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ISBN 978-85-02-17797-0

Cunha, Alexandre Sanches Teoria geral do Estado / Alexandre Sanches Cunha. – São Paulo :Saraiva, 2013. – (Coleção saberes do direito ; v. 62) 1. O Estado 2. Estado – Teoria I. Título. II.

Série.CDD-320.101

Índice para catálogo sistemático:

1. Teoria geral do Estado : Ciência política 320.101

Diretor editorial Luiz Roberto CuriaGerente de produção editorial Lígia Alves

Editor Roberto NavarroAssistente editorial Thiago Fraga

Produtora editorial Clarissa Boraschi MariaPreparação de originais, arte, diagramação e revisão Know‑how Editorial

Serviços editoriais Kelli Priscila Pinto e Vinicius Asevedo VieiraCapa Aero Comunicação

Produção gráfica Marli RampimProdução eletrônica Know–how Editorial

Data de fechamento da edição: 01-10-2012

Dúvidas?

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Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou formasem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime

estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

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Iacta super Dominum curam tuam, et ipse te enutriet.A Gabriel Andrade (Biel), António Jorge Andrade (Jojó),Gabriela Andrade (Gabi) e Alexandre Bobone, irmãos que moram tão longe...Separados pelo Atlântico(Onde a terra se acaba e o mar começa)...

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ALEXANDRE SANCHES CUNHA

Bacharel em Direito pela PUC-Campinas e em Filosofi a pela UNICAMP. Especialista em Direito Penal pelaPUC-Campinas e em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Mestre em Filosofi a Antiga pelaUNICAMP. Professor da Universidade Paulista – UNIP. Professor de Cursos Preparatórios para CarreirasJurídicas. Advogado.

COORDENADORES

ALICE BIANCHINI

Doutora em Direito Penal pela PUCSP. Mestre em Direito pela UFSC. Presidente do Instituto Panamericano dePolítica Criminal – IPAN. Diretora do Instituto LivroeNet.

LUIZ FLÁVIO GOMES

Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa eCultura Luiz Flávio Gomes. Diretor do Instituto LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito(1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Conheça a LivroeNet: http://atualidadesdodireito.com.br/conteudonet/?page_id=2445

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Apresentação

O futuro chegou.A Editora Saraiva e a LivroeNet, em parceria pioneira, somaram forças para lançar um projeto

inovador: a Coleção Saberes do Direito, uma nova maneira de aprender ou revisar as principaisdisciplinas do curso. São mais de 60 volumes, elaborados pelos principais especialistas de cadaárea com base em metodologia diferenciada. Conteúdo consistente, produzido a partir da vivência dasala de aula e baseado na melhor doutrina. Texto 100% em dia com a realidade legislativa ejurisprudencial.

Diálogo entre o livro e o [1]A união da tradição Saraiva com o novo conceito de livro vivo, traço característico da

LivroeNet, representa um marco divisório na história editorial do nosso país.O conteúdo impresso que está em suas mãos foi muito bem elaborado e é completo em si. Porém,

como organismo vivo, o Direito está em constante mudança. Novos julgados, súmulas, leis, tratadosinternacionais, revogações, interpretações, lacunas modificam seguidamente nossos conceitos eentendimentos (a título de informação, somente entre outubro de 1988 e novembro de 2011 forameditadas 4.353.665 normas jurídicas no Brasil – fonte: IBPT).

Você, leitor, tem à sua disposição duas diferentes plataformas de informação: uma impressa, deresponsabilidade da Editora Saraiva (livro), e outra disponibilizada na internet, que ficará por contada LivroeNet (o que chamamos de )[1].

No [1] você poderá assistir a vídeos e participar de atividades como simulados eenquetes. Fóruns de discussão e leituras complementares sugeridas pelos autores dos livros, bemcomo comentários às novas leis e à jurisprudência dos tribunais superiores, ajudarão a enriquecer oseu repertório, mantendo-o sintonizado com a dinâmica do nosso meio.

Você poderá ter acesso ao [1] do seu livro mediante assinatura. Todas as informaçõesestão disponíveis em www.livroenet.com.br.

Agradecemos à Editora Saraiva, nas pessoas de Luiz Roberto Curia, Roberto Navarro e LígiaAlves, pela confiança depositada em nossa Coleção e pelo apoio decisivo durante as etapas deedição dos livros.

As mudanças mais importantes que atravessam a sociedade são representadas por realizações,não por ideais. O livro que você tem nas mãos retrata uma mudança de paradigma. Você, caro leitor,passa a ser integrante dessa revolução editorial, que constitui verdadeira inovação disruptiva.

Alice Bianchini | Luiz Flávio GomesCoordenadores da Coleção Saberes do Direito

Diretores da LivroeNet

Saiba mais sobre a LivroeNethttp://atualidadesdodireito.com.br/?video=livroenet-15-03-2012

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1 O deve ser adquirido separadamente. Para mais informações, acesse www.livroenet.com.br.

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Sumário

Apresentação

Sumário

Capítulo 1 O Direito, o Poder e a Teoria Geral do Estado1. O direito inserido em nosso cotidiano2. A sociedade e o direito3. Considerações sobre o poder político4. Reflexões sobre a teoria geral do estado5. A “política” e o “político”

Capítulo 2 O Homem1. Cultura

Capítulo 3 A Sociedade1. Origens2. A vocação natural do homem para viver em sociedade3. Os pensadores contratualistas

Capítulo 4 A Nação1. A nação: seu conceito objetivo e subjetivo2. Conclusão

Capítulo 5 O Estado1. Um breve escorço histórico

1.1 O Estado antigo1.2 O Estado grego1.3 Roma antiga1.4 O Estado medieval1.5 O Estado moderno

2. Conceitos3. As funções do Estado4. Formas de legitimação do poder5. Estado e direito

Capítulo 6 O Povo

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1. Nacionalidade

Capítulo 7 O Território

Capítulo 8 A Soberania

Capítulo 9 O Poder Constituinte1. A natureza do poder constituinte

Capítulo 10 O Golpe e a Revolução1. O golpe2. A revolução (uma perspectiva político-filosófica)

Capítulo 11 A Constituição1. A Constituição segundo Aristóteles2. O constitucionalismo3. O constitucionalismo brasileiro

3.1 O Brasil colônia3.2 A Constituição de 18243.3 A Constituição de 18913.4 A Constituição de 19343.5 A Constituição de 19373.6 A Constituição de 1988

4. O conceito de Constituição5. A finalidade da Constituição6. Classificação da norma quanto à hierarquia7. Classificação das Constituições8. Aplicabilidade das normas constitucionais

Capítulo 12 A Democracia Direta

Capítulo 13 Os Partidos Políticos1. Os partidos e a Constituição de 19882. Grupos de pressão e de interesse3. A representação política4. Considerações sobre a democracia direta5. Sufrágio

Capítulo 14 Formas e Sistemas de Governo1. Forma e sistema de governo2. Sistemas políticos

Capítulo 15 A Separação de Poderes1. Checks and balances2. O Poder Legislativo

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3. O Poder Executivo4. O Poder Judiciário

Capítulo 16 Organização do Estado Brasileiro e da Federação1. Da União2. Dos Estados Federados3. Dos Municípios4. Do Distrito Federal5. Dos territórios

Capítulo 17 A Ditadura1. As duas ditaduras mais expressivas do século XX2. Aspectos gerais da ditadura de Hitler3. Aspectos gerais da ditadura de Stalin4. Noções gerais5. A ditadura brasileira e a Comissão Nacional da Verdade6. O direito à resistência7. O pensamento de Thoreau (a desobediência civil)

Capítulo 18 O Estado de Direito

Capítulo 19 O Terrorismo1. Terrorismo e direitos humanos (aspectos atuais)2. Conclusão

Referências

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Capítulo 1 O Direito, o Poder e a Teoria Geral do Estado

1. O direito inserido em nosso cotidianoO Direito é essencial à nossa existência, inserido, fatalmente, em nosso cotidiano. Em todos os

meios de comunicação, as relações jurídicas, crimes e situações políticas predominam nosnoticiários.

Nossa vida familiar traz imbuídas em seu seio as relações jurídicas. Nossas relações de amizadee de trabalho (e até mesmo o ócio) trazem implicitamente o Direito.

Assim, não conseguimos caminhar alheios às leis que definem crimes e alteram impostos, bemcomo às leis elaboradas no Congresso, às sentenças dos Tribunais ou até mesmo às decisões dasAssembleias do clube desportivo de que somos adeptos.

Como vimos, em todas essas situações, faz-se presente o Direito. Ou seja: é presente, é fruto detoda nossa vida em sociedade.

Eis a razão por que o saudoso professor Goffredo Telles Junior destaca que o direito é guia.Aliás, convém relembrar neste ponto, em que se pretende delimitar o tema, o seu pensamento:

Há quem sustente, bem sei, que o Direito é uma armação coercitiva. A meus olhos, porém, oDireito legítimo, expresso em suas leis, longe de ser um instrumento de opressão, é uma estruturasolidária com o ser humano. É uma ordenação elaborada lentamente, no correr dos tempos, paraservir ao homem, e não para atormentá-lo. (...) Em verdade, na nossa vida normal a lei tem,fundamentalmente, a missão de orientar, dirigir. Ela é informadora, por excelência. Para aspessoas, em geral, ela exerce uma função, por assim dizer, educativa, pedagógica, didática.Ensina o que uma pessoa deve fazer ou não fazer para chegar aos fins colimados, e para conferireficácia jurídica a seus atos (TELLES JUNIOR, 1999, p. 557).

Assim, essas regras que estão impregnadas em nosso cotidiano são denominadas “direitoobjetivo”. Deste modo, a palavra “direito” se refere, num primeiro plano, a determinada espécie denormas (as normas jurídicas); eis, então, repita-se, o direito objetivo. Dentro de um segundo plano,“direito” designa determinada espécie de permissão (as permissões jurídicas) que os juristasabordam como direito subjetivo. E, finalmente, “direito” se refere, diante de um plano filosófico, aojusto.

Ora, além destas, encontramos, em nosso vasto ordenamento jurídico, outras normas que vinculama nossa vida ao Estado. São normas que nos permitem atuar diante do poder estatal. Assim, temoscomo garantia a liberdade de expressão, o direito à greve, o direito ao voto. Essas liberdades são

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conferidas pelo próprio Estado por meio de um diploma Constitucional. Refletindo sobre estasnormas, num primeiro momento, depreendemos que se referem tanto ao particular como às entidadescriadas pelos cidadãos (nas relações com o Estado).

Deste modo, já se constata de plano que o Homem, inserido em determinado espaçosociocultural, não pode prescindir do Direito. Este serve como “agente regulador” da vida humanaem sociedade. Tendo em vista que o homem não consegue viver alheio à vida social, conclui-se quenão pode, igualmente, viver sem as normas jurídicas (ou morais). Lembre-se de que o ser humano,vivendo isoladamente, não precisaria do Direito.

Eis a razão por que a sociedade (1) precisa de mais elementos e também (2) que exista dentro deum mínimo grau (para a sua efetiva manutenção) de “altruísmo” (alter, quer dizer, outro). Umasociedade fundada no espírito egoísta não consegue sobreviver. Esse altruísmo, contudo, tem que sergarantido, por vezes, pelo próprio Direito.

2. A sociedade e o direitoTendo em vista que a sociedade não existe sem o Direito e que o contrário também é verdadeiro

(daí os brocardos: ibi societas ubi jus e ibi jus ibi societas), devemos deixar consignado queestudos de antropologia política, sociologia e história deixam patente a inexistência da vida humanaisolada. Isto significa que o homem não conseguiu viver, ao longo de nosso processo histórico, àmargem da sociedade (seja de seus ditames morais ou jurídicos).

De fato, há teóricos na filosofia política, como veremos oportunamente, que elaboraram tesessobre a vida “pré-social” do homem. Pois bem. Quando falamos em “sociedade”, observamos, numprimeiro momento, o homem se agregando ao próximo para a realização, para a consecução de finscomuns (como é óbvio, durante tempo determinado para a efetiva obtenção destes fins comuns...).

Embora o Direito destaque e elenque inúmeros tipos de sociedades, para nós, neste momento, éimportante reter o conceito de que a sociedade tem uma ligação inexorável com o homem.

Notamos então o homem se reunindo com seu semelhante para a conjugação de esforços, rumandopara um fim, para um objetivo comum. Diante desse quadro, ele não pode fugir de uma inter-relaçãocom o próximo. Isso requer, fundamentalmente, regras, coordenação; uma estrutura que não sóassegure a sua efetiva subsistência, mas também a sobrevivência do grupo.

Ora, aí surge (de modo consciente ou não) o Direito; para responder aos anseios, às exigênciasque serão sempre crescentes e mutáveis dentro do seio social.

3. Considerações sobre o poder políticoUma vez vivendo dentro de uma sociedade, há, igualmente, a tendência de seus membros rumarem

e definirem seu próprio destino. Assim, há, fatalmente, dentro de toda e qualquer sociedade, jogos deinteresses. Diante de uma perspectiva econômica, este “jogo” ocorre na medida em que há umadesproporção entre os bens e a necessidade humana. Assim, havendo maior necessidade humana doque bens para satisfazê-la, geram-se, como consequência, conflitos de interesses.

Desses conflitos, decorre a necessidade de definir regras jurídicas para amenizá-los, compô-los.Decorre também o poder político, que traduz a faculdade de intervenção do ser humano sobre o serhumano. Trata-se, aqui, de um conceito mais elaborado, inerente à vida social: assim, um elementodefinidor do poder político é a coercibilidade.

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As normas de um Direito legítimo são tradução de um “querer coletivo”, ou seja: são o resultadoda ordem almejada por determinada sociedade. Ocorre quando querida pelos integrantes dedeterminado grupo social. A lei passa a ser a receita da ordem, a solução para erradicar (ou, aomenos, amenizar...) conflitos. Assim, há casos em que a violência legal precisa ser exercida paracumprir os mandamentos deste Direito legítimo (fruto da vontade da maioria dos integrantes dogrupo). Trata-se de um expediente com a finalidade de garantir a eficácia da norma desrespeitada,ferida.

O poder político, então, para ser legítimo deve estar fundado no querer coletivo, na aceitaçãosocial. Caso contrário, revela-se tradução de um poder ditatorial, ilegítimo, mesmo que estaimposição venha eventualmente a perdurar no tempo, a produzir eficácia.

Quanto a essa questão da “legitimidade”, abordada acima, de maneira brilhante expõe o temaMarcelo Rebelo de Sousa, quando afirma que:

É tradicional distinguir-se a legitimidade de título e legitimidade de exercício. A primeirabaseia-se no próprio Direito até então vigente, a segunda funda-se na capacidade revelada nodesempenho do poder. Multiplicam-se, historicamente, exemplos das várias situações possíveis.Da situação ideal de um poder político com legitimidade de título e de exercício (v.g., regimesdemocráticos estabilizados), a um poder político sem legitimidade de título, mas comlegitimidade de exercício (v.g., os regimes de base não democrática, mas em que os governantesse legitimam pelo exercício), ou a um poder político com legitimidade de título, mas semlegitimidade de exercício (v.g., os regimes que se baseiam na inovação do respeito de certoDireito, inclusive de raiz democrática, mas cujos governantes perdem a legitimidade pelo modocomo actuam) (Sousa, 2000, p. 17).

Assim, o poder político é definido e delimitado em lei. É então criado, delimitado por lei e, porseu turno, é criador de regras dotadas de coercibilidade. Note-se, então, que toda a vida social estaráà mercê deste fator criador do poder político.

4. Reflexões sobre a teoria geral do estadoNum primeiro plano, cumpre destacar que a Teoria Geral do Estado passa pelos mesmos desafios

das demais ciências sociais dos dias atuais. Há a imperiosa necessidade de quebrar paradigmas.Neste sentido, os problemas inerentes à reestruturação e (re)fundação do Estado, da ordem dospoderes, estão intimamente ligados a problemas e âncoras de ordem epistemológica que “engessam”o progresso nesse campo.

É neste sentido que temos a obrigação de refletir sobre nossos conceitos e conhecimentos. Talvezdefinições e teorias que até então julgássemos sólidas hoje não servem de sustentáculo. Isso nos levaà conclusão de que não são mais aptas a nos fornecerem, de maneira eficaz, soluções para osproblemas atuais e futuros. Ainda mais para o Brasil: a maior parte dos conceitos que carregamos aolongo do curso foi elaborada nos séculos XIX e XX (primeira metade), com epicentro em cincopaíses: Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Estados Unidos.

Ora, diante dos desafios que o mundo apresenta, eis a razão por que defendemos a ousadia, acriação e o desapego com o passado. Eis a razão fundamental para a quebra de paradigmas naabordagem e no estudo da Teoria Geral do Estado.

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Numa perspectiva clássica, a Teoria Geral do Estado traduz o nome como foi conhecida emvários países, uma espécie de “curso geral de Ciência Política”, inserida nas Faculdades de Direito.Trata-se de uma disciplina que analisa e busca chegar a um conhecimento rigoroso e, acima de tudo,confiável acerca dos fenômenos políticos. Essa denominação “doutrina ou teoria geral do estado” éfruto da tradução literal da palavra alemã Algemeinestaatslehre.

A reflexão acerca da “política” é muito antiga. A realidade política, a determinação de qualregime constitui o melhor ou mais adequado para dirigir determinado Estado (ou para exercer opoder) revela sempre uma enorme gama de teorias, reflexões e investigações. A História das IdeiasPolíticas demonstra que a preocupação surge muito cedo, na trajetória filosófica do homem. Destemodo, por exemplo, há antigas classificações de formas de governo que eram comuns no tempo dePlatão e Aristóteles e que foram retomadas, séculos depois, por Montesquieu.

Note-se então que a Teoria Geral do Estado traz, no seu bojo, princípios e conhecimentos deFilosofia, Sociologia, Antropologia Política, História e Economia, valendo-se deste intercâmbiopara melhor compreender, definir e aperfeiçoar o Estado (palco em que se desenrola nossa vida emsociedade...). Eis então sua característica multidimensional. Essa característica é benéfica, uma vezque, através das várias perspectivas, busca-se compreender este fenômeno extremamente complexoque é o Estado. Assim, afasta-se o exclusivismo metodológico que sempre se revelou nefasto (aindamais no campo do Direito...).

Alexandre Groppali trouxe uma brilhante e precisa definição:

A Doutrina do Estado é a ciência geral que, enquanto resume e integra, em uma síntese superior,os princípios fundamentais de várias ciências sociais, jurídicas e políticas, as quais têm porobjeto o Estado considerado em relação a determinados momentos históricos, estuda o Estado deum ponto de vista unitário na sua evolução, na sua organização, nas suas funções e nas suasformas mais típicas, com a intenção de determinar suas leis formativas, seus fundamentos e fins(Groppali, 1968, p. 8).

O Estado, como fenômeno de estudo, obriga necessariamente a análise do poder, do sistemapolítico, nomeadamente na parte que se refere ao modo como se distribui (e exerce esse mesmopoder). Para tanto, exige-se a avaliação de como se apresenta (forma), onde reside (sede) e a partirde qual ideologia atua ou se reveste. Ou seja: não podemos observar o Estado apenas sob a óticanormativa, mas, sim, buscar incluir todas as outras dimensões. Ora, isso faz com que a Teoria Geraldo Estado tenha uma proximidade enorme com a Ciência Política. Aliás, não há como desenvolver,igualmente, estudos em Ciência Política, deixando de lado o Estado...

Aliada à Ciência Política, tem por objetivo desenvolver estudos tanto no plano empírico (aefetiva realidade das coisas) como em termos prescritivos (ou seja: no campo do dever ser). Nestesegundo plano, dá-se lugar às construções utópicas, uma vez que servirão sempre de “guia”, dereferência tanto para a formação do juízo político como para a ação política (assim, O contratosocial de Rousseau se revela um belo exemplo).

Por último, cumpre destacar que uma conceituação ou abordagem científica sobre o Estado, bemcomo sobre o político, alimentará necessariamente, uma atitude política (ou seja: do político) eaprimorará, igualmente, o campo do conhecimento científico (ambos inseridos na Teoria Geral doEstado e na Ciência Política).

Assim, a título de conclusão, cumpre ressaltar mais algumas definições e divergências sobre a

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Teoria Geral do Estado, para melhor elucidar o tema proposto:Pedro Calmon dota maior autonomia para a disciplina, definindo a Teoria Geral do Estado “como

o conjunto das ideias que dele fazemos, apreciando-lhe, o conceito, a estrutura, a natureza, oprincípio e o fim, com os problemas que o situam no espaço e no tempo, ou seja, na sua realidadepresente e na sua transformação histórica” (Calmon, 1954, p. 21).

Para o professor Jorge Miranda, a Teoria Geral do Estado “pode ser tomada ou como construçãojurídica do Estado, das suas condições de existência e de suas manifestações vitais, ou (menosfrequentemente) como enquadramento do Estado na dupla realidade jurídica e estadual. Em qualquerdos casos, visa o Estado em si, ou, melhor, certo tipo de Estado, não este ou aquele Estadolocalizado” (Miranda, 2002, p. 19).

Já autores como Queirós Lima e Machado Paupério consideravam a disciplina como umaestrutura teórica, alicerce do Direito Constitucional.

Por fim, destacamos a posição de André Ramos Tavares, que, em sua obra, também separa asduas disciplinas, dotando-lhes de autonomia. Neste sentido, destaca que a “Teoria Geral do Estadoocupa-se do estudo do ‘Estado’ como ocorrência histórica, de caráter político-social. Estãoenglobados nessa ciência: 1º.) a origem do Estado; 2º.) suas características; 3º.) as diversas formasde Estado; 4º.) os objetivos dos Estados. A ciência do Estado tem também como objeto normas deDireito Constitucional, embora não esteja circunscrita ao âmbito jurídico (caso em que seidentificaria, parcialmente, com o Direito Constitucional), mas se preocupa igualmente com aspectosda sociologia, da História e da política”.

Já no que tange à Ciência Política, assevera que esta disciplina “tem-se dedicado aos maisdiversos estudos. Assim, inclui-se a filosofia política, preocupada em identificar os fins maiores daatividade política. Também se ocupa de analisar a realidade política, os procedimentos internos dopoder, descrevendo-os de maneira neutra. Há, por fim, a tentativa de aproximar a política dos ideaissociais, sempre objetivando a transparência da atividade política” (Tavares, 2010, p. 48).

5. A “política” e o “político”Óbvio que um dos fenômenos observados pela Teoria Geral do Estado é a política. Trata-se,

essencialmente, do poder que é exercido em determinada unidade sociocultural, ou seja: a polis, apolity.

Há que se distinguir “política” de “político”; politics e policy. Assim, o primeiro termo (politics)designa fundamentalmente a competição entre o poder político, a sua conquista, a sua manutenção ouaté o sentido em que é exercido.

O segundo termo (policy) designa, essencialmente, as propostas ou medidas que visam a realizarobjetivos a cargo do poder político. Assim, “política” é atinente à disputa entre os partidos e oscandidatos para vencerem determinado pleito, na busca de obtê-lo ou de realizar alianças para suaefetiva mantença. Já “político” trata da efetivação das medidas para alcançar a paz social ou o bemcomum (justiça, meio ambiente, segurança etc.).

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Capítulo 2 O Homem

A designação provém do grego anthropos (“homem”). Assim, cabe destacar que o homem seapresenta com múltiplas “faces” e, enquanto objeto de estudo e sujeito de investigação, sob osaspectos mais variados. Talvez resida aqui a tese de Lévi-Strauss de que compreender o homemsignifica, fundamentalmente, analisar suas diferenças.

Deste modo, diversas ciências e ramos do saber (a Sociologia, a Antropologia, a Criminologia, aEconomia, a Biologia, a Filosofia etc.) buscam analisá-lo de modo diferente, com métodos eabordagens díspares e com uma única finalidade (até hoje ainda longe de ser alcançada...):compreendê-lo. Assim, a Sociologia não aborda o homem apenas como um ser solitário,isoladamente, mas o insere em uma sociedade; a Psicologia busca compreender o homem por meiode sua consciência, e a Filosofia, por seu turno, como um ser capaz de agir no campo da teoria e daprática.

Tendo em vista nosso enfoque, diante do Direito e, mais precisamente, da Teoria Geral do Estado,observamo-lo essencialmente como um ser social, biológico e cultural.

Vale lembrar que, devido à transformação histórica, à evolução científica e às descobertasarqueológicas, tanto a análise do homem como a sua essência sofreram mutações. Assim, no séculoXVIII, Rousseau e Schiller buscaram edificar uma espinha dorsal sobre a História da humanidade,tendo como ponto de partida os relatos de diversas viagens, de Marco Polo a Cook.

Friedrich Müller atenta – no mesmo sentido – a que foi “Jean-Jacques Rousseau o primeiropensador que formulou em termos históricos o conceito do homem para a antropologia filosófica e anoção das normas para a comunidade humana, para a teoria política: nem ‘o’ homem nem as suasformas de vida comunitária estão definidas de uma vez para sempre. Não são dados supratemporais,dados ‘brutos’, hard facts, mas dados modificáveis, in fieri; estão sempre a caminho e por essemotivo se veem sempre ameaçados de descaminhos. Por isso faz sentido confrontá-los – e énecessário – com exigências normativas e políticas. Rousseau também não confunde nada a esserespeito: não confunde nem ‘nação’ com o ‘povo’ nem o ‘homem’ com o ‘cidadão’. O citoyen, bemcomo o peuple como soberano são conceitos enfáticos, materiais. Devemos trabalhá-los, e na suarealização, no árduo cotidiano da teoria, da legislação e da esfera jurídico-política” (Müller, 2009,p. 98).

Já no século XIX surge, por exemplo, o “evolucionismo unilinear”, com a finalidade de aplicar ateoria da evolução na culturalidade. Isso gerou, como consequência, o pressuposto (a teoria) de queo homem passaria, necessariamente, por diferentes estágios de evolução cultural: da selvageria à

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barbárie, da barbárie à civilização e da civilização ao estado de “perfeição relativa”.Cabe, porém, destacar que, até o século XX, a abordagem sistematizada e metodológica sobre o

homem revelou-se como fruto de estudos etnocêntricos e meramente comparativos, relegando, assim,à “margem do palco” as etnias minoritárias (tendo como paradigma única e exclusivamente a culturaeuropeia como ponto de referência do processo civilizatório).

1. CulturaPrimeiramente, é importante reter que os debates mais importantes no século XX sobre a questão

da “cultura” foram elaborados pelos marxistas (tendo em vista que os conceitos de cultura eideologia são cruciais no pensamento marxista e socialista).

Se observarmos com mais afinco a própria existência do homem, este se revela como um ser quetem como uma de suas características marcantes o fato de ser, essencialmente, um ente puramentereceptivo e suscetível ao intercâmbio com a realidade que o rodeia. Essa interação faz com queproduza costumes, técnicas e valores; enfim: cultura. Trata-se, então, de traços marcantes querefletem a realidade que o rodeia. Eis a razão da patente variação, seja no tempo, seja no espaço.

Muito daquilo que consideramos, hodiernamente, como “fator humano”, “cultura”, certamenteevoluiu através dos tempos. Aliás, observamos essa evolução muito depois da utilização dasferramentas pelo homem (embora tenha existido cultura, bem antes desse período). Toda nossaestrutura é fruto da cultura.

Atualmente, o termo se revela dentro do campo estético (dentro do domínio da arte); num segundomomento, revela todo o modo de vida peculiar, de determinada sociedade: aqui, o termo se refere,necessariamente, ao conjunto de valores espirituais em um povo ou nação.

Tanto Rousseau como Locke destacaram que o conhecimento seria, de fato, o responsável pelacultura, sendo que a educação seria o agente transformador e formador do homem (chegou-se atémesmo ao absurdo de defender que os símios, por meio de uma educação sistemática, poderiamdesenvolver-se em humanos).

Observando os nossos antepassados (do homo sapiens), notaremos que desenvolveram umatradição cultural de modo lento e progressivo.

Assim, a tradição cultural permite ao homem a transmissão de conhecimentos (a transmissão desuas habilidades, técnicas, valores etc.). Aqui, obviamente, terá papel fundamental a linguagem.

Neste sentido, a cultura constitui uma condição necessária, um alicerce para o desenvolvimentocientífico-filosófico.

Deste modo, uma conclusão se impõe: dentro de qualquer grupo humano, espaço sociocultural,definimos a cultura como o conjunto de técnicas, crenças e comportamentos aceitos por determinadogrupo.

Concluindo, consideramos pertinente a lição de Pedro Calmon em seu Curso de teoria geral doestado, ao ressaltar que:

O Direito esta aí. Apenas se transmuda, dia a dia, na sua estética, na sua sistemática, na suafilosofia. O direito Público de 1938 não é semelhante ao de 1919. Mas consagra boas, exatas,inconfundíveis realidades. A maior delas: é a realidade – Homem! O Estado é evolutivamentediverso; porém a Nação é sempre igual a si mesma! (grifo nosso) (Calmon, 1954, p. 13).

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PONTO PARA REFLEXÃOAssim, diante de tudo o que foi exposto neste capítulo, cabe agora refletir sobre uma questãoelaborada pelo filósofo alemão Nietzsche:Que sabe realmente o homem de si mesmo? E acaso poderia ver-se tal qual é, como expostoem uma vitrine iluminada? (Nietzsche, O livro do filósofo, 1988, p. 51).

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Capítulo 3 A Sociedade

1. OrigensTrata-se de um tema antigo e também polêmico, dividindo os pensadores sobre a questão. Assim,

a reflexão sobre a origem da sociedade e consequentemente da gênese do Estado é muito antiga. Valelembrar que o homem, desde que nasce, e durante toda a sua vida, integra-se em determinadasociedade (ou em diversas sociedades, simultaneamente).

Assim, a sociedade é objeto de estudo de vários ramos das ciências sociais, dentre elas oDireito, a Sociologia, a História e a Antropologia. Nos dias atuais, tendo em vista a especializaçãoque ocorre nas diversas ciências, cabe destacar o papel da Antropologia Política. Este ramo do saberse debruça sobre questões básicas que ainda surpreendem os cientistas, tais como: de que modoidentificar e qualificar a política? Como construir um pensamento sólido acerca do assunto ou definirsuas funções, uma vez que existem sociedades desprovidas de uma “organização política”? Quais sãoos elementos necessários para que um agrupamento humano possa ser reconhecido como umasociedade? Questões essenciais para a compreensão da relação complexa: homem-sociedade.

Tendo em vista questões epistemológicas, e com a finalidade de evitar equivocatio verborum ouconceitos errôneos, cumpre analisar que a palavra portuguesa “sociedade” deriva do latim societas.Esta palavra para os romanos tinha uma conotação de “associação amistosa de um conjunto de seresque compartilham a mesma cultura e tradições”.

Ainda dentro desta ótica de rigor (uma vez que estamos decompondo a palavra e seus sentidos),cumpre salientar que o termo é utilizado em três sentidos que se distinguem no seu contexto:a) a sociedade humana (ou a humanidade socializada);b) a sociedade vista como tipos historicamente existentes, tal como a sociedade feudal ou a

sociedade comunista, por exemplo;c) qualquer sociedade particular, tal como Roma Antiga, França, Portugal, Brasil etc.

Analisando o seu sentido genérico, o termo “sociedade” traduz qualquer conjunto de indivíduosque mantêm relação de (co)dependência. Se analisarmos sob uma ótica ainda mais genérica,“sociedade” nos revela o conceito de homens agrupados sob determinada ordem normativa, nabusca de um bem comum, com um poder que os unifica.

Ora, fica evidente então o papel do Direito. Este se reveste em ordenar a vida em sociedade, emcomunidade. Como é cediço, a ideia de Direito e a ideia de sociedade estão intimamenterelacionadas, pois é importante reter que não há Direito sem sociedade nem sociedade sem Direito

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(ubi jus ibi societas; ubi societas, ibi jus).Como também é notório, os seres humanos são indissociáveis da natureza. Aliás, ela constitui o

palco, a base natural para todas as suas atividades. A vida humana tem exigências múltiplas. É bemverdade que, com o avanço da tecnologia, da ciência e da economia, cada vez as tenha mais. A vidaem sociedade busca suprir essa demanda em todas as fases, durante toda a nossa vida.

A primeira e talvez mais importante sociedade que integramos é natural: a família. Ela, numprimeiro momento, alimenta-nos, educa-nos, e nos garante a subsistência e a sobrevivência. Durantea sua vida, o homem ainda se integra em outras sociedades, criadas talvez por ele mesmo, com afinalidade de preencher suas necessidades educacionais, culturais, religiosas, morais, profissionais,políticas e econômicas.

Assim, pode ser que, por determinada questão ou causa, determinado grupo de pessoas se reúnaem determinado lugar visando a algum objetivo comum. Isso efetivamente caracteriza uma“sociedade”? A resposta, como é óbvio, caminha no sentido negativo. Assim, por mais numeroso quevenha a ser o grupo, não caracteriza, necessariamente, uma sociedade. Tomemos o seguinte exemplo:os alunos diante de uma sala de aulas e os espectadores de um divertimento público ou de um estádiodesportivo são apenas a tradução de homens justapostos, e, com isso, não formam, de modo algum,uma sociedade.

Ora, neste caso, falta um requisito essencial: a união visando ao bem comum e um poder que osunifica. No fundo, três elementos são necessários para a existência de uma “sociedade”:a) uma finalidade comum: trata-se de um objetivo comum a ser alcançado, conscientemente. Trata-se

de uma organização consciente, com a submissão voluntária às normas estabelecidas pelo grupo,bem como com o requisito de que todos os membros rumem para o mesmo objetivo: o bemcomum;

b) manifestação de conjunto ordenada: não importa, neste caso, a quantidade de pessoas queintegram o grupo; o importante é que a finalidade seja comum, a mesma para todos;

c) o poder social: trata-se da existência de um poder legítimo, com a anuência dos que a ele sesubmetem. Este poder age, necessariamente, conforme o Direito, colocando a coação como formaextrema de assegurar a existência e o bem-estar do grupo.Notamos, através de sua história, que o homem, (com)vivendo em sociedade, tem amplos

benefícios. Não resta dúvida de que a vida em conjunto com seus semelhantes, rumando para ummesmo destino, trouxe ao homem paz e bem-estar, e, acima de tudo, garantiu a sua sobrevivência.

Mas também trouxe ao homem amarras e limitações. Quando lançamos os olhos para o homem emseu estado de natureza, observamos que o selvagem vivia desagregado do seio da sociedade. Porém,uma coisa era evidente: dentro de suas limitações humanas, enfrentando todos os tipos devicissitudes, ele tinha, de fato, um bem que – segundo alguns – era muito precioso: a liberdadeirrestrita. Ao aderir à vida social, essa “liberdade” é tolhida, mitigada; o indivíduo passa a sofrerlimitações em detrimento do grupo, da paz social, do bem comum.

É exigido, para que continue em harmonia com o restante do grupo, que controle sua débilvontade, impaciente e poço tenaz. Deste modo, o homem é obrigado a viver inserido neste gruposocial, numa civilização que requer a exigência do Direito e da ordem para não o matar (justamente ohomem!... a quem ela deveria servir...).

Convém, neste passo, analisar duas questões fundamentais que atormentam (ainda hoje) o espírito

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dos filósofos e cientistas políticos:A primeira (embora já começamos a refletir sobre ela): por que o homem – (mesmo limitado, por

vezes até sofrendo) – continua inserido em sociedade? E, daí, surge a segunda pergunta: há, de fato,uma coação irresistível que o compele a viver em sociedade ou isso é devido à sua natureza?

Duas correntes filosóficas buscam elucidar essas questões:De um lado, temos a corrente dominante, na qual prevalece o entendimento de que a vida em

sociedade é natural; de outro, temos aqueles que sustentam ser uma questão de escolha do homem.Antes de adentrarmos nessas correntes que buscam elucidar a vida em sociedade, convém refletir

sobre alguns aspectos que lhes antecederam.Na verdade, há duas teorias (mais antigas) que analisam o homem na época selvagem, que se

opõem sobre o tema, e que devemos analisar com extrema cautela:a) a primeira traduz uma teoria patriarcal que assenta num tripé: na Bíblia, em Aristóteles e no

Direito Romano. Sustenta, pois, que a sociedade deriva originariamente da união de gruposfamiliares, todos submetidos à mesma autoridade: a do pater familias;

b) opondo-se à primeira, encontramos a teoria matriarcal da sociedade, sustentando que, nosprimórdios, não existiam famílias organicamente constituídas, mas somente grupos reunidos semqualquer sistema definido, amorfos, sem características comuns. Nestes grupos, a mãe revela-seno centro da “família”, num elemento agregador, isso devido a um grau de certeza evidenciadopela própria natureza: mater semper certa.Jusnaturalista e aristotélico, o pensador britânico Gilbert K. Chesterton corroborou este

pensamento destacando que, “Na ordem humana, único tipo completo da ordem universal, nãoexistem famílias sem sociedade, assim como sociedades sem famílias”, e prossegue seu raciocínio namedida em que: “A família humana não passa no fundo de nossa menor sociedade; e o conjuntonormal de nossa espécie forma apenas, em sentido inverso, a família mais vasta” (artigo com o título“O que há de errado com o mundo”, publicado num jornal de Londres).

Já na Grécia Antiga, Platão talvez tenha sido um dos primeiros filósofos a refletir sobre o tema(tendo-se como base a tradição de pensadores ocidentais). Este filósofo nasceu numa família nobrede Atenas, por volta de 427 a. C.; seu verdadeiro nome era Arístocles, porém ganhou a alcunha de“Platão” (amplo, largo). Embora, como todo jovem ateniense, tivesse sido preparado para odesempenho na praça pública, na vida política, tornou-se discípulo de Sócrates.

Assim, na Grécia Antiga, começa a germinar, na Cidade-Estado de Atenas, o questionamentosobre a sociedade, sua legitimidade, sua eficácia, os limites do soberano. Em sua obra mais notável(obviamente para o Direito), A República, Platão apresenta uma concepção de sociedade que éimportante solidificar: neste seu diálogo, deixa claro seu sonho de uma sociedade fraterna, repleta deharmonia, a qual prevaleceria sempre diante do caos que a realidade nos impõe.

Este conceito de sociedade platônica, ideal e isenta de males, em que prevalece a igualdade e ajustiça, servirá sempre como fonte de inspiração para os pensadores utópicos que viriam séculosdepois. Tais como o brilhante Thomas More, no século XVI, com sua Utopia, e TommasoCampanella, com sua obra A cidade do sol.

Serviu, de igual modo, como norte para movimentos sociais de reformas que se desenvolveramao longo da História da humanidade.

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Uma ressalva se impõe: vale lembrar que Platão foi um dos maiores críticos da democracia(levando-se em conta a democracia ateniense que ele conheceu e retratou ao longo de seus Diálogos;a sociedade ateniense que tragicamente teria eliminado um dos maiores pensadores da humanidade:Sócrates).

Platão compareceu ao julgamento de Sócrates. Pôde observar o fim trágico e injusto a que seumestre foi submetido. Após ver o crime político do qual foi vítima o velho filósofo, Platão vai passarsua vida buscando um regime político ideal que fosse incapaz de abrigar no seu seio uma injustiçaigual à que levou Sócrates à morte. Vale destacar que, após esta desilusão com a democraciaateniense, Platão abandonou a cidade, retornando apenas por volta de 385 a.C.

Então, numa sociedade ideal para Platão, cada indivíduo se portaria de modo consciente, segundoos parâmetros de Bem e de Justiça (tanto no plano da teoria como na prática). Só assim, e lideradopor um sábio (o filósofo), o homem poderia viver em paz, em harmonia.

Assim, chegamos agora à primeira corrente que pretende explicar as perguntas que vimosanteriormente.

2. A vocação natural do homem para viver em sociedadeSe observarmos ao longo da História da Filosofia, o filósofo mais antigo a atribuir ao homem

essa vocação, essa inclinação natural foi Aristóteles. Nascido em Estagira, Calcídica (nordeste daGrécia atual), era filho de médico da família real da Macedônia e obteve uma educação aristocrata.Posteriormente, conheceu seu mestre Platão, quando adentrou sua “Academia”, aos dezessete anos.Após a morte de seu mestre, trocou Atenas pela Jônia. Dali, foi designado preceptor de Alexandre, oGrande, na Macedônia, retornando a Atenas por volta de 335 a.C.

Em sua obra (também extremamente relevante para o Direito) A Política, ressaltou que: o homemque se revela incapaz de se integrar, de aderir a determinada comunidade, fá-lo por dois motivosfundamentais: ou porque não sente absolutamente essa necessidade, uma vez que basta a si mesmo(um deus, por exemplo), ou porque tem total inaptidão para se adequar ao grupo, às normas, e, assim,seria um bruto, uma fera.

O homem seria, portanto, um animal político (zoon politikon). Assim, o homem só alcançaria suaperfeição na vida em comum com os outros. Aqui, no seu semelhante, o homem busca referibilidade emoralidade, enfim: encontra-se, satisfaz-se. Esta é a razão por que nenhuma sociedade sobrevivefundada no egoísmo. Há que existir, para a sua efetiva sobrevivência, em maior ou menor grau,altruísmo (“alter” – outro). Então, a vida em sociedade implica, necessariamente, uma relação(relatio ad alterum) em que os indivíduos convivem e cooperam num mesmo espaço, com objetivosidênticos, buscando a realização de fins comuns.

Repise-se que esta sua visão sobre o homem e sobre a vida em sociedade revela-se num marcoaté os dias modernos. Há inclusive quem sustente que, depois que Aristóteles definiu e abordoucertos assuntos, não haveria mais necessidade de complementação. Eis, aqui, um destes assuntos.

São Tomás de Aquino, o mais renomado e fiel seguidor de Aristóteles, na Idade Média, reforçoueste pensamento, ao destacar que a vida solitária seria uma exceção para o homem, pois somente umser dotado de natureza vil teria dificuldades de (com)vivência com seus pares. O normal na vida dohomem é a (com)vivência, a associação. Assim, o Doutor Angélico ressaltou três situações nas quaiso homem solitário poderia enquadrar-se:

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a) a primeira trata-se da excelentia naturae; ocorre no caso de indivíduo virtuoso por excelência,pois estaria compartilhando das beatitudes eternas, ou seja: em plena comunhão com a própriadivindade (que seriam os santos);

b) a segunda trata-se da corruptio naturae, que se dava nos casos de doenças mentais;c) a terceira, por sua vez, trata-se da mala fortuna, que se dava no caso de um naufrágio ou outra

situação que forçasse o indivíduo a viver isolado de seus pares (para ilustrar este pensamento,convém salientar o exemplo de Robinson Crusoe, no brilhante romance de Daniel Defoe,publicado no Reino Unido, em 1719).Embora ainda tenha havido outros pensadores que aderiram à tese de que o homem tem uma

inclinação natural para viver em sociedade, cabe destacar que Aristóteles e São Tomás de Aquinopraticamente esgotaram o assunto em comento. Estes dois pensadores jusnaturalistas deixarampatente que o homem é guiado pela necessidade de cooperação entre seus pares com a finalidade degarantir a sua existência (ou a sobrevivência do grupo, no caso de guerra, fome etc.).

Mas, como se trata de filosofia política, é óbvio que existe posição contrária, com aspectosigualmente contundentes. Assim, há o outro lado da moeda: há posição filosófica em que ospensadores defendem que a sociedade não é um fator natural, mas, sim, um ato de escolha do homem(a tradução de um “contrato”).

3. Os pensadores contratualistasUma visão diametralmente oposta faz com que seus defensores sustentem que a sociedade é

apenas o produto de um acordo, de um contrato, um fator de escolha do homem. Trata-se, aqui, de umcontrato hipotético, celebrado entre os integrantes de determinado grupo sociocultural (eis a razãopor que os adeptos desta corrente são chamados de contratualistas), que, uma vez abrindo mão desua liberdade irrestrita (voluntariamente), decidem rumar juntos para um fim ou objetivo comum.Esta denominação, “contratualistas”, é atribuída aos filósofos que, entre os séculos XVI e XVIII,destacaram que a origem da sociedade funda-se num “contrato”.

Assim, os homens, nos primórdios (no estado natural), viviam desprovidos de poder ouorganização. Estes fatores passaram a existir depois que houve um pacto firmado entre os homens.Este pacto estabeleceu regras de convívio social e de subordinação política.

Ao contrário da notória sintonia existente entre Aristóteles e São Tomás de Aquino, entre oscontratualistas há várias posições que são bem diferentes entre si na explicação e abordagem dotema. Contudo, há, definitivamente, um fio condutor entre elas: o fato de refutarem por completo aformação natural da sociedade, ou seja: descartam o impulso associativo natural.

Esta filosofia aparece com força no pensamento de Thomas Hobbes. Este filósofo, que nasceu em1588 e graduou-se em Filosofia na Universidade de Oxford, tem no Leviatã sua obra mais relevantepara o Direito, publicada em 1651 (aqui, convém recomendar, para quem pretende se aprofundar notema, que a leitura desta obra seja feita em simultâneo com A Política, de Aristóteles, uma vez quesão absolutamente contrárias entre si). Assim, como é óbvio, o pensamento hobbesiano choca acomunidade científica da época (que ainda estava presa aos conceitos de Aristóteles). Ressalte-seque o segredo para compreender este pensador reside no seu conceito de estado de natureza.

Contrariando a escolástica e o aristotelismo, o homem, para Hobbes, viveu, no início dos tempos,de fato, num estado de natureza. Cabe ressaltar que, nesta definição aqui estudada, Hobbes não

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descreveu apenas o tempo primitivo – ab origine – da História, mas também situações ou momentosem que a sociedade vive períodos de desordem (até porque a natureza do homem também nãomuda...).

Ora, inserido neste estágio natural, o homem vivia sob constante ameaça e violência, sendo-lheextremamente difícil garantir sua subsistência ou até sua própria sobrevivência (uma vez que ohomem, nesse estágio, não tem quaisquer limites, revela-se egoísta – ao contrário do altruísmo quedeve prevalecer numa sociedade – luxurioso, propenso à violência e fadado a viver solitário,beirando um estágio animalesco). No fundo, todos podem tudo. Esse estado de natureza configura oestado de guerra (de todos contra todos), uma vez que, paradoxalmente, todo homem se sentepoderoso, ao mesmo tempo em que nutre temor por seu semelhante.

Ora, neste estado, o temor do homem por seu semelhante impera. O homem pode apenas esperarde seu semelhante a agressão, o furto de seus bens ou qualquer outro tipo de mal. Para Hobbes, nestafase, o homem é o lobo do próprio homem. Como consequência, este estado desencadeia,inexoravelmente, a guerra de todos contra todos (a título de elucidação, abonando essa tese deHobbes, o pensador francês Alain descreve, em suas Considerações II, o seguinte pensamento:“Creio que a sociedade é filha do medo, não da fome. Ou melhor, eu diria que o primeiro efeito dafome deve ter sido mais dispersar os homens do que agrupá-los, todos indo buscar seu alimentojustamente nas regiões menos exploradas. Só que enquanto o desejo os dispersava, o medo osagrupava. Pela manhã, sentiam fome e tornavam-se anarquistas. Mas, à noite, sentiam o cansaço e omedo e amavam as leis”).

Tendo em vista que o homem é dotado de razão, apesar de suas paixões e inclinações, o homem,racionalmente, descobre a necessidade e segue princípios que o afastam deste estado natural,passando a fazer prevalecer o estado social.

A filosofia de Hobbes, portanto, traduz a ideia de que o único modo de manter uma sociedadecivilizada e pacífica é com a implementação do absolutismo. Para o filósofo, o homem devetrabalhar em sociedade, em (com)junto, para garantir a continuidade de sua própria vida. Assim, ohomem alcança princípios de Justiça e passa a conviver com eles.

Isso leva Hobbes a definir duas leis fundamentais da natureza que servirão de alicerce para avida em sociedade:a) a primeira revela certo utilitarismo, na medida em que cada qual deve promover um esforço para

alcançar a paz, enquanto nutrir a esperança para alcançá-la. Quando constatar que é impossívelobtê-la, deve aproveitar todas as “vantagens” que a guerra pode possibilitar;

b) a segunda destaca que cada qual, em consenso com os demais integrantes da sociedade, deverenunciar a seu direito sobre todas as coisas (que efetivamente existia no estágio natural, pois nãohavia propriedade, leis etc.). Ou seja: criam limites conscientemente. Assim, cada qual deve nu-trir satisfação em reconhecer os direitos dos demais homens, com a mesma liberdade que lhe foiconcedida a si (este seria o alcance efetivo do estágio social ou estado civil, em que há o impériodo altruísmo).Ora, é com plena vontade e consciência desses postulados que o homem celebra com seus pares o

contrato, abrindo mão de sua liberdade irrestrita, criando limites. Há, portanto, uma cessão dosdireitos de liberdade a um poder maior. Óbvio que Hobbes previa a possibilidade de que, em virtudedesta vida em sociedade, ainda haveria, fatalmente, conflitos de interesse em razão do egoísmo que

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ainda ecoaria no espírito humano. Assim, seria fundamental a existência de um poder invisível quegarantisse o respeito aos limites estabelecidos pela (com)vivência. Eis, aqui, o estado absolutista, oLeviatã (metáfora referente ao monstro bíblico que possuía um coração de pedra e que eraextremamente poderoso), pois tem o condão de assegurar os direitos essenciais do cidadão.

Então, esse poder invisível, que se traduz no estado absolutista (no Leviatã), tem o poder maisclaro e acabado para resguardar os limites dos homens, uns diante dos outros, bem como de castigá-los em caso de transgressão. Assim, em virtude do temor ao castigo, o homem passaria a respeitar oque foi estabelecido, pactuado. Depreende-se, então, que não basta (para assegurar a paz e o bem-estar) o Direito. Também é necessária a existência de um Estado dotado de espada com a finalidadede forçar os homens a se comportarem conforme estipula o pacto.

Hobbes abordou de modo exaustivo todas as mazelas do estágio/estado natural do homem.Concluiu que o homem não pode prescindir da convivência com seu semelhante inserido em umEstado forte, absolutista. Quando uma comunidade é estabelecida, deve ser mantida a todo custo,pela segurança e bem-estar que proporciona ao homem. Eis a razão por que, para o teórico inglês,mesmo diante de um mau governo, ainda assim, este é preferível ao estado de natureza (caótico eviolento).

Nesta mesma corrente contratualista, encontramos o filósofo liberal inglês John Locke. Nascidoem 1632, filho de um advogado inglês, estudou em Westminster School e depois em Oxford. Estepensador teve que fugir duas vezes da Inglaterra (uma vez que foi opositor dos Stuart), refugiando-sena Holanda, retornando após o reinado de Guilherme e Maria.

Por meio de sua filosofia política, propôs basicamente os seguintes pontos: uma teoria docontrato social; da legitimidade do governo e a ideia de direitos naturais (e a propriedade privada –para ele, a propriedade já existia no estado de natureza e, tendo em vista que antecede a sociedade, énatural e não pode ser violada pelo Estado).

Locke apontou razões diversas para a vida do homem em sociedade. Em primeiro lugar, ofilósofo rechaçou a ideia de que a sociedade se mantinha para conter a guerra de todos contra todos.Num segundo momento, fundou sua doutrina política sob a ideia de um governo consentido e aceitopelos seus governados diante de uma autoridade legalmente constituída com a finalidade de respeitaros direitos naturais do homem.

Para este pensador inglês, legitimaria o poder político a adesão da maioria dos cidadãos aocontrato ou ao pacto social. Assim, a soberania deveria ser exercida pela população (na Inglaterra,representada pelo Poder Legislativo), e não pelo Estado. Então, o que caberia ao governo? Lockedestacava que ao governo caberia apenas garantir a aplicação das leis civis.

Convém apontar que sua filosofia política foi uma das fontes inspiradoras das revoluçõesamericana e francesa.

Outro pensador relevante nesta corrente é Charles Louis de Secondat, o barão de Montesquieu.Filho de nobres/aristocratas (eis a razão por que, segundo alguns críticos, demonstra complacênciacom essa classe social), este pensador político francês, iluminista, em sua obra O espírito das leis,lançou os alicerces de um constitucionalismo que influenciou a Europa e as Américas.

Vale ressaltar que Montesquieu viveu na França durante a revolta e repúdio com a política deLuís XVI (o Rei Sol), certamente marcado pela História como o mais duro de todos os monarquistasabsolutistas (embora, a bem da verdade, destaque-se nesse rol, também, Henrique VIII).

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Montesquieu evidenciou que o homem esteve inserido num estado natural, antes de se integrar noseio social. Nesta questão, diverge ligeiramente de Hobbes, na medida em que destaca que o homemneste estágio (natural) não se sente igual aos demais, vivendo num constante temor, cônscio de suaprópria fraqueza.

Montesquieu estabeleceu postulados que asseguram a vida em sociedade:a) o anseio pela paz;b) a busca por suprir as necessidades vitais do homem;c) a atração natural entre os sexos;d) a satisfação da vida em sociedade (quando o homem se conscientiza de seu estado, quando

desprovido dela).Assim, impelido por esses fatores, o homem passa a viver em sociedade, sente-se satisfeito,

protegido e forte. Neste momento, devido a esse sentimento de força, de potência e de proteção, ohomem desconsidera a igualdade natural existente entre todos e gera conflitos dentro da mesmasociedade em que se insere (ou, em grupo, as sociedades geram conflitos entre si).

Por fim, vale alertar que, tanto no Espírito das leis como em Cartas persas (as obras relevantespara o Direito), Montesquieu não explicita efetivamente no que consistiria esse “contrato social”.

Dentro desta visão contratualista, abonando o pensamento de que efetivamente existiria um pactoinicial, encontramos o filósofo francês Jean Jacques Rousseau. Este pensador nasceu dentro de umafamília calvinista na Suíça; suas ideias polêmicas fizeram com que seus livros fossem proibidos naFrança e no seu país natal.

A obra O contrato social fez com que Rousseau fosse brindado com o galardão mais alto que umfilósofo poderia alcançar: seu pensamento serviu de base e lema para a Revolução Francesa.

Observamos em Rousseau uma preocupação em explicar a razão pela qual o homem nasce livre eacaba por revogar essa condição.

Atentou que o homem, inserido no estado de natureza, seria essencialmente bom. Assim, quando aideia de propriedade privada ganhou terreno, como consequência, houve a necessidade demecanismos de proteção. Rousseau atentou a que aquele primeiro que, ao cercar um terreno, afirmou“isto é meu” e encontrou, diante de si, pessoas suficientemente simples que acreditaram na premissa,teria sido o real inventor da sociedade civil. Prosseguiu, ainda, asseverando que quantas guerras,crimes e males teria evitado ao gênero humano aquele que, por acaso, viesse a arrancar as estacas etapar os buracos, contra o primeiro, gritando a seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esseimpostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra, de ninguém”.

Observamos que estas leis que visam à proteção da propriedade privada são impostas pelosdetentores de propriedade em detrimento daqueles que nada possuem. Esses “mecanismos” deproteção da propriedade ou leis vinculariam as pessoas de forma injusta. Eis a sua conclusão de queo homem nasce livre por toda a parte do mundo e que acaba por se encontrar acorrentado.

O filósofo buscou estabelecer em sua obra as condições de possibilidade de um pacto legítimo,em que os homens, após terem perdido sua liberdade irrestrita (do estado de natureza), obtivessem,em troca, a liberdade civil.

Contudo, para Rousseau (tal como os demais contratualistas), a ordem social revela-se numdireito sagrado, e sem ela, não existirão os demais. Porém, esse direito não provém da natureza, mas

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encontra seu fundamento em convenções, no pacto. Deste modo, a vontade geral, o desejo das gentesé o fundamento da sociedade (e não a natureza humana). As convenções seriam a base, o alicerce detoda autoridade legítima para regular a vida social. Assim, em contrapartida, há a renúncia a todaliberdade e direitos por parte de todos os integrantes da sociedade, submetendo-se cada um a todosdo grupo e a ninguém de modo específico. Ora, essa associação teria a finalidade de conservar epreservar a integridade dos homens (seus integrantes), que, unidos, formariam o corpo moral ecoletivo.

Estes conceitos de “vontade” e de “representação” são importantes na filosofia de Rousseau.Note-se que o filósofo acreditava que até mesmo com a Monarquia o povo pode manter-se soberano,pois basta que o monarca se aceite como funcionário do povo.

Neste sentido, a vontade do soberano seria reflexo da vontade geral, da vontade das gentes.Assim, no pensamento de Rousseau, mesmo que fosse permitido ao indivíduo componente do grupoter opiniões divergentes daquela defendida pelo soberano, haveria a necessidade de respeitar ecumprir a vontade deste (pois, caso contrário, desrespeitando a vontade do soberano, o cidadãoestaria agindo contra si mesmo, contra sua própria liberdade, uma vez que o soberano traduz aexpressão do coletivo).

Ora, a vontade de todos traduz a soma das vontades particulares e deve ser aquela (a vontadegeral) que tem que efetivamente prevalecer, pois é legítima para governar. Ainda que, caso venham aexistir associações, inseridas na sociedade, com o objetivo de sobrepujar a vontade do particularsobre a vontade geral, aquela sociedade deva ser prontamente eliminada, uma vez que fere oprincípio da igualdade, princípio basilar para a sobrevivência da sociedade.

Para Rousseau, a finalidade do Estado revela-se na busca do bem comum. Assim, este objetivodeve ser preservado a qualquer custo, mesmo que venha a atentar contra a vida de um cidadão que,eventualmente, tenha se afastado do pacto. Ao contrário do estado natural, o estado civil (em queexiste um Estado dotado de espada) força o homem a consultar sua razão antes de ouvir seus apetites,seus desejos (descontrolados e egoístas).

Contudo, ao soberano não deve recair a tarefa de criar leis, pois Rousseau pontua que essasdevem ser criadas por um legislador. Este, por sua vez, um homem de grande inteligência e que, aoelaborá-las, aja com cautela e prudência, levando, sobretudo, em consideração se elas estão emsintonia com o povo (vontade geral). Esse é, segundo o pensador francês, o objetivo da lei:representar a vontade do povo como se ele a tivesse elaborado.

No pensamento de Rousseau, encontramos o conceito de que as leis só prestam serviço àcoletividade quando provenientes das mãos de bons governantes. Ademais, o estado social só produzo bem aos homens quando não há grande disparidade de propriedades entre eles (desigualdadesocial). Quanto a essa questão econômica (que ainda é extremamente atual), ele ressaltava quenenhum homem deveria ser pobre o suficiente para vender-se, nem rico o suficiente para quepudesse comprar aquele que quer vender-se.

Noutro tipo de pensamento, agora mais moderno, destacamos Marx. Este pensador aponta parauma origem patrimonial da sociedade. Evidenciou com críticas pesadas a disparidade de patrimônioque sempre existiu nas diferentes sociedades (seja no espaço, seja no tempo). Aqui temos um dosfundamentos para a célebre frase de Marx, que destacava que a “história da humanidade se revela naluta de classes”. Esta luta é perene, eterna, em virtude desta disparidade econômica (força motriz

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desta luta de classes).Assim, haveria a dominação daqueles que efetivamente detêm o patrimônio (e capital) sobre o

trabalhador (ou escravo). Aliás, o Direito teria a finalidade de garantir esse domínio e o patrimôniodaqueles que detêm o poder econômico. O Direito estaria a serviço daqueles que detêm o poder. Umbom exemplo seria a sociedade feudal.

Por fim, há também quem defenda que a sociedade é fruto da força. Neste sentido, o homem seagrupa em sociedade devido à submissão dos mais fracos em detrimento dos mais fortes, ou seja: asociedade se forma com a imposição cultural, econômica, religiosa, filosófica, artística e históricade um grupo vencedor a um grupo vencido.

Devemos, também, levar em conta que, atualmente, inúmeras teses são elaboradas sobre asociedade, sua existência, origem e até sua efetiva extinção. Assim, a questão sobre a sua extinção éalgo que merece nossa atenção. O medo da extinção da sociedade passa a ser até maior do que a dopróprio indivíduo, ou seja: da eventualidade de sua própria morte.

Com toda certeza, haverá um futuro em que as línguas (como a nossa, por exemplo) estarãotrancafiadas num “livro de relíquias” (tal como acontece, atualmente, com o grego clássico e olatim...) e nossas leis e costumes tornar-se-ão, fatalmente, obsoletos. Isso se deve ao fato de que associedades (tal como o homem) não são estáticas (são, porém, dinâmicas). Mas é muito difícil para ohomem conceber e não temer a extinção da sociedade, bem como conceber um mundo desprovidodesta essência natural.

É interessante sempre adentrarmos no campo da literatura. Assim, é importante refletir sobre umfato importante para a questão em estudo: em 1999, os leitores de determinada rede de livrosamericana votaram como seu livro predileto em O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien. Ora, nestaobra fascinante, uma das preocupações constantes do escritor britânico residia não apenas namortalidade do indivíduo, mas também na morte, na extinção do grupo social.

Tolkien participou da Primeira Grande Guerra e, nas trincheiras, pôde constatar a incertezaquanto ao destino, ao futuro da própria existência da Europa e da humanidade – temendo o retorno àstrevas, em que a vida estaria “por um fio” (aliás, este estado no qual imperam as trevas é muito bemretratado na obra em comento). Deste modo, na trilogia, observamos uma luta para garantir aexistência não somente de um ou de outro personagem, mas, sim, da sociedade como um todo: dogrupo.

Ora, aqui cabe uma conclusão elementar: numa era em que guerras buscam dizimar culturas paraimpor outras culturas (ditas superiores) ou modo de vida, O senhor dos anéis, em nosso ponto devista, revela-se atual. Tolkien criou uma referência de valores sem precedentes. A preservação dasociedade, da identidade cultural, da abnegação, da alteridade, ainda faz, até os dias atuais, com queo homem busque a sua própria morte (embora por causas dotadas de maior ou menor nobreza...).

Essa é a explicação por que o homem faz sacrifícios pessoais a favor do grupo. Eis a razão pelaqual um bombeiro arrisca sua própria vida para salvar alguém que nunca viu. Eis a razão que levaum soldado, numa trincheira, a jogar-se sobre uma granada para salvar companheiros que malconhece: o altruísmo. Isto ocorre porque há uma “chama interna” que admite a vida em sociedadecomo natural, como essencial ao homem; há que se preservar o grupo... Assim, a mera perspectiva dofim/da extinção da sociedade, tal como estamos tradicionalmente acostumados a concebê-la ouintegrá-la, gera o temor e a repugnância naturais no homem.

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Neste sentido, levando-se em consideração todas as definições elencadas neste capítulo,podemos concluir com segurança que a sociedade se traduz numa pluralidade de homens(com)vivendo voluntariamente e cooperando entre si dentro de determinado território, com afinalidade precípua de satisfazerem suas necessidades, garantir a sobrevivência (individual ou dogrupo), formando um grupo uníssono (ao menos em sua maioria), sob o império da lei e da ordem.

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Capítulo 4 A Nação

A nação e os conceitos que dela se originam ainda hoje causam polêmica e controvérsia,ocupando, assim, um lugar de destaque na Ciência Política. Contudo, temos aqui um tema/conceitoem que alguns dos autores ainda carregam conceitos ultrapassados.

Mesmo assim, não há como negar o enorme papel histórico que este conceito traduz (ou as ideiasque traz subjacentes...), como o princípio da nacionalidade (que trazia a ideia de que cada naçãotinha o direito – natural ou contratual – de constituir-se num Estado). Ou, ainda, o direito consagradode autodeterminação, sendo responsáveis por seu destino. Neste diapasão, não há como negar quesão oriundos da mesma raiz (ou família) a nacionalidade, o nacionalismo e o Estado nacional.

Preocupamo-nos primeiramente em analisar a literatura nacionalista que aborda a questão danação. Esta traz inúmeras metáforas atinentes à nação: “alma nacional”; “espírito nacional” etc.Mesmo assim, às vezes não é possível distinguir com certeza a natureza política destas váriasidentidades que muitos identificam como fundamento para o efetivo exercício do poder.

Surge, aqui, outra grande questão fundamental sobre a identidade (ou seja: a afirmação de laçosde pertença). Costuma-se observar que, quanto menor é a identidade existente (dentro de determinadoespaço sociocultural em que é exercida), maior é o esforço do poder em tentar criá-la, instaurá-la.Outra questão que suscita a identidade reside no fato de saber efetivamente “contra quem” ela écriada ou afirmada. Assim, o problema de identidade nacional é fator de estudo em vários países.

Em decorrência disto, hoje em dia, muitos setores alardeiam uma crise do “Estado-nação” ou atémesmo uma crise da essência e da ideia de nação em si. Para outros (vimos essa discussão,atualmente, ganhando força na Europa, uma vez que ainda se busca, em setores mais conservadores, ahomogeneidade...), revela-se marcante a conquista moderna de um Estado nacional heterogêneo(sendo que os direitos de todos os cidadãos são efetivamente garantidos). Lembremos uma lição daHistória que é essencialmente pragmática: a homogeneidade, nomeadamente a étnica, gera comoconsequência a agressividade em relação a seus vizinhos...

Porém, a luta pelas “identidades” ainda persiste. Vale destacar que, na Grã-Bretanha, a ideia deidentidade nacional foi (re)introduzida pela Nova Direita como parte de um programa de“regeneração nacional” que visa a combater o declínio industrial britânico e a crise da coesãosocial, e com o objetivo de impor novas lideranças no cenário político europeu. A Holanda, uma dassociedades mais tolerantes do mundo, observa o assustador crescimento de partidos e atitudespolíticas anti-islâmicos. A França já se notabilizou em atitudes deste gênero com o político deextrema-direita Le Pen.

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Na Europa ocidental, as nações são, muitas vezes, criadas a partir do poder político.Observamos então que a (re)vitalização de movimentos patrióticos surge, como reação aos

fatores supramencionados, de maneira diferente nos mais diversos países. Contudo, Habermasentende que este movimento não é de todo incompatível com o desenvolvimento de um “patriotismoconstitucional”. Neste sentido, o filósofo atenta para o desenvolvimento de uma cultura políticacomum entre povos onde existam as mesmas raízes étnicas, linguísticas e culturais (caso dos EstadosUnidos, por exemplo). Obviamente que este patriotismo constitucional de que menciona Habermas ébem diferente e tolerante do patriotismo propriamente dito. Aquela se desenvolveria apenas dentrode uma cultura jurídica e política; já o patriotismo acarreta um sentimento de pertença, enraizado numsentimento cultural e histórico (muitas vezes mitificado) comum.

Assim, defendem que o Estado-nação tem sofrido golpes devido à erosão, à corrosão gerada pelaregionalização, pela supranacionalidade (a Comunidade Europeia, por exemplo. Aliás, esta é umadas razões – além do fator econômico e cultural – por que este autor desacredita por completo nofuturo de uma Europa unida...). Este conceito trouxe uma nova ordem dentro do cenário nacional einternacional; tira de cena o governo local, abrindo espaço para um governo comunitário,internacional.

A questão da nação e do nacionalismo em Marx tinha este sentido. Ele acreditava que elasdesaparecessem logo e, enquanto isso não ocorria, interessavam-se muito mais pelos elementos que acompunham: as classes sociais. Acreditava que muitas nacionalidades já estavam desaparecendo(diante de seus olhos, como os celtas e alguns povos eslavos) e não lamentava este fato. Para ele, oindustrialismo acelerava este processo, fazendo uma fusão – inevitável – entre todos os países emvirtude do fator econômico. Marx acreditava que uma burguesia ou outra podia manter interessespróprios, tendo em vista que há distintos interesses em países diferentes, mas o proletariado, não; naclasse operária, esse sentimento nacional já havia desaparecido.

1. A nação: seu conceito objetivo e subjetivoÉ óbvio que “nação” comporta várias abordagens, gerando, como consequência, um conceito

objetivo e um subjetivo que causaram polêmicas (principalmente no século XX). Ora, a concepçãoobjetiva procura evidenciar a nação a partir de conceitos étnicos e raciais. Assim, as naçõesseriam fruto da “admirável obra divina” que havia distribuído lagos e montanhas, mas tambémdistribuído os homens, culturas e línguas ao longo do globo terrestre. Elementar constatar que essaconcepção (defendida por Gobineau) revela-se na alma mater das teorias racistas (totalmentedesprezíveis).

Já a teoria subjetiva da nação funda-se no conceito de que a distinção entre as nações não devese assentar, essencialmente, numa vertente racial, mas, sim, numa base cultural e histórica. A nação,então, carrega um tempero voluntarista, é fruto do processo histórico (como vimos, anteriormente,baseia-se na vontade, na adesão consciente dos indivíduos à convivência coletiva).

Logicamente, existem teorias mistas que se assentam simultaneamente em fundamentos de uma ede outra natureza. Assim, há quem sustente que o laço nacional é mantido tanto pela comunidade deraça como pela língua, vontade política e crença religiosa.

Vale ressaltar, contudo, que a existência efetiva de uma nação tenha como consequência aexistência de um Estado. Ora, o mundo moderno é rico em exemplos no que tange à existência de

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várias formas de exercício de poder em determinado Estado (existindo, ainda, várias referênciasdíspares de “nação”). Deste modo, a Constituição da Espanha, por exemplo, destaca que tem porfundamento a unidade indissolúvel da nação espanhola, pátria comum e indivisível aos espanhóis.Contudo, ao mesmo tempo, este diploma constitucional garante o direito à autonomia dasnacionalidades e das regiões que a compõem (cf. art. 2º). Depreende-se deste texto que na Espanha,de fato, existe uma única nação, porém no seu seio abrigam-se várias nacionalidades.

Concluímos, num primeiro momento, que nação implica, necessariamente, um ponto importante: amistura entre a lealdade e a identificação (do indivíduo com o grupo). Ora, a própria questão deidentidade cultural também é diversa. Para uns, o nacionalismo surge como fruto de uma culturaerudita (high culture), enquanto, para outros, há uma enorme gama de fatores que conduzem a esteconceito, não sendo, portanto, matéria fácil delimitar o problema.

Convém observar que o processo de educação cultural em si já traz a afirmação da ideia de naçãoque, por sua vez, é inseparável da detenção do poder.

Então, cabe evidenciar que cada nação tem uma relação diferente com o poder. Convém lembrarque aquela só se afirma, de fato, por meio do poder (monopólio da educação, da violência, dostributos etc.). O poder, assim, desempenha certo papel decisivo, uma vez que pode forjar umaidentidade nacional, como também suprimi-la.

Há um fator determinante para a afirmação e consolidação da identidade nacional: a vontadeconjunta de construção de um Estado. Assim, não há como descartar a íntima relação entre a nação eo poder (ou, ao menos, a aspiração ao poder). É neste conceito que a História analisa o princípio dasnacionalidades: cada nação corresponde a um Estado, que aspira a ser soberano e independente(para exercer o direito à autodeterminação).

Constata-se, então, que tanto a nação como o poder político necessitam de um sistema central devalores. Ora, como identificá-lo? A título de exemplo, destaca-se a Revolução Francesa, queproclamou a nação titular da soberania, em substituição ao monarca; ou a Revolução Americana, quesimbolizou na nação a ânsia de independência dos povos colonizados.

Por último, cabe refletir sobre o mundo globalizado. Como nos referimos anteriormente, ao quese constata, não parece ser, de fato, a nação que aos poucos desaparece, mas, sim, a soberania (emsua visão tradicional). Obviamente que, diante de novos problemas trazidos pelo mundo globalizado,a transformação (da nação) também suscita novos questionamentos.

2. ConclusãoDeste modo, uma questão é essencial reter: a nação é o povo visto na sua continuidade histórica.

Assim, o povo, verdadeira massa profunda de uma nação, mantém perene e intacto o instinto, avontade da salvação comum. Com extrema acuidade, peneiram as ideias que lhes são (ou não)convenientes; ligados, como é óbvio, por este traço que o passado lhes forjou na alma (na incansávelluta histórica e esforço das gerações mais antigas...), pelas lutas do presente e, obviamente, pelasperspectivas de futuro.

Eis a nação. Trata-se, essencialmente, de uma entidade moral, que se cunhou através dos séculos,pelo esforço e trabalho das antigas e sucessivas gerações. Estas são ligadas, fundamentalmente, porlaços de sangue e de espírito, ou seja: numa identidade de origem e de história.

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PONTO PARA REFLEXÃOTendo em conta o conceito de nação (tradicional, moderno, objetivo e subjetivo) e o mundoglobalizado, reflita sobre o texto abaixo:Durante a crise econômica da Europa (que se iniciou em 2010), a chanceler alemã, AngelaMerkel, afirmou que “se o euro falhar, falha a União Europeia”, no que foi secundada algunsdias depois pelo Presidente de todos os europeus, Herman Van Rompuy, de acordo com o qual,“se não sobrevivermos com o euro, não sobreviveremos como União Europeia”.

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Capítulo 5 O Estado

Se observarmos todos os países, constataremos que a noção de Estado e, nomeadamente, as suasdimensões e relações com a sociedade têm sido objeto de análises muitas vezes polêmicas.

Ora, o homem, o Direito, a sociedade e a política não são estáticos. Mudam constantemente porvários motivos; neste esteio, o conceito de Estado muda, igualmente, conforme o pensador e omomento histórico e cultural. Neste diapasão, podemos observar vários Estados: escravocratas,feudais, capitalistas, comunistas etc. (dentro deles, existem níveis de desenvolvimento díspares, bemcomo graus de possibilidade de determinação – as suas decisões – também diferentes).

Convém analisar esta evolução, esta diversidade de conceitos em homenagem ao rigorepistemológico.

Notamos uma evolução desde a polis grega, passando pela civitas ou res publica romana (ou, soba ótica de um nome mais preciso: Senatus Populusque Romanus); adentra a Idade Média com anomenclatura de regnum (como entidade concentrada nas mãos do rei), Burg (burgo), sendo que naItália renascentista ganha o nome de stato (Estado). Assim, no século XVI, o termo “estado” vai seinserindo na ideologia e terminologia de diferentes países: état, na França, staat, na Alemanha, stateem inglês e, no português e no espanhol, Estado.

É neste período que Maquiavel se revela importante. Foi este pensador, inserido numa Itáliaesplendorosa no campo das artes e da cultura, que se debruçou sobre o tema. O seu conceito deEstado acaba por ser um dos pontos essenciais e marcantes no seu pensamento. A maioria dosautores atribui a este pensador o fato de ter inaugurado o termo “Estado”. Para o pensador florentino,os princípios fundamentais de um Estado são essencialmente dois: boas leis e boas armas.

O Estado deve, então, objetivar o bem público; porém, nem todos convergem e acertam emdefinir qual é efetivamente o “bem público”. Outro objetivo a ser destacado foi o de explicar aorigem do Estado, bem como a essência (ou gênese) de sua autoridade (auctoritas).

O Estado precisa, antes de mais nada e para a sua sobrevivência, da obediência irrestrita porparte de seus cidadãos. O Estado, assim, necessita de ordem instituída, para existir e caracterizar-secomo tal. O poder supremo do Estado, summa potestas, seja na república ou na monarquia, tem suasrazões e não pode abrir mão delas em virtude do povo. O filósofo atribui importância ao agirvirtuoso. Este agir é fruto de uma combinação entre o agir humano e animal. Então, quer comohomem, quer como lobo (para amedrontar os lobos), seja como raposa (para conhecer os lobos), oque realmente importa para Maquiavel é o triunfo das dificuldades e a efetiva manutenção do Estado.Esse pensamento tem efetivo sentido: vale destacar que a Itália de Maquiavel revelava-se dividida,

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corrompida e vulnerável às invasões externas.

1. Um breve escorço histórico

1.1 O Estado antigoDesignam-se “Estado Antigo”, “Oriental” ou ainda “Teocrático” as formas de Estado reinantes

nas civilizações mais remotas (antigas) que existiram no Mediterrâneo. Uma característica se destacanesse período: a religiosidade (eis a razão por que se denomina Estado Teocrático). Assim, ainfluência religiosa (nomeadamente a vontade divina) é marcante, abonando a autoridade dosgovernantes e ditando as normas de comportamento.

1.2 O Estado gregoA tradição histórica aponta como traços marcantes da antiga polis: o fato de que os cidadãos

tinham participação ativa (sem a participação dos estrangeiros ou escravos) na condução da coisapública; a pouca preocupação com o fator territorial (tendo em vista que as Cidades-estado erammuito pequenas); a liberdade garantida aos cidadãos no seio do Estado e diante deste, e adiversidade das formas de governo.

A Grécia contribuiu de modo único para o Ocidente. Isto é patente no campo da filosofia (no casoem estudo, da filosofia política) e no sistema político e formas de governo. Um dos maiores legadosque ainda hoje se revela marcante é a democracia (demos: povo + kratos: governo). Assim, a coisapública, a política, constituía afazeres de todo cidadão livre.

A democracia ateniense trouxe à tona o debate público. Isto proporcionou ao cidadão grego aespeculação intelectual e, como consequência, o questionamento do sistema político, do Direito e dopróprio Estado (recomenda-se vivamente, para quem pretende aprofundar o tema, Antígona, deSófocles). Temos como resultado livros que são importantes para nossa disciplina até os dias de hoje(tais como A República, de Platão, e A Política, de Aristóteles).

1.3 Roma antigaVale lembrar, primeiramente, que os romanos conquistaram os gregos. Assimilaram a cultura dos

vencidos. Assim, há uma grande semelhança entre o Estado romano e o Estado grego.O Estado romano tem como características: o fato de ter desenvolvido a noção de poder político

como poder supremo e uno; a nítida e consciente separação entre o poder público (Estado) e o poderprivado, e, consequentemente, Direito Público e Direito Privado; o reconhecimento do cidadão emvotar e ser votado.

Com o Cristianismo, há uma fusão entre a religião Moral nascida na Palestina e o ImpérioRomano, com forte predominação do primeiro sobre o segundo.

1.4 O Estado medievalA divisão tradicional da Idade Média na Europa é comumente feita em duas fases: a das invasões

e a da reconstrução. Essa época histórica abarca cerca de 400 anos.Nesta fase, observamos ainda mais as instituições e ideias romanas desaparecendo diante da

filosofia cristã.

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Tanto o Direito como o Estado estavam intimamente ligados à figura do Rei. Vale destacar, no quetange ao Estado, que a Europa estava fracionada em territórios ou feudos (diluiu, então, a ideia deEstado). Em cada feudo, o poder era igualmente fracionado e exercido pelo senhor feudal. A figurado senhor feudal ganhou muita importância, pois era ele quem se encarregava da administração, docomércio e da cobrança de impostos (que tinham como destino o soberano).

Os reis se limitavam a desempenhar o papel de suseranos de um grande número de vassalos(diante desta estrutura econômica e política, até mesmo o rei podia, por seu turno, ser vassalo deoutro rei). A função do vassalo era a de fidelidade irrestrita ao rei. Eis o sistema preponderante naIdade Média: vassalagem e suserania.

Durante a Baixa Idade Média, surgem as grandes abadias e os grandes centros urbanos. Nestaépoca, não há como negar o alargamento do papel da Igreja, intimamente ligada ao Estado.

1.5 O Estado modernoNa Europa, o Estado moderno surge como reação ao Estado medieval, com as seguintes

características: aprimora-se o conceito de Estado nacional, e a religião começa a figurar numsegundo plano.

2. ConceitosVejamos aqui alguns conceitos e abordagens elaborados por filósofos e juristas diferentes:Kant definia o Estado como “a união de um conjunto de homens sob as leis do direito. Na medida

em que essas leis são necessárias a priori e deduzidas dos conceitos de direito externo em geral (istoé, não provêm do seu estabelecimento positivo), a forma do Estado é a de um Estado geral como eledeve ser segundo os princípios puros do direito. Essa ideia serve de padrão (norma) para a efetivaunião dos homens em repúblicas” (citado em Francisco Weffort, 2011, p. 78-79).

Foucault sobre o Estado disse: “É verdade que o Estado me interessa diferencialmente. Eu nãoacredito que o conjunto de poderes, que são exercidos no interior de uma sociedade – e que garantemnessa sociedade a hegemonia de uma classe, de uma elite ou de uma casta – se resuma completamenteao sistema de Estado. O Estado, com seus grandes aparelhos judiciários, militares e outros,representa apenas a garantia, a armação de toda uma rede de poderes que passa por outros canais,diferentes dessas vias principais. Meu problema é efetuar uma análise diferencial dos diferentesníveis de poder dentro da sociedade” (Foucault, 1975, p. 12-13).

Para Georg Jellinek, “O Estado é a unidade de associação dotada originariamente de um poder dedominação, e formada por homens instalados num território” (1954, p. 133, tradução nossa).

Observamos, contudo, que os autores de Direito costumam abordar de modo diverso essa visãodo Estado, apresentando como elementos essenciais: o povo (para outros, a nação), o território e opoder político que é exercido nesse espaço. Assim, o professor português Marcello Caetano, por seuturno, definiu o Estado como “um povo, fixado num território de que é senhor, e que institui, porautoridade própria, órgãos que elaborem as leis necessárias à vida colectiva e imponham respectivaexecução” (Caetano, 1970, p. 186).

O professor Jorge Miranda apresenta, de maneira brilhante, toda uma gama de definições queretratam o Estado, seja através do tempo, seja através do espaço. Porém, deixa evidente um “fiocondutor”: “Apesar de evidentes dificuldades, pode tentar-se reconduzir a um quadro comum as

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notas características dos diferentes Estados ou tipos de Estado oferecidos pela História. Trata-se dacomplexidade de organização e atuação, da institucionalização, da coercibilidade e daautonomização do poder político, bem como, em plano algo diferente, de sedentariedade.

Estas características têm de ser vistas em conjunto e não isoladamente até porque algumas delasse encontram noutras sociedades, políticas e até não políticas” (Miranda, 2002, p. 35).

Agora, devemos ter em mente a distinção entre o Estado na acepção lata, que é dotado desoberania e que se insere na pessoa coletiva de direito internacional, e o estado em sua acepçãorestrita, que se reveste numa pessoa coletiva de direito público interno.

Assim, chegamos a uma definição espetacular, trazida pelo brilhante professor português MarceloRebelo de Sousa, para quem o Estado trata-se de “um povo fixado num determinado território queinstitui por autoridade própria, dentro desse território, um poder político relativamente autónomo”(Sousa, 1978, p. 85).

Essa definição, na verdade, traduz uma visão clássica na doutrina jurídica: dela decorre a teoriados elementos do Estado, ou seja: das condições ou requisitos necessários para sua existência.

Devemos, então, analisar, brevemente, os elementos que compõem o Estado:

I) PovoEste elemento tem um liame estreito com o próprio conceito de “Estado”.Nossa doutrina define como povo aqueles que nascem no território brasileiro (ou em

embarcações ou aeronaves) ou que são naturalizados. Convém, neste passo, distingui-lo do conceitode população. Neste segundo caso, implica o acréscimo dos estrangeiros residentes em determinadoespaço político-social. Ora, seguindo uma tradição proveniente da democracia grega e romana, nemtodos os indivíduos de determinada população têm a efetiva capacidade de intervir nos destinos, nacondução do Estado.

Aos estrangeiros, resta-lhes apenas limitarem-se ao dever de cumprir as normas estabelecidaspela comunidade em que estão inseridos. Em suma: trata-se do conjunto dos indivíduos residentes emdeterminada sociedade.

II) TerritórioO Estado exerce o poder sobre o seu território, ou seja: o Estado atua como efetivo “proprietário

do território”, ocupando-o com exclusividade. Temos aqui a base geográfica do Estado (áreajuridicamente atribuída a cada Estado), onde é exercida a soberania e que abrange o solo, o espaçoaéreo, os rios, mares, lagos e subsolo.

Assim, existe a necessidade de um território para que seja identificada e delimitada a suasoberania (convém lembrar, entretanto, o caso da Palestina, que, na segunda metade do século XX,revelou-se num Estado sem território – na medida em que a maioria de seus membros estava noexílio). Esse caso palestino é um dos fatores para que alguns autores venham a defender que oterritório não seja, portanto, um componente essencial do Estado.

III) Soberania e poder políticoOutro elemento para a compreensão e definição do Estado é a “soberania”. Trata-se, igualmente,

de um conceito que sofreu mutações ao longo da História (ora no tempo, ora no espaço).

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Vale advertir que uma abordagem exclusivamente jurídica (visão jurídica) tem o condão, porvezes, de limitar aquele que pretende se debruçar sobre o tema. Assim, como já destacamos, noscapítulos que seguem, trataremos desses requisitos com mais pormenores e variedade de abordagens.

Na Grécia Antiga, constatamos, em Aristóteles, as sementes deste conceito. Assim, o termoautarquia, designando-se, com isso, o poder moral e econômico de autossuficiência do Estado.Este conceito adentra com força brutal em Roma e se traduz, lá, como imperium, que designava umpoder político superior, poder este que seria inquestionável. Na Idade Média, constatamos o papeldesempenhado pelo suserano, que, também, era praticamente intocável. A figura passa,posteriormente, a ser personificada nos monarcas, sob o fundamento de que estes seriam arepresentação do poder divino na condução do Estado. No Estado moderno (que pretendia afastar-seda figura do monarca), desde a Revolução Francesa passa a ser aceito o fato de que o poder políticoemana, fundamentalmente, da efetiva vontade do povo.

Jacques Maritain, filósofo jusnaturalista atual, acreditava que cabia à Ciência Política se libertardessa palavra/conceito “soberania”. Não acreditava que o termo, em si, estivesse ultrapassado, massalientava que este gera dificuldades e confusões no âmbito do Direito Internacional (lembre-se deque foi um dos redatores/idealizadores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelaONU). Em termos epistemológicos, nomeadamente da filosofia política, trata-se, para ele, de umtermo ilusório que continua a ser empregado por força, apenas, da tradição.

Adstrita ao conceito de Estado (como vimos anteriormente) encontra-se não só a força comotambém a sua efetiva legitimação (desde a forma de designação de seus órgãos como também aresolução dos problemas que surgem da vida em sociedade, cabendo ao Estado dirimi-los).

O Estado, então, revela-se num aparelho que exerce o poder e a autoridade (legítimos), peculiarde determinada sociedade, e esta, devidamente inserida em determinado território, com a finalidadeprecípua de assegurar determinado modo de produzir bens, dirimir conflitos e promover a paz e obem comum para seus membros (o grupo). Agora, se temperarmos essa definição comelementos/conceitos marxistas, resultará então que o Estado busca, igualmente, equacionar as forçasnecessárias para que se obtenha o máximo de consentimento. Este, para Marx, é elemento essencial,para que seja possível assegurar a continuidade da dominação e organização do poder.

3. As funções do EstadoI) Função jurídica – esta se divide em:

a) Função legislativa, que consiste precipuamente em criar leis.b) Função executiva, que consiste em assegurar o cumprimento das leis.

II) Funções não jurídicas, que, por sua vez, dividem-se em:a) Função política: destina-se à conservação da sociedade política e à definição e prossecução

dos interesses gerais da comunidade.b) Funções técnicas: destinam-se à produção de bens ou à prestação de serviços destinados à

satisfação de necessidades coletivas de caráter material ou cultural.

4. Formas de legitimação do poderComo vimos anteriormente, na definição de Estado, a questão da legitimidade do poder, bem

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como a aceitação ou o consentimento por parte do povo, é essencial.Assim, observamos, ao longo da História, que os fundamentos trazidos pelos filósofos para

justificar a imposição e justificação do exercício do poder e sua efetiva aceitação e obediência sãobastante diversos. O Estado legítimo, então, foi tema de reflexão de vários pensadores.

Neste sentido, na Antiguidade Clássica, tanto para Platão como para Aristóteles, o Estado é umorganismo com uma missão moral, jurídica e econômica (obra da natureza, e não da vontade). ParaCícero, o Estado é uma superordem, e a família, sagrada e essencial para a sua própria existência.

Notamos, como um fio condutor, que o Estado legítimo se revela como força, aceita pelo povo.Trata-se de uma força que se impõe e que, deixando de se impor, deixa de ser, deixa de existir (atéporque não tem a credibilidade/adesão do grupo).

Aliás, basta lançar os olhos para o cenário político mundial e constatar que esta, ainda, é umaquestão fundamental e atual.

É sustentado por muitos que a sociedade não pode deixar de delegar o poder para aqueles quedecidam em seu nome; em contrapartida, há aqueles que defendem que a sociedade, em vez de sersimples objeto de exercício de poder, deve tomá-lo nas mãos, diretamente.

Obviamente que, ao analisarmos esse ponto, devemos retomar o conceito weberiano a propósitoda legitimidade, com a célebre tripartição: poder tradicional, poder legal e poder carismático.

Ora, segundo Weber, o poder tradicional é assente na crença sob a qual se deve respeito ao poderconsagrado pela tradição, bem como à pessoa ou às pessoas que detêm o poder, nos moldes dessamesma tradição.

Por sua vez, o poder legal traz atrelada consigo a crença de que as normas do regime são legais,estabelecidas racionalmente, com a finalidade de legitimar o poder e os comandos que deste derivamsob a égide destas normas.

Por fim, o poder carismático se assenta nas qualidades reais ou imaginárias, atribuídas a umchefe (sendo de relevância secundária as instituições). Vale lembrar que esta última forma de podertem uma existência breve, efêmera, pois coincide com a existência do próprio chefe. Há, contudo,situações em que uma revolução ou um golpe têm o condão de se transformarem num podercarismático ou até em poder legal.

No mundo atual, a legitimação do poder tem ocorrido por via legal, por meio de eleições,solucionando, com isso, uma questão que pode ser incômoda nas outras duas formas de poderanalisadas: a da transmissão do poder.

Obviamente que neste poder legal ainda existem questionamentos quanto a sua legitimidade noque tange: à pouca participação dos cidadãos nas decisões governamentais, à ausência de umaigualdade de oportunidades mínimas entre os cidadãos, às técnicas de marketing cada vez maisapuradas, à persuasão política (que, por vezes, nada têm a ver com escolhas políticas essenciais...).Ou seja: trata-se de problemas cruciais que interferem na legitimidade, trazendo máculas a estaespécie de poder.

5. Estado e direitoSão várias as maneiras pelas quais podemos observar as relações entre o Estado e o Direito.

Primeiramente, podemos observá-las como uma única realidade (daí, a teoria monística), ou, ainda,

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como realidades distintas e independentes (temos, então, a teoria dualística); ou, num terceiromomento, por meio de realidades distintas, mas necessariamente independentes (aqui, observamos ateoria do paralelismo). Ora, então cumpre, de maneira sucinta, analisar estas teorias:a) Teoria Monística: por meio desta teoria, o Direito e o Estado são encarados como duas

realidades sinônimas; mesclam-se, isto é: os dois conceitos convergem num só; traduzem,portanto, uma mesma realidade.

b) Teoria Dualística: esta teoria ressalta uma ideia totalmente oposta à anterior: assim, o Estado e oDireito se revelam em duas realidades diferentes, não se confundem entre si. Neste sentido, oDireito reveste-se num fato social e não estatal. Se observarmos com atenção, o Direito está emconstante mutação e, assim, estará sujeito às influências da religião, da psicologia, da sociologia,da filosofia, da economia etc.

c) Teoria do Paralelismo: trata-se aqui de uma posição intermediária entre as duas correntesmencionadas. Esta teoria destaca que o Direito e o Estado se revelam em realidades díspares,mas que são interdependentes, ou seja: demonstram, de modo parcial, pontos de convergência.

PONTOS PARA REFLEXÃOAnalise e reflita sobre as passagens abaixo:1) O Estado revela-se na primeira barreira defensiva diante de todos os fatores de corrupção ouaté mesmo de perversão da comunidade a que visa representar. Daí a importante noção dasaúde moral dos povos para a sua manutenção e independência.2) Na busca de realizar a atividade política e da concretização do bem comum, salientamos umagrandiosa obra de Dostoiévsky, Irmãos Karamázov (nomeadamente o capítulo “O grandeinquisidor”), que narra de modo brilhante e vivo a tensão em que se encontra o político(principalmente no que tange a conciliar a verdade com o bem comum, devendo abrir mão deuma em detrimento do outro...).

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Capítulo 6 O Povo

O conceito de povo já era conhecido (e tema de reflexão) na Antiguidade Clássica. Contudo, nãotinha a relevância crucial que adquiriu na era moderna (principalmente com o aprimoramento doconceito de democracia).

Num outro aspecto, povo é um termo que tem sido usado (principalmente no século XX) dediferentes formas, equivocadamente, com forte carga emocional e também com determinadaconotação político-ideológica.

Neste sentido, o conceito de “povo” pode vir a gerar dificuldades se não nos limitarmos a umaanálise exclusivamente jurídico-formal. Embora possa não ser justa ou correta em determinadoscasos, ela resolve o problema com certa facilidade e segurança. Assim, o povo é constituído pelosque, como tal, são considerados pelo ordenamento jurídico vigente, nomeadamente pelo DireitoConstitucional, que define e confere titularidade de nacionalidade ou de cidadania.

Se analisarmos os diversos ramos das ciências humanas, constataremos que não existe uma óticauníssona a respeito do tema. Assim, podemos constatar um conceito clássico que define o povo comouma multitudo que vive em communio de interesses e fins, com juris consensus.

Podemos constatar, igualmente, o conceito funcionalista em que o povo traduz um grupo depessoas que possui o mesmo hábito de comunicação e de cultura. Da Antiguidade Clássica, passandopor Marx, bem como pelos filósofos e sociólogos atuais, há sempre o cuidado em distinguir osconceitos de “povo” e de “população” existentes em determinado país.

Dentro de uma ótica científica, povo se revela na comunidade de pessoas, que se modificahistoricamente, formada pela parte da população, camadas e classes que, pela situação objetiva(respaldada num ordenamento constitucional), estão aptos a participar das decisões e solucionarproblemas de um país, num dado período.

O povo se refere/traduz uma “unidade social” culturalmente diferenciada, que controla ou visa acontrolar o poder de determinado Estado. O conceito de “população”, por seu turno, designa todosaqueles que habitam determinado espaço sociopolítico, independentemente de ter laços ou vínculosmais sólidos (nacionalidade) com o Estado em que residem.

Deste modo, a palavra “população” nos remete fundamentalmente a um conceito aritmético decaráter demográfico, consolidando a definição supramencionada. Traduz, basicamente, a massa decidadãos que habita, durante determinado período, determinado Estado, desvinculada de liameséticos, políticos e jurídicos que decorrem da relação Estado-cidadão.

Compreende o conceito de população todos os indivíduos que habitam e se submetem às leis de

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determinado Estado. Porém, nem todas as leis se aplicam efetivamente a todos os cidadãos. Desde aGrécia Antiga, observamos que há mais direitos e deveres inerentes aos nacionais do que aosestrangeiros. Estes são tratados como sujeitos sobre os quais incide um minimum de direitos (e,consequentemente, de deveres).

Se lançarmos os olhos para Roma Antiga, verificaremos a ideia clássica de hospes hostis, ouseja: que o forasteiro é um inimigo. Mesmo assim, existia a figura do pretor peregrinus, que tinha afunção de zelar pelos direitos destinados aos não romanos.

Já os cidadãos de Roma tinham o maximum de direitos (e, consequentemente, de deveres), ouseja: tal como os gregos, tinham o direito de participar ativamente na vida da polis, gozavam decidadania: governavam e deixavam-se governar.

Ora, como vimos, desde Roma Antiga já se diferenciavam os conceitos de povo e população. Opróprio Cícero (fortemente influenciado por Aristóteles) preocupou-se com o tema. Ele elencou oconceito de povo – populus –, que para ele se diferenciava de uma multidão qualquer (coetusmultitudinis quoque modo congregatus), evidenciando a importância da existência de um vínculo,um objetivo que os une.

Deste modo, esta multidão deve estar unida não só pelos objetivos comuns, mas também peloconsenso comum (coetus multitudinis juris consensus et utilitatis communione sociatus).

Acreditava que para haver de fato uma res publica (o próprio nome latino designa coisa pública,do povo) deveriam existir três fatores essenciais:a) uma multitudo, ou seja: um grupo de pessoas;b) uma communio, fins, objetivos e interesses comuns (Santo Agostinho, posteriormente, definiu que

esse fator traduz as coisas pelas quais o homem está disposto a entregar a sua própria vida); ec) juris consensus, o consenso quanto às normas, aos costumes, à soberania etc.

Na obra de Jellinek, constataremos uma distinção metodológica entre o povo no sentido objetivoe no sentido subjetivo.

No âmbito subjetivo, encontramos que a tradução do Estado revela-se no sujeito de poderpúblico. O povo, por seu turno, é componente deste, está intrinsecamente ligado a este (também adereao conceito de que não basta uma pluralidade de pessoas para efetivamente formar um Estado,exigindo, portanto, mais elementos).

No âmbito objetivo, encontramos “povo” como objeto da atividade estatal.O povo consiste na essência da sociedade e representa o laço que o define e o vincula de modo

jurídico, ético e político a determinado grupo organizado: que será, ao fim e ao cabo, representadopelo Estado.

O conceito de “povo” entrelaçado como titular da soberania nasce inexoravelmente com ademocracia americana.

Assim, elucidamos que a própria Constituição americana preconiza, inicialmente, que “Nós, opovo dos Estados Unidos (...)”. Ora, nesta passagem, depreende-se que este diploma se anunciacomo a tradução de direitos não propriamente pertencentes aos Estados, mas efetivamente ao povoestadunidense.

Deste modo, o povo compreende aqueles indivíduos que, aquiescendo, submetem-se às normase à soberania do Estado (ligados a ele por meio do vínculo de cidadania).

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1. NacionalidadeNeste momento, convém revermos e aprofundarmos alguns conceitos essenciais para a

solidificação do que se pretende expor:O vínculo de nacionalidade (inerente ao conceito de povo) decorre da relação entre o elemento

humano e o Estado. Convém lembrar que não estão adstritos necessariamente ao espaço geográfico,tendo em vista o povo palestino, que não o possuía até pouco tempo atrás.

Para aprofundarmos este tema, há que trazê-lo para a Constituição brasileira atual. Neste aspecto,ela prevê, essencialmente, três situações:a) o nacional: trata-se do brasileiro nato ou naturalizado;b) o cidadão: aqui ainda temos resquícios do Direito greco-romano. Trata-se, então, do brasileiro em

pleno gozo de seus direitos políticos e que participa ativamente nos destinos do Estado;c) o estrangeiro: aquele que mantém um vínculo estreito, de pertença, proveniente de outro Estado.

Constatamos, então, que o direito de nacionalidade, embora possa estar previsto em normasinfraconstitucionais, é objeto materialmente constitucional (previsto nos arts. 5º, LI; 12; 89 e 222 denossa Carta de 1988).

Assim, temos as seguintes espécies de nacionalidade:I) primária, de origem, originária ou nata: é fruto de um elemento natural básico: o nascimento.

Obviamente que ela é involuntária e apresenta os seguintes critérios para sua ocorrência:I.a) de origem sanguínea (jus sanguinis): aqui a nacionalidade traz embutido o vínculo de sangue;

assim, são consideradas nacionais as pessoas que descendem de pai ou mãe que detém anacionalidade em questão;

I.b) de origem territorial (jus solis): aqui se leva em consideração o território em que o nacionalnasceu;

II) secundária, adquirida ou derivada: aqui a nacionalidade é voluntária e adquirida após onascimento;

III) polipátrida: trata-se do indivíduo que tem mais de uma nacionalidade;IV) heimatlos ou apátrida: trata-se de pessoa que, devido às circunstâncias de seu nascimento, não

se vincula a nenhum critério (um exemplo clássico são aqueles que nascem em países ditatoriaisque, violando direitos humanos, cassam a nacionalidade dos opositores).

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Capítulo 7 O Território

Primeiramente, cumpre definir o território como a base física, o campo geográfico dedeterminada nação, ou seja: o espaço físico onde se desenvolve a ordem jurídica. Segundo PedroCalmon, trata-se de verdadeiro patrimônio sagrado do povo.

A noção de território como elemento do Estado aparece de um modo mais sistemático na filosofiamoderna. Porém, ao longo da História, constatamos guerras movidas com a finalidade de suaconquista (os persas, os gregos, os romanos etc.). Deste modo, constatamos que, embora não tenhasido elencado como um componente estatal no plano teórico, no âmbito prático sempre se fezpresente.

O professor Dalmo Dallari reforça esta ideia do seguinte modo:

A noção de território, como componente necessário do Estado, só apareceu com o EstadoModerno, embora à semelhança do que ocorreu com a soberania, isso não queira dizer que osEstados anteriores não tivessem território. Na cidade-Estado, limitada a um centro urbano e auma zona rural circunvizinha, não havendo ensejo para conflitos de fronteiras, não chegou a surgira necessidade de uma clara delimitação territorial. Além disso, o tipo de relacionamento entre aautoridade pública e os particulares não tornava imperativa a definição da ordem mais eficaz numdeterminado local. Durante a Idade Média, com a multiplicação dos conflitos entre ordens eautoridades, tornou-se indispensável essa definição, e ela foi conseguida através de duas noções:a de soberania, que indicava o poder mais alto, e a do território, que indicava onde esse poderseria efetivamente o mais alto. De fato, o Imperador também tivera a pretensão da supremacia.Entretanto, a indefinição territorial, decorrente da vocação permanentemente expansionista doImpério, foi uma das causas de se ter mantido sua autoridade apenas nominal, sem jamaisconseguir caracterizar-se (Dallari, 2011, p. 92).

Ora, no plano da doutrina moderna que estuda o fenômeno estatal, existe, de fato, a necessidadede um território para que seja identificada e delimitada a sua soberania. Contudo, como atentamosanteriormente em outro capítulo, vale lembrar o caso da Palestina, que, na segunda metade do séculoXX, consistiu num Estado sem território próprio – na medida em que a maioria de seus membrosestava no exílio.

Numa tentativa de evidenciar uma perspectiva diversa, esse caso palestino é um dos fatores paraque, alguns autores venham a defender que o território não seja, portanto, um componente essencialdo Estado.

Aliás, o mesmo em épocas mais remotas ocorreu com o povo judeu: destituídos de um território –

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após a destruição de Jerusalém –, formaram uma nação que se espalhou pelo mundo.Outra situação peculiar é a questão do Vaticano. Por meio de uma convenção internacional,

obteve equiparação a Estado. O Vaticano é território pertencente a seu soberano reinante (o Papa)que foi declarado soberano por meio de Pio XI, em 1928. Ali se constata que o Papa exerce asfunções de monarca e respectiva soberania, pois possui forças armadas, polícia, cargosadministrativos e políticos.

Assim, podemos firmar o conceito de que o território se revela num elemento espacial do Estado.Trata-se da porção de terra sobre a qual o Estado exerce sua soberania (jurisdição, poder de mando,império).

Desde o Império Romano, o território de um Estado é delimitado por meio de suas fronteiras, afaixa de mar ao longo de sua costa, o subsolo e o ar. Vejamos como se desenvolve este conceitodiante do Brasil atual.

O território real do Brasil engloba os seguintes elementos:a) mar territorial nacional: o mar territorial – é composto de 12 milhas náuticas (equivalentes às

milhas marítimas). Neste espaço é exercida a soberania ou jurisdição brasileira; após estas 12milhas, a lei faz referência à chamada “zona contígua” que, por sua vez, também possui extensãode 12 milhas. Ainda é prevista em lei a “zona economicamente explorável” de dimensão de 188milhas. Na prática, ocorre que, na zona contígua, o Estado pode exercer o poder de polícia paraproteger o seu território, tal como: a fiscalização aduaneira, a fiscalização sanitária e afiscalização de imigração. Já na zona economicamente explorável, o Estado tem a preferência naexploração econômica (cf. Lei n. 8.617/93);

b) espaço aéreo: trata-se de um espaço que não é definido; tem por objetivo delimitar o espaço queas aeronaves, civis ou militares, podem sobrevoar. O espaço sideral (sidera – “estrelas”, emlatim) pertence ao domínio público internacional, que traduz o conjunto dos espaços cujo usointeressa a mais de um Estado (pertence à humanidade);

c) plataforma continental: art. 20 da Constituição de 1988 – é o solo e o subsolo do mar territorial;d) faixa de fronteira: elencada no art. 20, § 2º, da Constituição de 1988;e) território por extensão: a lei pode prever situações especiais em que define e outorga um status

de território (exemplo: a embarcação pública nacional, embarcação privada em marinternacional; de igual modo, as aeronaves etc.).

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Capítulo 8 A Soberania

A compreensão do conceito de soberania é necessária, em termos epistemológicos, para oentendimento do fenômeno estatal, uma vez que não há possibilidade de existência de um Estado semque esteja presente o elemento soberania. Eis a razão por que encontramos a clássica definição deEstado como a organização da soberania.

O professor Canotilho esmiúça o conceito, asseverando que a “soberania, em termos gerais e nosentido moderno, traduz-se num poder supremo no plano interno e num poder independente no planointernacional. Se articularmos a dimensão constitucional interna com a dimensão internacional doEstado poderemos recortar os elementos constitutivos deste (1) poder político de comando, (2) quetem como destinatários os cidadãos nacionais (povo = sujeitos do soberano e destinatários dasoberania); (3) reunidos num determinado território. A soberania no plano interno (soberaniainterna) traduzir-se-ia no monopólio de edição do direito positivo pelo Estado e no monopólio dacoação física legítima para impor a efectividade das suas regulações e dos seus comandos. Nestecontexto se afirma também o carácter originário da soberania, pois o Estado não precisa de recolhero fundamento de suas normas noutras normas jurídicas. A soberania internacional (termo que muitosinternacionalistas afastam preferindo o conceito de independência) é, por natureza, relativa (existesempre o alter ego soberano de outro Estado), mas significa, ainda assim, a igualdade soberana dosEstados que não reconhecem qualquer poder superior acima deles (superiorem non recognoscem)”(Canotilho, 2003, p. 90).

Diante do processo e da perspectiva histórica, a noção de soberania firma-se fundamentalmenteno século XVI e traduz basicamente a ideia de que não existe sociedade sem poder (principalmentena obra de Hobbes). Se nos atentarmos ao longo da História constataremos que em todos os tipos desociedade (patriarcal, religiosa etc.) há uma marca inconfundível: a hierarquia e o respeito aoDireito que representa e organiza essa mesma sociedade.

A definição clássica de soberania se reveste em autoridade superior (tal como no Direito Romanosumma potestas ou imperium), não se encontrando submetida a nenhum outro poder (“una eindivisível”, segundo Rousseau).

Assim, a sociedade, na sua roupagem política, revela-se em ordem hierárquica – até porquecongrega inúmeras sociedades dentro de si – que tem a finalidade de organizar e conciliar suasatividades.

Soberania, então, ganha o significado de faculdade originária de livre regência de determinadacomunidade política mediante a instituição de determinado poder e a sua definição/estruturação

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jurídica. A soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder.Como vimos anteriormente, uma vez que aparece a ideia de sociedade, há que lhe corresponder,

fundamentalmente, determinado ordenamento jurídico, e, entrelaçando esta relação, surge o conceitode autoridade.

Ora, o conceito de autoridade gera outra premissa importante: a de que existe em seu seiodeterminada organização hierárquica. Porém, uma das grandes preocupações da filosofia políticareside nas seguintes indagações: até onde pode estender-se a autoridade (e, consequentemente, aorganização hierárquica)? Qual é o seu limite?

Surgem, então, dois conceitos que merecem análise – supremacia e independência:a) supremacia: traduz o conceito mais elevado de determinada estrutura hierárquica;b) independência: encontra-se vinculada ao conceito de supremacia; traduz o fato de que a

autoridade estabelece normas, pautas e objetivos para o grupo que governa (tendo em vista que serevela na única autoridade capaz de fazê-lo).Ora, tendo em vista todos estes conceitos, notamos que é impossível conceber o direito

desvinculado de uma autoridade suprema e independente.Assim, surge uma nova indagação: a que esta autoridade está vinculada, uma vez que é suprema e

independente?Convém agora analisarmos a soberania e o poder político.Na Idade Média, os teólogos católicos se dedicaram com afinco a esta questão, tendo em vista a

relação entre os reis e o Papado. Neste passo, num primeiro momento, surge uma doutrina teocráticasobre a soberania: tendo em vista que Deus se revela na causa primeira das coisas, é Nele queresidem a origem e o fundamento do poder. Ora, o próprio poder temporal foi criado por Deus, e seutitular foi também escolhido por este. Então, só a Deus os monarcas deviam obediência e submissão.

Este pensamento ganhou muita força com a doutrina de Jacques Bossuet, monarquista absolutistaque viveu na França no século XVII. Este pensador foi preceptor de Luís XVI. Seu pensamento traduza ideia de que o rei seria o efetivo representante de Deus na Terra. Suas decisões, então, seriamforçosamente justas. Acrescentava que o monarca devia ser como um “pai” para seus súditos(incapazes por natureza), exercendo, deste modo, a monarquia absoluta.

São Tomás de Aquino, séculos antes, distinguiu, em sua vasta obra, três elementos do poder: oprincípio, o modo e o uso. Assim, segundo o Doutor Angélico, o princípio do poder reside,essencialmente, em Deus (criador e organizador do Todo); o uso e o modo deste poder vêm doshomens (o povo: fonte humana da soberania). Destacava que compete a toda a multidão ou a alguém– que atua em seu nome – ordenar o bem comum (omnis potestas a Deo per populum).

Com o advento das doutrinas democráticas sobre a soberania, atribuiu-se ao povo e à nação opoder político.

No final da Idade Média, os reis consolidam sua autoridade, e sua vontade não sofre qualquertipo de limitação. Começam os filósofos a questionar esse ponto. Eis a razão por que a ideia de que asoberania (ou o poder político) reside no povo encontra-se de maneira marcante nos filósofos doséculo XVI, nomeadamente com Hobbes, Locke e Rousseau.

Na filosofia moderna, Kelsen excluiu a nação de qualquer participação no conceito de soberania(salvo o que lhe compete, uma vez que é órgão primário e criador, na eleição dos demais órgãos do

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Estado).Cabe observar ainda, no que tange à soberania, o fato de que hoje devemos levar em

consideração os grandes blocos econômicos (nomeadamente o da Europa e o Mercosul, ao qual oBrasil aderiu). Um dos lemas do Estado Novo português residia no famoso “orgulhosamente sós”.Ora, nos dias atuais (tendo em vista a economia, a internet etc.), é difícil um Estado viver noisolamento (a exemplo de Cuba e da Coreia do Norte, que enfrentam dificuldades terríveis diante deum mundo globalizado).

Neste aspecto, fundamenta André Ramos Tavares que:

De pronto, é preciso enfrentar vários ‘tabus’ científicos. A soberania não pode ser encarada comoelemento perigoso, cujo manuseio pode levar à desgraça de uma nação. Afinal, a integraçãoeconômica é imprescindível, e para ela há de convergir a soberana vontade de qualquer Estado.Na realidade, o fenômeno da integração comunitária dos Estados só foi possível graças ao fato deos Estados concordarem em compartilhar suas soberanias (Tavares, 2010, p. 1052).

Ora, não é a nação que desaparece aos poucos diante do mundo globalizado, mas, sim, a própriasoberania (enquanto elemento do Estado), concebida em termos absolutos tradicionais.

A soberania revela a coexistência entre a regra de direito e a condição de Estado, dotando-lhe deautodeterminação. A soberania, então, revela-se no poder mais alto dentro da sociedade organizada(porém, não é, de modo algum, poder arbitrário ou despótico). O Estado funda as suas regras dedireito positivo e a ele se subordina.

Por fim, cabe evidenciar que até mesmo nas monarquias houve a necessidade de reconhecer aConstituição como soberana – forçosamente, acima do rei, limitando-lhe as funções e atribuindo-lhepoder. Mesmo o rei (tal como seus subordinados) encontra-se subordinado ao Estado (tanto monarcacomo povo são seus subordinados).

Ao apresentar sua conclusão sobre o tema, o professor Dalmo Dallari destaca que:

o conceito de soberania, tendo sido de índole exclusivamente política na sua origem histórica, jáse acha disciplinado juridicamente, quanto à sua aquisição, seu exercício e sua perda. Essaafirmação do poder soberano como poder jurídico é de evidente utilidade prática, constituindomais um importante obstáculo ao uso arbitrário da força. Como é natural, e os fatos o comprovamconstantemente, é absurdo pretender que a soberania tenha perdido seu caráter político, comoexpressão da força, subordinando-se totalmente a regras jurídicas. Entretanto, sua caracterizaçãocomo um direito já tem sido útil, quando menos para ressaltar o caráter antijurídico e injusto dautilização da força incondicionada, para a solução de conflitos de interesses dentro de uma ordemestatal ou entre Estados, contribuindo para a formação de uma nova consciência, que repudia ouso arbitrário da força (Dallari, 2011, p. 90).

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Capítulo 9 O Poder Constituinte

Tendo em vista que o Estado brasileiro foi estabelecido como tal por meio de normasconstitucionais que o organizaram e delimitaram seus poderes (fixando-lhe, inclusive, competências),e considerando-se que os poderes elencados pelo legislador (Executivo, Legislativo e Judiciário)foram ordenados sistematicamente em nossa Constituição de 1988, há que se concluir, forçosamente,que existe, de fato, um poder superior que os constituiu, ou seja: o poder constituinte.

Neste sentido, o Estado (tal como vimos em Aristóteles) é uma sociedade política, de finspolíticos. Isso implica, necessariamente, que seus membros (ou “sócios”) devem decidir fatalmente aefetiva estrutura da sociedade. Assim, no caso da sociedade política em questão, os membros dogrupo (que compõem o Estado: o povo) devem, igualmente, decidir a sua formação.

O Abade de Siyès, em 1788, demonstrou a diferença entre poder constituinte e poderesconstituídos. Revelou que o poder constituinte reside essencialmente no povo, ao passo que ospoderes constituídos derivam daquele (poder constituinte).

1. A natureza do poder constituinteDuas posições (opostas entre si, porém igualmente estrondosas no Direito) devem ser analisadas

de plano:a) Para Kelsen, o poder constituinte é um poder de fato; isso significa que não se funda,

absolutamente, em nenhuma regra jurídica precedente, sendo essencialmente histórico,desvinculado do jurídico e anterior ao Estado.

b) Para São Tomás de Aquino, o poder constituinte revela-se num poder de Direito e decorre,inexoravelmente, de um Direito anterior à própria existência do Estado: o direito natural.Ora, com a finalidade de compreender devidamente o tema, o professor Canotilho evidencia

quatro perguntas fundamentais que devem ser respondidas quando lançamos os olhos para o temaproposto:

1) O que é o poder constituinte?O poder constituinte se revela no mais alto grau de organização de um Estado; funda-se como

“força”, “poder”, “autoridade”, capaz de criar, garantir ou eliminar a Constituição, a lei fundamentalde determinada sociedade.

2) Quem é o titular desse poder?

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O titular/destinatário do poder constituinte é o povo (também concebido quando formado porassociações, indivíduos, igrejas etc.). Ora, em nossa Carta atual, fica patente que o poder pertence aopovo por meio de seus representantes (“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio derepresentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” – art. 1º, parágrafo único, daCF/88). Observamos, no caso da Constituição brasileira, uma titularidade passiva.

Ora, no caso brasileiro, os representantes do povo são os que efetivamente exercem este poder. Éprecisamente aquele que, em seu nome (do povo), exerce o poder constituinte, implementa o Estado eelabora um novo diploma constitucional.

3) Qual o procedimento e forma com que se opera?Pode ser elaborado de vários modos: ou por meio de um procedimento legislativo-constituinte

desenvolvido no seio de uma Assembleia Constituinte, ou ser fruto de um procedimento referendário(em que o povo decide a aprovação de um texto previamente elaborado).

A mais importante pergunta, contudo, é a quarta, nomeadamente, existem ou não limites jurídicosquanto ao exercício deste poder?

Ora, como vimos brevemente no começo deste capítulo, no que tange à natureza do poderconstituinte, cumpre destacar que aqui há uma polêmica a ser exposta:a) de acordo com os adeptos da corrente positivista (que nega peremptoriamente a existência de um

direito natural), este poder constituinte, quanto à matéria, é plenamente soberano e não estásubordinado a nenhuma regra do direito positivo;

b) para os jusnaturalistas (aqueles que atestam a existência de direitos intrínsecos à condiçãohumana), este poder é limitado por força do direito natural. Deste modo, constatam-se semprelimitações de natureza ética em razão do próprio direito natural.Há autores que negam peremptoriamente a divisão do poder constituinte, acreditando que este

seria um só. E há aqueles que defendem que só existe o poder constituinte fundante (precisamenteaquele que se manifesta inaugurando uma ordem constitucional), aquele que, originário, inaugura aprimeira Constituição de determinado Estado. Convém, então, delimitar as espécies de poderconstituinte:

1) Poder Constituinte Originário (genuíno, inicial, de primeiro grau ou, ainda, poderinaugural): trata-se, aqui, do mais elevado grau de poder de auto-organização de determinadoEstado. Deste modo, este poder tem a capacidade de estabelecer uma nova ordem constitucional. Istoquer dizer que tem o poder de fundar um novo Estado que, fatalmente, romperá com a ordemconstitucional anterior. Pode se dar com a revolução, por meio da rebelião armada, de um golpe oupacificamente (no caso da convocação de uma Assembleia Constituinte).

Podemos tentar dotar de legitimidade determinada Constituição que resulta da manifestação dopoder constituinte originário com fundamento em algumas perspectivas:i) uma se refere à questão do efetivo respeito pelo procedimento (aqui, notamos uma forte tendência

a confundir a questão da legitimidade com a legalidade);ii) outra se liga ao fato de ter ou não sido respeitado o consensus, ou seja: a opinião predominante

dentro de determinada sociedade no momento histórico em que se opera o poder constituinte.Ora, tomemos o caso da revolução: temos diante dos olhos – a princípio – uma ilegalidade

gritante no início do processo revolucionário (assim, os Estados Unidos, sob esta perspectiva, foram

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fundados por “traidores”...), mesmo que o movimento venha a ser efetivamente legítimo. Deste modo,reforçamos o fato de que a legalidade não pode ser, de modo algum, confundida com a legitimidade.

É preciso reter que o consensus, o sentimento dominante de uma sociedade, corre o risco deesbarrar nos direitos das minorias. Se atentarmos para as diferentes ditaduras (como já abordamosem capítulo diverso), algumas conseguem obter o apoio da maioria da população; contudo, comovimos tanto na Alemanha de Hitler como na União Soviética de Stalin, podem caminhar para abarbárie e a carnificina.

Deste modo, não basta o sistema ser avalizado pela maioria do grupo. Há fatores essenciais quedeverão ser observados quando se realiza o poder constituinte originário (os direitos humanosuniversais, por exemplo).

Quanto ao poder constituinte originário, vale ainda ressaltar que não há uma forma estabelecida,padrão, prefixada no que tange à manifestação deste poder.

Embora com um forte grau de discordância, devemos salientar, a título de resumo, que ascaracterísticas do poder constituinte originário (tendo em vista uma posição positivista) são:i) é inicial: trata-se de poder de fato, fundante por excelência, não legitimado ou sustentado por

qualquer outro;ii) é autônomo: na medida em que é livre para criar, estabelecer, estipular, sem “amarras”;iii) é incondicionado: não coexiste com nenhum outro; é, fatalmente, incondicionado, não está

limitado a parâmetros preestabelecidos.1.a) Poder Constituinte Histórico: este poder tem a capacidade de editar a primeira

Constituição, fundante, de um Estado. Isto significa que é aquele que, pela primeira vez, estruturadeterminado Estado (exemplo: nossa Carta de 1824).

1.b) Poder Constituinte Originário de um golpe ou revolução: é aquele que ocorreposteriormente ao histórico (uma vez que a sociedade é dinâmica) e instaura uma nova ordemconstitucional. Aqui, cabe ressaltar brevemente que a diferença entre golpe e revolução reside nofato de que o primeiro é feito por um ou mais segmentos da elite; já a segunda conta com aparticipação popular ativa.

A tendência do legislador, ao elaborar um diploma constitucional, é fazer com que prevaleça notempo, e, para isso, dificulta a sua reforma ou transformação. Impõe, então, formalidades, ritos com afinalidade de prevenir a alteração leviana, precipitada, oportunista de seu texto.

2) Poder Constituinte Derivado (poder instituído, constituído, secundário ou de segundo grau):ele é secundário, porque deriva do poder originário (que previu sua existência e atuação). É limitado(pelo próprio poder originário) e relativo (pois se encontra condicionado ao poder originário).

2.a) Poder Constituinte Derivado Reformador: “reformador”, precisamente porque se destina areformar o texto constitucional. Este poder é criado/previsto pelo poder constituinte originário e tema finalidade de reformar, alterar o texto constitucional. Esta alteração ocorre por meio de EmendasConstitucionais (e, no caso da nossa Constituição de 1988, há matérias – estipuladas pelo constituinteoriginário – que não podem ser alteradas). Assim, observamos que o poder constituinte origináriotrouxe uma série de limitações ao poder constituinte derivado.

Há autores que não costumam distinguir a reforma, a revisão e a emenda à Constituição.O poder reformador apresenta as seguintes características (que devem ser forçosamente

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comparadas às do poder constituinte originário, para melhor solidificar a matéria):i) é derivado: é previsto pelo próprio poder constituinte originário;ii) é subordinado: ao poder constituinte originário;iii) é condicionado: só pode agir conforme os ditames estipulados/previstos pelo poder constituinte

originário.2.b) Poder Constituinte Derivado Decorrente: este também foi criado/previsto pelo poder

constituinte originário, porém não tem a finalidade de rever sua obra. Trata-se do poder que foidelegado aos Estados-membros, componentes da República Federativa do Brasil, para elaborarem,cada qual, sua própria Constituição. É subordinado, derivado e condicionado (ao poder constituinteoriginário).

O exercício do poder constituinte decorrente foi conferido às Assembleias legislativas. “CadaAssembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo deum ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta” (art. 11,ADCT, da CF/88).

Por fim, cabe enunciar de passagem o procedimento que dá corpo ao poder constituinte: oprocesso constituinte (ou constitution making). Tal procedimento reflete o momento histórico,político, econômico, filosófico e cultural em que se dá a feitura, a elaboração do diplomaconstitucional, com seus princípios fundamentais e a organização da vida pública.

Concluindo, em nossos tempos, nos países democráticos, a maioria das Constituições é fruto deum procedimento solene, como um referendo popular, ou de uma Assembleia Constituinte com afinalidade de representar o povo. Elas contêm, frequentemente, dispositivos que asseguram a eficáciae a hierarquia de suas regras, editadas pelos canais adequados e pelos poderes devidamenteprevistos no corpo da Constituição. Atualmente, a maioria dos Estados optou por uma Constituiçãoescrita, democrática, delimitando minuciosamente os poderes de atuação do Estado e os direitosfundamentais dos cidadãos.

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Capítulo 10 O Golpe e a Revolução

É comum a doutrina enunciar a seguinte distinção: golpe ocorre de cima para baixo, com aimposição das elites; já a revolução ocorre de baixo para cima, com a adesão popular. Cai a lançoanalisarmos esses dois conceitos com cautela.

1. O golpeHá uma tendência doutrinária em atribuir ao golpe como proveniente das elites político-

econômicas, deixando de lado a população (mesmo que, por vezes, coincida o apoio popular). Umgolpe se caracteriza também por não realizar mudanças profundas e ocorre, na maior parte das vezes,para restaurar (ou preservar) determinada situação estrutural.

Neste sentido, cumpre fazer uma ressalva. No caso brasileiro, a tomada de poder pelos militares,em 1964, desperta controvérsia que recai na definição de golpe mencionada acima. Assim, segundoalguns autores, o movimento autoritário a que o Brasil foi submetido não revela necessariamente um“golpe”, mas, sim, uma ruptura de regime, na medida em que os militares não possuíam origemsocial na elite (a maioria era oriunda da classe média).

2. A revolução (uma perspectiva político-filosófica)A revolução, por seu turno, traz uma mudança profunda na sociedade em que ocorre, buscando

envolver os mais variados segmentos sociais, alterando a estrutura político-econômica dedeterminada sociedade. Há, de fato, maior participação e engajamento popular.

A Revolução Francesa de 1789 é sempre um exemplo feliz. Ela obteve adesão dos váriossegmentos da sociedade tanto no âmbito urbano como no âmbito rural.

Se observarmos o processo histórico, constataremos que as revoltas populares deixaram umamarca profunda na consciência humana (até mesmo quando não lograram êxito, quando tomadas pelofracasso).

Da Revolução Francesa já contamos com mais de 200 anos, mas seus ideais ainda movimentam omundo. O ano do bicentenário deste movimento coincidiu com a queda do muro de Berlim, o queprovocou Francis Fukuyama a proclamar o “fim da história”.

O tema é bastante atual. A crise do capitalismo faz suscitar, inexoravelmente, a questão darevolução (uma vez que tendem a contestar a permanência de uma oligarquia no poder) que busca ofim do Estado totalitário.

Diante do que vimos acima, não há como abordar o tema e esquecer de analisar o pensamento de

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Marx sobre este ponto. Este pensador conheceu profundamente as revoluções inglesa, francesa enorte-americana (acreditava que estas revoluções eram essencialmente burguesas; exemplifiquemos:na Inglaterra, por exemplo, um rei foi decapitado, mas acreditava que a aristocracia não se opôs comveemência; deste modo, a burguesia não sentiu a necessidade de se aliar ao povo para assentar suadominação). Analisando a revolução, asseverava que havia uma sucessão de épocas históricas,sendo que cada uma estaria embasada em determinado modo de produção. Deste modo, a revolução,no seu sentido mais pleno, seria a transição de um modo de produção para o seguinte.

Ora, este “salto” ou passagem ocorreria por uma diversidade de fatores:a) o conflito entre as velhas instituições e as novas forças de produção (que lutam pela sua efetiva

liberdade);b) o conflito entre as classes dominantes e dominadas;c) e, posteriormente, o conflito entre a classe dominante e uma nova classe que nasceu para enfrentá-

la.A revolução ocorrerá, para Marx, sempre que se constatar a total incapacidade das esferas

dominantes de cumprirem suas obrigações. Ficam no poder sem legitimidade. E, quando seusprivilégios são postos a olho nu, os reis, os generais, os burocratas deixam de ter serventia, utilidadeou até legitimidade de poder.

O “salto”, ou transição, demonstrado no pensamento marxista pode acontecer rapidamente (nocaso francês de 1789, em apenas dois anos) ou, no caso da revolução de 1917, nunca aconteceu...

Já no século XX, uma das preocupações da extensa filosofia de Hannah Arendt residiu na questãoda autoridade. A perda da autoridade (seja no campo político, secular ou religioso) leva ao colapsoda própria lei. Para Arendt, a lei tem o papel precípuo de assegurar a estrutura e estabilidade social.

Olhando para o processo histórico, a filósofa concluiu que a gênese da revolução deriva destadesintegração dos regimes políticos, da erosão da entidade governamental e do colapso das leis.Esse declínio ou erosão deve-se fundamentalmente ao fato de determinado governo poder nãofuncionar adequadamente. Isso faz brotar necessariamente no espírito dos cidadãos o questionamentosobre sua efetiva legitimidade.

Assim, a filósofa – que esteve inserida no ambiente político e cultural dos Estados Unidos – aorefletir sobre essa questão enuncia as mudanças com relação à segregação racial estadunidense.Embora de fato tivessem, de certo modo, amparo na Constituição (há praticamente cem anos...),somente após grandes movimentos de luta e de resistência (movimentos revolucionários tantopacíficos como violentos), e de desobediência civil por parte das minorias negras, conseguiramavançar neste campo. Aliás, este episódio da história americana fez com que a desobediência civilganhasse grande projeção no âmbito mundial moderno.

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PONTO PARA REFLEXÃOConsidere a frase de Simone Weil, filósofa francesa que lutou na sangrenta Guerra Civilespanhola, e compare com os conhecimentos adquiridos sobre a Revolução:A ilusão constante da Revolução está em acreditar que as vítimas da força, estando inocentesdas violências que se exercem, se lhes colocássemos na mão a força, a manuseariam comjustiça. Mas à exceção das almas que estão bastante próximas da santidade, as vítimas sãomaculadas pela força como os carrascos. O mal que se encontra no punho da espada étransmitido pela ponta. E as vítimas, chegadas assim a este ponto e inebriadas pela mudança,fazem o mal mais ainda, e de imediato reincidem.

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Capítulo 11 A Constituição

1. A Constituição segundo AristótelesAristóteles evidenciou o homem como um animal político, um animal essencialmente social. A

sociedade política, composta de homens, acarreta como consequência a necessidade da atuação daJustiça (que é praticamente inexistente sem a efetiva presença do Direito). Ora, o Estagiritaacreditava que o fim último do Estado não se resumia apenas na distribuição da Justiça (formal,distributiva e corretiva), mas que o Estado alcançaria ou promoveria o bem comum não só mediantea lei, mas também por meio de uma Constituição.

Assim, Aristóteles buscou aprimorar o conceito de Constituição, tratando de responder, dentro docontexto sociocultural de sua época, à seguinte indagação (que insere de modo feliz o problema queestudaremos a seguir): “qual é a relação entre o Estado e o Direito e como se há de distinguir oPoder do mero exercício da força?”.

2. O constitucionalismoPrimeiramente, cabe destacar que o constitucionalismo pode ser definido a partir de três óticas

distintas:Sob uma perspectiva formal, traduz o objetivo de dotar os Estados de Constituições escritas.Sob sua perspectiva material, o constitucionalismo reflete a filosofia liberal que, basicamente,

busca definir e delimitar a atuação do Estado, garantindo os direitos dos cidadãos num diplomaconstitucional.

Por fim, diante de uma perspectiva histórica, reflete a unicidade, a convergência de dispositivossemelhantes que forjaram as Constituições no Ocidente (obviamente, ao longo da História, até osdias atuais). Obviamente que esta perspectiva histórica será desenvolvida neste capítulo.

Assim, cumpre destacar que as Constituições resultaram, fundamentalmente, de uma árdua e longaevolução histórica, proveniente de lutas populares contra as monarquias absolutistas, da luta entre asminorias contra as maiorias, do capital contra o proletariado etc.

Se estudarmos com afinco o processo histórico (lento e gradual), constataremos uma constante: aConstituição demonstra ser forjada na luta, coroando insurreições populares, revoluções esacrifícios.

Deste modo, dentro desta perspectiva histórica, o constitucionalismo se revela na expressãojurídica da organização de determinado povo. Trata-se do resultado de um movimento social que tem

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raízes políticas, econômicas, históricas, filosóficas, artísticas, culturais e ideológicas que têm ocondão de criar Constituições nacionais.

O professor Gomes Canotilho atenta, tendo em vista as exigências da modernidade, a que oconstitucionalismo é uma técnica específica de limitação do poder para fins garantísticos (fruto dafilosofia liberal). Como consequência, acarreta a necessidade de limitar o poder dos governantesdiante do cidadão e da exigência de leis escritas (destinadas, de igual forma, aos cidadãos).

Assim, a realidade social mudou e, com isso, há a exigência de o Direito acompanhar essamudança. Deste modo, na era moderna, há uma concepção formal do ordenamento jurídico. Surgemas Constituições cidadãs, liberais, formais e que preconizam a existência do Estado de Direito(porém, a História, desde a Antiguidade Clássica, já demonstra uma evolução neste campo...).

Ainda inseridos diante de um prisma histórico, o constitucionalismo se opera (segundo a tradiçãoconstitucionalista) essencialmente em duas etapas: no constitucionalismo clássico liberal (queocorreu na segunda metade do século XVIII) e no constitucionalismo social (que ocorreu no início doséculo XX).

Para a real compreensão do tema, vale lembrar que o constitucionalismo está à mercê doprocesso histórico. Assim, há uma variação, seja no espaço ou no tempo. O Professor Canotilhoalerta que:

Em termos rigorosos, não há um constitucionalismo mas vários constitucionalismos (oconstitucionalismo inglês, o constitucionalismo americano, o constitucionalismo francês). Serápreferível dizer que existem diversos movimentos constitucionais com corações nacionais mastambém com alguns momentos de aproximação entre si, fornecendo uma complexa tessiturahistórico-cultural. E dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais doque vários constitucionalismos porque isso permite recortar desde já uma noção básica deconstitucionalismo. Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio dogoverno limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organizaçãopolítico-social de uma comunidade (Canotilho, 2003, p. 51).

3. O constitucionalismo brasileiroNeste passo, advertimos que não há outro modo de avaliar este tema dissociado de sua raiz

histórica.

3.1 O Brasil colôniaEntendemos que não podemos analisar o Direito no Brasil sem nos debruçarmos, rapidamente,

sobre o direito indígena. Trata-se de uma sociedade essencialmente mítica. Isso traz implicaçõesfundamentais: analisadas neste tipo de sociedade, detinham o poder ora o mais forte, ora aquele quese “comunicava” com os deuses (ou, ao menos, julgava conhecer seus desígnios...).

Sabemos que diversos povos indígenas habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses em1500. E, destas diversas tribos, cada qual com seus costumes, cultura, religião e organização,diferentes entre si (esses fatores podem ser constatados no próprio processo de colonização; assim,algumas tribos se aliaram com os colonizadores, enquanto outras resistiram com mais afinco).

No âmbito político-administrativo (existente basicamente em toda sociedade mítica, primitiva),nota-se que quem efetivamente governava a tribo era o cacique (palavra trazida do Haiti pelos

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europeus que designava “chefe político”) ou o morubixaba (palavra utilizada pelos guaranis paradesignar seus líderes).

Por sua vez, o pajé tinha a responsabilidade de transmitir conhecimentos para os mais jovens.Tinha também a missão religiosa e da cura realizada por meio de rituais e plantas medicinais(convém destacar que a religião indígena era baseada na crença em espíritos de antepassados eforças da natureza, ou seja: fundamentalmente mítica).

Segundo alguns antropólogos, os índios mantinham uma organização social que lembra, em muito,o comunismo utópico (resguardadas, como é óbvio, as devidas proporções e o fator da época em queestavam inseridos); ressalta-se, entretanto, que tinham plena noção da propriedade.

Tendo em vista que o Brasil passa a ser colônia portuguesa, é natural que o Direito portuguêstenha exercido grande influência num Brasil nascente. Diante deste quadro, todo o Direito portuguêstambém é incorporado no Brasil colonial.

Assim, em 1446, o rei Dom Afonso V, de Portugal, fez suas ordenações. São as chamadasOrdenações Afonsinas. Estas não revelavam um novo código, mas, sim, coletâneas e diretrizesprovenientes e adequadas para Portugal. Esta legislação sofre nítida influência das leis existentes noreino (português), do Direito Romano e do Direito Canônico (com forte influência na época).Obviamente que apresenta determinado nível (interessante para a época) de sistematização, porémesta característica é muito pobre quando comparada com códigos modernos.

Em 1521, Dom Manuel I institui as Ordenações Manuelinas, que vieram a substituir as diretrizese coletâneas anteriores. Tendo em vista as recentes descobertas de Portugal, as novas práticascomerciais e o dinamismo inerente à sociedade, houve a necessidade de atualizar e revogar algumasdas normas existentes nas Ordenações Afonsinas, bem como remodelar o estilo em que estavamescritas.

Deste modo, todos os problemas existentes no Brasil eram julgados segundo as OrdenaçõesManuelinas, ou seja: segundo o modelo de Portugal. Assim, com a finalidade de facilitar o processode colonização, em 1534, ocorreu a divisão do território brasileiro em capitanias hereditárias.

Em 1603, tendo em vista a necessidade da reforma das Ordenações Manuelinas, bem como adominação espanhola em Portugal, Dom Filipe II da Espanha (Filipe I em Portugal, já que agora estásob seu domínio) elabora as Ordenações Filipinas. Essas Ordenações vão servir de base legal emPortugal até a promulgação de códigos no século XIX.

Já no Brasil, o livro IV destas Ordenações vigorou por muito tempo, nomeadamente durante todoo Império, e no início da República, sendo que algumas normas que compunham esse texto só foramrevogadas em definitivo com o advento do Código Civil republicano de 1916.

Mas, como vimos, o processo histórico é dinâmico, e a sociedade, então, acompanha estedinamismo (para o bem ou para o mal...). Assim, o Brasil evoluiu, e, com isso, mudaram, igualmente,os diplomas legais. As Ordenações tornam-se deficitárias e obsoletas diante de um Brasil cada vezmais complexo e distante da realidade social, econômica e cultural da Corte. O Direito português,com cultura europeia, dificilmente conseguiria disciplinar e organizar o Brasil, que ganhava corpoem seu continente tanto no cenário político como econômico.

Assim, devido à incongruência entre o Direito português e a realidade fática brasileira (bemcomo aos fatores econômicos, políticos e sociais), o Brasil rompe laços de dependência com a Cortee busca a sua própria identidade, seu próprio caminho.

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Assim, nesse Brasil que acabava de nascer, havia a necessidade de uma Constituição para“fundar”, juridicamente, esse novo país. Surge a chamada “Primeira Constituinte”.

3.2 A Constituição de 1824Nossa Constituição de 1824 foi a que mais tempo vigorou: precisamente 65 anos (dotando ao

Brasil quase um século de estabilidade). Na sua elaboração, ficou marcada a forte influência tanto daRevolução Francesa como da Revolução Americana. Assim, há um tempero liberal com a profundanecessidade de se estabelecer uma identidade nacional (há quem critique este processo, destacandoque fizemos nossa Independência, e, após, fizemos nossa vida, “com vestes emprestadas”, costumespolíticos estranhos a nós e com base em livros que foram meramente decorados...).

Os redatores deste diploma constituíam basicamente homens do clero (pois a religião oficial doBrasil era a Católica) e membros da elite. Esta Carta adotou a divisão quadripartita de poderescomposta pelo Poder Legislativo, Poder Executivo (com Ministros nomeados pelo Imperador), PoderJudiciário e Poder Moderador (de competência privativa do Imperador, responsável pelamanutenção do equilíbrio institucional). Segundo seus críticos, esta concentração excessiva defunções nas mãos do Imperador trouxe um profundo desequilíbrio.

O Poder Legislativo era bicameral, composto de câmara alta (o Senado) e câmara baixa (aCâmara dos Deputados); estes eram eleitos (sufrágio censitário – baseado na renda – e descoberto,ou seja: não secreto), enquanto os Senadores eram nomeados pelo Imperador. Trata-se de umaConstituição outorgada.

3.3 A Constituição de 1891Esta concentração de poderes nas mãos do Imperador (entre outros fatores), com o passar do

tempo, gerou descontentamento e um desgaste da monarquia brasileira. Assim, as ideias republicanaspassam a ganhar terreno no cenário nacional.

Deste modo, a República brasileira, proclamada em 1889, rompe definitivamente com toda aestrutura monárquica. Esse conceito republicano sempre esteve embutido no pensamento nacional,pois já constatamos esboços desta filosofia política na Inconfidência Mineira, na InsurreiçãoPernambucana, na Confederação do Equador e na Guerra dos Farrapos.

Ora, a vitória do segmento republicano (seja por meio de uma revolução ou de um golpe – já quenão contou com a participação popular...) trouxe a descentralização e a rejeição das ideias einstitutos ligados à monarquia.

Ao assumir o Governo Provisório, o Marechal Deodoro da Fonseca editou o Decreto n. 1, de 15de novembro de 1889. Trata-se de um instrumento de transição que tinha cunho norte-americano.Constatamos que, com o advento da República, o nosso eixo diplomático que estava concentrado emLondres prontamente se desloca para Washington. Nossa República e nossa Constituição nascem sobforte influência americana.

A filosofia positivista adentra no Brasil, com uma força descomunal, trazendo as ideias em vogana Europa (tais como a separação entre a Igreja e o Estado) e, ainda, oportunidade de trabalho eeducação para todos, e, sobretudo, combatendo os “privilégios” reais e da nobreza.

Na elaboração de nossa primeira Carta Constitucional republicana (de 1891), observamos umadisputa ferrenha entre os positivistas e os católicos. Nesta batalha (entre as duas correntes de

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pensamento), houve o triunfo e maior influência dos positivistas – tendo em vista que os católicosestavam (ou, pelo menos, supunham-se) atrelados à monarquia.

Trata-se de um diploma promulgado. Esta Constituição trouxe avanços para o Brasil, pois criou(diante do sistema norte-americano) o sistema federativo, aboliu o voto censitário (porém nãoimplementou o sufrágio universal), previu eleições diretas e inseriu o habeas corpus no âmbitoconstitucional.

O Poder Executivo, por força desta doutrina, nasce, em nosso sistema republicano, dotado demuita força. Este diploma constitucional adotou a divisão tripartita de poderes com Executivo,Legislativo e Judiciário (aliás, foi o primeiro diploma constitucional a outorgar ao Judiciário oexercício do controle de constitucionalidade).

3.4 A Constituição de 1934No início do século XX, o jurista Rui Barbosa empunhou a bandeira para rever a Constituição de

1891, trazendo novas ideias para melhorar a república. Em 1926, foi proposta uma reformaconstitucional. Estas ideias, como é óbvio, não agradavam o establishment político nacional. OBrasil estava sujeito à denominada “República café com leite”, na qual os Estados de Minas Geraise São Paulo se revezavam no poder. Com a revolução, Getúlio Vargas sobe ao poder e promovemudanças radicais na esfera política, econômica e social brasileira.

As mudanças apresentadas reduziram os poderes dos coronéis, trazendo, como consequência,maior participação de determinados segmentos da sociedade que estavam “amordaçados”. EstaConstituição buscou atender melhor os anseios da sociedade brasileira.

O Brasil passa pela revolução de 1930, fruto de um conjunto de fatores econômicos, políticos,filosóficos e sociais. Getúlio foi empossado pela junta militar.

O Chefe do Executivo implementou leis que centralizaram o poder político e reduziu a autonomiados Estados da Federação. Trouxe leis que protegiam os trabalhadores, conferiu maior poder políticoàs Forças Armadas e promoveu uma brutal revolução industrial no Brasil.

Com o intuito de organizar esta “Segunda República” (que surge no seio de uma revolução demuita conturbação social e política), Vargas promulga a Constituição de 1934.

Este diploma constitucional traz um texto extensivo, pois buscou representar e traduzir as ideiasdos diversos movimentos político-sociais que existiam no Brasil. Inovou no campo social eindustrial.

Esta Constituição trouxe grandes inovações no cenário constitucional brasileiro: conferiu aoSenado Federal a competência para suspender a execução de lei ou ato normativo declaradoinconstitucional por decisão do Poder Judiciário; criou o Ministério Público. Porém, devido aosanseios de Getúlio Vargas e aos regimes totalitários que surgiram na Europa, teve vida curta, mas nãodeixou de ser importante, pois trouxe à categoria constitucional as cláusulas sociais (tornando-se umatradição constitucional nos futuros diplomas constitucionais).

3.5 A Constituição de 1937Getúlio, em 1937, promove um golpe de Estado, instituindo o “Estado Novo”, atendendo aos

anseios conspiratórios para mantê-lo no poder. Assim, o Presidente caudilho, observando ocrescimento dos regimes totalitários na Europa, implementa uma ditadura no Brasil. Em 10 de

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novembro de 1937, é promulgada uma nova Constituição. Deste modo, o político gaúcho tornou-seditador absoluto, irresponsável (pois nenhum órgão poderia contestar) por seus atos políticos.

Neste contexto, surge a Constituição autoritária de 1937 (também conhecida como “a polaca”), deautoria do ministro da Justiça de Vargas, Francisco Campos. Era uma Carta de cunho nacionalista,trazendo normas como a reserva aos brasileiros da exploração do solo nacional, minas e quedasd’água. Porém, todo o autoritarismo inserido em seu texto, bem como a implementação de regimeautoritário, ofuscou quaisquer benefícios que, eventualmente, puderam advir desta Cartaconstitucional.

Assim, notamos que o Poder Executivo, autoridade suprema do Estado, passou a governar pormeio de decreto-lei, fazendo desaparecer a tripartição de poderes no cenário político nacional.

O Brasil entra na Segunda Grande Guerra, participando ativamente ao lado dos Aliados contra asditaduras nazifascistas. Neste ponto, havia enorme contradição, uma vez que vivíamos, aqui, em solonacional, uma ditadura sem precedentes, baseada (inclusive) naquele modelo fascista combatido pornossos soldados.

Com o fim da guerra, houve a necessidade de redemocratizar o Brasil. Com a destituição deGetúlio Vargas, instaurou-se uma nova Assembleia Constituinte. Pela primeira vez, com as eleiçõesde 1945, uma gama enorme dos diferentes segmentos sociais do Brasil foi ouvida e devidamenterepresentada.

Nasceu, então, a mais democrática de todas as Constituições brasileiras, a de 1946. Trata-se deuma Constituição tecnicamente superior a todas que já haviam vigorado no Brasil, recuperando oequilíbrio desejável da relação entre os três poderes. Revelou-se, então, numa Carta repleta deprincípios democráticos e sociais.

Porém, foi insuficiente para conter os movimentos de instabilidade política, econômica e socialdo país.

Em 31 de março de 1964, devido aos inúmeros problemas por que o Brasil passava, surge umnovo golpe de Estado. Diante deste quadro, assume as rédeas da nação o Comando Militarrevolucionário, com forte apoio do segmento civil. Após um breve período, surge o Ato Institucionaln. 1, de 9-4-1964, que manteve a vigência da Constituição de 1946 (embora, na prática, a ordemconstitucional, nomeadamente a Constituição, já houvesse sido rompida, com o golpe).

Curioso é que nesta ditadura, talvez devido à pressão internacional ou simplesmente para iludir opovo, em seu começo existia, por parte do regime, a preocupação de travesti-la de “democrática”.

Em 1967, aprovou-se um projeto de um novo diploma constitucional, que entrou em vigor emmarço daquele ano. Esta nova Constituição, com fortes inspirações na antiga Carta de 1937, tevecomo foco a questão (vaga) da “segurança nacional”. Esta Constituição concentrou os poderes nasmãos do Chefe do Executivo, possibilitando-lhe governar por meio de decretos-leis, e legitimouarbitrariedades.

Em 1968, os movimentos sociais tomaram conta da Europa e do Brasil. Diante deste quadro, osmilitares brasileiros optaram pela edição de um novo ato de força. Surge o Ato Institucional n. 5, de13-12-1968, igualando-se à própria Constituição de 1967. Este ato endureceu no que tange àrepressão a qualquer oposição. O Presidente obteve poderes para decretar o recesso do Legislativo,cassar mandatos e remover de seus cargos seus respectivos titulares.

Com o afastamento do Presidente Costa e Silva, por questões de saúde, a situação social e

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política brasileira culmina com a Emenda Constitucional n. 1/69, que perpetuou a linha dos militaresde retorno ao modelo estatizante e centralizador.

3.6 A Constituição de 1988Com o advento da posse do Presidente Figueiredo, a partir de 1980, cresceu a conscientização da

necessidade de um processo de (re)democratização do Brasil. Neste esteio, em 1984, o povo tomouas ruas com a finalidade de concretizar seu anseio de votar para Presidente da República. O governomilitar, porém, consegue aprovar uma eleição indireta – frustrando a vontade popular –, em que asforças democráticas vencem o pleito, elegendo a chapa Tancredo/Sarney.

O Brasil ganha uma Assembleia Nacional Constituinte que, em 5 de outubro de 1988, promulganossa atual Constituição democrática.

Esta Constituição gera desde logo polêmicas quanto ao modo como nasceu: segundo alguns, surgecomo reação ao regime militar autoritário; para outros, pelo fato de ter nascido das mãos dospoderes constituídos, não rompeu efetivamente com o regime anterior.

Este diploma se revela num autêntico “espelho” da sociedade brasileira, pois traz no seu texto osanseios de todas as pressões e reivindicações dos diferentes grupos sociais, econômicos, filosóficose políticos existentes no país (contrários entre si).

Por fim, cabe destacar, quanto ao constitucionalismo brasileiro, que este (após a promulgação daConstituição de 1988) mudou o eixo que até então havia se consolidado na filosofia positivista,passando a reconhecer a força normativa e hierárquica da Constituição, bem como novas fontes emétodos de interpretação constitucional. O grande desafio, desde sua promulgação, vem sendo abusca por uma Constituição adequada à realidade social, política, cultural, histórica e econômicabrasileira, em detrimento da existência de um formalismo puro.

4. O conceito de ConstituiçãoO conceito de Constituição não é algo fixo ou perene, pois esta não é uma realidade em si mesma.

A relatividade do conceito de Constituição é fruto da análise de cada diploma existente.No âmbito geral, “Constituição” traduz o “ato de constituir”, de “edificar”, de “formar”, de

“firmar” algo, alguma coisa, ou um grupo de pessoas – essencialmente, refere-se a uma organizaçãosistematizada.

No âmbito jurídico, por seu turno, é concebida como a norma fundante, suprema, organizadora deum Estado. Neste sentido, achamos oportuno, desde logo, apresentar a definição do professor JoséAfonso da Silva, que traduz a Constituição como “um sistema de normas jurídicas, escritas oucostumeiras, que regulam a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição eexercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação” (Ferraz JR. et al.,1980, p. 38).

Destacamos que a maioria das sociedades do mundo possui uma Constituição escrita; esta seria ofruto da modernidade. O art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789dispõe:

Art. 16º Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nemestabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

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A Constituição reveste-se na lei maior de um país que institui e estrutura determinadacomunidade política. Deste modo, não é, simplesmente, fruto de determinado pensamento, mas, sim,o efetivo resultado de ação. Destaca-se como função precípua da Constituição moderna o fato de quese revela em autêntica garantidora dos direitos fundamentais, ou seja: a de delimitar as ações doEstado diante do cidadão (geralmente o polo mais fraco nesta relação).

Se observarmos através do processo histórico, constataremos que povos do mundo antigo taiscomo os hebreus, os gregos e os romanos também limitaram, cada qual a seu modo, o poder deatuação de seus governantes. De fato, existiram organizações políticas, anteriores ao surgimento dasConstituições escritas, em que imperava, igualmente, um governo constitucional, sem a efetivanecessidade de articulação de limites determinantes do poder político. Estas limitaçõesencontravam-se enraizadas tanto nas convicções da comunidade como nos costumes nacionais queeram respeitados por governantes e governados.

Na Antiguidade Clássica, Aristóteles nos oferece um conceito de Constituição que compreende“o modo de ser da polis, ou seja, a totalidade da estrutura social da comunidade”. Assim, destadefinição do Estagirita, obteremos dois pontos fundamentais para a compreensão do que vem a ser a“Constituição”:a) a Constituição é o ordenamento fundamental de um espaço sociopolítico;b) a Constituição traduz o conjunto de regras organizatórias destinadas a disciplinar as relações entre

vários órgãos de soberania.Chegamos então a uma das questões mais polêmicas do Direito Constitucional: a questão da

“natureza jurídica da Constituição”. Vale lembrar que inúmeros autores refletiram sobre o tema,sendo oportuno analisar alguns:a) Hans Kelsen: este filósofo configura o Direito como ordem normativa, em que a finalidade tem de

se assentar numa norma fundamental (a validade de uma norma apenas pode ser a validade deoutra norma, de uma norma superior). Isso ocorre também com a Constituição. Para ele, aConstituição é norma pura, dissociada de qualquer fundamento sociológico ou filosófico(metafísico). Grosso modo, revela-se fundante e fundamental, na qual todas as outras devembuscar seu fundamento de validade (eficácia).

No pensamento de Kelsen, a Constituição deve ser entendida sob dois prismas:i) num sentido positivo: a Constituição representa o escalão mais elevado do Direito positivo

(norma positiva suprema, situada no vértice do ordenamento jurídico do Estado). É a regra ouconjunto de regras jurídicas por meio do qual se regula a produção de normas jurídicas gerais;

ii) em sentido lógico-jurídico: a Constituição consiste na norma fundamental hipotética e, comose revela na norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, não podendo ser posta por umaautoridade (uma vez que a competência desta autoridade, por sua vez, também teria de sefundar numa norma ainda mais elevada...).

b) Ferdinand Lassalle: este pensador traz uma visão sociológica da Constituição, uma vez que elatraduz a soma dos fatores reais do poder (sendo real e efetiva). Assim, a Constituição verdadeiraconsiste no espelho dos fatores reais e efetivos do poder que imperam na sociedade. AConstituição, mesmo escrita, quando não corresponde a estes fatores essenciais, está fadada a serafastada por eles. Uma vez que é real e efetiva, a Constituição escrita não passaria de “simplesfolha de papel”;

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c) Carl Schmitt: este pensador foi muito criticado devido a sua forte relação com o partido nazistaalemão durante a Segunda Guerra. Ele pregava a existência de uma lei bem definida entre oconceito de “Constituição” e de “leis constitucionais”. Assim, a Constituição para ele eraintangível, ao passo que as leis constitucionais não possuíam essa característica. Outracaracterística importante é que as Constituições não podem ser reformadas, enquanto suasnormas, sim.

Este pensador acreditava que o conceito de Constituição é bastante complexo, atribuindo quatrosentidos para essa questão:i) a Constituição no sentido absoluto: aqui, traduz a essência da situação da unidade política,

bem como da ordenação social de determinado Estado;ii) a Constituição em sentido relativo: nesta ótica, os conceitos de “Constituição” e de “lei

constitucional” podem ser confundidos. A Constituição é concebida como um conjunto denormas jurídicas aprovado pelo canal e quorum adequados;

iii) a Constituição em sentido positivo: traduz a decisão política fundamental que versa sobre omodo e a forma da existência de uma unidade política.

Como conclusão de seu pensamento, observamos que Schmitt ruma em sentido contrário ao de HansKelsen, pois, para aquele, o Direito encontra seu fundamento de validade numa decisão política,e não numa norma hipotética.

d) Konrad Hesse: este pensador foca a força normativa da Constituição; busca, com isto, umaresposta para a doutrina de Lassalle. Neste diapasão, a Constituição se revela mais do que um“simples pedaço de papel”. Mesmo que ela se encontre, invariavelmente, ligada à realidadehistórica de determinada sociedade em que se encontra inserida, a Constituição em si não ébalizada por essa realidade. Assim, a Constituição, em virtude de sua força normativa, não éapenas a tradução dos acontecimentos reais ocorridos em determinada sociedade, mas tambémdeve servir de mudança da sociedade.Assim, concluímos que a Constituição é uma decisão política fundamental tomada pelo titular do

poder constituinte; é a tradução da decisão consciente que a unidade política, por meio do titular dopoder constituinte, adota por si própria e se dá a si própria.

No somatório destes vários conceitos, depreende-se que a Constituição é a lei fundamental esuprema de determinado Estado. Traduz-se na regra matriz deste Estado, solidificando suasinstituições e estabilizando o seu poder instituidor com o intuito de gerir o Estado e promover obem-estar social. A Constituição moderna visa a delimitar a ação do Estado. Como foi abordado, aConstituição revela-se também uma derivação dos valores mais nobres de uma sociedade emdeterminada época.

5. A finalidade da ConstituiçãoComo vimos, a Constituição se revela o conjunto de normas que visa a regular a organização do

Estado e as suas funções, definindo, essencialmente, os direitos e deveres fundamentais dos cidadãose, de igual forma, a ordem jurídica do Estado. Então, no caso brasileiro, ela se revela em leifundamental a que todos os cidadãos – brasileiros ou estrangeiros em solo nacional – estão sujeitos.

Assim, a Constituição tem a finalidade de assegurar a unidade de determinado Estado,definindo o regime político, o sistema jurídico, os poderes, sua efetiva soberania, impondo-se às

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demais normas do ordenamento jurídico. Ela encontra fundamento no povo, afirma-se com ele; e, seo povo deixa de existir, não há razão para a existência de um diploma constitucional.

6. Classificação da norma quanto à hierarquiaNo caso da Constituição brasileira de 1988, a classificação vem definida no art. 59 e estipula o

seguinte:a) Constituição Federal: é fruto de poder constituinte originário; tem por finalidade traduzir os

anseios do povo, bem como representá-lo, uma vez que (nossa Constituição atual) foi concebidanum momento histórico democrático que reagia contra a ditadura militar. A Constituição (dentrode sua acepção moderna) não está subordinada a nenhuma lei e revela-se norteadora ehierarquicamente superior a todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro. As normasconstitucionais são aquelas que estão elencadas dentro de determinado diploma constitucional,uma vez que constituem fundamento de validade do ordenamento jurídico de determinado Estado.Uma das características essenciais das normas constitucionais reside na sua supremacia.

b) Emendas à Constituição: elas têm previsão constitucional e possuem força para mudar, ampliarou complementar o seu texto. Nossa Carta atual estipula efetiva rigidez para alterar o textoconstitucional (isso implica em mecanismos e critérios rigorosos e formais para o procedimentode alteração). Porém, observados os princípios constitucionais, ela pode ser alterada, e a Emendapassa a integrar o corpo da Constituição.

c) Lei complementar à Constituição: a Carta de 1988 vincula a elaboração de normas jurídicassobre assuntos definidos no seu texto. Assim, a lei complementar tem a aprovação por maioriaabsoluta (e estão sujeitas a emendas e também ao veto do Presidente da República).

d) Lei ordinária: trata-se, aqui, de leis comuns do Brasil, uma vez que podem versar sobre qualquermatéria que não seja destinada pela Constituição à Emenda Constitucional ou à lei complementar.No caso, a lei ordinária é aprovada por maioria simples.

e) Leis delegadas: neste caso, o Presidente da República exerce função atípica, uma vez que a suaelaboração é entregue, conforme previsto no texto constitucional, a ele. Obviamente que,tratando-se de função atípica, o Presidente necessita de autorização do Congresso Nacional.Observamos então que o Poder Legislativo, embora fiscalizando o Presidente da República, abremão de uma pequena parcela do poder de criar leis para o Poder Executivo.

f) Medidas Provisórias: instituto oriundo do Direito italiano, revela-se em atos normativos, tambémeditados pelo Presidente da República, com força de lei, que trazem no seu corpo duas exigênciasconstitucionais: em “caso de relevância e urgência”. Fruto de várias mudanças, para que entre noordenamento normativo brasileiro deve ser aprovada pelo Congresso Nacional no prazo de 60dias a contar da data de sua publicação (prorrogável pelo mesmo período, se necessário).

g) Decretos legislativos: são normas do Congresso Nacional com a finalidade de disciplinar matériade competência exclusiva deste órgão. São aprovados por maioria simples.

h) Resoluções: disciplinam matéria de competência do Congresso Nacional e produzem efeitosinternos. São promulgadas pela Casa legislativa que as expedir.

7. Classificação das ConstituiçõesDoutrinariamente, costuma-se classificar as Constituições devido a uma razão pedagógica e

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epistemológica para delimitarmos onde se encontram tanto a Constituição brasileira como as dosdemais países. Assim, podemos apontar o seguinte critério para classificar as Constituições:1) Quanto ao conteúdo:

1.a) Constituição material: traduz o conjunto de regras materialmente constitucionais,relacionadas ao poder, quer estejam elencadas no corpo da Constituição ou fora dele. São asregras que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus respectivos órgãos e osdireitos fundamentais;

É necessário aproveitar o assunto em questão para alertar que nem todas as regras elencadas naConstituição são, forçosamente, normas materiais. Deste modo, são formalmenteconstitucionais pelo simples fato de estarem inseridas no texto constitucional.

1.b) Constituição formal: é o conjunto de normas inserido no corpo da Constituição (tenham ounão conteúdo constitucional material, ou seja: organização do Estado, direitos dos cidadãosetc.).

2) Quanto à forma:2.a) Constituição escrita: trata-se aqui de um conjunto de regras, codificadas de modo

sistemático e científico, inserido num único documento. Estas Constituições possuemenunciados normativos cristalizados no seu corpo (alguns doutrinadores apontam que este tipode Constituição traz consigo características de estabilidade e segurança jurídica);

2.b) Constituição histórica, dispersa, consuetudinária ou não escrita: este tipo de Constituiçãonão existe como um documento formal e solene, mas é fruto da tradição histórica e do costumelegal (que se acham, também, por escrito). São formadas por leis esparsas. O exemploclássico é encontrado no sistema jurídico inglês, pois não há uma Constituição escrita(unwritten Constitution); citamos, além deste, outros países que também são dotados deConstituições costumeiras: Israel, Canadá e Nova Zelândia;

3) Quanto ao modo de elaboração:3.a) Constituição dogmática: trata-se de uma Constituição sistematizada em um único texto. É

concebida racionalmente por um órgão incumbido de sua elaboração, ou seja; por um órgãoconstituinte (que, em tese, ratifica dogmas de Ciência Política ou Teoria Geral do Estado,consagrados neste momento);

3.b) Constituição histórica: trata-se de uma Constituição não escrita que é forjada por um longoprocesso histórico, da lenta evolução das tradições e costumes consagrados pelo povo e quese cristalizam como normas fundamentais para a organização de um Estado. Se observarmos aInglaterra, notaremos que esta possui uma Constituição não escrita (embora algumas normasmateriais encontrem-se escritas) embasada em textos esparsos;

Concluímos então que a Constituição escrita será sempre dogmática e que a Constituição históricaserá sempre não escrita.

4) Quanto à origem da Constituição:4.a) Promulgada, popular ou democrática: estas Constituições são fruto de uma Assembleia

Nacional Constituinte, formadas por representantes do povo eleitos com a finalidade derealizar essa tarefa (é comum os autores destacarem como exemplo as Constituiçõesbrasileiras de 1891, 1934, 1946 e a atual de 1988).

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4.b) Outorgada: sua redação e imposição são feitas pelo poder governante (que, geralmente,exerce alguma forma de dominação), ou seja: exclui-se a participação do povo (temos, noBrasil, o exemplo das Constituições de 1824, 1937, 1967 e EC n. 1/1969).

4.c) Pactuada: o poder constituinte que a elabora encontra-se vinculado a dois ou mais titularesque elaboram um pacto.

4.d) Cesarista: aqui se encontra a participação popular para aquiescer a determinado textopreviamente formulado.

5) Quanto à mutabilidade (alguns doutrinadores atentam que a estabilidade de uma Constituição estáintrinsecamente ligada à questão da rigidez dos procedimentos legislativos que buscam suaefetiva reforma). Em razão de sua finalidade e importância, a Carta Magna precisa ser dotada deestabilidade mais do que qualquer outra norma do ordenamento jurídico. Daí, este tipo declassificação estar intimamente ligado à maior ou menor complexidade que envolve o processode alteração da Lei Maior (vale destacar que este conceito de rigidez constitucional não acarretaa ideia de imutabilidade absoluta da Constituição):5.a) Imutável ou inalterável: esta Constituição é totalmente inflexível, não prevendo qualquer

hipótese de reforma (os autores convergem no sentido de elencá-las como verdadeiras“relíquias históricas”).

5.b) Flexível: são aquelas Constituições em que o processo legislativo que norteia sua reforma éo mesmo adotado em relação à lei ordinária, ou seja: um procedimento mais simples.

5.c) Semirrígida: neste tipo de Constituição há uma rigidez para parte de seus dispositivos,enquanto os demais dispositivos são considerados flexíveis (podendo ser alterados por umprocedimento igual ao adotado para elaboração das leis). Um exemplo no Brasil seria aConstituição de 1824.

5.d) Rígida: estas Constituições exigem um procedimento legislativo mais solene, rigoroso edificultoso para a alteração do texto constitucional. São fruto do sentimento de desconfiança aopoder absoluto.

Ora, um conceito que merece atenção, neste ponto, é o de cláusula pétrea. Estas cláusulas nãoserão objeto de alteração. Assim, a atual Constituição Federal do Brasil, de 1988, em seu art. 60, §4º, relaciona as suas cláusulas pétreas do seguinte modo:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I – a forma federativa de Estado;II – o voto direto, secreto, universal e periódico;III – a separação dos Poderes;IV – os direitos e garantias individuais.

Assim, da rigidez constitucional obtemos o conceito de supremacia constitucional (sendo que aConstituição se situa no vértice do sistema jurídico, piramidal). Neste sentido, todas as normas queestão inseridas no ordenamento jurídico só terão validade se estiverem em sintonia com a Lei Maior.Trata-se aqui do princípio da compatibilidade vertical, sendo que as normas inferiores dependem davalidade dotada pela norma imediatamente superior.

Vale destacar que ainda existem, no corpo da Constituição de 1988, as cláusulas pétreasimplícitas. Estas não estão necessariamente previstas no § 4º do art. 60. Como exemplo, destacamos

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os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º) e seus objetivos fundamentais (art. 3º).5.e) Super-rígida: estas Constituições são escritas e possuem, elencados no seu texto, alguns

dispositivos que não podem ser, de modo algum, alterados.6) Quanto à sua extensão:

6.a) Sintética, sucinta ou concisa: trata-se, aqui, de Constituições de menor extensão. Elastrazem no seu corpo apenas princípios e normas gerais atinentes à organização do Estado, quetem seu poder limitado por meio da fixação de direitos e garantias individuais (um exemploclássico é a Constituição dos Estados Unidos).

6.b) Analítica ou prolixa: trata-se de um diploma que cuida em detalhes, com minúcias, de temasque, por sua relevância, poderiam ser abordados em outro plano (a lei ordinária, porexemplo). A Constituição tem por objetivo alargar as tarefas do Estado, determinando-as e es-tabelecendo programas. Como exemplo, destaca-se a Constituição brasileira de 1988 (olegislador optou por ir além do constitucionalismo clássico, analisando assuntos que julgourelevantes para a formação de um novo Brasil, em 1988).

7) Quanto à ideologia:7.a) Eclética: são diplomas que abrem espaço para mais de uma ideologia filosófica, econômica,

cultural e política.7.b) Ortodoxa: este tipo de Constituição segue a batuta de uma única ideologia (ideologia

cultural, política, econômica, filosófica ou religiosa, proveniente de um grupo ou de um únicoindivíduo).

8. Aplicabilidade das normas constitucionaisO tema em comento é exposto por meio da teoria proposta pelo professor e constitucionalista

José Afonso da Silva e, com o passar do tempo, ganhou abordagens diferentes quando analisada poroutros doutrinadores. Assim, as normas constitucionais, quer positivem princípios, quer positivemregras, podem ser abordadas/estudadas quanto à sua aplicabilidade e eficácia. A classificaçãoocorre do seguinte modo:

Normas de eficácia plena: estas normas, como o próprio nome já indica, têm aplicação imediata.Isso significa que não dependem de qualquer regulamentação posterior para sua integraloperatividade. Estas normas bastam em si, pois não necessitam intervenção do legisladorinfraconstitucional (citamos como exemplos os arts. 2º e 5º, III e IV, da CF/88).

Normas de eficácia contida: são normas que, à semelhança das normas de eficácia plena, têmaplicação imediata, integral, mas se diferenciam destas, pois há uma porta aberta deixada peloconstituinte para que o legislador restringisse a incidência da norma constitucional (eis a razãoporque o professor Michel Temer utilizou a denominação normas de eficácia restringível eredutível). Assim, elencada na Constituição, sua aplicação pode ser reduzida pela lei comum.Vale lembrar que, enquanto não vier a incidir lei restringindo seu campo de atuação, ela terá,como é óbvio, eficácia plena (citamos como exemplo o art. 5º, XIII, da CF/88 – enquanto nãosobrevier a legislação restritiva, o princípio é pleno).

Normas de eficácia limitada: são normas que dependem da emissão de uma atividade legislativafutura, sendo que o legislador ordinário integrará sua eficácia por meio de uma lei. Sãodispositivos que possuem eficácia apenas no campo jurídico. Estas normas podem ser de

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princípio institutivo ou de princípio programático. Normas de princípio institutivo: estas normas, inseridas no texto constitucional pelo legisladorconstituinte, buscam estipular orientações gerais para que o legislador ordinário possa estruturarórgãos, entidades e institutos, mediante o auxílio da lei, ou seja: dependem de lei para dar corpoàs instituições, órgãos etc. (citamos como exemplos os arts. 90, § 2º, e 91, § 2º, da CF/88).

Normas de princípio programático: são normas que implementam política de governo, orientam,norteiam o legislador ordinário quanto ao fim objetivado pelo Estado brasileiro. Estabelecem umprograma constitucional a ser desenvolvido mediante uma legislação infraconstitucional (citamoscomo exemplo o art. 205 da CF/88). Deste modo, trazem, no seu texto, comandos-valoresdestinados ao legislador ordinário.

Normas de eficácia absoluta: estas normas são, por si, intangíveis, não podendo nem sequer serobjeto de emendas. São aplicáveis imediatamente, ou seja: não precisam de lei (citamos comoexemplo o art. 60, § 4º, da CF/88).O estudo do tema proposto faz-se relevante, uma vez que o Brasil, por meio de sua Constituição

de 1988 (que é formal e rígida), possibilita ao cientista do Direito vislumbrar com clareza a questãoda hierarquia das normas constitucionais e normas infraconstitucionais.

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Capítulo 12 A Democracia Direta

O romancista alemão Thomas Mann destacou que, quando duas pessoas discursam sobre a“democracia”, estão pensando, fatalmente, em coisas distintas.

O século XIX consagra o triunfo da democracia representativa liberal. Constatamos, no planopolítico, a consagração da filosofia de Locke e de Montesquieu.

Coube ao processo histórico (lento e gradual) a missão de “lapidar” a efetiva implementação e oalargamento dessas filosofias. Assim, tendo em vista as mudanças sociais, culturais, econômicas efilosóficas, ampliou-se o direito ao sufrágio (às mulheres, aos que não detinham propriedade, aosjovens e analfabetos), aumentando, com isso, a participação dos cidadãos no cotidiano da polis.Contudo, praticamente não se verifica o anseio pela mudança da democracia representativa pelademocracia direta (por parte dos governantes). Não se observa, de fato, ao longo da História, avontade de colocar o eleitorado para tomar decisões em detrimento do Congresso ou do Parlamento.

Já no século XX, observamos que houve crescimento deste ceticismo, ou seja: da dúvida emrelação à capacidade efetiva de decisão do eleitorado. A título de elucidação, é atribuída a Churchilla seguinte frase emblemática: “o melhor argumento contra a democracia reside numa conversa decinco minutos com o eleitor comum” (The best argument against democracy is a five minutesconversation with the average voter). Este ceticismo se dá nomeadamente nas situações em que adecisão política e a decisão de ordem pública se tornaram cada vez mais complexas e amplas(distanciando-se, segundo alguns, da capacidade de discernimento popular).

Friedrich Müller atenta a que o “termo ‘democracia’ não deriva apenas etimologicamente de‘povo’. Estados democráticos chamam-se governos ‘do povo’ [‘Volks’ herrschaften]; eles sejustificam afirmando que em última instância o povo estaria ‘governando’ [herrscht]. Todas as razõesdo exercício democrático do poder e da violência, todas as razões da crítica da democraciadependem desse ponto de partida. A explanação, bem como a justificação, movem-se habitualmenteno campo das técnicas de representação, de instituições e procedimentos. Só assim o ‘povo’ entra nocampo visual; ou ainda nos momentos nos quais a delimitação (da ‘nação’, da ‘sociedade’) está emjogo” (Müller, 2009, p. 39).

Ora, uma das questões mais importantes da Ciência Política nos últimos tempos é,fundamentalmente, esta: a soberania popular é um poder absoluto?

Ainda no século passado, a filósofa alemã Hannah Arendt alertava quanto ao declínio do governorepresentativo. Vejamos.

Destacava que o cidadão, primeiramente, tinha um compromisso estreito com as leis. Isso porque

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ele endossou o legislador – seu efetivo representante – para que legislasse por ele. Neste aspecto(concluíam Kant e Rousseau), um cidadão, quando se sujeita à lei, não está de maneira alguma sesubmetendo a uma vontade alheia (nomeadamente a do legislador), mas, sim, à vontade dele próprio(do cidadão).

Essa solução – clássica – ofertada por Kant e por Rousseau não encontra eco no pensamento dafilósofa germânica. Para ela, o cidadão deve, de fato, obedecer à lei, pois integra uma sociedadedemocrática que lhe possibilita o direito ao voto. Contudo, Arendt acreditava que este sistemarepresentativo passa por uma crise (e, assim, merece ser reestruturado, redefinido), uma vez que, aolongo do tempo, foi perdendo as práticas e instrumentos que permitem a efetiva participação doscidadãos. Isso devido à burocratização, à tendência ao bipartidarismo e aos próprios partidospolíticos (máquinas que não representam o povo).

Pugnou então pela maior representatividade do cidadão; segundo ela, deveria ampliar-se oreconhecimento dado aos grupos de interesses especiais (os grupos minoritários). Assim, haveria apossibilidade de tratamento igualitário entre estes e os grupos de pressão (detentores do capital e daforça política) que buscam influenciar as decisões do Congresso (no caso, o americano). Outro fatorque ampliaria a representatividade seria a criação de instrumentos elencados na Constituição quepermitissem a contestação civil.

Como já destacamos em capítulo diverso, os próprios founding fathers americanos, ao estipulara participação maior do povo, tiveram a intenção de distanciar o povo das grandes decisões.Observamos, ali, que quem atua efetiva e ativamente é o representante do povo (que exerce suasfunções em nome deste).

Também é possível encontrar registro na História de momentos em que a opinião pública foi“conduzida”, em que houve abuso de referendos, apelos emocionais, apelos demagógicos etc., emdetrimento do povo, no intuito de controlá-lo. Houve claras situações nas quais conceitos autoritáriosou totalitários usaram como instrumento a figura do plebiscito (porém, de modo calculista, visando aresultados práticos a favor do regime).

Convém, neste momento, refletirmos e diferenciarmos o conceito de referendo e de plebiscito.Primeiramente, cumpre observar que alguns autores os entendem como sinônimos. Porém,distinguem-se do seguinte modo: na maioria das vezes, encontraremos a definição de que o referendose destina a ratificar decisões estatais prévias (sendo que isto não cabe ao plebiscito).

O plebiscito (decorre do latim plebiscitu), ou seja: literalmente, “o decreto da plebe”, nos diasatuais, é utilizado antes da criação de determinada norma, com a capacidade decisória (paraaprovar ou não) delegada ao povo, por meio de voto.

Há cientistas políticos que enunciam que o referendo tem o condão de apreciar normas, enquantoo plebiscito aprecia pessoas ou acontecimentos. Contudo, estas definições não podem “engessar acompreensão” do aluno em face das evidências históricas. Vejamos.

É importante reter que houve atos plebiscitários que se destinaram a ratificar decisões estataisprévias, como é o caso da Constituição de 22 de Brumário do ano VIII, ou (no nosso entender) oplebiscito que teve como objeto a aceitação da Constituição portuguesa de 1933. Ainda por cima,temos também registros de referendos que não são antecedidos de prévias decisões estatais.

Ora, se o acadêmico, nesta questão, busca um “porto seguro”, deve aceitar o conceito de queambos, tanto o referendo como o plebiscito, representam um apelo ao voto dos eleitores

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devidamente aptos e inscritos. O primeiro está inserido em uma norma constitucional vigente, comuma disciplina previamente definida, e, por seu turno, o segundo revela-se excepcional e, geralmente,rompe com a ordem constitucional vigente. O plebiscito visa a decidir previamente uma questãopolítica ou institucional, antes de sua efetiva formação legislativa.

Vale lembrar que, em 21 de abril de 1993, foi realizado um plebiscito fundamental para o Brasil:previsto na Constituição de 1988, o eleitorado foi convocado a decidir sobre a forma de governo,republicana ou monarquista, e o regime de governo, presidencialista ou parlamentarista.

No que tange à iniciativa popular, cumpre ressaltar que é permitido ao povo apresentar projetosde lei ao Poder Legislativo (desde que subscritos por um número razoável de eleitores).

Com relação ao “sufrágio”, se observarmos a filosofia de Montesquieu, este, em sua obra Oespírito das leis, asseverou que o homem comum é incapaz de discutir e gerir a coisa pública, porémtem plena aptidão de escolher, participando do governo, quem melhor possa representá-lo para atomada de decisões fundamentais.

O sufrágio então é uma modalidade de expressão da soberania popular. É asseguradoconstitucionalmente e trata-se de fundamento de validade para a investidura na função públicaeletiva. Eis a razão essencial por que a eleição não pode ser maculada com qualquer tipo de fraudeou abuso, devendo prevalecer a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

No Brasil, um dos princípios luminosos consagrado pela Constituição de 1988, em seu art. 1º,parágrafo único, foi o de que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representanteseleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Trata-se de um princípio que se assenta numatradição constitucional brasileira, pois adentrou na Carta de 1934 e foi mantido nas Constituições de1937, 1946 e 1967 (e, também, na Emenda Constitucional de 1969).

Deste modo, como já vimos em capítulo diverso, o sufrágio universal tem como titular o povo. Éexercido pelo povo com o voto direto, secreto e igual para todos (universal – one man, one vote),sendo que “povo”, aqui, traduz o eleitorado ou cidadãos no gozo de seus direitos políticos comcapacidade de votar e ser votado – conforme estipula a Constituição.

Analisemos agora, a título de elucidação, o seguinte artigo da Constituição de 1988:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:I – plebiscito;II – referendo;III – iniciativa popular.

Ora, este artigo encontra-se, em nossa Carta de 1988, como a tradução do conjunto de normas quedisciplina e estipula as diferentes formas de atuação da soberania popular.

Estas normas se revelam no desdobramento do princípio democrático (abordado anteriormente)inserido no art. 1º, parágrafo único.

Há ainda o instituto do recall ou revogação: este instituto, não previsto em nossa Constituição,revela-se num direito, atribuído ao povo, de findar, suprimir ou revogar os efeitos da investiduralegislativa outorgada a seus representantes, ou também, quando ocorrem determinados atoslegislativos – julgados pelo consenso geral como inconvenientes –, para o interesse coletivo.

Por fim, cabe destacar que alguns autores atentam a que constituem também exercício de

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soberania popular e direitos dos cidadãos o ajuizamento de ação popular, a participação emassociações lícitas e partidos políticos.

PONTO PARA REFLEXÃOO professor Jorge Miranda destaca que a “democracia representativa e pluralista, a democraciapoliticamente liberal (mas não necessariamente como mera economia liberal) impôs-se comoprincípio de legitimidade contra a falta de racionalidade dos demais regimes. Não significa isto,porém, que se tenha chegado ao ‘fim da história’, até porque a história comporta avanços erecuos, saltos e sobressaltos, e porque se mostram bem evidentes as imperfeições e os sinaisde perturbação e perplexidade de muitas das actuais democracias, tais como a quebra dosentido de participação cívica e o afastamento em relação aos governantes, a sujeição docontraditório parlamentar ao imediatismo da comunicação audiovisual, as tendênciasoligárquicas e os défices de democracia no interior dos partidos, ou os excessos decorporativismo. Dir-se-ia que a ‘democracia sem inimigo’ não tem mais problemas externos, masque se abriu a caixa de Pandora dos seus problemas internos” (Miranda, 2002, p. 84).

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Capítulo 13 Os Partidos Políticos

Eis aqui uma questão que remonta (como a maioria dos temas no Direito) à Grécia Antiga. Assim,se observarmos a implementação da democracia grega, constataremos, fatalmente, a formação degrupos que, aliados, lutavam pelos mesmos objetivos, opiniões e interesses. Reside aí o gérmen dospartidos políticos. O mesmo fenômeno ocorre em Roma (onde a História é farta em evidenciar asdisputas pelo poder e os conflitos de classe ou facções).

Diante de sua vida em sociedade, o homem busca forças aglutinadoras de suas vontades ereivindicações com o intuito de influenciar as decisões de poder. Assim, as propostas dos diferentespartidos, no mundo moderno, são abundantes. Essencialmente, os partidos se encontram na disputa,no controle e manutenção do Poder, balizados por valores e diretrizes ideológicas.

Uma definição precoce nos traz a ideia de que um partido se revela num grupo político,identificado por uma ideologia e postura oficial, que se submete a determinado pleito com afinalidade de eleger seus candidatos (seja em eleições livres ou não). Aqui, cabem duas ressalvas aesta “primeira definição”: de um lado, temos o exemplo do partido nazista de Hitler, que nunca sesubmeteu a eleição alguma após a tomada do poder; de outro, os partidos de resistência/clandestinosno Brasil, não reconhecidos pela ditadura, perseguidos e que também não disputavam eleições(embora se encontrassem, de fato, embrenhados nas eleições...).

Ora, esta definição ainda necessita de complementos, uma vez que a atividade partidária não seresume às eleições e à apresentação de candidaturas. É evidente que participa na luta pelo poder eexerce atividade com fulcro a persuadir, de atuar na vontade dos cidadãos.

Assim, há a necessidade de se alargar este conceito de partido, tendo em vista, inclusive, o seunascedouro. O surgimento dos partidos políticos coincide com a conquista do sufrágio universal ecom a representação ou partidos de classe (nascidos essencialmente no movimento ou mundo dotrabalho). Vislumbra-se no papel moderno dos partidos políticos (que pretendem ser de massa) suaefetiva essência competitiva no cenário político.

No mundo moderno e democrático, partido político é, essencialmente, uma entidade dotada depersonalidade jurídica de tipo associativo com perspectivas duradouras que visa a representar(política e juridicamente) determinado(s) grupo(s) ou segmento(s) da sociedade e a ter voz ativa nofuncionamento do governo (constitucionalmente instituído); para tanto, apresenta dentro do sistemalegal candidaturas com essa finalidade.

Há basicamente quatro condições para que um partido político exista e sobreviva numademocracia representativa:

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1) deve ser uma organização durável (deve ter o objetivo de (sobre)viver a seus fundadores edirigentes);

2) deve ser uma organização local e bem estabelecida diante do cenário político nacional;3) deve existir a vontade dos dirigentes nacionais ou locais de exercer o poder a sós ou com o

restante da comunidade (e não apenas “serem agentes de influência”);4) o desejo perene de buscar o apoio popular.

Dentro das democracias contemporâneas, todos os governos efetivamente são governados porpartidos. Assim, expressões como “Estado de partidos” ou “Estado partidário” são cada vez maiscomuns. Se observarmos a atitude do Estado diante dos partidos políticos, constataremos umaevolução que vai desde a oposição ou indiferença até a legitimação com estes. Aliás, os partidospolíticos são essenciais para a compreensão do comportamento ou tendência (política, filosófica,religiosa, econômica e cultural) de determinada sociedade.

Há uma vasta gama de partidos: partidos carismáticos, partidos que têm no seu seio questõeseconômicas, partidos de camponeses (de petites gens), partidos oriundos de ideias políticas oumorais.

No que diz respeito ao sistema partidário, revela-se (como já vimos) essencial a competiçãoentre partidos. Deste modo, destaca-se aqui a exclusão dos one party systems (sistemas em queexiste um único partido) deste quadro. Não podem, portanto, existir sistemas partidários em quefigura um único partido, pois um sistema de partidos verdadeiro pressupõe a (inter)ação e efetivacompetição eleitoral entre eles. Impossível haver – como é óbvio – competição e intercâmbio comapenas um figurante.

A título de exemplo, citamos o Estado Novo português: Salazar, culpando os partidos e ossindicatos pela instabilidade da 1ª República, proibiu com veemência a formação de partidospolíticos. Só foi permitida a existência da União Nacional (criada em 1931) para intervir nos rumosda nação – tratava-se, aqui, de um regime de partido único.

A classificação tradicional elenca:1) sistemas bipartidários;2) sistemas multipartidários; e3) sistemas de partido dominante.

Vale fazer aqui uma pequena ressalva: é comum apresentar-se o sistema britânico como exemplode sistemas bipartidários; contudo, este sistema, de fato, abrange mais de dois partidos, pois oPartido Liberal por vezes atinge expressiva votação. Eis a razão por que alguns denominam estesistema “dois partidos e meio”, na medida em que há efetiva mudança e alternância entre os doisgrandes partidos do Reino Unido, porém existe um terceiro com dimensões e características que oimpedem de compor o governo (mas, de modo algum, de influenciar sua decisão ou rumo).

Podemos caracterizar ainda os partidos no que tange a critérios quantitativos:1) sistema de partidos rígidos: neste sistema, os partidos se caracterizam por uma forte coesão

interna;2) sistema de partido maleável ou leve (souple): neste sistema, os partidos possuem uma estrutura

menos coesa e mais flexível (não existe disciplina de voto – como é o caso dos Estados Unidos).A classificação ainda pode ser elaborada segundo a organização interna dos partidos:

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1) partidos de quadros: caracterizam-se mais pela qualidade dos membros que os integram do quepela quantidade de membros filiados. Dão preferência às figuras mais notáveis, com prestígio;

2) partidos de massa: buscam o maior número possível de membros, sem qualquer espécie dedistinção (são, notadamente, angariadores de adeptos de classes menos favorecidas).Classificam-se, quanto ao âmbito de atuação, em:

1) partidos de vocação universal: buscam atuar além das fronteiras de determinado Estado; visam auma teoria político-filosófica universal;

2) partidos nacionais: buscam representatividade em todo o território de determinado Estado(podendo, contudo, ser mais expressivos em determinada região do que em outras);

3) partidos regionais: buscam atuar numa região de determinado Estado, buscando, como é óbvio,adeptos na região em que pretendem representar;

4) partidos locais: são essencialmente municipais, com interesses bem definidos na localidade emque atuam.O professor Dalmo Dallari, de maneira brilhante, apresenta duas posições antagônicas: uma

favorável e outra desfavorável aos partidos políticos, do seguinte modo:

A favor dos partidos argumenta-se com a necessidade e as vantagens do agrupamento dasopiniões convergentes, criando-se uma força grupal capaz de superar obstáculos e de conquistar opoder político, fazendo prevalecer no Estado a vontade social preponderante. (...) Contra arepresentação política, argumenta-se que o povo, mesmo quando o nível geral de cultura érazoavelmente elevado, não tem condições para se orientar em função de ideias e não sensibilizapor debates em torno de opções abstratas. Assim sendo, no momento de votar são os interessesque determinam o comportamento do eleitorado, ficando em plano secundário a identificação dopartido com determinadas ideias políticas (Dallari, 2011, p. 168).

Diante de todo o exposto, tendo em vista as estruturas democráticas modernas, podemos, a títulode conclusão, asseverar que:1) os partidos políticos concentram seus objetivos no efetivo controle do poder. Isso se faz por meio

da persuasão do eleitorado (que adere ou não a seus valores ou diretrizes ideológicas);2) há um fator de “equilíbrio”: os partidos políticos visam a resguardar os direitos da maioria,

balanceando com as reivindicações constantes das minorias.

1. Os partidos e a Constituição de 1988As Constituições brasileiras anteriores a 1988 não vislumbram os partidos políticos como um

instrumento basilar, fundamental, reflexo da vontade humana e canal do poder que emana do povo, ecomo aqueles que efetivamente o representam. Constata-se que relegaram o tema ao plano da leiordinária (tendo em vista que essas associações rivalizavam – no espaço/cenário político – com asagremiações profissionais).

Nossa Constituição atual, é forçoso notar, não avançou em termos de organização de sistemapolítico. Aliás, se compararmos com cautela, constataremos que ela mantém o mesmo tipo deorganização que havia durante o regime autoritário: há um Congresso Nacional debilitado, submetidoàs vontades do Executivo (com a diferença de que, hoje, aquele não goza de efetiva credibilidadeperante a opinião pública).

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Esta falta de inovação na organização/sistema político brasileiro se deve, fundamentalmente, atrês motivos básicos:1) a falta de uma forma de financiamento público de campanha;2) a deterioração das práticas políticas;3) o uso desregrado de emendas de congressistas ao orçamento.

A título de elucidação, cumpre destacar que este sistema tem funcionado, convenientemente, aoExecutivo federal, na medida em que ele, mantendo uma relação estável com o Congresso Nacional,aprova sem problemas os seus projetos de lei.

Assim, sobre os partidos políticos, dispõe a Constituição de 1988 o seguinte:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados asoberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais dapessoa humana e observados os seguintes preceitos:I – caráter nacional;II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou desubordinação a estes;III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organizaçãoe funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais,sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distritalou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.§ 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil,registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e àtelevisão, na forma da lei.§ 4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

Notamos, então, que a Constituição atual definiu os partidos políticos como entes necessáriospara a efetiva preservação do Estado Democrático de Direito. Assim, o sistema político brasileiro éo pluripartidarismo.

Convém ainda analisar dois princípios partidários elencados no artigo em análise:1) O da liberdade partidária (elencado no art. 17, caput, da Constituição Federal): dota-lhes de

liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção, porém devem ser resguardados osseguintes princípios:a) a soberania nacional;b) o regime democrático;c) o pluripartidarismo;d) os direitos fundamentais da pessoa humana.

2) O da autonomia partidária: tendo em vista o que preconiza o artigo supramencionado, os partidospolíticos possuem autonomia para definir a sua estrutura interna, sua organização efuncionamento. Seus estatutos deverão definir as normas de fidelidade e disciplina partidárias.

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Lembre-se de que a Constituição é expressa ao vedar a utilização, pelos partidos políticos, deorganização paramilitar.Devem ser observados ainda os seguintes preceitos:a) o caráter nacional;b) a proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governos estrangeiros ou de

subordinação a esses;c) a prestação de contas à Justiça Eleitoral;d) o funcionamento parlamentar de acordo com a lei.É importante reter que em nosso sistema não cabe a candidatura independente, uma vez que todo

candidato deve ser filiado a determinado partido (art. 14, § 3º, V).Por fim, vale refletir que, no sistema brasileiro, os partidos carecem de duas características

essenciais: autenticidade e autoridade. Neste sentido, ao invés de fazerem valer seus estatutos,obrigarem a implementação de seus respectivos programas, aplicando penalidades àqueles que,eventualmente, “remam contra o partido”, contra o grupo, há, no caso brasileiro, partidos que securvam perante a vontade de um só (ou pequeno grupo), gerando com isso malefícios ao sistemapartidário e ao sistema representativo. Impedem que os partidos desempenhem seu relevante papeldemocrático.

2. Grupos de pressão e de interesseA definição de grupos de pressão e de grupos de interesse não é pacífica ou fácil. Num primeiro

passo, definiremos grupo de interesse como o grupo de indivíduos que estão organizados e emsintonia para determinadas ações (concretas), para alcançar um (ou mais) objetivo comum.

Já o grupo de pressão se manifestará quando um conjunto de indivíduos, devidamenteorganizados, busca efetivar estes objetivos comuns por meio de uma tentativa de intervir no processode decisões políticas (com a finalidade de influenciar, a seu favor, as decisões provenientes dosórgãos de Estado).

Observamos então que todos os grupos de pressão constituem, na sua essência, grupos deinteresse; porém, nem todos os grupos de interesse se revelam em grupos de pressão.

Podemos elencar como entidades com diferentes realidades e objetivos, naturalmente: sindicatos(de empregados ou patronais), cooperativas agrícolas, associações de deficientes e de consumidores,igrejas etc.

Assim, igualmente, podem ser diferentes os fins colimados: econômicos, culturais, ecológicos,religiosos etc.

Alguns cientistas políticos acreditam que a evolução destes grupos de pressão é a realcontribuição para a diminuição, para o esvaziamento dos partidos políticos.

3. A representação políticaComo abordamos anteriormente, este tema se faz necessário na medida em que nossa realidade

demonstra a existência de uma crescente antipatia, e total desconfiança de nosso povo, com tudoaquilo que diz respeito à “política”, com as instituições públicas e, pior: total apatia com questõesfundamentais, de interesse coletivo.

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Os cientistas políticos, no afã de explicar e delimitar o problema, recorrem a explicaçõesincompletas (uma vez que são isoladas do todo...), tais como a crise econômica, a deterioração decertos valores essenciais para a paz comum, como a corrupção etc.

Para estudarmos o assunto em questão, não há como fugir da “proposta” de representação políticaelaborada pelos “pais fundadores” dos Estados Unidos da América do século XVIII. Estes trouxerama ideia de facções.

Aliás, este conceito foi um dos mais importantes pontos de reflexão durante o período dediscussão da Constituição americana. Nos Artigos Federalistas, o enfrentamento entre as diferentesfacções, e o modo como controlá-las, ganha papel de destaque.

Alexander Hamilton, federalista americano, entendia facção como um “certo número de cidadãos,quer correspondam a uma maioria ou a uma minoria, unidos e movidos por algum impulso comum, depaixão e de interesse, adverso aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes ecoletivos da comunidade” – (Artigos Federalistas, número X) (Madison; Jay, 1993, p. 133-134).

Isso nos leva a abordar agora a questão das facções mais fracas: os grupos sem poder, asminorias. Trata-se, aqui, de um grupo de cidadãos que não recebe a atenção devida por parte dopoder central. Exemplificamos com o caso das mulheres. Embora em algumas sociedades constituam,de fato, a maioria da população, a negligência quanto à atenção daqueles que tomam as decisões égritante (este conceito de minorias ainda pode atingir conotação racial ou até econômica). É bemverdade que também podem alcançar um sentido oposto: Alexander Hamilton e James Madison – e,também, alguns pensadores marxistas – utilizaram o conceito de minorias como sinônimo dos bemnascidos (privilegiados).

Vale destacar então que o sistema político representativo, desenhado pelos “pais fundadores”americanos, nasceu realmente com a seguinte conotação: tentaram, de fato, afastar a democraciadireta; desconfiavam de toda intervenção ativa do cidadão; eram céticos no que tange às assembleiase discussões das maiorias.

4. Considerações sobre a democracia diretaComo vimos, o século XIX consagrou a democracia representativa liberal. Deste modo,

constatamos como “modelo” a filosofia de Locke e de Montesquieu.Observamos, ao longo do lento e gradual processo histórico, a “lapidação” desta filosofia liberal

e os princípios a ela inerentes. Observamos que as mulheres (que até então não tinham o direito aovoto) ganham espaço nas decisões do Estado. O mesmo ocorreu com a classe operária e osanalfabetos. Contudo, ainda sob o espírito dos parágrafos acima, não há como não elaborar umacrítica contundente: não se observa, ao longo da História, a efetiva vontade de colocar o eleitorado(a maioria) para tomar decisões em detrimento do Congresso ou Parlamento (talvez o sistemaamericano – no que tange ao espírito em que foi elaborado –, de fato, tenha feito “Escola”...).

No século XX, observamos que houve um crescimento no ceticismo em relação à capacidade dedecisão por parte do eleitorado. Primeiramente, tendo em vista o fato de que o eleitorado revelaconstante apatia pelos problemas de Estado (devido à corrupção, descaso dos políticos etc.),somando-se o fato de que esta descrença ocorre em situações em que a decisão política e a decisãode ordem pública se tornaram cada vez mais complexas e amplas, temos como consequência umacrise neste setor.

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Assim, torna-se oportuna a famosa frase, atribuída a Churchill: “o melhor argumento contra ademocracia reside numa conversa de cinco minutos com o eleitor comum” (The best argumentagainst democracy is a five minutes conversation with the average voter); constataremos que aassertiva ainda revela certo fundamento...

A História, eminentemente pragmática, deixa patente momentos em que a opinião pública foiefetivamente “conduzida”. Situações que deixam claro que houve abuso de referendos, apelosemocionais, apelos demagógicos etc. Nestas situações, o autoritarismo e o totalitarismo usaram comoinstrumento a figura do plebiscito. Assim, neste momento, cumpre refletirmos e diferenciarmos oconceito de referendo e de plebiscito.

Alguns autores os entendem como sinônimos; contudo, essencialmente, distinguem-se do seguintemodo:a) na maioria das vezes, encontraremos a definição de que o referendo se destina a ratificar decisões

estatais prévias, sendo que isto não cabe ao plebiscito;b) por sua vez, o plebiscito (que decorre do latim plebiscitu), ou seja: o decreto da plebe, nos dias

atuais, é utilizado antes da criação de determinada norma, com a capacidade decisória (paraaprovar ou não) delegada ao povo, por meio de voto.Vale destacar outra distinção: existem cientistas políticos que enunciam que o referendo tem o

condão de apreciar normas, enquanto o plebiscito aprecia pessoas ou acontecimentos.Contudo, já alertamos em outras ocasiões que estas definições não podem engessar a

compreensão do aluno em face das evidências históricas: vale ressalvar que houve atosplebiscitários que se destinaram a ratificar decisões estatais prévias (como é o caso da Constituiçãode 22 de Brumário do ano VIII), ou ainda (em nossa visão) o plebiscito que teve como objeto aaceitação da Constituição portuguesa de 1933.

Temos também registros de referendos que não são antecedidos de prévias decisões estatais.Se o acadêmico, nesta questão, busca um “porto seguro”, deve aceitar o conceito de que ambos,

tanto o referendo como o plebiscito, representam um apelo ao voto dos eleitores devidamente aptose inscritos.

Assim, o primeiro (o referendo) está inserido em uma norma constitucional vigente, com umadisciplina previamente definida.

Já o segundo (o plebiscito) revela-se excepcional e, geralmente, rompe com a ordemconstitucional vigente.

5. SufrágioPrimeiramente, cumpre diferenciar, brevemente, três conceitos distintos:

1) Sufrágio: trata-se de um direito (resguardado no art. 14, quando estipula o “sufrágio universal” –como veremos adiante).

2) Voto: aqui é o fruto do efetivo exercício do direito de sufrágio (também inserido no art. 14 –“voto direto”, “secreto” e “igual”).

3) Escrutínio: aqui traduz a modalidade de exercício de direito de sufrágio.Com relação ao sufrágio, se observarmos a filosofia de Montesquieu, em sua obra O espírito das

leis, ele demonstrou que o homem comum é incapaz de discutir e gerir a coisa pública, porém nutria

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a ideia de que este teria plena aptidão de escolher e participar do governo. Temos, aqui, um conceitoque influencia, ainda, a definição moderna de sufrágio.

Vale destacar que, hoje, o sufrágio é uma modalidade de expressão da soberania popular. Éassegurado constitucionalmente e trata-se de fundamento de validade para a investidura na funçãopública eletiva.

Deste modo, é essencial que a eleição (para ser legítima) não pode ser maculada com qualquertipo de fraude ou abuso, devendo prevalecer sempre a igualdade de oportunidades entre oscandidatos. Ora, cabe agora aprofundarmos este conceito de sufrágio:

Sufrágio, então, é a tradução de um direito público subjetivo, de natureza política, inerente aocidadão, que lhe faculta eleger ou ser eleito e participar da organização e atividade estatal. No fundo,traduz a decisão do povo que legitima o poder.

Podemos analisá-lo quanto à sua extensão:1) Sufrágio universal: aqui só existem restrições técnicas e não discriminatórias (exemplos: a

nacionalidade, a idade, a capacidade etc.).2) Sufrágio restrito: aqui se constatam restrições de cunho discriminatório. Há o censitário (com

restrições financeiras, econômico) e o capacitário (traduz restrições relativas a certas“capacidades”, tal como o grau de instrução).Quanto à igualdade, revela-se em:

1) Igual (traduzido pelo princípio one man, one vote): aqui, cada cidadão possui o direito a umúnico voto, com valor igual para todos (engloba-se, aqui, a igualdade em ser votado).

2) Desigual: nesta modalidade, alguns podem votar mais de uma vez ou ainda possuem um votomaior do que seus concidadãos.Um dos princípios luminosos consagrado pela Constituição de 1988, em seu art. 1º, parágrafo

único, foi o de que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos oudiretamente, nos termos desta Constituição”. Trata-se de um princípio que se assenta numa tradiçãoconstitucional brasileira, pois adentrou na Carta de 1934 e foi mantido nas Constituições de 1937,1946 e 1967 (e, também, na Emenda Constitucional de 1969).

Deste modo, o sufrágio universal tem um único titular: o povo. É exercido pelo povo com o votodireto, secreto e igual para todos (universal – one man, one vote), sendo que “povo”, aqui, traduz oeleitorado ou os cidadãos no gozo de seus direitos políticos com capacidade de votar e ser votado –conforme estipula a Constituição.

Destacamos, a título de elucidação, o seguinte artigo da Constituição de 1988:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:I – plebiscito;II – referendo;III – iniciativa popular.

Por derradeiro, com a finalidade de aguçar o espírito crítico, cabe uma reflexão sobre os partidospolíticos nos dias atuais. Não há como esconder o fato de que, atualmente, o conceito clássico departidos que analisamos neste capítulo vem cedendo espaço para o ciclo da personalização, cujostraços marcantes destacam o indivíduo sobre as ideias (o predomínio da forma sobre o conteúdo).

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Assim, as ideologias que tanto marcaram o século passado, no século XXI, deixam-se ficar emsegundo plano, em detrimento do candidato. Se observarmos não só no Brasil, mas também naEuropa, notaremos que a esquerda, após o desfalecimento do comunismo, busca uma (re)definição.Assim, não houve outra escolha a não ser remendar retalhos do socialismo com o liberalismo. Istofez com que surgissem novas formas de contestação e novos eixos de representação, dentro destanova roupagem.

Constata-se efetivamente que houve o desaparecimento das instituições tradicionais como ospartidos, o parlamento, as ideologias etc., para a criação de novos focos de poder; nomeadamente, apersonalização, a consagração do eu, ocupando, fatalmente, esses espaços vazios...

PONTOS PARA REFLEXÃO1) Procure elaborar uma pesquisa sobre os diferentes partidos políticos e os traços marcantesque os distinguiram ao longo da História.2) Defina o que efetivamente traduz o conceito de “grupo de pressão”. Quais as formas em quese manifesta?3) Tendo em vista o sistema político brasileiro, relacione a postura da opinião pública (e dasociedade civil) diante dos escândalos de corrupção que são endêmicos (ou seja: no própriosistema).

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Capítulo 14 Formas e Sistemas de Governo

1. Forma e sistema de governoAs formas em que se organizou o poder variaram ao longo da História, levando-se em conta

desde a Grécia Antiga, passando por Roma, pelo Estado Medieval, Estado absoluto, até o Estadototalitário. Na total impossibilidade de nos debruçarmos sobre os diferentes conceitos, formas esistemas de poder, preferencialmente, estudaremos na atualidade como se colocam nas democraciasmodernas.

Vale destacar que o tema proposto pode ser abordado e conceituado de modo diverso, na medidaem que, também, são diferentes os autores (em suas concepções políticas, culturais, econômicas etc.)que o estudam.

Num primeiro passo, convém analisarmos a visão do professor português Jorge Miranda; porexemplo, observaremos que “forma de governo é a forma de uma comunidade organizar o seu Poder,o seu governo (em sentido lato) ou estabelecer a diferenciação entre governo e governados.Encontra-se a partir da resposta a quatro problemas fundamentais: o da legitimidade, o daparticipação dos cidadãos (designadamente em termos de representação política), o do pluralismo ouda liberdade política e o da unidade ou divisão de poder (ou da separação de poderes)”. Assim, paraele, o sistema de governo seria “o sistema de órgãos da função política; apenas se reporta àorganização interna do governo e aos poderes e estatuto dos governantes”. Deste conceito, ele elenca“oito formas de governo modernas (monarquia absoluta, governo representativo clássico ou liberal,democracia jacobina ou democracia radical, governo cesarista, monarquia limitada, democraciarepresentativa, governo leninista, governo fascista)” (Miranda, 2004, p. 205).

Já se nos atentarmos ao conceito apresentado por outro doutrinador português, nomeadamente oprofessor Vital Moreira, constataremos que ele elenca que a parte organizatória da Constituiçãoportuguesa “é tradicionalmente entendida como a parte onde se define a forma de governo, ou seja: a)a estrutura e posição jurídico-constitucional dos vários órgãos de soberania com funções de direcçãopolítica do estado; b) a distribuição do complexo de competências e funções atribuídas aos órgãosconstitucionais na definição de vontade política do estado e na condução da política do País”(Moreira; Canotilho, 1991, p. 199-200). Por sua vez, a forma de Estado seria a tradução de estruturaseconômicas, sociais e políticas que caracterizam globalmente a articulação entre o poder político e asociedade.

2. Sistemas políticos

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Podem ser esmiuçados por meio de quatro critérios distintos:a) forma de Estado: considera os meios pelos quais se estrutura uma sociedade estatal. Pode ser

analisada sob dois prismas:i) o modo de designação dos titulares de órgãos de soberania (ex.: monarquia, república, governo

fascista etc.);ii) a repartição dos poderes e a própria articulação entre eles, tanto na esfera horizontal:

presidencialismo, parlamentarismo etc., como na esfera vertical: Estados unitários, federais.Vale destacar que o Estado unitário não significa, de modo algum, Estado centralizado. Este pode

ser centralizado ou descentralizado, tendo em vista a maior ou menor delegação das capacidadeslegislativas e administrativas.

Se o Estado vem a ser mais maleável (no sentido de “delegar” as suas competências exclusivas,administrativas, legislativas e administrativas, atribuindo-as a outras entidades regionais (ou locais)que passam a gozar de maior autonomia), surge, como consequência, a forma federativa de Estado.

Esta autonomia surge como uma previsão do próprio texto constitucional, que impede que opoder central venha (unilateral e arbitrariamente) a retirá-la.

A Federação consiste na união de coletividades regionais, autônomas, denominadas EstadosFederados ou Estados-membros.

Analisemos com mais afinco a ideia de Estado federal (tendo em vista o caso brasileiro). Elepossui as seguintes características que o definem como tal:i) descentralização política ou repartição constitucional de competências: é prevista na

Constituição, que distribui e determina as competências de cada ente federativo;ii) repartição de rendas: também deve ter previsão constitucional e é um requisito essencial ao

Estado federativo;iii) participação da vontade das entidades locais na formação da vontade nacional: as leis

federais definem a vontade nacional e são elaboradas no Congresso Nacional. Os EstadosFederados, por meio de seus deputados (representantes do povo brasileiro) e de seus Senadores(representantes do Estado-membro), participam deste processo quando ajudam na elaboração eaprovação de projetos de leis;

iv) possibilidade de autoconstituição: como vimos, em 1989, os Estados Federados elaboraram eapresentaram, cada qual, sua respectiva Constituição Estadual (obviamente que trazendoprincípios em sintonia com a Carta de 1988);

v) autonomia administrativa: isso significa que cada Estado-membro tem capacidade para estruturarseus órgãos e serviços;

vi) autonomia política: traduz a capacidade que os cidadãos daquele Estado federado possuem paraeleger seus representantes.Convém, por derradeiro, destacar que o fato de um Estado ser Federal não implica

necessariamente que venha a ser descentralizado, tendo em vista que a Constituição pode concentrartodo o poder nas mãos do poder central (a título de exemplo, aponte-se o Brasil da DitaduraVargas).

b) forma de governo: este critério define o modo de organização política do corpo estatal, ouseja: o modo como é exercido o poder.

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Deste modo, quando o governo é exercido pelo povo, por meio de mandatários eleitostemporariamente, estamos diante da forma republicana de governo. Assim, o princípio republicanoadotado pela nossa Constituição instituiu a forma republicana de governo, que se baseia nas seguintescaracterísticas:i) natureza representativa do regime;ii) possibilidade de eleição dos mandatários;iii) mandatos eletivos temporários.

Em apertada síntese, República traduz o que segue: o termo provém do latim res publica (coisapública) e revela a forma de governo em que o povo – intencionalmente – delega o exercício dopoder a seus representantes, que o exercerão em seu nome e benefício (do povo), por um período detempo. Ora, no Brasil, o desempenho do poder público está calcado na transitoriedade do exercíciodas funções públicas, bem como na eletividade.

A República caracteriza-se então pelo fato de que o Chefe de Governo é eleito pelo povo, por ummandato temporário, mas que o exerce em benefício (e fiscalizado) por quem o detém, ou seja: opovo. Eis a razão por que as “coisas públicas”, a própria administração, deve ser sempre efundamentalmente “pública”, no sentido mais amplo do termo. Deste modo, os jurisdicionados (opovo) devem ter acesso, em qualquer instância, aos atos e desempenho das funções do Estado (casocontrário, há de existir previsão legal).

James Madison, ao discorrer sobre este tema, destaca que “O objetivo de toda organizaçãopolítica é, ou deveria ser, em primeiro lugar, obter como governantes os homens dotados de maiorsabedoria para discernir o bem comum e da maior virtude para promovê-lo; em segundo lugar, tomaras mais efetivas preocupações para conservar tais homens virtuosos enquanto mantêm suaresponsabilidade pública. A forma eletiva de obter governantes é o método característico dogoverno republicano. Nessa forma de governo, os meios a que se recorre para impedir suadegeneração são numerosos e variados. O mais efetivo deles é uma limitação do termo dosmandatos, de modo a preservar a devida responsabilidade com o povo” (Madison; Hamilton; Jay,1993, p. 376).

A forma republicana não se caracteriza, apenas, pela coexistência dos três poderes, mas, sim,pelo fato de que os Poderes Legislativo e Executivo são oriundos de eleições populares. Issopressupõe que a República – quando lícita e saudável – acarreta a necessidade do “aval popular”para o preenchimento das funções legislativas e executivas (isso no âmbito federal, estadual emunicipal – no caso brasileiro).

Já se o governo é exercido por quem o detém, naturalmente (por um só, segundo Aristóteles),surge a Monarquia.

A Monarquia, hoje, revela-se totalmente diferente daquela concebida por Jacques Bossuet noséculo XVII, em que dizia ser o rei o representante de Deus na Terra, e, assim, seus atos seriam,fatalmente, legítimos.

Atualmente, a Monarquia faz com que o monarca reine, mas não governe. Sua marca não reside naesfera governamental. A Monarquia moderna não dá início a guerras e se abstém (por forçaConstitucional) da interferência na política doméstica.

Constata-se que existem apenas o simbolismo e a influência da Coroa. Na Inglaterra, porexemplo, a Rainha mantém audiências particulares e semanais com seus primeiros-ministros (tendo

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em vista que o primeiro foi Winston Churchill...). Deste modo, desempenha apenas o papel de“conselheira” daquele que efetivamente governa em nome do povo.

Pedro Calmon, em seu Curso de teoria geral do estado, sobre o tema proposto, esclarece que:

As monarquias do século XIX tornaram-se constitucionais. Admitiram a divisão de poderessegundo o princípio de Montesquieu: executivo, legislativo, judiciário. Na hora em que omonarca aceitou a Constituição, perdeu o velho caracter de príncipe, de direito divino: passou aser chefe de Estado de direito legal. Quem primeiro lhe chamou de mandatário da nação foiMIRABEAU, em 23 de junho de 1789. Constituição é sinônimo da limitação de poder. Contra aletra constitucional, o que se praticar será ilegítimo. Outrora, esse conceito de ilegalidade seriaabsurdo: “quod principe placuit legis habet vigorem”. Presentemente sujeitou a corôa ao regimepor ela reconhecido. A “soberania” transferiu-se, do homem para a Carta, ou da tradição para oDireito (Calmon, 1954, p. 263).

c) regime de governo: este critério se refere ao modo pelo qual se relacionam os PoderesExecutivo e Legislativo. O regime de governo pode ser parlamentarista ou presidencialista.

O conceito de sistema de governo adotado pelo Brasil em 1988 revela-se, essencialmente, nopresidencialismo. Deste modo, como indica o próprio nome, o nível de poder mais elevado é o doPresidente da República (auxiliado pelo seu Vice-Presidente e Ministros de Estado).

Na verdade, o presidencialismo é considerado por muitos como um dos mais modernos regimesde governo, ou seja: é o palco onde a democracia é amplamente exercida (aliás, analisando a nossaHistória, talvez não seja absurdo afirmar – felizmente ou infelizmente... – que o Brasil tem vocaçãonatural para esse tipo de sistema).

Dentro do regime parlamentarista, há nítida distinção entre o Chefe de Governo e o Chefe deEstado. Assim, o Chefe de Estado tem apenas a função de “simbolizar a nação”.

Também, o parlamentarismo clássico ou puro caracteriza-se por dotar certo “papel secundário” àfigura do Chefe de Estado, quando comparado à força política que detém o Parlamento. Podemos,então, encontrar nesta posição a figura de um monarca que não é eleito diretamente, ou de umPresidente eleito pelo povo.

Assim, ao Chefe de Estado compete nomear o Chefe de Governo, nomeadamente o Primeiro-Ministro (a bem da verdade, a seleção do Primeiro-Ministro é de competência dos chefes dospartidos com representação no Parlamento). Esta forma de governo nos remete à época do Estado departidos, em que o Primeiro-Ministro, líder do partido majoritário, é aquele que, de fato, possuimaior peso de decisão política.

Com ligeiras variações, o parlamentarismo opera-se do seguinte modo: há, primeiramente,eleições. A partir daí, o partido político ou a coligação determinará quem será o Primeiro-Ministro,bem como os que vão ocupar pastas nos respectivos ministérios. Os nomes são conduzidos ao Chefede Estado, que os submete imediatamente à apreciação do Parlamento.

Ora, caso os nomes sejam efetivamente aprovados pela maioria, o gabinete é empossado egoverna durante o período legal. Caso a maioria entenda, em determinada ocasião, que nesseministério não há mais credibilidade ou convergência, vota uma moção de desconfiança ou decensura, e o governo cai. Ocorrem, daí, novas eleições.

É importante reter que o parlamentarismo obteve sua evolução na íntima união entre o Poder

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Legislativo e o Poder Executivo, ao que muitos destacavam ser a tradução do eficaz funcionamentodo governo britânico. Este modelo é patente na Grã-Bretanha, no denominado “modelo deWestminster”, em que há a proclamação da soberania parlamentar e a enfatização darepresentatividade do Parlamento (com supremacia real do gabinete). Convém destacar que, até osdias atuais, este sistema (diante dos países republicanos) busca – até agora de maneira infrutífera –um equilíbrio entre o Governo e o Parlamento.

Isso nos leva, necessariamente, a crer que o cenário natural para o parlamentarismo éinexoravelmente a monarquia constitucional, tendo em vista que metade dos regimes parlamentaristascontemporâneos manteve a forma monárquica (e, nela, Governo e Parlamento mantêm melhorequilíbrio, mesmo com o esvaziamento dos poderes da Coroa). Os poderes do monarca são,basicamente, formais: competem-lhe frequentemente designar o Chefe de Governo e dissolver oParlamento. Deste modo, se observarmos a Rainha da Inglaterra, grosso modo, ela reina, mas nãogoverna; apenas cumpre suas funções de Chefe de Estado.

Já no presidencialismo, o Presidente da República acumula dupla função: a de Chefe doGoverno, na condução administrativa do país (auxiliado, obviamente, pelo Vice-Presidente eMinistros de Estado), e Chefe de Estado (em que simboliza a nação). Neste sentido, tanto oPresidente da República como os parlamentares são escolhidos por um período determinado naConstituição (em alguns países, a cada cinco anos; no Brasil, a cada quatro anos).

Embora haja países onde a forma e o sistema presidencial podem identificar-se, com a efetivaeleição do Presidente da República, diretamente pelo povo (como é o caso do Brasil), nos EstadosUnidos da América, por seu turno, o Presidente é eleito por um colégio eleitoral, cujos membros sãodiretamente eleitos em virtude do apoio fornecido a determinado candidato. Assim, alguns atentam aque nos Estados Unidos da América há o sufrágio universal quase direto.

Segundo alguns, a França se inspirou, de fato, no sistema dos Estados Unidos, mas não respeita aseparação de poderes e sua partilha equilibrada e harmoniosa no que tange à separação de poderes.Aliás, lá, há forte concentração na figura do Presidente (eis a razão por que muitos cientistaspolíticos criticam o presidencialismo francês).

Assim, a forma de governo presidencialista se caracteriza, como vimos, pelo sistema de checksand balances, no qual é permitido ao Presidente vetar ou sancionar atos do Legislativo (emboratambém haja a possibilidade da superação de eventual veto, pelo Legislativo).

De maneira brilhante e precisa, o constitucionalista português Jorge Miranda apresenta adiferença entre as figuras do Presidente dos Estados Unidos (no presidencialismo) e do Primeiro-Ministro britânico (no parlamentarismo monárquico). Vejamos:

1ª) O Primeiro-Ministro é deputado e é membro do Gabinete, órgão colegial; o Presidenteidentifica-se com o Poder Executivo, pois não há Governo em sentido próprio nos EstadosUnidos, mas sim uma Administração, submetida ao Presidente;2ª) As decisões políticas na Inglaterra são tomadas em Gabinete e perante o Parlamento, não nosEstados Unidos;3ª) O Primeiro-Ministro tem de ter a maioria na Câmara dos Comuns, não o Presidente americanono Congresso;4ª) São bastante diversos os meios de fiscalização parlamentar, não menos eficazes nos EstadosUnidos do que em Inglaterra;

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5ª) O Primeiro-Ministro é essencialmente o chefe de um partido político, do qual depende e noqual tem de se impor – em congressos anuais e no interior do respectivo grupo parlamentar – emconcorrência com vários candidatos a essa chefia; o Presidente recebe um mandato nacional;6ª) O Primeiro-Ministro pode ser substituído a meio da legislatura, não o Presidente;7ª) Ao contrário dos partidos ingleses, de forte disciplina e distinta base, os partidos americanosnão têm consistência ideológica, são muito localizados por Estado e, por conseguinte, permitemdiferentes maiorias consoante as questões (MIRANDA, 2002, p. 140).

d) regime político: este último critério traduz essencialmente a acessibilidade do povo a seusgovernantes. Deste modo, a participação do povo ativamente no processo decisório da polis e suacapacidade de influenciar os destinos da nação definem três tipos distintos de regime:

a) regime democrático eb) regime não democrático, aqui, subdividindo-se em:b.1) totalitário;b.2) ditatorial;b.3) autoritário.A democracia se desenvolve em duas espécies distintas:

a) a democracia direta: faz-se presente quando o povo exerce o poder por suas próprias mãos,fazendo leis, administrando e julgando;

b) a democracia indireta: faz-se presente quando o povo, que é a fonte primária de poder, nãoconduz diretamente os destinos do Estado. Isso pode ocorrer devido à extensão territorial,densidade demográfica e problemas econômicos e sociais;

c) a democracia semidireta: revela-se na democracia representativa, com alguns institutos departicipação direta do povo nas funções de governo (enquanto outras são delegadas aos seusrepresentantes).A democracia adotada pelo Brasil tende a ser uma democracia indireta, uma vez que combina as

características da democracia representativa com as da democracia direta.Mais uma vez, convém analisar o art. 1º, parágrafo único, de nossa Constituição de 1988: ali, o

legislador estipulou que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representanteseleitos ou diretamente.

Tendo em vista que o mesmo artigo (nomeadamente, em seu inciso V) deixa patente o princípio dopluralismo político, o Brasil caminhou, inexoravelmente, para uma democracia pluralista.

Por fim, cabe evidenciar o seguinte sistema político adotado pelo Brasil de 1988: Forma de Estado: Estado federal; Forma de governo: republicana; Regime de governo: presidencialista; Regime político: democrático.

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Capítulo 15 A Separação de Poderes

O princípio e a teoria da separação dos poderes revelam-se num dos dogmas políticos maisfamosos que se inserem no constitucionalismo moderno. Este tema tem sido considerado um dosfundamentos essenciais da teoria de governo. A avaliação da menor ou maior separação e autonomiaentre os poderes, sua efetiva delimitação e estruturação nos permitirão descobrir a forma (também oavanço ou retrocesso) de determinado governo.

Não seria novidade o fato de que a separação de poderes seja um dos temas mais discutidos pelaCiência Política ocidental e que remonta, como é óbvio, à Antiguidade Clássica. Embora a ideia derepartição política de poderes e a ideia de repartição social desses mesmos poderes só tenhamaparecido com nitidez nos textos de Montesquieu, no século XVIII, já vinha sendo objeto de reflexãona “Política” de Aristóteles – que tinha por objetivo instaurar uma república que constituiria um“meio-termo” entre a oligarquia (que traduz o governo dos ricos) e a democracia (governo do povo).

Essa questão também foi objeto de preocupação de Platão, Políbio, Cícero e Maquiavel.Constata-se dentre as preocupações destes pensadores a real necessidade em dividir funções,prevenindo, com isso, que um poder sobressaia aos demais, um abuso de poder ou que se concentrenuma só mão. Assim, segundo alguns autores, historicamente, a separação dos poderes ocorreu com afinalidade precípua de enfraquecer o poder do monarca (absoluto).

Já na Era Moderna, esta teoria encontra um campo fértil na esfera da luta pelo poder. Observamosque os adeptos do poder real absolutista tinham como objetivo transformar o Parlamento num simplesconselho do rei, esvaziando, assim, sua estrutura. Havia também aqueles que tinham por objetivo alimitação de assembleias com excessivo poder (inclusive com funções jurisdicionais), por exemplo,na Inglaterra de Carlos I.

Contudo, é precisamente no pensamento liberal que esta teoria encontra o seu auge,principalmente quando é inserida na Constituição. Se observarmos a Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão de 1791, em seu art. 16º, esta estipula que: “Qualquer sociedade em que nãoesteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não temconstituição” (grifo nosso).

Assim, na relação “Poder Legislativo-Poder Executivo”, foi trazido por Locke o poder federativo(com alçada para as questões da paz e da guerra, realizar tratados e fazer alianças, bem como manterrelações com comunidades estrangeiras). Este poder, convém destacar, distingue-se do PoderExecutivo na medida em que a este cabe, precipuamente, aplicar a lei dentro de determinado Estado.

Locke ressaltava, ainda, o poder de prerrogativa que traduz a função de realizar o bem público,

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sem obedecer a normas prévias, em determinadas circunstâncias excepcionais (ora, o Brasil Imperialencontra aqui, neste pensamento, as raízes para a previsão do Poder Moderador – que, sublinhe-se,estava concentrado nas mãos do imperador, junto com o Poder Executivo).

Já Montesquieu distingue três espécies de poderes em que delimitava o Poder Legislativo, oPoder Executivo e o poder de julgar que, na sua filosofia, ganha um espaço especial, ou seja: oPoder Judiciário. É possível encontrar no seu pensamento a raiz de um Judiciário forte eindependente.

Porém, para o filósofo em comento, o Juiz é um homem cuja função consiste exclusivamente emler e dizer a lei (em sua obra O espírito das leis, ressalta que o poder de julgar, “terrível entre oshomens”, deve ser “invisível e nulo”). Essa teoria clássica da separação de poderes se transforma(obviamente que de uma maneira mítica e simbólica) numa espécie de vestigium trinitatis, umaversão secular, existente na Ciência Política, do “mistério da Santíssima Trindade”. No fundo, emseu pensamento, o real objetivo da separação de poderes – acrescida dos mecanismos de controlemútuo – traduz a sua efetiva limitação, e não a sua independência.

Vale, contudo, uma ressalva raramente destacada e que, porém, é importante reter: Montesquieuacreditava que o Poder Executivo deveria estar nas mãos de um monarca, uma vez que é mais bemadministrado apenas por um em detrimento de vários. Assim, a monarquia limitada pressupõe que osministros estejam subordinados ao poder real e não existe responsabilidade política perante oParlamento (este, segundo o filósofo, ficaria dividido em duas casas: uma delegada aos nobres, outraao povo).

Contudo, sua obra não aponta para um regime parlamentar, mas, sim, é notória por ressaltar aefetiva e incondicional independência dos poderes. Vale destacar que é com Benjamin Constant(pensador extremamente importante para o processo histórico-político brasileiro do início do séculopassado, ou seja: da República) que temos as condições criadas para o surgimento do regimeparlamentar.

Convém destacar, também, algo que nossa história e tradição republicanas insistem em ocultar:que a teoria da separação de poderes está intrinsecamente ligada à aristocracia e à monarquia;notamos que os poderes dos monarcas (no Império brasileiro) eram, fundamentalmente, moderados(muito embora tivessem, de fato, importância marcante em relação às monarquias da atualidade).

A propósito, Loewenstein, no que tange à separação de poderes, ressaltou que esta não é senão aforma clássica de expressar a necessidade de distribuir e de controlar o poder político.

Isso nos leva, segundo ele, invariavelmente, a constatar que é um equívoco (no que tange aorigor) a designação separação de poderes estatais; notamos, pois, que na realidade se trata dedistribuição de funções estatais.

Ora, aqui temos outro tema que se revela importante: a existência de separação de poderes nãoimplica, de modo algum, a falta de colaboração entre eles (alguns, de modo leviano, atribuem a ideiaa Montesquieu).

Assim, quando analisamos a faculté de statuer (que se traduz na capacidade de ordenar oucorrigir por si mesmo uma resolução tomada por outro) e a faculté de empêcher (que traduz o direitode anular uma resolução tomada por qualquer outro), vemos que estas acarretam, como pressupostológico, que tanto o Poder Executivo como o Legislativo devem estar conectados por um liame decomunicação permanente e influências recíprocas, e atuar em franca sintonia.

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Deste modo, é fácil constatar a razão por que, em Montesquieu, a “separação de poderes” serevela num conjunto de combinações, fusões e colaboração entre os poderes.

A História é mestra ao evidenciar as mudanças nas diferentes sociedades. Com isso, notamos amudança avassaladora que sofreram tanto o Poder Executivo como o Poder Legislativo. Obviamenteque este tem sido mais favorecido, uma vez que traz sobre si uma simbologia essencial dentro dademocracia: a representação popular – essencial dentro de uma democracia direta.

O outro, essencialmente (em alguns Estados), teve a substituição do rei pelo Presidente daRepública, que, nem sempre, está em sintonia com o Parlamento. Convém notar que mesmo nasdemocracias presidencialistas, como os Estados Unidos da América e o Brasil, o Presidente, porvezes, depende do Legislativo.

Contudo, nos dias atuais, é pacífico o conceito de que a separação dos poderes é uma tendênciaque parece estar consagrada. Aliás, já são raros os casos em que constatamos o monopólio de umtipo de função num único órgão. Assim, com a separação de poderes, notamos que as várias funçõesdo Estado estão distribuídas a diversos órgãos de soberania, sem que isso implique o exercícioexclusivo de cada função por cada um destes órgãos.

É óbvio que não existe – tal como o acadêmico poderá, ao longo de seus estudos, deduzir – umsistema perfeito. Para tentar dirimir alguns problemas e dificuldades que a teoria da separação depoderes acarretou, houve a preocupação em, por exemplo, atribuir relevo à separação vertical depoderes, quer dizer, entre a União, o Estado-membro e o Município (cf. na Constituição de 1988 osarts. 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24).

Notamos também, como exemplo, a tendência para apresentar um “quarto” poder destinado aopapel da comunicação social. Não podemos deixar de patentear que esta condiciona de modomarcante a atuação política (aqui, ressalte-se, todos os poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo).É comum notarmos que as ações destes órgãos são, muitas vezes, direcionadas para ela.

Estes órgãos de comunicação social têm, muitas vezes, um papel decisivo na formação deopiniões e julgamentos (trial by media) e no controle do poder político. Mas um fator importanteimpede, igualmente, que este “poder” exerça livremente suas “funções”: é comum verificar a íntimaligação entre a comunicação social e o poder econômico e político.

Neste mesmo diapasão, elucidamos que, em 1976, o antigo presidente da França, V. Giscardd’Estaing, escreveu um livro denominado A democracia francesa (Democratie Française), no qualapresentou a existência de quatro “poderes” (nomeadamente, no capítulo que versa sobre aorganização dos poderes na democracia francesa). Para ele, uma democracia só existe ou se afirmacomo tal com a existência harmoniosa e independente destes quatro “poderes”: o poder político, opoder sindical, o poder econômico e o poder da imprensa.

Então, o estadista francês concluiu em sua obra que cada vez que esses “poderes” se contaminam(ex.: o poder sindical deseja obter o poder político ou o poder da imprensa busca obter o podereconômico) há uma crise na democracia; passa a existir, então, uma falsa democracia.

Obviamente que o presidente francês, ao denominar “poder” nessas duas passagens acima, revelaum pensamento político pouco convencional. Isso porque esta palavra está consagrada e reservada –no que tange à Ciência Política – à Organização do Estado (nomeadamente, no Judiciário, Executivoe Legislativo). Nestes casos supramencionados (entendimento nosso), ao invés de designar “poder”,talvez teria sido mais adequado ter designado estas entidades como força.

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Neste diapasão, a imprensa, mais do que um quarto poder, revela-se uma grande força. Estetermo, quando direcionado ao estudo do Brasil, ainda deve ser visto com mais cautela; de maneirabem diferente da Europa, o Estado brasileiro tem mais força do que as “forças” acima elencadas,pois a ideia de nação, para nós, é mais central.

Contudo, o essencial deste ponto aqui estudado é que o problema, apresentado por Montesquieu epela filosofia liberal, deixa em aberto questões essenciais para o Direito: é fundamental que o podertrave o poder, ou seja: um poder não pode, de modo algum, sobrepor-se a outro, sem que, com isso,deixe em xeque a democracia. Eis, então, a importância de nosso próximo tópico.

1. Checks and balancesHá, nas democracias modernas, a nítida convicção de que é preciso prevenir o abuso de poder.

Isto implica que o poder deve ser distribuído de tal sorte que o poder supremo resulte de um sábio eprudente jogo de equilíbrio entre diferentes poderes parciais, em vez de ser o produto da suaconcentração em uma só mão (ou em poucas mãos).

O sistema de freios e contrapesos é parte da Constituição estadunidense e, naquele diploma, tem afunção precípua de que nenhum dos poderes sobressairá aos demais. Nossa Carta de 1988 caminhano mesmo sentido.

Assim, a título de elucidação, tomemos o Poder Legislativo. Sua função essencial é elaborar asleis. Deste modo, o Poder Executivo tem a possibilidade de sancionar ou de vetar essas leis. E,ainda, tem o Poder Judiciário a capacidade de dizer se a lei está em sintonia ou não com nossaConstituição.

Outro exemplo reside no fato de que o Poder Legislativo aprova os projetos de lei e o orçamentoque regulamenta as despesas. Ora, assim, controla (dentro de uma previsão estipulada naConstituição) o Executivo e o Judiciário. Porém, lembramos que o Presidente da República, por suavez, sanciona ou veta aquilo que foi aprovado pelo Congresso.

Concluímos então que, enquanto os três poderes mantiverem o equilíbrio, impedindo-se, comisso, que um se sobreponha aos demais, a democracia estará segura e estável.

Analisemos, neste passo, o caso brasileiro e o que efetivamente dispõe a Constituição Federal de1988, e, num segundo momento, lancemos os olhos sobre os Poderes nela elencados:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e oJudiciário.

2. O Poder LegislativoUma das funções do Estado consiste precisamente na elaboração – de acordo com o

procedimento previsto na própria Constituição – de leis. Nossa Carta de 1988 confiou essa ao PoderLegislativo.

Deste modo, no âmbito Federal, a função legislativa é exercida pelo Congresso Nacional, que serevela um órgão bicameral (formado por duas casas), pelo Senado Federal (que representa osEstados Federados) e pela Câmara dos Deputados (que representa o povo).

A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos em seus respectivosEstados, pelo sistema proporcional, com mandato de 4 anos. De acordo com a nossa Carta de 1988, a

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representação será proporcional à população de cada Estado e do Distrito Federal. Vale destacar quenenhuma das unidades da Federação terá menos de 8 e mais de 70 deputados.

O Senado Federal, por sua vez, compõe-se de representantes dos Estados-membros e do DistritoFederal, sendo que cada um elege 3 senadores, pelo princípio majoritário, para um mandato de 8anos, renovando-se esta representação de 4 em 4 anos, por um e dois terços.

3. O Poder ExecutivoComo vimos em outra oportunidade, no Brasil há um Poder Executivo monocrático, pois é

exercido por um só indivíduo, nomeadamente pelo Presidente da República. Este, aliás, é o traçocaracterístico do sistema presidencialista, no qual a mesma pessoa acumula as funções de Chefe deEstado e Chefe de Governo.

Neste sentido, o Presidente da República exerce o Poder Executivo, sendo auxiliado pelo Vice-Presidente e seus Ministros de Estado. É eleito em conjunto com o Vice-Presidente dentre aquelesbrasileiros que preencham os requisitos do art. 14, § 3º, da Constituição (sua função principal é a desubstituir o Presidente em caso de impedimento (licença, doença e férias) e suceder-lhe no caso devacância do cargo). O Presidente é eleito por sufrágio universal e voto direto e secreto, mantendo-seo princípio da maioria absoluta.

As atribuições do Presidente da República estão elencadas no art. 84 de nossa Constituição,sendo que sua principal função é efetivamente a atividade administrativa. Como vimos, o PoderExecutivo exerce outras atividades – dentre elas a edição de medidas provisórias, bem como ainiciativa de leis no processo legislativo (neste processo ainda lhe cabem a sanção e o veto).

O mandato de Presidente é de 4 anos. Contudo, a Emenda Constitucional n. 16/97 alterou aredação do art. 82, que agora dispõe que:

Art. 82. O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro dejaneiro do ano seguinte ao da sua eleição.

E proporcionou nova redação também para o art. 14, § 5º, prevendo a hipótese de reeleição, nosseguintes termos:

Art. 14. (...)§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos equem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para umúnico período subsequente.

4. O Poder JudiciárioO Poder Judiciário brasileiro possui a seguinte formação trazida pela Constituição de 1988:

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:I – o Supremo Tribunal Federal;I-A – o Conselho Nacional de Justiça;II – o Superior Tribunal de Justiça;III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;

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V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;VI – os Tribunais e Juízes Militares;VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

Ao lado das funções de administrar e de legislar, ao Estado também compete a função judicial oujurisdicional, buscando dirimir os conflitos que surgem da vida em sociedade ou da aplicação dasleis.

Deste modo, o Estado, por meio do Poder Judiciário, exerce a função jurisdicional, substituindo aatividade provada na solução dos conflitos. Ou seja: tem a função precípua de fazer incidir,contenciosamente, a lei a casos concretos.

Como vimos, o princípio da separação de poderes revela sapiência e prudência. Contudo, aidentificação desses poderes, a escolha do método em que serão efetivamente separados, o grau deautonomia que lhes será conferido, bem como os mecanismos de controle mútuo, são questões denatureza política geralmente – na prática – resolvidas por meio de grandes conflitos.

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Capítulo 16 Organização do Estado Brasileiro e da Federação

Nossa Constituição, em seus arts. 18 e 19, traz a organização político-administrativa do Estadobrasileiro e consagra, ali, o princípio federativo, que está ligado intimamente ao conceito de divisãoespacial de poder. Este é o cerne do federalismo. Assim, nosso diploma constitucional define, logoem seu art. 1º, que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados eMunicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem comofundamentos:I – a soberania;II – a cidadania;III – a dignidade da pessoa humana;IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V – o pluralismo político.Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitosou diretamente, nos termos desta Constituição.

Neste sentido, no caso brasileiro, “República Federativa” traduz o conceito de “república”,como forma de Governo, e de “federação”, como forma de Estado.

O Estado federal revela-se na antítese do Estado unitário.A palavra “federação” é oriunda do latim foedus ou foederis, que traduz o conceito de aliança,

pacto, da mesma raiz de fides: fé, confiança. A Federação mais conhecida é precisamente aFederação Americana (Filadélfia), onde as 13 (ex)colônias inglesas, lançando mão de suasliberdades e soberanias (de certo modo, irrestritas), formaram um novo Estado (este novo ente sim,agora unido, é dotado de soberania). Isto a tal ponto, que George Washington (que presidiu àConvenção Constitucional) asseverou que quase por um milagre que delegados de tantos Estadosdiferentes se uniram na formação de um sistema nacional tão pouco passível de objeções bemfundadas.

No caso brasileiro, a Constituição de 1824 transformou o Brasil num Estado unitário – emboradescentralizado. Transformou em Províncias as antigas capitanias, dotando-lhes de competência(restrita), e permitiu-lhes a constituição de um governo próprio (dependente do Poder Central).

Contudo, a Federação, como a conhecemos, surge acompanhada da proclamação da República noano de 1889, tendo em vista que nossa fonte de inspiração foi, de modo marcante, encontrada nos

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Estados Unidos da América. Assim, nosso federalismo, ao contrário do americano (oriundo deEstados independentes), faz surgir os Estados-membros a partir de um Estado unitário.

A Constituição republicana de 1891 destacava que: “A Nação brasileira adota como forma degoverno sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15.11.1889, e constitui-se por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil”.

Deste modo, a primeira Constituição republicana já reservava à União as seguintes competências:a) o comércio internacional;b) o padrão monetário, o de pesos e medidas;c) os bancos de emissão;d) a guerra e a paz;e) os tratados e convenções internacionais;f) os correios e telégrafos federais;g) a eleição dos cargos federais;h) o direito civil, comercial, criminal e processual;i) as terras e Minas de propriedade da União;j) a extradição;k) a criação de instituições de nível superior.

Deste modo, tendo em vista o nascedouro de nosso Estado Federativo, dois conceitos aindamerecem destaque: nomeadamente as espécies de Federação. Assim, são divididas em dois grupos:a) A Federação por agregação (centrípeta): aqui, observam-se Nações preexistentes que se unem,

abrindo mão de sua soberania, com o objetivo de formar um novo Estado. Nos Estados Unidos,observou-se que houve a reunião voluntária dos Estados, juntando-se – num primeiro momento –numa Confederação e, posteriormente, num Estado federativo.

b) A Federação por desagregação (centrífuga): neste caso, observa-se uma nação preexistente que ésubdividida em Estados-membros que, até então, eram inexistentes. No caso brasileiro, partiu-sede um Estado unitário para a formação de uma Federação (fazendo com que o Centro de poderesabrisse mão de uma parcela a favor das unidades federadas).Federação então traz implícito o fator de reunião de vários Estados, sob o comando de

determinada União (Estados não soberanos, autônomos, mas que preservam suas característicaspeculiares).

A natureza do federalismo se apresenta em três vertentes distintas:a) a primeira destaca que o Estado federal revela-se numa técnica de repartição de competências;b) a segunda atesta que o Estado federal revela-se numa técnica de exercício de autonomia política; ec) a terceira, que assevera que o federalismo político é a tradução de uma técnica de participação de

entidades políticas descentralizadas nas decisões nacionais.Assim, é fundamental, neste momento, destacar a diferença entre “federação” e “confederação”. A

confederação nasce da união dos Estados soberanos que é firmada, prevista em determinado tratado.Deste modo, as decisões da confederação dependerão, forçosamente, de lei interna de cada membroaderente. Cabe destacar, igualmente, que a confederação é dissolúvel devido ao ato unilateral de umEstado componente. No caso da Federação, o Estado-membro não possui o direito de secessão,

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podendo, inclusive, ser compelido a manter-se na União.Até mesmo no que tange à Constituição há diferenças nestes conceitos. No caso da Federação, a

Constituição da União reveste-se na lei suprema que impõe limites e obediência às ConstituiçõesEstaduais (sendo nulas as normas que contrariem seus dispositivos). Já na confederação, aConstituição de determinado Estado confederado é a suprema lei, e as normas confederais, por seuturno, aplicam-se em seu território quando forem compatíveis entre si.

Ora, o Estado federal revela-se soberano diante do Direito Internacional. Alexander Hamilton, aoabordar o tema, destacou que “Os principais objetivos a serem atendidos pela união são: a defesacomum dos membros, a preservação da paz pública, seja contra convulsões internas ou ataquesexternos, a regulação do comércio com outras nações e entre os Estados, a superintendência de nossointercurso político e comercial com países estrangeiros” (Madison; Hamilton; Jay, 1993, p. 201).

Tendo em vista a previsão perpétua e indissolúvel do Estado Federado, a Federação brasileiraacarreta as seguintes características:a) o princípio da indissolubilidade (previsto nos arts. 1º, 18, 19 e 60, § 4º, da Constituição atual);b) a descentralização político-administrativa (prevista na Constituição) que determina as

competências da União, dos Estados e dos Municípios;c) uma Constituição rígida com a finalidade de impedir alteração por meio de uma lei ordinária

(aqui, também, salienta-se a necessidade de um rigoroso controle de constitucionalidade);d) um órgão que traduza a vontade, que seja a voz dos entes federativos (no caso brasileiro, o Senado

Federal);e) a autonomia financeira para os Estados-membros (devidamente prevista na Constituição);f) a auto-organização por parte dos Estados-membros (também prevista na Constituição).

Os Estados-membros se revelam autônomos para o Direito interno. Vale destacar que, no Brasil,os Municípios são entidades federativas. Deste modo, o federalismo brasileiro atual destaca a União,que se revela no Poder central, os Estados-membros, que são a tradução do Poder regional, oDistrito Federal e os Municípios, que constituem o Poder local.

1. Da UniãoQuando os “pais fundadores” americanos (nomeadamente Alexander Hamilton) conceberam o

papel da União, destacaram que “Uma firme União será a oportunidade máxima para a paz e aliberdade dos Estados como barreira contra o facciosismo e a insurreição domésticas. É impossíveller a história das pequenas repúblicas da Grécia e da Itália sem experimentar o horror e repugnânciadiante dos distúrbios que continuamente as agitavam e da rápida sucessão de revoluções que asmantinham em estado de perpétua oscilação entre os extremos da tirania e da anarquia” (Madison;Hamilton; Jay, 1993, p. 128).

A doutrina brasileira moderna, por sua vez, define a União como a pessoa jurídica de direitopúblico que possui capacidade política. Ela pode se manifestar em seu próprio nome ou por meio daFederação, sendo que, aos olhos dos demais Estados, o Estado federal aparenta um Estado unitário.

Neste sentido, ela possui um aspecto interno – tendo em vista os Estados-membros – e um aspectoexterno – levando-se em conta os Estados estrangeiros (lembrando que os Estados estrangeiros nãoreconhecem tanto o Município como os Estados-membros como entes jurídicos de Direito

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Internacional).No âmbito interno, a União age em conjunto com as demais entidades da Federação diante da

competência e dos limites estipulados na Constituição.

2. Dos Estados FederadosComo vimos anteriormente, os Estados-membros revelam-se organizações jurídicas das

coletividades regionais para o exercício (autônomo) que lhes foi atribuído pela Constituição de1988. Esta é a razão por que se denominam coletividades regionais autônomas. A União não pode –de modo algum – interferir nos assuntos específicos dos Estados Federados (previstos noordenamento constitucional).

Depreende-se, então, que os Estados não são dotados de soberania, mas apenas de autonomia.Esta autonomia pode ser constatada pelas seguintes características:

a) autogoverno: significa que os Estados da Federação possuem os Poderes Legislativo (art. 27, daConstituição de 1988), Executivo (art. 28, da Constituição de 1988) e Judiciário (art. 125, daConstituição de 1988), próprios;

b) auto-organização: provém do poder constituinte decorrente, que permitiu a promulgação dasConstituições estaduais;

c) autolegislação: determina a possibilidade de criação de leis próprias (art. 25, da Constituição de1988);

d) autoadministração: traz a possibilidade de criação de órgãos e de servidores próprios de cadaEstado, a criação da administração pública estadual;

e) autonomia tributária e financeira: a possibilidade de instituir tributos e administrar osorçamentos dos Estados-membros.A respeito dos Estados-membros e sua designação, destaca Sahid Maluf que estas “unidades

federadas, sem personalidade jurídica de Direito Público Internacional, não dispõem de soberania,no exato sentido do termo; são simplesmente autônomas dentro da organização federativa. Por issomesmo, não convém às unidades federadas o nome Estados. Esta denominação coube naturalmente àstreze colônias americanas, quando se emanciparam do jugo inglês e se uniram pelo pacto confederalcomo Estados soberanos; depois disso, não foi senão por acomodação, em face da intransigência decada uma delas, ciosas das suas prerrogativas de independência, que se manteve na ConstituiçãoFederal de 1787 a denominação que se tornara imprópria. O nome de Províncias, como se firmou natradição do Brasil e da Argentina é mais adequado. O Direito Público moderno procura contornar adificuldade, adotando a designação composta de Estados-membros” (Maluf, 1974, p. 70-71, grifonosso).

Por derradeiro, destaca-se que, entre os Estados-membros que compõem o corpo da Federaçãobrasileira, não existe hierarquia, sendo que todos possuem convivência igual no mesmo níveljurídico.

3. Dos MunicípiosA Constituição de 1988 de maneira inédita considerou os Municípios como integrantes da

estrutura federativa brasileira. Tal fato aparece em dois momentos distintos: precisamente nos arts. 1º

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e 18. Antes desta ação inovadora dos constituintes, os Municípios pertenciam aos Estados quedecidiam sua organização.

Ora, desta posição única e singular do Município brasileiro, constatamos a sua ampla autonomiapolítico-administrativa, bem diferente do que ocorre nas demais federações, em que o município serevela numa circunscrição territorial meramente administrativa.

Neste sentido, a Federação brasileira revela-se sui generis, destoando do dualismo clássico,elencando três entes governamentais distintos e interligados: a União (governo federal), os Estados-membros e o Distrito Federal (governos estaduais e distrital), e os Municípios (governo local,municipal).

Os Municípios possuem autonomia política, administrativa e financeira, conforme podemosdepreender da leitura dos arts. 1º; 18; 29 e 34, VII, da Constituição de 1988. Assim, tal como osEstados, os Municípios possuem as seguintes características:a) auto-organização: por meio de Lei Orgânica (uma espécie de “Constituição Municipal”) própria,

segundo dispõe o art. 29 da Constituição de 1988;b) autogoverno: a possibilidade de eleger o Prefeito Municipal (Poder Executivo municipal) e os

vereadores (Poder Legislativo municipal) – vale lembrar que não existe um Poder Judiciáriopróprio (observamos que a Câmara Municipal se revela um órgão essencial do governomunicipal, uma vez que constitui elemento necessário para levar a cabo sua autonomia,integrando, assim, a própria noção de autogoverno aqui em comento);

c) autolegislação: a competência para elaboração de leis municipais;d) autoadministração: a possibilidade de criação de uma Administração Pública municipal para

manter os serviços essenciais (definidos em lei local);e) autonomia tributária e financeira: a possibilidade de instituir tributos próprios e gestão de suas

respectivas rendas.Por fim, destaca-se que a criação dos Municípios deve necessariamente preencher os requisitos

elencados no art. 18, § 4º, da Constituição de 1988.

4. Do Distrito FederalA Constituição de 1988 deu ao Distrito Federal o status de pessoa política que integra a

Federação, possuindo competências próprias. No Brasil Imperial havia a figura do MunicípioNeutro, que era a sede do governo e capital do Império, ou seja: sede do governo nacional.

Atualmente, o Distrito Federal integra a Federação brasileira, uma vez que foi incluído (pelolegislador constituinte), ao lado da União, dos Estados e dos Municípios, como um de seuscomponentes. Embora não seja, de fato, no sentido material, entidade essencial à Federação, diantede um aspecto formal foi inserido neste diploma constitucional (segundo os arts. 1º e 18 de nossa LeiBásica de 1988).

O Distrito Federal possui Poder Legislativo que o representa, nomeadamente a CâmaraLegislativa, a quem compete votar inclusive sua Lei Orgânica. Neste sentido, quanto ao DistritoFederal, dispõe nossa Carta atual:

Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica,votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara

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Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.§ 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados eMunicípios.§ 2º A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do art. 77, e dosDeputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para mandato deigual duração.§ 3º Aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27.§ 4º Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil emilitar e do corpo de bombeiros militar.

Observando os parágrafos deste artigo, encontraremos a autonomia do Distrito Federal, quetambém apresenta as capacidades (com as limitações que a Constituição evidencia) de:

auto-organização; autogoverno; autolegislação; autoadministração.Vale ressaltar que o Poder Judiciário do Distrito Federal (assim como os demais órgãos

essenciais à administração da Justiça) deverá ser definido por meio de lei de competência doCongresso Nacional, conforme estipula o art. 48, IX, da Carta de 1988.

No Distrito Federal, o Poder Executivo é exercido pelo Governador.

5. Dos territóriosOs Territórios não se revelam pessoas políticas, pois possuem mera capacidade administrativa.

Nossa Constituição estipula que:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende aUnião, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos destaConstituição.(...)§ 2º Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado oureintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.§ 3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarema outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da populaçãodiretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

Os Territórios não integram a nossa Federação, e a Constituição de 1988 transformou-os emEstados (Roraima e Amapá), ao passo que Fernando de Noronha foi incorporado por Pernambuco(arts. 14 e 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

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Capítulo 17 A Ditadura

Ao abordarmos este tema, um filósofo se destaca de plano: Aristóteles. É comum, talvez pela máleitura de Aristóteles, confundir alguns conceitos essenciais para a compreensão do tema:nomeadamente, os conceitos de ditadura, da má monarquia e da tirania. De fato, pode se assemelhar àditadura da monarquia, porém comportam conceitos distintos. Segundo Aristóteles, a ditadura,quando corrompida, transforma-se inexoravelmente em tirania. A tirania traduz o mau governo quetem a finalidade exclusiva de atender os interesses do governante em detrimento de bem e interessesde seus governados. A ditadura para Aristóteles pode ser boa – caso tenha em conta o bem einteresse de seus governados – ou má, se não os conseguir realizar. Deste modo, não há comoconfundir a ditadura com a monarquia, uma vez que ela pode ser exercida por um ou por um grupo deindivíduos.

Na ditadura, há algumas características que se distinguem claramente da monarquia (mesmo damá monarquia). Primeiramente, o fato de que na ditadura há uma forte tendência a unirem os PoderesLegislativo e Executivo (por vezes até subjugando o Judiciário). Num segundo momento, o fato deque as ditaduras tendem a ser de transição (para tornar possível um novo rumo ou Constituição); já asmonarquias pretendem ser eternas (mesmo quando não reconhecidas pelo Estado).

Tanto as ditaduras de esquerda como as de direita buscam o mesmo objetivo; contudo, paraalcançá-los, os processos se distinguem (grosso modo, “o bolo pretende ser o mesmo, porém areceita para fazê-lo é diferente”...). Vejamos então as ditaduras – tanto de esquerda como de direita –que mais aterrorizaram a humanidade.

1. As duas ditaduras mais expressivas do século XXHá um aspecto fundamental, inerente ao processo histórico: este se revela, essencialmente,

cíclico. A História é pragmática; isto quer dizer que, invariavelmente, aprendemos (ou, pelo menos,deveríamos...) com os erros e acertos nela cunhados. Lembrar, principalmente, dos erros cometidosnão é tarefa fácil; requer humildade e conhecimento.

Se observarmos a Europa da metade do século XX, constataremos que esta foi palco da maior emais sangrenta guerra registrada nos anais da História. Literalmente ali, ocorreu a luta contra o Mal.Ora, essa mesma Europa, no final do século XX e início deste século, registra o crescimento demovimentos xenofobistas e ultranacionalistas que voltam a assombrar o mundo (curioso, contudo, éque estes movimentos são provenientes inclusive de países europeus que enviaram imigrantes paratodos os pontos do globo... E, ainda, com a crise econômica atual, voltam a falar em imigração...).

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A título de exemplo, observemos a Grécia. Como consequência da derrocada econômica, e com oaumento do desemprego por lá, o partido neonazista (movimento que propõe a expulsão deimigrantes) ganhou terreno no cenário político; fazendo, inclusive, o continente lembrar de um dosmomentos mais sinistros de sua História. Vale destacar que este fenômeno também se repete naFrança, na Holanda e na Alemanha.

Assim, analisar brevemente as duas mais expressivas ditaduras (e seus representantes, pois acompreensão do “homem” auxilia a compreensão do processo) que assolaram o mundo e suasrespectivas causas revela-se oportuno.

2. Aspectos gerais da ditadura de HitlerHitler acreditava deter a alta missão de conduzir a “grandeza do povo alemão”. Em seu livro

Mein Kampf (“Minha luta”, em alemão), editado em 1925, este ditador fez uma análise detalhada desuas experiências militares e das mazelas e perspectivas políticas da Alemanha pós-guerra.

O fato de ter sido preso (por alta traição) e condecorado (com a Cruz de Ferro – a título decuriosidade, o oficial que o recomendou para esta condecoração era judeu...) trouxe vantagem junto aseus opositores, facilitando a vitória dos nazistas diante de uma Alemanha que estava sufocada pelacrise econômica. Um inimigo tinha que ser idealizado ou até inventado; havia a necessidade de seatribuírem as mazelas a alguém (ou a algum grupo).

Vale lembrar que a Alemanha estava comprometida financeiramente. A quebra da bolsa de NovaYork em 1919 abalou a estrutura de vários países; a Alemanha havia assinado o Tratado de Versalhesem 1919, que dispunha inclusive o pagamento de indenizações. Havia descontentamento e palavrasde ordem provenientes tanto dos comunistas como dos nazistas.

Em 9 de novembro de 1923, Hitler lidera o famoso Putsch da Cervejaria de Munique, um golpede estado fracassado que tinha por objetivo derrubar o governo da Baviera. Como consequênciadeste ato, o Führer germânico é condenado a cinco anos de prisão por alta traição. Enquanto esteveencarcerado, aproveitou para escrever, com a ajuda de Rudolf Hesse (o idealizador da ideologiaultranacionalista e racista), seu livro de memórias.

Na medida em que o Partido Nacional-Socialista (NSDAP) ia ganhando força, iniciou-se umatentativa de romper este crescimento. Hitler disputa e é derrotado na corrida pela presidência daAlemanha contra Paul von Hindenburg. Contudo, o partido nazista, aos poucos, tornou-se um partidode massas e um autêntico “Estado dentro do Estado”, dotado de um governo paralelo, pronto paraassumir o poder. Assim, com o inevitável crescimento e força política do partido nazista, Hitler énomeado chanceler da Alemanha pelo Presidente da República, Paul von Hindenburg, no início dadécada de 1930.

Embora nada indique que Hitler tenha sofrido com os judeus, principalmente durante a época emque viveu em Viena (em total estado de miséria), descarrega uma filosofia antissemita. Desde 1919,revelou profundas demonstrações de ódio aos judeus (defendendo sua total eliminação da so-ciedade). Membros da AS, milícias paramilitares do partido nazista (literalmente, Sturmabteilungsignificava divisão de assalto), instigaram a população da Alemanha contra os judeus.

O regime nazista, aos poucos, foi despindo os judeus de seus direitos individuais e civis,proibindo-os de exercer a profissão, limitando seus direitos de ir e vir, expulsando-os dasuniversidades, forçando-os (inclusive com violência) a entregar ou vender suas empresas e

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propriedades. Como consequência, este ódio dirigido fundamentalmente contra os judeus, comfinalidade política, culminou na construção dos campos de horror, nomeadamente os de Auschwitz eTreblinka.

Este regime perseguia, de maneira impiedosa, adversários políticos, nomeadamente oscomunistas e social-democratas, como homossexuais, ciganos, católicos e qualquer pessoa que nãofosse de seu agrado.

Vale ressaltar que o nazismo propunha modalidades religiosas curiosas (embora se definissecomo uma ideologia política secular): ostentava símbolos, cantos, culto a relíquias, ressaltava a lutado Bem contra o Mal e, acima de tudo, depositava fé num líder providencial e messiânico.

Obviamente que este regime nazista influenciou de maneira marcante o Direito. Após a ascensãoao poder do nacional-socialismo, o Poder Judiciário foi escravizado, reduzindo sua autonomiapraticamente a zero.

Os juízes tornaram-se verdadeiros vassalos dos objetivos essenciais para a proteção do regime e,consequentemente, do país. Deste modo, tornaram-se meros aplicadores de penas e atos que eramconsiderados lesivos contra o Estado. O direito à apelação foi abolido e a Suprema Corte alemã foisubstituída por tribunais especiais do povo, com forte influência do partido nazista.

Pela primeira vez, foi trazida ao plano do jurídico a “questão racial”, ou seja: a administração dajustiça foi entregue nas mãos do partido nacional socialista, tornando-se mais um instrumento daditadura. Vale destacar que inclusive os juízes eram obrigados a usar a suástica em suas togas. Osjuízes que se opuseram de maneira marcante à ditadura de Hitler e ao novo sistema legal foramsubstituídos, ameaçados e forçados a se demitir.

O próprio Direito Penal foi ganhando cada vez mais infrações cominadas com a pena de morte.Este Direito Penal e as respectivas sentenças dos tribunais da Alemanha tinham como destinatáriosos dissidentes políticos, comunistas e judeus; os antissociais eram castrados.

3. Aspectos gerais da ditadura de StalinO “stalinismo” revela a designação dada pela Ciência Política ao sistema econômico, político,

filosófico e cultural socialista adotado pela União Soviética de Josef Stalin (e também aos regimesque nele se inspiraram). A filósofa Hannah Arendt definiu este sistema stalinista comoverdadeiramente totalitário.

Se observarmos com cautela, a tentativa de emancipação social que ocorreu na Rússia de 1917trouxe consigo talvez a mais feroz ditadura já conhecida pela humanidade.

Todo esse horror gira em torno de uma figura central (não há como negar) do século XX: JosefStalin (este, contudo, não era seu verdadeiro nome, mas, sim, Iosif Vissarionovich Djugashvili). Talcomo Hitler, Stalin também foi preso: primeiro, com o fracasso da Revolução de 1905, na Rússia, edepois quando foi eleito para o Comitê Central do Partido Bolchevique, em 1910 (tendo logradoêxito em fugir em 1911).

Depois da Revolução, em 1917, ocupou o cargo de presidente do Comissariado dasNacionalidades no governo. Em 1919, entrou para o Politburo (“Birô Político”) do Comitê Central,compondo um dos quatro líderes do partido, ombreando o cargo com Lenin, Sverdlov e Trotski(curioso é que este escreveu uma biografia de Stalin, porém foi morto por um agente do biografadoem 1940).

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Em 1922, extingue-se o Império Russo, dando lugar à antiga União das Repúblicas SocialistasSoviéticas (a URSS), e Stalin é nomeado para secretário-geral do partido comunista, obtendo umanova dimensão de poder.

Em 1923, os países capitalistas começaram a mover suas engrenagens mais uma vez rumo àprosperidade econômica. Assim, liderados por Stalin, os dirigentes soviéticos passaram a aceitar aideia da construção e solidificação do socialismo em um só país. Stalin defendia que o novo regimeimplementado poderia ser construído na Rússia, isoladamente (desde que os países capitalistasevitassem ataques à Rússia).

Em 1929, dá início na União Soviética a uma longa série de chacinas (ou expurgos) queeliminaria do cenário político vários protagonistas relevantes do período da Revolução e da GuerraCivil (período entre 1917 e 1921). Óbvio que o maior foco da repressão ocorreu com a liquidaçãoda oposição de direita. Esta repressão trouxe uma série de leis de exceção, com processos sumáriose centenas de milhares de deportados para a Sibéria.

Tal como ocorreu na Revolução Francesa, os julgamentos decorreram de uma série de denúnciashistéricas, sem qualquer hipótese para os acusados. Apontada também por muitos historiadores comogenocida, esta repressão política em massa – sem precedentes na História – contabilizou cerca de 25milhões de vítimas do regime stalinista, 8 milhões de executados, 14 milhões de vítimas de fome, 2milhões de deportados e 1 milhão de prisioneiros civis (vale destacar, contudo, que historiadoresdiferem entre si no que tange aos números expostos aqui, cabendo à História a palavra final...).

Em 1939, Stalin realizou um pacto com Hitler de que a União Soviética não participaria de açõesmilitares contra aquele. Porém, seus inimigos o caracterizavam essencialmente como um “homem deguerra”. No campo militar, fez com que a União Soviética se tornasse uma potência, com umaindústria bélica bem estruturada (tanto é que a Alemanha nazista estava vencendo a Segunda GrandeGuerra até o momento que chegou a Stalingrado – local onde a Guerra tomou rumo diverso).

A ditadura stalinista possuiu as seguintes características marcantes:a) tratou-se de uma ditadura burocrática (nomeadamente na burocratização do aparelho estatal);b) revestiu-se num regime de partido único;c) centralizou os processos de decisão num núcleo do Partido Comunista;d) forte repressão a dissidentes políticos e ideológicos;e) intensa promoção ao culto à personalidade do líder do Partido Comunista e do Estado Soviético;f) constante propaganda estatal e apologia ao patriotismo;g) organização cultural, econômica e política dos trabalhadores;h) forte censura aos meios de expressão e comunicação;i) coletivização compulsória dos meios de produção agrícola e industrial;j) militarização da sociedade e principalmente dentro dos quadros do Partido Comunista.

Mesmo após a sua morte, a União Soviética viveu cerca de quarenta anos de Stalinismo, sendoderrubado apenas no ano de 1991, com Mikhail Gorbachev. Contudo, tal como sucede com Hitler,hoje há um movimento revisionista que busca camuflar os horrores da ditadura stalinista. Tal fatotalvez ocorra pelo fato de o ditador ter livrado o povo soviético do nazismo. Deste modo, ohistoriador Domenico Losurdo, por exemplo, atesta que a Guerra Fria foi a grande responsável pelapropaganda que maculou a imagem do ditador.

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4. Noções geraisEmbora muitos países estejam, ainda hoje, vivendo sob ditaduras, constata-se, de um modo geral,

a efetiva falta de percepção sobre o seu real conceito ou definição.Várias são as origens das ditaduras: podemos observar seu fundamento em fatores econômicos,

institucionais, de classe social e até relativos à etnia. “Ditaduras” são tipicamente regimes brutais,cruéis, sob a condução de um indivíduo que detém o poder absoluto (concentrando na sua pessoa opoder). Porém, cada um destes ditadores possui, de modo geral, inclinação para uma característicade maldade peculiar.

Há ditaduras que se apresentam totalmente imprevisíveis no que tange a seu rumo e atuações. Atítulo de elucidação, salienta-se que, na Uganda de Idi Amin, em 1972, o então governante sancionouum decreto, expulsando milhares de asiáticos que não eram cidadãos de seu país, levando o país aocaos econômico.

De modo diverso, há ditaduras que se revelam demasiadamente repressivas: assim, a ditadura noUruguai, por exemplo, chegou a manter o nível mais alto de presos políticos no mundo.

Outras se revelam extremamente brutais: assim, a brutalidade do ditador Saddam Hussein ganhounotoriedade mundial, com total desrespeito à opinião internacional (vale lembrar que a revistafrancesa Le Nouvel Observateur publicou um artigo sobre o ditador iraquiano, intitulando-o de“monstro”, “assassino” e “perfeito idiota”, sendo processada por ele por danos morais).

Há ainda os ditadores que ascendem ao poder de modo legal e legítimo, mas acabam por exercê-lo de maneira ilegítima. Se observarmos o exemplo de Charles de Gaulle, constataremos que –durante o decorrer da Segunda Grande Guerra – o herói francês criou um governo ilegal (segundo aordem vigente) no exílio. Porém, teve o apoio irrestrito das comunidades francesa e internacional.

Deste modo, os regimes autoritários apresentam desafios na sua compreensão pelo fato de quesão efetivamente autoritários e, como consequência, diversos entre si (na medida em que diversosem suas características, também, são aqueles que detêm o poder absoluto).

Notamos que algumas ditaduras são apoiadas até pelo povo na medida em que têm a capacidade –essencial a todos os governos –: a de suplantar as necessidades do povo ou delivery.

Depois da Segunda Grande Guerra, o tema ganhou importância na Filosofia do Direito. Nestediapasão, Hannah Arendt, com sua obra As origens do totalitarismo, revelou-se num marco sobre otema. Neste livro, ela analisa as origens que levaram a estes regimes totalitários, nomeadamente nopapel individual/pessoal de seus respectivos ditadores (vale lembrar que tinha sob seus olhos oshorrores perpetrados por Hitler e Stalin). Demonstra a importância do papel da ideologia nosregimes totalitários (Arendt, 1999).

Observa, a filósofa humanitária, que o líder/ditador tem a efetiva capacidade de imprimir ohorror na população. Com isso, garante a cumplicidade e adesão desta com relação ao regime.Depreende-se que a crítica da razão governamental totalitária, elaborada por Hannah Arendt hádécadas, continua a ter reflexos práticos, pois ainda há muitos regimes com as característicasevidenciadas por ela (embora divergindo, entre si, em alguns pontos). Além deste fator, vale destacarque a própria democracia liberal, ainda hoje, também não conseguiu afastar, na sua totalidade, aideologia de terror (que torna o homem supérfluo).

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5. A ditadura brasileira e a Comissão Nacional da VerdadeQuando analisamos com seriedade o processo histórico brasileiro, há que considerar, nesta

“evolução” ou no curso dos acontecimentos, dois fatores sempre presentes: os fenômenos militaresou paramilitares. Assim, o Brasil, sob o pretexto da defesa da nação, enfrentou uma ditadura terrível(já abordada em outras passagens deste livro), nomeadamente com a derrubada de um governolegítimo (o do Presidente João Goulart) que pretendia levar a cabo mudanças estruturaisfundamentais para o país.

Deste modo, aproveitando do momento que desestabilizava o mundo (a Guerra Fria), dividindo-o em comunistas e não comunistas, os militares, defendendo a tese de que o Brasil caminhavafatalmente para o comunismo (o que, também, seria um total desastre, como evidenciou o processohistórico) e apoiados e incentivados pelos Estados Unidos, promoveram um golpe no país.

Apoiada num princípio de que as Forças Armadas não pertencem somente a seus eventuaischefes, mas, sim, a seus “senhores civis” (especialmente porque são compostas de brasileiros dediferentes raças e origens socioeconômicas díspares), em maio de 2012, foi instalada pela PresidenteDilma Rousseff a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de esclarecer violações dedireitos humanos ocorridas na ditadura brasileira.

A História, de fato, possui a característica de ser narrada pelos vencedores. Tal fato pode“contaminar” a verdade, uma vez que esta deveria ser contada por historiadores que deveriam, a bemdo rigor, apresentar uma postura imparcial e distante ao se debruçarem sobre a questão que, apesarde delicada, continua a ter caráter científico (obviamente que dentro da História). Aliás, o Brasil nãofoi pioneiro e pôde constatar o desenrolar de comissões análogas em outros países.

Deste modo, segundo alguns críticos, a Comissão da Verdade não possui – tendo em vista seusintegrantes – historiador com a imparcialidade necessária para elaborar, rigorosamente e semsubjetivismos, a tortura que ocorreu no Brasil entre 1946 e 1988.

Outra crítica que elaboram reside no fato de que a “verdade”, no caso em concreto, revela-se, decerto modo, “seletiva”, uma vez que seus membros pretendem que o objeto de investigação e análiseabranja apenas a tortura efetuada pelos militares. Deste modo, criticam o fato de que as torturasrealizadas pelos guerrilheiros não serão, de modo algum, objeto de análise. Como consequência,ficará, segundo estes críticos, fora dos anais da História.

Ainda relevando a ótica daqueles que se revelam céticos quanto à Comissão, atentam que oBrasil deve olhar para o futuro, ao invés de vasculhar o passado. Atentam inclusive a que este teriasido um dos fundamentos ou pilares que nortearam a Lei da Anistia. No Brasil, teria ocorrido um“pacto” entre os militares, guerrilheiros e demais membros dos diversos segmentos sociais com ointuito de colocar uma “pá de cal” sobre os “anos de chumbo”.

Esta Comissão, que se reveste de instância ad hoc, com o objetivo de apurar em prazodeterminado (no caso brasileiro, de dois anos), insere-se no âmbito daquilo que se denomina justiçade transição, que traduz a passagem de um regime autoritário para o regime democrático, em que asociedade é obrigada a lidar com um passado de repressão, violência e desrespeito aos direitoshumanos.

Vale destacar que a Comissão Nacional da Verdade não é pioneira no que tange à justiça detransição no Brasil. Podemos elencar, igualmente, a Comissão Especial sobre Mortos e

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Desaparecidos, do então Presidente Fernando Henrique Cardoso (com o objetivo de investigardesaparecidos no período entre 1961 e 1985).

Cumpre evidenciar, ainda, que a Comissão não tem caráter jurisdicional ou punitivo. Deste modo,ela não tem o condão de punir (tendo em vista que não se reveste em justiça de transiçãoretributiva – conforme a Lei da Anistia de 1979), e muito menos de indenizar. Sua meta éexclusivamente examinar e esclarecer violações de direitos humanos e as circunstâncias em queforjaram a vigência do regime autoritário no país.

Isso não significa ou implica de modo algum em anistia. A palavra, de origem grega, designa“esquecimento” (destaca-se, aqui, a proximidade – ambas com a mesma raiz – de outra palavragrega: amnésia).

O Brasil finalmente desvinculou-se da antiga imagem lançada pelo período da ditadura (de umarepubliqueta latino-americana). Atualmente, integra uma posição mundial, ombreando com outrospaíses de destaque (no campo do respeito aos direitos humanos), que se mostram vigilantes eabsolutamente intolerantes com os ataques ao acatamento (do império) das leis, da ordemdemocrática e, sobretudo, ao respeito pelos direitos humanos.

6. O direito à resistênciaNeste ponto, busca-se responder à seguinte pergunta: é possível resistir a determinadas ordens

provenientes de uma autoridade suprema? Um direito (uma vez que emanado do tirano) deve seracatado pelos cidadãos?

O tema não é novo. Em Sófocles, na Grécia Antiga, já observamos a discussão do tema, quemarcou de modo profundo o pensamento jurídico ocidental. Quando a personagem Antígona, emnome da deusa Dike e do direito dos mortos, enterra simbolicamente seu irmão Polinices,desobedecendo, deliberadamente, ao edito – injusto – de Creonte (o tirano rei de Tebas), ela realizaum ritual de deitar terra sobre o cadáver do irmão. Essa desobediência de Antígona é uma superaçãobrutal da tirania. Simbólico e singelo, de um lado, e de uma grandeza e importância tremendas para otema em estudo, de outro, pois ela assumiu uma punição enorme para defender um direito que a todospertence.

Eis o legado importante para o Direito: alguns direitos não são necessariamente estabelecidospor determinada Constituição. Simplesmente, são reconhecidos e garantidos por ela. São, pois,como afirma Antígona, direitos anteriores e superiores ao próprio Estado, próprios da naturezahumana. São declaratórios e não atributivos. Limitam os poderes do Estado, colocando-se antesdeste. Assim, não existem pura e simplesmente porque foram criados ou regulados por lei; existema despeito dela.

O tema também é vivo e delimitado no pensamento de São Tomás de Aquino e pode ser resumidodo seguinte modo:

Em seu pensamento, o Aquinatense definiu – embora não em compartimentos estanques: a leieterna, a lei natural, a lei humana e a lei divina revelada ao homem, do seguinte modo:

lei eterna (lex aeterna): é aquela que rege e ordena o todo; Deus a conhece com anterioridade;trata-se da razão, da sabedoria divina; somente Deus tem a capacidade de conhecer a lei eterna(um bom exemplo é que Deus seria o Sol, e a lei eterna, a luz do Sol);

lei natural (lex naturalis): ela existe no homem, é uma partícula, um reflexo da lei divina. É a

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pequena incidência da lei eterna na criatura dotada de racionalidade. São Tomás evidencia anecessidade de a lei natural ser complementada pela lei humana e pela lei divina revelada aohomem (a lei divina consiste numa participação da lei eterna quando revelada na Palavra, naBíblia, com a finalidade de direcionar o homem);

lei humana: criada pelo homem, tem a finalidade de disciplinar as relações sociais, tendo comonorte as demais leis. São Tomás destaca que só a lei divina pode suprir as deficiências einjustiças da lei humana.Esta distinção de leis apresentada pelo Doutor Angélico culmina em duas indagações importantes

para a Filosofia do Direito e que, nos dias atuais, ainda geram polêmica:1. Será devida obediência à lei humana quando esta vier a contrariar as outras duas?2. Qual o limite de obediência que o cidadão deve ao Estado?Ora, para o Doutor Angélico, a lei humana é fundamental, na medida em que – produzida pelo

Poder Legislativo, com seus poucos prudentes – assegura a paz social e o bem comum (bonumcommune). Assim, mesmo que a aplicação desta venha a acarretar certo dano, deve ser efetivamentemantida e aplicada. Contudo, assevera que não deverá ser aplicada/obedecida se implicar a violaçãode uma lei divina.

Concluímos então que, para o grande filósofo, lex iniusta non est lex (a lei injusta não é lei). Eque o homem deve obediência limitada ao Estado.

Este tema teve seu apogeu e foi abordado em vários pontos da Declaração Universal dosDireitos do Homem, da Revolução Francesa de 1789.

No pensamento de Kelsen, qualquer ação humana definida como “obrigatória”, “proibida” oufacultativa é resultado da existência (prévia) de uma norma correspondente. Deste modo, não existepara ele um direito (a priori, como pensam os jusnaturalistas) para resistir à ordem proveniente dosoberano.

Embora tenhamos pontos de vista díspares no que tange ao direito à resistência, sua definição éclara: consiste no direito do povo de não obedecer – em determinados casos – às ordens (no caso,ilícitas) do poder central.

7. O pensamento de Thoreau (a desobediência civil)Um dos pensadores que se destacam nesta questão é precisamente Henry David Thoreau, no

século XIX. Sua obra mais importante revela-se na Desobediência civil, escrita em 1848. Esta obraainda hoje produz efeitos práticos, pois se revelou num “marco futurista” para a época, inspirando aluta contra a discriminação, escravidão, a discriminação sexual e pelos direitos das mulheres.Podemos ainda encontrar influência desta obra em Tolstoi, Gandhi e Martin Luther King.

A questão abordada por Thoreau é sempre de extrema importância para analisar, também, asdemocracias modernas, principalmente após as revoluções americana e francesa. Vale lembrar que asdemocracias modernas edificaram seu conceito de liberdades civis e políticas após estesmovimentos revolucionários. Deste modo, há aqui, mais uma vez, a presença dos conceitos de“direito natural” e “resistência à injustiça”. Então, qual a verdadeira relevância da obra em comento?

Primeiramente, vale lembrar que o texto demonstra uma filosofia liberal assombrosa. Relata oencontro do autor com determinado cobrador de impostos que lhe exigia o pagamento dos tributos

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devidos. O autor se recusa prontamente a pagá-lo, na medida em que se posiciona contra “dardinheiro” para o Estado, sendo que discorda, em absoluto, da política praticada por este(nomeadamente, a guerra dos Estados Unidos contra o México, que julgava financiar com osimpostos...).

Se observarmos com cautela, constataremos que a questão da desobediência civil revela-se numverdadeiro e poderoso instrumento democrático no que tange à defesa do indivíduo contra o poderestatal, tirania, opressão etc.

Para Thoreau, a desobediência civil é fruto da ação singular de um único indivíduo contra opoderio estatal. Neste esteio, mas divergindo em alguns pontos, Hannah Arendt, no século XX, vê –na desobediência civil – a ação de grupos minoritários (associações, sindicatos etc.) contra oEstado. Aliás, a filósofa foi clara ao distinguir e delimitar a diferença entre o contestador civil e ocriminoso.

Segundo ela, o contestador age quando está ciente de que os canais formais e legais para operaras mudanças sociais simplesmente não funcionam (ou se esgotaram). Os criminosos, por seu turno,buscam benefícios individuais (mesmo quando atuam em grupo) e operam na “escuridão”, ao passoque o contestador visa à publicidade de seus atos. Como veremos adiante, falta ao criminoso umrequisito fundamental: o respaldo de sua conduta pelo direito natural.

Eis a razão por que o texto é atual. Embora o cenário político, cultural e econômico, hoje, sejabem diferente dos Estados Unidos de Thoreau (em franco procedimento de industrialização), adissidência ocorrerá sempre. Não há possibilidade de o Estado agir pacificamente. Haverá sempreaquele que não compactua com o injusto (mesmo que apenas e isoladamente sob seu exclusivo pontode vista), com a tirania e a opressão.

O pensamento de Thoreau é bem liberal. De fato, deixa patente que o melhor governo seria aqueleque menos governa. Contudo, há quem o enfileire doutrinariamente juntamente com Marx ou até como anarquista Bakunin, uma vez que este lema, levado às últimas consequências, implicariafundamentalmente que o melhor governo seria precisamente aquele que não governa de maneiraalguma (daí o fator utópico, pois este governo só seria possível quando os homens efetivamenteestivessem preparados).

Contudo, não se constata em Thoreau o ímpeto revolucionário, mas apenas o forte desejo deconstruir um governo melhor (característica liberal) e, assim, não objetiva, de forma alguma, o fimdo governo.

Reconhecia a existência de leis injustas e a necessidade de lidar com elas. Assim, era favorável aque fossem transgredidas de plano, porém de maneira pacífica (note-se aqui a influência exercida emGandhi, Luther King e Nelson Mandela). Acreditava que a revolução sangrenta seria desnecessáriana medida em que havia a alternativa do não pagamento de tributos, que geraria, consequentemente, ainação do Estado (por falta de recursos). Ora, tornar o Estado incapaz de reagir com violência é umdos pilares da revolução pacífica.

O conceito de desobediência de Thoreau traz dois sustentáculos que merecem cuidado: o direitonatural e a resistência a atos ilegais.

Há em Thoreau a ideia clara de que, acima das leis positivas, existe um direito natural que servede “norte”, paradigma para as leis dos homens. Vale lembrar que o próprio conceito de direitonatural (desde Antígona, passando pelo pensamento de Aristóteles, de Cícero e de São Tomás de

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Aquino) se confunde, invariavelmente, com o conceito de Justiça.Na concepção de Thoreau, esses direitos são intrínsecos ao homem pelo simples fato de (ser)

humano. Eis a razão por que se revelam como direitos do homem ou personalíssimos. Direitos que seencontram previstos na maioria das Constituições democráticas.

Vale lembrar aqui que a própria Revolução Americana se desenvolveu inspirada na ideia dodireito natural. Deste modo, a própria Declaração de Independência traz, no seu bojo, os seguintesconceitos fundamentais:

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo dissolver os laçospolíticos que o ligavam a outro, e assumir, conjuntamente com os poderes da Terra, posição iguale separada, a que lhe dão direito as leis da natureza e as do Deus da Natureza, o respeito dignoàs opiniões dos homens exigem que se declarem as causas que os levam a essa separação (...)(grifo nosso).

Ora, nesta Declaração há pontos essenciais que merecem reflexão:Primeiramente, assevera que todos os homens foram criados iguais e dotados pelo Criador de

direitos inalienáveis (nomeadamente, a vida, a liberdade e a busca pela felicidade).Num segundo momento, preconiza que os poderes dos governos derivam, inexoravelmente, de

seus governados (encontramos, aqui, a questão da legitimidade).Ressalta que quando um governo torna-se destrutivo e tirano, é direito do povo aboli-lo e,

consequentemente, instituir outro governo legítimo.Por fim, destaca que os governos já estabelecidos por um longo período (de tempo) não merecem

perecer apenas por questões levianas e passageiras (há que existir um mínimo de segurança).Neste aspecto, para Thoreau, a própria violação dos direitos naturais por parte do Estado (por

meio de seus órgãos) justifica o direito à resistência (como vimos, este direito também se revela numdireito natural do homem).

O direito de resistência aos atos ilegais reveste-se num segundo requisito da desobediência civil(aqui, encontramos um segmento mais específico do direito natural: precisamente o estritodescumprimento autônomo, voluntário e consciente de determinado ato ilegal). A teoria políticaclássica elenca três hipóteses essenciais para embasar a desobediência a determinada lei:a) na hipótese da lei injusta;b) no caso da lei ilegítima;c) no caso de uma lei inconstitucional (inválida).

Assim, se levarmos em conta a hipótese do dever moral de cumprir as leis por parte doscidadãos, constataremos que corresponde, igualmente, ao legislador o imperativo moral de produzirleis justas. Ora, existe aqui uma verdadeira relação de reciprocidade.

Uma posição contrária pode ser comparada com a postura do filósofo ateniense Sócrates. Ofilósofo, mesmo diante de uma Atenas “cega” e após obter uma condenação injusta, aceitou a cicuta.Sócrates, mesmo diante daquele cenário, manteve-se fiel tanto à polis como às leis; ao contrário deThoreau, que se insurgiu contra as leis. Ao contrário de Sócrates, que preferiu morrer a contrariar asleis de Atenas, Thoreau busca evidenciar que, diante de um Estado tirano e corrupto, é imperativomoral e direito natural do indivíduo não lhe abonar seus atos.

Para Thoreau, a (sua) desobediência civil fundou-se na rejeição de se submeter ao pagamento dos

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tributos exigidos pelo Estado. O “revolucionário” se recusou a pagar impostos para um Estado quetomava à força grande quantidade de terras do México; recusava-se a contribuir para um Estadoescravocrata. Seu pensamento evoluiu bem além daquilo que pretendia. Refletiu na modernidade,com fortes traços de direito natural. Em apertada síntese, destacou que todos os Homens têm o direitonatural à revolução. Isto é, não se sujeitar a determinado governo quando se revela tirano ouincompetente num grau insuportável.

PONTO PARA REFLEXÃONuma obra a ser lançada em nosso país, Desmond Tutu, Nobel da Paz (que presidiu umaComissão semelhante à “Comissão da Verdade” instalada no Brasil), destacou que o passadonão morre em silêncio e revela que o propósito da comissão na África do Sul não foi o de punir,mas, sim, de curar (as feridas causadas pelo antigo e brutal regime do apartheid). Assim,negociadores sul-africanos pós-apartheid ajudaram a anistiar aqueles que admitissempublicamente ter atentado contra os direitos humanos.

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Capítulo 18 O Estado de Direito

A expressão “Estado de Direito” surge na Alemanha (no esteio da filosofia kantiana), no séculoXIX, com o Rechsstaat. Assim, este conceito floresce na doutrina alemã com a finalidade deconceituar os três tipos de governo: o despotismo, a teocracia e o Estado de Direito.

Alguns autores atentam a que as raízes do conceito já existiam na antiguidade, como no caso deAntígona, de Sófocles quando, na peça, invoca-se uma lei divina anterior (e posterior) às leis doEstado. Essa preocupação de ordem jurídico-filosófica adentra o Império Romano, com Cícero, e,posteriormente, a Idade Média. Vale lembrar que, tanto o pensamento de Cícero como a filosofia(medieval) de São Tomás, estão fatalmente cunhados pelo pensamento aristotélico.

Assim, na Idade Média, os poderes dos reis e do Papa produziam normas que eram editadassegundo os ditames de uma lei natural, impossibilitando o confronto com esta. Neste caso, as leisnaturais tinham o condão de regulamentar o jus naturale. As leis do Estado só possuíam validadecaso não contrariassem estas leis superiores.

Também na Idade Média, há efetiva contribuição para o tema proveniente do Direito inglês (que,por sua vez, também teve influência dos autores supramencionados). Houve a delimitação doconceito de rule of law que se revelou num autêntico antecedente do Estado de Direito. Analisando a“Magna Carta” de 1225, observa-se a preocupação em restabelecer a law of the land.

Como vimos em capítulo anterior, a doutrina de John Locke também aborda o tema em questão.Para o filósofo, o Direito preexiste ao Estado, delimitando-o em suas funções e respectivas ações.Assim, a liberdade do indivíduo (cidadão) deve ter previsão legal, analisada por órgãos competentespara ter a sua incidência e validade (legitimamente).

Em Montesquieu, há em seu pensamento a previsão de um Direito superior, uma vez que as leisderivam de uma mesma raiz natural. A lei não pode, de modo algum, ser fruto da mera “vontade” e“capricho” dos homens. Há, de fato, essas “amarras” naturais. O legislador tem a função de escolher,entre várias situações e princípios, aquele que melhor se adapta ao grupo residente naquele espaçosociocultural (o Estado).

A posição de Rousseau caminha no mesmo sentido, e a ideia que lançou de que a lei é expressãoda vontade geral encontra-se positivada no art. 6º, da Declaração dos Direitos do Homem e doCidadão, de 1789, que preconiza:

Art. 6º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer,pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos,seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente

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admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e semoutra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Deste modo, se analisarmos as filosofias expostas acima, bem como as ideias que delas brotaram,constataremos um fio condutor, linear, entre esses pensadores, que desaguará numa conclusão mais oumenos óbvia: o Estado de Direito encontra-se forjado e inserido na ideia de um direito natural. Istotraduz o fato de que estes direitos devem ser resguardados pelo próprio Estado (principalmente noque tange à produção de leis), como naturais e imprescritíveis.

Devido aos movimentos liberais e revolucionários ocorridos nos Estados Unidos e na França, oEstado, fatalmente, teve que se curvar ao Direito. Como consequência destes movimentos, quatrofatores passam a ser evidentes:a) todas as instituições e leis são avaliadas quanto à sua “justeza”;b) outra consequência, inarredável, revelou-se na ampliação dos direitos dos cidadãos. Ou seja:

como vimos anteriormente, no século XVIII, há a consagração do reconhecimento de que ohomem tem prerrogativas e direitos que lhe são próprios, naturais;

c) a limitação do poder. O próprio reconhecimento destes direitos limita o campo de atuação doEstado;

d) como resultado do item anterior, já constatamos em capítulo próprio, surge a Constituição. Estatraduz o pacto social daqueles que pertencem a determinado Estado, delimitando os poderes e asfunções deste (bem como a relação cidadão–Estado).Deste modo, constatamos num Estado submetido aos ditames do Direito algumas características

essenciais (aqui analisadas brevemente por meio de suas referências histórico-filosóficas) que odotarão de legitimidade:

i) princípio da legalidade: surge na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,em seu art. 5º, do seguinte modo:

Art. 5º A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei nãopode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Grosso modo, este enunciado preconiza que é lícito fazer tudo aquilo que a lei não defina comoproibido ou ilícito;

ii) princípio da igualdade: é intrínseco, dentro do Estado de Direito, ao próprio conceito de lei.O art. 6º, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, trata-se de um dispositivodirecionado ao legislador e preconiza o seguinte:

Art. 6º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer,pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos,seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmenteadmissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e semoutra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Rui Barbosa, ao comentar esse princípio, asseverou que “a regra da igualdade não consiste senãoem quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam”.

iii) a proibição da discriminação: este princípio, como é óbvio, vai além do repúdio ao racismo.Inclui qualquer forma de discriminação (por questões de origem econômica, orientação sexual etc.).

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A democracia, de origem grega (demos + kratos), elencada na filosofia de Platão e deAristóteles, exprimia a ideia da efetiva participação ativa dos cidadãos nos destinos da cidade(polis).

O Estado Democrático de Direito tem fundamentos ideológicos na preservação da paz social.Mescla os conceitos de Estado de Direito com os da democracia.

Assim, preconiza a nossa Constituição:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados eMunicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem comofundamentos:I – a soberania;II – a cidadania;III – a dignidade da pessoa humana;IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V – o pluralismo político.Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitosou diretamente, nos termos desta Constituição.

Deste modo, a origem do “Estado de Direito”, elencado em nossa Carta de 1988, provém dosEstados liberais (sofrendo as evidentes mudanças decorrentes do tempo, nomeadamente as daschamadas Constituições sociais, a partir do século XX).

Ele implica a existência de limites jurídicos no que se refere à atuação do Estado, fundada noprincípio da legalidade, que, por sua vez, esteja interligada com os princípios da moralidade e dajustiça. Os atos do Estado devem estar submetidos ao império da norma jurídica (pré)definida peloórgão estatal competente.

Neste sentido, o conceito de Estado de Direito, no Brasil, deve ser concebido também como umEstado Democrático que traduz o conceito de um Estado fundado na participação popular. Valedestacar, em função disso, que alguns autores julgam que a expressão “Estado Democrático deDireito” traz no seu bojo uma redundância, já que são indissociáveis as ideias de regulamentaçãolegal e de democracia.

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Capítulo 19 O Terrorismo

Primeiramente, cabe destacar que o terrorismo deixou de ser um fato regional para seinternacionalizar; deste modo, hoje, revela-se um fenômeno ideológico, e não meramentenacionalista. Tal como vimos em capítulo diverso, toda sociedade despótica funda-se no medo, ouseja: necessita constantemente de um grupo a ser combatido, de determinado “bode expiatório”.

Ora, o homem (ou determinado grupo), quando agregado em sociedade, luta por seus interesses,por suas ambições; neste aspecto, “o outro”, “o diferente”, “o opositor” revela-se, fatalmente, numobstáculo a ser eliminado (por vezes) a qualquer preço. Assim, notamos que, forçosamente, a gênesedo terror provém com a sociedade politicamente organizada (deparando-se com os conflitos a elainerentes).

Se analisarmos com cautela, constataremos que o terrorismo é tão velho como a própria guerra;assim, mais do que uma ferramenta, revelou-se uma verdadeira técnica. O termo terrere, do latim,significa efetivamente fazer tremer. Contudo, é difícil, do ponto de vista da epistemologia,conceituar o fenômeno, pois há muitas confusões e relativismos ideológicos quanto ao tema (bastalembrar que, nos dias atuais, o mundo “reza pela cartilha” estadunidense sobre o tema).

Com efeito, o objetivo do terrorismo é, precipuamente, aterrorizar, ou seja: visa a desestabilizardeterminado regime ou governo-alvo por meio da força ilegítima. Isso por meio da forçaorganizada: seja um exército ou o próprio Estado (aliás, convém destacar que este tem sido – emgrande parte – o caso com os Estados não democráticos).

Até há muito pouco tempo, não se falava do “terrorismo do Estado”; contudo, nota-se atualmenteque este tipo de terrorismo serviu para apoiar governos tais como os da Líbia, da Síria e do Irã, daí arazão da designação.

Porém, o terror pode adotar outras formas: a estratégia de bombardeio, por exemplo, adotada nosanos 1930, desenvolvida e praticada no Ocidente (consiste em bombardear, de forma estratégica emassiva, a população civil) com o intuito de compelir a rendição de determinado governo. Mais umavez, notamos um certo subjetivismo quanto ao tema, pois em tempos de guerra o terror inclusive jáfoi “legitimado”, até mesmo quando empregado contra civis, a exemplo de Dresden e Hiroshima.

No século XXI, observa-se, novamente, o crescimento de um fenômeno antigo e medieval: oterror em nome da religião. Isto, como é cediço, não é novidade, trata-se de um fato constante naHistória. Assim, notamos o caso dos judeus contra o Império Romano (o caso dos Zelotes – aquelesque “zelam”, ou zelavam, pelo templo). Ao partido/grupo dos “zelotes” filiavam-se fanáticos erebeldes que reclamavam de maneira radical a supressão do domínio – injusto – de Roma. Deste

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modo, cada um de seus membros levava um punhal escondido debaixo do manto para atacar deinopino seus dominadores. A História revela que seus atos de violência constituíram forte resistênciaao Império Romano.

No século XI, os seguidores de uma seita secreta, al hassam ibn-al sabbah (geralmente compostade homens entre 12 e 20 anos), eram treinados a enfrentar todos os obstáculos e a nada temer. Diantedisso, matavam seus companheiros muçulmanos dentro de um êxtase religioso regado a haxixe,contemplando o harém que obteriam no paraíso. Vale destacar que o nome e significado desta seitaperduram no Oriente, até hoje, ou seja: assassinos.

Assim, neste esteio, para aquele que pratica o terrorismo, o homem-bomba, por exemplo, o seuato é visto e valorado como transcendental.

Aqui é necessário abordar brevemente a questão do rito. Ele tem a fundamental importância deperpetuar determinado mito. O rito, então, revela-se num meio que “transporta” o homem aosacontecimentos míticos (primeiro, sagrados). Assim, eis a questão transcendental, eis o rito. Aautoridade religiosa, que se diz conhecedora dos desígnios divinos, dota o ato de legitimidade, umapassagem de purificação para agradar a Deus. Deste modo, no que tange ao terrorismo religioso,convém destacar que:a) o ato é abonado pela autoridade religiosa, os atores passam a ser instrumentos do divino;b) não importa o número de ou a identidade das vítimas, mas, sim, o objetivo (de ordem religiosa) a

ser alcançado;c) não há “juiz” mais importante do que a causa pela qual se sacrifica.

É bom recordar que aqui nos referimos, obviamente, ao estreitamento, à aproximação que o“religioso” e o “político” possuem na comunidade Islâmica (lá, a Teologia influi de modo decisivo emarcante na esfera política).

Este aspecto do Islã vem desde os primórdios, quando o chefe de uma comunidade – geralmentenômade – era ao mesmo tempo chefe político e chefe religioso. Embora houvesse posteriormente umaevolução do Estado, o Corão ainda traz a din wa dawla (religião e Estado dentro de um conceitobem próximo).

Contudo, para não recairmos em preconceito, é importante reter que há uma associação ouindagação natural que deve existir na cabeça daquele que pretende elaborar um pensamento crítico arespeito do tema (buscando, assim, no “outro lado da moeda”, traços ou defeitos comuns): oCristianismo seria igual?

Se lançarmos os olhos para todas as religiões, constataremos, como é óbvio, divergênciasdoutrinárias no seu seio, na sua doutrina. Atualmente, vale lembrar que a religião – por exemplo, aCatólica – é dividida em setores. Assim, temos o Catolicismo tradicionalista, que se opõe aoConcílio do Vaticano II, e os Carismáticos. Dentro deste dualismo, cada qual assevera ter uma“autêntica interpretação da Verdade”.

Ora, o mesmo ocorre com outras religiões e, também, entre os islâmicos. Assim, hoje, um setordo islamismo – filiado a um islamismo mais radical – toma armas e promove o terrorismo e aguerrilha com a finalidade de mobilizar a atenção e revelar seu conceito político-religioso. Na peçaIn Nomine Dei, Saramago evidencia conflitos entre Católicos e protestantes que, em última análise,acreditam no mesmo Filho e no mesmo Pai.

Observando, ainda, os movimentos nacionalistas do século XIX, constatamos fatalmente que

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estavam intimamente ligados a movimentos terroristas. Cabe evidenciar, igualmente, os terroristasanarquistas do século XIX.

Ora, como todo fenômeno político, o terrorismo é definido pelo dualismo das ideias professadase sua efetiva implementação. E, também, como todo fenômeno político, o terrorismo só existe dentrode um contexto histórico-cultural: atualmente, são patentes o “norte” e os ditames enunciados,essencialmente, pela “cartilha norte-americana”.

Neste diapasão, durante décadas, os terroristas eram rotulados pelos EUA como grupos comideologias marxistas – que buscavam, em sua maioria, a libertação nacional (hoje, estesmovimentos são minoria, pois alguns deles perderam sua autenticidade. Mas, entre 1970 e 1980,constituíram, de fato, a maioria). Entretanto, nota-se que, atualmente, o eixo mudou. Há aspectos reli-giosos (intimamente ligados ao fator político) que levaram o cenário ao Oriente Médio.

Emílio Rui Vilar destaca que “ao tentar abordar este tema, temos que reconhecer as mutações quese verificam no historial e nas diversas manifestações que, ao longo do tempo, caracterizaram aacção dos diversos núcleos terroristas. Um traço comum, porém, se mantém: o uso da violênciaindiscriminada, hoje alargada à deliberada intenção de afectar o modo de viver e a estruturapolítico-industrial em múltiplas regiões do planeta, através de indivíduos ou grupos que se espalhampor um significativo número de países ou áreas geopolíticas. Não é um terrorismo de libertaçãonacional ou de afirmação do direito à diferença. O terrorismo actual é um terrorismo niilista, dedestruição pela destruição, de maior violência e mais letal. Trata-se de um ‘terrorismo novo,globalizado e franchisado’, como alguém o designou. Associado muitas vezes à invocação demotivos religiosos, verifica-se a ‘vontade de não fazer cedências, de não aceitar compromissos e apreferência pela destruição total em vez da derrota. Assim, a violência deixou de ser um meio paraatingir um objectivo, mas um objectivo em si mesma’ (Craig White)” (JAMAI et al., 2006, p. 17).

A História demonstra que movimentos terroristas se amoldam dentro de determinado contexto quelhes permite nascer e se desenvolver – vivem e morrem ao sabor dos eventos, da necessidade, daadesão, da “representatividade”. Assim, temos os EUA buscando de modo incessante mudar opensamento, mudar o estilo de vida e a cultura dos povos que nutrem no seu seio células e doutrinasterroristas.

Isso ocorre com as principais questões que geram polêmica, mas que precisam de mudança, talcomo a questão da democracia, das mulheres e das escolas/educação/valores nos moldes doOcidente – com o objetivo principal de provocar a morte desses movimentos, tirando-lhes o“combustível”... Até porque os terroristas não têm exércitos, marinha etc. Não têm uma base ou sededeterminada. Espalham-se.

Isto dificulta ainda mais esta guerra em que o Ocidente entrou, pelas seguintes razões:a) é sempre tarefa difícil entrar em território que não se conhece. A guerrilha é sempre muito difícil

de combater; basta olhar para os exemplos da Argélia, Angola, Vietnã, Moçambique. O inimigoconhece o território, conhece o palco em que se desenrola a batalha;

b) outra coisa difícil de fazer é vencer uma guerra com um inimigo que está obstinado (eis a razãopor que é importante retirar-lhe o “combustível” supramencionado).Analisemos a título de exemplo, de maneira sucinta, estes dois fatores no palco do Afeganistão.

Primeiro, historicamente, sempre foi impossível conquistá-lo (até mesmo em virtude da dificuldadede combater o inimigo num território que só ele conhece). Não é por acaso que o último a conquistá-

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lo foi Alexandre, o Grande. Um segundo aspecto é o fanatismo religioso que impera ali, fazendo comque o inimigo não perca sua obstinação.

Há uma questão que é essencial para reflexão: de fato, os terroristas logram êxito em suas ações?a) se observarmos o tempo que decorreu até a morte de Osama pelos soldados americanos, houve

uma desmoralização dos EUA tanto no plano interno como no plano externo;b) a destruição das Torres Gêmeas foi uma cicatriz maior que Pearl Harbor, nos Estados Unidos.

Desde a manhã de 11 de setembro de 2001, o mundo nunca mais foi o mesmo. Diante de nossaincredulidade, este absurdo brutal tornou-se um risco permanente em qualquer lugar do mundo;

c) este atentado de 11 de setembro lançou os EUA em guerra contra o Iraque, sem resultados práticos(pois ainda é difícil garantir o processo democrático consolidado naquele país). Ademais, mesmocom os EUA saindo do Iraque, nada impede que os radicais tomem de novo o poder;

d) o mesmo ocorre com o Afeganistão. Nada impede que sofra as mesmas consequências narradas noitem anterior. Some-se o fato de que se revelou uma guerra horrível (basta analisarmos asevidências históricas deixadas pela invasão frustrada da ex-União Soviética);

e) as guerras narradas acima corroem a economia dos Estados Unidos e geram reflexos em váriospaíses do mundo;

f) o fato de estarem atuando em dois cenários de guerra, impossibilitados de entrarem em maisconfrontos, sob pena de derrocada econômica, a ausência do poderio americano deixa maiselástica a atuação de países como a Coreia do Norte e o Irã, que cometem abusos que, se ocenário fosse diverso, não teriam sido tolerados...Assim, hoje, são os movimentos religiosos que se fazem ouvir. Não temos mais a voz dos

movimentos nacionalistas e ideológicos com tanta expressão. Hoje, impera o fator religioso,intimamente ligado à propaganda político-religiosa.

Hoje, constata-se este fenômeno por meios como as cassetes de vídeo e áudio e os DVDs. Estestêm servido à Al Qaeda (e demais grupos) com a exclusiva finalidade de disseminar a propagandapolítico-religiosa e seduzir os jovens a aderirem à causa.

Deste modo, observando a Al Qaeda e o Hamas, constatamos que estes combinam aspirações“pseudopolíticas” (como a destruição de Israel e dos EUA), com um pano de fundo religioso queserve para recrutar membros e, assim, também ecoar dentro de outros movimentos. A História revelaque, numa fase preliminar, o terrorismo pelestino foi essencialmente político e secular (com o intuitode destruir Israel) e só mudou o eixo para a religião nos anos 1980, depois da revolução do Irã.

É patente que o movimento terrorista se opõe – de modo radical –, por natureza, ao aparatoestatal. E é precisamente a natureza desta oposição que vai definir de maneira marcante o caráter(político-ideológico) de cada movimento terrorista.

Assim, por exemplo, quando o aparato estatal (e as ideologias) é essencialmente racional, afacção terrorista demonstra forte tendência ao apelo emocional. Quando o aparato estatal e seumecanismo funcionarem na base de realidade política (bem como na compreensão e balanço dopoder), os terroristas, num modo geral, farão discursos morais (sendo que os códigos variarãoconforme a ideologia em jogo).

Depois do atentado de 11 de setembro de 2001, alguns países foram rotulados como países nãoconfiáveis pela política externa americana. Estes países possuem, essencialmente, ligações com o

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terrorismo internacional e o extremismo religioso. Foram imediatamente identificados como nãoconfiáveis a Coreia do Norte, o Iraque, a Síria, a Líbia e o Irã. Há uma relação íntima entre asorganizações terroristas e estes Estados que tendem a acolhê-las.

A ex-primeira-ministra da Inglaterra Margaret Thatcher adota uma posição quanto ao tema queresume, em apertada síntese, os pontos essenciais desenvolvidos neste capítulo: “Os regimes quegovernam estes países são, sob várias formas e em graus distintos, repugnantes e perigosos. Nenhumé democrático. Nenhum observa o que entendemos como império da lei. Todos perseguemdissidentes e grupos de oposição. Todos estão dominados por uma ideologia que os tornafundamentalmente hostis ao Ocidente e seus aliados. Todos estão em variados estágios de programade aquisição de armas de destruição em massa. Esses pontos em comum são realmente importantes”(Thatcher, 2005, p. 241).

É comum no Ocidente a tendência de rotular determinada ação como “terrorista” quando é ilegal.Neste aspecto, três pontos merecem análise detalhada:

1) primeiramente, destaca-se que esta confusão é perigosa, pois exige fundamentalmente umainterpretação moral do ato político. Assim, um ato é “terrorista” quando imbuído de fanatismo ouaté mesmo quando os objetivos de seus agentes não têm coerência ou são ilegítimos. Ora, nesteaspecto, mais uma vez, o contexto histórico, filosófico, cultural e político nos levará a um labirintoperigoso quanto ao que efetivamente constituem “movimentos terroristas”;

2) outra confusão que deve ser afastada é a de que terroristas visam exclusivamente civis. Ora, oalvo civil só existe uma vez que sua opinião tem o condão de influenciar os governantes. Atualmente,os civis são alvos porque existe a média. Constata-se, agora, num plano global, a capacidade –potencial – de buscar, com o ato, mudar a opinião pública contra o inimigo/governo/aparelho estatal.

Ainda quanto a essa questão (de os civis serem atingidos), cabe evidenciar – a título deelucidação – que dois pesquisadores holandeses da universidade de Leiden, Alex Schmid e AlbertJongman, analisaram 109 trabalhos acadêmicos que definiam o terrorismo em busca de umdenominador comum. Eles concluíram que o elemento “violência” estava incluído em 83.5 por centodas definições; o “objetivo político”, em 65 por cento; 51 por cento destacaram a “vontade depromover medo e terror”. Somente 21 por cento destacaram a “arbitrariedade e focoindiscriminado”, e 17.5 incluíram a “vitimização de civis”;

3) o terrorismo existe tanto em países democráticos como em ditatoriais.

1. Terrorismo e direitos humanos (aspectos atuais)Se observarmos a questão, constataremos que o tema é polêmico em todos os aspectos (tanto do

ponto de vista dos atos de terrorismo como em relação aos atos contra o terrorismo). Assim, devidoaos ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos, de George W. Bush, vinham encrudescendo com amilitância terrorista. Como consequência, elaboraram o patriot act.

Trata-se de medidas coercitivas (segundo alguns, de leis marciais) contra as liberdades civis,prevendo invasão de lares, espionagem de cidadãos suspeitos de terrorismo, torturas (tudo semdireito a defesa ou julgamento de acordo com a lei).

Tendo em vista a enorme pressão internacional, bem como a total incoerência dos Estados Unidos(de lutarem para implementar a democracia e o império da lei em países islâmicos, e, de outro lado,adotarem medidas medievais...), o Presidente Barack Obama evidenciou que seu discurso de

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campanha efetivamente entrou em sintonia com a prática.Ora, em seu discurso inaugural, destacou que os EUA revelam-se num verdadeiro patchwork

(“colcha de retalhos”) – colcha de retalhos composta de judeus, cristãos, muçulmanos e ateus,devendo continuar a prevalecer a tolerância.

Deixou igualmente claro neste discurso que:1) os americanos deveriam sair do Iraque;2) os americanos e a comunidade internacional têm a obrigação de forjar a paz no Afeganistão;3) deveria haver o respeito recíproco com o mundo Islâmico;4) medidas deveriam ser tomadas quanto à base militar de Guantánamo (foco de torturas e

desrespeito aos direitos humanos).De fato, observou-se que, apesar dos desafios, o Presidente conseguiu aliar sua retórica com a

prática, principalmente no que tange a Guantánamo, que logrou êxito em:a) banir a tortura e outras técnicas rudes de interrogatório e a detenção por tempo indeterminado e

sem julgamento dos suspeitos de terrorismo;b) fechar esta base, mesmo mantendo as comissões militares ali designadas.

2. ConclusãoAssim, algumas conclusões são essenciais para que possamos refletir melhor sobre a questão

proposta:Ninguém pode condenar o terrorismo sem igualmente condenar todo tipo de violência. Deve-se

sempre considerar o porquê e quem efetivamente realiza ou pratica as ações violentas.Tal como a guerra, o terrorismo afeta a vontade e a mente dos envolvidos.O desejo do terrorismo é de dominar (ou até ditar) a pauta noticiosa; isto traduz o desejo de

dominar a população-alvo, de espalhar o medo e a insegurança, de minar os valores, até entãoconsolidados, dentro do sistema político-alvo, buscando, com isto, obter uma reforma brusca eimediata.

Os terroristas, aderindo ao grupo, passam a ter um sentimento de “pertença” a estes grupos, quelhes dão orgulho/dignidade. Julgam haver algo de martírio (de mártir) ou de “nobre” em seus atos(ora, se observarmos com cautela, o mártir prefere enfrentar a morte nas mãos de seu opressor doque abdicar de sua crença. Parece então que matar, levando consigo outros inocentes, não caracterizabem a ação em comento).

Num primeiro momento, olhando de modo mais descuidado, as democracias aparentam ser maisvulneráveis. Mas é precisamente no seio delas que se revela, na prática, a destruição do próprioterrorismo, ou seja: a tolerância. Constata-se que só se destrói o terrorismo com paciência,tolerância e pluralismo.

Se analisarmos o desempenho dos terroristas, constataremos que uma coisa é certa: possuempraticamente 100 por cento de fracasso. O terror acaba, curiosamente, fortalecendo exatamenteaquilo que pretende derrubar.

Assim, se observarmos o IRA, na Irlanda, veremos que os ingleses e os protestantes ainda estãolá; o ETA vem há décadas destruindo a Espanha sem resultados práticos. De modo contrário, asrevoluções não violentas possuem a tendência de angariar mais adeptos, com resultados mais

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práticos: exemplo de Gandhi ou de Nelson Mandela.Convém, neste passo, destacar as conclusões precisas do ex-Presidente de Portugal Jorge

Sampaio, que, sobre este tema, asseverou que: “Para os países ocidentais – e foram eles que, atéagora, suportaram os ataques mais violentos – não parece que o terrorismo seja capaz de pôr emcausa a solidez das suas democracias ou do seu sistema econômico. Mesmo que a luta contra oterrorismo tenha implicado, ou venha a implicar, algum atropelo – nunca justificável – aos direitoshumanos e às liberdades e garantias dos cidadãos, parece exagero dizer que esta campanha deviolência cega e indiscriminada põe em perigo as nossas democracias. Pelo contrário, os nossossistemas políticos têm demonstrado uma notável capacidade de mobilização para resistir e combatero terrorismo” (Jamai, 2006, p. 27).

PONTOS PARA REFLEXÃO1) O francês Raymond Aron, em sua obra République imperiale: Les États-Unis dans le monde,apresenta a seguinte frase:“uma ação violenta é terrorismo quando seu efeito psicológico é desproporcional aos efeitosfísicos”.2) Benjamin Franklin dizia que “Aqueles que podem dispensar liberdades essenciais paraadquirir uma segurança temporária não merecem nem a liberdade, nem a segurança”...3) Convém refletir que, nos países mais liberais do mundo, nomeadamente os Estados Unidos ea Grã-Bretanha, obter prova válida mediante tortura está sendo admitido para fins de Direito.Assim, na Suprema Corte dos EUA – um deputado que pretendeu tirar a norma imposta porBush foi derrotado sumariamente. Nas Cortes inglesas ainda se discute a questão...4) “Entre o homem, com a sua razão, e os animais, com o seu instinto, quem, afinal, estará maisbem dotado para o governo da vida? Se os cães tivessem inventado um deus, brigariam pordiferenças de opinião quanto ao nome a dar-lhe, Perdigueiro fosse, ou Lobo-d’Alsácia? E, nocaso de estarem de acordo quanto ao apelativo, andariam, gerações após gerações, a morder-se mutuamente por causa da forma das orelhas ou do tefado da causa do seu canino deus?”(José Saramago, In nomine Dei).

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Referências

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