o trabalho do professor na elaboraÇÃo de … · galuch, maria terezinha bellanda...

14
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE CURRÍCULOS ESCOLARES: DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ - HISTÓRIA NODA, Marisa (UEM) GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes origens. Neste caso, o trabalho no magistério tanto na Educação Básica como no Curso de Licenciatura em História nos aproximou das questões sobre o currículo. Como professora do Ensino Básico da rede pública do estado do Paraná, vivenciamos dois momentos históricos em que propostas curriculares de educação escolar foram implantadas: o primeiro ocorreu no início da década de 1990, quando foi elaborado o Currículo Básico Para a Escola Pública do Estado do Paraná (CB); o segundo ocorreu em 2008, com a sistematização das Diretrizes Curriculares do Ensino Básico (DCE/História), sendo que, deste último participamos do seu processo de elaboração. Nos dois documentos, a Secretaria de Estado da Educação (SEED) evidencia a participação dos professores na sua elaboração. Gilda Poli Rocha Loudes, como Secretária de Estado da Educação, assina uma fala aos professores no CB (1990) e pontua: “Temos consciência clara de que devolvemos a vocês o produto de seu esforço [...]” (PARANÀ, 1990). Yvelise Freitas Souza Arco-Verde, Secretária em 2008, segue o mesmo exemplo e também se dirige aos professores, “[...] construímos essas Diretrizes Curriculares por meio de uma metodologia que primou pela discussão coletiva ocorrida, efetivamente, durante os últimos cinco anos e envolveu todos os professores da rede” (PARANÁ, 2008). Ambas evidenciam os dois documentos como produtos do trabalho do coletivo do professor paranaense.

Upload: hoangdan

Post on 21-Jan-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

1

O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE

CURRÍCULOS ESCOLARES: DIRETRIZES CURRICULARES DA

EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ - HISTÓRIA

NODA, Marisa (UEM)

GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM)

Introdução

Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

origens. Neste caso, o trabalho no magistério tanto na Educação Básica como no Curso

de Licenciatura em História nos aproximou das questões sobre o currículo. Como

professora do Ensino Básico da rede pública do estado do Paraná, vivenciamos dois

momentos históricos em que propostas curriculares de educação escolar foram

implantadas: o primeiro ocorreu no início da década de 1990, quando foi elaborado o

Currículo Básico Para a Escola Pública do Estado do Paraná (CB); o segundo ocorreu

em 2008, com a sistematização das Diretrizes Curriculares do Ensino Básico

(DCE/História), sendo que, deste último participamos do seu processo de elaboração.

Nos dois documentos, a Secretaria de Estado da Educação (SEED) evidencia a

participação dos professores na sua elaboração. Gilda Poli Rocha Loudes, como

Secretária de Estado da Educação, assina uma fala aos professores no CB (1990) e

pontua: “Temos consciência clara de que devolvemos a vocês o produto de seu esforço

[...]” (PARANÀ, 1990). Yvelise Freitas Souza Arco-Verde, Secretária em 2008, segue o

mesmo exemplo e também se dirige aos professores, “[...] construímos essas Diretrizes

Curriculares por meio de uma metodologia que primou pela discussão coletiva ocorrida,

efetivamente, durante os últimos cinco anos e envolveu todos os professores da rede”

(PARANÁ, 2008). Ambas evidenciam os dois documentos como produtos do trabalho

do coletivo do professor paranaense.

Page 2: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

2

Essa valorização da participação dos professores por parte da Secretaria é algo

que sempre nos chamou a atenção. Tínhamos clareza que tal ação almejava a efetivação

da proposta em sala de aula, o que nos levou ao primeiro questionamento: o fato de o

professor participar da elaboração de um currículo garante a sua efetivação em sala de

aula? Essa pergunta pautou o projeto inicial de pesquisa no curso de doutorado,

direcionando nossa questão para o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares

do Ensino Básico de História (DCE-História). Para respondê-la, buscamos elementos

nas teorias dos currículos, procurando entender de que forma a teoria tradicional, a

teoria crítica, a concepção técnica ou reconceptualistas, a crítica neomarxista, o

currículo como política cultural, entre outras, entendiam o currículo e suas influência

sobre o trabalho do professor. Com essa leitura, podemos entender que cada uma dessas

teorias empregava conceitos com os quais buscavam explicar o mundo, a escola, o

homem e por mais relevante que se mostraram, não nos trouxe satisfação acerca do

nosso questionamento. Essa insatisfação se deu por não encontrarmos nelas subsídios

que nos auxiliassem a entender como se dá a efetivação de currículos em sala de aula.

No decorrer do processo de formação, no curso do doutorado, deparamo-nos

com as referências bibliográficas sugeridas pelas disciplinas, principalmente na

disciplina de Seminário de Pesquisa, quando tivemos contato com autores como

VIGOTSKY (2009), LEONTIEV (2004). Essas leituras, embora não tratassem

especificamente da elaboração curricular, lançaram luzes sobre uma questão

fundamental referente ao lugar que o sujeito ocupa no processo de aprendizagem. Isso

conduziu ao seguinte entendimento: teríamos que pensar o lugar que o professor ocupou

quando participou da elaboração das DCE/História. A partir dessa compreensão, outro

questionamento surgiu: considerando que os professores participaram da elaboração das

DCE-História mediante orientações teórico-metodológicas do DEF (Departamento de

Ensino Fundamental), essas orientações foram incorporadas em sua prática pedagógica

em sala de aula? Essa resposta nos faria entender se a participação do professor na

elaboração de documentos curriculares provoca alteração em seu trabalho, entendendo

que essa alteração de prática corresponde a implantação dos novos currículos em sala de

aula, à operacionalização no trabalho pedagógico desse professor.

Page 3: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

3

Neste artigo, objetivamos compreender o conceito de ação. Ao buscar esse

entendimento, exige-se primeiro outras discussões, como por exemplo, discutir Estado

e políticas públicas, políticas publicas no estado do Paraná, esse posicionamento se

justifica, uma vez que a elaboração da nova diretriz curricular para as instituições de

ensino básico do Estado do Paraná foi divulgada como parte da política educacional do

governo, que principiava o mandato em 2003. Para isso, recorremos às leituras de

ENGELS (1984), MARX (1998), HARVEY (1992), SAVIANI (1989), ZANARDINI,

(2003).

Contexto histórico e conceito

Conforme Saviani, entendemos que no capitalismo o Estado representa os

interesses de uma classe social específica. Portanto, determinadas mudanças são de

interesses desse grupo social que tende a colocá-los como interesses públicos

(SAVIANI, 1989). Com perspicácia fazem com que o Estado efetive algumas mudanças

em nome dos “interesses públicos”. Essa estratégia é possível, tendo em vista que,

Com a emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela; mas esse Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si mesmos por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade e seus interesses, tanto externa como internamente (MARX, ENGELS, 1998, p. 74).

Para compreender como Marx chegou à premissa que o Estado é a instituição

pela qual determinada classe faz valer seus interesses, o texto de Engels a Origem da

Família, da Propriedade Privada e do Estado foi fundamental, pois o autor expõe o

limiar dessa questão, relatando que:

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é ‘a realidade da idéia moral’, nem ‛a imagem e a realidade da razão’, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar.

Page 4: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

4

Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da ‛ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 1984, p. 227).

Considerando-se o Estado com a função de amortecer as diferenças e

contradições numa sociedade, percebemos que as políticas públicas são apresentadas

como necessárias para que a parte da população que não tem seus interesses

representados recupere sua credibilidade em um Estado que “representa” e “governa” a

todos e são também divulgadas como reformas benéficas a toda a sociedade. Nessa

reorganização, ao Estado cabe repassar um conjunto de valores, práticas, políticas

sociais e culturais, que mobilize a todos e, assim, legitimar tal mudança. Para que a

pressão de tais imposições não seja sentida, ela pode ser realizada de forma indireta

“[...] com a propaganda subliminar que nos persuade a incorporar novos conceitos sobre

nossas necessidades e desejos básicos na vida” (HARVEY, 1992, p.118).

As contradições capitalistas causadas, em primeira instância, pela acumulação de

capital de um lado e a miséria do outro lado, trazem constantes e periódicas crises. No

pós Segunda Guerra Mundial, o crescimento industrial norte-americano era visível, mas

para que se tornasse ainda mais forte era necessário expandir mercados e reorganizar o

comércio deveria. No entanto, grande parte da Europa e o Japão não possuíam

condições econômicas para se tornarem parceiros nesse redimensionamento das forças

capitais. Dessa forma, os Estados Unidos, via Plano Marshall, viabilizem essa condição,

mobilizando globalmente, salvo os países comunistas, a produção em massa. Com o

comércio internacional garantido, os países industrializados conseguiram manter a

economia capitalista estabilizada até a recessão de 1973, quando houve a necessidade de

novas mobilizações do capital (HARVEY, 1992).

Aqui vamos nos remeter ao que Harvey chama de acumulação flexível para

entendermos essa reorganização do capital e como a educação será pensada nesse

contexto de mudança.

Page 5: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

5

A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento de emprego no chamado 'setor de serviços', bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a 'Terceira Itália', Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados) (HARVEY, 1992, p. 140).

Essas mudanças, principalmente no setor do trabalho, exigem que a formação

dos prestadores de serviços seja remodelada conforme as necessidades do mercado,

cabendo ao Estado promover essa capacitação por meio de políticas públicas, forjadas

como essenciais para que países em desenvolvimento estejam aptos para responderem

às expectativas mundiais e, portanto, merecedores de participar da internacionalização

do capital, da globalização. No Brasil, a educação é um dos setores que sofreram grande

impacto dessa remodelação. Para Zanardi:

[...] a reforma do sistema educacional aparece como uma das condicionalidades impostas no processo de ajuste estrutural colocada para a economia brasileira, ou ainda, como requisito necessário para o ingresso no chamado 'mundo globalizado'. E à medida que impõe a reforma do sistema educacional, determina a reforma da gestão escolar, pretendendo adequá-la aos mecanismos do mercado e da 'sociedade globalizada' (ZANARDINI, 2003, p. 5).

Dessa forma, as políticas públicas educacionais elaboradas a partir dos anos

1980 sofrem influências da globalização, sendo que determinados países, dentre eles o

Brasil, recebem empréstimos de instituições mundiais para implantar tais políticas.

É importante compreender a conjuntura político-econômica brasileira da década

de 1980, recém saída da ditadura civil-militar, na qual os direitos políticos foram

suspensos, o estado impunha à maioria da população brasileira: salários baixos, com

altos índices de inflação, negação de direito às reivindicações por melhores condições

Page 6: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

6

de vida e trabalho, subordinação à concentração de riquezas, na qual somente as classes

média e alta, principalmente das regiões Sul e Sudeste, consumiam de forma

satisfatória. Essa precarização das condições de vida dos trabalhadores mais pobres e a

queda do poder aquisitivo da classe média incidem na contestação ao estado militar e,

por meio da luta dos movimentos sociais, a democracia começa a ser restaurada,

inclusive com a realização de eleições diretas para governador em 1982.

Os estados da federação que elegeram candidatos da oposição ao militarismo,

entre eles São Paulo, Minas Gerais e Paraná, tiveram sua vitória aliada a um discurso

crítico às políticas econômicas e sociais dos militares e à promessa de mudanças

profundas nesses setores. Segundo Florestan Fernandes, para aquele momento, as

mudanças seriam limitadíssimas, irreais, pois a política econômica brasileira estava

intimamente ligada às estruturas do capitalismo. Assim, diferir desta seria impossível e

a subordinação aos interesses do capital internacional serviam para sua manutenção

(FERNANDES, 1986).

Todavia, não podemos deixar de marcar que a eleição de um governador

contrário à ditadura militar trouxe algumas mudanças na educação. Conforme assinala

TAVARES (2004), o abandono do modelo tecnocrático seguido até então foi um

avanço, assim como as medidas democratizantes como a participação de representante

estudantil e do sindicato dos professores no Conselho Estadual de Educação do Paraná e

a atenção dada à qualificação docente (CUNHA, 1991).

É necessário considerarmos que embora os governadores paranaenses fossem

eleitos como oposição, a presença do Banco Internacional para a Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estava

garantida por meio de empréstimos realizados por intermédio do governo federal de

1983 a 1986 e diretamente após 1987. Esse ponto é importante ser citado,

principalmente porque, de 1987 a 1994, houve negociações dos conteúdos dos projetos

educacionais financiados por essas entidades internacionais, embora de forma tímida,

diferentemente do que ocorrera de 1995 a 2002, momento em que a aceitação das ideias

desses órgãos esteve presente nas políticas do estado do Paraná (GONÇALVES et al.,

2003).

Page 7: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

7

Segundo Figueiredo (2001), desde o ano de 1993, com a elaboração do Plano

Decenal Educação para Todos, cujo objetivo principal era “assegurar, até o ano 2000, a

crianças, jovens e adultos, conteúdos mínimos de aprendizagem que atendam

necessidades elementares da vida contemporânea” (BRASIL, 1993, p.13), no estado do

Paraná essa política foi seguida. Na gestão do governador Jaime Lerner, principalmente,

os norteamentos federais para a educação foram efetivados integralmente, as agências

internacionais se fizeram presentes tanto em relação a empréstimo de dinheiro quanto na

direção das orientações que o governo estadual deveria seguir. Os preceitos das

agências internacionais de financiamento foram professados abertamente até 2003, não

diferentemente do que ocorrera na esfera federal.

O entendimento desse processo de alinhamento ao modelo internacional é

importante à medida que essas políticas influenciaram no processo eleitoral paranaense

de 2002, quando foi eleito um candidato que anunciava oposição ao neoliberalismo.

Esse posicionamento do novo governo marcou suas políticas para a educação, a qual,

segundo seu discurso, deveria seguir um rumo próprio, iniciando por elaborar uma

Diretriz Curricular para o Estado. Partiu-se do pressuposto de que para os professores

efetivarem os currículos escolares, que expressam os conteúdos das disciplinas e suas

indicações metodológicas, é necessário primeiro apreendê-los, depois considerar se os

pressupostos teórico-metodológicos assumidos nos documentos são pertinentes.

Para a SEED, a apreensão das DCE/ História pelos professores estava garantida

na medida em que participaram da sua elaboração, fruto de “trabalho coletivo” em que o

professor foi tido como “sujeito epistêmico” (PARANÁ, 2008, p. 6). No entanto, uma

afirmação no texto Diretrizes Curriculares Estaduais – História, legitimidade,

autonomia docente e currículo oculto, apresentado no X Encontro Regional de História

da ANPUH/PR, em 2006, de autoria do professor Luis Fernando Cerri, que havia

trabalhado como consultor na elaboração das diretrizes de História nos anos de 2004 e

2005, nos chamou a atenção: “Os professores não foram considerados verdadeiramente

como protagonistas” (CERRI, 2006, p. 07). Essa informação reafirma nosso propósito

de que analisar o lugar que o professor ocupou nesse processo é primordial. Partimos

para compreender qual foi a participação dos professores de História na elaboração das

DCE.

Page 8: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

8

Com a análise inicial dos documentos produzidos durante a elaboração das

Diretrizes, vimos que os professores de história foram incumbidos de cumprir diversas

tarefas, entre as quais, leituras de textos, por exemplo, para o II Encontro

Descentralizado, ocorrido em novembro de 2004. Foram designados quatro textos,

sendo dois sobre o ensino de História e seus conceitos, um texto da Secretaria intitulado

Texto Aberto, com uma síntese do que já havia sido discutido no processo de elaboração

da nova diretriz, e um texto cuja temática era a didática da História. Após leitura e

debate, os professores deveriam registrar as contribuições do grupo de forma escrita,

tendo como base as questões dirigidas. Este processo, nos remete à crítica de Walter

Benjamim sobre o fato de cada vez mais ser cobrado dos sujeitos que escrevam sobre as

suas especializações:

A cada instante, o leitor está pronto a converter-se num escritor. Num processo de trabalho cada vez mais especializado, cada indivíduo se torna bem ou mal um perito em algum setor, mesmo que seja num pequeno comércio, e como tal pode ter acesso à condição de autor. O mundo do trabalho toma a palavra. Saber escrever sobre o trabalho passa a fazer parte das habilitações necessárias para executá-lo (BENJAMIN, s/d, p. 12-13).

O processo de leitura do texto e a redação de um texto sobre as ideais do autor

lido, nos faz supor que os professores estariam realizando um trabalho que se

aproximava de uma experiência, pois poderiam compreender as ideias do autor, refletir

sobre elas, reelaborá-las e torná-las parte de sua própria experiência, ou seja, não mais

apenas uma vivência. É necessário frisar que as tarefas eram prescritas aos professores e

predeterminadas por um grupo que estava em posição de comando, representando o

Estado e só seriam assumidas por eles, se uma exigência fosse cumprida: “a exigência

de repensar, de refletir sobre a sua própria posição no processo de produção”

(BENJAMIN, 1985, p. 200).

Vamos aqui nos ater à discussão realizada por Leontiev (2004), apropriando-

nos de um dos conceitos trabalhados por ele: o conceito de ação, para entendermos o

lugar que o professor ocupou no processo de elaboração das Diretrizes. Entre os

documentos que nortearam o trabalho do professor na elaboração das DCE, os

Documentos Sínteses, elaborados pelos coordenadores de área dos NRE após cada

Page 9: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

9

Encontro Descentralizado, possibilitar-nos-ão entender qual foi o trabalho realizado

pelos professores, quais ações ficaram sob sua responsabilidade?

Quanto ao conceito de ação, “é um processo cujo motivo não coincide com o seu

objeto” (LEONTIEV, 2004, p. 316). Para o teórico, o animal realiza uma atividade para

satisfazer uma necessidade biológica imediata. Satisfeita essa necessidade, ele não

retém o processo para satisfazê-la, nem o faz no sentido coletivo. Pode até caçar em

bando ou buscar água em bando, mas não vê no outro um parceiro que estará ao seu

lado no processo de satisfazer sua necessidade. Não ocorre, portanto, um processo

social. Diferentemente do homem que, ao considerar o outro como membro da

coletividade, reflete sobre essa relação. Assim, não necessitava fazer uma atividade

completa para satisfazer sua necessidade, poderia realizar uma parte dela, e no final

teria sua necessidade satisfeita. Essa percepção de que uma ação tem ligação dentro de

uma determinada relação, e mesmo que em determinado momento da relação a ação não

pareça ter sentido, o homem entende que o sentido só pode existir na relação, pois há

uma correlação. Reter essa ideia teoricamente significa conscientizar-se sobre o

processo que usou para satisfazer sua necessidade. Dessa forma, para a aquisição da

consciência, o homem considerou o outro, significou as relações sociais e compreendeu

sua ação como dentro de um elo.

Remeter esse conceito de ação ao trabalho realizado pelos professores na

elaboração das DEB/História será uma das ações que desenvolveremos nesta pesquisa,

para refletirmos sobre o trabalho realizado pelos professores buscando entender se ele

resulta de uma ação ou de uma atividade com motivo para sua realização. Assim, são

fontes de nossa pesquisa os documentos produzidos durante a elaboração das DCE-

História: textos bibliográficos recomendados pelas SEED, sugestões de roteiros para

proposta curricular, sistematizações dos trabalhos dos professores realizados pelo grupo

técnico do Núcleo Regional de Ensino (NRE) de Londrina, que geraram três relatórios

denominados de Documentos Sínteses, gráficos demonstrativos dos trabalhos nas

escolas e questionário semi-estruturado aplicado a professores de História1 do NRE de

Londrina que participaram do processo.

1 Esse questionário foi inicialmente remetido ao professores do NRE/Londrina, via e-mail institucional, ao todo 523 endereços compõem o grupo de História, que deveriam responder e enviar para a

Page 10: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

10

As fontes

O questionário semi-estruturado conta com questões com um roteiro prévio, mas

possibilita ao entrevistado responder de forma livre às perguntas. Composto por 23

questões, divididas em três blocos de perguntas: Formação profissional, Atuação

profissional e Participação na elaboração das DCE-História. O questionário foi

enviado a todos os professores de História cadastrados junto ao NRE, via e-mail

institucional. Sabia que somente os que participaram da elaboração responderiam. Os

professores afastados para capacitação profissional, especificamente para o Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE) dos anos de 2012 e 2013, responderam ao

questionário nos dias em que realizaram o curso específico na Universidade Estadual de

Londrina.

O Núcleo Regional de Ensino de Londrina, cujas características foram

consideradas para o desenvolvimento desta pesquisa, abrange 19 municípios: Alvorada

do Sul, Bela Vista do Paraíso, Cafeara, Cambé, Centenário do Sul, Florestópolis,

Guaraci, Ibiporã, Jaguapitã, Lupianópolis, Miraselva, Pitangueiras, Porecatu, Prado

Ferreira, Primeiro de Maio, Sertanópolis, Tamarana e Londrina. Atende em torno de

cem mil alunos em 146 escolas de Educação Básica. Essas escolas apresentam

tamanhos variados: algumas com quatro sala de aulas, atendendo apenas a algumas

dezenas de alunos e outras atendendo até 2 mil alunos. As cidades de abrangência desse

Núcleo também apresentam características socioeconômicas variadas: as menores, com

um setor agrícola mais presente, um comércio de pequenas lojas e prestação de serviço;

outras, como Londrina e Cambé, com setor industrial e de comércio diversificados. Essa

variação incide sobre o perfil dos professores e representa bem o Estado do Paraná, que

também conta com essa diversificação. Portanto, ao analisar os dados, ficamos seguros

quanto a conhecer o trabalho que os professores realizaram na elaboração das DCE-

História.

pesquisadora também via e-mail. Posteriormente ele foi convertido para o Google Docs. e enviado novamente aos professores de História, que responderam diretamente no link da pesquisa.

Page 11: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

11

Esquema da pesquisa

Para realizar este trabalho traçamos o percurso que percorremos: no primeiro

capítulo, realizamos uma análise política do estado do Paraná nas três últimas décadas,

atendo-nos principalmente às políticas educacionais efetivadas e à orientações acerca

dos currículos que essas gestões apresentaram. Para realizar essa tarefa, recorremos à

análise de pesquisas sobre as políticas públicas referentes à educação, entre elas:

Baczinski (2007), Fank (2007), Ferreira (2006), Figueiredo (2001), Martins (1997),

Mainardes (1995), Parra (2008), Piton (2004), Tavares (2004) e Zanardini (2006), bem

como documentos editados pelos governos estaduais no período de 1983 a 2002, entre

os quais, Paraná (1987a, 1987b, 1988, 1990, 1992).

No segundo capítulo, abordamos a conjuntura política do período em que as

DCB-História estavam sendo elaboradas, com a finalidade de entender o que levou à

necessidade de elaboração dessa diretriz curricular. As fontes usadas neste capítulo são

os documentos oficiais que envolveram a elaboração das DCE-História, pressupostos

teóricos da Teoria Histórico Cultural e os questionários respondidos pelos professores.

No terceiro capítulo, analisamos a participação dos professores na elaboração

das DCE-História, explorando o conceito de trabalho como princípio educativo. Para o

quarto capítulo, procuraremos responder se ocorreu a apropriação, pelos professores de

História, em relação aos encaminhamentos das DCE.

Considerações finais

Este artigo objetiva mostrar a trajetória que a pesquisa Currículos escolares: a

participação do professor na elaboração das diretrizes curriculares da educação

básica do estado do Paraná – história está percorrendo, tal percurso foi pensado tendo

como pressuposto a educação escolar como uma ação intencional de transmitir o

conhecimento acumulado pela humanidade, pois esse foi fundamental para que o

homem se humanizasse, desta forma, ele deve ser apropriado pelos indivíduos para

levá-los a pensar e agir sobre o meio social que vivem. Para que a essa tarefa se cumpra,

há uma necessidade de formar professores com condições de conduzir tal ação, nesse

Page 12: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

12

sentido, entendemos que compreender a efetivação de currículos escolares pode

contribuir nessa formação, na medida em que, professores capazes de analisar

currículos, suas intenções, pensar a quem servem se distanciam dos que os consideram

apenas cumpridores de currículos elaborados para precarizar o papel da escola na

sociedade atual.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Acessível em www.mariosantiago.net Acesso em 21/05/2013. __________. O autor como produtor. In: KOTHE, Flávio R. (org.) Walter Benjamin Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ed. Ática, 1985. P. 187-2001. BACZINSKI, Alexandra V. de Moura. A implantação oficial da pedagogia historico-critica no estado Paraná: (1983-1994): Legitimação, resistência e contradição. 154fl. (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2007. BRASIL, Ministério de Educação e do Desporto. Plano decenal de educação para todos. Brasília, 1993. CERRI, Luis Fernando. Diretrizes Curriculares Estaduais – História, legitimidade, autonomia docente e currículo oculto. Texto Apresentado na Mesa-redonda O ensino de História no Paraná: desafios contemporâneos para o professor de História. X Encontro Regional de História da ANPUH/PR. Maringá, 2006. CUNHA, Luiz Antônio. Educação, Estado e democracia no Brasil. São Paulo: Cortez; Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense; Brasília, DF: FLACSO do Brasil, 1991. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução de José Silveira Paes; apresentação Antonio Roberto Bertelli. São Paulo: Global, 1984. FANK, Elisane. A construção das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio no Estado do Paraná (gestão 2003–2006): avanços e limites da política educacional nas contradições do estado contemporâneo. 201fl. Dissertação (Mestrado em Educação)- UFPR . Curitiba, 2007.

Page 13: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

13

FERNANDES, Florestan. Nova Republica? Rio de Janeiro: Zahar, 1986. FERREIRA, Lice Helena. Os mecanismos de controle da organização capitalista contemporânea na gestão escolar pública paranaense (1995-2002). 204fl. (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2006. FIGUEIREDO, Ireni Marilene Zago. Políticas educacionais do estado do Paraná nas décadas de 80 e 90: da prioridade à “Centralidade da Educação Básica”. 469 fl. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Campinas. Campinas, SP, 2001. GONÇALVES, Maria Dativa de Salles. et al. “A presença do Banco Mundial e do Banco Interamericano no financiamento do ensino fundamental e médio na Rede Estadual de Ensino do Paraná”. In: Revista Educar. Especial, Curitiba: Editora UFPR, 2003. p. 71-99. HARVEY, David. Condição Pós-moderna. 20. ed. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1992. LEONTIEV, Alexis. In: O desenvolvimento do Psiquismo. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004. MAINARDES. Jefferson. Ciclo básico de alfabetização: da intenção à realidade. (Avaliação do CBA no Município de Ponta Grossa – PR). 239fl. (Mestrado em Educação). Campinas, 1995 MARTINS, Rosilda B. Escola cidadã do Paraná: análise de seus avanços e retrocessos. 271fl. (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1997. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trad. Luis Claudio de Castro e Costa, introdução Jacob Gorender. São Paulo: Martins Fontes, 1998. PARANÀ. Secretaria de Estado da Educação. Projeto Pedagógico: 1987 – 1990. Curitiba: SEED, 1987 a. ________. Secretaria de Estado da Educação. Reorganização da escola pública de 1º grau: proposta preliminar de trabalho. Curitiba, SEED, 1987b. ________. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de Ensino do Segundo Grau. Reestruturação do Ensino de 2º Grau do Paraná: História. Curitiba, SEED, 1988. ________. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Paraná: Construindo a Escola Cidadã. Curitiba, SEED, 1992.

Page 14: O TRABALHO DO PROFESSOR NA ELABORAÇÃO DE … · GALUCH, Maria Terezinha Bellanda (Orientadora/UEM) Introdução Quando se elege um objeto de pesquisa, os motivos podem ter diferentes

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

14

________. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de Educação Básica. Diretrizes Curriculares da Educação Básica – História. Curitiba, 2008. ________. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino de Primeiro Grau. Currículo Básico Para a Escola Pública do Estado do Paraná. Curitiba, PR: SEED/SUED/DEPG, 1990. ______. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de Educação Básica. Diretrizes Curriculares da Educação Básica – História. Curitiba, 2008. PARRA, Silvia. O processo de conversão da idéia de projeto político pedagógico em política educacional pública no estado do Paraná (1983-2002). 173fl. (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2008. PITON, Ivania Marini. Políticas educacionais e movimento sindical docente: reformas educativas e conflitos docentes na educação básica paranaense. 293p. (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2004. SAVIANI, Demerval. A filosofia da educação e o problema da inovação em educação. In: GARCIA, Walter E. Inovação educacional no Brasil: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1989. p. 15-27 TAVARES, Tais Moura. Gestão pública do sistema de ensino no Paraná (1995-2002). 161 fl. Tese. (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. VIGOTSKY, Lev Semenovich, A construção do Pensamento Histórico. Trad. Paulo Bezerra. 2ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. ZANARDINI, Isaura Mônica Souza. Reflexões sobre a reforma do Estado e o processo de rearticulação do capital. In: Revista HISTEDBR on-line, n. 12, dez. de 2003.