orfãos de jârnandes

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  • 8/19/2019 Orfãos de Jârnandes

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 1

    Millôr Onlinewww.millor.com.br 

    OS ÓRFÃOS DE JÂNIODe Millôr Fernandes

    Importante para a interpretação

    Minha última peça, É..., é um discurso sobre a falncia dasideolo!ias. Mais ob"iamente, coisa #ue foi notada pela maioriaabsoluta dos espectadores, é um trabalho sobre a inutilidade dasteorias. $odas as pala"ras, aç%es e referncias, inclusi"e a mitos

    &deuses !re!os', emprestam(lhe o claro e an!ustiante clima, semprepresente em tudo #ue tenho feito ) inclusi"e nas artes pl*sticas ) apartir de determinado momento de minha "ida+ o sentido metafsico dae-istncia, a teoria ocasional da "ida e, conse#entemente, da/ist0ria. 1ão h* leis.

    2laro, isso foi transformado, pela eterna minoria reacion*riamafiosa e, sobretudo, simpl0ria, da pobre imprensa brasileira, numa3peça de costumes45, numa 3relação de casais455, numa, Deus do céu5,3comédia de bule"ar4555 Sancta Simplicitas! 

    6or isso dei-o assinalado a#ui, para e"itar, pelo menos,e#u"ocos iniciais, #ue, nesta peça &apesar de seu conteúdointensamente poltico ser capa7 de fa7er al!umas peças ditas polticasparecerem teatro infantil', o conteúdo poltico não é o mais importante.8sta é, basicamente, uma peça sobre a an!ústia humana.

    M. F.

    689:O1;m smbolo #uase silencioso. O ;utor?

    2onceição ) =ranca. >ma funcion*ria pública #ue ama"a @Anio.

    =eto ) 1e!ro. >m cantor #ue este"e l* em cima. &;pesar de suasafirmati"as, não de"e ficar definido se é homosse-ual, ou não. ;titudesa!ressi"as, "a!os maneirismos.'

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 2

    1elita ) =ranca. >ma moça #ue se emancipou. ;inda usa al!unscolares e anéis, restos do tempo em #ue foi 3; 9ainha dos =erlo#ues4.

    2arlos ) =ranco. @ornalista, isto é, prisioneiro de uma profissãoe-cessi"amente "ulner*"el.

    ma diletante #ue Bamais entendeu bem oenredo. ;penas uma, da turma.

     A Concetta de Napole e Maria Viola Fernandes, de um outromundo.

    “We must not then add but rather lead and ballast to theunderstanding, to ings, preent its "umping or #l$ing.% 

    Bacon. Novum Organum, I, 104.

    8ste pensamento "ai no ori!inal não por pedantismo, mas paradificultar ainda mais sua compreensão. ;prendi isso obser"ando ocomportamento de inúmeras lideranças.

    M. F.

    O: C9FO: D8 @E1IO

     ;$O I

    Cenário

    &'ar, meio #echado. N(o um bar ostensiamente de lu)o, um bar#ingidamente sem lu)o. *ipo Vilarino, na A. +residente Wilson, -. Na#rente, uma lo"a, ue pode ou n(o ser ista, onde se endem bebidas,uei"os, conseras e coisas do g/nero. Na parte do bar propriamentedito, onde se desenrola a a0(o, as mesas s(o simples, com tampos

    grossos, de m1rmore branco. 2m olta, cai)otes, sacos etc.3 ; representação de"e ser feita em arena. Aten0(o, 4ire0(o e Atores5Os persona!ens fa7em referncias indiscriminadas a posiç%es

    polticas, sociais e artsticas.

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 3

    &'lecaute. 4urante 67 segundos. 8ue9se, #orte, o som de #ita degraador, oltando. :u; sobe em resist/ncia. 2m cena, o 'arman ue,durante a representa0(o, ai serindo os #regueses, de acordo com os

     pedidos, os gestos, ou por er ue est(o de copo a;io. Concei0(o "1

    est1 em casa. Magra, ossuda, meia9idade, usa a roupa colonialista,baseada na ue os ingleses usaam na nio pretendiaadotar nas reparti0?es p@blicas brasileiras. 2m Concei0(o, isso uma#orma de ecmntica #Bsica. 2la est1 de p, hesitando onde sentar, porisso /9se bem a roupa. Senta. 8lha para cima. 8 som da #ita p1ra. 8'arman sere e, enuanto isso, #ala. Num certo ponto, #ala pro alto,com naturalidade, como se ali houesse uma cabine de um tcnico dete/. Mas n(o dee dar nenhuma /n#ase especial a isso.3

    =;9M;1

    O século I s0 acabou em GHG, no fim da 6rimeira

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 4

    presidente tem #ue se meter em tudo. 8le é o pai de todos n0s. @Anioera. 8u assisti ele na tele"isão, com o 2stado de S. +aulo na mão )isso, no tempo em #ue os Mes#uitas manda"am no pas+ o 2stad(ofalou, t* falado. Mas @Anio não "ia cara+ mandou brasa nos Mes#uitas,e-plicando pra !ente #ue a#uele montão de papel cheio de anúncios

    era tudo subsidiado! $udo pa!o pela !ente. >ma pouca ) "er!onha.Olha+ pra ser presidente da 9epública tem #ue ser macho. J por isso#ue eu sou contra mulher em poltica. &'ebe. 'eto entra. +reto. Alto.Veste roupa enenenada, na linha do cabeleireiro Silinho. 8lha emtorno, agressio, absoluto ar de desdm. Subitamente, se atira noch(o, bei"a o ch(o, como o papa. 8s outros n(o tomam conhecimento.Concei0(o acaba de beber, #ala, enuanto 'eto ai ao balc(o. 8'arman lhe d1 um copo maluco D dee ser uma e)ig/ncia habitualdele D com uma bebida de uma cor impossBel. 2le #ica bebendo, decabe0a bai)a.3 @Anio era macho. e"anta"a Ps Q da manhã e lia todos

    os Bornais ) não era recorte nãoR com ele não tinha esse ne!0cio de sinopse! ia tudinho en#uanto toma"a café. 8 taca"a bilhetinho pratodo mundo+ ministro, !eneral, embai-ador, pra Deus e o diabo naterra do sol. ;!ora, tudo no de"ido respeito. 8 com portu!us perfeito,chamando todo mundo de S. 8-celncia. 3S. 8-celncia, senhorcontnuo da TU ;uditoria, "em sendo reiteradamente relapso em suasobri!aç%es funcionais, o #ue, em bre"e, torn*(lo(*...4 &+ausa.3 Soc B*ima!inou o prefeito de Muribeca dos 2uribocas recebendo umbilhetinho de censura do presidente? :e borra"a todo. 8u sei do #ue

    tou falandoR minha maior emoção foi no dia em #ue meu chefe medisse+ 3Dona 2onceição, o presidente mandou um bilhetinho prasenhora4. ;chei #ue era trote. $odos sabiam #ue eu adora"a ele. Mas,#uando "i o timbre do papel, meu coração saltou pela boca. 2omeceia suar e a tremer. &4a bolsa, com a m(o tremendo, ela tira um bilheteelhBssimo, e)ageradamente elho, todo amassado, um papel ue "1#oi lido e relido mil e;es. Abre. :/.3 3:enhorita Maria da 2onceição2ris0stomo, sua eficincia e probidade...4 &Continua lendo, sem som,desiste, acaba guardando o bilhete, com m(o tr/mula.3 ;s duasmaiores emoç%es da minha "ida ) essa e a outra, na#uele dia

    calorento de a!osto de GHVG, #uando seu 6elé, o pretão enorme,chefe da limpe7a, entrou na minha sala, #uase branco, e !ritou pratodo mundo+ 3O presidente se matou54

    =8$O

    &Se leanta, o copo na m(o, bebe tudo. +ega o copo como ummicro#one, a#asta #ios inisBeis, canta, no m1)imo da o;,

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     prolongando bem as palaras.3

    MorreeeeeuMal"ade7a DurãoMalandro.

    Mas muito considerado.O #ue é #ue fa7 a porra de um toureiro #ue en!ordou? O #ue é

    #ue fa7 um 6itan!ui com a porra de um delirium tremensE &8lha ocopo, longamente. uebra o copo no ch(o, com iol/ncia.3 O #ue é#ue fa7 a porra de um cantor sem microfone? What am I doin! here?Me di7, #ue é #ue estou fa7endo a#ui? &+atada no ch(o.3 1ão, a#uineste bar não. 1esta rua. 1esta rua, uma porra. 1esta cidade. 1aporra deste mundo? Xue é #ue estou fa7endo a#ui, na porra desta!al*-ia, se a única pessoa #ue me interessa, B* me interessou e "ai

    me interessar não me interessa? =icha é fo!o. 1ão #ue eu seBa. Fo!o,eu di!o. &Carlos entra como uem em do banheiro, abotoando abraguilha. =1 meio grisalho. Senta. Fuma e bebe o tempo todo.3

    2O128ILO

     ;l!uém tinha misturado a renúncia de @Anio com o suicdio de

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    ouido.3 Ou"ido absoluto. :ei mais de mil parolas. Mas o #ue eu#ueria mesmo era ser astro da

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    é #ue não foi. :e o =ri7ola não empurrasse, ele fica"a se tostando l*na 2osta do :ol, numa boa. 8 tinha mudado a hist0ria, pra melhor. Dopoder, o #ue ele !osta"a mesmo era das coristas do teatro rebolado.>m liberal5 Mas como liberalismo tem hora, mandou me prender, nodia em #ue publi#uei uma frase dele+ 3Os dias do poder são bons mas

    as noites do poder são !loriosas4. &Aponta pra si prprio.3 $re7epris%es em #uin7e anos ) e GZ[ "e7es arrastado pra prestardeclaraç%es. 3/a\ !obierno? :o\ contra. 1o ha\ !obierno? :o\ contratambién.4 Imprensa é oposição+ o resto é arma7ém de secos emolhados. Mas em armas eu não pe!uei, não. 1ão sei nem onde é#ue fica o !atilho de um re"0l"er. Meu ne!0cio é acabar com as forçasarmadas+ por #ue é #ue "ou apoiar outra força armada? Mas, na horado pe!a pra capar, !arotos, eu não dei no pé, não. $ão lembrados? 8usou um da#ueles #ue não foram embora. =om, não estou criticando os#ue se mandaram. Medo é medo ) #uem tem orifcio anal sabe disso.

    &Noutro tom.3 8 #uem tem pr0stata, depois dos cin#enta, "i"e nobanheiro. &Vai saindo pro banheiro.3 Mas te"e !ente #ue se mandoumuito cedo. &Volta9se.3 Minha maior pai-ão é criticar meu pr0prio lado.

    =8$O

    =abaca. Soc da classe mérdia não t* acreditando #ue tem umbar com esse nome, t*? De"e ter a até !ente da burocr1ciacochichando #ue não da"am al"ar* prum nome desses. $* bem5+ com

    mil pratas lubrificando a burocr1cia o bar podia até se chamar Ho)ota. ;!ora, também não é a no meião da !ranfina!em, claro. Fica naestrada Dutra, ]m ^Z. 2he!ando ali, "oc toma uma estradinha deterra, P direita, lo!o depois " uma placa+ “Coisinha, a dois#uilômetros4. Coisinha, não é delicado? O espanhol do 'abaca temsuas #inesses.

    2O128ILO

    Foi o primeiro porre #ue tomei na minha "ida ) e eu B* ta"a com

    "inte e sete anos. O pessoal do ar#ui"o descolou um us#ue nacionale eu fui a primeira a encarar o !ar!alo. $em uma coisa ) nin!uém "aificar pensando #ue eu sempre falei assim, cheia de !ria. 8u coloca"atodos os pronomes, e pala"rão me da"a noBo. $inha !ente #ue atéencarna"a em mim por#ue uma das coisas #ue eu mais admira"a nopresidente era a forma mesocltica. 8le não perdia uma. Fui professoraseis anos, portu!us eu sei. _s "e7es eu fica"a ou"indo ele falar&Corrige, irInica.3 ouindo9o #alar e pensa"a+ nessa pr0clise ele "ai

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    entrar bem, mas nunca5 ;certa"a todas na mosca. Outro sensacionalera o acerda. 2omeça"a uma frase, abria um parnteses,esculhamba"a todo mundo e, #uando fecha"a, a concordAncia batiacertinho. é com cré. 2omo é #ue a!ora a !ente pode respeitar unspolitic0ides #ue, #uando falam uma frase com mais de de7 pala"ras, o

    suBeito não se d* mais com o predicado? 1ão conse!uem or!ani7aruma frase e #uerem or!ani7ar o pas? O mundo? Xual é? &'ebe.3 :ãouns inelo#entes.

    18I$;

    8u sou de boa famlia. De 2uiab*. $em !ente a #ue pensa #ue s09io e :ão 6aulo tm !rã(fino. 1unca "iram !rã(fino de 2uiab*. 1em afamlia real da =a"iera se compara. :0 depois eu aprendi #ue isso éuma bosta, #ue a !ente nunca mais se li"ra disso+ formação pe#ueno(

    bur!uesa. Soc nem ima!ina como me doeu a primeira "e7 em #ueme cuspiram em cima essa e-pressão. 8u nem sabia bem o #ue eraRme doeu como uma ofensa mortal. Depois fui P forra+ usei em cima detodo mundo5 &+ausa.3 8u, desde menina, não a!enta"a 2uiab*. Si"iade olho no 9io e em :ão 6aulo. ia tudo #uanto era Bornal, sobretudonotcia social e as fofocas sobre intelectuais prafrente-, !randesartistas de "an!uarda. 8 fin!ia #ue lia os li"ros sérios, mas esses,francamente, eu não tinha saco. ;cho #ue nin!uém tem. Mas eu eracrente. :ou dessas pessoas #ue acreditam. 8m #u? 8m tudo. 8u

    esta"a l* em 2uiab*, mas não "i"ia l* ) "i"ia num filme. ;#uelesintelectuais cariocas #ue passa"am o dia bebendo e #ueimando fumono 2astelinho ) depois eu descobri #ue os intelectuais #ue pu-a"amfumo no 2astelinho eram os paulistas imitando o #ue os cariocas nãofa7iam ) pra mim a#ueles intelectuais eram os mesmos #ue esta"amna luta armada contra a ditadura. 8u era menina, pra mim não tinhaincoerncia ) d* uns tiros no mato, corta, est* bebendo no 4egrau. Jpreso pela 6olcia, corta, est* Bo!ando frescobol na Montene!ro. 6ramim era tudo em GV milmetros. 8 tinha uns caras poderosos )poderosos? ) di"inos(mara"ilhosos, #ue controla"am esse cinema(

    no"o e-istencial e monta"am a realidade brasileira na mo"iola deminha cabeça de !rã(fina cuiabana ) o

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    desci. &Carlos olta.3

    =8$O

    &Como uem sonha.3 Foi a #ue os compositores começaram a

    cantar.2O128ILO

    Meu chefe, um "elho de mais de #uarenta anos, falou #ue tinhamsido os comunistas, pra botar @an!o no poder. >m despachante daalfAnde!a, um antipaticão, ali*s, "otou contra+ 3J e"idente #ue foi ocomple-o industrial(militar a ser"iço do imperialismo ian#ueprocurando conser"ar os latifúndios improduti"os da oli!ar#uiapaulista. Ns sabemos4. 8u também sabia #uem era ns. O

    encarre!ado de 9elaç%es 6úblicas lembrou #ue @Anio Xuadros B*tinha renunciado uma "e7, no meio da campanha+ 38st* pensando #ue"ai "oltar de no"o nos braços do po"o, mas o po"o B* encheu4. Mas#uem me deu rai"a mesmo foi o calhorda do crioulo da limpe7a, umtremendo cachaceiro, #ue rosnou+ 31ão foi nada disso não, puta #uepariu54 ;ssim mesmoR esse pala"rão. 6or#ue, nessas ocasi%es, aprimeira coisa #ue desaparece é o respeito e a hierar#uia. ; !ente "#ue tudo não passa de um "erni7. O crioulão, com a "o7 B* enrolada,disse+ 31ão tem forças ocultas nenhuma5 8u conheço muito bem

    essas forças4. 8, com todo mundo bo#uiaberto, ele arrematou+ 3=ebeumal54

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    6ois é+ tô a#ui h* trinta e cinco anos, na merda deste mundo, e s0sei isso ) #ue é uma merda. ;té a!ora, não entendi picas demirandolina do #ue se passa em "olta de mim. 8 d*, s0 com cursoprim*rio? O #ue me sal"ou ) me sal"ou ou me perdeu, depende do

    cristal com #ue se mira ) é #ue eu sempre fui de enturmação. * em=a!é era com o time do m dia eu li numa coluna #ue ela esta"a mudando da#ueleapartamentinho =19i9tudo D perto da praia ), ela esta"a con"ersandocom o Millôr, de uma Banela pra outra, di7endo #ue ia mudar e issosaiu no Bornal por#ue a colunista do Llobo ou"iu, numa outra Banela )Ipanema era assim, uma !rande famlia5 Ipanema era um sonho5Xuando eu soube #ue ela ia mudar, fi7 minhas contas depressa e

    telefonei pra ela per!untando se não podia me recomendar ao donodo apartamento. Foi assim #ue eu enturmei com ela. 8la marcouencontro comi!o, B* no apartamento no"o, eu subi correndo os trslances da escada, era um edifcio anti!o, no @ardim de ;l*, semele"ador, e, #uando ela abriu a porta, de maiô bi#uni, tão simples, umpano na cabeça, tão humana, toda empoeirada da arrumação, tãonatural, meu Deus, tão !ente, e me sorriu, simp*tica, com a#uela cara!orduchinha tão linda, "oc, olha, nin!uém "ai acreditar ) eudesmaiei.

    =8$O

    Meu nome é =eto Maria+ não "em com essa não, claro #uelembra. 'eto Maria =o(o Auidab(. ;h, meus sais arom*ticos5 :empreti"e esse nome5 Xuer di7er, mudei uma "e7, mas também nin!uém iaconse!uir fa7er carreira com meu nome de batismo+ 8sterônio Sal"ular de Outubro. =eto Maria

     ) =etinho. 6articipei da#ueles festi"ais de música popular, todo

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    mundo ainda "i"o sabe disso. Soc não sabe? 8ntão est* morto56articipei de todos. 2omecei por bai-o, no primeiro, e fui subindo nosoutros por#ue topa"a tudo ) conse!ui che!ar a ser o cantor mais"aiado pela platéia encarre!ada de radicali7ar. 1ão sabia? 6ô, "ocnão sabe nada. ; !ente di"idia os concorrentes, como a#ueles

    campeonatos de catch da tele"isão ) tinha o bon7inho, tinha ocontestador sistem*tico e o contestador ocasional, e tinha o péssimocar*ter, a#uele #ue no catch chuta a cara do ad"ers*rio cado e enfiao dedo no olho. 8sse a era eu. Xue foi, -ar*, desbundou? 6ensa"a#ue a#uilo l* era pra "aler? Oh, meu trato5 Foi o pr0prio Mar- #uemdisse ) tudo é tutu. * nos isteites, os a!entes da @oan =ae7 e do =obD\lan tinham #ue se "irar pra manter a#uelas ima!ens. 2usta"a umanota. 8 o =ob /ope?

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    fer"endo. 8 os estudantes todos, #uisessem ou não #uisessem,esta"am na#uela panela de pressão. Fui morar num apartamentinhoali em 6inheiros, Bunto com duas cole!as um pouco mais "elhas, dointerior do estado. 1aturalmente, a cabecinha feita a est* esperandoeu confessar #ue pouco tempo depois descobri #ue uma era sapatão

    e a outra terrorista. &+ausa, sorri. Simp1tica. C@mplice. :ogo, comraia.3 6ois não eram5 1em uma coisa nem outra. $em #ue ser?5 ;!ora, as duas eram ati"as, esta"am em todas. 8, como eu não tinhali!aç%es, ia a todos os lu!ares com elas, ia a tudo #ue era bibocaincrementada e, #uando percebi, eu, #ue "i"ia a dolce "ida cuiabana,eu, #ue tinha descido pra ampliar meu !o7o e-istencial, "i"er a "idadeslumbrante da Bu"entude alienada da minha !eração, #uando "i,tinham me "irado pelo a"esso. 8 esta"a nas passeatas &'ebe.3, demãos dadas, formando uma corrente pra frente, me es!oelando,euf0rica, uma "o7 na multidão de milhares+ 3O po"o unido Bamais ser*

    "encido4. 8u não entendia o #ue se pretendia com a#uilo, mas, nofundo do meu coração, eu sabia #ue era al!uma coisa contra meuspais, l* em 2uiab*.

    2O128ILO

     ;cho #ue o =rasil não tem é sorte. Xuando o @Anio tomou posse,pareceu até #ue a coisa ia en!renar. Depois da#uela roubalheira todado @] ) bem, não "ou di7er #ue ele roubou pessoalmente, a !ente

    sempre tem #ue di7er #ue o presidente é uma "tima, est* malcercadoR pas em #ue o presidente rouba pessoalmente érepubli#ueta. Depois do @uscelino, ter entrado o @Anio, forte, decidido,com seis milh%es de "otos5, eu achei uma coisa sensacional5 O @Anioera honestérrimo. 8 impunha esse carisma. Foi com ele, ali*s, #ueessa pala"ra ficou popular. 1os Ministérios, nin!uém le"a"a mais nemum clip pra casa. ;ntes sumia até aparelho de ar(condicionado. 8, derepente, tum5, tudo acabado. >m a7ar5 8u, se fosse presidente )embora seBa contra mulher... eu B* disse? ;h5 =om, se eu fosse, aprimeira coisa #ue fa7ia era nomear um ministro da umbanda pra

    fechar o corpo do pas. $odo despacho presidencial realmenteimportante seria feito se-ta(feira, numa encru7ilhada, acompanhadode um despacho do ministro tranca(ruas. ; I!reBa 2at0lica tem muitaurucubaca5 &Se ben;e, inclusie bei"ando os dedos.3 Deus me perdoe5

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    engole, bebe 1gua.3 8u #ueria ser uma !rande mulher, a partir do meucorpo. :uperior. ; eila era superior assim. $ransa"a com #uem bementendia e #uando resol"eu botar a barri!a !r*"ida, enorme, na carada macacada, no sol de Ipanema, botou mesmo. 8u achei horr"el.Depois achei lindo. 8 lo!o todas as !atas paridas do pas inteiro foram

    atr*s dela. 8la era a estrela, o resto era fi!uração. 8u, se ela dissesse,sai de bunda de fora, eu saa. Mas ela nunca disse isso. 8ssa modanão foi ela #ue lançou. Xuem foi a re"olucion*ria da bunda de fora eunão conheço, B* não é do meu tempo.

    2O128ILO

    Depois #ue todo mundo foi embora, eu fi#uei ali, na repartição,so7inha, meio no escuroR B* era bem tarde, pensando. Depois, apa!ueias lu7es, uma a uma, e desci pra rua Mé-ico, completamente "a7ia )

    eram #uase de7 horas da noite. 8u fui andando, bem de"a!ar, mese!urando por#ue o us#ue tinha subido bastante. 8m cada es#uina,no escuro, eu "ia a silhueta de dois soldados do 8-ército, armadoscom rifles. 6erto do Obelisco, tinha dois tan#ues.

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    dei-a nin!uém, nin!uém, nin!uém, nem mesmo ela, #ue era a maislinda, a mais esplndida de todas ) ser feli75

    =8$O

    =em, esse ano não adianta ) não posso aceitar mais nada+ B*estou todo pro!ramado. J bem "erdade #ue s0 faltam dois meses prafechar o ano, mas, com a crise do petr0leo, tem cole!a a #ue nãoest* conse!uindo cantar nem no banheiro. 8u não ) #uando terminarminha temporada no 'abaca "ou me apresentar dois dias numcassino clandestino, numa palafita, na Fa"ela das Marés, depois, façouma curta temporada na "aranda do ;lca7ar, pe!ando chepa dosturistas ) eu canto em "*rias ln!uas, todas elas mais ou menos emportu!us ) e depois B* estou apala"rado pra irritar os fre!ueses deoutra churrascaria de rod7io, em 1iter0i, e fa7er com #ue eles comam

    menos. $enho #ue !anhar a "ida. :0 sei ) B* me ne!aram tudo, masisso nin!uém ne!a, ou ne!a, ne!am tudo5 ), s0 sei cantar. 8n#uantoisso "ou marretando a bicharia "elha #ue "ai ali na estradinha de2a-ias pra dar o #ue é seu, o #ue, di7ia minha a"0, não é desdouro.6ois o #ue esse espanhol comunista, dono dessa birosca noBenta em#ue eu canto, e-plora mesmo, não é a comida fudida nem o showescroto ) é a prostituição masculina. >ma manada de nordestinosfamintos, uns mulatinhos sestrosos, "aselinados, o mais "elho de"eandar a pelos G[. $odos subnutridos e analfabetos. Mas parece #ue a

    subnutrição e o analfabetismo não afetam a tesão de nin!uém por#ue,com cach entre ZYY e QYY pratas, os paus(de(arara estão sempre apostos &Lesto de tes(o.3, prontos pra traçar os "elhos !rã(finospelan#uentos #ue B* não encontram mais macho na 7ona sul ) nempa!ando. =om, péra a, também não é assim tão imoral5 Os rapa7esdo 'abaca também tm seus princpios. 6or e-emplo+ não topam beiBona boca. &+ausa.3 De "e7 em #uando, eu pe!o umas rebarbas. De umlado e de outro. 1o sentido e-ato ) eu me "iro.

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    pessoas, amando todo mundo, passou todo o medo. 8stou tran#ila edando de mamar pra minha filha4. &'ebe.3 ; "o7 dela. &*ira #rasco dabolsa, p?e algumas pBlulas na m(o, toma com o uBsue.3

    18I$;

    8m dois anos eu cresci muito. @* não era mais menina, B* tinhaopini%es, B* acha"a "elho uma des!raça, B* repetia cha"%es, B* sabia#ue tudo #ue a !ente detesta é reacion*rio ) até Bil0, B* mora"a no 9io,

     B* não era mais "ir!em. Xuer di7er, eu B* não era mais "ir!em em2uiab*, mas foi ne!0cio Ps pressas, não "aleu. ;#ui eu tinha ratificadomuitas "e7es. ;#ui eu aprendi também a #ueimar fumo, no 6ier,aprendi a ter "er!onha da minha formação familiar, a falar chiado,usa"a um cabelo maluco, e "i"ia coberta de penduricalhos das ori!ensmais "ariadas ) brincos astrol0!icos, pulseiras africanas, anéis

    orientais, colares ecol0!icos. 8u era ; 9ainha dos =erlo#ues.

    2;9O:

    6ois é+ o @Anio dei-ou cair a bola, o @an!o chutou mal, osmilitares a!arraram firme e, claro, passaram a se Bul!ar donos da bolae tome cartão "ermelho pra tudo #uanto é Bo!ador ad"ers*rio5 8 n0s,no meio do campo, B* sem idade pra correr mais no"enta minutos num

     Bo!o sem re!ras, começamos a le"ar canelada de todos os lados. 6ois

    o time da I!reBa, #ue nunca foi muito cat0lico, não nos da"a apoio. Osmilicos nos odia"am. Os intelectuais foram todos pra te" pra e"itar#ue os inimi!os pe!assem a#ueles altos sal*rios. Os empres*riosacendiam uma "ela a Deus e outra ao mila!re. ;s multinacionaisdeita"am e rola"am. 8 os Bo"ens nos olha"am com absoluta ecompreens"el desconfiança. 6ois, de repente, no meio disso tudo,passou a ser um crime horrendo ter mais de trinta anos, mesmo #uefosse menos de #uarenta. Os culpados disso foram a#ueles músicoscabeludos l* de i"erpool, #ue, por sinal, nem eram tão cabeludosassim. Mas, tudo le!al5 &+ausa.3 =em, meninos e meninas do Búri,

    podem estar certos de #ue não me ofenderei se "ocs, enoBadosdiante da minha de!radação fsica e moral, dei-arem a sala sem ou"irminha defesa. :0 #uero declarar #ue minha decadncia não foi"ocacional, nem planeBada. 8m criança, #uando me per!unta"am o#ue pretendia ser #uando crescesse, eu Bamais respondi+ 3>m homemde meia(idade4. @amais. :implesmente, aconteceu. >m erro de toda aminha !eração. Xue, estou certo, a de "ocs saber* e"itar. 8 espero#ue conte a meu fa"or o fato deu não ter me entre!ado facilmente.

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    Discuti muito com meus cúmplices de !eração. $odas as noites, antesde dormir, eu di7ia pra minha mulher+ 3;mélia, #uerida, não adiantaracionali7ar. 2he!armos aonde che!amos é uma ofensa irrepar*"elaos no"os tempos. 8les tm ra7ão, ;mélia+ n0s somos podres, podres,podres4. 8 ;mélia me respondia+

    =8$O &No papel de Amlia.3

    3J "erdade, 2arlos, eles tm ra7ão. :0 #ue eu sou muito maispodre do #ue "oc. Fui eu #ue impus a eles os falsos "alores de umasociedade condenada ) café da manhã, banho, sinteco e mais duasrefeiç%es por dia. 2om isso, empurrei(os para a alienação, o uso dedro!as, ine"it*"el rebelião contra o sistema, canibalismo e, sobretudo,c*ries dent*rias s0 e-plic*"eis pelo e-cesso de afeição com #ue foramtratados.4

    2;9O: ) M;9IDO

     ; tua capacidade de sacrifcio maternal é monstruosa, ;mélia,mas eu sou o maior monstro. 2omo pai, não ti"e capacidade deorient*(los para uma corrupção compat"el com o mundo corrupto #uelhes entre!amos.

    =8$O ) ;MJI;

    1ão, fui eu #ue lhes dei amor demais, tornando(os fracos,incapa7es de resistir Ps condiç%es ecol0!icas ad"ersas e Ps matériascancer!enas da sociedade de confumo.

    =;9M;1

    &'em discreto.3 2onsumo.

    =8$O ) ;MJI;

    &+ra ele. 4iscreta.3 2onsumo?

    18I$;

    Mamãe este"e s0 uma "e7 comi!o, a#ui no 9io. Foi me "isitar nomeu apartamentinho, na Morada da u7, ali perto do 2anecão. ;maluca resol"eu me fa7er uma surpresa, "eBam s05 ; surpreendida foi

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    ela. Xuando entrou ) a porta "i"ia escancarada ) eram duas da tarde.O ;lfredão percussionista ainda esta"a dormindo na sala, o sol nacara, nu como "eio ao mundo, os ba!%es de fora, o seu sono inocenteabsolutamente imperturb*"el diante do esporro #ue o aurinho fa7ianum sa- alto, en#uanto o Manfredo toca"a outra música

    completamente diferente numa aporrinhola. ; "elha pensou #ue tinhaerrado de endereço5 6ensou #ue tinha errado de mundo, tão distantea#uilo esta"a do mundo da filhinha dela. Mas não tinha errado não, ela"iu lo!o, no fundo do pe#ueno corredor, por#ue o banheiro não tinhaporta e, sentada no "aso, da maneira mais natural, liberta de tudo #uea "elha tinha ensinado, na sua santa e bem(intencionada repressão, l*esta"a 1elita, a filhinha dela, ca!ando para a bur!uesia. Dona

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    2O128ILO

    1o dia se!uinte, passei na I!reBa de :anta u7ia e re7ei por ele,pelo presidente, e re7ei pelo =rasil. ;!ora eu B* sabia de tudoR #ue eleesta"a mesmo preso em 2umbica, #ue tinham trado ele, lendo lo!o a

    renúncia, #uando o certo era esperar a opinião do po"o, e saiu a#uelain"enção das forças ocultas, #uando ele nunca, nunca falou isso. 8lefalou em forças terr"eis #ue não tinham nada de ocultas. 8ra !enteassim mesmo, como esse ;uro Ma77ili e esse 9ainiere de Moura

     ;ndrade #ue lo!o repartiram o poder com os militares. 8u esta"a commedo. $odo mundo esta"a. 1a repartição, a ba!unça "oltou lo!o ao#ue era antes. 1esse ms, desapareceram trs m*#uinas de escre"er.

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    8ra tudo em nome da arte e da redenção pela arte ) e pra mim era atémuito mais #ue isso. 8ra ser permitida no :antu*rio. 6or#ue, no fundo,eu sabia #ue não tinha nenhum direito de entrada a não ser o meucorpo. Xue é #ue h*, Né, não "ale? :em essa. 1o mundo de bai-o oude cima, meu filho, na !ranfina!i ou no udi!rudi cada um entra com o

    #ue tem. 8ra muito f*cil di7er #ue eles dependiam de mim até prumadro!uinha, mas #uando eu #uis sair eu percebi #ue a dependente eraeu. 8 a cai numa fossa federal. 1unca mais eu ia me li"rar da#uela"ida. 1unca mais eu podia "i"er a "ida correta e decente #ue tinhaaprendido, "i"er bem casada, cuidando dos meus filhos e traindo meumarido direitinho, como minha mãe tinha me ensinado. &Aten0(o+ eladi; isso sem ironia.3

    =8$O

    8u "im de bai-o. Soc B* tinha percebido? 6ercebeu pela cor oupelo sota#ue in!ls a#ui do papai? 1ão, não ) "ai, di75 8u a!ento otranco, boneco. 8u conheço todas as falsificaç%es. 8u sou todas asfalsificaç%es. $* bem, nem todas. Soc fica com seus HY por cento. 8u

     B* fi7 de tudoR di7 a uma coisa #ue eu não fi7. Fui ca"ador de poço,limpador de fossa e "endedor de lata d`*!ua. Isso, até os seis anos deidade, #uando sa de 6anelas de Miranda, onde nasci. 6anelas fica nointerior de 6ernambuco, mais ou menos uns ^YY #uilômetros depoisde onde o "ento fa7 a cur"a. ma "e7,trabalhamos num espet*culo coleti"o desses durante no"e anos.

    Xuando o espet*culo ficou pronto dura"a T horas. ;, "imos #ue nãoda"a, discutimos e redu7imos tudo pra #uarenta e cinco minutos. 8rasobre a construção da pirAmide de Xueofres, pra ser representadonum areal de 6arnaba. &Lesto.3 2lima5 ; censura cortou ZY minutos.

    18I$;

    Jramos Bo"ens, altrustas, dispostos a tudo, tnhamos san!ue. 8

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    pressa. $nhamos recebido a sa!rada missão de modificar tudo deuma "e7, imediatamente ) no tempo de nossa mocidade. :0 nãosabamos #ue o pra7o era tão curto. ;li*s, indi"idualmente, nãosabamos de nada. amos. ;panhados isoladamente nem sabamoscomo nos defender dos ata#ues brutais dos mais "elhos, cheios de

    ar!umentos definiti"os. 1ão tnhamos munição ideol0!ica. 6or isso,sempre #ue acontecia al!um fato no"o, corramos, em pAnico, pro!rupo, pro partido, pra patota e per!unt*"amos ao !uru de plantão+ 3O#ue é #ue n0s estamos pensando?4 8 a fic*"amos tran#ilos. 6or#ue,em #ual#uer bar, em #ual#uer aula, em #ual#uer redação, podamosdefender auela idéia, pois lo!o aparecia al!uém pra nos apoiar. 8esse apoio era a senha pra reconhecermos os #ue esta"am namesma estrada. Socs B* obser"aram uma formi!a? @* tentaramcompreender como é #ue a formi!a, tão idiota, so7inha, fa7 mila!resem !rupo? J por#ue a formi!a não é um animal. &+ausa.3 J uma

    célula. Xuando se apro-imam umas das outras as formi!as começama trocar mensa!ens e a a!ir com um único obBeti"o. Funcioname-atamente como as células do cérebro humano ) s0 #ue não tmcarapaça. 8 a "iram uma força determinada, tena7, indestrut"el. 6or#ue é #ue "oc pensa #ue os medocres dos Baponeses andamsempre Buntos? 6or #ue é #ue "oc acha #ue não e-iste Baponsindi"idual?

    2;9O:

    2he!a um momento em #ue não tem mais sada. ; "ida cada "e7mais difcil. 1enhuma lu7 no fim do túnel. 8 resta pouco tempo.&+ausa.3 Muito, muito pouco. ; maior parte dos meus ami!os B* semandou. :em dei-ar uma marca. 1ão dei-aram nada! 8u e mais unsdois ou trs, #ue ficamos a#ui na trincheira da mesma !eração, noslembramos deles. 8 #uando n0s morrermos? ;diantou al!uma coisa?utamos pra #u? utaram pra #u? 6odiam ao menos ter pensadoal!uma boa frase final+ 3iberdade, #uantos crimes se cometem emteu nome54 3De pé comi!o, companheiros, e cairemos Buntos.4 3Me

    enterrem entre as palmeiras, do outro lado do rio.4 &+ausa.3 38t tu,=rutus54 8mbora eu, dono de Bornal, Bornal "a!abundo mas Bornal, o#ue me fa7 um patrão "a!abundo mas patrão, ache #ue meusempre!ados prefeririam #ue, ao morrer, eu dissesse como o fil0sofo

     ;na-*!oras+ 3D um dia de fol!a ao pessoal4. &:onga pausa.Concei0(o come0a a manusear um dicion1rio ue est1 do seu lado.3Xuando eu entrei na minha sala, o Maurcio, redator(chefe h* mais de"inte anos, caladão, pai de trs filhos homens, esta"a sentado na

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    minha cadeira, a cabeça deitada em cima da mesa, como #uem est*dormindo. 1ão esta"a. ;tra"és da Banela, o sol "iolento do meio(diabatia em cheio na cara dele, iluminando o buraco da bala, horrendo,na testa, o san!ue B* coalhado. Dei-ou um bilhete+ 32arlos, meu "elho,como "oc ", a "ida est* cada "e7 mais difcil. 1ão se es#ueça de

    re"isar o editorial sobre a inflação4. &:onga pausa.3 38t tu, =rutus54=8$O

    &Como em sonho.3 Foi a #ue os compositores começaram acantar.

    2O128ILO

    &Sempre me)endo no dicion1rio.3 /oBe é f*cil criticar ele,

    ridiculari7ar+ 3/istrião54 36alhaço54 3Mulheren!o54 Falar #ue bota"acaspas de mentira na roupa, #ue a maior "irtude dele era conse!uircomer a#ueles sanduches nos comcios, depois de uma brutarefeição. &Carlos sai pro banheiro.3 Mas eu sei #ue ele foi o homemmais sincero do mundo e pro"ou, depois5 Xuem combate ele #ue medi!a+ com o talento dele, com a#uela autoridade5, e-(presidente5 nãopodia estar diri!indo um banco, estar prestando ser"iço a umamultinacional? $odo mundo não est* l*, na folha? O

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    reli!ião, amor li"re e sobretudo o papel da mulher na sociedademoderna. Deus do céu, como eu era culta5 2omo eu era inocente5 :0comecei a desconfiar #ue esta"a tudo doente #uando a eila foi

     Bul!ada na#uele pro!rama 3Xuem $em Medo da Serdade?4, a maiormentira do mundo. Foi insultada de "a!abunda pra bai-o e saiu em

    prantos do estúdio. Mas também a !ente nunca sabe o resultado dascoisas ) os produtores acabaram #uebrando a cara, perderam opro!rama, foram chamados de 3e-ploradores e canalhas4 e a ima!emdela, meio menina, meio mulher, totalmente li"re e totalmente pura,consolidou(se para sempre. >ma coisa eu aprendi+ a "ida... bem... a"ida... independe.

    =8$O

    $inha um padre a, um frei a, famoso, com o meu nome+ =eto.

    Mas eu não tenho nada a "er com ele. 1em conheço. 1em meinteressa conhecer. $ambém não tenho rai"a de #uem conhece. 1ãotenho mais rai"a de nin!uém. @* ti"e. Xuando fui preso. Fui o único#ue foi preso do outro lado, se é #ue me entendem. Fui preso porin!ratidão ) bode e-piat0rio ), pois esta"a Bustamente dando umaaBuda7inha le!al aos #ue esta"am prendendo os #ue de"iam serpresos. Mas tenho a impressão de #ue bobeei na "irada da onda ) empoltica precisa ser bom surfista. $em uns a #ue eu manBo #ue estãosempre na crista da onda &Fa; moimento de sur#ista.3 e nunca

    arriscaram uma costela. 6or#ue neste pas, camar*, pintou peri!o, opessoal t* todo l* em cima do muro. O =rasil é um muro s0. Oito mil#uilômetros. Maior #ue a muralha da 2hina. 6or e-emplo+ #uando o=ri7ola caiu apareceu al!um !rupo de on7e pra defender ele? 8le di7ia#ue tinha Q mil5 1ão apareceu nem um pra remédio. :e o =ri7olati"esse "encido, sabe #uantos !rupos de on7e iam aparecer? D* umpalpite5 :etecentos e "inte e sete mil, du7entos e setenta e dois. 2omoé #ue eu sei? 8 s0 pe!ar a população do pas em V^ e di"idir poron7e. &Carlos olta, #echando a braguilha.3

    2;9O:

    6rofissão? ;d"o!ado. Socação mesmo? @ornalista. O #ue é #ueisso #uer di7er? &41 de ombros.3 Meu primeiro Bornal, no colé!io, eraimpresso num rolo de papel hi!inico pra mostrar a "erdadeirafinalidade da imprensa, e fui indo, até #ue arranBei uns cobres do!o"erno ) na outra ditadura5 ) e fi7 este "ibrante "espertino. 8u acho#ue é um Bornal socialista. Os inimi!os di7em #ue é um caça(n#ueis+

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    democracia é isso. $i"e !randes mestres. 2hateaubriand, #ue obri!ouo !o"erno =ernardes a entre!ar Itabira aos americanos e !anhou tantodinheiro #ue abriu uma cadeia de Bornais. 8 o embai-ador

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    com a ale!ria da rapa7iada, na França, arrancaram as flores daprima"era de 6ra!a, fecharam pra sempre a $checoslo"*#uia e... emataram 9obert ]enned\. Mataram também uther ]in! e, a#ui,mataram um outro presidente, 2osta e :il"a, Bo!aram mais um "ice(presidente ci"il, o 6edro ;lei-o, na lata do li-o e desceram a noite da

    In#uisição no pas com uma lei bre"e, !rossa e rasteira. &OrInica.3 ; leimais curta do mundo. &'em lentamente, conta nos dedos.3 ; ) I )2inco. &:onga pausa.3 1ão, mil no"ecentos e sessenta e oito não foiuma boa safra.

    FIM DO 69IM8I9O ;$O

    C9FO: D8 @E1IO

     ;$O II

    =8$O

    $em !ente #ue pensa #ue eu "i"o chorando os tempos dos ternosbrancos, dos carr%es e das mulheres louras. 6ô, eu tinha uma loura s0pra me "estir. Fica"a em pé, de pernas abertas, no meio do camarim,as duas brancaranas "inham ) é, eram duas5 ), me desabotoa"amtodo ) eu s0 le"anta"a um braço a#ui, uma perna ali, e assim mesmode muito m* "ontade ) e elas me "estiam+ e!retes, plumetes e lenço

    de pirata na cabeça. >m barato. De "e7 em #uando, eu bota"a umapra me fa7er o ser"iço ali mesmo. :0 pra humilhar. 8u não sabia #ueera pra humilhar, mas hoBe eu sei. Mas não é o tempo #ue eu tenhomais saudade. Meu tempo melhor foi dos GV aos G[ anos, trabalha"aem $uriaçu, subúrbio da inha ;u-iliar. Miser*"el e feli75 Fudidão efeli75 Me chama"am de $ição e eu ria. :abe em #ue é #ue eutrabalha"a? &Ki muito.3 8u trabalha"a numa chaminé de alumnio deuma f*brica de #ueiBos em bisna!a. :e "oc me per!untar por #ue é#ue a chaminé tinha #ue ser coberta com placas de alumnio, eu nãosei. ;cho #ue era pra ficar chi#ue. O #ue eu sei e todo mundo sabe )

    é #ue no "erão, no 9io, fa7 ^Y P sombra. Isso #uer di7er #ue opiauiense pendurado l* na chaminé, com a#uele sol na cara, fica"alembrando do 6iau como se fosse a 1orue!a. 6ois esta"atrabalhando pelo menos a QY !raus. Ora, todo arrebite tem um contra(arrebite. 2ontra(arrebite esse #ue o papai a#ui se!ura"a dentro dachamin! Samos botar a uns [Y !raus de temperatura e nin!uém t*e-a!erando. 6ois olha, respeit*"el público, en#uanto o norue!us, dolado de fora, manda"a brasa no rebitador, eu, l* dentro, com as costas

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    apoiadas no muro da chaminé, os pés fincados nas reentrAncias dostiBolos, os coto"elos doendo de a!entar o tranco, os so"acosras!ando por causa das cordas #ue me prendiam l* em cima, o suorcorrendo em bica pelo corpo ) pois a, nesse calor, barulho, suBeira,miséria e peri!o de "ida ), sabem o #ue é #ue eu fa7ia? 8u canta"a5

    2O128ILO

    Xuarenta e trs anos. 6rum presidente, era muito moço5 1asceuno mesmo ano do @ohn ]enned\. 8 tinha até as mesmas letras nonome+ era s0 a !ente escre"er Xuadros com ] ou ]enned\ com X. 8uacha"a ele tremendamente se-\. 8 não s0 eu #ue, #ue não sou nada.Mas a ai7 :tron!ossi, uma das !rã(finas #ue trabalha"am narepartição ) ela sai muito nas colunas ), um dia ela entrou no ele"ador comi!o ) eu não !osto de mulher, mas ela esta"a esplendorosa ) e,

    como sabia #ue eu era "idrada no presidente, foi lo!o me di7endo,assim, na cara, #ue era capa7 de dar pra ele a #ual#uer momento. 8ras0 ele con"ocar. 8 olha #ue ela é casada com um diretor da I=M5 Masnos 8stados >nidos também era a mesma coisa ) todas "i"iam loucaspra dar pro ]enned\. 6ois era esse homem #ue atraa dessa forma aMulher =rasileira #ue eles di7iam #ue era um populista sem talento es0 !osta"a de cachaça e bang9bang. 8le, #ue era respeitado até peloFundo Monet*rio Internacional5

    2;9O:2om ra7ão ou sem ra7ão, muitos acredita"am em mim. 1ão !osto

    disso. Mas eu tinha ficado e resistido. 9esistir é o meu fraco. 6orém,al!uém bem podia ter dito a eles #ue não de"iam me escre"er do2hile, assim, diretamente. Minha correspondncia era toda "iolada, osen"elopes che!a"am todos suBos, remendados, a repressão nem seda"a mais ao incômodo de disfarçar. 8 eles l*, no bem(bom do e-lio,se dando P le"iandade de nos arriscar a todos. Xuando se mancaram

     B* esta"a todo mundo fichado e refichado, as li!aç%es mais remotas e

    impro"*"eis descobertas e comprometidas. 8u conhecia "*rios deles )a!iam na ardorosa irresponsabilidade de sua ine-perincia ),certssimos de #ue o mundo começa"a neles, não tinha um passado.8 eu sabendo #ue s0 tinha isso ) um passado de san!ue e 0dio, ummundo de feras e carrascos ) en"ol"ido em pala"ras cristãs,comunais, !enerosas, poéticas, naturalmente inúteis por#ue"isceralmente insinceras. >m passado canalha, mas com GY mil anosde documentação. >ma coisa irrefuta"elmente concreta. ;o contr*rio

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    do futuro, uma merda de sonho. 8u sei por#ue aprendi, li tudo e "i"itudo, enfiei o dedo no cu da "erdade e não fechei os olhos diante denada. :e "oc é honesto e persistente e lúcido e não #uer "er cor(de(rosa, depois de cem anos de estudo e du7entos de "ida, "oc conclui#ue a hist0ria é nada, #ue o homem "i"e numa premonição, numa

    terra de nin!uém, num tempo de nin!uém, entre um passado #ue B*era e um futuro #ue não che!a nunca. $udo é um acaso. Xuasesempre sinistro. 8 os #ue pretendem ser !uias do futuro, ap0stolos,profetas, lderes, professores, são loucos, des"airados, ma!os defeira, curandeiros, #ue apontam P multidão o !lorioso caminho dopor"ir um minuto antes de morrerem com o crAnio fraturado por#ueescorre!aram em cocô de cachorro. O futuro é um buraco ce!o.&Cansado.3 O passado não tem #ual#uer padrão. &+ausa.3 :0 h* umespaço e um tempo+ o a#ui e o a!ora. :0 h* uma "erdadeR o lan "ital.&:onga pausa.3 Xue foi? Fundiu? $* suspeitando de mim por#ue não

    pre!o utopias? $e manca, Irineu+ e enfia no rabo esse olhar decensura. &+ausa.3 1a minha idade eu não tenho mais tempo de nãoser re"olucion*rio.

    18I$;

     ;!ora eles B* esta"am com medo, !asta"am rios de dinheiro natele"isão, fa7endo promoção deles mesmos, do !o"erno+ 38u te amo,meu =rasil, eu te amo4. 31in!uém se!ura este pas.4 3=rasil, ame(o ou

    dei-e(o.4 $odo a#uele li-o. 10s apro"eit*"amos a situação, claro,pe!*"amos bicos na propa!anda oficial, tom*"amos a !aita doinimi!o+ uma e-propriação. 8n#uanto isso, a !ente "i"ia, transa"a,muda"a ) mut*"amos. 1unca mais foi tão lindo. Me sentia plena euma "e7, incr"el5, eu "i #ue era mesmo uma criatura do outro mundo,uma "e7. Meu pai este"e a#ui no 9io, se hospedou na#uele hotel delu-o, ali da praia, me telefonou e eu disse pra ele+ 3Olha pai, tenhomuito pra7er em "er "oc4 ) eu antes até #ue não !osta"a do Beitoautorit*rio dele, mas a!ora esta"a numa de amor uni"ersal, por tudo,até animais, plantas e obBetos, e eu disse+ 3$enho muito pra7er, pai,

    mas neste hall desse hotel careta eu não entro não4. 8ntão, marcamosum encontro na es#uina, mas eu esta"a tão mudada #ue ele não mereconheceu. &+ausa.3 1a "erdade, eu esta"a tão mudada #ue nãoreconheci ele.

    2;9O:

    8u "i lo!o onde esta"a, #uando entrei na sala bai-a, mal(

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 27

    iluminada, de paredes de cimento. 2om um n0 de aço !elado meapertando as tripas, fui reconhecendo os aparelhos #ue nunca tinha"isto em pessoa+ pau(de(arara, roldana, cadeira do dra!ão, !aleto(ao(primo(canto... Me colocaram de pé, completamente nu, no meio dasala. >m policial, com cara de estudante, cabelo de paBem, se

    apro-imou de mim, me passou sensualmente a mão na bunda. 8 eu,contendo a humilhação, pensei+ 3Manual de Dan Mitrione, primeiraaula de tortura na polcia de =elo /ori7onte. 1úmero um+ Xuando oprisioneiro ti"er boa posição social, começar humilhando(ose-ualmente. De"e(se usar o mais Bo"em elemento da repressão`.&Ampliado, o som de m1uina de escreer. Carlos leanta lentamentea cabe0a com ar grae na dire0(o do som. uando a cabe0a dele

     p1ra, o som p1ra.3

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 28

    8le foi o primeiro ) e o último ) presidente a ter [email protected] dele, nunca mais ou"i essa pala"ra. 1em ética. 1emprobidade. 2omeçaram a entrar outras na moda+ c0di!o de "anta!ens,!rupo de trabalho, assessorias e tudo culminou com o

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 29

    falsos da !erncia, telefonemas diretos e a"isos de porta em porta,ale!ando um conserto ur!ente, conse!uimos con"encer mais detre7entos h0spedes a não usar a descar!a do banheiro, durante anoite, e a fa7er o especial fa"or de testar o conserto pu-ando adescar!a e-atamente Ps [ da manhã. Deu mais certo do #ue

    esper*"amos. O estouro do cocô, l* em bai-o, no reser"at0rio da!ara!em, est* fedendo até hoBe. J assim #ue se desmorali7a abur!uesia.

    2O128ILO

    @Anio tinha tudo pra ser e, se ti"essem dei-ado ele "oltar commais força, ele tinha sido ) o nosso De

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    calça, machucando a minha co-a. 3$u canta bem, hein, $ição?4, eledisse. 8u fi7 assim com os ombros. 8le pe!ou minha !uimba no chão.3=oa !rinfa, hein, mole#ue?4 8u disse, #uase chorando+ 3:enão eunão a!ento a dure7a4. 8le me olhou no fundo do olho, com um olharmuito doce, de pai, e, sem o menor a"iso, sem #ual#uer mo"imento

    #ue fosse percept"el por #ual#uer sism0!rafo, me deu uma porradanos cornos #ue a $erra, #ue até a "inha calmamente !irando no seudia(a(dia em torno do sol, deu uma parada pra pensar e o solapro"eitou pra passar seis "e7es 7unindo pela minha frente, isso,claro, uma falsa impressão de"ida ao fato de #ue meu pescoço,e#uacionado ori!inalmente prum mo"imento m*-imo de GY !raus,tinha sido centrifu!ado pela força centrpeta da porrada, o #ue oobri!ou a um !iro múltiplo sobre si mesmo, num total de #uatro milseiscentos e no"enta !raus, e isso, numa reação em cadeia, #uando odito pescoço "oltou afinal a seu ponto de partida, ZQ minutos depois,

    pro"ocou uma rearrumação apressada e ca0tica de todos os músculose 0r!ãos da cabeça, sendo #ue o preto do olho se "oltou pra dentro,me dando pela primeira "e7 a oportunidade de constatar minha almabranca, os miolos, comprimidos e descomprimidos pela força dainércia e da procura, pensaram coisas até então Bamais pensadas, dabochecha em fo!o saiu uma fumaça a7ul celeste e, no interior daboca, a ln!ua enlou#uecida apanhou com a"ide7 dois dentes brancos#ue nada"am ale!remente num litro de san!ue e os cuspiu pro ar datarde clara. &+ausa.3 Olha, eu sei, sou bem barra(pesada, B* "i muita

    !ente le"ar porrada em minha "ida, mas nunca, nem antes nemdepois, "i nin!uém le"ar porrada i!ual P#uela. Disso eu me or!ulho.&+ausa.3 Foi assim #ue eu fui descoberto. &+ausa.3 2ada um tem o2arlos Machado #ue merece. &Carlos olta do banheiro.3

    2;9O:

    8u e 6lutarco5 :abemos tudo sobre a miséria da condiçãohumana. Mas eu B* "i"i mais. Mais dois mil anos. 6or isso, ali,incomunic*"el h* mais de ^ horas ) eu pensa"a no suicdio. 1ão no

    meu, não, no dos outros. 1ão sou um suicida potencial. 8mbora #uasetodos os #ue se matam também não seBam potenciais ) se matam epronto. 8u sei tudo sobre suicdio ) a 8scandin*"ia "em em primeirolu!ar nas estatsticas, =enelu- e /olanda em se!undo, as repartiç%esda polcia poltica brasileira em terceiro. &+ausa.3 ;l!uém abriu a portada cela, na semi(escuridão reconheci a silhueta do MaBor $riorato.Ficou parado, olhando al!uns minutos, fechou a porta sem di7er nada,ou"i seus passos descendo a escada de pedra. $repei no ban#uinho e

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 31

    espiei pelo respiradouro da porta. * em bai-o, no p*tio, empenumbra, o maBor con"ersa"a com outro oficial, apontando a noite. Sios dois, de repente, e-atamente como um desenho do +asuim, umap*!ina inteira mostrando um céu ne!ro, imenso, todo pontilhado deestrelas, e em bai-o, no pé da p*!ina, dois !enerais cheios de

    dra!onas e medalhas, um di7endo pro outro &Srio.35 3_ noite,contemplando essas mara"ilhas do uni"erso, a obra incompar*"el do$odo(6oderoso, bilh%es e bilh%es de astros brilhando numa distAnciade bilh%es e bilh%es de anos(lu7, é #ue podemos perceber aincomensur*"el !rande7a do uni"erso e a humildade, a pe#uene7, ainsi!nificAncia dos ci"is4. &+ausa.3 8ram trs horas da manhã. &8lhaem olta.3 Xue horas são a!ora?

    18I$;

    Mesmo n0s, #ue não pertencamos a nenhum mo"imentoor!ani7ado, ou"amos falar em 2apara0, em ;ra!uaia, #ue amarcatinha posto a polcia pra correr, #ue Mari!hella esta"a sem sepultura )mortos, ha"ia muitos mortos5 8 informaç%es desencontradas,confusas, mas #ue estimula"am a re"olta, e, curiosamente, nosempurra"am pra apro"eitar a "ida a#ui e a!ora ) ela bem podiaacabar lo!o. 8 acaba"a. ; todo momento um passa pro outro lado. ;arma condu7 ao assalto. O descompromisso B* é uma rebeldia. ;dro!a, #uando falta o dinheiro, tra7 a tentação de traficar uns

    papelotes. Foi nessa #ue Mario7inho embarcou. 8le não "inha de umafamlia certinha, como eu, #ue, bem ou mal, sei l*, d* uma baseR ele"inha de uma famlia completamente desbundada. Mas Mario7inho eraum barato5 Xuando o 1orman Mailer, l* na matri7, reuniu GYY milpessoas, todas se concentrando na força da mente pra tentar le"itar o6ent*!ono, o Mario7inho começou lo!o a Buntar !ente no una =ar,pra tentar le"itar o 6ão(de(;çúcar. >m encanto de pessoa5 8u adora"ao Mario7inho. 8, #uando pe!aram ele, misturaram o ne!0cio do p0com sub"ersão e #uiseram arrancar dele coisas #ue eu sabia #ue elenão sabia e ele se suicidou na prisão, eu #uase morri também ) e

    abortei de #uatro meses. Sinte dias depois, eu esta"a com uma Walter 66], Ps cinco da manhã, treinando tiro, num clube de $iro(ao(6ombo,l* no fundo de @acarepa!u*. &Vai ao banheiro.3

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    dessa suBeira lésbica #ue "ocs todas transam hoBe, esse noBo. Xuediabo, amor não é s0 pau no rabo, não. @o\ce, G[ anos, mais louca,mais alienada do #ue eu. Si"ia pro dia(a(dia, feli7 como um bicho. 8utambém era assim, mas a!ora tinha uma sombra, B*. J. Foi depois #ue@o\ce desapareceu, misteriosamente ) nin!uém soube seu fim. Foi

    por causa dela. ;!ora, entre uma cheirada e outra, entre uma pu-adae outra, de festa em festa, de =ú7ios em =ú7ios, a sombra passa"aperto de mim ) sabe?, assim como #uem "i"e num apartamentolu-uoso, mas sente #ue h* pessoas sendo assassinadas no corredor,atiradas no poço do ele"ador ) tudo isso sem som. 2oisa de pesadelo.entamente, odiando, relutante, eu esta"a começando a aprender #ue"i"er d0i. &Fa; moimento de uem se olha no espelho.3 O pior é #ueeu acho #ue estou ficando careca.

    2O128ILO

    2om ele tinha desaparecido o esprito público. Os ministérios B*esta"am de no"o cheios da#uelas funcionaria7inhas #ue recebem s0pra rebolar as partes pra l* e pra c*, o dia inteiro. 1a minha repartiçãotinha seis !rã(finas #ue s0 "inham mesmo assinar o ponto. Sinham decarro, com chofer. >m Bornalista publicou um arti!o com o nome de Tdelas na "erba secreta do no"o ministro do 6laneBamento. Foi me-erem casa de marimbondo. 8las di"ul!aram uma lista denunciando ^[

     Bornalistas na "erba secreta do no"o ministro da ;!ricultura, inclusi"e o

    #ue tinha assinado o arti!o. J... tinham in"entado a mordomia.8n#uanto isso, ele, o homem mais sério #ue este pas B* te"e, a!oraaté di7iam #ue tinha recebido um milhão de d0lares pra renunciar. J,como sempre acontece no =rasil, acabaram descobrindo #ue erahomosse-ual. Xue tinha tido um caso com o Otto ara 9e7ende. 8poss"el uma coisa dessas, di7? 8-iste no mundo coisa mais#itiuBciaE

    =;9M;1

    &Corrige. 'em lee, bai)o, delicado.3 Fictcia.

    2O128ILO

    Fictcia?

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    8u me en!aBei num !rupo de ;hinsa, uma reli!ião hindu #uepre!a a não("iolncia. ; !ente ia bem cedinho ali pra areia do eblon efica"a l* &Atitude.3, todo mundo paradão, não "iolentando nin!uém.Mas o pessoal #ue passa"a nem percebia. :abe o #ue acontece? ;não("iolncia não(acontece. 1in!uém repara #ue "oc é um não(

    "iolento. &Nelita olta do banheiro.3 ; "iolncia tem muito mais enredo.1unca es#ueci minha mãe, terr"el, recitando a#uelas coisas da =blia+38u não "im tra7er pa7 P $erraR não, eu "im tra7er a espada, pois eu"im pôr o filho em desacordo com seu pai, e a filha em desacordo comsua mãe, e a nora em desacordo com seu so!ro4. 8u nunca entendibem #uem "eio tra7er essa espada. >m !eneral? Mas tinha medo.:empre fui não("iolenta por nature7a. 1ão conse!uia bri!ar comnin!uém. $odos me acha"am uma mulher a fim do #ue aparecesse,companheira pra #ual#uer hora. &+ausa.3 O #ue eu era mesmo eraautom*tica e descart*"el.

    18I$;

     ; !uerrilha urbana, um, dois, trs, muitos Sietnams, esta"amcomendo solta. 8 al!uns deles B* esta"am assustados, admitindo ahip0tese de perder. Xuem me contou foi o 2l*udio, #ue caiu comi!oem Ibiúna. 2l*udio passou por todo o elenco da tortura+ hidr*ulica,banho chins, cadeira do dra!ão, afo!amento em alto(mar, até pora#uele aparelho #ue nem se usa mais, medie"al, a#uela m*#uina de

    esticar #ue eles chamam m*#uina de tirar comple-o, por#ue o caraentra com um metro e sessenta, e sai com um e setenta e cinco. 6oisum dia um torturador bai-inho e troncudo, um talo(paulista muitoaplicado, #ue fa7ia sempre o sinal(da(cru7 antes de começar atorturar, foi falar com o 2l*udio, na cela, pu-ou uma con"ersa bemmanera+ &Aten0(o 4ire0(o5 #undamental o sotaue do 'r1s, nesta#ala.3 3 2laudiô, eu tô achano #ue lis "ão ti solt* pur essis dia, ne!ô.

     ;!ora, eu e meus cumpanhro, n0is #uiria #ui tu intendesse #ui n0isnum temo nada pessoal contra di "oc. > #ui n0is fa7mo, ne!ô,fa7mo, por#ue, c sabe, n0is somo tnico. &*cnico.3 Mas num tem

    nada di pessoal. 8 tem mais uma coisa #ui cunsider*, ne!ô ) si ocs,um dia, !anh* a parada, tamém "on pricis* da !ente. 1um tem essa di!u"erno bon7inho, nom, ne!ô. Socs "on pricis* da !ente tamém, "onmesmu. 10is temo 0 nôu r*u &no9ho3, pôra5 &+orra.3 8, n0is tamoa mesmo pra colabor*. 10is somo ténico.

    =;9M;1

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    $écnico.

    =8$O

    &*r/s segundos depois.3 $écnico.

    2;9O:

    &*r/s segundos depois.3 $écnico.

    2O128ILO

    &Sete segundos depois.3 $écnico.

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 35

    filhinho de mamãe, com estudo pa!o, nunca "iram na "ida um dia defome ) tm pi#ue pra correr na hora da barra pesar, Bornal praescre"er sacana!em e desfa7er a carreira da !ente ) sem falar dearmas importadas pra brincar de mocinho e bandido. 8u não ta"abrincando não ) eu B* nasci bandido. 6erse!uido por todos os

    mocinhos do mundo e tendo #ue beiBar pé de polcia e lamber chulé detarado. 8 eu nunca hesitei+ pu-ei carro pro Miroel, fi7 ponto emes#uina de ministério "i!iando a sada de bacana en#uanto eletransa"a na ;"enida ;tlAntica com a patroa do dito ) e !anhei a suadi"ina proteção. 2antei no $elhado de Ninco, na =oca(do(Mato, pe!ueitarimba no 2ine($eatro

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 36

    :a como entrei. 1em se#uer me arrancaram um testculo.Xueriam apenas me amedrontar. Mas eu mostrei a eles #ue issocomi!o é e-tremamente f*cil. 8mbora eu finBa bem. Faço a melhorimitação de her0i #ue e-iste na praça. 8 olha #ue tem muito boa

    imitação. :ou como 9obert $a\lor, #ue, em Jm Oanue na Corte doKei Artur, !anha"a uma corrida de barco com um braço s0, mas, nahora da onça beber *!ua, na hora da comissão Mc2arth\, s0 nãoentre!ou a mãe por#ue era 0rfão. 6ois bem, sabe o #ue é #ue fi7#uando "oltei pro Bornal? 8scre"i um editorial de p*!ina inteirapropondo uma !rande morat0ria ) nacional! ; !ente apa!a"a tudo,nin!uém cobra"a mais nada de nin!uém e se recomeça"a tudo, comose 2abral esti"esse che!ando na#uele momento. ; escre"amos umano"a 2onstituição, limpinha, 7erinho, e, por medida de se!urança,!uard*"amos ela no cofre da

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 37

     pausa. Agora, at o seu berro, Nelita #ala, sem melodrama,concentrada.3 Mas não tinha acabado. >ma noite, acordei, naescuridão #uase total, "i dois homens enormes, caram sobre mim. Omedo, de no"o, me torceu as entranhas. >m deles me a!arrou comforça, mas sem "iolncia, me suspendeu do chão, os braços para

    cima, en#uanto o outro me arranca"a a blusa e a calça e mepenetra"a. 8u esta"a cansada, esta"a fraca. Me colocaram na cama,um ainda me se!urando os braços, o outro em cima de mim, senti #ueesta"a nu mas seu corpo não se encosta"a no meu, s0 o se-o dentrode mim. 8 começou a se mo"er bem de"a!ar, numa tentati"a #ue meucérebro, a!ora mais alerta, percebeu com surpresa e alarme ) ele metenta"a a uma colaboração inconceb"el+ mas, pouco a pouco, minhas!lAndulas infames começaram a ceder, e, entre o 0dio e o espanto demim mesma, senti nascer, não sei em #ue ca"ernas de indi!nidade,uma lu-úria a"iltante. $entei me conter, resistir, não pude, e, enoBada

    da "ida ) eu !o7ei... &'erra.3 8u tinha apenas "inte anos, porra5&+ausa.3 o!o depois, "omitei. &:onga pausa.3 8u era, e sempre fui,nunca dei-ei de ser, uma lament*"el pe#ueno(bur!uesa.

    2;9O:

    $odo brasileiro absolutamente maduro e consciente, #uando est*sentado na pri"ada, de manhã, relendo a Suma *eolgica de :ão$om*s de ;#uino, tem #ue refletir e se inda!ar se o ;lmirante 6ena

    =oto não foi um !rande patriota. 8 se o dentista ) ruim5 ) @oa#uim@osé da :il"a a"ier ) cuBa maior !l0ria, afinal, foi ter "irado letra deum puta samba(enredo ) não le"ou al!um da 2oroa portu!uesa e nãoacabou mal por ser um a!ente duplo. @* não estão di7endo isso a do2abo ;nselmo? &'ebe.3 =rasil. &Como uem cita.3 6ode(se en!anartodas as pessoas al!um tempo. 6ode(se en!anar al!umas pessoastodo o tempo. &Mais /n#ase.3 8 pode(se en!anar todas as pessoastodo o tempo.

    18I$;

    &'em encida.3 De7 anos depois, #uando olhamos em "olta, oúnico #ue tinha realmente triunfado, feito e-atamente o #ue #ueria,mudado totalmente as estruturas, foi o :ér!io Dourado.

    2O128ILO

    Foi nesse ms #ue tia ;m*lia morreu ) B* esta"a doente h* al!um

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    tempo, tinha [T anos ), eu "i"ia com ela. ;, #uando eu che!a"a dotrabalho, não tinha mais com #uem con"ersar, toma"a um banhodemorado. 8ncolhia meus ossos comprimidos na banheirinhadiminuta, dei-a"a um filete de *!ua #uente correndo pro banho nãoesfriar, e fica"a l*, sonhando um sonho #ue eu acha"a poss"el no

    passado, #uase hipnoti7ada pela "o7 da tele"isão sempre li!ada no#uarto. >ma "e7 eu dormiR #uando acordei eram duas horas damanhã, a *!ua esta"a transbordando, saindo pelo corredor afora, atele"isão chia"a, B* sem pro!rama. ;l!uém batia na porta"iolentamente, de"ia ser o "i7inho, reclamando. =otei um roupão de#ual#uer Beito, abri. 1a "erdade, morta de "er!onha da minha solidão.&4is#ar0a choro com um len0o.3

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    patrcio. 1ão pensa #ue eu bati na cadeia pelos meus defeitos, não, e,honra me seBa feita, nin!uém tem mais defeitos do #ue eu. :e fossemfsicos, eu esta"a na ;==9, no 6estalo77i e no =enBamin 2onstant, aomesmo tempo. Mas eu dancei foi #uando não a!entei mais ecomecei a dar um che!a(pra(l* na ale!re rapa7iada. &Fala alto.3

    Memori7ou o conselho, !arotão bonito começando a em 2onceição(do(Mato(Dentro? ) não bri!a com comunicação #ue tu te estrepa.Dei-a eles botarem tua bunda na re"ista, tendo ao lado a cenouramenor de idade #ue "oc introdu7iu... &+ausa.3 na "ida, mas não chia.J o preço da !l0ria. &+ausa. 'em triste.3 Socs não "ão acreditar,meninos e meninas, #ue estão a#ui em nosso mara"ilhoso estúdio pradisputar o nono festi"al de música popular de ;ra!uari ) mas eu Buro#ue a última coisa #ue eu !ostaria de fa7er neste momento eradesencantar "ocs. &Com raia.3 Mas a realidade é a realidade, pô.Xue é #ue h*? 1ão "ou me defender? :0 tem um escroto no mundo?

    O =eto 6ilantra!em? Os outros são todos dourados, impolutos, aimprensa não recebe do 8!on Fran? ; cadeia foi feita s0 para mim?1ão, meu bom, e-amina sempre a cara e a coroa &Forte.3 #ue tudo na"ida tem o outro lado5 &+ausa, outro tom.3 8-ceto, é claro, a ;"enida

     ;tlAntica. &+ausa. Alegre, batendo palmas.3 D Muito bem, o #ue é #ue"oc "ai cantar?

    18I$;

    8spantalho de #u? Do comunismo? 1ão enche5 1ão tenho maissaco pra essas coisas. &'ebe, saboreando.3 8u sou uma alco0latra.1ão, o #ue eu sou mesmo é uma "iciada em mudar de "cio. Xuandoresol"i dei-ar de fumar pe!uei de maconha. Xuando lar!uei amaconha fui pro p0. Do p0 fui pro pico. ; passei seis meses na clnicae sa "ir!em de no"o. Mas bem em frente do hospital tinha este bar, eu"im comemorar... Dei-a pra l*. Me d* o penúltimo. &8 'arman sere.2la olha o relgio.3 2hiii, estou atrasada. &'ebe.3 $enho #ue pe!armeu filho no colé!io.

    2;9O:

    $* dando pra "oc me acompanhar? 6ercebe ao menos do #ue é#ue estou falando? 8stou falando do suicdio de uma !eração e "ocfica rindo? 8st* rindo a h* #uase duas horas. Mas, caralho, essa!eração é a minha. 1ão é a dos !arotos apressados #ue trabalhamcom ideolo!ia meia(confecção e contestação pr/t9Q9porter. 1ão estoufalando de suicdio maneira de di7er, não senhor. 8stou falando de um

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    suicdio, de M*rio, na prisão, o @nico #ue me interessa. M*rio nuncase meteu em poltica, era um homem bom, carinhoso, uma flor depessoa, um alienado ) eu o ama"a5 Mas tudo em "olta esta"a tãofalsificado #ue não da"a mais pra nin!uém se!uir em frente numa denormal. Xuando a famlia percebeu, ele B* esta"a até a#ui na

    fun!ação, até a#ui no tr*fico, até a#ui enterrado em tudo. :e suicidou.1ão me interessa se foi forçado ou chão. Morreu. Dei-ou uma nota pramim, escrita num papel de pão, suBo de creme. :0 recebi um pedaço,por#ue os ratos, de noite, comeram o resto do papel. 9idculo. :0recebi o fim+ 3... esculpe tudo irmão e ami!o. :empre te amei. Socsabe4. &+ausa.3 M*rio era meu filho. &:onga pausa. :eanta a cabe0a.2n#renta os espectadores com um olhar triste mas #irme. Kecita,staccato, com amarga ironia, nauilo ue supomos ser o ritmoindBgena.3

    8 P noite1a taba:e al!uém du"ida"aDo #ue ele conta"aDi7ia, prudente,3Meninos,8u "i54

    2O128ILO

    i no Bornal #ue ele pretende "oltar ) "ai se candidatar a al!umacoisa l* em :ão 6aulo. Me deu uma triste7a5 Xue é #ue ele pretende?:er "ereador de no"o, e deputado estadual, e prefeito, e !o"ernador, eche!ar l* em cima outra "e7? 2om #ue idade? 8le pensa #ue éeterno? Meu Deus do céu, al!uém tem #ue di7er pra ele ) #ue é #ueadianta o poder, a!ora &+ausa.3, de cabelos brancos? &4aui at a #alado 'arman o ue acontece uma litania. A representa0(o, em tempolento, dee dar ao tom das #alas essa dimens(o lit@rgica. 2 os atores,a partir da #ala de Concei0(o, dei)am, gradatia mas isielmente, de

    ser personagens. Assumem suas prprias personalidades. Alm daatitude, agora n(o9teatral, os atores largam detalhes das roupas ecaracteri;a0?es, se t/m, e limpam ostensiamente a mauilagem, seusam. Mudam um sapato, arrega0am as mangas, tiram um colete,limpam, com um pano ualuer, a boca pintada, manchando a caraetc. ...3

    2;9O:

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 41

    &'em lentamente, de modo bem compreensBel,bem silabado5 um cantoch(o emocionado. Fa; o sinal9da9cru;.3

     ;ltssimu omnipotente bon :i!nore,

    audata si, Mi :i!nore, com tucte le $ue 2reature:petialmente messor lu frate :oleo #uale lu Borno allumeni per nui.&*odas as #rases em latim, daui por diante, tambm deem ser

    silabadas.3

    =8$O

     ;n!elus 2ruciatus @anium Xuadrorum.

    2;9O:

    Decifra(nos teu "ôo amar!o da !l0ria para a solidão.

    2O128ILO

    /élder 2Amara, ;postulus.

    =8$O

    Da encru7ilhada de Olinda, onde, afinal, te encontraste com a/ist0ria, intercedite pro nobis.

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    ORFÃOS DE JÂNIO – página 43

    =8$O

    Incans*"el oper*ria, pisa em tua ribalta nua e mostra mais umanoite #ue o teatro e a "ida são apenas duas t*buas e uma pai-ão.

    2O128ILO

     ;n!elus Drummond 2arlos, monacho et eremita urbanus.

    18I$;

    8nsina(nos a recusar, em silncio e em si!ilo, o prmio e oaplauso. 8nsina(nos a "i"er no mundo sem ser mundanos.

    =8$O

    2hriste, audi nos.

    2O128ILO

    2risto Osiris, 2risto /er7o!, 2risto :p*rtacus, 2risto 6ai"a, 2risto@esus, 2risto ;é7io e tantos outros, recebe nosso preito an!ustiado,tu, até a!ora sacrificado em "ão.

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    fa7er e lutar, sem esperar reconhecimento, assim na $erra como no2éu.

    2;9O:

    &2m tom tenso, lento.3 J #ue o céu, "a7io de Deus, preser"a aindaa !l0ria do mistério infinito. >m dia aponta o outro, uma noite certificaa outra. 1ão h* fala, nem ln!ua, mas h* "o7es murmurandosi!nificados por entre as estrelas.

    $ODO:

     ;aaaaaaaaaméeeem.

    =;9M;1

    &ue, enuanto isso, se moimentou deagar, saindo de tr1s dobalc(o e indo pra #rente. Fala com o; calma, sem gritar.3 2orta52orta5 &+ausa.3 ;pa!a tudo5 &'lecaute total. Jm tempo. No escuro, o'arman #ala, forte.'Samos !ra"ar tudo de no"o5 &Som de #ita degraador oltando. :u; geral. 8s atores "1 saBram. A cena est1 a;ia.Continua o som da #ita, enuanto os espectadores saem.3

    FIM