Moçambique no dia vinte e um de Fevereiro, passado. Foi louvado e festejado!, igual a branco taludo. Os Portugueses até lhe ofereceram formidável banquete de homenagem no Hotel Xai-Xaü, na praia Sepúlveda, de João Belo. Desde o governador!, compareceram as pessoas gradas da região. Um Africano cumulado de honrarias! Estou teimoso!: pelas palavras deste jornal, depreendo que é artista no cinismo: ele e a mulher vieram estudar as possibilidades de ficarem amos e senhores de Moçambique! Terão mesmo contactado com vários Africanos, e feito convites. Enfim!... Hoje sinto disposição!, apesar da mosquitagem: escrevo cartinha para ele, ainda. Pela resposta, poderei descobrir novidades, artimanhas... Na América alcançará quanto auxílio deseja! Tomara eu!, umas migalhinhas... Admiro a facilidade com que o Gwambe me forneceu a direcção!, na véspera de ir para o Quénia. Sou bruxo?, ou quê!...: Nyerere-Kambona-Mondlane: já se entenderão?; trocarão correspondência?...»).

No Bairro Kariakoo havia mosquitos por cordas. Na sede da UNAMI os mosquitos faziam guerra ao... /Barulheira repentina!, perto. Belisário espantou mosquitos e acudiu, pressuroso/:

— Quem grita assim?, a estas horas da noite!—(Piscou olhos)—: Tu?, Sangolipinde canalha!—(Zanaga!, deu passagem)—: Tanto sangue?! Abre a boca!—(Mirou)—: Quem te partiu a dentuça?... («Mmole, Lucas Mahussa, Bucuane, Mahlayeye!...»). Foi à cabeçada!; apostamos?(«a ensinadela tardava!»). Responde!, ou não faço o tratamento, parvoeirão!... Escolhe depressinha.

Mosquitos; chusma de mosquitos; mosquitos em barda!...Palavrões!...

111

Álvaro Pinto sabia(«se o Chambale sai da casa dos «refugiados», atrás do guarda, nunca mais pode voltar»). E, ao calhas, mandou o Bucuane; também este há muito evitava entrar lá(«Deus permita que Bucuane chegue antes do guarda, e consiga passar palavra!, sem dar nas vistas. Se o servente assomasse ou saísse!... Estupendo, era o Chambale estar completamente só. A esta hora!, ponho dúvidas»).

Mas o de lábio rachado marimbava-se para as preocupações do patrão(«quanto pior correr, melhor! Amolem-se Chambale e «cônsul»; combinámos eu ficar de fora, no caso de encrenca»). Preferiu triturar beiços; engrolar musiquinhas de entretém; arrastar passo molengão para o centro da cidade(«o «cônsul» a suspirar que o Chambale me confiasse as suas riquezas!, antes do guarda o filar.

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Ainda eu entraria na boca do jacaré!, se transportasse e metesse a tralha na minha pensão... Ai!, sendo apanhado pela autoridade, jamais pode aparecer na casa dos «refugiados» furiosos; livra!... Experimentarão felicidade os que se abotoarem com a fortuna dele. Fato e sapatos novos oferecidos pelo «cônsul» em paga do assalto, serão disputados a murro!, apenas conheçam o autor do roubo na UDENAMO»).

Bucuane, melro de bico amarelo!, encontrou três grandaIhões -,algodão-pólvora(«foge!: focinho de brutos e tortos como tempestades!... O Gwambe está tramado! Atrás da nossa brincadeira na sede!, ainda amarga as venetas do Kambona. E se eu fosse estanoite segredar ao ministro?...»). Os três gorilas desceram um nadinha de tranca-ruas a trinca-foïtes!; depois o cansaço das buscas infrutíferas levou-os a trinca-nozes!; e a frustração da permanente expectativa ia convertendo-os em homenzitos ruge-ruge. Necessitavam bafos de sorte para arrebitar.

Mal Bucuane deixara o escritório, Álvaro Pinto continuou a raciocinar, e optou pelo contra-ataque(«vou direitinho ao comandante da Polícia; aproveito as minhas boas relações com ele. Obtendo o favor pretendido!, e para tanto não há como contar a verdade todinha!, escondo Chambale e Bucuane; de seguida procuro enfiá-los no primeiro barco apontado a Lourenço Marques. A permanecerem cá, acabavam apunhalados em plena rua! Gwambe?...; olha o tigre que ele é!... Sangolipinde meteu o Chambale na fogueira! A UDENAMO marrará neste!, apenas desvie a tineta do primeiro suspeito. Ninguém acreditará ser o Chambale capaz de tanto, sozinho: Bucuane entra na dança. É urgente despachar os dois. Era grave haver um assassinato!, comigo ligado à trama. Este bico-de-obra será mesmo mais bicudo que o do Paty Momade?... Acho relativamente fácil convencer o comandante da Polícia: somos brancos; o resto é negralhada. Mas às vezes!... Fartinho da pretalhada está ele!; e ainda há-de sofrer o desgosto da. independência. Vamos!; e entrego já o dinheiro das quotas, trazido da UDENAMO»).

* *As convulsões por que passou Chitofo Gwambe no esconderijo levaram Mahlayeye a supô-lo

próximo da loucura(«com a detenção do Chambale, ficou varrido de todo! Rochedo-rochedo-rochedo!...»).

A mulher do serralho afligiu-se e, todavia, ria-lhe nas bochechas. /Efeitos das bebidas fortes, carreais/. Também largou a chorar quando, à terceira vez, um grupo de três homens:patíbulo serrazinou; «Olha lá!, ò vaca: escondes algum diabo moçambicano debaixo da capulana?...».

Então, Gwambe, continuamente marfado, atreveu-se a mudar para diante da MANU(« respiro melhor^ na casa do amigo Tangazi Makalika. Tem rádio superior ao meu. É chato continuar escondido tanto tempo! Bucuane acompanhou o Chambale; tão certo!, como esta fome de matá-los!, e ao Kambona!, e aos seus três brutos! O ministro da má educação enraiveceu pelo procedimento da Polícia com o chacal Paty Momade!; agora, porém, delira se na esquadra absolverem o escarro Chambale!: nojento ladrão. Ghana-N'Krumah-

-embaixador!... Kambona-três bestas-Chambale-Bucuane!... Este há-de entrar no barulho!, quando Mahlayeyc voltar à esquadra a procurar pela verba das quotas. E eu preciso atrever-me!; parado, apodreço: devo sair e dar tudo por tudo!, à procura do Chambale. Descobrindo o excremento Bucuane, tomba também!»).

Decorridos dias, o presidente da UDENAMO engendrou estratagema engenhoso para arejar fora do esconderijo, e, desnorteado, arriscou-se(«a porca da amante tornou-se intragável!, na Rua Somália; hoje, até o Tangazi Makalika me acha intratável! Bem ou mal disfarçado, quero desfeitear Kambona e seus ursos! Onde pararão os meus papéis?, o dinheiro?, a cópia da primeira carta para o dr. Mondlane?, os rascunhos doutras cartas famosas?... Cace eu o Chambale!: vomitará tudo com língua de palmo!; igualmente o Bucuane!, se o bispar»).

Sangolipinde:gazela /arredio da MANU devido à tunda de escangalhar ossos aplicada pelo Mahussa/ foi abordado pelo Mahla-yeye e deixou-se conduzir à UDENAMO; experimentou olhos :ressurreição!, ao beber palavras do Gwambe:

—Acabo de «regressar do Quénia». Conheço as nojentas novidades. O Chambale acusou-te à Polícia!, para se safar. Depois de teres atirado culpas sobre ele, não tornou a ser visto. Preso?... De sorte!... Assim disfarçado, dificilmente serei reconhecido. Tu deves vingar a afronta! Tenho fome raiventa de sangue humano! Convido-te a acompanhares-me na busca pela cidade e arredores. Não posso andar com a minha gente!, por causa dos três macacões ordinários do Kambona mal cheiroso—(Vendo Sangolipinde:borboleta a esfregar mãos)—: Sabia que aceitavas!, marau. E isso?, dos dentes! Cabeçada brava do Lucas Mahussa!, apostamos?...

— Aguentas curiosidade igual à do velho Belisário!, mesmo; êh!...(«nunca esqueço!: Mmole e Millinga enganaram-rne com promessas doidas antes da reunião-magna do Marcelino»). Quando

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principiamos a procurar?— Imediatamente!Correu um dia. Gwambe fervilhava em propósitos :monstro! («cuidadinho!, ao entrar e sair da

casa do amigo Tangazi Makalika»).Passaram dois dias(«ao longe avistei as bestas do estúpido Kambona; livra!: eles são três!»).

Vingança-Calígula devorava o presidente da UDENAMO!...Morreram quatro dias(«se virasse parvo?, e fosse à esquadra perguntar pelo Chambale!...;

aproveitava para incriminar o Bucuane na roubalheira, já que Mahlayeye temeu atacá-lo. Aias antes, experimento o último recurso»). Num desespero icadafalso!, reuniu os conhecidos nas sombras da floresta onde Kibiriti juntara o seu pessoal tresloucado.

Linguarejaram. Alguns arrepiaram-se ao sorverem certas passagens do chefe... Bruscamente!, decretou:

— Amanhã quero-vos na UDENAMO às duas horas certinhas; vamos bater o Bairro Kariakoo e imediações, de fio a pavio. Dou ordem para matar Chambale e Bucuane!(«Kambona é só comigo»).

— Posso falar?—(Atirou Mahlayeye, esdrúxulo, à cara;lixa grossa do Gwambe)—.— Necessitarás esticão na língua?— Ordem assim!, não presta; amanhã ao meio da tarde espero duas meninas aparelhadas para

visitarem comigo o tal sítio do mar («rochedo-rochedo!...»).— Nem tu caias em doidejar numa altura destas!, catano! Sabes de sobra como sou!; crrreeee!...— Acabou!(«tenho-te à trela!...»). Escusas de dar patadas parvas!; jogaste fora b cigarro!, sem

o infeliz ser culpado. Maluquices de péssimo presidente!— Estou capaz de apunhalar um!—(Berrou mais)—: Ninguém me aborreça—(Ainda berrou

mais!, fulminando o secretário-geral)—: Lá por conheceres a minha expulsão do Tanganica e a «viagem a Nairobi»!, não imagines que me fazes borrar as calças!...

Sabastene Sigauke apanhou o cigarro; meteu-o na boca; cresceu para o Gwambe:— Se o senhor presidente dá licença, desejo saborear este luxo desprezado pelo ilustre líder. A

guerra aos brancos exige economia aos Africanos nacionalistas!—(Arredou o tom circunflexo)—: Atira para cá fósforos, pá!

— O garoto prefere acender o cigarro com três chapadas?!...

112

—Gwambe já teve tempo de ir mil vezes ao Quénia e voltar! -(Rangeu o mais largo dos três gorilas).

—Anda a levar a gente à certa!—(Assentiu o mais alto)—.— Patrão Kamboná berra direito!: «Gwambe nunca saiu de Dar-es-Salaam; está nas casas de

mulheres!, ou esconde-se na porcaria daquilo a que chamam UDENAMO».— E conseguiremos assapá-lo?... Teremos de fazer rusgas perto da sede...— Kamboná ficou vesgo!, com a nossa demora: atreveu-se a lançar-nos à cara a prisão do

trinca-espinhas Chambale!: «Um polícia apenas!, chegou para ele!; e vós sois três brutos!, no rasto dum desgraçado».

— Vamos ao Bairro Kariakoo e à vizinhança procurar melhor o manguço de Moçambique—(Trovejou o terceiro negralhão)—. Se arranjasse grossa confusão com a sua gente!, e viessem dizer onde o «mavia» pára!... Comparado a ele!, Chambale não é nada.

Realmente, o guarda deixara o escritório do Álvaro Pinto, parou no escondidinho duma cervejaria e pausou dois copos ao «espera-espera, já lá vou»; chegara à casa dos «refugiados» de Moçambique, procurou Chambale; este veio, submisso,(«o «cônsul» tratará de mim»), e seguiram caladinhos para a primeira esquadra.

De anormal, à saída, só aconteceu o estardalhaço desencadeado pelos colegas presentes, acordados de sesta langorosa. Cada qual mais mavórcio e estrambótico!, atiraram-se ao pé-de-meia do

detido.Ao entrar na esquadra, Chambale deparou com Álvaro Pinto: vinha de convencer o comandante

da Polícia. Emparceiraram. O negro depôs; confirmou a verdade já revelada pelo branco; cumpridas as obrigações da praxe, por formalidade, esgueiraram-se e, alcançado o automóvel do Encarregado de Negócios, Chambale estendeu-se atrás («nenhum patrício me pode ver»); arrancaram a toda a brida; no percurso, proferiram:

— Para te safar, tive de fazer promessa difícil ao comandante; vou aturar dificuldades e trabalho descomunal!, durante dias largos.

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— Sim.— Com genica!, tentarei desenrascar-me.— Sim.— Devolvi o dinheiro. Olha lá!: a UDENAMO tinha apresentado uma conta cinco vezes

superior à quantia que entreguei!(«amargo!...»).— Mentiram!; a UDENAMO mentiu!, senhor «cônsul».— O Bucuane apanhou-te antes de chegar o guarda?— Não.— Ainda mais essa!... Demoraste tanto a surgir na esquadra! («a minha carteira sofre rombo

desapiedado!»). Bucuane-Bucuane!,.. Veremos se vale a pena tentar recuperar o que deixaste na hos-pedaria...

— Uü, senhor «cônsul»...; faz lá ideia do chiqueiro levantado quando acompanhei o guarda; ui!, senhor «cônsul»!...(«e Bucuane?!...»).

Pois Bucuane fora mesmo segredar ao Kamboná!, à noite. Despejou tudo!, trique-trique-trique. O Ministro da Educação, upa!, sentiu fósforos no cérebro!: pfeeee... Deram como certo o regresso do Chambale a Moçambique. Serrotaram a vida do Álvaro Pinto. Estudaram a possibilidade do envio de Bucuane para Lourenço Marques. Depois de matraquearem bastante no assunto, a desoras telefonaram ao Mbiyu Koinange; este acordou assarapantado; Kamboná impõs-lhe que comparecesse.

Perante a ordem estapafúrdia, o Queniano principiou a arrastar--se como boi a caminho do matadouro...(«a esta hora!...; e o Bucuane lá!...; há gato!, nisto...; terá rompido o momento de eu fazer grandiosas avarias?... Já que o fanfarrão ordenou à bruta!, irei devagarinho... Julgava-se a ladrar imposições ao Gwambe?, o palerma!...»).

Neste Ínterim, Kamboná e Bucuane abordaram o espinho Paty Momade, receosos de que o misto levantasse problemas em Lourenço Marques; o ministro, assaz conselheiro, conduzia o debate de molde a arredar medo e a entusiasmar Bucuane(«se lá entrares na Polícia, e consegues!, aconteça o que te acontecer, nada perco. Serás bom rapaz, todavia, não convém conheceres as actividades do régulo Megama, no Cabo Delgado»). Esgotado o tema, Kambona repetiu ao Moçambicano como devia proceder no próximo encontro com o Álvaro Pinto.

Koinange ficou surpreendido, à chegada; receberam-no aos abraços. Tintim por tintim, usando língua viperina, repetiram quanto haviam cavaqueado; e algo mais!, que deveras espantou e animou Mbiyu Koinange. E quando o Tanganiquenho lhe perguntou se aceitava a proposta, respondeu «Sim!», numa vénia:girassol.

Terminado o colóquio, Bucuane pouco dormiu. Em obediência ao plano estruturado foi bater à porta da residência do Álvaro Pinto, a horas impróprias. Este, fortemente alarmado:

— Assaltaste outra sede?!—(Bucuane demorou a morder lábios. E o branco, resoluto)—; Que aconteceu ontem?; porque não ajudaste o Chambale?... Tu-tu!...

— Precisamente por isso apareço tão cedo!, senhor «cônsul». Corria eu para aquilo da casa impropriamente chamada dos «refugiados», e de repente Sangolipinde e Mahlayeye estacaram diante de mim! Não calcula quanto aturei!, passadinho, encolhido de susto!, senhor «cônsul».

— Azar-azar!...—(Lamuriou Álvaro Pinto :pára-raios)—.— Gatuno, ladrão, bandido: tudo chamaram!, senhor «cônsul», na frente de quem passava—

(Aldravou Bucuane, em gestos :desgra-ça)—. Chambão a fartar!, Sangolipinde afiançou que eu e o Cham-bale tínhamos morte certa!, dentro de dias; e jurou andarem a estudar se o senhor «cônsul» estaria ou não envolvido no assalto à sede!, para também as amargar!, em caso afirmativo; veja!...

— Isso parece de romance!...— E o resto?, senhor «cônsul»!: ensaiei recuar!, e vejo-os puxar catanas: então!, vuuu: pus-me

a dar às trancas!; ainda percebi a berraria do Mahlayeye!: tu e Chambale tombareis!, mal o presidente Gwambe regresse a Dar-es-Salaam. Receoso, escondi-me!; vim aqui enquanto os selvagens dormem.

— Arranjei dois afilhados frescos!; safa!...(«estacaram!; passadinho!; chambão a fartar!; ensaiei recuar!; vuuu: pus-me a dar às trancas! Linguagem colorida!, a deste negro esperto. Suplanta muito Moçambicano!; e de longe!»). Já que o destino manda!, entra cá, rapaz. Escolheste boa ocasião.

113Às duas horas prefixas, Constâncio Stanislaus, Fanuel Mahluza, Feliciano Sgngolipinde e

Absalão Baúle estavam na UDENAMO. Calvino Mahlayeye :rolha, e Sabastene Sigauke :trombas, entraram às duas e pico, de braço dado. Adelino Chitofo Gwambe chegou atrasado. Notou encomendas, e disparatou, sarabulhento:

— Daqui a nada, é-é!, desconfio de todos...—(Pela manhã, Sigauke e Mahlayeye receberam

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aviso dos correios; correram à estação central; acarretaram para a sede uma porção de embrulhos)—. Nem acredito!, jagodes...—(A modos escarmentado)—: Como é isto?, Mahlayeye!...

— Não tens olhos na cara?...; abre-os!— Pouco respingar!, ò garotão. Desembaraça língua direita!— Não sabes ver os selos do correio e estes rótulos do endereço?— Exijo respostas melhores .'(«Sigauke ajuda à macaquice!: continuam ferozes»). Ouviste?— Ninguém me chateie!; vai à!...— Gira para detrás do rochedo!, ou lá para o Kambona bestiaga que te escavaque!, mais às

duas gajas aparelhadas... Julgavas-me cagarola!, e que podias calcar este cachaço?, corvo doido... Estás longe de ser bom segundo presidente!, na minha ausência.

Mahlayeye achou prudente abalar sem virar palavra(«disse «garotão» e «corvo doido»! Ai engole-a!; e rápido! Ainda temos a promessa falhada do «caroço» para comprar automóvel!, feita antes de ir à conferência de Winneba. Nem sei como acreditei!, e como perdoei... Junto-as todas!»).

Igualmente Sigauke permanecia fulo desde que Gwambe o chamara «garoto», na véspera. Esporeado pela atitude do companheiro, com quem palitara nas últimas horas, aproveitou para bombear, destemido:

— Andamos no joguinho do empata! Isto nunca mais dá nada! Fiquem os falhados! Conforme cheguei, abalo! Gaita!, para tanus, manus, unamis, udenamos—(Cenhos garrote)—. Pelas Rodésias e Niassalândia há outros movimentos ou associações!, e superiores. Os tipos vindos de lá, enganados pela propaganda, já falam num Peter Balamanja! Vou encontrar melhor futuro político!—(Apesar de notar fervuras, cego de arrojo, adiantou, enfático)—: Ao apontar em Lusaka também entrarei no semanário «African Mail» e darei entrevista de arromba! Kambona é mesmo psicopata!: com os salamaleques dos novos Chineses, e os apetites da independência, esqueceu-te e aos três elefantes—(Audacioso, continuou apontando o presidente)—: Deixa de coxear, torna ao cabelo comprido e arranca essa travesseira das costas!, menino. Viva Peter Balamanja!—(Despejou gargalhadas e fugiu, lépido; livrou-se de tombar fulminado pelos olhos coruscantes do chefe e do Sangolipinde. Na sala:forno ficaram aparvalhados. Sigauke bramou ainda, do fundo da escada)—; Detesto aturar garotos!; queres que escreva destas no livro entregue pela TANU ao Marcelino?, ò querido Gwambe!...

Em polvorosa, o presidente refreou ímpetos(«sabem-me numa posição ingrata, e abusam. Ontem à noite os brutamontes do Kambona passaram perto. Convém refrear-me»). Percebendo que os súbditos o achavam empenado, lesma, numa decisão mestre, realçando «sobe» e «trepa», entoou, lesto:

— Andava morto por vos promover!: Mahluza sobe ao cargo de vice-secretário; merecias a honra desde que recebeste doutrinação comunista'.(«embora isso e nada seja o mesmo; ninguém aproveitou pevide»). Stanislaus trepa a presidente do executivo!, pela competência demonstrada no lugar anterior(«mostra alegria: acreditou!»). Baúle sobe a alto chefe da propaganda e informação; elogio a tua honestidade no cargo de tesoureiro.

— Ora quem é honesto mantém-se!; desejo ficar sempre tesoureiro; pronto!, acabou.Gwambe ;ronha não contava com o estoko de tal castanha!;e sagaz:— Desconfiava-desconfiava!..., mas só hoje descubro como governavas duas amantes

luxuosas! Evita soltar tricas!; pronto, acabou!, digo eu. Continua lá tesoureiro até novas ordens; hei-de reflectir no assunto—(Baúle fez-se desentendido. Gwambe, ladino, fitou Sangolipinde e entoou com ênfase)—: Para alto chefe da propaganda e informação nomeio então este nosso novo e precioso

colaborador.Sangolipinde, de sorriso :aniversário, mostrou dentes mal tratados; desbobinou gratidão:— Se calhar, vamos gastar a tarde à procura do Chambale, mesmo. Quem mais aguentou sofrer

por causa dele, fui eu. Pois calhando algum descobri-lo antes de mim, avisa logo. Eu é que devo aguentar matá-lo!, e ao Bucuane mesmo.

O presidente agradeceu. Quando todos esperavam vê-lo abrir os embrulhos, anunciou a imediata batida gritada na véspera nas sombras da floresta(«estas encomendas vejo-as amanhã; adivinho o conteúdo: basta o carimbo de Dar-es-Salaam!; abrindo-as já, poderia estragar a tarde com qualquer bilhete atrevido encontrado dentro..., e ficava o Chambale a parodiar mais um dia!»). Pregoeiro:

— Quem quer aproveitar?: dou cinco libras àquele que localizar Chambale e Bucuane. Ir buscá-los pelas orelhas!, é comigo; e tirar-lhes as tripas!, isso muito mais comigo é!—(Sangolipinde teimou na reivindicação dessa prerrogativa. O maioral respondeu améns; e)—: Vamos embora, camaradas(«os três brutos teimam em cheirar as casas miseráveis das chungosas. Palpito maus encon-

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tros... Cuidadinho!... Assim disfarçado, com a marreca, passo despercebido. Mahlayeye e Sigauke!, irão prejudicar-me?... Antes de abafá-los, cuidado!»)—(Pretendendo auto-sugestionar-se favoravel-mente)—: Amigos: a independência do Tanganica está próxima. Nesse dia a UDENAMO oferecerá prenda especial à TANUh as emissoras africanas e as pró-África do universo badalarão a constituição da rejuvenescida direcção do melhor partido emancipalista de Moçambique!, no exüio(«ah!, kamboninha: ão-ão-ão!... Noto estes tipos cheínhos de curiosidade!, a pensarem nos embrulhos. Para evitar abusos..., olha o Mahlayeye e o camelo Sigauke!..., só os abro quando estiver sozinho. Sangolipinde matreiro, ipe!, devorava-os»).

Gwambe acabava de fechar a porta da sede. Ao virar-se esbarrou a vista num polícia. E a autoridade:

— O presidente disto já regressou do Quénia?— «Voltará dentro de dias. Substituo-o», Sendo preciso alguma coisa!, estou às ordens...— Então assine aqui, em como recebeu esta contrafé.

114

Sol!: a queimar como infernos...As forças vivas da UDENAMO /pernas :ventania/ varrem as ruas desprovidas de moral;

penetram nos tugúrios vazios de carinho.Três homens descomunais /pés :pata-choca/ atravessam ruas desguarnecidas de amor; entram

nos casebres devolutos de esperança e fé, embora determinados moradores matutem muito em independências...

Caloraça horrível!: Dar-es-Salaam em peso detestou o Sol!...Álvaro Pinto pouco descansou desde que fez promessa difícil ao comandante da Polícia, para

conseguir safar o Chambale(«copiar tanta papelada à mão!, é disparate»). Esfalfou-se na busca de máquina para fotocópias(«se ninguém quiser alugá-la, compro-a?... Prevendo futuras surpresas!...»). Cirandou-cirandou(«adquirir aparelho destes, salta caro!»). Calcorreou Dar-es-Salaam de lês a lés(«entregar a tarefa numa casa fotográfica, unh..., complica e aumenta a barafunda. Para roda-viva já basta. Então..., então...: ah!, aqueles amigos: boa ideia!»). No escritório de importante firma inglesa emprestaram a máquina pretendida. Despachado o serviço, fez pequenos embrulhos e dkigiu-os à sede da UDENAMO, via correio.

Chambale maleável e Bucuane caviloso vivem protegidos pelo Álvaro Pinto(«onde parará a carta-resposta do dr. Mondlane enviada ao Gwambe?... Asneira!, desejar obtê-la por intermédio dos meus detidos. Sangolipinde!: acho-o bem lançado para descobrir e trazer--me a carta!, e novos documentos. Sangolipinde!: o único apto a apanhar papéis à UNAMI. Interessam sobremaneira as respostas, recebidas pelo velho, dos estadistas venenosos a quem escreveu. Até convinha ver os jornais «Notícias», de Lourenço Marques!; gostava de examinar os sublinhados. Se o Chambale teve artes de tirar nabos do púcaro junto dos fulanos do Belisário!, Sangolipinde não é lerdo para ficar atrás. Julgo-o malnascido, todavia!, à falta de melhor...»).

Sol!: por tão causticante!, cerraram-se portas e janelas...Na MANU, a vida decorre sem rei nem roque. Mathew Mmole só mostra riso amarelo, e

Malinga Millinga, /acompanhado de marijuana/, não passa de sorriso amarescente, ao comentarem a desfaçate2 do chamboqueiro Lucas Mahussa pretender ser imperador do partido!... Presidente e secretário-geral, na preocupação de doce vida airada após a segunda deserção do Sangolipinde, tiveram de colocar o analfabeto varredor camarário no cargo de vogal da direcção!!! Logo Lucas Mahussa:

— É grande lugar?, ou não mando nada!...— Risca tanto como nós!, senhor vogal(«com uma cornadura dessas!...»).— Veja lá!, senhor Millinga...; se não!, racho a MANU ao meio. Muitos sócios já querem

formar comigo um comité famoso! («dizem comité-comité; que será isso?...; onde apanhariam esta palavra tão linda?»).

— Fique tranquilo, senhor vogal: nesta lei da selva a que retrocedemos!, o senhor será o todo-poderoso(«linda independência moçambicana... E pelo Norte de África andam doze lorpas como este!, a treinar tirinhos...»).

O albino malandraço deu em larear sorriso:anedota. E a MANU, entregue a si mesma devido à trabalheira da TANU com a independência, passou ainda mais a viver às três pancadas.

Os albinos odiaram o Sol!...Os demandadores da UDENAMO, na pesquisa de Chambale e Bucuane desembocaram na Rua

Somália, terminando o dia na casinhota da amante mais antiga do Gwambe, perdidos numa turca

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tremenda.Os três pescoçudos do Kambona rondaram perto. Para encontrarem o almejado, só faltou

vasculhar onde estavam os ébrios excêntricos.No dia seguinte Gwambe rebuscou os bolsos: não encontrou a contrafé. Recordava, isso sim!,

ter ameaçado polícias. E em vez de ir à primeira esquadra, preferiu aparecer na Embaixada de Ghana.

O embaixador desfez-se em mesurices. O encontro rendeu!: meteu comes-e-bebes, com honras especiais ao vinho do Porto! Trinaram longo tempo. Ao falar de Kambona, Gwambe regougou o seu bocado! Por a+b, o Ghanês dissuadiu-o da maluqueira de pretender assassinar o Ministro da Educação. Aduziu fortes razões em abono do seu parecer, ajuntando:

— Além do mais, suprimindo-o quando calhasse, já não prestaria contas aos brancos, sendo apanhado; ai era! E a seguir à independência, uü, no ajuste entre Africanos nacionalistas, nem o cabelo se aproveitava para semente! Olhe!: actualmente Kambona persegue-o por sentir que o senhor Gwambe deseja matá-lo!...

Entre pasquinadas tirolico-tico espetaram ferroadas no Álvaro Pinto, Chambale, Bucuane, em reis e presidentes do Norte de África, sobressaindo Nasser, no Sékou Touré, Modibo Keita, Nyerere e Mahlayeye. O Ghanês acusou diversos de pretenderem dominar o Continente Africano, alegando, por fim, que para tal tarefa achava infinitamente melhor o seu portentoso Deus N'Krumah!

— Sem dinheiro à farta!, será difícil dominar África...— O meu poderoso presidente dr. Kwame N'Krumah apanha quanto deseja!, da China e Rússia;

olha lá!(«a qualquer povo basta acenar aos dois colossos, hoje. Subsidiam tudo! Ghana de sorte alcançaria esta embaixada!, sem auxílio e empurrões dos Chineses...»).

Na peroração pernóstica, o embaixador persuadiu Gwambe às pazes com o Mahlayeye. À saída do Moçambicano, reforçou:

— Se vos entenderdes, a independência da vossa terra acontecerá mais cedo. Mas vá lá, vá lá!; o Tanganica foi calcado pelas patas de Alemães, Ingleses, e vemos entrar Chineses!, com o pé direito avançado; ora Moçambique teve sorte!: só conheceu Portugueses («detestados e perseguidos por se manterem arraigados aos seus gritados direitos de permanência»). O senhor líder Gwambe já sabe: mantenha disfarce aí duas semanitas; a ordem de expulsão terá sido esquecida; após a independência volte à normalidade, cauteloso!, evidentemente; em caso de aflição, esta Embaixada é a sua casa.

Sol!; tão bravo!, até parecia mostrengo tudo quanto brilhava com inusitado resplendor...Na TANU trabalha-se à pressa, fala-se à pressa, anda-se à pressa, respira-se à pressa!: a

independência está à porta...Nyerere aproveita a euforia para destruir ímpetos sanguinários do Kambona contra Gwàmbe.

Sustenta trabalhão descompassado!, antes de alcançar resultados satisfatórios. E só os obtém depois de afiançar que escreveu ao dr. Eduardo Mondlane, convidando-o a vir pôr cobro aos destrambelhamentos dos partidos moçambicanos, e a dirigi-los.

Mas Oscar Kambona, mesmo assim, continua cheio de preocupações: relacionada com a calculada ida de Bucuane para Lourenço Marques, magica na missão melindrosa a desempenhar pelo Mbiyu Koinange(«o Queniano aceitou!, rápido; admiro! Ao combinarmos, nem lembrámos o azar de ser conhecido pelo misto Paty no início deste ano! O mabeco Momade poderá descobri-lo em Lourenço Marques!, e rebentar-lhe a carreira... E jamais Bucuane lá teria salvação!»). Estimulava-se, ronronando, ao lembrar carta enviada de Moçambique pelo régulo Megama, por intermédio de estafeta que bateu mais de dois mil quilómetros!, até à conclusão do recado. Tornava a mergulhar, na colérica recordação do Álvaro Pinto. Desejava expulsá-lo imediatamente; era-lhe impossível devido, entre diversas circunstâncias, ao que esperava dele em relação ao Bucuane(«apanhando este na Polícia moçambicana!, acabam contemplações; o «cônsul» desaparece logo-logo-logo! Não suporto vê-lo em Dar-es-Salaam durante todo o próximo mês de Dezembro. Quem o expulsa, sou eu!, aliás; o Governo Tanganiquenho; e em Lourenço Marques ninguém me vai supor ligado ao Bucuane, ou o imaginará relacionado com ministros!... Paleio para o Paty Momade!, tem ele; e se o misto desmascarar o Koinange, paciência, esfarrapem-se!; ninguém arranhará o meu ^Governo. O futuro embaixador chinês remorde certo contra o Álvaro Pinto!; pensa bem; aconselha melhor»).

Kambona flutua entre a esperança e o receio; deleita-se ao relembrar incitamentos vindos do diplomata chinês.

Crianças e velhos denudos fugiram das garras do Sol!...— Macacão Gwambe terá morrido!...—(Arfou o menos paciente dos três orangotangos)—.— Kambona esqueceu-o l Desistimos—(Bufou o rnais entroncado)—.— E se aparece?, e mata Kambona ou um de nós!, pelas costas, o aluado...—(Arquejou o

terceiro)—. O ministro esqueceu-nos!, também.

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Sol!: incapazes de suportá-lo!, os bichinhos da orquestra silenciaram no mato...Decorridos tempos, entregaram segunda contrafé, na UDENAMO. O presidente ganhou

balanço, beberricou copos largos para ficar alegrote; e dançaricou a caminho da primeira esquadra.

À chegada, mais ou menos percebeu:— Vai curti-la!, menino; estando afinado e rijo, volta na companhia dum Mahlayeye vadio.

Marche!, cão.A reconciliação com o secretário-geral ainda tremelicava; assim, só compareceram ao

receberem nova contrafé, já com a anotação de terceira e última.Interrogados sobre se havia chegado a papelada roubada, Gwàmbe respondeu, aliviado:— Um cabrito ordinário mandou para lá encomendas, mandou; faltou o principal!, o principal:

a massa, a massaroca...— Toma e cala!; é a importância indicada por esse, ao fazer a queixa;—(O polícia apontou

Mahlayeye)—cinco vezes superior à apanhada inicialmente ao suspeito do roubo(«sois fáceis de levar»). Precisais mais alguma coisa do assaltante?

— Estripá-lo vivo!, quando o apanharmos!, tanto fazendo governarem Ingleses!, como Africanos.

— Da outra vez é que vinhas bêbedo!... Pretendendo enforcar o gatuno!, apontai amanhã no aeroporto, à largada do último avião.

Os trabalhadores:insolação das plantações sisaleiras rogaram pragas ao Sol!...Sangolipinde enjoou a concórdia estabelecida de novo entre presidente e secretário-

geral(«aguentei perder o lugar deste; marra-nice mesmo»).O actual chefe da propaganda e informação da UDENAMO invejava a posição do chamborgas

Lucas Mahussa na MANU(«só para o calcar!, e se aguentasse acusar Gwambe ao Kambona?... Depois este valente Sangolipinde talvez aguentasse chegar rapidamente mesmo a alto presidente da UDENAMO!... Koinange já aguenta dizer que será tipo destinado á qualquer acontecimento monumental! É ele e eu!, está visto mesmo»).

Sangolipinde alimentava monólogos demoníacos(«dava prazer louco!, aguentar pôr tudo para aí a lamber-me os pés, desde o Mahussa ao Kambona mesmo, passando pelo Álvaro Pinto! No fim gostei!, terem-me julgado espertalhão e capaz dum assalto como aquele da sede. Fiquei chateado!, mesmo, ao saber o chambalinho autor da habilidade: as admirações gerais aguentaram passar para ele! Matá-lo pela patifaria?...; tó-rola!; antes o despedaçava por tantos^ aguentarem admirar-lhe a esperteza rnalandruça! A sucata do «cônsul» saberá dele e da menina Bucuane?... O branco passou rente a mim, outro dia, e aguentou deitar-me cá uns olhos!... Desejaria gozar?, ou quereria namoro!... Estúpido!, mesmo»).

Sol!: carrasco de África!; martirizador... As feras estenderam-se à sombra do mais denso e frôndeo arvoredo.

Álvaro Pinto tirou o carro da garagem(«que pena!, o Sangolipin-de olhar para mim, há dias, com olhos tão raiventos. De contrário, tê-lo-ia atraído. Anda sempre a malandrar! Necessito imenso dum colaborador junto dos partidos; entre toda essa cáfila, ele será o mais indicado...»).

Chambale abandonou a residência do Encarregado de Negócios e entrou no carro. Deitou-se atrás, encolhido. Álvaro Pinto prosseguiu: («este Chambale dava jeitinho cá, dava. Ficava sujeito a ser ceifado!, e não convém; isso acarretava consequências amargosas!, alcançada a independência. Também dará jeito na Polícia, de futuro... Preciso agir!; contratarei o Sangolipinde!, corra como correr. A UNAMI e a MANU possuirão papéis, documentos de extraordinário interesse. A carta-resposta do dr. Mondlane ao Gwambe, está-me cá atravessada na garganta!»).

Álvaro Pinto passou pela pensão do Bucuane. O de lábio leporino esperava-o. Entrou no carro. Seguiram para o cais de embarque, na parte Sul da cidade.

Os dois Moçambicanos negros embarcaram no navio «Kaap-land», com destino a Lourenço Marques. Duas horas volvidas, o barco desatracou, fez-se ao largo. A bordo, Bucuane esqueceu-se de quem era filho!, e desatou a viver várias vidas («tio Kambona!... Patego Álvaro Pinto!... Africanos enganam brancos!... Tive melhor passadio na pensão!, nestas férias forçadas. Polícia de Moçambique!: óih!, está longe de ser a brincadeira do «cônsul». Óptimo!, se lá entrar como dactilógrafo. Encontrando o Paty Momade, tenho lábia suficiente para o rasteirar!, também. Uü, atenção às manhas especiais... Koinange vèniou sim-sim-sim na casa do Kambona; e se o misto vem a toscá-lo?, em Lourenço Marques!... Quem chegou aqui!, irá mais além; atenção!, pois. A TANU cumprirá o prometimento da alta recompensa?... Quanto tempo ficarei por Moçambique?...; meses?, anos?... O «cônsul» demorou a enviar-nos!»).

Álvaro Pinto tinha-se despedido e rodara para os lados da UDENAMO(«devo fazer adulação

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patusca ao Sangolipinde!, para conquistá-lo. É indispensável. Não assomando, deixo recado a qual -quer garoto daqui»).

Em ódio recalcado!, todos recalcitraram contra o impertinente Sol...No aeroporto de Dar-es-Salaam os dirigentes da UDENAMO esperaram..., esperaram!... EGwambe!:(«ainda não acontecerá hoje o enforcamento do Chambale bera?... Se caço o

Bucuane!...»). Sol!; também árvores frondosas vergaram e mirravam.

115Os partidos antiportugueses andavam no marasmo, nos últimos tempos. Houve desistências em

barda; e entraram novos sócios.A TANU mantinha o cofre aberto para sustentar mandriões antigos e outros madraços curiosos

vindos de Moçambique, da Federação das Rodésias e Niassalândia, República da África do Sul, já, da Bexuanalândia, Suazilândia e Bassutolândia. A maioria destes, se não todos, andava efervescente desde o recrudescimento do terrorismo em Angola, no mês de Março, tocada pela propaganda adversa a Portugal. Vários dos elementos ultimamente chegados já possuíam alguma preparação intelectual.

Nos movimentos as quotas iam sendo pagas; contudo, nunca tilintava dinheiro nas sedes. Os dirigentes igualmente esbanjavam os óbolos fortuitos de nações empenhadas em expulsar de África Portugal, a religião católica, a fé lançada, difundida, dilatada e actualmente preservada e mantida pêlos Portugueses!, embora às vezes o Vaticano pareça esquecer esta verdade!, principalmente desde que a índia anexou Goa, Damão, Diu, e se tornou moda atacar Portugal!... /Diversos impérios tremeram, ou ruiram, devido às contemporizações de favor, aos argumentos capciosos!... Na defesa das religiões não são admissíveis complacências ambíguas nem joguinhos duplos....

Como em África quase tudo sucede rapidamente, também a independência do Tanganica pareceu acontecimento imprevisto aos principais saltimbancos da UDENAMO, UNAMI, MANU.

Só para os condutores e ferrenhos da TANU demorou a surgir o dia nove de Dezembro de 1961.

Nas vésperas, durante e depois desta data, no sultanato Zan-zibar interrogaram-se, medrosos, quantos chefiavam o Partido Nacional de Zanzibar, /simpatizantes das ambições políticas do imperialista Presidente Nasser/, e tornaram a tremer cerca de quarenta mil Asiáticos muçulmanos, misturados entre uns milhares largos de negros e Árabes. Bastantes daqueles Indo-Zanzibaritas temiam, da parte de Tanganica independente, usurpação idêntica à cometida pela índia em Goa, Damão e Diu. Isto, por saberem a TANU apadrinhada pela China Continental, e porque viam um inimigo em cada Chinês chegado a Dar-es-Salaam.

Aquele dia nove de Dezembro foi de júbilo para o Governo de Pequim!: um dos seus desejos veementes era ocupar os territórios africanos pertencentes anteriormente à orgulhosa Inglaterra. Por cada independência que o Império Britânico era forçado a conceder, os Chineses rejubilavam, e mais se desafrontavam da repelente tabuleta até há poucos anos existente num jardim de Xangai, actualmente Jardim do Povo: «É proibida a entrada a cães e a chineses». /!/.

Nas festas da independência, Gwambe desistiu de divulgar a modificação directiva da UDENAMO, através das emissoras nacionalistas e pró-África do universo. Por saber terminada a perseguição dos três brutos, cumpria de boa mente recomendações do embaixador de Ghana; nem nada lhe custou obedecer!, pois vivia radiante: a mulher ;boceta de Pandora, Russa viageira que às vezes se dizia inglesa!, finalmente contribuirá para o envio de cheque farto, remetido ao cuidado de Tangazi Makalika(«até que enfim!; passo a odiar mais os Portugueses! Isto foi destinado ao partido; ora!: o partido sou eu! Dou pequena quantia ao amigo Makalika, e vou derreter tudo na borga. Os Russos temem que siga os Chineses?...»). A desistência dos três imbecis do Kambona aconteceu de modo cutioso: esperaram o ministro, lamuriaram; ouviram unicamente: «Então ide tomar banho ao mar». E foram!

Numa das festividades da independência, Koinange encontrou Oscar Kambona, e notou-o pouco expansivo. Esperou momento azado; dirigiu-se-lhe com vénia:lentejoilas, excepcionalmente folgazão !:

— Arrede sombras!, prestigioso ministro; escusa de recear que o misto Paty Momade encontre este caçador queniano na próxima saltada a Lourenço Marques. Ou pensa no Chitofo Gwambe?, de novo a larear por aí, todo lampeiro!, o formidável malandrim.

— Agora o problema é mais grave!, e assaltou-me ao lobrigá--lo, além—(Apontou a entrada do salão de baile)—. Pode crer!

— Olál...

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— Só quando o embaixador chinês invocou a urgência da expulsão do Encarregado de Negócios português!, é que lembrei não poder correr o Álvaro Pinto antes do seu regresso de Moçambique!, Koinange. Suponha um encontro entre vocês!, em Lourenço Marques!: ia tudo por água abaixo!...

— Menos aflições!, prestigioso ministro: o Bucuane chegou lá há dias; terminados estes festejos, aparecerei eu; do misto Momade pouco receio tenho: furtar-me-ei à sua vista!; ao regressar corremos imediatamente o repelente «cônsul» português.

— Alvitra direito!, ilustre Mbiyu Koinange. Só foi pena ter sujado este lugar com erro de palmatória!, ao citar o desprezível Gwambe.

— Não seja isso questão!, prestigioso ministro. Quer o remédio?; ora chegue cá o ouvido—(E bichanou-lhe palavras redentoras, reforçando)—: Obedecendo a esta receita, esmigalhará o mais pintado!

Kambona delirou!; para agradecer, arregaçou lábios desmesuradamente(«Koinange terá sido mal aproveitado!, até esta feliz data?... Além do mais, assiste-lhe razão!: agora, independentes, posso agir liberto de preocupações quanto à inglesada. Sugestão piramidal!: à almoçarada de «confraternização» na casa de ministro, ui!, Gwambe avança com asas nos pés! E aproveitar logo para uns pòzinhos?...; ajudariam mesmo a lavagem intestinal radical!, sem deixar marca de sangue... Formidável Koinange!... Para tudo correr maravilhosamente, apenas falta um substituto do Bucuane!, junto do Álvaro Pinto. Quem se prestaria melhor a isso?... Sangolipinde?!... Será ainda possível?...»).

* *Terminadas as solenidades da independência, Sangolipinde voltou ao escritório de Álvaro

Pinto. Usou modos arruaceiros:— Sei lá há que tempos, aguentou deixar recado a um ranhoso vizinho da UDENAMO, para eu

apontar aqui?,(«ò tu!...»).— É verdade!, Sangolipinde. Finalmente apareceste!; óptimo. Entra cá!, rapaz.

116

Foram vários os motivos engendrados por Kambona como razões lustificativas para oferecer almoço de «confraternização» aos principais representantes da UNAMI, MANU e UDENAMO, no fim io ano. Entre outros, salientava: independência do Tanganica; transferência de residência das imediações do Bairro Kariakoo para a, zona elegante de Oysterbay; e a recente nomeação para Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional, /antiga aspiração máxima!, por viver convencido de serem mais lustrosos os novos cargos ministeriais. Realmente o dr. Julius Nyerere ao constituir Governo Provisório, um ano atrás, pensou confiar-lhe ou a pasta do Ministério da Guerra ou a dos Negócios Estrangeiros; todavia, preferiu nomeá-lo Ministro da Educação, no intuito de evitar possíveis desaguisados com Ingleses e nações amigas da Inglaterra, durante a transição governamental/.

Oscar Kambona enviara convite à UNAMI, em nome do Belisário Mota; à MANU, referenciando Mathew Mmole e Malinga Millinga; e à UDENAMO, convidando qualquer representante do partido(«enoja!, escrever o nome do presidente; basta assim; o repulsivo Gwambe voa e apresenta-se inteirínho!»).

À refeição encetaram charla bimbalhando a barulheira desenvolvida pelas agências noticiosas, jornais, revistas, emissoras e documentários cinematográficos, sobre a independência d o Tanganica.

O anfitrião falava quase sempre ao Belisário e Millinga; raramente ao Mmole; nunca ao representante da UDENAMO, que: («ladrai para aí à vontade!; quero lá saber!,.. Pancinha cheia e é um grito!, reluzente Ministro dos Negócios Estrangeiros. Aguentas negociar já-já a independência de Moçambique?; desejas mesmo?... Basta pedir por boca!, ministro tamancão»).

Toda a conversa de mesa é susceptível de mudanças bruscas. Kambona discorria pretensiosamente; Belisário intrometeu-se:

— A TANU também escreve ao dr. Eduardo Mondlane?, senhor ministro!...— Evidentemente! Antes dele visitar Moçambique, em Fevereiro passado, já havia troca de

correspondência! — Curioso!; eu recebi carta dele: diz estar prestes a entrar de férias; aproveita-as para vir

a Dar-es-Salaam tentar unir MANU e UDENAMO!; aborda os inconvenientes da existência de vários partidos, desligados, e com objectivos comuns(«macaco de rabo pelado!: ao citar a unificação, calou a UNAMI; não quer assanhar--me antes do tempo!; vou ficando de pé atrás!...»).

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— A TANU já pode anunciar a vinda dele, definitiva!(«estando arrumado o Gwambe miserável!, tudo correrá certinho»). Aos movimentos nacionalistas moçambicanos faltam condutores instruídos, cultos; isto sem ofensa!, amigos; e Mondlane!, sempre é o senhor dr. Eduardo Chivambo Mondlane...

— Por mim, senhor ministro, estudei quatro anos em Londres!, quase concluí o curso de jornalismo!—(Fogueteou Millinga, tão aguardente como o Belisário e Mmole, enquanto o representante da UDENAMO chegava o copo de cerveja às beiçocas)—.

— Bom..., mas isso!...(«não noto nada!»). Olhe que o dr. Mondlane é professor universitário!, e funcionário da ONU! Chegado ele, uma vez reunidos numa frente única quantos Moçambicanos antigos e novos por aí andam, TANU e Governo estão persuadidos de que a libertação de Moçambique, ou pelo menos a do Cabo Delgado, pode acontecer já no próximo ano!

Belisário, tentando abafar a rebelião ;gadanho:— O senhor ministro calcula como o dr. Mondlane foi principescamente considerado!, ao

visitar Moçambique no princípio deste 1961 ?...—(Ante a encolhedela de ombros do interrogado)—: Conhece o principal das palavras pronunciadas quando foi distinguido com inesperadas honrarias?...—(Perante segunda encolhedela)—; Fiquei gaga!, ao ler na carta recebida que viria tratar da unificação dos grupos inimigos da gente tão pronta a distingui-lo!, há poucos meses!, ainda, e por ele enaltecida!, a cada passo, principalmente à despedida.

— O senhor Belisário!, faz rir. Assim cru!, com essa idade?... Ai-ai-ai!... Para o dr. Mondlane concretizar o seu anelo ardente!, veja lá como deveria actuar!, hem?...

— Bem..., eu cá!...— Prontinho!: necessitamos dum líder actor, competentíssimo!, capaz de representar em vários

tablados!, apto a cantar ao gosto de cada plateia...—(Presenciando caras:névoa)—: Até para desen-volvimento dos senhores!... Repito: com o dr. Mondlane a dirigir todas essas forças desgarradas, 1962 pode ser decisivo !(«assim o Gwambe bruto esteja eliminado! Ai!, Koinange...»). Os meus amigos ficarão o seu braço direito; e não são demais!; trabalhamos já na vinda doutros elementos—(Observando rostos rabutre)—: Elemementos destinados à militarança! Pois!: como obter a independência dum povo onde vivem Portugueses?, se não arranjarmos campos de treino, e sem adestrarmos pessoal para aniquilar os brancos?...

Belisário, arrepiado:— Guerra!, independência!, sangue?...(«lá vão as mulheres na onda!; bem basta a falta de

notícias. As bestidades cínicas do Mondlane e Kambona põem-me diferente!...»). — Vejo-o fraca-chicha !, senhor Belisário Mota. Fique sabendo!, e oiça claro: Academia

de Guerrilha, de Cuba, na Mina del Frio, Sierra Maestra; Academias de Ciência Militar, de Nanquim e Wuham; Centro de Treino Africano, de Houtka, e o Instituto dos Sindicatos, de Mesice, na Checoslováquia; Escola Superior para Africanos, de Bernan, Escola de Karl Marx, de Leipzig, e a Escola de Solidariedade Internacional, de Bautzen, na Alemanha Oriental; Escola para Treino de Estudantes Africanos, de Varsóvia, na Polónia, e as de Budapeste, Sofia, Bucareste; diversos campos de treino em Ghana, Argélia, na RAU: Cairo, melhor dito; etc.-etc.; pois, após a chegada do dr. Mondlane, tudo isto espera centenas, milhares de Moçambicanos idos daqui!, prontos à conquista da independência de Moçambique. Este enunciado, dito noutra altura, com diferente introdução, provocaria rajadas de júbilo!; assim, os ouvintes amalancornaram; só o representante da UDENAMO se mostrou indemne aos efeitos da extensa e custosa citação: sem descanso, atirava à boca rudes gar-fadas:pá do forno!

Mathew Mmole, duplamente despeitado pela pouca atenção a ele dispensada, aproveitou para evidenciar-se, e citou os doze indivíduos enviados ao Cairo. Pontapeou:

— Um zangou-se!; desconheço as razões...,(«mas adivinho-as...»), e veio recambiado. Os restantes, danados por terem sido enganados pelos Egípcios, continuam refilõesl, no treino das armas. Kambona, virado de novo ao Belisário e Millinga:

— Nasser pensa mandar na África inteira!; precipitou-se ao chamar os doze homens agora mencionados. Saber esperar, possuir paciência, são as preciosas máximas do meu querido Primeiro-Ministro dr. Julius Nyerere. Nestes últimos tempos a TANU pareceu alheia aos movimentos dos senhores!; ô-ô!: nada disso aconteceu!; ohl, atentem: muitos nacionalistas moçambicanos, estudantes em Coimbra, Porto e Lisboa, já preparam a fuga para Paris!, e de lá chegarão a Dar-es-Salaam. Foram trabalhados e tocados pelo dr. Mondlane!; algumas direcções conseguiu-as ele!, e outras arranjou-as talvez a esposa!, na célebre visita a Moçambique... — Ai-ai...—(Verteu Millinga, contrafeito)—.

Os comensais remoeram.Kambona, longe de voltar com a fala ao bucho, sentiu fogaréus!, e tornou à vaca-fria:— Pareceu-pareceu!, amigos; porém a TANU não adormeceu! Só falta chegar o dr.

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Mondlane..., o que ainda demorará uns meses, infelizmente. Depois entraremos a sério na preparação de elementos guerreiros.

— Guerreiros ?!...—(Belisário encolheu)—.— Naturalmente! Nem pode ser doutra forma!, contra Portugueses—(Ao relancear pelo

representante da UDENAMO)—: («Gwambe vai pagá-las!...»)—(Entusiasmado)—; Só para calcularem como tudo correrá fácil!, ao tomarmos café ali no «hall» mostrarei papéis onde verão que a Escola Central de Komsomols, de Moscovo, a inaugurar em Abril do próximo ano, já pede para irmos seleccionando pessoal disposto a lutar pela independência de Moçambique; e desejam os homens na Rússia logo no início de Abril!, reparem bem.

— As primeiras levas são repenicadas nas emissoras amigas, de certeza; como nós, igualmente membros do Governo Português escutarão; e depois?, senhor ministro...

— A nossa propaganda forte ajudará a minar o rival fracote!, senhor Millinga.— E quando em Lourenço Marques souberem do dr. Mondlane no Tanganica?, preparando

a invasão de Moçambique!, escassos meses após elogiar os Portugueses à brava!; e também a esposa se fartou de enaltecer a acção deles em África!...

— Veremos!, veremos, senhor Belisário...— Lá a Polícia ficará de braços ao pendurão?, senhor ministro!...— Muito menos nós!, senhor Mmole—(Riso velhaco)—; Conhecem a Missão Msimbazi,

dos padres suíços, no fim da cidade, na estrada que segue para Ilala... Pois, sobre a Polícia, de lá receberei cartas em código!, enviadas a um missionando, pelo Bucuane!, de Lourenço Marques—(Ligeira paragem. Saboreado o efeito)—: O sorumbático e prestimoso Mbiyu Koinange colabora connosco, antes!: com a TANU. Regressa hoje duma atrevida visita ao Bucuane («que as potestades infernais permitam feliz chegada!, logo à noite. Virá danadinho por saber como decorreu este almoço. E se teve azar?...»).

Os representantes dos partidos, inclusive o da UDENAMO, desembucharam espantos acerca do ex-empreeado de Álvaro Pinto. E Mathew Mmole:

— Tarde ou cedo, aquele misto Paty Momade encontra-o («Koinange conseguiria safar-se?...»). E não há medo?...

— Estudámos maduramente prós e contras, antes de metermos ombros à empresa—(Alegre)—: Também o Chambale saltarico trabalha na Polícia!, mas é servente, enquanto o finório Bucuane faz de dactilógrafo...; pois, mesmo o saltareco!, desconhece a dupla missão do amigo de lábio rachado!, ao serviço da TANU(«espa-Ihanço parvo!; sei lá as relações destes tipos!... Se Nyerere estivesse perto, condenava o desarrazoamento. Ali o nauseabundo da UDENAMO!, devorou as minhas palavras. Desperdiçando a ocasião, jamais aproveitará. Atenção às bebidas!...»). Duvidam?, amigos!...; acreditem solenemente!

— Cantarolando isso a diversas pessoas, alguém pode levar a novidade ao «cônsul» português!; — (Belisário mirou o da UDENAMO)—e depois?, senhor ministro...(«acho difícil safarem-se os teus homens!, por Lourenço Marques...»).

— Qual «cônsul»!, qual tanas badanas?, senhor Belisário Mota. Encarregadozito de Negócios!, e é um pau... Acerca do Bucuane, esfarrape-se ele todo!, nunca toscará patavina; sobre o Koinange, entrado em Moçambique feito caçador profissional queniano!, já lhe é impossível ir a tempo(«parvo sou eu!, a dar satisfações a esta bicharada»). O Álvaro Pinto já pouquíssimas possibilidades tem para prejudicar-nos: hoje regressa Mbiyu Koinange,(«correria sem azar a ponta final?...»), e daqui a dois-três dias será incumbido de levar uma Ordem de Expulsão ao Português! («o embaixador chinês não precisava atiçar tanto!»). Álvaro Pinto abandona Tanganica na semana que resta deste ano!(«se ele metesse um substituto do Bucuane para vir contar-me as últimas!... Sendo difícil conhecê-las, então despacha-te!, brilhante impostor Eduardo Mondlane. Teu patrono Nyerere prepara-te duas beijocas»). Vá!, amigos: continuem a comer!; ou só o bichinho da UDENAMO trouxe vazio o fole-das-migas?...—(O Ministro dos Negócios Estrangeiros atreveu-se a troçar mais)—: Está atestado?, mastiga satisfeitinho?, bebe à bruta?, seu inqualificável representante do repulsivo Gwambe!... («o conselho do Koinange não se perde!: calma»). Bebe e come bem?, seu Sangoli...

— Oh!, aguento enfardar à doidinha mesmo!, formidável ministro.Mmole, Millinga e Belisário desencarquilharam com a resposta do Sangolipinde.

*Recebido o convite, Gwambe mostrara-o ao embaixador de Ghana. Discutiram; ponto por

ponto pesaram a honraria dada de mão beijada... A palavra «prudência» foi descarnada. E acharam aconselhável enviar o Sangolipinde. O presidente da UDENAMO brincou à moda canhota(«desforra

Page 84: PARTE III - MACUA DE MOÇAMBIQUEmacua.org/livros/PARTEIII.doc · Web view— Puxa!: quero ver esse descaramento e a tua habilidade... («ou o Gwambe será charlatão de carregar pela

e troça!, a um tempo. Para semelhante representação não tenho pior; antes!: é o melhor, assim des-carado e grosseiro! Kambona ficará como presidente derrubado!»).

O almoço, rotulado de «confraternização», na realidade era para Kambona adular e predispor vários dos elementos que poderiam intervir na execução da receita do Mbiyu Koinange contra o Gwambe. Embora este começasse por ganhar a partida, o secretário-geral da TANU não se mostrou incomodado ao acadeirar à mesa(«sem importância. Hoje só desejava levá-lo a supor-me já seu amigo fixe, não podendo assim desconfiar facilmente de mim quando dentro de dias me propuser encomendá-lo ao diabo!, aplicando a sugestão do Koinange: ora, apesar dele faltar, no próximo ano tudo baterá extraordinariamente certo. Haja animação!: o monstro Gwambe vergará e tomba redondinho!»).

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(1) — Ou Witwatersrand = Cordilheira e região mineira que deu origem a Joanesburgo — a mais admirável cidade da África do Sul.

(2) —No Tanganica, Uganda, Quénia, uns 60% dos funcionários públicos são Indianos e Goeses.