panorama do cinema baiano

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panorama do cinema baiano POR ANDRÉ SETARO

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Panorama do Cinema Baiano, apontando trajetórias de cineastas e filmes que o marcaram.

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  • panorama do cinema baianoPOR ANDR SETARO

  • Apoio Institucional: Realizao:

  • panorama do cinema baianoPOR ANDR SETARO

  • Barravento,1962

    Acervo Cinemateca Brasileira

  • sumrio

    Textos institucionais 9

    Introduo 13

    Os primrdios 21Dionsio Costa 21Diomedes Gramacho 23Boccanera 24Alexandre Robatto Filho 25A Presena de Walter da Silveira 29

    Os jovens entusiastas 37Efervescncia cultural 37Redeno, de Roberto Pires - Primeiro longa-metragem 41Roberto Pires, cineasta e inventor 42

    Ciclo baiano de cinema 45

    Barravento, candombl e misticismo 49 Quando entra Glauber Rocha na histria

    O esquema de rodzio Forma-se uma escola 53

    Bahia: meca do cinema 54 Aproveitando o dcor natural

    Ciclo baiano e escola baiana de cinema 57 As diferenas

  • As empresas 65

    De repente tudo parou 67

    A grande feira 67

    Tocaia no asfalto 75

    Sol sobre a lama 77

    O surto underground 81

    A redeno de meteorango em o superoutro 87

    As jornadas baianas 89

    O boom superoitista 93

    Cinema baiano contemporneo 99

    Crticas 107Trs histrias da Bahia 107Esses moos, de Jos Araripe 111 Eu me lembro, de Edgard Navarro 113Cascalho, de Tuna Espinheira 117Pau Brasil, de Fernando Blens 120

    Notas 124

    Referncias bibliogrficas 125

    Ficha tcnica 126

    Bahia de Todos os Santos,

    1960Acervo Cinemateca Brasileira

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    Panorama do cinema baiano

    Antonio Albino Canelas Rubim *

    O cinema baiano vive hoje um momento muito especial. Em 2011, tivemos semanas com vrios longas-metragens baianos em cartaz em salas de exibies em nosso estado. A produo de longas-metragens, coisa rara na histria de nosso cinema, vem se consolidando, inclusive com o aparecimen-to de novos criadores e com sua expanso para gneros com pouca tradio no cinema de longa-metragem baiano, a exemplo do documentrio e da animao. Alguns destes filmes conseguiram mobilizar pblicos razoveis e permanecer em cartaz por diversas semanas. Alm dos longas-metragens, a produo audiovisual baiana tem se desenvolvido e consolidado, com novos filmes e vigorosos criadores.

    Mas no s da produo vive hoje o cinema da Bahia. Novos cursos de formao cinematogrfica nascem nas universidades baianas, a exemplo dos cursos de graduao da UFBA, UFRB e UESB. Outras universidades imaginam criar cursos na rea audio-visual, com a UNEB. Proliferam tambm jornadas, seminrios, mostras e festivais, nos quais nossos produtos audiovisuais so divulgados e discutidos. Estes e outros eventos permitem a comunidade

    cultural da Bahia interagir com a produo audiovi-sual contempornea, nacional e internacional.

    Por certo, este panorama no s positivo. Nele persistem velhos problemas do audiovisual brasileiro e baiano, a comear pelo enorme predomnio do cinema e do audiovisual norte-americanos que bloqueiam o acesso de nossa populao no s ao filme baiano e brasileiro, mas a quase toda cinematografia internacional. A exceo a este quadro problemtico so as salas alternativas e cineclubes que possibilitam algum acesso diver-sidade da produo audiovisual mundial, nacional, regional e local. Deste modo, problema de recur-sos, distribuio e exibio continuam a atingir fortemente nosso audiovisual. Polticas pblicas para o audiovisual, porque construdas colaborati-vamente pelo estado e pela sociedade, aparecem como vitais para este enfrentamento necessrio para o desenvolvimento da audiovisual na Bahia.

    Mas, com todas estas e outras limitaes, o pa-norama do cinema baiano est em outro patamar histrico. Nada melhor para constatar este pata-mar diferenciado que fazer uma visitao histrica

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    qualificada de nossa trajetria flmica. exata-mente isto que o texto do professor Andr Setaro da UFBA possibilita. Andr Setaro tem um itinerrio crtico totalmente associado ao cinema da Bahia. Amante inveterado do cinema e do audiovisual, Andr tem uma longa e qualificada trajetria como crtico, professor e estudioso do cinema mundial e nacional e, em especial, de nossa produo audio-visual.

    Nesta perspectiva, a Secretaria de Cultura do Esta-do da Bahia se sente honrada em poder disponibi-lizar esta nova verso do Panorama do Cinema Baiano de Andr Setaro. No temos dvida de que ele essencial para uma compreenso da dinmica cclica de nosso cinema e para um entendimento mais consistente e rigoroso do audiovisual baiano: de suas conquistas, dilemas, entraves, sucessos. Enfim de sua vida, que parte imprescindvel da nossa cultura e da vida de todos os baianos.

    * Secretrio de Cultura do Estado da Bahia

    Deus e o Diabo na Terra do Sol, 1964

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  • A respeitvel memria do cinema da Bahia

    Entidade da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) responsvel pelas polticas pbli-cas de fomento s artes, a Fundao Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) promove e incentiva no somente aes ligadas criao e produo arts-tica, mas tambm aquelas relacionadas memria, que se constitui elo essencial da cadeia produtiva e matria de suporte aos demais elos, em especial a formao, a pesquisa e a difuso do patrimnio histrico e contemporneo do cenrio cultural baiano.

    No setor Audiovisual, de vital importncia a preservao dos acervos flmicos e audiovisuais, tendo em vista que a Bahia j completou mais de um sculo de cinema e continua demonstrando vitalidade na produo de novos contedos. Nosso papel , junto com a sociedade, dar continuidade e fortalecer as polticas pblicas voltadas para a preservao da memria, viabilizando o acesso do pblico s nossas imagens em movimento.

    Dentre as aes de memria realizadas nos lti-mos anos, podemos citar, por exemplo, o lana-

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    mento de coletneas especiais, acompanhadas de um necessrio trabalho de pesquisa e difuso: o Memria em 5 Minutos (box com quatro DVDs com 84 curtas premiados em 13 edies de 1994 a 2009 do Festival Nacional 5 Minutos) e o Bahia: 100 Anos de Cinema, lanado em 2010 em parceria com a Cinemateca Brasileira e Ministrio da Cul-tura, e que rene, em 12 DVDs, 30 filmes represen-tativos da nossa cinematografia, entre clssicos e raridades. Tambm foram proporcionados a restau-rao de Leo de 7 Cabeas, de Glauber Rocha; o apoio ao restauro do primeiro longa-metragem baiano, Redeno, e do filme A Grande Feira, ambos de Roberto Pires.

    neste aspecto que a publicao do Panorama do Cinema Baiano vem cumprir um papel de registro importante. Assinadas por Andr Setaro, estas p-ginas apresentam paisagens, realizaes e perso-nagens significativas do audiovisual do estado. So complementadas, ainda, por crticas sobre filmes baianos, outro campo prioritrio de nossa atuao, fomentado por meio do Programa de Incentivo Crtica de Artes, lanado em 2011, no intuito de contribuir para a renovao da produo de crtica de artes na Bahia.

    Este livro, portanto, atende aos desafios que o setor do Audiovisual da Bahia apresenta. Espera-mos que ele seja mais uma ferramenta de conheci-mento, informao qualificada, posicionamento

    analtico e reconhecimento da respeitvel memria do Cinema da Bahia.

    Nehle FrankeDiretora da Fundao Cultural do Estado da Bahia

  • Cinema baiano em panorama histrico

    impressionante a demanda do pblico sobretudo estudantes, pesquisadores e cineclubis-tas por informaes sobre o cinema feito na Bahia. O desejo pela histria: quando, como, quem comeou a filmar e a exibir filmes na Bahia? O que os pioneiros filmavam? O que o pblico via? Desde 2007, para atender essa demanda, comeamos a disponibilizar ao pblico o Panorama do Cinema Baiano, do professor e crtico Andr Setaro, um texto objetivo, que trata do incio da produo cinematogrfica no estado, iniciada em 1910, at 1976, ano de realizao da pesquisa. A cada solici-tao, tirvamos cpias do texto original, um con-junto de pginas datilografadas e mimeografadas, j amareladas pelo tempo.

    Corri atras da publicao. Teria havido uma publi-cao desse texto? Conversei sobre esse assunto com o cineasta Jos Umberto, diretor da DIMAS em 1976. Ele me contou que o texto no chegou a ser publicado na poca, por falta de interesse dos gestores de ento, mas foi distribudo assim mesmo, em pginas datilografadas e grampeadas,

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    para o pblico que esteve presente mostra do cinema baiano, realizada naquele mesmo ano.

    Em fevereiro de 2009, um ano antes de comple-tarmos um sculo de cinema - o que ocorreu em abril de 2010 convidamos Andr Setaro a fazer uma reviso e atualizao do Panorama de 1976, complementando o texto original com informaes sobre o perodo que vai de 1976 at 2010. Ainda o desejo de se apropriar da histria, narrada numa linha do tempo. O desafio foi lanado e o profes-sor Setaro topou; foi feita a reviso e ampliao do Panorama original e a incluso de textos crticos a respeito de filmes baianos lanados depois de 1976 at os tempos mais recentes.

    Panorama do Cinema Baiano leitura essencial, sobretudo para quem hoje atua no campo do cinema e do audiovisual brasileiros. O texto de Andr Setaro , em parte, resultado de pesquisa a partir de dados histricos; em outra parte, fruto do que ele testemunhou e vivenciou. Andr memria viva de parte de nossa histria. Frequen-tou o Clube de Cinema da Bahia, de Walter da Silveira, se enveredou na produo de curtas e, com o passar dos anos, se firmou como um dos principais crticos da Bahia. E como crtico atuante, vem acompanhando com sincero e especial interesse o que vem sendo feito por aqui. isso que torna esse texto ainda mais interessante, necessrio para quem quer conhecer parte dessa

    histria, histria de luta, de partilha, de amizades e rompimentos, de resistncia e persistncia, mas sobretudo histria movida a paixo; paixo e desejo de expresso em forma de imagens em movimento.

    Boa leitura.

    Sofia FedericoDiretora de AudiovisualFundao Cultural do Estado da BahiaSecretaria de Cultura do Estado da Bahia

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    introduo

    Em maio de 1976 (l se vo 34 anos!), quando de uma mostra do cinema baiano no auditrio da Biblioteca Central (que ainda no se chamava Sala Walter da Silveira), a pedido de Jos Umberto Dias, ento co-ordenador (como se dizia) da Imagem e Som, escrevi um tmido Panorama do Cinema Baiano, que obteve razovel repercusso. Mas o tempo passa e muita gua j rolou no rio das trs ltimas dcadas. O panorama que escrevi termina-va no Ciclo Baiano de Cinema, embora j existissem os chamados filmes underground de Andr Luiz Oliveira, lvaro Guimares, entre outros. A publicao se deu quando explodia nas jornadas baianas de Guido Arajo o surto superoitista, que, se a princpio no foi dimensionado em sua devida importncia, com o passar dos anos, reuniu uma nova gerao de cineastas que viriam dar continuidade e nimo ao ento enfraquecido cinema baiano, a exemplo dos pequenos (e grandes!) filmes na bitola de Super 8 realizados por Edgard Navarro, Jos Araripe Jr., Marcos Sergipe, Pola Ribeiro, Ccero Bathomarco, entre muitos outros. E at mesmo profissionais de outras bitolas, como Jos Umberto e Vito Diniz, que quiseram se fazer valer como artistas na expresso superoitista.

    O Panorama do Cinema Baiano, que est aqui revisto e ampliado, vem a refletir a mudana dos tempos e a necessidade de se acrescentar o que aconteceu depois de maio de 1976, j que, tempo passado, a perspectiva histrica tende a ficar mais ntida, mais bem focada. Assim, nesta nova edio, inclu o boom superoitista, a longeva Jornada Internacional de Cine-ma da Bahia, os novos talentos que vieram a surgir, principalmente a partir deste milnio com os editais governamentais, que propiciaram a feitura de mais de uma dezena de longas-metragens, um fato extra-ordinrio para o cinema baiano, que amargou quase vinte anos sem a confeco sequer de um longa. Mas tambm houve, nestes anos 2000, uma profuso de curtas, muitos deles premiados em festivais nacio-nais. A memria cinematogrfica, se no fosse a pacincia de uns poucos, estaria desaparecida. Neste particular, no se pode esquecer o trabalho de Jos Umberto Dias, que h dcadas vem procurando preserv-la em seu trabalho na Dimas, alm de ter organizado dois livros fundamentais: a obra completa do ensasta Walter da Silveira (o nico digno desse nome na Bahia, estilista admirvel e ensasta brilhante de

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    cultura vastssima), editada pelo Governo do Estado em quatro volumes no apagar das luzes de 2006, e, mais longe, em 1979, A Histria do cinema vista da provncia, obra pstuma de Walter da Silveira, mas com um complemento ensastico importante escrito por Umberto. No se pode omitir, em se falando de memria, as pesquisas exaustivas de Geraldo Leal, que publicou (em parceria com Luis Leal Filho), com dinheiro de suas economias, do prprio bolso, por-tanto, o valioso Um cinema chamado saudade (1997), uma relao completa das salas exibidoras que se instalaram na cidade de Salvador desde o incio do s-culo XX, e com ditos, diga-se de passagem, como era de seu feitio e de seu estilo, pitorescos. Tambm os esforos de Petrus Pires, filho do grande Roberto, que tomou a si a tarefa de preservar a memria de seu pai. Como resultado de sua tenacidade, esto restau-radas as cpias de Redeno, primeiro longa baiano, Tocaia no asfalto, e recursos j foram conseguidos para a restaurao de A grande feira.

    O advento do digital provocou uma revoluo no au-diovisual. A expresso pelas imagens em movimento, democratizada, virou uma realidade para qualquer pessoa. Centenas de filmes esto sendo realizados na Bahia atravs de pelculas e, principalmente, de c-meras digitais. A quantidade de curtas imensa. Para se ter uma ideia, basta verificar o nmero de inscritos baianos no Festival 5 minutos, que realizado todos os anos. Impossvel, portanto, dar conta de tudo que feito, salvo sob severa e extenuante pesquisa. Assim, deu-se preferncia, aqui, neste Panorama do Cinema Baiano, aos filmes de longa-metragem, com

    citaes passageiras de alguns curtas representati-vos. O objetivo do registro, de deixar impresso no somente o itinerrio histrico, mas, tambm, impres-ses pessoais. H, portanto, nos ltimos captulos deste panorama, crticas de alguns filmes baianos que foram realizados depois do ano 2000, a comear pelo elemento deflagrador que foi Trs Histrias da Bahia. Que fiquem perdoadas, se houver, algumas omisses. Dedico este panorama a Cludio Leal, jornalista baiano que muito me incentivou neste projeto e sem o qual no o teria levado adiante.

    Andr Setaro

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    os primrdios

    DIONSIO COSTA

    Em 4 de dezembro de 1897, no Teatro Politheama, um certo Dionsio Costa traz a Salvador o mais antigo cinema exibido nesta capital. Era, ao mesmo tempo, falante, porque lhe estava adicionado um grapho-phono. Esta informao pitoresca contida no livro Os cinemas da Bahia: 1897-1918 (1), de Slio Boccanera Jnior, o primeiro escrito no Brasil sobre assunto de cinema, revela que os baianos j tomam conhecimen-to das imagens em movimento desde o sculo retra-sado (XIX), logo depois da descoberta do cinemat-grafo e da primeira projeo pblica de um filme, que acontece em Paris, no Grand Caf do Boulevard des Capucines, 14, em 28 de dezembro de 1895.

    A provncia da Bahia recebe com entusiasmo as exi-bies, que viriam a ser uma espcie de coqueluche. Todos se dirigem sala exibidora a fim de conhecer a ltima maravilha do sculo XIX, conforme nota de um jornal, o Correio de Notcias, que ainda diz: muitas excelentssimas famlias e muitos cavalhei-ros, manifestando uma satisfao geral pelo tempo empregado em apreciar tal divertimento, lotaram o

    teatro. Mas o Teatro Politheama apenas cede seu espao para a instalao do projetor, que, aps algum tempo, esgotado o interesse inicial pelo fenmeno, de ver gente de carne e osso em movimento, dali retirado, voltando o espao a funcionar como prosc-nio para textos dramticos e companhias lricas.

    preciso esperar pelo Sr. Nicolas Parente, que instala outro aparelho de projeo cinematogrfica numa casa assobradada da Rua Carlos Gomes, 26. Segundo os jornais da poca, o Sr. Nicola Parente, um dos pioneiros da exibio baiana, ainda ontem, como em noites anteriores, fechou cedo a sua bilheteria, pois desde a vspera a superabundncia da vendagem obrigara muitos espectadores a voltarem, aguardan-do, para ontem, apreciarem o interessante aparelho. A extraordinria concorrncia, enchendo de uma massa de assistentes, compacta e augusta, a sala de exibies, est a convidar o Sr. Nicola a se transferir para um teatro ou uma sala de maiores propores.Apesar do pioneirismo de Nicolas Parente, as proje-es se fazem espordicas, no havendo uma sala propriamente dita destinada projeo de filmes, o que somente viria acontecer alguns anos depois. Mas o velho sobrado da Rua Carlos Gomes, lotado, pro-

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    porciona ao pblico baiano a viso de filmes curtos como Carnaval em Veneza, Briga de mulheres sem coragem, Uma reunio de amigos e Em divertimento jogando uma partida de cartas, alm de outros sibi-lantes ttulos. Alguns espectadores, inclusive, chegam a se assustar quando um trem chega estao, pen-sando, talvez, que o veculo fosse transpor a tela e os massacrar na plateia.

    Assim, entre 1897, data da chegada do cinema em Salvador, at 1909, no h instalao permanente para a exibio de filmes, o que significa dizer: no existem casas de espetculos construdas como cine-mas. H projees ambulantes, ocasionais, como a de Nicolas Parente e outros, que alugam antigos sobra-dos e barrocos casares para tal fim. Em 1909, no entanto, inaugurado o cinema Bahia, localizado na Rua Chile e, com isso, o registro de uma sala especial-mente dedicada projeo de filmes. Data significati-va, 1909 um ano no qual os comerciantes comeam a se entusiasmar com a perspectiva de desenvolvi-mento de um circuito exibidor. No mais cinemas ambulantes de feiras e casarios, mas salas instaladas e projetadas para a veiculao de fitas diversas.

    A Lenda do Pai Incio, 1987

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    DIOMEDES GRAMACHO

    Se 1909 um ano importante no terreno da exibio, tambm o no da produo de filmes, com a iniciati-va de Diomedes Gramacho e Jos Dias da Costa, que comeam a filmar em Salvador, aproveitando material de origem francesa. Gramacho aprende tcnica de fotografia e a de filmagem com um alemo que aten-de pelo nome de Lindemann, que trouxe da Europa alguns equipamentos. Alguns anos depois, Gramacho, juntamente com Dias da Costa, se torna proprietrio da empresa de seu antigo mestre, a Photographia Lindemann. Ainda em 1909, com os rudimentos do aprendizado, pe-se Gramacho a filmar vistas e paisagens e, no ano seguinte, registra com xito um torneio de regatas tradicional que, exibido o filme com o nome de Regatas da Bahia, alcana grande sucesso. H quem diga que o primeiro registro em pelculas deste precursor tenha sido Segunda-feira do Bonfim, mas no resta dvida de que Regatas , de qualquer forma, uma obra mais acabada do ponto de vista cinematogrfico. Em seu laboratrio, Gramacho cumpre todas as etapas da realizao flmica, do negativo ao positivo, e, durante quatro anos, exerce um trabalho intenso e continuado, sendo, tambm, um pioneiro das atualidades, quando registra os diversos eventos que ocorrem na cidade, desde as festas folclricas, torneios e exposies aos fatos polticos, antecedendo, com isso, Alexandre Robatto, Filho.

    Tomando conhecimento das atividades de Gramacho,

    um rico senhor da terra, o Coronel Rubem Pinheiro Guimares, que o arrendatrio do Teatro So Joo, encomenda-lhe atualidades espcie de cine-jornais com a durao, cada uma, de meia hora, para o registro dos fatos importantes que acontecem em Salvador. O Coronel tem o hbito de reunir os ami-gos, em sua casa na Rua Chile, para passar os filmes de Gramacho. Neste particular, poder-se-ia dizer que Rubem Pinheiro Guimares o primeiro produtor cinematogrfico da Bahia.

    Walter da Silveira, pesquisando os primrdios do cinema baiano, chega a conhecer Diomedes Gramacho. Sobre Gramacho, escreve em A histria do cinema vista da provncia (2): ... j octogenrio, porm, lcido, no obstante surdo, tivemos a melhor verdade sobre a sua experincia de primitivos. Por-que s o seu depoimento seria ainda possvel: a Photo Lindemann perdera os arquivos em conseqncia de uma penhora e os filmes ele jogara ao mar em 1920, desesperado com um incndio no atelier Praa da Piedade.

    O desespero de Diomedes Gramacho com seu ato tresloucado de jogar fora todos os seus registros cine-matogrficos impede, como bem se refere Walter da Silveira, o conhecimento das fitas pioneiras do cine-ma baiano. Consegue o ensasta tirar muito pouco do depoente, que, j velho, desmemoriado, no tem, na ocasio, oportunidade de revelar o seu passado, mas, de qualquer maneira, o que aqui est registrado se deve s vagas lembranas de Diomedes Gramacho a Walter da Silveira.

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    BOCCANERA

    Livro editado em 1919, e impresso pela Tipografia Baiana de Cincinato Melquades, Os cinemas da Bahia: 1897-1918, de Slio Boccanera Jnior (1863-1928), uma crnica que aborda aspectos particulares da histria da exibio cinematogrfica. Nenhum outro escritor brasileiro, antes dele, preocupa-se em fixar essa poca primitiva e to fascinante, atribuindo ao cinema uma relevncia que, ento, se tem como injustificvel. Deste modo, talvez, daqui que se iniciam os estudos sobre cinema no Brasil. Dificilmente h outra obra publicada no mesmo perodo com a preocupao do registro de particularidades relativas ao cinema, revelando-se Slio Boccanera Jnior como um pioneiro neste campo, o do registro escrito.

    A Bahia, portanto, ainda distante do eixo Rio-So Paulo, com as comunicaes difceis da poca, provncia isolada, tem surpreendentemente um fato pioneiro na rea do cinema, como se est por ver. No campo das publicaes, vale registrar que a partir de 12 de outubro de 1920, o pioneirismo baiano inaugura outra experincia: uma revista semanal dedicada ao cinema, a Artes e Artistas, editada por Fonseca & Filhos, que, estimulados pela boa receptividade, leva dois anos at a sua liquidao, quando, em 9 de abril de 1922, por dificuldades financeiras, tem seu derradeiro nmero, o 72. No se pode, porm, deixar de ressaltar que o surgimento de uma revista de cinema na Bahia ainda no despontar da dcada de 20 um acontecimento singular no

    panorama brasileiro, com bem observou Walter da Silveira: Quem leia hoje Artes e Artistas, sobretudo sabendo que somente na mesma fase se organizavam e definiam, na Europa, a crtica cinematogrfica e as revistas sobre filmes, no pode deixar de reconhecer que, malgrado muitas ingenuidades, se encontra nas suas pginas uma enorme fonte de revelaes sobre o que representava, na ocasio, o cinema como fenmeno esttico e econmico. Ambas as manifestaes culturais, a de Boccanera e a dos Fonseca, entretanto, no tm seguidores e Salvador, at hoje, no segundo milnio, no possui uma revista especializada no assunto.

    As pesquisas sobre os primrdios do cinema baiano ficam, portanto, condicionadas e restritas investigao em jornais e publicaes da poca, sendo difcil o conhecimento da maioria do material filmado, pois boa parte deste destrudo. O trabalho se torna um trabalho de arquelogo, mas, ainda assim, sempre possvel se encontrar alguma coisa referente s dcadas de 10 e 20. Na conversa de Walter da Silveira com Diomedes Gramacho, j no ocaso de sua existncia, este revela ao crtico conhecer um realizador que filma na Bahia e que se chama Luxardo. As investigaes, no entanto, ainda esto por ser acionadas. O que se d aqui nestas notas iniciais, chamadas de primrdios do cinema baiano, se configura como a pr-histria desta cinematografia. A histria propriamente dita tem incio com Alexandre Robatto, Filho, que comea a filmar a partir da dcada de 1930 e cujo material foi recuperado pela Fundao Cultural do Estado da Bahia. Vadiao, 1962

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    ALEXANDRE ROBATTO, FILHO

    Na dcada de 1930, encontrando uma terra arrasada em termos de produo cinematogrfica, emerge a figura de Alexandre Robatto, Filho (3), que comea a filmar uma srie de fitas curtas que focalizam aspec-tos importantes da paisagem e dos costumes da cida-de de Salvador. Robatto surge sozinho neste cenrio onde inexistem condies de se desenvolver qualquer trabalho cinematogrfico, dada a ausncia de labora-trios capazes de revelar o negativo e, mesmo lojas que o vendam. A persistncia, a tenacidade, a vonta-de desse realizador, no entanto, conseguem vencer todos os obstculos e, munido de uma cmera, inicia a sua obra, que sinaliza a pacincia de um apaixonado pelas imagens em movimento, pois estas, aqui toma-das, tinham que ser mandadas ao Rio para revelao e, depois, enviadas de volta num processo longo de espera. A pacincia de Robatto, de J, determinou-lhe o itinerrio, a trajetria que se cristaliza por perto de 40 anos de labuta no ofcio de cineasta documenta-rista.

    Cirurgio dentista, Alexandre Robatto, Filho, o que se poderia chamar de cineasta de fim de semana, pois a sua sobrevivncia vem de sua profisso. Come-a a filmar na bitola de 8mm com um filme sobre a aplicao da vacina contra a tuberculose. O sucesso desta pequena fita, entretanto, surpreende Robatto, porque vrios cientistas que aqui esto para um con-gresso de medicina, vendo-a, solicitam a seu autor vrias cpias dela. O interesse aqui, claro est, ape-

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    nas cientfico, longe, portanto, de qualquer pretenso esttica. Filma tambm, nesta poca, os equipamen-tos de fornecimento de gua para a cidade.No Instituto de Pecuria da Bahia, onde tem um emprego, cria, j na bitola de 16mm, uma linha de documentrios sobre zootcnica, com um mtodo particular de registro. Primeiro filma todos os grandes reprodutores e espera que se d a reproduo, regis-trando a evoluo dos descendentes com o objetivo de apurar, por meio das imagens, a qualidade de genares do reprodutor. O realizador ainda voltaria captao do sistema de guas, quando implantado em Salvador um modernssimo, que tem as instala-es postas a seco. Desta vez consegue uma cmara de 35mm e o filme causa surpresa, principalmente porque, atravs dele, pode-se contemplar os defeitos porventura existentes do trabalho de engenharia. Como de fato vem a ocorrer.

    O cinema sempre convive com Alexandre Robatto, Fi-lho, pois desde tenra idade, por causa de um cinema de propriedade de seu pai, em Alagoinhas, est acos-tumado ao ritmo frentico das imagens em movimen-to. Numa conversa com o realizador (4), em 1976, Robatto disse: O grosso de meu trabalho, a rigor, foi todo concentrado na bitola de 35mm e muito devo, neste sentido, Cooperativa de Pecuria da Bahia. O filme tcnico sempre me fascinou. Por exemplo: fiz um documentrio sobre a plantao de fumo, desde a semente at o charuto, o produto final. Levava, mais ou menos, dois anos at a concluso do filme. Entre os muitos que fiz, destaco o da eletrificao da Rede Ferroviria da Leste Brasileira. Tambm aqui h

    o registro de todo o processo: da primeira estao at o trem inaugural. Lauro de Freitas me acompanhava e me deu muito apoio. O mtodo robattiano de regis-tro, portanto, se caracteriza pela rodagem de todas as fases da construo. Como ele prprio diz: Ia rodan-do aos pedacinhos.

    Com muita dificuldade, Robatto consegue mandar vir do Rio uma duplicadora e, com ela, realiza a co-piagem de um filme de 35mm para duas cpias em 16mm com quatro pistas sonoras, o que d impulso melhoria da reproduo sonora. Robatto conta que no seu primeiro trabalho em 35mm, para fazer a converso para 16mm, copia at o som por meio eletrnico. Tendo por base um contratipo, no con-segue copiar opticamente a pista. Segundo seu relato na conversa, um trabalho feito na base do vale tudo, em situaes precrias. As condies so completa-mente opostas s de hoje, quando j se tem na Bahia equipamentos de ltima gerao capazes de permitir a montagem de um filme.

    A fase mais produtiva de Robatto est na dcada de 1940, quando realiza vrios documentrios de consi-dervel valor histrico, registrando fatos importantes e eventos marcantes, como o grande desfile come-morativo dos 400 anos de Salvador, a chegada do corpo de Rui Barbosa em 1949 para ser enterrado no frum de mesmo nome situado no Campo da Pl-vora, os bailes carnavalescos do aristocrtico Clube Bahiano de Tnis etc.

    Quatro sculos em desfile , hoje, a ttulo de exem-

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    plo, um documento de grande valor histrico, pois registra a grande parada idealizada por Chianca de Garcia. Neste acontecimento, a sociedade baiana par-ticipa fazendo figuraes de personagens. Por causa disso, conta Robatto, todos lhe pedem uma cpia do filme e, assim, consegue vender mais de uma cente-na. Aconteceu na Bahia nmero 1 outro documen-trio marcante, que focaliza a procisso de Nosso Senhor dos Navegantes. Robatto recebe tambm encomendas, que realiza em 16mm e entrega, depois de montadas, aos donos e, com isso, perde muitos filmes, pois no fica com nenhuma dessas cpias en-comendadas. O registro de Robatto imenso: a visita de Getlio Vargas ao poo pioneiro da Petrobras, a vinda de Eurico Gaspar Dutra inaugurar a Refinaria de Mataripe, as chamadas festas de largo, a Lavagem do Bonfim.

    Algumas pistas, no entanto, so localizadas na conver-sa, como a lembrana que, de repente, Robatto tem de um laboratrio bem montado com copiadeira e tudo de propriedade do Sr. Barradas, dono de um cinema chamado Glria, que seria, reformado, trans-formado no Tamoio em incio da dcada de 1960. Que fica Rua 21 de Abril.

    Robatto Filho, segundo palavras de Walter da Silveira, por seu prolongado amor tcnica cinematogrfica, durante largo perodo, cultivou o gosto de produzir curtas metragens de natureza documentria, com uma viso somente s vezes acertada dos problemas flmicos, mas, sempre, com um honesto desejo sem se comercializar.

    Se nos anos 30 e 40 os filmes de Robatto revelam mais uma preocupao documentria A marcha das boiadas, por exemplo, os registros das exposies pe-curias, os eventos polticos, sociais, festeiros , em 1952, porm, com Entre o mar e o tendal, h j um sentido esttico na captao do documento. Entre o mar e o tendal o mais bem acabado filme de Robat-to, a sua obra-prima, por assim dizer, cujas imagens se refletem para a posteridade. Focalizando a pesca do xaru, o documentrio filmado nas praias de Chega-Ngo e Carimbamba. um texto ilustrado que conta o processo de transformao das armaes de baleia em redes de xaru e, com isso, a evoluo que provoca entre os pescadores da regio. Do material captado, Robatto tem dois filmes: um, mais elabo-rado, que Entre o mar e o tendal, onde se percebe uma preocupao esttica na fluncia das imagens em movimento, que contam, inclusive, com os cnti-cos originais dos tiradores Nezinho, Marcos e o coro de Carimbamba. A partitura musical mais trabalha-da, e elaborada pelo maestro Paulo Jatob, que se inspira nos cnticos originais praieiros para compor a trilha sonora, participando, tambm, do trabalho musical, D. Semrades Seixas e o Coral Siciliano. Do mesmo material, mas em estado bruto, monta Xaru.Ainda na primeira metade dos anos 50, Robatto filma Vadiao, documentrio sobre capoeira, que se ins-pira numa trilha sonora. um filme sobre capoeira, , a meu ver, um musical, revela Robatto na mesma entrevista. Feito em cima de storyboards desenhado, plano a plano, pelo artista plstico Caryb, Vadiao pode ser considerado um dos mais importantes fil-mes do cineasta pioneiro do cinema baiano.

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    A PRESENA DE WALTER DA SILVEIRA

    A liderana cineclubista de Walter da Silveira tem importncia fundamental na formao de cineastas e crticos baianos que viriam a se manifestar em meio a ecloso do boom cinematogrfico que aqui se verifica a partir de 1959 com o lanamento do primeiro longa-metragem baiano, Redeno, de Roberto Pires. Walter da Silveira frente do Clube de Cinema da Bahia forma e informa uma plateia que desconhece outras cinematografias que no a americana. atravs da atividade cineclubista, na dcada de 50, que os baianos tomam conhecimento do neorrealismo italiano, do expressionismo alemo, da escola sovitica liderada por Sergei M. Eisenstein e Pudovkin e do realismo potico francs. Limitados produo de Hollywood, que domina o circuito exibidor, os habitantes da provncia apenas tm no Clube a nica janela para a percepo da esttica cinematogrfica, influindo, decisivamente, em muitos de seus frequentadores, que comeam ento a ter uma compreenso mais ampla da arte do filme.

    Fundado em 27 de junho de 1950, no auditrio da Secretaria de Educao, o Clube de Cinema da Bahia d incio s suas atividades culturais projetando, num velho aparelho quase sem uso, com perigo de queimar a fita, Os visitantes da noite (Les visiteurs du soir), de Marcel Carn. Segundo Walter da Silveira (5), existia uma cena de dana medieval em que, por um processo de tcnica cinematogrfica, os gestos e os sons se tornavam crescentemente lentos at

    vir a imobilidade total dos atores. O pblico pensou num defeito do projetor, exprimindo seu desencanto por ver interrompida a estria num momento de tamanha beleza, mas logo depois sorria dele prprio ante o prosseguimento dramtico. E se tratava de um pblico da mais alta qualidade, comeando por Ansio Teixeira, que, Secretrio de Educao, cedera o auditrio ao Clube, prestigiando-lhe a fundao.

    A plateia e balco do Guarany esto lotados. Sbado de manh de 1965. A maioria dos espectadores constituda de estudantes do Central, que, filando aulas sbado, naquele tempo, tambm tinha aula , adquire o conhecimento do filme como arte. Uma turma, porm, de capadcios, que est ali, naquela sesso, apenas para perturbar, grita, ri e assobia diante dos passos poticos de Hiroshima, mon amour, de Alain Resnais. Num determinado momento, Walter da Silveira, temperamental como era, levanta-se e solicita que a projeo seja interrompida e as luzes da sala se acendam. Diante da plateia, que fica silenciosa, Walter d tremenda reprimenda nos jovens assanhados, fazendo-os ver que Hiroshima uma obra de arte e merece todo o respeito e todo o silncio.

    Walter da Silveira no admitia que algum sasse no meio de um filme. Ficava aborrecido e o pecador restava, depois, sem moral com o mestre. Qualquer conversinha lateral tambm era reprovada pelos olhos de Walter da Silveira. Quem quisesse conversar que fosse para a sala de espera ou sasse do cinema.A importncia do Clube de Cinema da Bahia, na Walter da Silveira

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    formao de plateias, na deflagrao do prprio Ciclo Baiano (entre 1959 e 1963, filmes genuinamente baianos so realizados: Redeno, A Grande Feira, Tocaia no Asfalto etc.) e como centro difusor da cultura cinematogrfica inquestionvel. A liderana de Walter proporciona a muitos interessados pela stima arte uma espcie de descoberta da importncia do cinema como veculo de expresso artstica.

    Vive-se, nos anos 50, na urbis soteropolitana, sob influncia do espetculo norte-americano, que impe uma linguagem e uma forma de ver o discurso narrativo. Vive-se, portanto, sem a possibilidade de contemplao de outras conquistas da linguagem cinematogrfica, porque o mercado, dominado pelas companhias americanas, no oferece outra opo que no seja o espetculo narrativo tradicional, imperando o star system, a idolatria, o consumo desenfreado. Nunca, no entanto, como o consumismo selvagem da contemporaneidade.

    Com o Clube de Cinema da Bahia, Walter da Silveira possibilita aos baianos o conhecimento dos filmes neorrealistas italianos (Roma Cidade Aberta, Pais, ambos de Roberto Rossellini, Ladro de Bicicletas, Umberto D, Milagre em Milo, todos de Vittorio De Sica), do realismo potico francs (Les enfants du paradis, de Marcel Carn), do cinema de Jean Renoir, da cinematografia sovitica e dos discursos estticos de um Serguei Eisenstein (O Encouraado Potenkim, Outubro, Ivan o terrvel etc). A contribuio primordial de Walter neste perodo est em ter despertado

    muitos cinfilos para a descoberta do cinema como uma linguagem autnoma, como um verdadeiro e poderoso veculo de expresso artstica. Dentre os vrios alunos que tem, um destaca-se sobremaneira: Glauber Rocha, que, conforme o mesmo confessa em alguns de seus escritos, aprendeu cinema com Dr. Walter da Silveira.

    Segundo recordaes de Walter, quando da inaugurao do Clube em 1950, o auditrio pequeno para os espectadores que, porta, se inscrevem como scios. Cerca de duzentos para uma sala de cem. No havia imaginado este xito, Carlos Coqueijo da Costa e eu, quando fundamos o cineclube, seguindo os modelos franceses da poca. Sabamos que nossa cidade poderia classificar-se entre as mais atrasadas cinematograficamente do mundo, desconhecendo sobretudo o cinema europeu, mas no supnhamos que tanta gente estivesse, como ns, procura do tempo perdido.

    A segunda sesso teve de ser numa sala comercial: o Gloria (que virou Tamoio). No primeiro domingo de julho. De manh. At aquela data nenhum exibidor pensara em matinais, o Clube de Cinema criava um novo horrio. E s 10 horas todas as cadeiras estavam ocupadas para a projeo de Desencanto (Brief-encounter), o extraordinrio filme ingls de David Lean. O cineclubismo entrava para a vida da cidade. O pblico de todas as manhs de domingo, alm de verstil, compunha-se das figuras mais representativas da cultura baiana, escritores, artistas, professores, universitrios, advogados, mdicos e estudantes.

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    Com menos de um ano, em abril de 1951, o Clube de Cinema da Bahia realizou um Festival Internacional do Filme de Curta-Metragem, com a participao de doze pases. At ento, no Brasil, nada se fizera mais organizado. Um jri de alto nvel foi eleito e suas votaes tiveram um carter to polmico quanto as discusses que tratavam na plateia sobre as fitas que deviam ser premiadas.

    Como conferencistas convidados vieram Alberto Cavalcanti, Vinicius de Moraes, Alex Viany, Salvyano Cavalcanti de Paiva e Lus Alpio de Barros. Suas palavras, ditas no palco do Guarany, tambm se tornaram polmicas, com o jogo cruzado de perguntas e respostas a propsito de todos os temas cinematogrficos. Walter da Silveira contou: Tenho uma carta de Cavalcanti que releio sempre com orgulho, embora me entristea recordar como esse grande homem de cinema, to admirado por todos os historiadores mundiais por sua contribuio para o cinema francs dos anos 1920 e para o cinema ingls dos anos 30 e 40, foi praticamente banido no Brasil; nessa carta, Cavalcanti fala do pblico daquele festival como dos melhores que conheceu em toda parte. E igualmente Vinicius: mais do que os filmes, no obstante os clssicos, julgou que a plateia merecera o prmio, pela quantidade e qualidade dos espectadores. Em to pouco tempo, o Clube de Cinema formara um tipo de pblico para dez dias seguidos somente de curtas metragens.

    Nos anos 60, o Clube passa a funcionar aos sbados, de manh, no Cine Liceu. Depois, em 65, muda-se

    para o Cine Guarany, tambm aos sbados, fazendo confluir, para suas sesses, cinfilos e estudantes, universitrios e secundaristas, os quais, aps os espetculos, servem-se do Restaurante e Bar Cacique (ao lado do cinema) para um bate-papo em torno dos filmes apresentados, numa poca em que ainda se pode transitar pelo centro da cidade, quando a Bahia ainda oferece a oportunidade de se t-la caracterstica e provinciana.

    Dois anos depois, reformando-se o antigo Popular (na Rua da Orao, paralela Saldanha da Gama, onde fica o Cine Liceu), Walter concentra as atividades cineclubistas nesta sala exibidora, inaugurando a programao em junho de 1967, com Terra em Transe, de Glauber Rocha, numa homenagem ao dileto cineclubista que atinge, ento, dimenso internacional. As projees tornam-se ininterruptas, com sesses contnuas, modelando-se Walter no esquema programtico do Cine Paissandu, do Rio de Janeiro. A experincia, por causa das injunes do mercado exibidor, no d certo.

    Em 1968, o Clube de Cinema da Bahia transfere-se para a Reitoria, com projees semanais, aos sbados pela noite. Neste mesmo ano acontece, por iniciativa de Walter, um Curso Livre de Cinema, que se estende por todo o ano, com aulas duas vezes por semana. O patrocnio da Universidade Federal da Bahia. Walter da Silveira realiza seu sonho de dar um curso completo sobre a histria e a esttica da stima arte. Alm de um estilista admirvel, irrepreensvel nas suas construes lingusticas e na manipulao

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    da sintaxe (como to bem atestam seus escritos), Walter da Silveira possui o dom da oratria. Antes de cada filme, discorria sobre o cineasta e a importncia da obra flmica, envolvendo a plateia com a sua oralidade transparente e vivaz. 1970 surge como um ano fatdico, pois vem a falecer em novembro.

    Walter da Silveira o introdutor da arte do filme na Bahia para soteropolitanos estupefatos, entre os quais Glauber Rocha que, confessa, aprende cinema com o Clube de Cinema em artigo publicado no Jornal da Bahia logo aps o falecimento do mestre em novembro de 1970. Mas o ensasta, sobre ser um escritor de escol, de estilstica admirvel, talvez pela luta pela sobrevivncia advogado trabalhista com mulher e sete filhos para sustentar , deixa apenas, publicados, dois livros: Fronteiras do cinema (1966), pela editora Tempo Brasileiro e Imagem e roteiro de Charles Chaplin (1970), pela editora baiana Mensageiro da F, que j no mais existe. Em 1979, organizado por Jos Umberto, a Fundao Cultural do Estado resolve publicar A histria do cinema vista da provncia, obra pstuma. Os escritos valiosos de Walter da Silveira so reunidos em livro e lanados em quatro grossos volumes em dezembro de 2006 sob o ttulo O eterno e o efmero (que nomeia o discurso de posse do autor na Academia Baiana de Letras em 1968). A organizao, primorosa, ficou a cargo de Jos Umberto Dias, escritor, pesquisador e cineasta, que, apesar de t-la concludo muito antes, precisa esperar, para ver os volumes publicados, mais de dez anos pelas injunes inerentes burocracia governamental. Os livros so publicados

    pelo Governo do Estado da Bahia (Editora Oiti), mas ficam entulhados pela ausncia de um mecanismo de distribuio adequado.

    Walter da Silveira um ensasta muito mais do que um crtico cinematogrfico. O que pode ser observado em Fronteiras do cinema, sntese de sua paixo pelo cinema e uma reunio de ensaios definitivos sobre a chamada stima arte. Um ensasta em p de igualdade, diga-se logo, aos grandes do sul do pas como Paulo Emlio Salles Gomes, Antonio Moniz Vianna, Francisco Luiz de Almeida Salles, entre outros.

    Contando dezenove ensaios, Fronteiras do Cinema contm os escritos publicados em diferentes ocasies na imprensa baiana. Walter selecionou-os e resolveu reuni-los, em livro, tendo em vista que a crtica cinematogrfica tem certamente uma efemeridade maior do que as outras e a dimenso do livro uma tentativa de permanncia. Destacam-se, em Fronteiras do Cinema, dois momentos fundamentais para a compreenso do pensamento do autor em relao ao processo de criao no cinema: Crtica e Contracrtica, o primeiro ensaio, que abre o livro um severo artigo sobre a responsabilidade daquele que julga a obra-de-arte, esta responsabilidade humana e social e O instrumento do humanismo, o derradeiro, um brado retumbante sobre a necessidade de o veculo cinematogrfico ter sempre em vista, como elemento essencial, a figura humana.Tem-se, em Fronteiras do Cinema, um dossi analtico acerca das mais variadas vertentes da estilstica

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    cinematogrfica, passando pela entreviso de Ingmar Bergman, ao ressaltar nesta a renovao da natureza unanimista do cinema, s discusses entre as fronteiras do cinema e da literatura (Dostoievski ou Visconti?), s noites de um Federico Fellini, at atingir um ensaio que indaga sobre a contribuio do cinemascope para a esttica do cinema e desmistificar e dimensionar a real importncia de filmes como Fantasia, de Walt Disney, e Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus. O livro, entretanto, no para por aqui. Contm mais e muito mais.

    Do mestre do suspense, Walter no perdoa suas vertigens, sua aparente exterioridade, no nico ensaio, a nosso ver, infeliz, do grande ensasta, posto que em Hitchcock o argumento concesso enquanto que a mise-en-scne, mensagem. At que ponto a arte cinematogrfica capaz de transportar as torrentes verbais do texto shakespeariano? Eis outro artigo fundamental do mestre Walter, o qual no descuida tambm dos voos poticos e da irreverncia do solitrio Monsieur Hulot, personagem do comediante francs Jacques Tati. Ou da efemeridade dos sentimentos do cinema de Michelangelo Antonioni. Ou da potica de Jean Cocteau. Ou da oralidade em Alain Resnais.

    E o cinema brasileiro? Que Walter da Silveira demonstra tanto interesse, durante a sua trajetria de crtico, podendo-se mesmo afirmar que fora um grande animador de cinematografia nacional? O cinema brasileiro viria em publicao especial, que a fatalidade do destino no permitiu. Mas, em 1978, com a mencionada edio pstuma de

    Histria do Cinema Visto da Provncia, resgata-se, para a permanncia em livro, um pouco da pesquisa feita atravs do tempo, num trabalho de verdadeiro arquelogo da arte flmica, dos primrdios do cinema na Bahia. E, sob a tica de um bom provinciano, Walter descobre, aos poucos, o cinema internacional, que vai despontando na cidade do Salvador. Tambm, poder-se-ia perguntar: e Charles Chaplin, a quem Walter tanto amara? Carlitos, ainda em tempo de vida do crtico, objeto de um estudo definitivo sobre a sua filmografia em Imagem e Roteiro de Charles Chaplin, que Walter lana, em agosto de 1970 pouco antes de morrer no Cine Bahia, com uma exibio especial de O Garoto (The Kid) em sua homenagem. A cpia vem especialmente para esta projeo numa reverncia ao ensasta do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

    O apogeu criativo do cinema moderno, entretanto, Walter presenciara, pois este se d lado a lado com a formao cultural do grande ensasta. Ainda menino, Walter conhece a figura de Carlitos, assiste transformao da esttica da arte muda para o cinema falado, acompanha o desenvolvimento narrativo de um Orson Welles (Cidado Kane), de um Sergei Eisenstein, contempla a nova postura tica da cinematografia com a ecloso do neorrealismo italiano. E as revolues sintticas, inauguradoras de uma nova sintaxe, com Michelangelo Antonioni, Alain Resnais e Jean-Luc Godard. Porque, nascido na segunda dcada do sculo XX (1915/1970), Walter da Silveira tem o privilgio de ser quase contemporneo das transformaes estilsticas que marcam a arte do filme.

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    H crticos e crticos. No prefcio de Fronteiras do Cinema, diz Jorge Amado: No farei a Walter da Silveira a injustia de cham-lo de crtico de cinema de tal maneira a expresso se tornou um insulto, um nome feio. Estamos ante um ensasta de cinema, com estatura de historiador de cinema e o caminho da histria da arte cinematogrfica certamente ser por ele palmilhada. Um grande ensasta de cinema pela seriedade do conhecimento, pela decncia de sua posio feita de amor, pela criao do homem no plano da cinematografia, por seu livre pensamento, pela intransigncia de seus pontos de vista que so, ao mesmo tempo, resultado de uma viso malevel e flexvel, contendo uma realidade de experincia vivida (a crtica que no refletir essas vivncias de desespero escreve ele sobre o drama do cinema arrisca-se a parcial e injusta).

    Pelo muito que Walter da Silveira estudou, viu, contemplou, degustou e usufruiu do prazer esttico-cinematogrfico, pode dizer-se que pouco deixou em termos de bibliografia sobre sua arte predileta. A maior parte de seus escritos encontra-se, entretanto, espalhada pelos jornais baianos nos quais colaborava com relativa intensidade, enquanto no se encontrava, como advogado trabalhista, atuando em defesa dos pobres e oprimidos. Assim, este dubl de advogado e ensasta de arte, pai de prole numerosa, bastante devotado famlia, havia de desdobrar-se para, nos intervalos das lides judiciais, refletir sobre a natureza da arte do filme, sobre o especfico cinemtico.

    de Paulo Emlio Salles Gomes o trecho aqui transcrito (6): Na conjuntura salvadoriana, a expresso Cinema Baiano ampla e envolve, num s movimento, cultura, crtica e produo cinematogrfica. Essa situao d aos acontecimentos da Bahia uma singularidade que provoca o interesse, conquista a cumplicidade e acaba mergulhando o observador numa tensa esperana. No quadro geral do grande cinema brasileiro, que, certamente, ir eclodir na dcada em que vivemos, a participao baiana ser eminente, e os estudiosos iro um dia pesquisar o seu nascimento. Ficar ento, definitivamente registrado o papel histrico do pensamento e da ao de Walter da Silveira.

    Paulo Emlio escreve em 1962, bom que se note, quando aqui, em Salvador, acontece o Ciclo Baiano, quando a efervescncia criadora toma conta de vrios cineastas que se aventuram na conquista das imagens em movimento. E no somente no cinema como nas outras artes a Escola de Teatro, com Martim Gonalves frente, Lina Bo Bardi convidada para agitar o Museu de Arte Moderna etc. Do ciclo surgem nomes como Rex Schindler (um dos responsveis pela ecloso do ciclo, pois o produtor, aquele que investe recursos num filme), Roberto Pires (diretor de Redeno, A Grande Feira e Tocaia no Asfalto). Oscar Santana (O Caipora), Olney So Paulo (O Grito da Terra), Palma Neto (Sol Sobre a Lama), David Singer, Braga Neto e muitos, muitos outros. Sem falar em Glauber Rocha, o revolucionrio metteur-en-scne de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Walter da Silveira, neste cenrio cultural, tem uma importncia

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    fundamental, como bem demonstram as palavras de Paulo Emlio no mesmo artigo citado : Quanto mais o conheo, mais gosto dele. Comparei-o um dia, numa aluso improvisada, a Francisco Luiz de Almeida Salles, Paulo Fontoura Gastal e Jacques do Prado Brando.

    Vejo cada vez com maior nitidez a semelhana da funo social e intelectual exercidas pelo baiano, pelo paulista, pelo gacho e pelo mineiro. Nenhum membro da corporao cinematogrfica, mas, em suas vidas, cinema no passatempo.

    A ele j dedicaram 10, 15 ou 20 anos de contnuas preocupaes. Porm, no so manacos. Em seus

    universos artsticos, intelectuais e sociais, o cinema parte integrada a um todo maior do romance, pintura, poesia, msica, cincia e sociologia, onde pulsam os dramas das classes, da nao e do mundo.E ainda Paulo Emlio no mesmo artigo: Para Walter da Silveira, Almeida Salles, P.F. Gastal ou Jacques do Prado Brando, a ao cinematogrfica no , finalmente, compensao psicolgica para a mediocridade do existir. So todos homens realizados profissionalmente, intelectualmente, socialmente, cercados de prestgio em suas comunidades. Do muito mais ao cinema do que este lhes d.

    O Grito da Terra,1964

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    os jovens entusiastas

    EFERVESCNCIA CULTURAL

    Nos anos 1950, a cidade de Salvador efervesce culturalmente, sacudindo a Velha Bahia com espe-tculos renovadores, propostas de vanguarda. No plano secundarista, o Colgio Estadual da Bahia (o Central) oferece teatralizaes de textos poticos em avanadas concepes de mise-en-scne. a Jogra-lesca, onde pontificavam as figuras de Glauber Rocha, Paulo Gil Soares, Joo Carlos Teixeira Gomes, Cala-zans Neto, Fernando da Rocha Peres, entre outros, nomes que mais tarde viriam a se situar no panorama cultural com obras de destaque. Decisivo o apoio dado pelo reitor Edgard Santos Universidade da Bahia, que chama personalidades importantes do sul do pas para orientar, dirigir unidades universitrias a fim de impulsionar as artes na Bahia. Assim, Martim Gonalves na Escola de Teatro faz projetar a cidade como formadora dos melhores talentos na rea, fun-cionando como um verdadeiro gerador de diretores e intrpretes da mais alta categoria, com peas at hoje rememorveis pela audcia na concepo, pelo profissionalismo, pelo sopro renovador. Poder-se-ia, inclusive, dizer que Martim Gonalves forma uma verdadeira escola de teatro. Que ainda nos dias

    atuais d mostras de sua passagem. Mas no somen-te o teatro, mas a msica, a dana etc. Na Faculdade de Direito, a revista ngulos discute temas jurdicos e filosficos da maior importncia, a revelar talentos e escrevinhadores dos mais perspicazes (A.L. Machado Neto, entre outros). Outra revista, esta diversifica-da, a Mapa, tem um apogeu e representa muito em termos de contribuio cultural. E o cinema? Este se faz nos princpios dos anos 50, com a continuidade do trabalho de Alexandre Robatto, Filho e o estmulo que o Clube de Cinema da Bahia proporciona, incentivan-do seus frequentadores prxis cinemtica.

    Durante o perodo de Hlio Machado frente da Pre-feitura de Salvador, uma turma de jovens se esfora para realizar filmes e lana o slogan: Voc acredita em cinema na Bahia?. A, o verdadeiro voo de caro. Muitas batalhas, muitos obstculos, quase a desistn-cia. Mas o pessoal no desiste, pessoal formado por Glauber Rocha, Frederico Souza Castro, Nilton Rocha, Jos Telles de Magalhes etc, que, inflexvel, decide fundar uma produtora, a Yemanj, ou, mais precisa-mente, a Sociedade Cooperativa Yemanj de Respon-sabilidade Limitada. O grupo, o que faz? Vende rifas, bate de porta em porta pedindo financiamento, ofe-recendo bilhetes a troco de alguns centavos, pedindo

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    apoio da imprensa. Jos Telles de Magalhes e Glau-ber Rocha invadem a Rdio Excelsior com um mani-festo pedindo ajuda Prefeitura. ento que o lder da Cmara de Vereadores resolve atender a splica e oferece Cr$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros anti-gos antes da reforma monetria de 1967). O grupo, entretanto, se desentende e as disputas intestinas fazem com que se dissolva. Nada se realiza do ponto de vista prtico. Glauber, sozinho, resolve realizar um curta e, com uma cmera de 35mm, manipulada pelo fotgrafo Jos Ribamar de Almeida, o qual lhe d di-cas preciosas sobre fotografia em cinema, realiza, em 1959, O ptio, com as sobras dos negativos de Reden-o. Os efeitos formais conseguidos no satisfazem o estreante: uma experincia flmica com ritmo e a plstica da linguagem cinematogrfica. Um casal bur-gus (Helena Ignez e Solon Barreto) sobe uma esca-da, abraado, e, num ptio, obtendo os efeitos plsti-cos do mosaico em cores, transcorre toda a pelcula. Os namorados, deitados, fazem amor ali mesmo. Ela, rolando pelo xadrez, plena de desejo, e ele, no ato do xtase. Um achado simblico coroa a pelcula: ela, descansando-se do momento catrtico, atira um sa-patilha que vai cair dentro de outra. Ao trmino de 15 minutos, o ator se afasta da companheira, embrenha-se por uns matos e realiza um festival de espumas. O ptio apresentado em maro de 1959 no Clube de Cinema da Bahia.

    Outros curtas, no entanto, so rodados em Salvador, documentrios com a tnica da preocupao social. Um dos mais famosos Um dia na rampa, de Luiz Paulino dos Santos (1956), que focaliza um dia de tra-balho na rampa do Mercado Modelo (o antigo, antes do incndio). Em Feira de Santana, Olney So Paulo

    realiza Um crime na rua, no mesmo ano (56), uma histria policial com informao cultural. Roberto Pires experimenta nos curtas O sonho e Calcanhar de Aquiles. E estrangeiros, vidos pelo dcor natu-ral, pela paisagem exuberante, filmam em Salvador Maria Madalena, feito por um argentino e inspira-do na vida de Cristo; Sob o cu da Bahia, Mulher de fogo, o desconhecido Moema, que nunca chegou a ser visto e narra a busca de uma jovem que, nadando pela Baa de Todos os Santos, procura o amado, que partira numa embarcao.

    O segundo curta de Glauber Rocha, Cruz na Praa, nunca montado. Rodado em torno de uma cruz existente na praa do Terreiro de Jesus, prxima Igreja de So Francisco, baseado num conto (A Re-treta na Praa) publicado por Glauber no Panorama do Conto Baiano, lanado em 1959 por Vasconcelos Maia e Nelson Arajo. Entre os atores, Luiz Carlos Maciel (que, na poca, ensina na Escola de Teatro) e Anatlio Oliveira. O tema, ao que parece, gira em torno do homossexualismo masculino.

    So de Glauber as seguintes palavras, publicadas em Reviso crtica do cinema brasileiro que retratam bem o panorama cultural da Bahia de ento: A tradio literria da Bahia retrica. As novas geraes de escritores e artistas surgidas, inicialmente, em 1945, no grupo Caderno da Bahia, e, mais tarde em ngulos e Mapa, sempre foram violentamente combatidas ao passado de Castro Alves e Ruy Barbosa; contudo, o improviso, o romantismo e o discurso descritivo continuam marcando, e mal, a expresso artstica da Bahia. Jorge Amado, carregando a fora ficcional de seu contexto, um escritor sem a disciplina que

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    caracteriza Graciliano Ramos e Joo Cabral de Mello Neto. Os melhores poetas modernos da Bahia, Car-valho Filho, Jair Gramacho e Florisvaldo Mattos, so ainda sensualistas em conflito com a razo; a mes-ma circunstncia-crise caracteriza a obra literria de Nelson de Arajo, Luis Henrique, Flvio Costa, Sadala Maron, Jos Pedreira, Ariovaldo Mattos, Vasconcelos Maia; a escultura de Mario Cravo e a pintura de Jen-ner Augusto. Entre os mais jovens, gerao de vinte anos, aconteceu o esquecimento inicial da temtica anterior; aos ficcionistas surgidos em Reunio (1961), Snia Coutinho, Joo Ubaldo Ribeiro, Nonio Spnola e David Salles, revelaram extremo domnio da tcni-ca e da linguagem, mas estavam, quase sempre, no puro exerccio artesanal. O teatro de Paulo Gil Soares, a gravura de Sante e as artes grficas de Calazans Net-to, presos realidade, lutam tambm entre o sensua-lismo e a razo, como no caso dos poetas citados.

    Assim Glauber, nesta sua reviso, nos primeiros anos dos esfuziantes 60, sente o clima cultural da Bahia. Esta luta permanente entre o sensualismo e a razo, que domina, inclusive, os melhores cineastas do Ciclo Baiano, principalmente Rex Schindler, homem de mil instrumentos, acumulando as funes de produtor, argumentista, roteirista etc. No panorama cinema-togrfico, Salvador, alm do Clube de Cinema, conta com alguns comentaristas que pontificam em jornais: Jos Augusto Berbert de Castro com seus coment-rios impressionistas em A Tarde; Jernimo Almeida, pseudnimo de Jos Gorender no Jornal da Bahia, que sucede, mais ou menos em 65, a Fausto Ferrei-ra, pseudnimo de Orlando Senna, o qual, por sua vez, sucede a Glauber Rocha, que pontifica na crtica cinematogrfica por quatro ou cinco anos: de 1958

    a 1962; Hamilton Correia o titular da coluna de cinema do Dirio de Notcias, jornal que conta com um Suplemento Literrio aos domingos, cuja pgina de cinema editada por Correia, , no entanto, contro-lada por Walter da Silveira. Uma pgina inteira, onde colaboram com crticas Caetano Veloso, Alberto Silva, entre outros. Outros nomes que exercem, bissex-tamente, a crtica na Bahia: Geraldo Portela, Lzaro Torres, Jamil Bagded, Jos Telles de Magalhes.A importncia dos suplementos literrios no somen-te se configura na Bahia, mas em todo Brasil. Famo-sos so os suplementos de O Estado de So Paulo, com Paulo Emlio Salles Gomes falando de cinema, o do Jornal do Brasil, que Glauber comea a colaborar dando o ponto de partida ao Cinema Novo, a procla-mar uma nova era para a cinematografia nacional. Mas como diz Glauber no seu citado livro, A Bahia na sntese o barroco portugus, o misticismo er-tico da frica, e a tragdia despojada dos sertes: sua expresso artstica, at ento inferior s expresses de Minas e Pernambuco, tende, para muito cedo, a inserir uma corrente nova nas artes brasileiras. Os que primeiro compreenderam este clima complexo e rico foram Martim Gonalves e Lina Bo Bardi, que, em quatro anos, instalaram razes significativas no ambiente cultural da provncia. O exerccio do estu-do social que tem em A.L. Machado Neto e Carlos Nelson Coutinho os melhores exemplos ser outro fator a contribuir no processo.

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    PRIMEIRO LONGA-METRAGEM

    A histria de Redeno comea em 1957. Roberto Pires, cineasta amador, que j tinha incursionado por experincias em fitas 8mm e 16mm, trabalhando na tica de seu pai, e fantico por cinema, resolve cons-truir uma lente anamrfica, como o processo cine-mascope. Roberto decide ento escrever um roteiro inspirado no modelo do thriller americano, do qual o cineasta se sente bastante atrado. Com o amigo Oscar Santana, elabora a decupagem e as filmagens comeam, a princpio em fins de semana, e vrias vezes so interrompidas. Falta dinheiro. At que entra na produo, vindo de Ilhus, lio Moreno de Lima, que d injeo para que as filmagens possam prosseguir. Roberto, Oscar, Helio Silva na fotografia, Braga Neto e lio ento partem decididos a concluir o filme de qualquer maneira. Dois anos de trabalho, de 1957 a 1959, quando o grupo consegue finalizar Redeno e apresent-lo, em avant-premire de gala, todos os presentes em black-tie, no cine Guarany, no dia 6 de maro de 1959, data histrica. Um longa-metragem feito na Bahia? Muita gente no acredi-tava. Mas Redeno tornou-se uma realidade e se

    situa desde ento como obra pioneira, muito embora a sua construo artesanal revelasse amadorismo, com um argumento diludo, falho, com um ritmo desigual. Ficou, entretanto, a fora de vontade de construir e narrar um filme, todo feito com recursos da terra. A simples exposio cinematogrfica, o fluir fotogram-tico, j tornava a empreitada num resultado delirante. Era a semente lanada, obra pioneira, ponto de partida para o surgimento do chamado Ciclo Baiano, muito embora Redeno ainda no possusse as caractersti-cas da Escola Baiana de Cinema, com sua preocupao dominante de enfoque da realidade, da problemtica social sob um prisma baianizante. Redeno , a rigor, um mero thriller sem substncia conteudstica, com um fio condutor tnue, a explorar, aqui e ali, algumas paisagens do dcor natural soteropolitano. Como diz Walter da Silveira no Dirio de Notcias, logo depois de Redeno ser apresentado ao pblico baiano: Pode-se descobrir em Redeno mais defeitos do que qualida-des, mais inocncia do que lucidez. Mas, quem nega-r que, na histria do cinema brasileiro, ele ingressa como o primeiro filme baiano? Pode-se afirmar que, havendo durado trs anos de trabalho, Redeno deveria apresentar uma exatido tcnica maior, uma desigualdade formal menor.

    redeno, de Roberto Pires

    Redeno,1959

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    Mas, quem contestar que, no fora a perseverana dos seus jovens realizadores, jamais chegaria ao fim a tarefa de produzi-lo, sem equipamento e sem experi-ncia anterior?

    A cmera de Oscar Santana e a iluminao, do j ve-terano Helio Silva. No elenco, Geraldo DEl Rey, Braga Neto, Maria Caldas, Fred Jnior, Milton Gacho, Costa Jnior, Leonor Barros, Raimundo Andrade, Jorge Cra-vo, Normand Moura, Kiaus Kiaus, Jackson Lemos, Jos Melo, Orlando Rego, Clo Meireles, Alberto Barreto e outros.

    O pioneirismo de Roberto Pires vem a desembocar na efervescncia cinematogrfica. Um pioneirismo registrado por Glauber Rocha de maneira enftica, quando diz: Quem inventou o cinema na Bahia foi Roberto Pires. Acredito que teria inventado as mqui-nas de filmar se, por acaso, aos onze anos de idade, no lhe chegasse s mos um deficiente aparelho de 16mm, com o qual filmou O sonho. Ligado a Oscar Santana, Roberto Pires faz o documentrio Bahia e sonoro, porque inventou o gravador; da mesma forma colocaria legendas em O calcanhar de Aquiles. Resolvendo-se, aos vinte anos, a fazer Redeno, em cinemascope, construiu a lente especial em seis me-ses de pesquisa e trabalho exaustivos. Neste episdio, financiado por lio Moreno Lima, entra a terceira pea, Braga Netto, que se associou definitivamente a Rex Schindler na atual Polgono Filmes.

    ROBERTO PIRESCineasta e Inventor

    Redeno, sobre ser uma obra de pioneiro, de desbravador, tem uma singular importncia para a ecloso do Ciclo Baiano de Cinema. O filme um exemplo, uma espcie de prova da possibilidade da existncia de um cinema nestas plagas. Quem viu a avant-premire, no cine Guarany, em 1959, no esquece o entusiasmo de todos. vendo Redeno que Glauber Rocha sente que, de fato, seria possvel se desenvolver, aqui, uma indstria cinematogrfica. Encontrando, por acaso, Rex Schindler, no escritrio de Leo Rosemberg, Glauber inicia uma amizade com Rex que vem a resultar no projeto do cinema baiano.Redeno, no entanto, no pode ser incluso dentro dos postulados cinemanovistas, pois um thriller, um policial com acentos amadorsticos. Mas, como acontece com a projeo em 1895 data do nascimento do cinema da chegada do trem dos Irmos Lumire, apenas o fato de se ver, na tela, imagens de pessoas participando de uma histria em movimento, Redeno se torna uma lenda. O orgulho imenso, e, naquela poca, aquele que participa, numa pontinha, do filme de Roberto Pires, faz questo de dizer: Eu trabalhei em Redeno.Quando se pensou estarem as latas dos negativos de Redeno completamente destrudas, o filho de Roberto Pires, Petrus, avisado por um antigo exibidor pernambucano da existncia de uma cpia do filme em 16mm. E aps muita luta e perseverana, Redeno, afinal, restaurado, fotograma por

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    fotograma, e apresentado em sesso especial no Espao Unibanco Glauber Rocha em junho de 2010.

    Rex Schindler e Braga Neto, aps o xito de bilheteria do filme estreante de Pires, resolvem bancar Barravento, de Glauber Rocha, dando incio ao que se chama a Escola Baiana de Cinema. Glauber, crtico de cinema do ento recm-fundado Jornal da Bahia, entra no meio das filmagens de Barravento, dando um golpe que afasta o seu diretor Luis Paulino dos Santos, e remodela o roteiro, idealizando-o sua imagem e semelhana. Schindler, Glauber, Braga Neto e outros tm um projeto para a instalao de uma indstria de filmes Glauber como mentor intelectual da turma. D-se incio s filmagens de A Grande Feira (1961), com argumento de Rex, roteiro deste e de Pires e com direo do ltimo. A artesania, que Pires demonstra na construo da mise-en-scne, habilita-o como cineasta neste drama sobre a Feira de gua de Meninos com acentos cordelsticos e brechtinianos. Sucesso estrondoso em Salvador, anima os produtores a partir para Tocaia no Asfalto (1962), que seria dirigido segundo o esquema de rodzio estipulado por Glauber, mas este, j detonando o Cinema Novo no SDJB o clebre Suplemento Dominical do Jornal do Brasil editado por Reynaldo Jardim e preparando, no Rio, a produo de Deus e o Diabo na Terra do Sol, indica Roberto Pires. Tocaia no Asfalto tem um tema atual, pois trata da corrupo, da tentativa de se instalar uma CPI a fim de apur-la entre os polticos e do pistoleirismo. A sua estrutura narrativa de um thriller, bem ao gosto de seu diretor, e h momentos de puro

    cinema: a perseguio de Agildo Ribeiro, o pistoleiro, para matar um poltico no interior da Igreja de So Francisco, e o tiroteio no cemitrio do Campo Santo. O que se denomina de Escola Baiana de Cinema se restringe aos filmes idealizados pelo grupo de Rex, Glauber, Pires e Braga Neto e David Singer Barravento, A Grande Feira, Tocaia no Asfalto, mas, nesta poca, de imenso burburinho, a Bahia vive o cinema, com produtores do sul e at do estrangeiro (O Santo Mdico, de Jacques Viot), alm de outros baianos, que conseguem se estabelecer com produes de outras empresas como a Winston Carvalho que banca O Caipora, de Oscar Santana; como a Tapira, de Palma Netto, que tenta dar uma resposta ao problema feirante atravs de um outro filme, Sol Sobre a Lama, que dirigido pelo carioca Alex Viany, mas produo genuinamente baiana; como Ciro de Carvalho Leite, que financia O Grito da Terra, de Olney So Paulo, em Feira de Santana. O Ciclo Baiano de Cinema rene todos os filmes que so realizados na Bahia entre 1959 e 1963, inclusive os da Escola Baiana.

    Roberto Pires muito ligado Iglu Filmes que tem este nome por causa de um bar na Praa da S, onde os cineastas costumam se reunir. Faz-se, neste perodo, at atualidades como A Bahia na Tela, um cine-jornal cuja estampa o carto postal do Elevador Lacerda.

    Pires tem um sentido, diga-se assim, intuitivo da construo de uma mise-en-scne, tem, alis, como poucos brasileiros, um faro excepcional para

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    trabalhar com o especfico flmico, com a linguagem cinematogrfica. Se Redeno um rascunho, A Grande Feira e Tocaia no Asfalto so exemplos significativos da artesania do cineasta, de sua posta-em-cena. Ainda que seguindo os cnones de uma estrutura narrativa clssica e, de certa forma, acadmica, Pires possui o que muitos no tm: o engenho e a arte de saber se articular por meio de elementos puramente cinematogrficos. Seus melhores filmes (Feira, Tocaia) mostram um realizador em plena conscincia de seu ofcio. Mas um cineasta que precisa do apoio de um argumento e de um roteiro slidos. , nesse ponto, mais um executor do que um autor, um arteso que sabe, com maestria, desenvolver um argumento alheio. E de artesos como Pires que o cinema brasileiro precisa para conquistar o mercado, envolver o pblico, cativar o cinfilo.

    Com a derrocada do Ciclo Baiano de Cinema por conta do velho problema de distribuio , Pires vai tentar a vida no Rio de Janeiro e realiza, em 1963, Crime no Sacop, filme que, desaparecido, precisa, urgentemente, de uma reviso. Montando filmes alheios para sustentar a famlia, enquanto aguarda o prximo longa, o cineasta, em 1967, realiza um policial na medida certa do seu talento: A Mscara da Traio, com Tarcsio Meira, Glria Menezes e Cludio Marzo, ento atores globais em alta. O filme conta a execuo de um grande assalto aos cofres do estdio do Maracan em dia de jogo decisivo.

    Convidado por produtor americano para realizar um thriller brasileira, recusa o convite e indica

    Alberto Pieralisi, que dirige Misso Matar, com Tarcsio Meira na pele de um James Bond dos trpicos. Uma experincia em 16mm, para posterior ampliao em 35mm e exibio nos cinemas, um fracasso em 1970: Em Busca do Su$exo, com Cludio Marzo, Eulina Rosa, Slvio Lamenha. Filmado no Rio, aproveita atores globais, mas no se v, neste filme, o metteur-en-scne to proclamado. A seguir um ostracismo de dez anos at que arranja produo, monta um estdio na Boca do Rio e se aplica numa science-fiction: Abrigo Nuclear. Para dar certo, no entanto, precisaria de uma infraestrutura que Pires no consegue arranjar. O resultado outro fracasso. Anos depois, faz, em Goinia e Braslia, um filme sobre o acidente do csio, que recebe elogios, mas no consegue a circulao merecida.

    Assistente de Glauber Rocha em A Idade da Terra, participa tambm de Di Cavalcanti. O seu grande momento, todavia, se encontra nos anos 60. Esperava-se, de Pires, um nova longa: Nasce o Sol a 2 de Julho, cujo argumento de Rex Schindler.O maior cineasta baiano, Roberto Pires. Claro, h Glauber Rocha, mas este universal e no se compara. Separa-se.

    Pires morre por causa de um cncer contrado durante as filmagens do filme sobre o csio. Tinha j dado incio a alguns planos de Nasce o Sol a 2 de Julho, que Schindler sonha em completar, mas, porque filme de poca, tem oramento alto, tornando-se, assim, inexequvel e invivel.

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    ciclo baiano de cinema

    Nesta poca, 1959, princpios dos anos 60, dcada renovadora, como se encontra o cinema brasileiro? Vive-se a poca desenvolvimentista com Juscelino Kubitschek frente da Presidncia da Repblica. Respira-se a democracia. O cinema nacional a chan-chada com Oscarito, Ankito, Grande Otelo, Renata Fronzi etc, poucos filmes mais engajados ou atuantes. A chanchada d lucro ao cinema brasileiro, os exi-bidores, sem lei de obrigatoriedade, fazem questo de exibi-la. Os crticos, entretanto, destratam-nas, julgando as fitas como ligeiras, destitudas de arte. At mesmo o prprio vocbulo, chanchada, assume sentido pejorativo. Nos anos 50, o cinema do Brasil desponta no cenrio internacional com O cangaceiro (1953), de Lima Barreto, nordestern, na feliz expres-so de Salvyano Cavalcanti de Paiva. Em So Paulo, industriais pretendem criar, em So Bernardo do Campo, uma mini-Hollywood, com a Vera Cruz, pro-duzindo filmes intimistas, requintados na aparncia, mas profundamente influenciados pelo cinema eu-ropeu (Floradas na serra, Sinh Moa, Uma pulga na balana, Simo, o caolho...). A Vera Cruz no d certo, talvez porque o Brasil no possusse um sistema de distribuio eficiente, estando seu mercado domina-do pelas companhias americanas. Procura-se, ento,

    uma linguagem brasileira para o cinema brasileiro. Os filmes da Vera Cruz falam uma linguagem europeia e mesmo O Cangaceiro, apesar de seu tema, de sua gente, do cangao bem brasileiro, tem estruturalmen-te uma narrativa calcada na tradio do western ame-ricano. E esta procura da brasilidade que determina Nelson Pereira dos Santos, influenciado pelo exemplo neorrealista italiano, a, em 1954, realizar Rio quaren-ta graus, um filme, afinal, com uma linguagem mais prxima do povo, de seus anseios. um retrato mais acertado. Humano e sincero. H, tambm, o exemplo do veterano Humberto Mauro, que, embrenhado em Cataguazes, interior de Minas, consegue, nos anos 20, se exprimir cinematograficamente captando a paisagem e o sentimento brasileiros. Outro filme que fala desta brasilidade O grande momento (58), de Roberto Santos, paulista, com um sentimento bem neorrealista. Estas pelculas so, por assim dizer, as sementes, que germinariam no movimento cinema-novista. Redeno, entretanto, segue outro esquema, outra preocupao.

    A obra de arte em funo da cultura local, o regis-tro da baianidade numa perspectiva de imprimir no celulide o esprito de brasilidade, via Bahia, sua

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    terra e seu povo. Assim, a chamada Escola Baiana de Cinema, cujas diretrizes so traadas por Glauber Ro-cha, Roberto Pires (diretor e roteirista), Rex Schindler (argumentista e produtor), Braga Netto, Oscar Santa-na, entre outros, sendo que a programao cultural se localiza mais nos trs primeiros, principalmente Glauber, deflagrador do prprio cinema novo, que se caracteriza por essa busca da realidade social, tendo influncia marcante do neorrealismo.

    Para se fazer cinema h necessidade de dinheiro, e a presena de Rex Schindler como produtor de fun-damental importncia na ecloso do cinema baiano. Rex, mdico, escritor, pintor diletante, homem de negcios, dono de loteamentos, fascinado pela cultu-ra baiana, resolve financiar os filmes baianos, tendo participao no somente como o homem do di-nheiro, mas uma influncia marcante, pois autor de argumentos e, ao invs de preocupado com o retorno do capital to-somente, investe e d margem cria-tividade. Como diz Paulo Emlio no Suplemento do Literrio do Estado de So Paulo, em 24 de maro de 1962: Esse nome cosmopolita de produtor interna-cional o de um baiano completo no esprito, na fala e na cara. Completo e extraordinariamente completo. Ser necessrio um dia, conforme declara ao prprio interessado, um pouco inquieto, proceder anlise espectral de Rex Schindler. A posio central que ocu-pa nos acontecimentos far com que suas qualida-des, contradies e eventuais defeitos, assumam um relevo de conseqncias definidoras para o cinema da Bahia (...). bastante saborosa a ntima associao que se estabeleceu entre esse liberal ctico e no fun-

    do bastante conservador e jovens devoradores pelo ardor revolucionrio.

    Segundo Rex, o movimento cultural desencadea-do durante o reinado de Edgard Santos frente da Reitoria da Universidade da Bahia, com a criao das escolas de Teatro, Msica e Dana, atinge as artes de um modo geral. H, portanto, uma atmosfera propcia ao desenvolvimento artstico. Poder-se-ia dizer, em resumo, que a ecloso do Ciclo Baiano se deve aos seguintes fatores:

    1) A presena de Rex Schindler como produtor e incentivador, possibilitando, com o capital, a feitura de longas.2) O incentivo do reitor Edgard Santos promovendo as artes da Universidade da Bahia.3) A liderana de Walter da Silveira no Clube de Cine-ma da Bahia.4) A tempestuosa influncia de Glauber Rocha, artista criador e lder.5) O movimento cultural efervescente da Bahia de ento, no Teatro, na Literatura, nas Artes Plsticas.

    A Grande Feira,1961

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    barravento, candombl e misticismoQuando entra Glauber Rocha na histria

    As filmagens de Barravento, cujo argumento de Luiz Paulino dos Santos, comeam em 1959 sob direo deste e produo de Rex Schindler e Iglu Filmes. Glauber funciona, a princpio, como produtor execu-tivo. Este, que iria se tornar o primeiro longa do autor de Deus e o Diabo na Terra do Sol, tem como diretor Luiz Paulino dos Santos, o qual, enamorado de uma bela garota, e aproveitando-a tambm como atriz, faz com que as filmagens, em Buraquinho, andem bas-tante devagar. Segundo conta Oscar Santana, Glau-ber j sabe que, mais cedo ou mais tarde, assumiria o comando, pois est ciente, desde o comeo, que Luiz Paulino excessivamente enamorado estava mais preocupado com a amada do que com o filme. Um belo dia, com a equipe desgastada com o atraso das filmagens, Glauber d o golpe e assume a direo de Barravento, com o apoio logstico dos produtores, inclusive Rex Schindler. interessante conhecer a histria de Barravento segundo as palavras do pr-prio Glauber Rocha: Larguei o jornal pra produzir Barravento. Rex e a Iglu me passaram algum dinheiro. Fiquei colaborando no Suplemento Literrio. Come-amos a procurar atores. Paulino descobriu Luiza Maranho que estava com Z Kti fazendo shows pelo norte. Fui com Roberto pra contratar em So

    Paulo o fotgrafo Tony Rabatony e ajudar no lana-mento de Redeno na Bahia. Redigi um panfleto publicitrio insolente que foi distribudo ao pblico na Cinelndia e mereceu desagravos de Pedro Lima e Luiz Alpio de Barros nas colunas especializadas. Com Luiza Maranho, Ldio Silva, Antonio Pitanga, Aldo Teixeira, Lucy Carvalho, Carlos da Silva, Joo Gama e outros negros o filme comeava. A ndia Flora est no elenco e era continusta. Jos Telles de Magalhes, diretor de produo. Eu, produtor executivo. Roberto, Rex, Braga, Elio e Oscar produtores. Mas foi Roberto e Rex que botaram o filme para rodar. Eu controlava todos os setores econmicos, tcnicos e artsticos. Importei de Belo Horizonte dois assistentes estagi-rios, Flvio Pinto Vieira e Schubert Magalhes. Queria satisfazer os desejos dos jovens cineastas mineiros promovendo encontros culturais interprovincianos que seriam teis na fixao dum ncleo produtivo em Minas. Descobri Aldo Teixeira pro papel de Aru-an. Clodoaldo Teixeira da Guarda era soldado da Polcia Estadual. Um Cosme e Damio. Da Escola de Teatro entrou Alair Luguori. Paulino locou o filme na praia de Buraquinho, alm de Itapoan () Alugamos trs casas de pescadores em Itapoan e a equipe se arranchou. Waldemar Lima era assistente de Tony

    Barravento,1959

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    Rabatony e lvaro Guimares, assistente de direo. Tnhamos um caminho pra transportar o material e a equipe e mais um jipe e um carro de produo. Elio Moreno Lima controlava o dinheiro e a comida. () Nos trs primeiros dias no fui pra filmagem a fim de que minha presena no perturbasse Paulino. No quarto, Telles veio dizer que Paulino e Snia estavam fodendo o filme. Que Snia bancava de vedete. Que Tony e Paulino no se entendiam. Que os assisten-tes mineiros conspiravam contra mim. Que Paulino ia vender a produo a Gibault, produtor executivo de Sacha Gordine que produzia O santo mdico na Bahia. Alvinho completou informaes. Um compl dos mineiros com Snia, Paulino, Tony Rabatony no meio. Barravento. O filme parou. Roberto Pires, Rex, Braga, Elio, Oscar demandaram expulso de Snia. Executei. Paulino reagiu. Nomeei Telles diretor. Telles no aceitou. Propus convidar Roberto Santos, Rober-to Farias, Roberto Pires recusou e me pressionou pra aceitar. Paguei cem contos a Paulino pelo roteiro. Ele pensara em me dar um tiro. Roberto Pires e Braga Neto descobriram Lucy Carvalho pra interpretar Nay-na. Eu assumia a direo, mas Helena Ignez no subia ao estrelato. Derrubamos Paulino e Snia mas eu no exporia Helena a uma crtica pblica. Preservei sua dignidade. Estaria sendo srdido? Alguns acusavam-me de haver deposto Paulino. Mas foi Paulino quem se deps. Fiz tudo para que ele continuasse mas ele, mesmo tendo sacrificado Snia, no podia continu-ar o filme sem ela. Estava arrasado. Snia o exilara. Xingou-me na praia. Mas eu no deixaria o barco afundar. A jangada atravessaria as ondas mesmo soli-tria. Perdi o amigo, ganhei o filme. No final perderia

    Helena. Com a queda de Paulino abri o roteiro e achei uma merda. Parti para reescrever na cmera escura da Iglu e Rabatony comeou a pedir a planta baixa. Em quase duas semanas refiz o roteiro, dilogos e decupagem ajudado por Telles. Aproveitei alguns copies de Paulino, cortando Snia. Alguns esplendo-res de Pitanga com Snia na praia. O filme cheirava fresco. Antonionesco. Esteticista. Sublimao de um amor Paulino Pitanga por Snia Yemanj apaixonada por um pescador. ltimo samba-de-roda na Bahia. Transformei Nayna numa marginal branca alienada pelo candombl, uma me afogada e um pai cego, apaixonada por um pescador virgem filho de Yemanj criticado por um negro subversivo que esculhambava a submisso dos pescadores ao candombl e do mes-tre Ldio Silva ao dono da rede. Firmino rasga a rede que os pescadores costuram pra continuar a pescaria. A polcia vem buscar a rede. Famintos, os pescadores tm barravento pra pescar. Aruan se arriscaria, se no fosse encantado. Firmino o desmistificaria atravs de rituais de sexo e violncia. Firmino sobe. Nayna vai pra camarinha. O Mestre perde Aruan, que vai para a cidade, em busca de superar a fome por uma rede nova, e voltar pra libertar Nayna do castelo macum-beiro.

    Esta narrativa glauberiana bastante elucidativa para se compreender a gnese de Barravento. Luiz Paulino tem uma viso romntica, se tivesse completado o filme, o resultado, logicamente, seria outro. Como Glauber ressalta no texto supra: uma viso anto-nionesca, esteticista. Glauber aplica Eisenstein, a concepo de montagem dialtica, tenta fazer uma

  • obra revolucionria, contra o candombl, acusando o misticismo como um fator de atraso, de alienao, postura que Glauber revisaria no final da trajetria (e que Nelson Pereira dos Santos em O amuleto de Ogum desmistifica ao respeitar as crendices popula-res). Mas voltando a Glauber e ao mesmo texto, para finalizar o affair Barravento: Tinha seis mil metros de negativo preto e branco, uma velha Arry-Flex com chassis de 60 metros, sem zoom. Um trip, alguns praticveis, velhos rebatedores, sem roupas pros atores seminus. Sem maquilagem e sem guia. Muitas vezes sem claquete. Sozinho em Buraquinho semanas a fio e Helena em Salvador. Excluda do ritual criati-vo. Sentia-me infeliz e amargurado com os conflitos de Paulino e as fofocas histricas da equipe. Brigas gerais. Grilo com Alvinho. Expulso. Delrio. Larguei o roteiro e me aventurava em materializaes arbitr-rias. Reorganizava a mitologia negra segundo uma dialtica religio/economia. Religio opium do povo. Abaixo o Pai. Abaixo o folclore. Abaixo a Macumba. Viva o homem que pesca com a rede, tarrafa, com as mos. Abaixo a reza. Abaixo o misticismo. Ataquei Deus e o Diabo. Macumbeiro de Buraquinho, sem nunca ter entrado numa camarinha, fui refilmando segundo as verdadeiras leis da antropologia mate-rialista. Cinema Novo. Durante as filmagens liguei para Genaro de Carvalho e Luiz Carlos Barreto foi me visitar. Fotografou para capa colorida do Cruzeiro Helena e Luiza Maranho. Conversamos. Expus meu projeto de um cinema nacional, popular, revolucion-rio mundial. Absolutamente. Luiz Carlos fotometrou. O dilogo frutificaria uma revoluo cinematogrfica naquelas trs horas da tarde dominicais em Buraqui-

    Barravento,1959

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    nho. Helena estava linda. Voltamos para um Domingo alegre. Ela seria a estrela de A ira de Deus, em cores e cinemascope. Pra pagar o casamento escrevera para Elio Moreno Lima o roteiro duma chanchada colores-cpica, Aconteceu na Bahia, baseado nas viagens do playboy Baby Pignatari na Bahia. Eles esculhambaram com tudo (...).Apesar de iniciado em 1959, Barravento somente foi lanado em 1962, sendo que a montagem de auto-ria de Nelson Pereira dos Santos. A avant-premire acontece no cine Capri no dia 28 de maio de 1962. Tambm simultneo com o Jandaia.

    Barravento,1959

    Acervo Cinemateca Brasileira

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    o esquema de rodzioForma-se uma Escola

    Imbudos de uma concepo de cinema engajado, os filmes seguintes a Barravento se caracterizam por uma certa homogeneidade na escolha dos temas, todos ligados a problemticas sociais, que tratam aspectos da realidade baiana e brasileira. Tendo Rex, Braga e outros como produtores, os filmes da Esco-la Baiana de Cinema se caracterizam, portanto, por este carter de comprometimento com a busca de temas populares. E h, tambm, a destacar o esprit du corps, a solidariedade entre os integrantes da equipe e a concepo de trabalho coletivo. Assim, A grande feira, etapa seguinte, tem sua direo entre-gue a Roberto Pires porque, sendo filme dos mesmos produtores, obedece-se ao esquema de rodzio. a razo de Roberto ter assumido a mise-en-scne de A grande feira, iniciado em 1960, com cenrio conce-bido por Roberto e construdo no mesmo lugar onde Martim montara a pera dos trs vintns, de Brecht. Transformou-se o Teatro Castro Alves (ainda sofrendo as consequncias do terrvel incndio que o conde-nou paralisao por quase uma dcada logo na inaugurao em 1958) em novo projeto da Vera Cruz com apoio de Martim Gonalves, de Lina Bo Bardi, de Juracy Magalhes (ento governador da Bahia), do reitor Edgard Santos etc.

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    bahia: meca do cinemaAproveitando o dcor natural

    H uma ecloso de filmes, uma efervescncia, um movimento ininterrupto de cineastas baianos, ca-riocas, paulistas e estrangeiros que, de repente, descobrem a Bahia como cenrio ideal para se fazer cinema, aproveitando ao mximo o seu dcor natu-ral. Assim, alm dos filmes genuinamente baianos, observa-se, em Salvador, no princpio dos anos 1960, uma verdadeira euforia cinematogrfica. O primeiro dos cineastas a sentir a aplicao cinemtico-baiana Trigueirinho Neto, o qual, em 1959, realiza Bahia de Todos os Santos, filme que carrega na sua temtica um esprito neorrealista, havendo, por conseguinte, bastante afinidade com as propostas da Escola Baiana de Cinema. Sacha Gordine, francs, arma um cenrio na colina do Bonfim para filmar O santo mdico em cores e cinemascope. Aurlio Teixeira, em 1962, roda Trs cabras de Lampio. Anselmo Duarte, com produ-o de Oswaldo Massaini, de So Paulo, resolve situar a pea de Dias Gomes, O pagador de promessas, na escadaria da Igreja do Pao (o resultado uma Palma de Ouro em Cannes 62). Nelson Pereira dos Santos, voltando das Alagoas, onde ia filmar Vidas Secas, baseado em Graciliano Ramos (projeto qu