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  • A TRAGDIA GREGA

    Vol.1 SFOCLES

    A Trilogia Tebana dipo Rei, dipo emColono, Antgona

    Vol.2 SQUILO

    Orstia Agammnon, Coforas,Eumnides

    Vol.3 EURPIDES Medeia, Hiplito, As Troianas

    Vol.4 SQUILO Os Persas

    SFOCLES ElectraEURPIDES Hcuba

    Vol.5 EURPIDES

    Ifignia em ulis, As Fencias, AsBacantes

    Vol.6 SQUILO Prometeu Acorrentado

    SFOCLES jaxEURPIDES Alceste

    A COMDIA GREGA

  • vol.1

    ARISTFANES As Nuvens, S para Mulheres, UmDeus Chamado Dinheiro

    vol.2 ARISTFANES As Vespas, As Aves, As Rs

    vol.3 ARISTFANES

    A Greve do Sexo, A Revoluo dasMulheres

  • SQUILO

    ORSTIA

    Agammnon(Prmio Artur de Azevedo 1965 da Academia Brasileira de Letras)

    CoforasEumnides

    Traduo do grego, introduo e notas deMRIO DA GAMA KURY

    8 edio

  • SUMRIO

    INTRODUOO autor e a obrasquilo poeta

    A traduoO textoNotas

    AGAMMNONNotas

    COFORASNotas

    EUMNIDESNotas

    Trabalhos publicados por Mrio da Gama Kury

  • INTRODUO

    O AUTOR E A OBRA

    squilo, o mais antigo dos trs grandes dramaturgosgregos e criador da tragdia em sua forma definitiva,nasceu em Elusis, nas proximidades de Atenas, em 525ou 524 a.C.; combateu nas batalhas de Maratona eSalamina contra os invasores persas de sua ptria, emorreu no ano de 456 a.C.1

    Alm da Orstia, trilogia constituda pelo Agammnon,pelas Coforas (Portadoras de Oferendas) e pelasEumnides (Deusas Benvolas), representada pelaprimeira vez no ano de 458 a.C., em Atenas, squiloescreveu outras 87 peas, das quais nos restam completasas Suplicantes, encenadas em data incerta (provavelmenteentre 499 e 472); os Persas, representados em 472 a.C.;os Sete Chefes contra Tebas (em 467 a.C.); e o PrometeuAcorrentado (data incerta, provavelmente prxima datada Orstia). Das 83 peas perdidas conservam-se apenasos nomes e fragmentos de 73.

    Das trs peas que constituem a Orstia, aquiapresentadas em traduo, indiscutivelmente Agammnon a melhor. bem representativo do entusiasmo que estapea sempre despertou o conhecido julgamento de Goethe,para quem Agammnon a obra-prima das obras-

  • primas (carta a W. Humboldt de 1 de setembro de 1816;volume XXVI da Sophienausgabe, pgina 156).

    A admirao pela Orstia no menor em nossos dias.Por exemplo, a prestigiosa publicao inglesa TheEconomist, no nmero datado de 23 de dezembro de 1989(pgina 14), ao fazer uma resenha dos fatos mais notveisda histria mundial desde a Antiguidade at nossos dias,comea pelo chamado Sculo de Pricles (sculo Va.C.), mencionando como evento marcante na evoluo dahumanidade a primeira representao em Atenas (em 458a.C.) da Orstia de squilo.

    O Agammnon, primeira pea da trilogia, baseia-senum episdio da lenda em torno dos Atridas,2 famlia aque pertencia o comandante dos gregos na Guerra deTroia. Segundo essa lenda, cujas linhas gerais conveniente conhecer para entender com maior facilidadeas frequentes referncias ao passado prximo e remotodos personagens da pea, Plops, o heri epnimo doPeloponeso, filho de Tntalo, viera da Ldia, na siaMenor, at lis, na Grcia, como pretendente mo deHipodmia, filha de Enomau, rei de Pisa. L ele conseguiufraudulentamente atingir o seu objetivo, com a cooperaode Mrtilo, servo de Enomau. Malgrado esse servio,Plops causou traioeiramente a morte de Mrtilo que, aoexpirar, lanou contra o assassino uma terrvel maldio,cujos efeitos deveriam propagar-se a toda a raa dePlops, depois deste se tornar o senhor da pennsula que

  • deveria perpetuar o seu nome o Peloponeso.Desde a primeira gerao se manifestou a potncia

    funesta da maldio. Entre Atreu e Tiestes, filhos dePlops, travou-se uma disputa pelo trono de Micenas.Tiestes seduziu a mulher de Atreu, e ajudado pela esposainfiel (Aerope), roubou um carneiro de l de ouro, quedeveria assegurar a seu possuidor o trono cobiado porambos. Atreu, protegido por Zeus, foi proclamado reiapesar disso. Para vingar-se da perfdia de Tiestes,expulsou-o de Argos; mais tarde, em seguida a umareconciliao simulada que ocultava seus desgnioscriminosos, f-lo comer, valendo-se de um ardilmonstruoso, as carnes de seus trs filhos (o filhosobrevivente chamava-se Egisto). As imprecaes deTiestes nessa ocasio vieram agravar a maldiohereditria, que continuou a atuar sobre a raa de Plops.

    Na gerao seguinte, Agammnon, filho de Atreu, seriaa sua vtima principal. Comandante supremo da expediodos gregos contra Troia, Agammnon quis vingar em Priso ultraje infligido a seu irmo Menelau com o rapto deHelena. Mas, para aplacar rtemis, que se opunha partida da frota grega, viu-se forado a imolar Ifignia,sua prpria filha, e por isso provocou o rancor de suamulher, Clitemnestra. Durante a ausncia do marido naguerra, sua mulher o traiu e se entregou a Egisto, filho deTiestes, que sobreviveu ao trgico banquete, ansioso porvingar seu pai na pessoa de Agammnon, filho de Atreu.

  • Clitemnestra e Egisto tramaram a morte do chefe grego, equando este retornou ptria, aps a queda de Troia, foicovardemente assassinado pela esposa adltera e por seucmplice. Esse crime atrairia nova vingana: para que seesgotasse o efeito da maldio originria, seria aindanecessrio que Orestes, filho de Agammnon, matasse nosomente Egisto, mas tambm a prpria me Clitemnestra.

    Os rudimentos dessa lenda j eram conhecidos porHomero (Odisseia, III, 304; IV, 519-537; XVI, 409-420etc.). O prprio squilo, alis, teria dito que suastragdias eram meras migalhas do banquete homrico(segundo Atnaios, Deipnosofistas, 357, vol. IV, pgina75 da edio de Gulick).

    Os antecedentes e o argumento da tragdiapropriamente dita so os seguintes: quando Helena fugiucom Pris para Troia, seu marido Menelau e Agammnon,irmo dele, trataram de vingar-se do ultraje infligido aosdois filhos de Atreu e reis do Peloponeso, e ao prprioZeus, protetor da hospitalidade. Diante do palcio real,em Argos, apareceram repentinamente duas guiasdevorando uma lebre. O adivinho Calcas interpretou oportento como se as aves de rapina fossem os dois reis, ea lebre prenha que se debatia nas garras das guias fosseTroia. Mas rtemis, amiga dos animais, ficou ressentida,e quando toda a expedio estava reunida em ulis,ansiosa por partir rumo a Troia em suas milhares de naus,

  • a deusa caadora fez soprarem ventos adversos queimpediram por longo tempo a partida dos gregos. Ento oadivinho, em palavras obscuras, disse a Agammnon quese quisesse apaziguar a deusa e livrar a frota da calmariateria de sacrificar com as prprias mos sua filha Ifignia.Assim foi feito e os gregos iniciaram a expedio em suasnaus. Aps uma guerra de dez anos, Troia foi finalmentecapturada. Em sua solido e porque Agammnon haviasacrificado Ifignia, sua filha, Clitemnestra deixou-selevar pelas lisonjas de outro homem Egisto , filho domesmo Tiestes que havia conquistado a mulher de Atreu,seu irmo. Clitemnestra, que tramava com Egisto a mortedo esposo ausente, ordenou que se organizasse um sistemade vigia, partindo do alto do palcio, em Argos, para que,por uma sucesso de fogueiras a serem acesas em umlongo percurso desde Troia, ela soubesse antecipadamenteda queda da cidade de Pramo e, por conseguinte, daiminncia do retorno de Agammnon. Durante muitotempo os vigias ficaram atentos, at que finalmente, emcerta noite do dcimo ano aps a partida do chefe grego, achama sinaleira apareceu no horizonte e foi vista pelasentinela postada no terrao do palcio de Argos.

    Nesse ponto comea o Agammnon. Para celebrar oacontecimento, a rainha manda queimar incenso e levaroferendas aos altares dos deuses. Os ancios componentesdo coro, que haviam permanecido em Argos por causa daidade avanada, no creem de imediato na notcia,

  • recebida de forma to inslita e rpida, e sua dvida s desfeita com a apario do arauto, que apregoa a volta deAgammnon vitorioso, recm-chegado a Argos na nicanau que escapara de uma tempestade no meio do caminho.Recebido com alegria simulada pela rainha, Agammnonpede acolhida cordial para Cassandra, filha de Pramo,que lhe coubera como presa de guerra. Diante dainsistncia de Clitemnestra, o rei consente em caminharsobre tapearias suntuosas at o palcio. Cassandra, quefora dotada por Apolo do dom da profecia, procuraconvencer os ancios do perigo a que se expunhaAgammnon e, consciente da morte que tambm aesperava, entra no palcio. Ouvem-se os gritos deAgammnon ferido mortalmente; os cadveres dele e deCassandra so vistos em seguida no vestbulo do palcio.Clitemnestra exulta com seu feito e desafia os ancios.Aparece Egisto e declara que Agammnon morreu parapagar os crimes de Atreu, pai dele. Os ancios, naiminncia de entrar em combate com os soldados daescolta de Egisto, so contidos por Clitemnestra, masantes advertem o usurpador de que Orestes, filho deAgammnon, ento no exlio, regressaria para vingar amorte do pai.

    A segunda pea da trilogia intitula-se Coforas.Electra, filha de Agammnon e de Clitemnestra, morava

    no palcio real mas era tratada como escrava, e antes doassassnio do pai, mandou seu irmo Orestes para a corte

  • de seu tio Estrfio, rei da distante Focis, com o objetivode ser criado l.

    Anos mais tarde a alma de Agammnon, cheia derancor, mandou um sonho para alarmar Clitemnestra.Pareceu rainha em sua viso noturna que ela dera luzuma vbora, e esta amamentava-se no seio dela como sefosse um recm-nascido; ao leite materno juntava-sesangue em abundncia. Clitemnestra despertoutranstornada, aos gritos. Consultado por ela, um adivinhodo palcio interpretou o sonho como um sinal deressentimento das divindades infernais. Para aplac-las, arainha mandou Electra, juntamente com algumas servas,levar libaes tumba de Agammnon, numa tentativa deapaziguar a alma do marido no mundo dos mortos. Nomesmo dia em que Clitemnestra mandou Electra levar aslibaes, Orestes, j adulto, acompanhado por Plades,seu companheiro inseparvel, chegou a Argos ansioso porvingar a morte do pai. L, seu primeiro cuidado foidepositar mechas de seus cabelos, como oferenda fnebre,sobre o tmulo de Agammnon. Quando Electra descobriuaquela oferenda, pensou que a mesma s poderia ter sidotrazida pelo irmo.

    Depois de ser reconhecido pela irm, Orestes disse queApolo o incumbira de vingar o assassnio de seu pai, sobpena de ser perseguido implacavelmente pelas Friasvingadoras. Sem ser acolhido por qualquer criaturahumana e sem poder aproximar-se dos altares dos deuses,

  • ele pereceria depois de sofrer castigos indescritveis.Junto ao tmulo do pai, Orestes e Electra, ajudados

    pelas cativas componentes do coro, imploram a proteoe a ajuda da alma de Agammnon sua causa.Disfarados em viajantes vindos da Focis, Orestes ePlades so acolhidos amistosamente por Clitemnestra,depois de lhe dizerem que seu filho tinha morrido noexlio. A rainha manda a velha ama de Orestes buscarEgisto, que estava ausente do palcio juntamente com seucorpo de guardas. As cativas do coro convencem a ama amodificar a mensagem de Clitemnestra, de modo a queEgisto voltasse sozinho, deixando seus guardas longe dopalcio. Logo aps a chegada de Egisto, ele eClitemnestra so mortos por Orestes, indiferente ssplicas maternas. Mostrando o manto ensanguentado emque seu pai fora imobilizado antes de ser morto, Orestesressalta a justia de seu ato de vingana. Em seguida suamente comea a perturbar-se. As Frias vingadoras de suame, invisveis s outras pessoas presentes, aparecemdiante dos olhos desvairados de Orestes, que se afastaprecipitadamente.

    A terceira pea da trilogia as Eumnides.A sacerdotisa de Apolo no templo do deus em Delos

    encontra Orestes como suplicante junto ao altar. Em frentea ele estavam as Frias que, cansadas de perseguir ofugitivo, haviam adormecido nos bancos do templo.Prometendo-lhe ajuda, Apolo manda Orestes fugir para

  • Atenas, onde deveria submeter sua causa a julgamento eseria libertado de seus sofrimentos. O fantasma deClitemnestra aparece e censura as Frias por suanegligncia, conduta essa que a expe ao desprezo dosoutros mortos no inferno. Despertadas pelos apodos deClitemnestra, elas recriminam Apolo por haver acolhidoem seu templo um homem maldito que elas perseguemimpelidas por seu direito de vingar os crimes cometidosentre consanguneos.

    A cena desloca-se para Atenas, at onde as Friastinham perseguido Orestes. Abraando-se imagem deAtena, Orestes implora a proteo da deusa, alegando quesuas mos j haviam sido purificadas graas aos ritossagrados, e que sua presena j no trazia malefcios aqualquer pessoa. As Frias cantam um hino para dominaro esprito de Orestes com seus encantamentos capazes deo levarem loucura. Atendendo a uma prece da vtima,Atena aparece e convence as Frias a concordarem com ojulgamento da causa, no pela deusa sozinha, mas com acolaborao de seis dos mais distinguidos cidados deAtenas, que constituiriam um jri.

    Iniciado o julgamento, Apolo aparece como defensor deseu suplicante e como representante do prprio Zeus, acujos mandamentos inapelveis obedeciam os orculos dodeus-profeta. Apolo declara que Orestes matou sua meobedecendo a uma injuno divina. O acusado confessa ocrime mas enfatiza em sua defesa que, ao matar o marido e

  • rei, Clitemnestra assassinou o pai de Orestes, e que suasperseguidoras deveriam elas mesmas ter-se vingado dela.

    Atena proclama que o tribunal o primeiro a julgarum crime de homicdio fica institudo por ela parasempre. Os juzes (jurados) depositam seus votos numaurna, e a deusa, declarando que seu dever pronunciar overedicto final na causa, esclarece que seu voto deve sercontado a favor de Orestes, que seria absolvido ainda queos votos se dividissem igualmente. Proclamado vencedorem face de um empate entre os juzes e do voto dedesempate de Atena, Orestes sai de cena. Suasantagonistas ameaam amaldioar Atenas e trazer a runapara a regio cujos juzes absolveram o acusado.Mediante promessa de honrarias eternas s Frias, Atenaconsegue apazigu-las, e elas deixam desde ento de seras deusas do dio para passarem a ser as deusasbenvolas (Eumnides). Em sua nova condio, as deusassaem numa procisso solene para o santurio que Atenalhes proporcionou numa gruta no sop da colina de Ares(o Arepago, que deu o nome ao tribunal).

    E assim termina a trilogia.As desventuras dos Atridas foram um dos temas

    prediletos dos trgicos gregos, tendo inspirado numerosaspeas alm das de squilo, passando por Sfocles (cujaElectra se baseia, com ligeiras variaes, no episdiotratado nas Coforas, e pode ser considerada umcomplemento ideal para o Agammnon), por Eurpides

  • (Ifignia em ulis, Ifignia em Turis, Orestes, Electra).Fora da Grcia, tambm Sneca usou como tema detragdias alguns episdios do ciclo argivo (Agammnon,Tiestes). E pelos tempos afora encontramos ressonnciasdas trgicas histrias relacionadas com os mesmos herise heronas: diretas nos dramaturgos franceses, em Alfieri,em Goethe; indiretas entre os autores contemporneoscomo Eugene ONeil, Sartre, Anouilh.

    SQUILO POETA

    Uma frase atribuda a Sfocles, sucessor e rival desquilo no teatro grego, caracteriza a posio do poeta daOrstia no desenvolvimento da tragdia como gneroliterrio. Sfocles teria dito que squilo compunha boapoesia mas inconscientemente (segundo Atnaios,Deipnosofistas, vol. IV, pgina 443 da edio de Gulick).Essa apreciao colocaria squilo na linha dosverdadeiros poetas, de que nos fala Plato, que naApologia de Scrates diz que as criaes dos poetas nose devem ao saber, mas inspirao e ao transe. Omesmo filsofo acentua no Fedro (245 a; a referncia Apologia a 22 a): Aquele que, sem o delrio dasMusas, bate s portas da poesia, persuadidoaparentemente de que a arte basta para fazer dele umpoeta, no chegar a resultado algum, e sua obra dehomem de sangue-frio ser eclipsada pela dos poetas

  • dominados pelo delrio. Continua Plato, agora nas Leis(719 c): O poeta, quando comea a criar, no maissenhor da sua razo. E finalmente no on (534 b): Opoeta um ser algero, sagrado, que no chegar aoestado de criar antes de ser inspirado por um deus, fora desi, perdida a razo; enquanto conserva esta faculdadenenhum ser humano capaz de fazer poesia. Aapreciao de Sfocles seria um elogio e no uma censuraa squilo.

    Mas no se pense que essa criao instintiva sejadescuidada. Ao contrrio, se quanto ao fundo squilo pura inspirao, quanto forma pura reflexo. Seusversos em geral so cuidadosssimos, a ponto de Rapin,crtico francs do sculo XVII, dizer: Quase no seentende o Agammnon, em que squilo pe toda a sua artenas palavras, sem cuidar dos sentimentos (citado porGeorge Mautis, Eschyle et la Trilogie, pgina 42).

    A estrutura das peas que compem a trilogia surpreendentemente elaborada (principalmente noAgammnon). Apenas para dar uma ideia e alertar o leitorquanto a este aspecto da arte de squilo, vejam-se osversos 979 e seguintes do Agammnon:

    Houvesse este homem sido mesmo vtimados ferimentos todos que nos relataram,mais furos haveria em seu corpo forteque malhas numa rede grande

  • onde Clitemnestra antecipa, como que inconscientemente,a aluso posterior rede com que envolver Agammnonpara golpe-lo com mais facilidade (verso 1594). Aprofecia de Cassandra no verso 1269 tambm menciona ovu fatal, que a rede de Clitemnestra.

    Tambm a aluso s trs vidas (trs corpos) deGeron, no verso 985, est na linha das antecipaesinconscientes de Clitemnestra no sentido da realizao deseus desejos. Vem-nos mente quando a esposa assassina,nos versos 1597 e 1600, se vangloria das trspunhaladas com que matou Agammnon.

    de grande efeito, tambm, o sinistro duplo sentido daspalavras do ancio do coro (verso 307) almejando que ofim de tudo seja tal qual deseja Clitemnestra, sem saberque ela quer e prepara a morte de Agammnon.

    digno de meno, de um modo geral, o recurso aoduplo sentido em muitas falas do Agammnon,principalmente nas de Clitemnestra. Mas, no somente aspalavras tm importncia para squilo. Tambm osilncio usado com timo efeito no Agammnon, como oda sentinela em seguida ao verso 26, o de Cassandra emseguida aos versos 1191 e 1200, e o silncio do coro,longo silncio que se imagina aps o verso 1547 damesma tragdia, antes do grito de Agammnon.

    J Aristfanes, que alm de grande poeta era timocrtico literrio em suas comdias, havia notado o uso quesquilo fazia desses silncios, mais agradveis a

  • Dinisos que o palavrrio dos poetas trgicosposteriores, no julgamento que o poeta ps na boca dodeus patrono da tragdia (As Rs, versos 833 e 911 eseguintes; veja-se Atkins, Litterary Criticism inAntiquity, vol. I, pgina 28).

    Tambm fcil imaginar o efeito de certos gestos,evidentemente procurado por squilo, principalmente emClitemnestra (embora os manuscritos no tragamindicaes cnicas). Por exemplo, o exagero das palavrasda rainha, nos versos 1034-1035 do Agammnon, fazpensar em exagero tambm na gesticulao, e obvio ques palavras se juntava um acentuado gesto de reverncia.Os versos 970 (durante a estada interminvel destehomem), 979 (houvesse este homem sido mesmovtima) e 1020 (Sado neste homem o mastim fiel)sugerem largos gestos de Clitemnestra apontandoAgammnon (o hiato nestes versos destina-se a dar nfaseaos gestos de Clitemnestra). O verso 1036, como est nooriginal, leva-nos a supor que foi escrito por squilo paraser dito com o acompanhamento de gestos de acentuadaimpacincia.

    Segundo Aristfanes, squilo era entre os trs grandespoetas trgicos gregos o nico realmente dionisaco (AsRs, verso 1468). Ainda segundo Aristfanes (As Rs,1004), squilo foi o primeiro poeta a estruturar frasesgrandiloquentes. Um crtico antigo (Dionsios deHalicarnasss, captulo X de sua Apreciao dos

  • Escritores Antigos) disse que, quando os recursos dalinguagem corrente eram insuficientes para seuspropsitos, squilo usava as licenas da genialidade paracriar um vocabulrio potico prprio (edio de Usener-Radermacher, vol. II, pgina 206). De acordo compesquisadores modernos, squilo criou mais de milpalavras em suas sete peas restantes e nos fragmentosdas que se perderam.

    Mas, seria enfadonho continuar esmiuando detalhes.Deixo ao leitor a descoberta das belezas (e tambm dosdefeitos) de squilo, certo de que, se a traduo nodesfigurou excessivamente o original, a surpresa diantedas qualidades das trs peas da Orstia serextraordinria.

    A TRADUO3

    A primeira edio de minha traduo do Agammnon foipublicada em 1964 pela Editora Civilizao Brasileira,tendo recebido o prmio Artur de Azevedo de 1965 daAcademia Brasileira de Letras. Ao rev-la para estareedio, esforcei-me por corrigir os numerosos errostipogrficos que infelizmente escaparam na primeiraedio. Introduzi tambm no texto modificaes feitas aolongo dos anos em meu exemplar de trabalho, com oobjetivo de dar maior fluncia linguagem.

  • As tradues das Coforas e das Eumnides saem aquipela primeira vez.

    De meu trabalho direi apenas que foi muito difcil, masfeito com enorme satisfao. Penetrando nos detalhes daspeas, descobri novas belezas num texto cujas qualidadespensava conhecer antes de iniciar a tarefa ora concluda.

    As dificuldades so agravadas pelo fato de o texto dastrs peas ser problemtico em muitos trechos, e de haverlacunas nos manuscritos das Coforas, alm de vriosversos truncados, criando srios desafios ao tradutor.

    A cada variao do metro no original, procurei fazercorresponder um metro diferente na traduo, porqueessas transies tm sua importncia para acentuarestados dalma ou simplesmente para maior efeito sonoro.

    O TEXTO

    Serviu de base traduo o texto da edio de GilbertMurray (Aeschyli quae supersunt Tragoediae, editioaltera, Oxonii, 1955). Consultei, para a interpretao dasnumerosas passagens obscurecidas por deficincias dotexto, as edies de Wilamowitz-Moellendorff (AeschyliTragoediae, editio altera ex editione anni 1914 opeexpressa), de Paul Mazon (Paris, Les Belles Lettres, 3edio, 1945), e a edio comentada de A. W. Verral(Londres, Macmillan, 1889 e seguintes). Recorri tambma obras dedicadas apreciao das peas, como a de

  • George Mautis j citada, e a de Maurice Croiset, Eschyle tudes sur lInvention Dramatique dans son Thtre.

    Rio, janeiro de 1991MRIO DA GAMA KURY

  • NOTAS INTRODUO1. Nos versos 925 e seguintes das Eumnides, squilo,

    como testemunha do fim da tirania e da consolidaosubsequente da democracia de sua cidade, expeconceitos polticos dignos de um euptrida ateniense dosculo de Pricles.

    2. Atridas: filhos de Atreu (Agammnon e Menelau).Para as numerosas aluses aos mitos e s lendas gregas naintroduo e no texto das peas, veja-se o Dicionrio deMitologia Grega e Romana publicado por Jorge ZaharEditor em 1990.

    3. O professor Antnio Medina Rodrigues, da USP, numartigo muito interessante e amvel, na poca dapublicao, por Jorge Zahar Editor, da Trilogia Tebana(Folha de S. Paulo, 1 de setembro de 1990), diz commuita propriedade que os versos de minha traduodeixam a impresso quase invarivel de prosametrificada. Essa observao me agradou, pois tem sidoeste o meu objetivo, para ser o mais fiel possvel formada tragdia grega. Vejam-se, por exemplo, as palavras deAristteles na Potica (1449 a 25 e seguintes): O metroimbico [usado principalmente nas partes faladas datragdia], como sabemos bem, o mais prosaico [nosentido de prximo prosa] dos metros, como se pode

  • confirmar pelo fato de nos surpreendermos com muitafrequncia usando-o em nossas conversas. Ver tambm aRetrica, 1404 a 31.

  • AGAMMNON

  • poca da ao: idade heroica da Grcia (cerca de 1200a.C.).Local: Argos, na Grcia.Primeira representao: 458 a.C., em Atenas.

    PERSONAGENS

    AGAMMNON, filho de Atreu e rei de Argos e de Micenas;comandante dos gregos na guerra de TroiaCLITEMNESTRA, filha de Tindareu e de Leda; irm deHelena; esposa de Agammnon

    EGISTO, filho de Tiestes; primo de Agammnon; amante deClitemnestra

    CASSANDRA, filha de Pramo, rei de Troia, profetisa,trazida por Agammnon como trofu de guerraSENTINELA

    ARAUTOCORO, composto por doze ancios argivos fiis a

    AgammnonCORIFEU

    Os gregos so tambm chamados Aqueus, Argivos,Helenos. Troia tambm chamada de lion.

  • CenrioEspao em frente ao palcio deAgammnon em Argos, com um altar nocentro (dedicado a Zeus) e vrios altaresde outras divindades nos lados. Em umterrao elevado est a SENTINELA. noite.

    SENTINELA

    Aqui no alto do palcio dos Atridas aos deuses todospeo h muitos, longos anos que me liberem da vigliacansativa.Firmado em meu brao dobrado, sempre atento, igual aco fiel, de tanto olhar o cu 5noite aps noite agora sei reconhecer a multidoinumervel das estrelas, senhoras lcidas do firmamentoetreo, indicadoras dos invernos e veres em seu giroconstante pela imensido. 10Espreito a todo instante o fogo sinaleiro que nos darnotcia da queda de Troia; so ordens da mulher de nimoviril, rainha nossa, persistente na esperana.Sempre que fao por aqui meu leito duro 15e deito molhado de orvalho, sem dormir e abandonadopelos sonhos de outros tempos (em vez de sono tenho

  • medo, grande medo que afasta sempre minhas plpebraspesadas), tento cantarolar, dizer alguma coisa 20que me desperte do torpor e me estimule, mas so soluosque me saem da garganta, pois choro as muitasdesventuras desta casa outrora to feliz, to infeliz agora!Que venha, venha logo o protelado termo 25de minhas incontveis atuais fadigas com a mensagemclara inda no recebida!

    (Silncio; a SENTINELA permanece atenta;subitamente aparece ao longe uma luz,tnue a princpio e depois mais forte; aSENTINELA ergue-se e fala com emoo.)

    o sinal! o sinal! Meus prprios olhos veem!Eis a noturna luz que mudar decerto a treva em pleno dia!Logo vamos ter 30em Argos muitas danas e sonoros cantos!Falo alto e forte para que me escute bem a esposa deAgammnon em seu leito regio e faa reboar pelo palciotodo um grito estrepitoso de contentamento 35se verdadeira esta revelao das chamas e finalmenteTroia forte foi vencida.Comearei eu mesmo a festa; estou danando!A sorte de meus amos tambm a minha e a mensagem dachama vista de to longe 40 o lance mais feliz de toda a minha vida!

  • Volte o senhor deste palcio so e salvo e possa eu logoestreitar-lhe a mo bem-vinda!Quanto ao demais, silncio! Um peso muito grandeprende-me a lngua mas a sua prpria casa, 45se possusse voz, revelaria fatos conhecidssimos pormuitos dos argivos; ho de entender-me claramente os quej sabem; no sabero os outros; quando quero, esqueo.

    (A SENTINELA retira-se do terrao. Gritosde vitria so ouvidos dentro e fora dopalcio, de onde saem criadas portandoarchotes, com os quais acendem chamasvotivas e queimam incenso nos altares.No meio das criadas v-se CLITEMNESTRA,que se prosterna diante do altar centralem atitude de prece. Entram em cena,vindos da outra extremidade do palco, osANCIOS componentes do CORO,encaminhando-se para a frente do palco.Surge o dia.)

    CORO

    Partiram h dez anos desta terra 50mandando em mil navios belicosos e tripulados todos porargivos apoio marcial a seus anseios rei Menelau,que detestava Pramo, e seu valente irmo, rei

  • Agammnon, 55Atridas fortes e destemerosos, dois tronos e dois cetrosdons de Zeus.Um grito de batalha aterrador repercutiu nos cus vindode peitos amargurados por justo rancor 60como o das guias donas das alturas que em solitrio,negro desespero ao verem mortos os filhotes frgeisbatem os ares com as asas enormes chorando os vosdesvelos com seu ninho 65que ao regressar acharam destrudo.Porm algum dos deuses l do alto Apolo, ou Pan, oumesmo o grande Zeus escuta as queixas das magoadasaves, valentes habitantes de seu reino, 70e contra quem lhes fez tamanho mal envia pelas Friasvingadoras castigo certo e duro, embora tardo.Assim agiu o grande Zeus fortssimo sempre zeloso dahospitalidade 75mandando contra Pris os Atridas.Por uma dama, por Helena bela de muitos homens, gregose troianos travaram mil batalhas ferocssimas em que nocho se dobram os joelhos 80e lanas partem-se aos primeiros mpetos.Os fatos passam-se conforme devem; caminha tudo para ofim marcado e nem a lenha de lustral fogueira nemabundantes libaes nem lgrimas 85tornam propcias oferendas mpias.Ficamos ns aqui, por sermos velhos j incapazes para

  • pugnas blicas, firmando nestes slidos bastes os nossospassos dbeis, infantis; 90a feitos marciais no aspiramos. igual ao nosso o ardor dos peitos jovens mas Ares nonos quer em seu cortejo; a nossa vida j durou demais etemos todos os cabelos brancos; 95as pernas trpegas no nos ajudam, como crianas nosprimeiros passos; apesar de acordados j sonhamos.

    (Aproximando-se do altar central, veemCLITEMNESTRA orando.)

    Mas tu, filha de Tindareu, o grande, rainha Clitemnestra,vem, responde, 100informa-nos depressa do que houve; quais as notcias quete transmitiram?Que novas ou rumores te fizeram realizar com desusadapressa tais cerimnias propiciatrias? 105Os deuses do alto e os das profundezas, os numes dossanturios e das ruas ostentam todos os altares cheios deinumerveis, ricas oferendas; aqui e ali as chamas sobemlpidas 110levando ao cu o incenso lisonjeiro at nos maisrecnditos recantos.Explica-nos, ento, qual o motivo de tanto movimentoinesperado; transmite-nos o que pode ser dito; 115desfaze as dvidas de nossa mente atnita, que desespera

  • s vezes, s vezes se alvoroa de esperana que aschamas dos altares iluminam ao dissipar a dvida mortal120destruidora do nimo mais forte.

    (CLITEMNESTRA, absorta diante do altar,parece ignorar os ANCIOS, que voltam posio anterior. Um deles avana.)

    Falar ainda posso, ainda lembro o dia da partida e julgover de novo o alegre augrio de triunfo que se mostrouaos bravos combatentes 125(as divindades deixam-nos intacta ao menos uma fora navelhice: o dom dos doces cantos convincentes).

    (Mais musical.)

    Os dois valentes reis Aqueus de mente unnimelevaram para Troia a gente grega 130

    portando as lanas ansiosas por vingana,tocados por pressgio favorvel:

    de sbito surgiram ante os reis, senhoresde tantas naus e homens, duas guias

    rainhas das alturas; uma, toda negra, 135a outra quase (tinha o dorso branco),

    voando nas proximidades do palcio,cortando os ares ntidos do lado

  • da mo que brande as armas; ambas atacavam,terrveis, vidas, pejada lebre; 140

    a vtima, desesperada, contorcia-sena luta por fugir daquelas garras,

    da morte prxima que logo acabariacom as cleres carreiras e com tudo;

    mas foi em vo; as duas guias devoraram-na 145e aos filhos inda ocultos em seu ventre.

    CORO

    Tristezas, canta tristezas,e possa o bem triunfar.

    ANCIO

    Ento o sbio adivinho dos exrcitos,olhando os dois Atridas marciais, 150

    equiparou-os s soberbas guias vidas,devoradoras de indefesas lebres,

    e disse interpretando o portento que vira:No tempo prprio, eles, que ora partem,

    conquistaro por certo a terra do rei Pramo; 155e quando as altas torres da cidade

    carem, as riquezas de uma raa toda

  • sero tomadas; o destino quer.Mas aconselho-vos o mximo cuidado!

    Pode algum deus zeloso arrebatar 160de vossas mos aflitas por poder imp-lo

    o jugo duro feito para Troia!A casta rtemis em sua piedade

    est irada com os alados cesde Zeus seu pai, que devoraram frgil presa 165

    e suas crias inda por nascer;ela maldiz o brbaro festim das guias.

    CORO

    Tristezas, canta tristezas,mas possa o bem triunfar.

    ANCIO

    Mas basta de falar; quanto me permite 170dizer a bela deusa benfazeja

    que se diverte com os ferozes leezinhosainda frgeis e com as tenras crias

    das feras todas habitantes das florestas,se quero interpretar algum pressgio 175

    portento auspicioso ou (quem sabe?) funesto

  • no voo velocssimo das aves.Invoco Apolo e peo a sua intercesso;

    no prenda rtemis as naves gregascom ventos fortes insuflados contra elas 180

    impondo mais um sacrifcio mpio,1adverso s leis, incompatvel com o jbilo,

    artfice de lutas em famlia,amargo fim da reverncia conjugal.

    J antevejo a clera bem prxima, 185terrvel, inapaziguvel, sem remdio,

    guardi insidiosa desta casa,alerta sempre, sempre ansiosa por vingar

    com crueldade a vtima inocente.Tais foram as palavras do profeta Calcas 190

    diante da manso de nossos reis,pressgio de terrveis males e de bens

    enormes que ditaram os augriosno dia da partida; e em seguida a eles

    CORO

    tristezas, canta tristezas, 195mas possa o bem triunfar.

    ANCIO

  • Zeus! Seja Zeus quem for! Que a minha invocao,se lhe aprouver, tenha boa acolhida!

    Depois de muito ponderar, somente em Zeusdiviso o fim de minha angstia enorme. 200

    Um deus havia antigamente, poderoso2e ousado para todos os combates

    (seu nome no futuro nem ser lembrado);surgiu depois um outro deus mais forte3

    mas foi tambm vencido e desapareceu. 205Agora os homens que convictamente

    veem no grande Zeus o vencedor finaldesfrutam do conceito de mais sbios,

    pois Zeus sem dvida foi quem levou os homenspelos caminhos da sabedoria 210

    e decretou a regra para sempre certa:o sofrimento a melhor lio.

    Da mesma forma que durante o sono, quandosomente o corao est desperto,

    antigas penas nossas voltam memria, 215assim aos homens vem, malgrado seu,

    a sapincia; esse constrangimento bom comunho da graa procedente

    dos deuses entronados em augustas sedes.Aconteceu o mesmo ao condutor 220

    das naves gregas o mais velho dos Atridas que, sem ter dvidas quanto s palavras

  • do vate iluminado, aceitou logo os golpesimpiedosos da fortuna adversa

    naquela hora em que a ardorosa gente grega 225permanecia inerte em frente a Clcis4

    (l onde as guas de ulis sobem e recuam),retida por ventos desfavorveis

    enquanto as poucas provises se consumiamnas naus imveis com as velas descidas. 230

    As brisas que sopravam rpidas do Strmon5trazendo o desastroso cio, fome,

    perigos, disperso dos homens, fim das naveshavia tanto tempo ali paradas,

    ceifavam o melhor da juventude grega 235naquela espera longa, interminvel;

    na hora em que o profeta, interpretando rtemis,anunciou aos chefes dos Aqueus a

    contingncia inexorvel, mais cruelque aquela espera desalentadora, 240

    os dois filhos de Atreu golpearam a terracom os cetros e tiveram de chorar.

    Ser atroz o meu destino se resisto,falou o mais idoso dos dois reis;

    ser atroz, tambm, matar a minha filha, 245minha Ifignia muito, muito amada,

    adorno, encantamento do palcio meu,manchando minhas mos de pai com o sangue

  • do sacrifcio de uma virgem inocente.Qual dos caminhos me trar agora 250

    mgoa menor? Ser possvel nesta horaabandonar de vez a expedio

    traindo tantos e to prestes aliados?De certo est com eles a justia

    se querem decididamente o sacrifcio 255capaz de os ventos nos trazer, propcios,

    embora tenha de jorrar o sangue puro!Que seja tudo para nosso bem!

    Depois de aceito o jugo da necessidadeo rei fez sua escolha e admitiu 260

    o sacrifcio, vilania inominvel;a deciso foi obra de um instante;

    iria consumar-se a mxima ousadia.A decepo funesta arrasta os homens

    a inslitos extremos de temeridade; 265 conselheira pssima e fonte

    inesgotvel de amargura e sofrimentos.Pois Agammnon no se atreveria

    ao holocausto de Ifignia, sua filha,a fim de que pudessem ir as naus 270

    de mar afora resgatar Helena bela?As splicas da vtima, seus gritos

    pungentes pelo pai, a idade virginalem nada comoveram os guerreiros

  • ansiosos por saciar a sede de combates. 275Depois da invocao aos deuses todos,

    mandou o pai que subjugassem sua filha;usando as vestes para proteger-se,

    tentava a virgem frgil resistir lutandodesesperadamente, mas em vo: 280

    como se fosse um dbil cordeiro indefeso,puseram-na no altar do sacrifcio;

    brutal mordaa comprimia rudementeseus lindos lbios trmulos de medo

    e sufocava imprecaes; quando caram 285por terra as vestes de formosas cores,

    a cada um de seus verdugos impassveisvolveu os eloquentes olhos splices

    to expressivos como se pintura fossem desesperada por falar mas muda, 290

    ela, que tantas vezes nas festivas salasdo senhoril palcio de Agammnon

    cantava com a voz doce de donzela tmidaos hinos em louvor ao pai amado!

    O que depois aconteceu no pude ver 295e mesmo que pudesse no diria.

    A arte do profeta Calcas no mentiu;por obra da justia os sofredores

    se tornam dceis e o porvir h de mostrar-seno tempo prefixado fatalmente; 300

  • at que venha intil a preocupao(por que chorar se a hora no soou?).

    Chegando o dia tudo se revelar.

    (CLITEMNESTRA, finda a prece e depostasas oferendas, afasta-se do altar central,marchando juntamente com as criadaspara onde esto os ANCIOS do CORO.)

    CORO

    (Percebendo CLITEMNESTRA que seaproxima.)

    Agora s devemos esperar, 305em face da incerteza do futuro, que o fim de tudo sejafavorvel, tal qual deseja quem nos traz aqui segundaapenas diante de Agammnon e no momento protetoranica da terra de pis, Argos gloriosa.6 310

    CORIFEU

    (Dirigindo-se a CLITEMNESTRA.)

    Obedecendo, Clitemnestra, a teu poder, vim para ouvir-te; justo reverenciar em frente ao trono h tanto tempo

  • desusado aquela que com o rei nossa governante.Se as novas que conheces so boas ou ms 315ou se nos mandas propiciar os deuses bons movida eanimada s pela esperana suave mensageira ,ouvir-te-ei solcito; e no me queixarei se nada medisseres.

    CLITEMNESTRA

    Desejo que do seio maternal da noite 320desponte cheio de venturas este dia.Ters de mim notcias mais que favorveis, alm da maisrisonha das expectativas: as foras gregas conquistaramTroia toda!

    CORIFEU

    Repete, por favor, pois no entendi bem! 325

    CLITEMNESTRA

    Os gregos capturaram Troia! Ouviste agora?

    CORIFEU

  • O jbilo me vence e at me faz chorar!

    CLITEMNESTRA

    Teus olhos falam bem de tua lealdade.

    CORIFEU

    Que provas tens? H garantias da verdade?

    CLITEMNESTRA

    Se os deuses no quiseram enganar-me, h. 330

    CORIFEU

    Ters acreditado em sonhos convincentes?

    CLITEMNESTRA

    No creio nas vises da mente adormecida.

    CORIFEU

  • Algum rumor sutil passou por teus anseios?

    CLITEMNESTRA

    Igualas o meu pensamento ao das crianas?

    CORIFEU

    Revela, ento, quando a cidade foi tomada! 335

    CLITEMNESTRA

    Na noite antecedente a este mesmo dia.

    CORIFEU

    Que mensageiro chegaria to depressa?

    CLITEMNESTRA

    Hefesto, que mandou dos pncaros do Ida7a sua chama lcida, vista em seguida l dos penhascos deHermes, na famosa Lemnos; 340de l o fogo forte foi comunicado ao monte Atos, onde

  • Zeus se refugia; vencendo o interminvel mar que vemdepois, levou nova fogueira a rpida mensagem sincansveis sentinelas no Macisto; 345novo sinal de chamas foi aceso logo, muito distante dasguas do Euripo; a luz, igual de outro sol, foi vista doMesspio por gente alerta que depressa transmitiu a ntidamensagem vinda de to longe 350por toda a infindvel plancie do Asopo; nas culminnciasdo Citron nova chama luziu como se fora lua fulgurante;ali se iluminou a fogueira seguinte, capaz de ser notadaainda de mais longe 355e seu claro intenso atravessou o Gorgpis; tendoatingido, infatigvel, o Egiplancto, seguiu a chama o rumopredeterminado e a mais brilhante das fogueiras e maiorpde ser vista para l do promontrio 360que protege a sada do golfo Sarnico; dali partiu novamensagem luminosa e chegou logo outra meta desejada o alto monte Aracne, penltima etapa, posto avanadoatento de Argos ; finalmente, 365daqui pudemos ver a luz alvissareira, vinda diretamenteda primeira chama.No foi em vo que transmiti as minhas ordens aoshomens postos no percurso da mensagem e a glria destefeito igualmente deles. 370Eis a evidncia que te posso oferecer; veio de Troia,mandada por meu senhor.

  • CORIFEU

    Rainha, agora posso agradecer aos deuses, mas gostariade escutar-te novamente pois meu espanto ainda no estdesfeito. 375

    CLITEMNESTRA

    Agora os soldados Aqueus dominam Troia.Na praa capturada certamente ouve-se o burburinho demil vozes bem distintas.Derrame-se vinagre e azeite num s vaso; os dois no semisturaro de modo algum, 380como se fossem inimigos acirrados.Da mesma forma, os brados dos vitoriosos e os dosvencidos so de todo inconfundveis; separa-os diferenaenorme de fortunas.Mulheres desvairadas tentam descobrir 385os corpos dos irmos e dos esposos mortos; sobre oscadveres dos pais crianas choram (so lbios anteslivres lamentando males).Mas os felizes vencedores, j refeitos dos sobressaltos efadigas e perigos 390da derradeira luta nas noturnas trevas, renem-se famintosjunto aos poucos vveres inda restantes na cidadesaqueada para a primeira refeio provada em paz.

  • No haver depois deveres marciais; 395repousaro nas casas da vencida Troia que lhes couberemna partilha por sorteio, livres agora do suplcio dafriagem, livres do orvalho na viglia sem abrigo;desfrutaro enfim o sono sem cuidados 400com que nas trguas dos combates mal sonhavam.Se cultuarem os bons deuses como devem e os santuriosda cidade subjugada, de vencedores no se tornarovencidos.Dominem os conquistadores a soberba 405e no se deixem arrastar pela cobia a temerrias, asacrlegas pilhagens!A luta no termina com a vitria; falta a volta, que metade de um longo caminho.Ainda que regressem todos de mos limpas, 410sem mculas de excessos e de impiedades, o ultraje aosnumerosos inimigos mortos se no causou ainda amargasdecepes mais tarde pode provocar rancor divino.Ouviste simples pensamentos de mulher; 415que sejam um prenncio de ventura e paz e finalmentepossa o bem prevalecer.

    CORIFEU

    Procedes como se homem fosses e prudente, e tua falaclara me persuadiu.

  • Irei levar aos deuses minha gratido, pois para tantasprovaes e to cruis teremos recompensas em medidaigual.

    (CLITEMNESTRA retorna ao palcio seguidapelas criadas.)

    CORO

    Sado Zeus supremo que nos deu imensa glria; salve,noite amiga que acobertaste a cilada fatal 425aos altos muros da orgulhosa Troia onde morreramgrandes e pequenos, vtimas todos do destino duro.Venero, sim, o hospitaleiro Zeus, o deus que tudo fez,irresistvel, 430e preparou durante muito tempo o inelutvel arco davingana para que as setas dele disparadas em direo aPris no cassem aqum do alvo nem se extraviassem 435num voo vo alm dos astros claros.Foi Zeus quem dirigiu a punio, pois inconfundvel osinal que deixa em sua obra a mo divina.Pensar para Zeus igual a agir. 440Afirmam uns que os deuses no vigiam os descuidosos dedever sagrado; so pensamentos atrevidos, mpios!A runa punio inexorvel da pretenso sem termo esem medida 445

  • e das extravagncias da opulncia.O dom supremo ter comedimento; queiramos s os bensinofensivos, suficientes quando h bom senso, pois aprosperidade nunca serve 450aos que se sobrepem justia.Transtorna-os a sinistra Tentao, insidiosa filha doDelrio: o mal, ento, se torna irremedivel; no sedisfara mais, todos o veem 455 sinistra, inocultvel evidncia.Iguais a moedas falsificadas enegrecidas por pedra detoque, revelam os perversos a maldade como crianas queperseguem pssaros, 460manchando os seus com ndoa inapagvel.Os deuses no escutam suas splicas; a runa o fim detodos os culpados.Assim agiu outrora o belo Pris; bem-acolhido pelos doisAtridas, 465ignobilmente desonrou um lar raptando uma mulher presapor npcias!Ela, deixando ao povo atrs de si o estrpito de lanas ede escudos, guerreiras naus e o aparato blico, 470levou a Troia o luto em vez de dote quando transps asportas da cidade, ousando o que jamais ningum ousara.Naquele instante os vates inspirados disseram em gemidosincontidos: 475Ai do palcio! Ai, palcio e prncipes!Ai do vazio leito do marido marcado ainda pelo corpo

  • amado!Silencioso e s, entregue dor, ferido em seu orgulho umhomem sofre, 480aniquilado, sem poder queixar-se.Sente saudade atroz, angustiante, da esposa que se foi demar afora; a imagem dela inda povoa a casa; a prpriagraa dos adornos belos 485agora se afigura detestvel; foi-se com ela o atrativodeles.Em sonhos o marido solitrio visitado por visesfugazes que s lhe trazem alegrias vs, 490pois mal se mostram j se desvanecem fugindo fluidas deseus dedos vidos como asas agitadas pelo sono.Apenas a saudade permanece em seu palcio, ali junto lareira, 495constante e cada vez mais forte.Por toda parte, em cada casa triste de onde partiu algumguerreiro Aqueu, o desencanto reina angustiando oscoraes e tudo inquietao; 500todos se lembram bem dos que partiram e pressentem queao lar de cada um em vez dos homens idos voltaroapenas urnas fnebres e cinzas.Ares sangrento, mercador de morte,8 505decide o resultado das batalhas e a quem espera manda lde Troia o p a que fogueiras crepitantes num instantereduziram tantos gregos, ainda quente e mido delgrimas. 510

  • Louvores se misturam a gemidos: Como era destemidoeste guerreiro!Aquele ali tombou valentemente na luta rude! Poresposa alheia, algum sussurra fazendo segredo. 515E doloroso descontentamento brota furtivamente e sedifunde visando aos dois Atridas vingadores.Em Troia, todavia, bem distante, ao longo das muralhas dacidade 520jazem por terra muitos gregos mortos na poca mais belada existncia, conquistadores, sim, mas engolidos na horaextrema pelo cho vencido! perigosa a voz de uma cidade 525magoada, a maldio de muita gente.Prevejo, temeroso, tenebrosos, terrveis fatos, pois osdeuses guardam a ntida viso de tantas mortes; com otempo as negras Frias vingadoras 530envolvem irremediavelmente os maus injustamenteventurosos e o mximo poder reduz-se a nada; e desse fimsem sombra de esperana 535ningum, ningum jamais escapar!A glria imensa pode ser fatal pois Zeus com seusirresistveis raios atinge facilmente as culminncias.Prosperidade que no cause inveja, eis meu desejo; nome move a ideia 540de conquistar e destruir cidades, nem quero ver um diaminha vida nas mos de impiedosos vencedores.Anunciada por claro intenso, mensagem clere percorre

  • Argos; 545se verdadeira ou nada mais que engodo armado pelosdeuses, quem garante?Seria pueril ou insensato dar crdito a esperanasdespertadas por incomuns mensagens flamejantes 550que podem resultar em desenganos; a decepo sucede esperana. prprio das mulheres acolher com avidez rumoresagradveis sem aguardar a prova da verdade; 555se rpida a certeza se insinua na mente das mulheres, maisdepressa desfaz-se a feminina convico.

    (Alguns dias depois; mesmo cenrio; osANCIOS do CORO esto novamentereunidos.)

    CORIFEU

    Em breve saberemos se o revezamento de chamas claras efogueiras sinaleiras 560nos transmitiu um fato, ou se foi sonho apenas essa visode luz, engano dos sentidos; caminha em nossa direo,vindo da praia, veloz recm-desembarcado mensageirocom folhas de oliveira em volta da cabea,9 565todo coberto de poeira, irm do lodo; e bem se v que noir ficar calado nem acender fogueiras no alto das

  • montanhas sinais equvocos de chama e de fumaa ;deve trazer-nos com palavras categricas 570jamais sentidas alegrias, ou ento(causa-me horror esta segunda alternativa).Que s perspectivas agradveis, j sabidas, venhamjuntar-se razes novas de alegria!E quem tiver agora pensamentos outros 575ou maus desejos relativamente ao povo h de o castigoreceber que bem merece!

    (Entra o ARAUTO, ofegante.)

    ARAUTO

    Sado o solo de Argos, terra de meus pais!Dez anos se passaram, mas enfim retorno!Vi numerosas esperanas fracassarem 580mas uma realizou-se: nem sequer em sonhos imaginava virmorrer em minha terra e ter aqui a pretendida sepultura!Seja este cho bendito e seja abenoada a luz do sol, eZeus bendito nas alturas! 585Sado Apolo Ptio (no nos atravessem jamais as tuassetas!). Temos suportado durante muito tempo a tuahostilidade l longe s margens do Escamandro;10 s agorao nosso protetor e guarda, santo Apolo! 590Sado as divindades todas da cidade, principalmente meu

  • patrono e guia, Hermes, arauto-mor pelos arautosvenerado!E vs, tambm, heris que protegeis as naus, sedebenvolos com todos os guerreiros 595que as lanas no exterminaram nas batalhas!Salve, palcio de meus reis, seguro abrigo!Salve, sacrrios! Salve, deuses poderosos que o solclareia! Como em dias j passados, mostrai semblanteacolhedor ao nosso rei 600depois dos anos infindveis dessa ausncia!Trazendo luz s trevas Agammnon volta por vossa graae para o bem de todos ns. justo receb-lo com festas sem par, pois ele destruiu aterra dos troianos, 605onde no foi deixada pedra sobre pedra, com as armasque lhe ps nas mos Zeus vingador; at os santuriosforam arrasados e o solo revolvido; Troia outrora altivasuporta hoje o jugo degradante e duro 610imposto por nosso senhor recm-chegado, o filho maisidoso e mais feliz de Atreu, digno mais que ningum degrandes homenagens.Findou a presuno de Pris e de Troia; o sofrimento foimaior que o benefcio. 615Heri de rapto e de rapina, viu perdido o fruto de seucrime e apenas malefcios causou sua gente e a todo opovo seu; coube uma pena dupla aos filhos do rei Pramo.

  • CORIFEU

    Arauto das hostes argivas, rejubila-te! 620

    ARAUTO

    Seria bom morrer agora, junto aos meus!

    CORIFEU

    Atormentavam-te as saudades desta terra?

    ARAUTO

    De tal maneira que j no contenho as lgrimas!

    CORIFEU

    No era, ento, apenas nossa essa tristeza

    ARAUTO

    Que dizes? S explcito, pois no te entendo.625

  • CORIFEU

    Sofreis por voltar e ns por vossa volta.

    ARAUTO

    Eram saudades dos saudosos combatentes?

    CORIFEU

    Muitos soluos transbordavam de meu peito.

    ARAUTO

    Qual era a causa de tua melancolia?

    CORIFEU

    H muito tempo meu remdio no falar630

    ARAUTO

    Na ausncia de teu rei algum te amedrontava?

  • CORIFEU

    Seria bom morrer agora, tu disseste11

    ARAUTO

    Porque se concretizam hoje meus desejos.Do certo alguns projetos nossos, outros no; somente osdeuses so imunes a fracassos. 635Se eu pretendesse descrever as provaes, o desconforto,os incontveis sofrimentos de nossa expedio, palavrascomovidas diria relembrando tantos dias tristes.Desembarcados, inda padecemos mais, 640premidos contra as fortalezas inimigas; caa chuva l docu, caa orvalho e as vestes dos soldados no osabrigavam.Se fosse eu falar do frio intolervel que at matava ospssaros no alto Ida12 645E dos veres, quando ao torpor do meio-dia o mar imvele sem brisas dormitavaMas no repetirei lamentos. Nossas penas esto passadas;terminaram as dos mortos, que nunca, nunca maisconseguiro erguer-se. 650Por que enumerar os desaparecidos, afligindo ossobreviventes, mais felizes, com a rememorao dealheias desventuras?

  • Conforta-nos bastante o derradeiro adeus que nosdisseram os passados infortnios; 655ns, os remanescentes das hostes argivas tivemos afinalmais ganhos do que perdas; depois de tantos marespercorrer e terras muito justo proclamar altivamentediante do fulgor do sol: no fim da luta 660as foras vencedoras da arrogante Troia ofereceram ostrofus l conquistados aos deuses bons de toda a Grcia,que reveem, glorificando seus altares venerveis.E quem ouvir depois a histria desses feitos 665ter de enaltecer a Hlade e seus chefes; tambm serlembrada a ajuda de Zeus pai que tudo fez. Termina aqui aminha fala.

    CORIFEU

    Teus ditos me venceram, no posso negar; sempre tempode render-me evidncia. 670

    (Vendo CLITEMNESTRA chegar porta dopalcio.)

    Pertencem mais a esta casa as novidades e a Clitemnestra;a mim me coube muito delas.

    (Entra em cena CLITEMNESTRA, vinda dopalcio.)

  • CLITEMNESTRA

    Faz muito tempo que se ouviu meu grito alegre de triunfo,quando o fogo ntido nas trevas primeiro deu a conhecer ofim de Troia 675apregoando a sua runa e rendio.Houve entre ns quem murmurasse, quem dissesse: achama das fogueiras to convincente que julgasconsumada a perdio de Troia?O corao engana s vezes as mulheres. 680Fui censurada, fui havida por demente, mas nem por issodescuidei de prescrever os sacrifcios rituaisgratulatrios.Por minha s vontade firme de mulher, em todos osrecantos da cidade alegre 685soaram alto as merecidas louvaes aos deuses; sobreseus altares recendeu incenso forte consumido pelaschamas.Qual o valor, ento, de repetir as novas j conhecidas?Ouvirei do prprio rei 690a histria toda; por enquanto quero apenas cuidardepressa de cumprir a minha parte, tratando como devo omeu senhor que volta.No h para a mulher satisfao maior que a de mandarabrir as portas ao marido 695salvo da morte pelos deuses nas batalhas.Retorne sem demora! Nada mais desejo, pois a cidade

  • dele e o quer de volta j.Que venha ao lar e veja a companheira honesta como adeixou, zelosa, igual a co fiel, 700maior amiga dele e inimiga mxima dos que lhe queremmal, a mesma esposa em tudo, durante tanto tempo guardiatenta de quantos bens ficaram sob o seu cuidado.No conheci prazeres vindos de outros homens 705e nada sei de intrigas e maledicncia (tais coisas paramim so totalmente estranhas).13

    ARAUTO

    Numa mulher to nobre no chega a chocar essa altivezonde tudo pura verdade.

    (CLITEMNESTRA volta ao palcio.)

    CORIFEU

    (Dirigindo-se ao ARAUTO.)

    So para tua informao essas palavras, 710mas quem as ouve e as interpreta retamente concluidepressa que elas so todas malvolas.Conta-nos algo agora sobre Menelau: tambm voltou ochefe amigo desta terra convosco so e salvo? Quero

  • ouvir de ti. 715

    ARAUTO

    Seria vo tentar passar relatos falsos por verdadeiros;durariam pouco tempo.

    CORIFEU

    Preferiramos notcias agradveis mas que exprimissemsimultaneamente os fatos; as falsas alegrias logo sedesfazem. 720

    ARAUTO

    De Menelau e suas naus, infelizmente no h na armadaquem saiba dizer. No minto.

    CORIFEU

    Ter deixado Troia antes dos outros gregos?Ou uma tempestade perdio de todos causou adisperso das naus e desgarrou-as? 725

  • ARAUTO

    Foste direto ao alvo, igual a bom archeiro; poucaspalavras mostram o desastre enorme.

    CORIFEU

    Conheces a impresso dos outros navegantes? de que esteja vivo, ou o consideram morto?

    ARAUTO

    No h quem saiba com certeza; s o Sol 730que vivifica a terra poder dizer.

    CORIFEU

    Sers capaz de relatar a tempestade mandada pelo cu porsobre as nossas naus e tudo que ocorreu, e mesmo o fimde tudo?

    ARAUTO

    Palavras tristes no condizem com momentos 735de bons augrios; seja honrado cada deus em sua vez. Se

  • um mensageiro, consternado, relata ao povo a destruiode tantas naus terrvel golpe imposto a toda uma cidade, de muitos lares em que vtimas sem nmero 740ceifou impiedoso o duplo aoite de Ares14 dobrada maldio, parelha sanguinria , quando asnotcias vm repletas de desgraas, o arauto pode entoarcom propriedade, ento, o canto lamentoso e lgubre dasFrias. 745Mas se transmito a uma cidade jubilosa notcias boas devitria e salvao, por que misturarei desgraas eventuras falando-vos de desastrosas tempestades,prenncio da divina ira contra ns? 750Pois mar e fogo, antes ferozes inimigos, em aliana sejuntaram e a selaram despedaando as infelizes nausargivas!Em plena noite os vagalhes nos aoitavam.As naus se entrechocavam todas, impelidas 755irresistivelmente pelos ventos trcios15e proas destruam proas com fragor em meio fria daprocela; golpeadas sem trgua pelas fortes chuvas, nossasnaus desarvoravam, desgarravam-se, perdiam-se, 760joguetes da tormenta grvida de males.E quando a luz do sol apareceu radiosa o mar Egeu surgiuflorido de cadveres16de gregos e destroos do desastre nutico.No entanto ns, e nossa nau com o bojo intacto, 765

  • fomos poupados por alguma divindade que ocultamenteps mo forte no timo.Quis a fortuna salvadora acomodar-se em nossa proa efelizmente nos livrou de enormes ondas e de escolhostraioeiros. 770Assim salvamo-nos da morte no oceano, mal crendo aindaem nossa sorte favorvel.Pensamos ansiosos, quando veio o dia, em nossos novosinfortnios e na frota aniquilada pela negra tempestade.775Agora, se qualquer dos nossos inda vive, h de semdvida pensar que ns estamos perdidos (e por que nopensaria assim se o mesmo imaginamos a respeitodeles?).Mas praza aos cus que o fim de tudo seja bom. 780Mais do que tudo espero Menelau de volta.Se o sol onividente o descobrir um dia com vida e bempor proteo do grande Zeus que ainda no intenta destruirde todo a nobre estirpe oriunda do famoso Atreu, 785h esperanas de que volte um dia a ns.So verdadeiras as palavras que escutaste.

    (Retira-se o ARAUTO.)

    CORO

    Quem ter dado nome to correto16a

  • a Helena bela, essa esposa de espadas, envolta emdesavenas, dor e runas, 790nascida para destruir armadas e perdio dos homens ecidades?De certo alguma oculta potestade que em nossos lbiosps a voz dos fados.Deixando atrs de si faustosa vida 795fugiu de mar afora, impulsionada por Zfiro gigante comseu sopro.17Seguiram-na incontveis caadores armados e vestidos deguerreiros no encalo do sinal fugaz dos remos 800at as margens verdes do Simis,18por obra e causa da discrdia rubra.A clera de rgidos desgnios mandou a Troia bodaslutuosas, cobrando o grande Zeus hospitaleiro 805na hora certa o preo da desonra daqueles que, com vozharmoniosa, cantavam hinos em louvor da noiva e seusparentes no himeneu solene.A clebre cidade do rei Pramo 810inteira conheceu um canto lgubre que agora entoa emsoluada voz entrecortada de lamentaes; maldizemPris, o funesto noivo, e choram sob o fardo insuportvel815da vida muito mais que desgraada, repleta da terrvelamargura de verem mortos tantos filhos seus.Acolhe algum um leozinho em casa, tirado ainda tenroda leoa 820

  • e desejoso apenas de seu leite; inofensivo nos primeirosdias; dcil, diverte-se com os meninos e delicia mesmo osmais idosos, em cujos braos deixa-se ficar 825como se tambm fosse uma criana submissa ao ventre egrata, no momento, generosa mo que a alimenta.Mas chega o dia em que, depois de grande, revela aprpria natureza bruta: 830em troca dos cuidados e desvelos devora ovelhas edestri rebanhos num trgico banquete sem convite.A casa poluda pelo sangue e seus senhores choramdesolados 835diante da carnificina enorme; foi um ministro de desgraae dor que alimentaram por ordem divina.Da mesma forma, penso, veio a Troia assemelhando-seantes a prenncio 840de tempos calmos, de tranquilidade, um frgil ornamentode beleza, suave seta que vulnera os olhos ou flor de amorque fere coraes.Mas num instante tudo transmudou-se 845e a esposa recm-vinda converteu-se na perdio de umlar, de todo um povo, por deciso de Zeus hospitaleiro,mandante das lacrimogneas Frias.Repetem os mortais h muito tempo 850velhssimo provrbio: da fortuna imensa de um mortalgerminam logo males inda maiores para os seus. diferente o meu entendimento: aes inquas geramfatalmente 855

  • iniquidades umas sobre as outras, idnticas em tudo suaorigem; porm nas casas onde houver justia jamais filhosperfeitos faltaro.Uma arrogncia mais antiga gera 860nova arrogncia em meio a gente m e ao se formar, a vidaperpetua a audcia mpia como a sua estirpe, destinonegro de mil geraes.Nos lares mais discretos, todavia, 865pode a justia cintilar constante enaltecendo a existnciasimples; dos palcios dourados onde existem mosimpuras ela se retira rpida, olhando para onde houverpureza, 870indiferente fora da riqueza e s suas glrias feitas deiluses.E guia tudo para o termo certo.

    ( frente de um grande cortejo apareceAGAMMNON, num carro aberto puxadopor soldados; atrs, num carro menor,tambm de p, v-se CASSANDRA. Quandoos carros param, os ANCIOS do CORO securvam reverentemente.)

    CORO

    Salve meu rei, filho de Atreu, heri de Troia!Nas homenagens justas que te rendo 875

  • procuro resistir tentao de excessos mas no desejoaparentar frieza.Alguns mortais apenas cuidam de aparncias e no secingem convenincia.Dirigem quase todos aos infortunados 880olhares de piedade simulada, mas o aguilho doverdadeiro sentimento no chega ao corao; porm se ahora de compartilhar honestas alegrias fingem sentir umjbilo real 885impondo ao rosto indiferente falso riso.Ao homem mais vivido, todavia, conhecedor de sua grei,de seus amigos, jamais iludiro as aparncias; ver noscoraes foradamente alegres 890a hipocrisia da afeio fictcia.Em tempos j passados, quando organizavas a expediopara buscar Helena, no nego que me pareceste uminsensato e tbio no timo de tua mente, 895disposto a imolar guerreiros valorosos na tentativa derecuperar aquela criatura sem pudor algum!Hoje, porm, falo com o corao e como amigoverdadeiro eu ofereo900aos vencedores meu devotamento.Se quiseres saber descobrirs com o tempo quem foi lealcontigo ou desleal entre os argivos que ficaram por aqui.

    (Abrem-se as portas do palcio e apareceCLITEMNESTRA, seguida por numerosas

  • criadas, detendo-se nos degraus daescada.)

    AGAMMNON

    (Ainda de p no carro.)

    Dirijo minha saudao inicial 905 terra argiva e aos benevolentes deuses aos quais soudevedor da graa do regresso, e por me terem permitidoimpor a Troia a justa punio de uma total derrota.Indiferentes s arengas arrastadas 910e rplica pouco sincera dos culpados, em gesto unnimeos deuses depositaram seu veredicto na urnasanguinolenta: perea lion, seja destruda lion!A urna do perdo permaneceu vazia; 915os votos da esperana no apareceram.At agora o negro fumo dos incndios testemunha dadestruio de Troia; ainda sopram as rajadas do castigo, esobe aos cus, das brasas meio consumidas, 920o odor de uma opulncia reduzida a cinzas.Por esses fatos temos de testemunhar contritamente nossagratido aos deuses.Levamos cidade as penas da vingana; a luta por umamulher lhe trouxe a runa 925vinda do monstro argivo, do cavalo enorme19

  • em cujo bojo estavam os soldados prontos, irresistveisno ataque final a Troia quando as brilhantes Pliades jdeclinavam; buscando carne humana em todos os redutos930o rgio leo saciou-se de sangue.

    (Voltando-se para o ANCIO que osaudara.)

    Foi para as divindades esse longo exrdio.E quanto tua observao, que ouvi de ti e guardo namemria, concordo contigo e tens em mim um defensor; hpoucos homens capazes de encarar com naturalidade 935a boa sorte de um amigo, sem inveja, pois o veneno damalevolncia vence e toma posse da alma e dobra asamarguras dos torturados pelo srdido despeito 940diante da viso da ventura dos outros em ntido contrastecom a m sorte prpria.Sei distinguir uma amizade verdadeira da falsa, e chamode simulao de sombras a hipocrisia dos amigos naaparncia. 945Apenas Odisseu, que nos acompanhou20a contragosto, tendo de enfrentar a luta mostrou-secompanheiro certo e dedicado; esteja ele vivo ou morto,foi assim.Quanto ao restante, a respeito desta cidade 950e dos bons deuses, anunciem-se assembleias e logo

  • delibere-se em debates pblicos.Se tudo corre bem devemos ter cuidado a fim de que tenhasequncia a boa sorte, mas onde houver necessidade deremdio 955livremo-nos das consequncias da doena cauterizando eextirpando o que vai mal.Em breve transporei os slidos umbrais de meu palcio elar, prestando de antemo tributo aos deuses que metrazem de regresso960guiando-me de muito longe. E que a vitria permaneacomigo para todo o sempre!

    (CLITEMNESTRA retoma a marcha emdireo a AGAMMNON, seguida porcriadas trazendo longas passadeiras corde prpura. Para a certa distncia deAGAMMNON.)

    CLITEMNESTRA

    Concidados argivos venerabilssimos aqui presentes, nome sinto envergonhada de confessar em vossa varonilpresena 965minha amorosa impacincia muito longa; desfaz-se atimidez com o perpassar do tempo.Por prpria e dura experincia falarei de minhainsuportvel vida solitria durante a estada interminvel

  • deste homem 970ao p dos altos muros de Troia antiqussima.Primeiro, uma angstia desesperadora permanecer aesposa desacompanhada no lar vazio, separada domarido, ouvindo maus prognsticos seguidamente 975e recebendo, apreensiva, informaes reveladoras dereveses repetidos, que tem de transmitir ao povo receoso.Houvesse este homem sido mesmo vtima dos ferimentostodos que nos relataram 980mais furos haveria em seu corpo forte que malhas numarede grande; tivesse ele morrido tantas vezes quantas medisseram, ento, sem exagero, ele teria tido trs corposcomo Geron e poderia21 985vangloriar-se de seu corpo recoberto por manto trplicede terra, muita terra morte distinta para cada um doscorpos.Tais eram os rumores maus, exasperantes, que me traziamdesespero (muitas vezes 990servas atentas afrouxaram de meu colo sinistros, tensoslaos de cordas pendentes).Por isso e nada mais Orestes, nosso filho,22depositrio de nossa esperana nica, no se acha maiscomigo, como fora prprio. 995No te parea estranha sua ausncia agora; amigo certocuida dele com desvelo o bom foceu Estrfio, que meps a par de perspectivas duplamente perigosas : osriscos teus na longa luta l em Troia 1000

  • e a presumvel rebeldia aqui do povo, capaz de prabaixo um dia o fiel Conselho que sustentava teuprestgio, pois bem sabes que os homens tripudiam sobreos derrotados.Tais previses me pareceram verossmeis. 1005Falando agora um pouco mais de minhas mgoas, secou afonte copiosa de meu pranto e no me resta uma slgrima a chorar.Ardiam os meus olhos em interminveis vigliaslamentosas, na dilacerante 1010expectativa de no ver aparecerem l no horizonte tantasvezes contemplado as chamas das fogueiras que no seacendiam.E muitas vezes o zumbido malsoante de algum mosquitodespertava-me de sonhos 1015repletos de terrveis sofrimentos teus, demasiados parasono to fugaz.Hoje, porm, com o corao aliviado enfim de tanta e tocruel ansiedade, sado neste homem o mastim fiel 1020que guarda bem o seu rebanho; o arrimo firme, a salvaodas naves; a coluna mestra, o sustentculo do teto alto eslido; o filho nico de pai muito querente,23a terra firme divisada pelo nauta 1025desesperado e ansioso por salvar-se; aurora lmpida apsnoite tormentosa e fonte fresca para o viajor sedento (doce ver-nos livres de males ingentes).So merecidos todos esses elogios. 1030

  • Fique o despeito amargo bem distanciado, pois muitossofrimentos suportamos antes.Agora, criatura amada, sai depressa do carro em quevieste; no, no deves pr no cho os mesmos ps quedevastaram Troia! 1035

    (Dirigindo-se s criadas.)

    Qual a razo de tal demora, servas lerdas?Pois no mandei atapetar o cho ao longo da via que meurei vai percorrer agora?Depressa! Quero ver imediatamente em seu percurso belatrilha cor de prpura! 1040A justa mo dos deuses vai encaminh-lo casa que tocedo no pensava em ver.24Do resto cuidar, com o favor divino, um nimo que nose entrega nem ao sono, obediente s leis exatas dodestino.25 1045

    (As criadas estendem o tapete cor deprpura desde o carro em que estAGAMMNON at os degraus de acesso aopalcio real.)

    AGAMMNON

    (Ainda no carro.)

  • Filha de Leda, guardi de minha casa!26A tua fala se assemelha minha ausncia: quiseste-aexcessivamente prolongada.Os elogios, mesmo quando merecidos, a outros convirdiz-los, no a ns. 1050Ainda mais: no quero que me envolvas hoje em luxosprprios de mulheres, nem me acolhas prostrada eboquiaberta como me apareces pois no ests diante dealgum ser extico; no deves pr ressentimento em meucaminho 1055ornando-o com tapearias suntuosas.Tais honrarias cabem s a divindades; sendo mortal, novou poder pisar agora tapetes requintados sem justosreceios.Deves honrar em mim um homem, no um deus. 1060Tecidos luxuosos e tapetes simples so coisas diferentesdesde o prprio nome e o dom do cu mais precioso aprudncia.S feliz de fato o homem cuja vida transcorre at o fimserenamente prspera. 1065Enquanto assim pensar terei mais confiana.

    CLITEMNESTRA

    Revela francamente os teus reais propsitos.

  • AGAMMNON

    Os meus propsitos j foram revelados.

    CLITEMNESTRA

    Juraste aos deuses, em perigo, ser modesto?

    AGAMMNON

    Se agi assim, moveu-me boa inspirao. 1070

    CLITEMNESTRA

    Se vencedor, que pensas que faria Pramo?

    AGAMMNON

    Decerto marcharia sobre teus tapetes.

    CLITEMNESTRA

    No deves, pois, temer que os homens te censurem.

  • AGAMMNON

    muito forte o julgamento popular.

    CLITEMNESTRA

    S no existe inveja se no h valor. 1075

    AGAMMNON

    As mulheres no devem sustentar querelas!

    CLITEMNESTRA

    Tambm os fortes podem dar-se por vencidos

    AGAMMNON

    Desejas ser a vencedora no debate?

    CLITEMNESTRA

    Confia em mim e condescende na vitria!

  • AGAMMNON

    Se pensas desse modo manda ento, depressa, 1080algum para tirar-me estas sandlias, servas da marcha demeus ps; durante meu trajeto por cima deste rico adornocor de prpura no v o olhar de algum dos deuses,ressentido, notar-me l do alto; no desejo ver 1085a runa desta casa pela vaidade de ter calcado sob os pssuntuosos panos.E basta quanto a isso.

    (Apontando CASSANDRA, de p no carroatrs de AGAMMNON.)

  • Cuida gentilmentedaquela jovem estrangeira no palcio; os deuses todo-poderosos das alturas 1090so mais benvolos com o vencedor magnnimo.Ningum aceita o cativeiro de bom grado.A mais formosa flor entre as troianas todas faz parte demeu squito; foi um presente oferecido por todos os meusguerreiros. 1095J que depois de ouvir-te resolvi ceder a teu pedido, vouentrar em meu palcio pisando em prpura, se isso tecontenta.

    (Avanam duas criadas que tiram assandlias de AGAMMNON.)

    CLITEMNESTRA

    Existe o mar inesgotvel produzindo ininterruptamente apreciosa prpura 1100com que se podero tingir outros tapetes de que dispomos,meu senhor, em quantidade; palcios no admitem vislimitaes.Teria oferecido em minhas longas preces muitssimosestofos para pr-te aos ps 1105se me mandassem os orculos fatais em tua ausncia,quando de qualquer maneira pedia a graa de te ver

  • chegar com vida.Sabia eu que enquanto h seiva na raiz renascem folhasabundantes, que protegem 1110a casa da cancula com sua sombra.Por isso, quando voltas para a intimidade do lar,comparas-te ao retorno do vero em pleno inverno; nessesdias em que Zeus nos d o vinho feito das uvas maiscidas, 1115se o ar se torna ameno repentinamente que o senhor, otipo acabado do homem,27retorna e v findarem os seus sofrimentos.Zeus! Zeus perfeito! Quero que perfaas hoje os meusdesgnios! Cuida, ento, com todo o empenho 1120da obra em curso se pretendes perfaz-la!

    (AGAMMNON desce do carro e comea acaminhar sobre a passadeira que ascriadas haviam colocado no percursodesde o carro at os degraus de acesso aopalcio. CLITEMNESTRA segue-o juntamentecom as criadas. Todos se prosternam passagem do rei. Aps a entrada deAGAMMNON, de CLITEMNESTRA e dascriadas, fecham-se as portas do palcio.CASSANDRA permanece de p, imvel,absorta, no carro em que estava.)

  • CORO

    Por que volteja tanto esse terror em torno de meu coraoproftico?Por que insiste assim em vaticnios meu canto inevitvel,espontneo? 1125Por que no vem a desejada paz confortadora e no ocupalogo o trono vacilante de meu nimo, livrando-o desseinexplicvel pnico?Passou o longo tempo em que as amarras 1130das naves se cobriam de poeira nas vizinhanas da difcilTroia.Meus prprios olhos veem o regresso e deles no iriaduvidar, mas inda assim minhalma em sobressalto 1135e transbordante dessa inspirao, mesmo sem lira entoa ohino lgubre das Frias vingadoras e descr datranquilizadora expectativa.Motivos haver para que eu sinta 1140o corao a palpitar frentico, quase saltando,delirantemente, no peito onde h o instinto da justia e odom divino dos pressgios certos?Desejo que jamais se concretize 1145a minha desvairada apreenso.Sade exuberante no perdura indefinidamente; umadoena, vizinha atenta, aguarda sua hora.Da mesma forma a fortuna dos homens 1150em sua marcha cega, inexorvel, choca-se um dia contra

  • oculta rocha; somente se em manobra sbia um pouco dacarga preciosa posta fora a nau salva, salva-se umaparte

    1155

    (a casa no soobra inteiramente, embora carregada deaflies).28Os muitos generosos dons de Zeus e as sementeiras nuassempre vencem a fome; se, porm, o sangue negro 1160 sinal veraz de morte violenta um dia se derrama emolha a terra, nem mesmo com magia da mais forte poder-se- faz-lo reverter.Comenta-se que em tempos remotssimos 1165havia quem ressuscitasse mortos,29mas Zeus com seu poder exterminou-o deixando oshomens sem vs esperanas.Se a cada fado no contrapusessem30os deuses outro fado, o corao 1170me obrigaria a ser mais eloquente, pois ele agora freme napenumbra, amargurado, desesperanado de ver surgir namente incendiada qualquer ideia mais esclarecida. 1175

    (Reabrem-se as portas do palcio;reaparece CLITEMNESTRA que, dos degraus,se dirige a CASSANDRA, ainda imvel no

  • carro.)

    CLITEMNESTRA

    Vem logo para dentro, tu tambm, Cassandra ordeno,pois o todo-poderoso Zeus mandou-te compartir semmgoa e sem rancor a gua purificadora desta casa, naqual tu poders morar em convivncia 1180com muitos servos, no longe do altar dos deuses,guardies fiis de nossos incontveis bens.

    (CASSANDRA continua imvel no carro.)

    No sejas orgulhosa! Desce j do carro!O prprio filho da divina Alcmene sabes31 emtempos idos foi vendido como escravo 1185e teve de comer o po do cativeiro.Se tal destino algum tiver de suportar, no pequena agraa de ficar submisso a nobres donos, de fortuna muitoantiga; os novos ricos so cruis com seus escravos, 1190em tudo, sempre e sem qualquer comedimento.Ters de ns o habitual nessa emergncia.

    (CASSANDRA permanece no carro, emsilncio, como se no tivesse ouvidoCLITEMNESTRA.)

  • CORIFEU

    (Dirigindo-se a CASSANDRA.)

    So para ti, Cassandra, essas palavras claras que elatermina de dizer. Se te marcou destino amargo, s te restaobedecer, 1195se sabes ser obediente (mas duvido e creio mesmo queno obedecers).32

    CLITEMNESTRA

    Se ela no fala em sua terra lngua extica como a dosbrbaros, vou tentar expressar-me de acordo com seunimo e a tornarei 1200obediente aos mandamentos da razo.

    (CASSANDRA continua silenciosa.)

    CORIFEU

    Vai logo! J no tens direito de escolher; o que ela diz mais conveniente e certo.Atende e desce prontamente de onde ests!

    CLITEMNESTRA

  • No vou desperdiar meu tempo aqui com ela. 1205Esto l dentro, junto ao fogo aceso, as vtimasselecionadas, prontas para o sacrifcio (j nocontvamos com a graa do retorno); e tu, se queres ter atua parte nele,33procura andar depressa; se no s capaz 1210de compreender-me e no ds conta do que digo,34faze com as mos exticas um simples gesto!

    CORIFEU

    Parece que a estrangeira tem necessidade de algumintrprete, e bastante perspicaz; comporta-se a infelizcomo animal selvagem 1215recm-cativo, inconformado com as amarras.

    CLITEMNESTRA

    (Exasperada.)

    No apenas isso! Parece demente e desvairada, semperceber o que : trofu de guerra, vinda de terra vencidah pouco e saqueada, relutante ao jugo 1220at que exale junta com sangrenta espuma toda a suaindocilidade impertinente!

  • (CLITEMNESTRA afasta-se precipitadamentee volta ao palcio.)

    CORIFEU

    Eu, todavia, no me sinto exasperado, pois tenho penadela. Vai, desventurada! 1225Apeia deste carro! Cede ao teu destino!Recebe pela vez primeira o jugo duro!

    (CASSANDRA desce do carro e, entresoluos, fala em tom lastimoso aprincpio e depois exaltado, como seestivesse em transe.)

    CASSANDRA

    Ai! Apolo! Apolo! 1230

    CORIFEU

    Por que invocas entre lgrimas Apolo?

    CASSANDRA

  • Ai! Apolo! Apolo!

    CORIFEU

    Invocas outra vez, no mesmo tom sinistro, o deus que nadatem a ver com pranto e dor.

    CASSANDRA

    Apolo! Apolo dos caminhos! Perco-me!Perdeste-me, cruel, mais uma vez!35

    CORIFEU

    Ela parece adivinhar os prprios males; 1235 certo que os cativos tm o dom proftico.

    CASSANDRA

    Apolo! Apolo dos caminhos! Perco-me!Por onde me encaminhas? A que lar?36

    CORIFEU

  • casa dos Atridas; se no percebeste, hora de saber; eno dirs que minto. 1240

    CASSANDRA

    Sim, detestada pelos deuses, cmplice de numerosasdecapitaes, de fratricdios estarrecedores,ensanguentado matadouro de homens!

    CORIFEU

    Essa estrangeira mais parece um co de caa 1245a farejar; a trilha h de lev-la a mortes.

    CASSANDRA

    (Apontando e olhando fixamente o cho.)

    Aqui est uma evidncia ttrica!Crianas choram, os cutelos matam-nas e o prprio paidevora-lhes as carnes!

    CORIFEU

    difundida a fama de teus vaticnios, 1250

  • mas no necessitamos de qualquer profeta.

    CASSANDRA

    Ai! Ai de mim! Que se prepara agora?Que inslitos, enormes sofrimentos, e enormes males setramam aqui,37insuportveis para meus amigos? 1255E como ainda est distante a ajuda38

    CORIFEU

    No decifrei as derradeiras profecias, mas entendi asexpresses iniciais, assunto invarivel de toda a cidade.

    CASSANDRA

    Ah! Miservel! At isso ousas? 1260Banhando teu esposo e companheiro(no posso como descrever o fim?).Veremos logo; e mo ajuda mo a levantar-se, pronta parao golpe.

    CORIFEU

  • No posso ainda perceber, pois dos enigmas 1265descambas para ditos dbios e sombrios e fico pasmo semsaber o que pensar.

    CASSANDRA

    Oh! Que viso essa? Uma mortalha?No! No! O vu fatal que julgo ver39vem dela, companheira de seu leito 1270e cmplice do crime. Vocifera o bando furioso quepersegue40ainda e sempre essa eminente raa; com gritos rituaisfesteja o feito que s a mais severa pena pune! 1275

    CORIFEU

    Por que lembrar agora as Frias vingadoras?Tuas palavras deixam-me sobressaltado.

    CORO

    Sobe de sbito ao meu corao o sangue j sem cor, comose fora de golpe por onde se esvai a vida 1280na hora de chegar a morte clere.

  • CASSANDRA

    Ah! Vede! Vede! A vaca vence o touro!Envolve-o em seu vu insidioso e pelos cornos negros odomina!Descrevo a traio mortal de um banho!41 1285

    CORIFEU

    Embora no me julgue intrprete atilado de profecias,nestas antevejo males.

    CORO

    Jamais as profecias comunicam mensagens agradveis aosmortais; 1290os palavrosos dons oraculares sugerem desventura ecausam medo.

    CASSANDRA

    Ai! Infeliz de mim! Destino atroz! a torrente de meu sofrimento que soluando ponho naspalavras!Por que me conduziste at aqui? 1295

  • Para morrermos juntos? Ai! Por qu?

    CORO

    Ests alucinada e certamente alguma divindade te domina;entoas um canto desencantado,42tal como o pardo rouxinol tristonho 1300chorando interminavelmente tis,43tis, por toda a desolada vida.

    CASSANDRA

    Destino do sonoro rouxinol!Deram-lhe os deuses o dom de voar; a vida no lhe pesa,nem o pranto; 1305e a mim me espera a espada de dois gumes que sinto j emvolta do pescoo.

    CORO

    No cessam as lamentaes profticas, s vezes ditas comsuavidade, s vezes proferidas entre gritos. 1310Por que a trilha de teus vaticnios cheia de sinistrasprevises?

  • CASSANDRA

    Ah! Bodas Bodas trgicas de Pris, completaperdio de todo um povo!Ah! Escamandro onde bebia Troia44 1315Em teus barrancos (infeliz de mim!) outrora fui criadacom desvelo, e agora? Irei cantar daqui a pouco as minhasprofecias verdadeiras ao longo do Cocito e doAqueronte!45 1320

    CORO

    claro o teu orculo; percebo-o (at crianas odecifrariam); imensa dor e pena me comovem ao discerniro teu destino adverso; teus gritos ferem-meprofundamente. 1325

    CASSANDRA

    Ah! Penas Penas de minha cidade definitivamentedestruda!Meu pai! Ah! Quantas vezes receberam os deusesgenerosas oferendas de muitas reses que sacrificavas 1330em seus altares! Tudo foi intil e Troia pereceu damesma forma; eu mesma vejo, em delrio febril, chegar ahora de cair por terra.

  • CORO

    Enquadra-se nos outros vaticnios 1335a predio do fado que te espera.Decerto algum esprito maligno desceu pesadamente sobreti e te constrange a derramar as lgrimas predecessoras daterrvel morte. 1340

    CASSANDRA

    (Em tom mais sereno.)

    Agora basta. Vamos! Minha profecia no mais se mostrarenvolta em vus sutis, como aparecem as recm-casadastmidas, mas clara qual rajada fresca, sussurrante, 1345na madrugada quando vem surgindo o sol onda difanaaspirando a envolv-lo.Vai atingir-me agora o mal maior de todos.No mais vos estarrecerei com meus enigmas e sabereisque, recuando nos caminhos, 1350farejo as marcas de homicdios antiqussimos.De baixo deste teto nunca se afastou um coro unssonomas no harmonioso:46em tudo que ele canta nada h de bom.Provando sangue humano, que o torna pior, 1355um bando ruidoso ronda este palcio ininterruptamente:

  • so as rubras Frias, as implacveis sanguessugas destaraa.Enraizadas em recnditos recessos, esto cantando ocanto do primeiro crime;47 1360depois amaldioam o leito fraterno48lanando imprecaes a quem o maculou.Estou errada, ou como archeiro competente planteicerteira flecha no visado alvo?Sou falsa profetisa, das que vo bradando 1365de porta em porta?

    (Dirigindo-se ao CORIFEU.)

    Jura! Quero que confirmes as minhas aluses aos crimesdesta casa!

    CORIFEU

    A afirmao do juramento mais solene poderia curartantos, to grandes males? 1370 de pasmar, porm, que vinda de to longe, l do outrolado do oceano imenso, saibas to bem de certos velhosfatos ocorridos em um pas remoto como quem os viu.

    CASSANDRA

  • Apolo, deus-profeta, deu-me a sua fora.1375

    CORIFEU

    Ento o deus te desejou, a ti, mortal?

    CASSANDRA

    At agora tive pejo de diz-lo.

    CORIFEU

    Nos dias venturosos somos susceptveis.

    CASSANDRA

    No foi sem luta que me conquistou o deus resfolegante deincontido, ardente amor. 1380

    CORIFEU

    Os ritos amorosos foram praticados?

    CASSANDRA

  • No, muito embora eu prometesse ao deus.49

    CORIFEU

    Antes exercitaste esse teu dom proftico?

    CASSANDRA

    Vaticinei a meus concidados troianos os males edesastres que os arruinariam. 1385

    CORIFEU

    E no te perseguiu a clera de Apolo?

    CASSANDRA

    Depois que o enganei, fugindo a seus desejos, no mais sedava crdito a meus vaticnios.

    CORIFEU

    Mas tuas profecias j nos convenceram.

  • CASSANDRA

    (Novamente agitada.)

    Ai! Ai de mim! Desgraa! Torna a dominar-me 1390o torvo turbilho dos mpetos profticos alucinando-mecom seu refro horrvel!Estais tambm agora vendo junto porta frgeis figurasinfantis fantasmagricas iguais a formas espectrais empesadelos? 1395Parecem criancinhas mortas por aqueles que deveriamdedicar-lhes todo o amor!As mos repletas de sanguinolenta carne da prpriacarne (ai! confrangedora carga) , entranhas, vscerasque um monstruoso pai 1400ousou, infame, aproximar de sua boca!Prevejo e vos declaro que um leo covarde50l dentro premedita, no seu prprio leito, vinganainsidiosa contra meu senhor que volta (ai de mim tereide suportar 1405por toda a vida o jugo da subservincia).O comandante de incontveis naus guerreiras, destruidorde lion, no percebe ainda os golpes assassinos que acadela odiosa sordidamente lhe prepara, bajulando-o, 1410com lngua hipcrita e contentamento falso flagelotraioeiro com desgnios torpes que o fado inelutveltorna realidade.

  • Audcia enorme! A fmea mata o prprio macho!A que bifronte monstro repugnante, vbora 1415ou Cila moradora em rochedos ocultos,51desolao de infortunados marinheiros, irei pedir o maishorripilante nome, conforme a essa me do inferno,furiosa, resfolegando a destruio de sua gente? 1420E o grito de triunfo da mais que atrevida, como se fosse avencedora de um combate!Fingindo jbilo diante do regresso!Se me do crdito, ou se no, indiferente.Que importa? O que tiver de acontecer vir. 1425

    (Dirigindo-se ao CORIFEU.)

    Tu mesmo, aqui presente, dentro de momentos, hs dereconhecer em mim, horrorizado, a profetisa verdadeiraat demais!

    CORIFEU

    Sei que falaste do banquete de Tiestes e estremeciouvindo a verdade total; 1430domina-me o terror que disfarar no posso; mas quantos outras aluses estou em dvida; no conseguiacompanhar-te em teu caminho.

  • CASSANDRA

    Vers confirmo agora a morte de Agammnon.

    CORIFEU

    Ah! Infeliz! Ou fala bem, ou cerra os lbios! 1435

    CASSANDRA

    No h remdio para as minhas predies.

    CORIFEU

    Se for destino, mas desejo que no seja.

    CASSANDRA

    Formulas preces; outros cuidam de matar.

    CORIFEU

    Que homem se dispe a praticar o crime?

  • CASSANDRA

    Sem dvida te foge a minha profecia! 1440

    CORIFEU

    Decerto; no percebo planos criminosos.

    CASSANDRA

    Eu, todavia, falo bem a lngua helnica.

    CORIFEU

    Tambm a pitonisa, que ningum entende.

    CASSANDRA

    Ah! Quanto fogo (quanto!) avana para mim!Meu Deus! Apolo Lcio! Ai! E eu? E eu?52 1445Pois a leoa de dois ps, unida ao lobo na ausncia do leoferoz, matar-me-.Ai! Infeliz de mim! Na taa de veneno que manipula jest a minha parte.Com o prfido punhal que afia vai vingar-se 1450

  • do esposo inerme apenas por me haver trazido com ele,misturada aos seus trofus de guerra.Por que razo conservo ainda este meu cetro e em voltado pescoo este colar proftico?53Por que escarnecer agora de mim mesma? 1455

    (CASSANDRA parte o cetro e arranca ocolar de seu pescoo.)

    Ao menos isso no me sobreviver!Desapaream! Vingo-me despedaando-os!Sirvam a outros tais insgnias, no a mim!No estais vendo? Apolo me despoja hoje de meuproftico aparato, agora intil; 1460vestida nessas mesmas roupas, humilhada, escarnecidapor amigos e inimigos unnimes, igual a charlat semrumo sou maltratada qual mendiga maltrapilha!E quantas outras provaes j suportei 1465A morte o desenlace a que o deus profeta destina aprofetisa que antes inspirou.Em vez do altar de meu augusto pai, aguarda-me um cepode patbulo todo vermelho do sangue borbulhante deoutros sacrifcios. 1470Mas no h morte sem vingana de algum deus.Vir um dia mais um vingador o nosso 53a nascidopara exterminar a prpria me e castigar a morte inglriade seu pai.

  • Um exilado errante, expulso desta terra, 1475regressar para assentar a pedra ltima neste edifcio dasinmeras desgraas impostas a esta raa antigamenteprspera.Um juramento foi solenemente feito e confirmado pelosdeuses inflexveis: 1480h de o paterno apelo ingente, cedo ou tarde, faz-loretornar inevitavelmente.Por que fazer ouvir ainda a minha voz pungentementelamentosa? Vi primeiro o fim de minha Troia, todadestruda, 1485e agora seus captores, por divino mando, esto chegando aesse desenlace triste.Aceitarei o meu destino com firmeza; serei valente aoenfrentar a morte certa!Jorre o meu sangue de certeiro golpe, e rpido, 1490e a doce morte, sem espasmos e agonia, venha fechar-meos olhos na hora final!

    CORIFEU

    Falaste longamente, mulher infeliz, e foste bem sensata;mas se na verdade a prpria morte j prevs, por queenfrentas 1495o sacrifcio com tanta resignao que mais pareces dcil,plcida novilha votada como de costume ao holocausto?

  • CASSANDRA

    No vejo salvao Estrangeiros, tempo

    CORIFEU

    Mas vale muito, creio, a hora derradeira. 1500

    CASSANDRA

    Chegou a hora Lutas no me salvaro

    CORIFEU

    s corajosa! No te abate a desventura.

    CASSANDRA

    Tais elogios no ouve quem feliz

    CORIFEU

    Mas um mrito enfrentar assim a morte. 1505

  • CASSANDRA

    Pobre de ti, meu pai, e de teus nobres filhos!

    (CASSANDRA faz meno de entrar nopalcio, mas recua com uma expresso dehorror.)

    CORIFEU

    Que h? Por que recuas aterrorizada?

    CASSANDRA

    Ai! Ai!

    CORIFEU

    Por que gemidos? S se h em tua mente alguma imagemmonstruosa que no vemos.

    CASSANDRA

    Odor de sangue e morte sai deste palcio!1510

  • CORIFEU

    So vtimas sacrificadas nos altares

    CASSANDRA

    Parecem as exalaes de sepulturas!

    CORIFEU

    No sabes que em palcios h incensos srios?

    CASSANDRA

    meu destino Vou, ento, chorar l dentro por mim, porAgammnon Basta desta vida! 1515

    (CASSANDRA encaminha-se novamentepara o palcio, mas torna a recuar.)

    Ai, estrangeiros! No recuo sem motivos como se fossefrgil pssaro medroso.Apenas peo-vos que aps meu triste fim testemunheis nodia predeterminado a morte aqui por mim, mulher, deoutra mulher 1520e o mesmo fim de um homem para desagravo de outro

  • homem morto agora pela prpria esposa. esta a minha splica na hora extrema.

    CORIFEU

    Ah! Infeliz! Lamento a sina que prevs

    CASSANDRA

    meu desejo ainda declarar-vos algo. 1525No vou agora comear um canto fnebre; imploro ao Sol,diante desta luz mortia, que d aos inimigos fim igual aomeu, aos assassinos de uma escrava, presa fcil. triste e sem remdio a sorte dos mortais 1530Esboa-se a ventura em traos imprecisos; os maleschegam logo, como esponja mida, e num instante apagampara sempre o quadro.

    (Entrando no palcio.)

    isso que me faz sofrer ainda mais!

    CORO

    Ningum se cansa da prosperidade. 1535No lhe resistem nunca as criaturas nem se adiantam a

  • fechar-lhe as portas bradando, o dedo em riste: Nopenetres!Os deuses concederam a Agammnon apoderar-se dafamosa Troia 1540e regressar honrado pelos cus; mas se hoje dever pagaro sangue por outros antes dele derr