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FAGNER CARNIEL O TORCER COMO UM EXERCË CIO DO VER: UM ESTUDO SOBRE OS TORCEDORES COXA-BRANCAS E ATLETICANOS EM CURITIBA. Monografia apresentada j disciplina Orientaom o Monogri fica II como requisito parcial j conclusm o do Curso de Cir ncias Sociais, Setor de Cir ncias Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Parani . Orientador: Ana Luiza Fayet Sallas. CURITIBA 2004 FAGNER CARNIEL

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FAGNER CARNIEL

O TORCER COMO UM EXERC CIO DO VER: UM ESTUDO SOBRE OS TORCEDORESCOXA-BRANCAS E ATLETICANOS EM CURITIBA.

Monografia apresentada disciplina Orienta oMonogr fica II como requisito parcial conclus odo Curso de Ci ncias Sociais, Setor de Ci nciasHumanas, Letras e Artes, Universidade Federal doParan .

Orientador: Ana Luiza Fayet Sallas.

CURITIBA2004

FAGNER CARNIEL

O TORCER COMO UM EXERC CIO DO VER: UM ESTUDO SOBRE OS TORCEDORESCOXA-BRANCAS E ATLETICANOS EM CURITIBA.

Monografia apresentada disciplina Orienta oMonogr fica II como requisito parcial conclus odo Curso de Ci ncias Sociais, Setor de Ci nciasHumanas, Letras e Artes, Universidade Federal doParan .

Orientadora: Ana Luiza Fayet Sallas.

CURITIBA2004

AGRADECIMENTOS

Agrade o a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribu ram com este trabalho.

A professora Ana Luiza Fayet Sallas, minha orientadora, e demais professores do departamento

de Ci ncias Sociais que me incentivaram.

Aos v rios amigos e amigas, dentro e fora do curso de Ci ncias Sociais, que ao longo da

gradua o prestaram seu apoio e contribu ram decisivamente para esta pesquisa com textos,

sugest es, id ias.

A todos os torcedores entrevistados que com muita paci ncia e camaradagem permitiram que este

trabalho fosse desenvolvido.

A meus pais, Paulo e Marta, pela paci ncia e por tudo mais.

Pensar estar doente dos olhos.Fernando Pessoa

SUM RIO

RESUMO...................................................................................................................................v

INTRODU O.......................................................................................................................01

1 O FUTEBOL COMO UM EXERC CIO DO VER..........................................................04

2 IMAGENS DO FUTEBOL: IDEOLOGIA, REPRESENTA O E

IMAGIN RIO........................................................................................................................13

2.1 O EST DIO DE FUTEBOL..............................................................................................13

2.2 O JOGO DE FUTEBOL.....................................................................................................19

3 O JOGO JOGADO FORA DE CAMPO...........................................................................31

CONCLUS O.........................................................................................................................42

REFER NCIAS BIBLIOGR FICAS..................................................................................44

RESUMO

A presente pesquisa buscou investigar o exerc cio de torcer na capital paranaense, sobretudo nosmomentos de maior rivalidade: o cl ssico atletiba. Trata-se de uma interpreta o dos processos deconstru o e reconstru o dos significados do jogo de futebol e do pr prio universo que se cria apartir da pr tica deste esporte no cotidiano dos torcedores do Coritiba Football Club e do ClubeAtl tico Paranaense. A hip tese aqui desenvolvida que h no torcer certas l gicas que permitemcompreender seu exerc cio como uma pr tica que constr i e reconstr i toda uma rede de rela esentre os torcedores de futebol que constituem os significados e os conte dos do pr prio futebol.

Desse modo, o torcedor surge como um sujeito ativo dentro do universo do futebol. Processos denegocia o, atribui o de significados e constru o de identidades criam l gicas dereconhecimento que orientam a manifesta o torcedora dentro e fora de campo. O corpo,assim, tomado como eixo material e simb lico pelo qual os torcedores percebem o futebol emanifestam suas emo es e paix es atrav s de um sistema de reconhecimento do outro - tamb mtorcedor. A categoria do ver apresenta-se como um elemento que orienta a percep o e d sentido a o torcedora, pois o futebol apresenta-se como referente vis vel aos torcedores. Tal rela o de

filia o emocional a um sistema material e simb lico, que o futebol, permite ao torcedor umagama de arranjos sociais que possibilitam a sociabilidade dos torcedores. Com isso, pode-seperceber o fen meno do torcer como uma configura o que re ne indiv duos (torcedores) comuma modalidade esportiva (futebol) a partir do torcer.

Palavras Chave: jogo de futebol; ver; torcer; negocia o; configura o social.

INTRODU O

Milhares e milhares de pessoas diariamente se conectam ao universo material e simb lico

do futebol. Este esporte atingiu propor es planet rias no ltimo s culo, e para n s brasileiros ele

adquiriu significados nicos. O presente trabalho ir , nas p ginas que seguem, discutir um

universo de sentidos e manifesta es espec ficas ao meio do futebol, sobretudo como ocorrem no

exerc cio do torcer, e, em especial o universo dos clubes de maior express o em Curitiba (Coritiba

Football Club e Clube Atl tico Paranaense). Se hoje o futebol pode ser percebido e vivido em

territ rio nacional como um fen meno relevante que agrega diferentes grupos sociais, isto se deve

a apropria o sempre negociada de seus conte dos e significados pelos variados sujeitos que

comp e, praticam e acompanham este esporte.

Esses processos de negocia o, atribui o de significados e constru o de identidades

criam uma l gica pr pria que permite explicar o fen meno do futebol a partir das rela es que

extrapolam o jogo simplesmente jogado em campo. O torcedor, assim, apresenta-se como figura

preponderante para investigar o fora de campo , ou melhor, todas as rela es cotidianas onde

esse esporte arrastado para fora das delimita es f sicas de um jogo qualquer de futebol. Isto

porque o torcedor um sujeito ativo no meio do futebol, que constr i e reconstr i os significados

e conte dos deste esporte. O resultado destas percep es e manifesta es a pr pria express o do

torcer, seu exerc cio. Desse modo, o torcer apresenta-se como um objeto fundamentalmente

corporal nesta investiga o.

Ora, para investigar o corpo necess rio faze-lo com o pr prio corpo. Assim, est

pesquisa privilegiou a inser o pr tica no contexto dos torcedores do Coritiba Football Club e do

Clube Atl tico Paranaense. Sem participar das l gicas inerentes ao exerc cio de torcer, sem se

emocionar ou vibrar junto torcida, o trabalho de pesquisa jamais poderia alcan ar um

envolvimento ou uma participa o t o necess ria para compreens o do torcer. Nesse sentido, o

observar surge como um elemento privilegiado tanto para a investiga o como para o pr prio

exerc cio de torcer.

A partir de Merleau-Ponty procuro discutir o olhar, o que carrega a presente investiga o para

uma interpreta o da pr pria percep o, ou melhor, dos diferentes modos em que o torcedor

percebe o futebol. O olhar trabalhado a partir do corpo cognocente que opera o duplo

movimento de ver e ser visto. Neste processo, tanto o torcedor, quanto o jogo de futebol (bem

como todo o universo de significados e representa es que comp e o futebol), estariam se

construindo na pr pria viv ncia e na intencionalidade do olhar.

O olhar ser tomado como operador de diferentes modos de viver e perceber o mundo.

Exatamente nesse sentido, a percep o torna-se significativa, pois permite compreender o

estabelecimento de toda uma rede de rela es entre os torcedores em torno do fen meno

espec fico do futebol. Com isso espero expor a import ncia da categoria do ver no futebol. Por um

lado, como sentido privilegiado que organiza e d sentido ao evento; por outro, como media o

entre o corpo e o contexto em que este est inserido.

Tal movimento de interioriza o e exterioriza o do social a partir do olhar o ponto de

partida para o que aqui se pretende discutir: o torcer como um exerc cio do ver. Isto porque pensar

o jogo de futebol e o exerc cio de torcer como configura o permite que se reconhe a que as

regras pr prias a este fen meno esportivo constituem apenas a forma (estrutura) deste fen meno.

Buscou-se, portanto, investigar o que que, para al m das regras, confere significados ao futebol

e, qual o papel dos torcedores, mais especificamente do torcer, nesse processo de constru o e

reconstru o dos significados.

Nesse sentido, o jogo de futebol foi tomado como evento privilegiado de pesquisa. Neste

espa o aberto pelo est dio, a aten o fica a cargo da competi o promovida pelo cl ssico

atletiba (Atl tico Paranaense e Coritiba). Confronto tradicional que mexe com as paix es e

altera a rotina da cidade. Outros jogos que estas duas equipes realizaram tamb m foram

investigados durante o per odo de outubro 2003 at a final do Campeonato Paranaense em mar o

de 2004. Para realizar o presente estudo muitos torcedores foram entrevistados. Suas identidades,

entretanto, foram preservadas e, quando necess rio, abrevia es substitu ram seus nomes

verdadeiros.

O jogo de futebol permitiu investigar o futebol como uma rede de rela es que constitui o

pr prio sentido e significado do exerc cio de torcer. Assim, o conceito de configura o social,

conforme trabalhado por Norbert Elias, permite compreender o futebol como um fen meno que

extrapola os limites f sicos do est dio e que se apresenta como uma rede de rela es

interdependentes que vinculam afetivamente os torcedores em torno do universo futebol stico.

Portanto, a divis o deste trabalho em cap tulos procurou, primeiramente, abrir a quest o

com uma discuss o acerca do torcer enquanto um exerc cio do ver; num segundo momento ir a

campo ver as manifesta es concretas das torcidas; e, por fim, debru ar-se sobre as l gicas que

permitam o reconhecimento do torcer como uma configura o que articula os torcedores com o

universo do futebol.

1 O FUTEBOL COMO UM EXERC CIO DO VER

Coritiba ganha a Am rica , publicou o jornal Correio da Manh em sua edi o do dia seguinte.

Espet culo de gala no est dio Couto Pereira, em Curitiba , diz outro jornal. A empolga o era

geral.

A cidade estava mobilizada, o time do Coritiba (o "coxa", como chamado pelos

torcedores) preparava-se para "o jogo do campeonato". Uma vit ria na ltima rodada do

campeonato contra o Crici ma, equipe catarinense da cidade do mesmo nome, traria a

classifica o t o desejada pela torcida coxa branca.

Foi o que aconteceu, com dois a zero no placar o Coritiba encerrou um per odo de 19 anos

sem disputar uma competi o internacional. O est dio vibrou como se tivesse ganhado um

campeonato. De fato, para os torcedores a conquista da vaga na Ta a Libertadores da Am rica

representou a sa da do time alvi-verde da "prov ncia" e conquista de maior visibilidade no cen rio

do futebol nacional e internacional.

O jogo iniciou festivo e nervoso ao mesmo tempo. Fogos, bal es, bandeiras, papeis

picados, at um bandeir o caminhou pela torcida organizada, tudo colorindo de verde e branco o

est dio. A festa era completa, todos participavam, mesmo os que percebiam um o jogo de baixo

n vel t cnico. O time do Coritiba sofria para organizar qualquer jogada contra a confusa defesa do

Crici ma, alguns reclamavam dos jogadores, outros do t cnico. Mas outra parte dos torcedores a

minha volta gostavam do que viam. Aos 25 minutos do primeiro tempo Paulo Bayer, o "perigoso"

lateral direto do Crici ma, recebe livre da entrada da rea e finaliza, Fernando do Coritiba se

esfor a para defender. Era o primeiro ataque do jogo, na hora eu nem tinha visto.

Olhares nervosos passaram a cruzar o campo, corpos atentos segurando dinheiro, cerveja,

refrigerante, pipoca. Cinco minutos mais tarde Jackson, meio campista "habilidoso" da equipe do

Coritiba, recebe pela esquerda, tenta cruzar e o jogador advers rio intercepta a bola com a m o.

P nalti! A torcida coxa branca explode. A euforia toma conta da arquibancada enquanto o

artilheiro Marcel prepara a bola para cobran a. Corre e chuta. O goleiro espalma. Imediatamente

alguns ao meu redor esbravejam e xingam, ao passo que outros lan am gritos de incentivo em

outras partes do est dio, tudo isso enquanto o arbitro manda voltar a cobran a. Marcel prepara-se

novamente e bate no lado oposto... gol! A torcida reunifica-se explodindo em uma s festa que

entra na noite chuvosa de treze de dezembro do ano 2003.

***

A cena descrita acima pode n o dizer muito sobre futebol na capital paranaense, entretanto

me parece de grande auxilio para refletir sobre o que assistir uma partida de futebol. Qual o

significado disso para os torcedores? Enfim, at que ponto o ver relaciona-se com o modo como o

torcedor se expressa no futebol?

Esta descri o da vit ria do Coritiba sobre o Crici ma retrata um momento particular de

uma das partidas importantes do campeonato brasileiro de 2003, ao menos para o torcedor

paranaense. Trata-se de um momento em que o modo como os torcedores percebem o jogo abre

margem para conflitos, discuss es, diferentes perspectivas, que negociam uma determinada

visibilidade sobre a partida. Diferentes pontos de vista, que abarcam diferentes significados sobre

o jogo, comp e um quadro de constantes disputas simb licas sobre o evento. Esta cena descrita

atrav s de uma interpreta o particular de um tamb m torcedor que assistiu a partida, por m com

um olhar interessado sobre o exerc cio de se torcer no est dio de futebol. O que remete a uma

interpreta o da pr pria percep o, ou melhor, dos diferentes modos em que o torcedor percebe o

futebol. J consenso entre os cientistas sociais que o olhar uma constru o social. Aquilo que

vemos, assim como o que sentimos, depende de uma condi o socio-hist rica em que nosencontramos. Como afirmou John Berger, "a maneira como vemos as coisas afetada pelo quesabemos ou pelo que acreditamos"1. Ent o, se xingo ou aplaudo um jogador, isso pouco tem quever com minha capacidade ptica ou mesmo o quanto ele est vis vel para mim. Muito mais comouma certa percep o que tenho. E esta percep o se constr i a partir de uma determinada inser ono mundo, em que atribui-se significado s coisas que nos s o mais sens veis.

Essa obscura inser o no mundo, qual todos de um jeito ou de outro acabam se vendo

submersos, a pr pria fronteira entre aquilo que se pode ver e o que n o pode. Dito de outro

modo, as pessoas primeiramente percebem o mundo a partir de um ponto de vista: o seu.

Conhecem as coisas do mundo por essa janela do corpo (o olhar) que traz o mundo exterior para

dentro.Entretanto, logo ap s enxergar o mundo, essa mesma opera o do olhar carrega as pessoas

para fora. Assim como se pode tomar o mundo como objeto do olhar, podemos da mesma formaser objetos do olhar de outro. De fato, "somos parte do mundo vis vel"2, nele reconhecemos osoutros e somos reconhecidos por eles.

nesse duplo sentido de ver e ser visto, que xingo e aplaudo, que vibro com um gol e fico

ap tico com outro, que me mostro e me escondo enquanto torcedor de futebol, enfim... que

percebo e sou percebido. Do contr rio n o faria o menor sentido assistir uma partida de futebol no

lugar de outra, preferir um jogador, uma t tica, um time, etc. Portanto, essa inser o no mundo,

a posi o em um determinado contexto, que vai influir na constru o da sensibilidade e da

percep o sobre as coisas.

Tal movimento de interioriza o e exterioriza o do social a partir do olhar o ponto de

partida para o que aqui pretende-se discutir: o torcer como um exerc cio do ver. Mas o que est sendo dito? O que essa estranha opera o do olhar que permite que

pessoas de um mesmo lugar, em um mesmo espa o, que partilham de um campo visual muitopr ximo, tenham opini es t o diversas sobre um mesmo evento? E ser o mesmo t o diversas?Merleau-Ponty talvez respondesse dizendo apenas que "n s somos o centro de uma perspectiva".3

Sabemos que as pessoas n o v o a um est dio de futebol para "cheirar o campo", por mais

que a express o fa a l seu sentido. De todo modo, grande parte da torcida tamb m n o est no

"campo" unicamente para assistir a partida e ir embora. Ali s, alguns nem sequer acompanham

um nico lance dela. De fato, assistir ao jogo n o condi o alguma para ser reconhecido como

torcedor de futebol. Mas ent o por que insistir no ver?Ora, como foi afirmado anteriormente compreendemos o mundo a partir de um

conhecimento sobre o mesmo. Este conhecimento n o se d de modo abstrato, ele se desenvolvenum processo hist rico. Como nos ensina Marilena Chau , o pensamento Ocidental sempreconferiu um sentido ontol gico as categorias da luz e do olhar4. Ocorre que nosso conhecimentosobre as coisas est fundado em uma racionalidade que v m privilegiando a luz e o olhar comoobjetos do conhecimento, no entender da pensadora. Dito de outro modo, o olhar para opensamento Ocidental constru do independentemente da vis o.

1 BERGER, 1999, p.10.2 BERGER, 1999, p.11.3 MERLEAU-PONTY, 1971.4 CHAU , 1988, p.39.

A civiliza o ocidental, desde os gregos, de fato valorizou sobremaneira a vis o.Arist teles, por exemplo, entendia que ver e conhecer estariam umbilicalmente unidos.Merleu-Ponty recentemente tamb m observou a liga o insepar vel entre vis o e vis vel, umprocesso no qual o eu sens vel estaria se construindo na pr pria viv ncia e na intencionalidade doolhar. Desse modo, a vis o seria um aprendizado constante consigo mesma no ato de ver5.

Essa ontologia do olhar pode ser expressa nos exemplos j muito conhecidos de pessoasque mesmo sem o sentido da vis o ainda operam seu pensamento a partir das categorias da vis o.Advogando nessa dire o, o document rio Janela da Alma, de Jo o Jardim e Walter Carvalho,apresenta a realidade, tal qual nos a vemos, como uma constru o do olhar6. Assim, existir amosatrav s do olhar. Um olhar que mediado pelos sentimentos e pelas emo es. Mesmo que osentido da vis o nos fosse privado, ainda sim ser amos orientados por c digos e refer nciasvisuais. Ser que n o pode ser poss vel argumentar na mesma dire o quanto a quest o dos quen o assistem a uma partida de futebol apesar de irem ao est dio e participarem decomportamentos ditos torcedores? Penso que sim.

Nesse sentido, o olhar est sendo tomado como operador de diferentes modos de viver eperceber o mundo. No caso do torcedor operando um sistema de representa es que o fazem sereconhecer e ser reconhecido como tal. Lembro-me que quando iniciei a observa o no est dioJoaquim Am rico do Clube Atl tico Paranaense ("Arena da Baixada" como conhecido pelotorcedores) as perguntas mais freq entes que me faziam eram: para que time voc torce? ; ou:voc rubro negro? . Claro que n o era. Estava l como pesquisador. Mas o que mais me

intrigava era por que me questionavam somente l e n o no est dio Major Ant nio Couto Pereira(est dio do rival Coritiba Football Club)? Por que tantos impasses para passarem a me identificarcomo pesquisador? Mais tarde acabei me dando conta do modo pelo qual me dirigia ao time rubronegro e da dificuldade que tive em assumir a posi o de pesquisador. Realmente me sentiadesconfort vel no est dio da "Baixada". Mas como e com que facilidade percebiam que n o torciapara um time ou torcia para outro? O que estaria deixando transparecer?

Merleau-Ponty recolocou a quest o do olhar no pensamento contempor neo em rela o apercep o. Para ele partimos de uma mesma condi o f sica: somos um corpo no mundo.Percebemos a partir de um fundamento org nico que s o os pr prios sentidos. Mas o sentir complexo e abrangente. Obviamente o autor n o desconsidera que esta opera o implica em umestar no mundo, vivenciar, experienciar, compartilhar rela es, e apenas a partir do contexto queda se origina que definimos nossa sensibilidade. que para o pensador a percep o n o podeser reduzida a um nico sentido, assim como tamb m n o pode ser reduzida apenas suadimens o f sica. Audi o, olfato, ou mesmo olhar, s o portas de um mesmo corpo que secomunica com o mundo. Da a percep o como resultado do conjunto de todos os sentidos. Nossapercep o um sistema sens vel em que n o h sobreposi o de sentidos, mas rela o.

Entretanto, nesta rela o dos sentidos Merleau-Ponty tamb m adverte para o contexto quenos cerca e como construiu-se o olhar como um sentido privilegiado por que nos faz sair de n smesmos. A partir desse sair de si, pr prio do olhar, que aprende-se a organizar o campo sensoriale a pr pria posi o nesse espa o. "Para compreender estas transubstancializa es, necess rioreencontrar o corpo operante e actual, aquele que n o um peda o de espa o, um feixe defun es, que um entran ado de vis es e movimento"7.

Nesse sentido, como j apontou Loic Wacquant, a investiga o sociol gica, sobretudoquando trabalha com objetos que est o no limite pr tico te rico das manifesta es e percep es(como o caso do torcer), necessita encontrar no corpo o instrumento de investiga o e vetor deconhecimento 8. E nunca exigir um controle racional do corpo, do tempo e do espa o. Pois apr tica esportiva, bem como o exerc cio de torcer, revela um sujeito sens vel, de carne e osso. Umser de sentidos (significante e sensual), que se emociona e que participa do mundo. Que constr i eque constru do em suas rela es.

5 MERLEAU-PONTY, 1996, p.25.

6 JANELA da Alma. Jo o Jardim e Walter Carvalho. Brasil: Europa Filmes: Copacabana Filmes, 2002. 73min.: vers ooriginal original, color.; 35mm. 7 MERLEAU-PONTY, 1997, p.19.8 WACQUANT, 2002, p.12.

O corpo n o pois um objeto. Pela mesma raz o a consci ncia que tenho n o um pensamento, quer dizer que n oposso decomp -lo e recomp -lo para formar dele uma id ia clara. Sua unidade sempre impl cita e confusa. Ele sempre outra coisa al m do que , sempre sexualidade ao mesmo tempo que liberdade, enraizado pela natureza nomomento mesmo em que se transforma pela cultura, nunca fechado sobre si mesmo e nunca ultrapassado.9

Esse corpo m bil, como compreende Merleau-Ponty, percebe e percebido em suaunidade. Ele colocado como fundamento indivis vel do "que sente e do sentido". Nesse sentido,nos fazemos homens (humanos) quando nos aproximamos dos "outros" ou das pr prias coisas nomundo, quando enxergamos e ficamos vis veis. O autor procurou demonstrar isso a partir doexerc cio do pintor que "oferece o seu corpo" ao pintar. At poder amos buscar um complexoparalelo entre a experi ncia perceptiva no fazer art stico com a experi ncia cotidiana de, como ocaso, torcer. Mas o que realmente parece significativo, e que pode contribuir para este trabalho, o empenho de Merleau-Ponty em fundamentar seu argumento no corpo e na percep o que a sedesenrola10.

De um modo geral, a nova psicologia nos faz ver, no homem, n o mais uma intelig ncia que constr i o mundo, masum ser que, n le, est lan ado e, a le, tamb m ligado por um elo natural. Em decorr ncia, ela nos ensina de n vo aobservar ste mundo, com o qual estamos em contato com toda a superf cie de nosso ser (...)11.

Nessa "filosofia da percep o" o sentido das coisas n o algo que dependa somente do

objeto ou do sujeito, mas algo que se constr i entre eles, o que faz a ponte entre um e outro.

Para Merleau-Ponty significativo que nos debrucemos sobre o mundo da linguagem, pois ele

que promove a inser o no mundo dos sentidos. No caso, a linguagem poderia nos auxiliar a

explicar e alcan ar o contexto em que pessoas se re nem para assistir a um jogo de futebol.

Portanto, se o corpo o fundamento do sujeito, a percep o e a linguagem seriam o fundamento

do pr prio mundo sens vel, conforme o autor.

Para este trabalho o tema da percep o torna-se significativo para compreender as rela es

entre os torcedores em Curitiba com o fen meno do futebol. Isso porque se buscou, a partir do

torcedor, em seus m ltiplos modos de torcer, investigar a constitui o do futebol para

coxa-brancas e atleticanos em Curitiba, no momento de maior rivalidade desta capital - o cl ssico

"atletiba" (confronto entre Atl tico Paranaense e Coritiba).

Como estamos nos referindo ao torcedor de modo gen rico, cabem algumas explica es.

Ao mesmo tempo em que esta investiga o poderia aproximar-se de padr es de comportamento,

experi ncias de vida, ou l gicas pr prias que possam definir o torcedor em seu exerc cio de

torcer, a diversidade cultural que permeia os torcedores em Curitiba me faz crer que tais

aproxima es teriam pouca validade. Por um lado, n o faz sentido procurar um torcedor m dio,

seria quase o mesmo que procurar um telespectador m dio, ou um consumidor m dio. Eles em

absoluto n o existem. Por outro, tais aproxima es apenas distanciariam a investiga o de seu

objetivo: a experi ncia popular no futebol e a constru o, sempre negociada, de significados para

9 MERLEAU-PONTY, 1971, p.208.10 MERLEAU-PONTY, 1997, p.19 e 22.

11 MERLEAU-PONTY, 1969, p.25.

o futebol. Assim, este trabalho n o pretende discursar a partir de um torcedor universal e abstrato,

sujeito m dio com padr es "comuns", mas justamente a partir do discurso concreto daqueles que

vivenciam o futebol e tecem rela es a partir dele.Desse modo, o presente trabalho resultado de uma investiga o que envolveu um

processo relacional intenso, mas tamb m de distanciamento em rela o aos torcedores nasarquibancadas dos est dios Joaquim Am rio e Major Ant nio Couto Pereira. Nos termos deDaMatta12, pode-se dizer que tratou-se de um esfor o de tornar o familiar ex tico e o ex ticofamiliar. Buscando, assim, um espa o de investiga o que possibilitasse um duplo movimento devaz o da subjetividade e de constitui o da alteridade.

Na medida em que o torcer apresenta-se como uma aproxima o entre o sujeito e osens vel, entre o que torce e o universo do futebol que a ele se apresenta, o tema da percep opode abrir uma importante porta para que se compreenda o torcer como um processo deaprendizado, de viv ncia e de constante troca entre os torcedores e as diversas inst ncias atrav sdas quais o futebol pode se manifestar. Assim, pretendo esquivar da defini o gen rica de umtorcedor abstrato e passar a encar -lo como sujeito ativo dentro do jogo de futebol, capaz deperceber e interagir com os diferentes significados que s o constru dos e re-construidos a cadajogo.

Num texto a muito esquecido, e somente recentemente publicado13, Roland Barthes abordaa rela o do homem com o esporte. Acentua, o autor, a estiliza o de disputas m ticas em torno dasupera o do pr prio corpo em rela o ao ambiente que o cerca. Em uma passagem sobre ofutebol, que me pareceu muito pertinente, Barthes procurar definir este sujeito, a princ pio"estranho" ao esporte moderno, mas que preenche seu sentido, sua raz o de ser:

Observar, aqui, n o apenas viver, sofrer, esperar, compreender, mas tamb m e sobretudo manifestar tudo isso, coma voz, o gesto, as fei es - tomar o mundo inteiro por testemunha: em uma palavra: comunicar14.

Se de fato, conforme afirma Barthes, "(...) h no homem certas for as, alegrias, conflitos e

ang stias: o esporte as exprime, libera, exacerba, sem permitir que se tornem destrutivas"15, talvezeste seja o lugar do esporte no mundo contempor neo. E investigar o futebol a partir do torcedorsignifica exatamente isso: procurar nas manifesta es de quem "vive" o que o futebol comunica.

Nesta pequena passagem dedicada aos torcedores, a sensibilidade de Barthes come a pelapr pria refer ncia: tratam-se de "observadores". Com algum cuidado quanto ao significado deobservar, talvez seja poss vel encontrar nesta palavra uma defini o suficientemente ampla eprecisa para o que aqui se discute: o torcer. Isto, porque o torcedor sempre ocupa a "plat ia", asarquibancadas, num jogo de futebol. Observar aqui n o quer dizer apenas assistir a uma partida,muito mais comungar uma l gica fundada numa racionalidade que privilegia a vis o. Em outrostermos, a vis o que orienta os significados a serem atribu dos ao evento. E nisto o futebol podeser tomado como um exemplo privilegiado, pois ele apresenta-se ao torcedor a partir de referentesvisuais transformados em significados e conte dos que s o constantemente negociados epartilhados com outros torcedores, jogadores, imprensa, etc.Mas o que h no "olhar" que pode orientar nossos sentidos no futebol? Certamente a experi nciade estar no est dio, vibrar junto torcida, em pouco se relaciona com assistir a um jogo. E quantoao r dio? Por acaso n o produzimos imagens mentais a partir das narrativas do r dio? E as tantasoutras narrativas que s o diariamente criadas a partir do futebol? Por sinal, narrativasapaixonantes n o faltam ao futebol. Recordo-me de duas: do livro de Paulo Perdig o16 sobre afinal da copa do mundo de 1950 entre Brasil e Uruguai, em que a extensa transcri o da narra odo r dio, talvez literal, tem menos o car ter de uma an lise objetiva da partida do que umareconstru o de uma ang stia coletivizada, do lado brasileiro, por toda uma na o de amantesdo futebol; e do relato de Frei Betto17 sobre Santos e Corinthians em 4 de novembro de 1969,

12 DaMata, 1978.13 BARTHES, 2004.14 BARTHES, 2004. In: Folha de S o Paulo, Caderno Mais!, 08/082004, p.9 - trad. Samuel Titan Jr.15 Ibidem16 PERDIG O, 1986.

17 BETTO, 1982.

onde o est dio Pacaembu serve de palco para a dramatiza o da morte de Carlos Marighelha. Seeu fosse um ouvinte um pouco mais disciplinado, talvez tamb m pudesse me recordar da narra ode algum torcedor - e n o foram poucas.

De fato, as narrativas t m uma import ncia vital na constru o do futebol pelos torcedorese para os torcedores. Por m, e disto estou convencido, h na categoria do ver um elementofundamental que une o torcedor com o esporte. O futebol apresenta-se ao p blico por s mbolosque mant m um referente visual muito forte. Um gol, um grito de "ol " que parta da torcida, umesquema t tico, uma jogada de linha de fundo, o p o com bife na entrada de alguns est dios, ouqualquer outro elemento deste repert rio quase infinito que comp e o futebol pode ser narrado oupercebido e reproduzido quase que ilimitadamente. Entretanto, tais simbologias e representa esarticulam torcedor e futebol a partir da categoria do ver, seja nos modos de torcer ou nos modosde jogar o esporte. Isto, porque o futebol apresenta-se a seus torcedores como refer ncia vis vel.

Um exemplo disso foi a recente compara o feita pela cr nica esportiva e tamb m pelostorcedores entre Felipe, meio campo de destaque que veste a camisa dez da equipe do Flamengo,e o saudoso craque "Guarrincha", que vestia a camisa do Botafogo e da sele o brasileira duranteos anos sessenta. O torcedor n o precisa ver as jogadas de Felipe para compreender a compara o.Guarrincha reconhecidamente um cone da genialidade, da imprevisibilidade, dos driblesperfeitos. Mesmo sem ter visto um drible sequer do camisa dez do Flamengo, facilmente sereconhece o comunicado: Felipe se movimenta de modo diferenciado, provido de explos omuscular acima da m dia, bate na bola com absoluto dom nio, dribla de forma "incomum" e"surpreendente", tal qual fazia Guarrincha. Mas ser que o p blico torcedor de nossos tempos defato acompanhou os lances de Garrincha nos anos sessenta? Aposto que grande parte n o, apenasouviu falar". Ou melhor, viu com os ouvidos. E os exemplos n o param por ai. Poder amos

recordar o "Rei Pel ", Diego Maradona, o "dez da Argentina", o "fen meno" Ronaldo, Kriger o"flecha loira" dos anos 80 no Coritiba, etc. Portanto, atribuir aos torcedores a condi o deobservadores n o significa que eles experimentem o futebol apenas a partir de imagens pticas,que partilhem de uma gama de representa es e significados que tem como fundamentoexclusivamente uma l gica visual.

Como vim afirmando no decorrer deste cap tulo, assistir uma partida de futebol n o condi o pr via para definir o torcedor. Torcedor aquele que partilha um conjunto derepresenta es que d o "vida" ao futebol. Isto , que preenchem seu conte do. Portanto, definir otorcedor como um observador significa reconhecer que o conjunto de conte dos e significadosque s o percebidos e manifestados a cada jogo, s o organizados pelo olhar. Um olhar queindepende da capacidade ptica deste ou daquele torcedor, mas que sustenta e organiza todo seucampo perceptivo. Retomando o argumento inicial de Merleau-Ponty, a percep o s adquiresignificado quando orientada por uma racionalidade que privilegia o sentido da vis o. Ora, ofutebol se apresenta ao torcedor como espet culo percept vel. O torcer abre a possibilidade deexperimentar o futebol com todos os sentidos, mas a partir da categoria do ver que seussignificados e conte dos s o constru dos.

At aqui enfatizei o torcer como um modo de sentir ou perceber o universo do futebol.Com isso espero ter exposto a import ncia da categoria do ver no futebol. Por um lado, comosentido privilegiado que organiza e d sentido ao evento; por outro, como media o entre o corpoe o contexto em que este est inserido. Isto, por m, sem d vida insuficiente. Como recordaBarthes, torcer "sobretudo manifestar". A partir desta manifesta o o torcedor identifica-se comjogadores, outros torcedores, enfim, com o pr prio futebol. S o as diferentes fei es, os v riossorrisos ou choros que permitem que o torcedor sinta-se parte, que compartilhe uma vis o demundo, que construa e reconstrua significados a partir do futebol.

Doravante ser discutido o torcer como uma equa o que conjuga raz o e emo o atrav sda percep o que os torcedores tem sobre e a partir do futebol, mas tamb m, ou sobretudo, arela o individual e coletivo que imp e a esta percep o a perspectiva de uma posi o no interior

de uma configura o social18. Para tanto foi privilegiado o cl ssico de futebol - Atletiba -justamente por tratar-se de um momento em que comportamentos exacerbam-se, as identidadess o acirradas, enfim, que a competi o esportiva abre espa o para discuss es, conflitos,negocia es. Verdadeiras disputas simb licas em torno do futebol. Disputas estas que colocam otorcedor em uma posi o ativa dentro do futebol, pois a partir dele que os signos deste esporteentram em rota o.

2 IMAGENS DO FUTEBOL: IDEOLOGIA, REPRESENTA O E

IMAGIN RIO

a condi o do torcer abre possibilidade de determinadas viv ncias, sociabilidades e imagens que transcendemaquelas impostas pela ordem social cotidiana. Contudo, o ritual do futebol n o nega veementemente tal ordem social(...)19.

Luiz Henrique de Toledo.

2.1 O EST DIO DE FUTEBOL

N o dif cil encontrar esquina, bar ou padaria onde haja algu m disposto a falar sobrefutebol. Mesmo os mais desinteressados ou alheios quest o a reconhecem, nem que seja parareclamar do desconforto que o tema lhes provoque. Mas provoca. Isto porque o futebol adquiriusentidos que v m sendo constru do e constantemente reconstru do nos diferentes espa os de nossocotidiano. Ele existe fora das consci ncias individuais, existe na coletividade, na experi nciadi ria como produto social20. Entretanto, j afirmamos anteriormente que esta pesquisa privilegiouo est dio de futebol como l cus para investiga o. Mas por que investigar a partir do est dio defutebol?

Obviamente o est dio de futebol n o o nico "lugar" que abre espa o para manifesta estorcedoras que criem imagens, representa es e identidades com o futebol, construindosignificados para o mesmo. Bares, sedes de torcidas organizadas ou mesmo col gios, podemdefinir lugares de sociabilidade t o ricos quanto o est dio de futebol. Provavelmente tamb m n ose possa afirmar que este espa o aberto a partir do est dio o momento de maior "dramatiza o"(para utilizar um conceito de DaMatta21) de um ethos torcedor. Entretanto, o est dio foi tomadocomo campo de pesquisa por possibilitar um consider vel leque de experi ncias com ostorcedores e tamb m por permitir, a partir de um espa o circunscrito por delimita es f sicas, amanifesta o (negocia o) de m ltiplos significados para o torcer e para o futebol. Al m disso,nestes palcos do futebol profissional o espet culo a refer ncia: o jogo dentro de campo ficaao alcance imediato dos torcedores.

Os dois espa os em que se desenvolveu a presente investiga o foram os est dios MajorAnt nio Couto Pereira, do Coritiba, e Joaquim Am rico, do Clube Atl tico Paranaense.Popularmente chamado apenas de Couto, o est dio da equipe coxa branca localiza-se no Alto daGl ria, j o Joaquim Am rico, apelidado de "Arena da Baixada" pelos torcedores atleticanos, fica

18 O termo configura o social, cunhado pelo soci logo alem o Norbet Elias, ser discutido adiante como uma redede rela es que une os torcedores com a estrutura do futebol.19 TOLEDO, 1996, p.134.

20 Como bem apontou Ronaldo Helal, aquele que n o se liga ao esporte de seu grupo social se sente, de certa forma,como uma pessoa n o integrada, que vive margem da sociedade . (HELAL, 1980, p.12).

21

O futebol, bem como o esporte, tomado por Da Matta como um metacoment rio em que a sociedade exp e(dramatiza) seus conflitos para sim mesma. Seria um modo espec fico, entre tantos outro, pelo qual a sociedadebrasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto, descobrir . DaMATTA, 1982, p. 21.

na gua Verde, no final da Rebou as, lado oposto da cidade.Palco de festas grandiosas, gl rias, conquistas, mas tamb m decep es, tanto o est dio

Couto Pereira, como o est dio Joaquim Am rico, simbolizam uma hist ria dentro do futebol quese materializa sobre o tecido urbano de Curitiba. Uma tradi o representada em constru es quese inscrevem no imagin rio torcedor, dando ao est dio condi o de elemento constitutivo dopr prio exerc cio de torcer das maiorias. com muito orgulho que torcedores do Coritibaafirmam que o coxa joga no Alto da Gl ria , assim como tamb m com muita paix o que ostorcedores atleticanos fazem refer ncia a sua Arena (ou Caldeir o ).

Popularmente chamado de "casa" por seus participantes, o est dio parece cumprir bem adenomina o. Um lugar onde nos sentimos vontade - definem torcedores, mas tamb mjogadores e dirigentes. tratado como um dos principais patrim nios do clube. E, por vezes,como "arma secreta" da equipe que o representa. Mistificado e prestigiado sem d vida um dosprincipais elementos a serem discutidos quando se trata da conforma o de um clube profissionalde futebol.

O homem considerado mais "forte" (importante) no Clube Atl tico Paranaense nosltimos anos M rio S rgio Petr glia, esse pelo menos parece ser o consenso entre torcedores e

cronistas esportivos no Paran . Embora nomes respeitados dentro do Atl tico Paranaense possamser lembrados - como Kl ber, Alex Mineiro, Kleberson, Adriano, entre outros tantos jogadoresque s o lembrados pela conquista do t tulo brasileiro de 2001 - a imagem que se formou sobre oent o presidente do Atl tico Paranaense Petr glia digno de nota. A partir da constru o doest dio Joaquim Am rico ( o mais moderno do Brasil , dizem) e da pr pria forma o da equipeque conquistou o t tulo brasileiro, Petr glia foi tomado como cone de uma nova fase de sucessosdo Atl tico Paranaense. Em uma tentativa que se assemelha, o atual presidente do Coritiba(Giovani Gionedes) reformou o est dio Couto Pereira - instalando cadeiras na arquibancadainferior da Mau (ala do est dio paralela a rua de mesmo nome), reformando os banheiros econstruindo pra as de alimenta o - e classificou o time alvi-verde para a ta a Libertadores daAm rica - torneio sul-americano de futebol profissional mais valorizado no meio esportivo.Entretanto, mesmo com o reconhecimento de parte da torcida, as reformas n o surtiram grandeefeito para a maioria dos torcedores ( j estava mais do que na hora , me disse um torcedor) e oCoritiba j detinha conquistas de maior express o no futebol (como o t tulo do campeonatobrasileiro de 1985).

De qualquer forma, para al m das dimens es f sicas e da ampla tradi o que envolve as

hist rias dos est dios Couto Pereira e Arena da Baixada, o est dio apresentou-se como um

interessante espa o para se investigar uma outra hist ria que se desenrola nas arquibancadas em

seu interior. Uma hist ria de usos e representa es que se fazem com e a partir do est dio, e que

podem dizer muito sobre os significados do futebol em Curitiba.

Tomemos como exemplo o folcl rico ret o da Mau , como referenciam in meros

torcedores do Coritiba. Trata-se da parte inacabada do est dio Ant nio Major Couto Pereira,

imediatamente frente da rua Mau . Nesta ala do est dio, a torcida alvi-verde disp e de dois

nicos an is para se acomodar (o terceiro anel h meio s culo existe apenas na promessa de quase

todos os dirigentes que passaram pelo Coritiba Footbal Club). A Mau desde sempre foi o

territ rio mais popular do est dio, por m atualmente v m sofrendo progressivas transforma es

por iniciativa da atual presid ncia do clube. Popular no sentido de conhecida, consagrada, etc. E

isto se deve a exist ncia de arranjos torcedores muito definidos que sempre povoaram este

territ rio do est dio, formando um modo pr prio de acompanhar a partida e de manifestar-se no

est dio. Mas popular tamb m no sentido econ mico, afinal, como me disse um torcedor: a Mau

sempre foi um lugar privilegiado para assistir aos jogos pagando ingresso de arquibancada .A arquibancada da Mau , que se localiza na reta paralela a linha lateral que limita o

campo exatamente em frente s cabines de r dio ou televis o que transmitem os jogos, tem emsua ala superior arquibancadas e na ala inferior cadeiras - que foram recentemente instaladas. Nasarquibancadas da Mau sem d vida h um predom nio de fam lias, mas tamb m, como me disseum amigo, dos sapos velhos - em refer ncia aos torcedores que segundo ele s o rabugentos epregui osos . Nunca entendi a analogia com sapos, mas n o foi dif cil perceber o significado da

express o. Muitos torcedores quando v o ao est dio esperam assistir em p ao jogo, pular emmeio a torcida, cantar ou mesmo andar pelas arquibancadas. A arquibancada da Mau de fato n o o espa o dessas coisas (ao menos em dias de casa cheia ). Ali todos, todos, acompanham ao

jogo sentados. Sempre h , claro, aquele que se prop e a assistir em p a partida, ou pordesaviso, ou por n o encontrar lugar na arquibancada. Entretanto, t o logo o jogo inicia-se estess o endireitados pela maioria dos torcedores, seja por xingamentos e amea as de outrostorcedores, ou por pap is e copos que lhes s o arremessados. E esse modo peculiar deacompanhar o jogo, que em domingos ensolarados me soa t o familiar, t o curitibano, faz comque esta ala do est dio Couto Pereira abrigue arranjos torcedores que comp e um modo suigeneris de torcer, de se relacionar com o esporte, de acompanhar o jogo22.

Por outro lado, logo abaixo, o anel inferior da Mau , hoje com acesso restrito a torcedores

que pagam ingressos exclusivos para esta ala do est dio, n o vem sendo muito freq entado pela

torcida alviverde. Exceto em jogos com grandes p blicos, o que deixa esta ala do est dio muitas

vezes vazia, e, n o poucas, fechada pela pr pria diretoria. N o me cabe aqui analisar se foi

interessante para o clube ou n o transformar as antigas arquibancadas inferiores da Mau em uma

ala restrita para cadeiras, mesmo porque n o tenho acesso a estes dados. Entretanto uma quest o

clara: os antigos agrupamentos torcedores que acompanhavam as partidas desta ala do est dio

foram desfeitos. O mais prov vel que em seu lugar surjam novos arranjos sociais, novas

rela es, outros modos de torcer. Mas para isso toda uma outra rela o do torcedor com este

espa o do est dio precisa ser constru da. Uma rela o do torcedor com o pr prio clube, com o

time, com os pr prios significados de seu torcer e com suas possibilidades de manifesta o no

interior do est dio. Tudo que posso afirmar que existem aqueles que se recordam saudosamente

deste territ rio do est dio: eu gostava de acompanhar o jogo de l , ficava bem perto do campo,

dali a gente podia empurrar o time e intimidar os advers rios . E aqueles que encontraram nas

mudan as do est dio o seu lugar: eu gosto daqui porque voc tem o mais conforto, pode trazer a

fam lia, e por um pre o mais baixo - me disseram.Esta breve descri o da Mau 23 (ala que integra o est dio Major Ant nio Couto Pereira),

s tem validade para aqueles que freq entaram o est dio durante este per odo. Isto porque osespa os internos aos est dios de futebol est o em constante transforma o e com eles os pr prios

22

Atualmente est o instaladas cadeiras nos dois an is da Mau que tem um pre o intermedi rio (vinte reais) entre asarquibancadas (quinze reais) e a ala nobre , com cadeiras por trinta e cinq enta reais, mas que divide opini es entreos torcedores.23 Realizada entre os per odos de outubro de 2003 a mar o de 2004.

arranjos torcedores tamb m se alteram. Descrevi acima o est dio Couto Pereira por se tratar deuma constru o que remonta os anos cinq enta e desde muito conhecida e freq entada por seustorcedores - o que mant m at mesmo uma relativa estabilidade quanto ocupa o dos espa os doest dio pelos seus torcedores.

O est dio do Clube Atl tico Paranaense (Joaquim Am rico), por outro lado, tem uma

constru o muito recente, tendo em vista a tradi o do clube, e ainda inacabada, visto que n o

terminaram de fechar a constru o do est dio. Esses dois fatores favorecem para que haja uma

grande indetermina o na ocupa o dos espa os e na pr pria constitui o dos arranjos torcedores.

Por um lado, as torcidas organizadas do Atl tico Paranaense (Fan ticos, Ultras, etc.) procuram

sempre se posicionar em territ rios mais ou menos definidos no interior do est dio - o que acaba

empurrando outros arranjos torcedores (os torcedores comuns ) para outras reas do est dio.

Mas por outro, a ocupa o do est dio pela torcida rubro-negra (mesmo as organizadas) ainda tem

se alterado devido ao n mero de torcedores nas arquibancadas e ao rival - se a equipe do

Atl tico Paranaense joga contra uma outra equipe da cidade, ou mesmo contra um clube de

grande prest gio no cen rio nacional do futebol (o que geralmente carrega um grande contingente

de torcedores ao est dio), a distribui o da torcida pelo est dio diferente do que quando joga

contra equipes de menor tradi o.De todo modo, ao entrarmos em qualquer um desses est dios por evento de um jogo

profissional de futebol, uma das primeiras figuras desconstru das a da multid o. A imagem deuma massa torcedora se esvai assim que nos aproximamos dela. Geralmente associada com id iade unidade entre torcedores, a representa o de uma massa torcedora se desfaz nos diferentescomportamentos e modos de torcer que escapam, por exemplo, a l gica de "acultura o" comopretendia Robert Park, ou mesmo Franklin Frazier24. O que de fato se percebe que no est dio defutebol residem modos e comportamentos espec ficos de se relacionar com o jogo de futebol queescapam a sua mera assist ncia passiva. Em seu lugar qualquer torcedor que freq enta um est diode futebol pode identificar com facilidade os in meros grupos, arranjos ou configura es que fracionam a pr pria figura da multid o.Recordo-me quando Norbert Elias argumenta que a soma dos indiv duos n o equivalente asociedade, do mesmo modo que a soma dos tijolos muito pouco pode dizer sobre a estrutura deuma casa25. E isto, simplesmente porque a soma das partes n o tem validade sociol gica alguma,mas sim suas rela es. Desse mesmo modo, a soma dos torcedores pouco esclarece a respeito dofutebol e do exerc cio de se torcer em Curitiba, ou em qualquer outro lugar. O que realmenteimporta s o os seus arranjos dentro e fora dos est dios. Isto, porque o futebol est para al m dasconsci ncias individuais, para al m da experi ncia de vida imediata, ele existe na coletividadecomo produto social. Exatamente nesse sentido podemos pensar em tradi o, gloria, prest gio, etc.

Obviamente isto n o deve supor que o futebol n o dependa de seus participantes. Trata-sede um c digo de comunica o que constru do pelos torcedores nos seus comportamentos,trajetos e ocupa es dos territ rios no dia de jogo, mas tamb m nos diversos espa os que comp ea vida cotidiana deste. O que quero enfatizar que o futebol tornou-se uma raz o de ser para todauma gama de torcedores que nele depositam suas paix es e frustra es. E para mergulhar no

24

Conforme BECKER (1996), Frazier e Park, integrantes da consagrada Escola de Chicago, defenderam a tese deque quando diferentes grupos entram em contato direto e cont nuo suas culturas se fundem dando origem a uma novacultura.

25 ELIAS, 1993, pg. 16.

universo do futebol necess rio lan ar-se de corpo inteiro, passar pelo crivo das rela es sociais,imbuir-se de uma racionalidade pr pria aos torcedores, enfim... precisa torcer.

E esta opera o de torcer que faz com que o jogo de futebol n o seja puramentematerial, mas, e sobretudo, simb lico. Portanto, o jogo s adquire sentido e significado quandoseus participantes ligam-se emocionalmente uns aos outros em torno dele. Assistir aos jogos daequipe do Coritiba, ou qualquer outro time, na Mau , s pode gerar conflitos, emocionar oufrustrar os torcedores a partir do momento em que eles comunguem uma mesma l gica: a dotorcer.

Exatamente nesse sentido, tomarei a no o de configura o social de Elias como fio

condutor. Pois, a partir dela que se pode perceber como o torcer (entendido como uma

configura o) estabelece a ponte entre os torcedores (as pessoas) e o jogo de futebol (a estrutura).

Trata-se da constante constru o e reconstru o dos in meros conte dos e significados que

comp e o pr prio exerc cio de se torcer. Esta negocia o o pressuposto para socializa o, n o

s nas identifica es, mas, sobretudo, nas diferencia es, ou melhor, nos conflitos.

Partindo dessa tica, as manifesta es torcedoras sempre devem ser interpretadas dentro

de seus contextos espec ficos. Portanto, qualquer estudo de percep o, qualquer fenomenologia,

qualquer filosofia do sujeito, n o pode perder de vista o mundo imediato, a realidade objetiva que

se apresenta aos sujeitos. No caso dos torcedores como seria poss vel procurar compreender o

torcer sem perceber que as pessoas que torcem, emocionam-se, gritam, relacionam-se, gesticulam,

entregam-se de corpo e alma por alguma coisa. No futebol, essa coisa o jogo.

2.2 O JOGO DE FUTEBOL

Logo pela manh todas as bancas de jornal j anunciam. As camisas dos times desfilam

pelas ruas mais do que em outros dias, como se representassem o prest gio do time no

campeonato. R dios ligados ajudam a preparar o clima para festa. No hor rio do almo o o

notici rio esportivo da televis o recebe aten o especial. E, para qualquer desavisado, dia de

jogo!

Mas poucos jogos de futebol profissionais t m tanta import ncia quanto um cl ssico.

Quando dois rivais se re nem para uma partida algo mais est em jogo. Honra! Prest gio!

Tradi o! Um cl ssico pode mudar a hist ria de qualquer time dentro de um campeonato de

futebol. Mesmo n o mudando ele tem o "sabor" de uma decis o. E todo torcedor sabe: Ganhar

um cl ssico quase o mesmo que ganhar um campeonato .

Em Curitiba n o h cl ssico mais tradicional que o "atletiba". A hist ria do Coritiba

Football Club e do Clube Atl tico Paranaense marcada por uma rivalidade que envolve,

acompanha e constantemente refor ada pela Federa o de futebol do Estado, pelas diretorias,

pela imprensa esportiva, grande parte dos jogadores e tamb m, ou principalmente, pelos

torcedores de cada um destes times. Ali s, costuma-se dizer no meio esportivo que o Atl tico

Paranaense provocou uma reviravolta - construiu seu est dio da Baixada e se tornou campe o

brasileiro - ap s sofrer uma derrota "acaxapante" frente ao seu maior rival (Coritiba), o que

iniciou uma s rie de mudan as bem sucedidas no clube.

Um cl ssico n o representa apenas um longo retrospecto de partidas entre dois clubes da

mesma localidade. Trata-se tamb m de um confronto entre times de grande tradi o e prestigio no

cen rio do futebol. Tradi o e prest gio ( camisa , costuma-se dizer) s o elementos decisivos na

conforma o de clubes de futebol profissional. Embora bons times possam surgir e realizar

"grandes" jogos ou conquistar alguns t tulos, nem sempre compartilham uma hist ria de

conquistas. Esse o caso do time profissional do Paran Clube (o "terceiro" time de futebol de

Curitiba) que conquistou nove t tulos (seis paranaenses, dois da segunda divis o nacional) em

uma curt ssima hist ria de pouco mais de uma d cada de exist ncia. Entretanto, Atl tico

Paranaense e Coritiba s o os times de futebol profissional em atividade mais antigos de Curitiba,

de longe os dois clubes com mais t tulos estaduais e os que conquistaram t tulos nacionais de

maior "express o" no Paran .

Toda essa representatividade no futebol paranaense permitiu que ambos os times, mesmo

que em momentos diferentes, angariassem um grande contingente de torcedores que puderam

consagrar toda a gl ria de cada uma das conquistas.

(...) os clubes de futebol, amparados n o s por condi es t cnicas ou financeiras, mas tamb m muito pelo prest gioadquirido por uma hist ria de t tulos, gl rias, jogadores, estabelecem uma distin o hier rquica entre os timesgrandes, de camisa, e os times pequenos. Esta hierarquia n o est determinada unicamente por crit rios t cnicosreferentes ao esporte propriamente dito, e sim estreitamente vinculada s tradi es, honra e ao prest gio conferidospelas conquistas e pelo estabelecimento de rela es de reciprocidade entre clubes grandes, que se estendemhistoricamente.26

Dessa forma, o confronto entre Atl tico paranaense e Coritiba adquire uma grande

visibilidade no cen rio estadual e nacional justamente por se tratar de um confronto entre as

equipes de maior destaque no futebol do Estado. Uma disputa de t tulos, de gl rias, de tradi o.

Durante seis meses freq entei os est dios dos clubes Atl tico Paranaense e Coritiba

procurando investigar o exerc cio de torcer. A partir desta investiga o se pretendeu alcan ar uma

fra o do universo profissional do futebol a partir do torcedor na constante negocia o de

significados para o futebol. Acompanhei quase todos os jogos que os dois clubes realizaram em

26 MART NS. 2003, pg17.

seus est dios, que foram indispens veis para este trabalho. Entretanto, sempre tendo como

refer ncia a rivalidade promovida pelo cl ssico atletiba. Mas o que poderia representar o cl ssico

para esta pesquisa?

***

No dia 11 do m s de outubro em 2003 o Clube Atl tico Paranaense e o Coritiba Football

Club se enfrentaram pela 36a rodada do Campeonato Brasileiro do mesmo ano. A equipe do

Coritiba, que ocupava a 3 coloca o do campeonato, estava "embalada" para o cl ssico contra o

rival que at ent o realizava uma campanha p fia (17 coloca o!). Nesta manh de S bado, em Curitiba, o jornal Gazeta do Povo, apenas para citar um

exemplo, colocou em sua primeira p gina, como habitual, a not cia do cl ssico: "(...) o Atletiba dehoje, 16 horas, na Arena, re ne o Coritiba em excelente fase e um Atl tico ainda em busca dofutebol que lhe deu o t tulo brasileiro em 2001 (...)"27. Outros jornais, como Tribuna do Paranque estampou em sua capa Hegemonia x Salva o28 - referindo-se a boa fase do Coritiba e aoportunidade para o Atl tico Paranaense se recuperar no Campeonato Brasileiro de 2003 -,tamb m parecem ter seguido a mesma linha.

Esse quadro de otimismo por parte da imprensa pelo desempenho do Coritiba nocampeonato, ao menos a parte da impressa que coxa-branca como preferem dizer algunstorcedores, se refletia nas arquibancadas antes do cl ssico.

A partida foi realizada no est dio Arena da Baixada. A torcida coxa branca esgotou osquase dois mil ingressos destinados aos visitantes. Por outro lado, a torcida rubro negra n ochegou perto de preencher o restante o est dio, como o fizeram em outros momentos.

Como resido a umas dez quadras do est dio onde foi realizada a partida, fui andando.Durante o percurso aproveitei para conversar com um ou outro torcedor que cruzava pelocaminho. O torcedor "comum" (aquele que n o participa da torcida organizada) quando vaiassistir uma partida, em geral faz seu percurso de casa ao est dio e, na volta, do est dio para casa.Por isso mesmo, as pessoas com que conversei at chegar ao est dio tamb m moravam nasproximidades do est dio, e poderiam ser denominadas como torcedores comuns.Conversei apenas com torcedores do atl tico, muito em fun o do pr prio sistema de seguran amontado pela pol cia militar em jogos como estes. Chega a ser surpreendente como os usos doespa o urbano s o alterados nos dias de jogos. As torcidas, sobretudo as organizadas, tem seustrajetos pr -defin dos, as linhas de nibus passam a ser monitoradas, enfim... todo um sistema depoliciamento coordenado para que n o haja confronto entre as torcidas na chegada ou na sa dado est dio. At quem, princ pio, n o tem nada ver com a partida, como moradores oucomerciantes, alteram sua rotina nos dias de jogos. A rua torna-se o espa o dos perigos, mastamb m da comunh o.29

V rios dos carros que passaram nas proximidades do jogo buzinavam, alguns comadesivos e bandeiras. Bandeiras tamb m nas ruas. Muitos de camisa ou com carregando qualquers mbolo do "time do cora o" coloriram as ruas e enchendo a paisagem de vermelho e preto. Comos que conversei afirmavam: vamos apoiar o time , embora reconhecessem que ele n o osempolgava tanto quanto em outros anos. Tudo transpirava futebol. Um clima de entusiasmo eansiedade tomou conta do percurso medida em que o est dio se aproximava. Mesmo com adesconfian a que os torcedores expressavam pelo time o palco estava montado. Atletiba sempre um evento festivo e grandioso.

27 GAZETA DO POVO. Curitiba, 11/10/2003, ano 85 - n 27.013.28 TRIBUNA DO PARAN . Curitiba, 11/10/2003, ano 47 - n . 13909.

29 TOLEDO, 1996, p.144.

No atletiba anterior, no primeiro turno do campeonato brasileiro de 2003, a equipe doCoritiba foi vitoriosa com o placar de dois gols zero. Al m disso, o Coritiba, que haviaconquistado o t tulo do campeonato estadual sem perder nenhuma partida, fazia melhor campanhaque o Atl tico Paranaense. E, se n o bastasse a torcida coxa branca euf rica com seu time, boaparte da cr nica esportiva tamb m apostava na vit ria alvi-verde que festejava seus noventa equatro anos de hist ria.

Todo esse cen rio, at onde pude perceber, provocou uma certa inseguran a em boa parteda torcida rubro negra que, apesar de estar em "sua casa" (seu est dio), parecia n o confiar muitona equipe. Mas, como me disse um senhor na entrada do est dio, cl ssico cl ssico, n o temfavorito .

Com dois gols de Ilan e um futebol de encher os olhos , definiu outro torcedor ao fim dapartida, o Alt tico paranaense "atropelou" o Coritiba com direito a gritos de "ol " da torcidafaltando ainda aos quinze minutos para acabar a partida.

Acompanhei a partida do primeiro anel do est dio, entre as torcidas organizadas Ultras eFan ticos , bem de frente para o gol defendido por Fernando (goleiro do Coritiba). Dava para

ver bem o jogo dali. Ali s, a visibilidade do campo de jogo em qualquer parte do est dio Arena daBaixada boa, exceto da torcida visitante. Com o in cio da partida a maioria atleticana empurravaseu time de toda forma. Alguns a minha frente pulavam, outros gritavam o nome do time e dealguns jogadores (como Dagoberto, Ilan, etc). Havia um sujeito a minha frente que andava dejoelhos, de um lado para outro, como se estivesse pedindo aos deuses do futebol queinterferissem em favor de seu time (que figura!). Todos, de alguma forma pareciam querercontribuir para o desempenho de seu time. Um torcedor do pr prio Coritiba em outro momentome disse, a maior caracter stica da torcida do atl tico fazer barulho o tempo todo e empurrar otime - o que justifica a id ia de arena. Talvez ele tenha exagerado, mas nesta partida realmente aminoria coxa-branca quase n o se fez ouvir, como que silenciada ou at intimidada pelodesempenho de seu rival dentro de campo e a agita o da torcida atleticana (em maior n mero).

Mesmo realizando uma partida tecnicamente boa (do ponto de vista do futebol) a equipedo Atl tico Paranaense continuava deixando alguns torcedores apreensivos ao perder alguns bonslances de jogo. Os coment rios que pude ouvir expressaram bem isso. Alguns preocupadosdiziam: precisamos fazer um gol logo antes que eles reajam , ou, t at vendo, a gente ataca,ataca e daqui a pouco eles fazem um golzinho mixuruca, ai eu quero ver ; por outro lado, outrostorcedores demonstravam confian a na vit ria afirmando: esse time [Coritiba] muito ruim, n osei como ag entaram at agora, ou se a gente for ar a gente goleia eles .

Com a expuls o do terceiro zagueiro da equipe do Coritiba, Reginaldo Nascimento, e ogol do avante atleticano Ilan, logo na seq ncia, a torcida rubro-negra ficou euf rica. Qualquerconflito de opini es apagou-se em um grito geral de gol. A confian a na vit ria passou a servis vel mesmo nos rostos que antes se mostravam mais desconfiados.

A torcida organizada Fan ticos puxava a festa com tambores e gritos de guerra que sepropagavam pelo restante da torcida. Cheguei a ficar impressionado com o poder de comando daFan ticos sobre a torcida em compara o, por exemplo, com a torcida organizada Ultras que,aparentemente desorganizada, se manifestava discretamente. Mais tarde fiquei sabendo por umtorcedor que as torcidas organizadas Ultras e Fan ticos tiveram alguns desentendimentos -membros da Fan ticos proibiram a torcida Ultras de se organizar dentro do est dio por algumtempo, me disse ele (t o comuns quanto brigas entre torcidas advers rias s o osdesentendimentos entre torcedores de um mesmo clube. Conflitos existem, n o apenas entre astorcidas organizadas, mas tamb m com torcedores "comuns" corriqueiro ocorrer qualquer tipode conflito que, por vezes, termina em viol ncia dentro e fora dos est dios).

O primeiro tempo terminou com um a zero para o Atl tico Paranaense. Nos quinzeminutos de intervalo at o segundo tempo da partida me dirigi ao segundo anel, logo acima deonde acompanhei o primeiro tempo. Havia pouca gente nesta ala do est dio, at porque o Atl tico

iria atacar para o outro lado do campo e, como de costume quando h espa os na arquibancada,boa parte da torcida se movimenta pelo est dio para acompanhar "mais de perto" o ataque de seutime.

Sentei ao lado de dois torcedores que conversavam sem parar. Um deles era S.a.,aparentava uns trinta e poucos anos e, como me disse, havia sido jogador do Paran Clube, mastorcedor do Atl tico . O outro, que se chamava S.i.. e aparentava ser um pouco mais velho, medisse que era de Apucarana (cidade do interior do Estado), mas desde 1992 ( poca em que mudoupara Curitiba) acompanha os jogos do Atl tico Paranaense. Ambos pareciam acreditar na vit riarubro-negra. Como disse S.i., o Atl tico n o vai perder esse jogo, a cabe a do M rio S rgio[t cnico do Atl tico Paranaense] depende disso . Assim que inicia o segundo tempo ambos secalam e ficam concentrados acompanhando o jogo. Passamos ent o a assistir em sil ncio apartida.

A equipe do Coritiba retornou ao segundo tempo modificada, procurando de toda formamanter-se no ataque. Isso durou t o pouco quanto os gritos de incentivo que tentou esbo ar aminoria coxa, logo silenciada pela torcida atleticana que parecia cada vez mais voluntariosa econfiante no time. O Atl tico logo retomou o controle da partida e a Fan ticos puxou os gritos deguerra da torcida em geral, como se estivesse duelando com a torcida coxa quem fazia maisbarulho.

Curiosamente S.a. e S.i. nem ligavam para o alvoro o nas arquibancadas. Apenas maistarde, quando parte da torcida come ou em coro a aclamar pelo nome de Ilan, os dois voltaram ase manifestar. S.a. dizia: essa gente burra mesmo, ser que n o t o vendo que o Fernandinho que t jogando bola? Nesse momento voltamos a conversar, ambos me disseram que o jogadorFernandinho (meio-campo da equipe do Atl tico Paranaense) era quem mais lhes agradava napartida, pois ele estaria organizando o meio campo de seu time. Quando perguntei se o coro n oera resultado do gol que Ilan havia marcado, S.a. respondeu rispidamente: que torcedor tudoigual, s enxerga quem faz gol . Segundo estes dois torcedores essa mesma torcida que aclamavapor Ilan, em outros momentos j o vaiaram por p ssimas performances dentro de campo. E paraeles isso significava que a maioria dos torcedores n o entende o jogo (ao menos n o como eles oentendiam).

Nossa conversa foi interrompida aos 25 do segundo tempo, ap s jogada de Fernandinho eDagoberto, Ilan recebeu na grande rea e finalizou, gol. Dois a zero para o Atl tico. Sandro eSamir pularam e gritaram de felicidade enquanto os jogadores ainda comemoravam dentro decampo. Uma felicidade seguida por gritos de incentivo (A-tl -tico, A-tl -tico, A-tl -tico). O jogoseguiu e a festa rubro-negra continuava. A certeza na vit ria tomava conta da arquibancada. Atorcida atleticana, agora muito mais euf rica, come ava a hostilizar a torcida rival (a coxarada )cantando, chingando, gritando "ol " cada vez que seu time trocava passes.

Quase ao final do jogo me despedi dos dois torcedores (Sandro e Samir) e fui ao banheiro.

Ainda sem poder ver o campo de jogo, percebi que a torcida atletica novamente explodiu. Mas

logo em seguida os gritos e can es foram diminuindo. Por um instante s se ouvia o barulho de

m ltiplas conversas que, ap s um breve momento, deram espa o a novos gritos euf ricos: Isso! ;

Barbaridade! ; pode bate . Me apressei para ver o ocorrido. Quando novamente cheguei

arquibancada muitos pareciam ter esquecido o jogo e assistiam as cenas de viol ncia entre a

pol cia militar e torcedores do Coritiba que se desenrolavam no extremo oposto ao que estava no

est dio.

Perguntei a um torcedor que estava ao meu lado o que tinha acontecido. Ele lamentava o

fato e me dizia que, com a expuls o do zagueiro Odvan da equipe do Coritiba, alguns torcedores

come aram a protestar e tentaram arrancar as barras do alambrado. Nesse momento [comentou o

torcedor] a PM entrou e distribuiu porrada. Eu nunca tinha visto tanto policial num jogo, devia ter

uns trinta ou quarenta .

O clima "quente" na aquibancada "esfriou" o jogo que n o demorou a terminar. Mesmo

com o fim de jogo os port es n o foram abertos para a torcida atletica que, conforme previsto,

deveria esperar quinze minutos at ir embora. Os quinze minutos se estenderam porque a torcida

coxa branca n o saia do est dio. Embora o confronto da pol cia com os torcedores coxa-brancas

tenha agradado alguns torcedores atleticanos, muitos a minha volta estavam insatisfeitos com a

demora para ir embora.

Ao fim do jogo j havia marcado em um bar perto de casa com alguns torcedores do

Coritiba que tamb m foram ao est dio assistir ao cl ssico. Nem todos compareceram, apenas O. e

T. foram ao local de encontro. Claramente decepcionados com o resultado ambos lamentavam a

derrota. Todavia, de tudo que conversamos, os dois foram claros ao concordar que, mais do que a

derrota, o que marcou a partida foi o confronto entre a pol cia militar e o torcida. At quem n o

tinha nada a ver com o que estava acontecendo, como a gente, teve que correr pra todo lado ,

disse O.. Foi uma vergonha, vai ver se a gente faz isso com eles quando v o no Couto ,

completou T. referindo-se a quantidade de torcedores do Coritiba em um pequeno espa o do

est dio.

Quando come amos a conversar sobre quest es t cnicas referentes performance dos

jogadores dentro de campo, ambos concordaram que o goleiro Fernando do Coritiba havia sido o

melhor em campo. Logo depois Ot vio me disse que Ilan talvez tenha estado ainda melhor. Tiago,

mesmo reconhecendo a bela atua o do avante do Atl tico Paranaense, discordou dizendo que

quem de fato havia jogado melhor era o jogador Dagoberto tamb m do Atl tico, e continuou,

mas isso porque o rbitro foi mal, se ele n o tivesse dado o primeiro cart o amarelo para o

Nascimento ele n o precisava ser expulso depois . O. concordou dizendo: parece tudo armado, a

gente ganhou em casa de dois a zero e agora eles precisavam ganhar .

***

Durante o atletiba pude observar a exacerba o de determinados comportamentos e o

fortalecimento de uma identidade, por mais que ef mera, coletiva - afinal, antes de qualquer

disputa (como nos desentendimentos mencionados entre as torcidas organizadas Fan ticos e

Ultras) havia o consenso de que todos a minha volta eram rubro-negros e queriam ver seu time

vencer a partida. Diversas formas de se manifestar, de compreender, de racionalizar, a partir de

uma experi ncia comum, partilhada por torcedores do Atl tico Paranaense e do Coritiba. Entre

tantos pontos de vista, conflitos de interesse e percep es, vis vel o estabelecimento de toda uma

rede de rela es que extrapola os arranjos familiares, os grupos de amigos ou mesmo a comunh o

moment nea que se forma nos diversos setores do est dio. Esta rede de rela es constitu da sob uma identidade comum, partilhada por

companheiros e rivais : a identidade de torcedores. Nesse sentido, a condi o de torcedorpermite as pessoas comuns um leque quase que intermin vel de rela es sociais. Assim, no quese refere a ades o e ao gosto espont neo pelo esporte, o torcedor apresenta-se como um sujeitocapaz de experimentar, vivenciar e se comunicar com uma infinidade de torcedores. Por m, hque se reconhecer que toda essa potencialidade para sociabiliza o que promovida pelo futebolaproxima os torcedores ao mesmo tempo em que os distancia. Isto, porque h toda umahierarquiza o30 dos valores no futebol, e, assim, das pr prias rela es entre os torcedores.

A rela o de esquiva de um torcedor qualquer ante o leque de times advers rios n o estabelecida valorativamentede maneira uniforme. Detesta-se (ou gosta-se de) alguns times mais do que outros. Mais ainda, observa-se que apr pria rela o entre indiv duos que torcem para uma mesma agremia o temb m define-se mediante investimentosvalorativos diferenciados. Existe a todo um sistema hierarquizado din mico que distingue tanto os contr rios, osestranhos quanto os chegados , torcedores de um mesmo time.31

Estas rela es s o claras tamb m no atletiba, onde torcedores de um dos dois times

enxergam os outros como rivais em potencial. Ali s, o outro , apesar de n o ocupar uma

posi o definida no imagin rio coletivo dos torcedores, sempre encontra seu espa o na rede de

rela es que comp e o universo de torcedores. Este estranho (que n o torce para nosso time),

que geralmente o rival , pode por vezes passar por companheiro , basta que para isso todo um

sistema de interesses e representa es seja acionado.

Essas identifica es s o bem comuns em Curitiba. Basta que se atente, por exemplo, para

a cumplicidade que as torcidas organizadas do Atl tico Paranaense t m com a torcida organizada

do Cruzeiro em Belo Horizonte ( M fia Azul ). Em resposta, imediata por sinal, foi constru da

toda uma boa rela o entre os torcedores da Imp rio Alviverde com os torcedores que integram

a Galoucura (maior torcida organizada do Clube Atl tico Mineiro, principal rival da equipe do

Cruzeiro).Mas este apenas um exemplo, in meros outros poderiam ser mencionados - como a

simpatia que muitos torcedores do Atl tico Paranaense hoje t m com o clube ingl s Manchester

United, devido a recente transfer ncia do jogador Kleberson para a Inglaterra -, mas o que

realmente parece relevante destacar a exist ncia de todo um sistema classificat rio que

30

Hierarqiza es que, em analogia a Elias e a sociedade de corte francesa, ditam as rela es socias a partir de umaescala de valores que s o constru das a partir dos t tulos de nobreza das camisas empunhadas pelos torcedores.ELIAS, 2001, p.95.31 TOLEDO, 2002, p. 250.

identifica (posiciona) os torcedores como aliados e rivais .A rivalidade sempre alimentada em algum n vel pela competi o pr pria ao futebol

profissional. Afinal, no futebol, assim como no tr nsito e em outras atividades cotidiana existecompeti o. Conforme Elias, o processo de constitui o das modernas configura es sempreesteve ligado ao processo civilizat rio, ou seja, a um processo de autocontrole individual queimpele os indiv duos disputa simb lica32. No futebol, assim como na conduta torcedora, esseprocesso de autocontrole e disputas simb licas em torno do jogo evidente. Portanto, asociabilidade tipicamente competitiva do futebol orienta tanto a pr tica de jogo como aconstitui o de um ethos torcedor.

Por outro lado, tamb m n o se pode reduzir o futebol competi o. Mesmo as ligas maisprofissionalizadas e valorizadas de futebol guardam uma dimens o l dica, que, afinal, o quealimenta todo e qualquer esporte. Ao lado dos modernos processos de profissionaliza o doesporte (o que leva o futebol uma organiza o em grande escala), dos mecanismos deracionaliza o (que conduzem maior efic cia para disputa do jogo) e das disputas f sicas emtorno do melhor desempenho dos atletas, o futebol reserva um grande espa o paraespontaneidade, criatividade, improvisa o e liberdade de a o. Ali s, como afirma RonaldoHelal, no esporte as regras fixas e o esp rito de competi o tendem a estimular a criatividade e aimprovisa o dos atletas 33. No futebol, isto se revela dentro e fora dos gramados. Tanto o futeboljogado , quanto o futebol acompanhado permite um amplo leque de apropria es e

reinven es que carregam significados e conte dos pr prios de atividades l dicas.

O que de fato permite tanto ao jogador, quanto ao torcedor, transitar pelo territ rio da

competi o profissional e da brincadeira l dica seu corpo cognocente. pelo corpo que as

regras e a organiza o burocr tica inscrita, assim como atrav s dele que seus conte dos s o

resignificados e reinterpretados. Nessa dial tica do dentro e do fora, o corpo adquire a condi o

de ator social justamente por posicionar uma perspectiva frente ao mundo, por colocar-se diante

de outros corpos, enfim... por negociar uma certa interpreta o dos eventos, do futebol. Tendo

isso em vista se pode discutir o futebol e o exerc cio de torcer em outro plano que n o apenas o da

pr tica racional sobre o corpo: mas igualmente o das rela es afetivas, no reino l dico da

brincadeira que libera paix es, for as e emo es que fogem a todo e qualquer controle.

Se verdade, como afirma Pierre Bourdieu, que n s aprendemos pelo corpo , e que a ordem social inscreve-se nocorpo por meio desse confronto permanente, mais ou menos dram tico, mas que sempre abre um grande espa o paraa afetividade , ent o imp e-se que o soci logo submeta-se ao fogo da a o in situ, que ele coloque, em toda medidado poss vel, seu pr prio organismo, sua sensibilidade e sua intelig ncia encarnadas no cerne do feixe das for asmateriais e simb licas que ele busca dissecar, que ele se arvore a adquirir as apet ncias e as 1compet ncias quetornam o agente diligente no universo considerado, para melhor penetrar at o mago dessa rela o de presen a nomundo, de estar no mundo, no sentido de pertencer ao mundo, de ser possu do por ele, na qual nem o agente nem oobjeto est o postos como tal , e que, no entanto, os define, aos dois, como tais, e ata-os com mil peda os decumplicidade, mais fortes ainda porque s o invis veis.34

No futebol, trata-se, como afirmou Loic Wacquant ao referir-se ao boxe, de uma gama deexperi ncias que constroem simb lica e materialmente o pr prio corpo, e que inscrevem nele seusconflitos, suas incertezas, mas tamb m suas raz es e suas paix es. De fato, o pr prio corpo queinvestiga est posicionado diante de outros corpos exalando emo es, construindo significados,interpreta es, e manifestando tudo isso, tornando tudo percept vel. Mas como dar conta,enquanto pesquisador, de uma realidade segundo a qual n s pr prios somos agentes? Como n o

32 ELIAS, 1993, pg 50.33 HELAL, 1980, p.31.34 WACQUANT, 2002, p.11.

se reconhecer ou at mesmo confundir-se com outros corpos? Esta dificuldade, inerente asCi ncias Humanas, percorrer todo este trabalho, e tudo que tenho a dizer que ao adentrarmosno est dio para assistir ao cl ssico de futebol o fazemos com o corpo. Nele est inscrita nossaconsci ncia individual e a pr pria ordem social qual fazemos parte. E como aponta Wacquant:

a pr pria vida, todo o homem que descobrimos. E que descobrimos em n s 35.

Talvez n o seja o caso questionar se este cl ssico pode dar conta de uma parcela

significativa das imagens e representa es que os torcedores, tanto do Atl tico Paranaense quanto

do Coritiba, fazem do futebol. Certamente nenhuma partida de futebol, por si s , permita que se

alcance tal intento. De qualquer forma, o cl ssico representa um momento diferenciado quando se

pretende investigar o exerc cio de torcer no futebol, ao menos significou para esta pesquisa. O

modo como os torcedores se manifestaram durante o atletiba contribuiu para explicitar uma

negocia o constante que ocorreu nas arquibancadas, tamb m fora delas, por uma determinada

visibilidade sobre a partida e sobre o pr prio significado do futebol para as maiorias em Curitiba.

Mas tamb m, para lan ar d vidas sobre as condi es e os espa os que disp e o torcedor em tal

constru o (negocia o) de significado para o que v e o que sente das arquibancadas do est dio.

Afinal, o pr prio status de torcedor do Coritiba ou do Atl tico Paranaense imp e aos participantes

do atletiba uma certa perspectiva e postura diante do jogo.

Tanto Sandro, como Samir (citados acima), ou mesmo qualquer outro torcedor do Atl tico

Paranaense que estava presente no est dio Joaquim Am rico no dia 11 de outubro de 2003,

partilharam uma experi ncia coletiva que rompe a pr pria fronteira entre raz o e emo o. Isto,

porque por mais que o torcedor, entregue a perspectiva sens vel de seu corpo e imbu do de

racionalidade particular (constitu da na intersec o dos diferentes campos que comp e sua vida

cotidiana), canalize gostos, interesses e opini es que lhe pr prio e particular, este mesmo

torcedor tamb m esta filiado apaixonadamente a seu time do cora o .

Do mesmo modo que os atleticanos S.a. e S.i., T. e O. (torcedores do Coritiba) depositam

suas satisfa es e frustra es no jogo de futebol por meio de seus times. S o estes s mbolos

(camisas, bandeiras, campeonatos, jogadas, etc.) que configuram o pr prio universo de rela es

(aproxima es e distanciamentos) no futebol.

Os significados do futebol, de fato, s o inst veis. Constru dos e reconstru dos quase que

ilimitadamente numa negocia o que envolve e da sentido ao futebol e ao pr prio exerc cio de

torcer. No jogo de futebol alguns consensos s o criados, e quando violados interferem diretamente

no andamento da partida e no humor e comportamento dos torcedores. Um exemplo disso a

figura do rbitro de futebol. ele quem determina acr scimos, que marca ou anula um gol, uma

falta, expulsa um jogador, enfim, em ltima an lise principalmente o arbitro que interfere no

andamento de uma partida de futebol. E a partir desses consensos, desse referente dentro e fora

35 WACQUANT, 2002, p.16.

do gramado, que se articulam diferentes manifesta es e percep es do jogo e do pr prio universo

do futebol.

3 O JOGO JOGADO FORA DE CAMPO

consenso no meio do futebol afirmar que este n o tem l gica. De fato, clich s como

futebol uma caixinha de surpresas , cristalizam esse saber popular e indicam o quanto o

resultado de uma partida pode ser incerto. In meras outras afirma es correlatas tamb m denotam

isso. o caso, por exemplo, das imagens que s o criadas a partir de algumas falas sobre os

goleiros de futebol: para ser goleiro n o basta ser bom, tem que contar com a sorte .

Deve-se, entretanto, tomar algum cuidado no momento em que a afirma o nos leva a crer

que n o faz sentido envolver-se com qualquer coisa que diga respeito ao futebol, muito menos

torcer apaixonadamente. Aqui precisamos nos debru ar. Coment rios dessa natureza, t o comum

quem n o participa do universo do futebol, acabam obscurecendo os in meros arranjos factuais

que formam a sociabilidade dentro e fora dos est dios de futebol.

Por outro lado, n o se pode negar as raz es de um torcedor quando percebe a instabilidade

de qualquer progn stico a respeito de uma partida, afirmando que futebol n o tem l gica .

Trata-se de uma incerteza promovida pelas pr prias regras do jogo de futebol (visto que ambos os

times partem de uma condi o de igualdade e, ao menos em tese, tem iguais condi es no

decorrer da partida) e pelas caracter sticas da competi o futebol stica (que premia os

participantes com a vit ria, com o resultado).

Realmente, a competi o, seja no futebol ou em outras modalidades esportivas denota

imprevisibilidade pr pria a fen menos esportivos. Todavia, dentro desse cen rio, afirmar que

futebol n o tem l gica pouco pode acrescentar este trabalho, ou validade nenhuma pode ter.

Muitas vezes tratado como mero instrumento pol tico ideol gico, a heran a positivista e

funcionalista, cravada no imagin rio social, tende a reduzir este fen meno em termos nicos de

sua fun o no contexto pol tico ou econ mico da sociedade. Mas esse enfoque apenas pode

conduzir-nos esvaziar os m ltiplos sentidos que o futebol tem para as configura es torcedoras,

e, como que de sobrev o, carregar nosso olhar para fora do contexto espec fico em que o futebol

experienciado. As Ci ncias Sociais, que cada vez mais v m se afastando desse olhar reificador sobre o

popular, tem procurado investigar as rela es entre as pessoas em seus micro-cosmos. Naverdade, trata-se de opor a id ia de fun o36 compreens o das rela es sociais. Nesse sentido,me pareceu interessante utilizar a sociologia figuracional de Norbert Elias procurando (re)comporo que foi dito e buscar aprofundar algumas rela es.

Partindo do entendimento da vida social como algo n o planejado e n o intencional,

Norbet Elias desenvolveu sua teoria sociol gica atrav s de in meros estudos emp ricos que

focaram a inter-rela o das a es intencionais das pessoas. Com isso, o autor prop e o

entendimento da sociedade, assim como dos diversos grupos sociais que a comp e, a partir da

investiga o das redes ou configura es de interdepend ncia entre os homens.

No caso dos torcedores de futebol a inter-rela o entre as pessoas e a estrutura social,

essas redes ou configura es, podem ser observadas claramente tanto nas arquibancadas dos

est dios de futebol como fora delas. Afinal o que pode ser o exerc cio de torcer se n o uma

opera o que "junta" diferentes pessoas em torno de um fen meno espec fico: o da competi o

esportiva.

Nas arquibancadas corpos "atentos" partilham e fazem uso de um mesmo espa o f sico,

que est sempre sendo alterado pelos diferentes arranjos que se formam em seu interior. Fora

delas tamb m se pode perceber que o futebol tornou-se parte constituinte da gram tica cotidiana

(senso comum) dos torcedores em sua longa hist ria de experi ncias, imagens e representa es

com o esporte. Como vim procurando demonstrar, em ambos os casos, tratam-se de sentimentos e

36

Conforme Elias (ELIAS, 1969, p.84), o termo fun o remete a um equivoco recorrente nas ci ncias sociais quetende a discutir a pr tica social em termos de seu papel na conserva o e integridade do sistema social vigente. Aoinv s disso devemos pensar as fun es como atributos das rela es.

significados que s o produzidos e reproduzidos pelos pr prios torcedores em uma opera o que

estabelece v nculos fortes entre eles. Permitindo, assim, que o futebol possa apresentar-se como

um espa o em que rela es se constituem. Entretanto, como essas rela es se constituem? Como

esses v nculos s o criados?

A partir do cl ssico atletiba, em Curitiba, pode-se observar como os torcedores criam

v nculos afetivos entre si. Organizados a partir de um ethos de competitividade, tanto

coxa-brancas, quanto atleticanos, filiam-se apaixonadamente a determinadas coletividades e

constituem suas identidade no contraste com o rival. Essa rivalidade se inscreve nas can es, nos

gritos de guerra, nas camisetas, ou nas bandeiras, constituindo uma identidade por contraste com

o outro, embora tamb m torcedor. Ou seja, os torcedores ligam-se emocionalmente uns aos outros

por meio de s mbolos pr prios ao meio do futebol. Na verdade, quando se trata de futebol, o outro

j ocupa lugar definido no imagin rio dos torcedores. Ele sempre o advers rio em potencial,

simpatizando com ele ou n o.

Compreender esses processos de reconhecimento e o estabelecimento de uma rede de

rela es entre os torcedores fundamental dentro da perspectiva de Elias, pois a interdepend ncia

entre os torcedores uma condi o pr via para que pensemos uma configura o social. Mas

apenas isto ainda n o basta para compreendermos o fen meno de torcer no futebol. Tomemos o

conceito de configura o social:

O que temos em mente com o conceito de configura o pode ser convenientemente explicado com refer ncia sdan as de sal o. (...) Usando esse conceito, podemos eliminar as ant teses, chegando finalmente a valores e ideaisdiferentes, implicados hoje no uso da palavra "indiv duo" e "sociedade". Certamente podemos falar na dan a emtermos gerais, mas ningu m a imaginar como uma estrutura fora dos indiv duos ou como uma mera abstra o. Asmesmas configura es podem certamente ser dan adas por diferentes pessoas, mas, sem uma pluralidade deindiv duos reciprocamente orientados e dependentes, n o h dan a. Tal como todas as demais configura es sociais, adan a relativamente independente dos indiv duos espec ficos que a formam aqui e agora, mas n o de indiv duoscomo tais. Seria absurdo dizer que as dan as s o constru es mentais abstra das de observa es de indiv duosconsiderados separadamente. O mesmo se aplica a todas as demais configura es.37

Utilizando-se do exemplo da dan a de sal o, Elias procura apresentar o conceito deconfigura o como "uma estrutura de pessoas mutuamente orientadas e dependentes"38. Conformeesclareceu o pr prio autor, trata-se de um simples instrumento metodol gico que auxilia a operaros conceitos de "indiv duo" e "sociedade" em rela o. Isto, porque este conceito permite que elecompreenda indiv duo e sociedade em uma rela o de depend ncia rec proca: sabemos que associedades se constituem de indiv duos e que os indiv duos s adquirem caracter sticas humanasem sociedade. Em outros termos, a estrutura social, seja ela um Estado, uma dan a, ou um jogo defutebol profissional, n o puramente material. Trata-se, sobretudo, de uma estrutura simb lica,que s adquire sentido e significado a partir do momento em que pessoas, em rela o deinterdepend ncia, se ligam a ela.

Essa orienta o relacional da vida humana permitiu que Elias compreendesse osfen menos sociais como processos din micos e n o est veis. Nesse sentido, o autor argumentaque a estrutura e a din mica da vida social s podem ser compreendidas se concebermos oshomens n o como aut nomos, mas sim interdependentes, caracterizados por formas hist ricas e

37 ELIAS, 1994, p.150.38 ELIAS, 1994, p.149.

sociais espec ficas de habitus, ou estruturas de personalidade. Ali s, a pr pria identidade,enquanto indiv duo (homo clausus), existe apenas dentro dessas redes ou figura es (fam lias,torcida, escola, igreja, grupo tnico, na o etc.).

Explicitando melhor a quest o: quando a partida de futebol termina e os torcedores voltama seus afazeres cotidianos, por exemplo, a totalidade das a es que os indiv duos sustentam unscom os outros dentro de um est dio de futebol n o encerrada. Claramente o exerc cio de torcer um fen meno que se prolonga para al m dos limites f sicos de uma partida de futebol, seja nasconversas e discuss es sobre o futebol, ou at mesmo nos notici rios do r dio e da televis o.

Para efeito de an lise, talvez possamos supor que no momento em que o juiz de futebolapita o fim de um jogo qualquer, um torcedor isolado deixa o est dio e volta para sua casa,interrompendo todas as rela es que estabeleceu durante a partida com outros torcedores (oumesmo com os jogadores dentro do campo). Entretanto, ainda para este torcedor, as rela es deinterdepend ncia que estabeleceu com outros torcedores n o s o totalmente encerradas, elas ficamsuspensas at que um novo jogo recomece e os torcedores recomponham a configura o. Istoocorre porque a cada jogo as regras pr prias ao desenvolvimento de uma partida de futebolprofissional s o reativadas pelos torcedores.

Eis um aspecto importante do conceito de configura o em Elias: as interconex es entreas pessoas (os torcedores) em torno de uma estrutura simb lica (o jogo de futebol) que constituemo pr prio sentido e significado de uma configura o social (o torcer).

Todavia, durante o trabalho procurei salientar essa rela o afirmando que o futebol parte da gram tica popular em Curitiba e est presente nas mais variadas esferas de nossocotidiano. Constituindo-se, assim, em elemento preponderante nos modos como os torcedores serelacionam em Curitiba. Portanto, o jogo de futebol esta sendo discutido com algo que est al mdos limites temporais de uma partida ou outra, e n o como um processo limitado espacial etemporalmente em que o torcedor, ao termino de um jogo, como se houvesse esquecido de tudo,desprenda-se dos significados e sentidos que o futebol adquiriu para ele. Isto, porque h certasl gicas no exerc cio de torcer que acabam inscrevendo-se nas rela es di rias dos torcedores,mesmo quando, aparentemente, fogem a din mica pr pria ao futebol.

Como procurei demonstrar no cap tulo anterior, o futebol constru do e reconstru do nosdiferentes espa os em que pode se manifestar. Embora o est dio de futebol tenha sido tomadocomo locus privilegiado de investiga o, os sentidos de uma partida, uma jogada, um jogador,etc., fazem parte da vis o de mudo, ou da "vis o do futebol", que os torcedores constr em narela o dentro e fora dos est dios.

Nesse sentido, o conceito de configura o de Elias me pareceu um instrumento importantepara investigar o exerc cio de se torcer no futebol. Se por um lado, este conceito n o deixa cair noequ voco de pensar os torcedores fora do contexto pr prio ao futebol, por outro, tamb m afastaqualquer interpreta o do futebol que n o leve em conta as m ltiplas dimens es dos torcedoresque o comp e. Assim, compreender o exerc cio de torcer como uma configura o social permitediscuti-lo em sua totalidade, que extrapola o significado de um jogo e constr i o futebol comouma rede de rela es interdependentes.

Somente desse modo pode-se compreender como ao mesmo tempo em que asconfigura es s o independentes dos indiv duos, n o podem existir sem eles. Ocorre que a suadin mica depende da forma o de um habitus socialmente compartilhado. No meio do futebolpode-se dizer a mesma coisa. Um jogo at pode ser realizado sem torcedores, mas a partir dasarquibancadas, bares, escola, padarias, etc, que os jogos de futebol come am a adquirir oscontornos que hoje se apresentam s maiorias torcedoras. Atrav s de muitos jogos, v rios anos,v rias d cadas, o futebol adquiriu significados que hoje s o partilhados por torcedores ejogadores. Esses significados n o s o imputados nas pessoas por meio de regas. Referem-se muitomais ao modo como as pessoas se relacionam com as regras.

o caso de quando a bola cruza por dentro da trave a linha que limita o campo. gol.

Mas s o as pessoas que diferenciam um gol "comum" de um "gola o". Todo gol tem a mesmamedida em uma partida de futebol, at gol de p nalti roubado aos quarenta e nove do segundotempo , como afirmam alguns torcedores. Mas um torcedor reconhece e diferencia um gol"comum", habitual, de um gol "pl stico", "bonito", de "dif cil" execu o. S o as pessoasenvolvidas com o futebol que discutem se algu m falhou, se a bola realmente entrou, se deveriater entrado, como entrou, enfim... as pessoas que d o sentido ao fen meno. Mas o que esseexemplo esta dizendo sobre o exerc cio de torcer?

Pensar o jogo de futebol e o exerc cio de torcer como configura o permite que sereconhe a que as regras pr prias a este fen meno esportivo constituem apenas a forma (estrutura)deste fen meno. Portanto, pode-se chegar a conclus o de que n o s o somente as regras dofutebol que formam os seus significados para os torcedores. Muito pelo contr rio, os torcedorest m o papel decisivo de atribuir significados s regras do futebol.

A pr pria arquitetura dos est dios revela o papel preponderante dos torcedores no futebol.Afinal, como afirmam muitos cronistas, o futebol [profissional] s faz sentido por causa dostorcedores . Aqui preciso que se reconhe a o futebol como uma estrutura que n o depende deum ou outro torcedor individual, mas sim do conjunto dos torcedores. E isto nos permite pensar arela o entre os torcedores como figura es, nos termos propostos por Elias. Mas, ent o, o quedefine o futebol?

Discutir o futebol a partir das configura es que os torcedores formam levar em conta ossujeitos que est o envolvidos com o futebol. Entretanto, n o se trata de tomar os torcedoresindividualmente, mas compreende-los a partir do que h em comum entre eles, o que permite quese relacionem. Em outros termos, o que define uma configura o social para Elias umasubjetividade (o que junta as pessoas) partilhada por todos os indiv duos do grupo.

Neste processo de perceber e dar sentido ao futebol, os torcedores partilham umaidentidade comum, uma vis o de mundo (ou do "futebol") e um sentimento de pertencimento auma coletividade. Como a presente investiga o procurou explicitar, tanto os torcedores doAtl tico Paranaense, quanto do Coritiba, ligam-se emocionalmente ao futebol por meio des mbolos. Estas liga es formam a "base" do que as pessoas sentem e percebem no futebol (dasrela es). Nos termos de Elias, no interior das configura es, como o caso dos torcedores, ohabitus que vai constituir essa base coletiva para toda conduta humana individual. Trata-se doselementos que orientam, organizam e d o sentido s a es. Ao ser internalizado, este habituspassa a agir como uma segunda natureza.

Dessa forma, podemos afirmar que o futebol n o existe em absoluto sem os torcedores,mas tamb m algo que n o depende da vontade individual de um ou outro torcedor. Isto, porqueo torcedor n o faz o que quiser, o que lhe "der na telha". Por mais fan tico que possa ser, por mais"brilhante" e "imponente" que um time qualquer de futebol possa ser representado, ainda simexistem regras pr prias ao futebol que delineiam uma determinada estrutura para esta atividadeesportiva. Al m do mais, os torcedores ocupam uma posi o definida no meio do futebol. Aposi o de "observadores".

Em contra partida, tamb m ineg vel o espa o que se abre - seja no est dio, na m diaesportiva, ou na rua - para a atividade torcedora. No dia de jogo, ou mesmo em um dia qualquer,facilmente se identifica um torcedor. Isto pouco tem que ver com o fato dele ver ou n o umapartida. Afinal, no cotidiano, na a o di ria que comp em suas rela es, que s o configuradosos diversos sentidos e significados para o torcer. nessa constante troca de significados, emo ese experi ncias que o futebol criado e recriado pelos torcedores.

Aqui se chega a uma quest o relevante e interessante: ao mesmo tempo em que o futebols adquire sentido e significado atrav s dos torcedores - portanto, s o eles que comp em todo oconte do da atividade futebol stica - estes sempre ocupam uma posi o no futebol: a de torcedor.Ent o, at que ponto significativo discutir o futebol a partir do torcedor? E se de fato pudermosconsiderar significativo, como explicar as transforma es nos modos e nos espa os de torcer no

futebol? Para responder a essas indaga es parece ser interessante retomar o exemplo das dan asde sal o em Elias:

Da mesma maneira que as pequenas configura es da dan a mudam - tornando-se ora mais lentas, ora mais r pidas -tamb m assim, gradualmente ou com maior subitaneidade, acontece com as configura es maiores que chamamos desociedades (...) Isto porque uma mudan a na configura o explicada em parte pela din mica end gena dela mesma(...) Ao mesmo tempo indica como as estruturas de personalidade dos seres humanos mudam tamb m em conjuntocom essas mudan as de configura o.39

Conforme Elias, tanto um jogo, como uma dan a ou mesmo um Estado, podem serpensadas como configura es sociais. Todas essas forma es comp em redes de rela es entrepessoas. O que n o implica que um Estado, por exemplo, tenha uma estrutura mais complexa oumenos complexa que uma dan a40. O que realmente pode diferencia-las sua durabilidade. Seuma dan a pode durar alguns minutos, a estrutura de um Estado pode atravessar os s culos.Ocorre que tanto na dan a, como no interior de um Estado - e, no caso, em uma partida de futebol-, Elias argumenta que existem pessoas que preenchem essas estruturas. Indiv duos que s oorientadas por rela es m tuas de depend ncia.

Essa durabilidade revela o car ter inst vel de qualquer configura o41. Nesse sentido,Elias diferencia-se de Durkheim - assim como de grande parte da sociologia "cl ssica" -atribuindo aos indiv duos n o mais posi es "fixas" no interior das sociedades, mas a capacidadede "movimentar-se" no interior da configura o, transitando por diversos arranjos sociais. Istoocorre, conforme o autor, porque os indiv duos t m rela es variadas de interdepend ncia, o quefaz com que a rede de rela es seja modificada constantemente. Por isso, Elias percebe osindiv duos como processos, como sujeitos de rela es. Trata-se de compreende-los como obrasabertas, bem diferentes das "m nadas sem janelas"42 - pensadas por Leibniz.

No est dio de futebol pode-se facilmente perceber essas mudan as na rede rela es entreas pessoas. o caso, por exemplo, daquele "amigo de inf ncia", que acabamos de conhecer emuma arquibancada qualquer. Enfim, s o esses pequenos acontecimentos cotidianos que v oinscrevendo-se no tecido social e acabam modificando toda a rede de rela es entre os torcedores.Modificando, assim, a pr pria estrutura e os sentidos da configura o.

Tais transforma es nos arranjos sociais, a longo prazo, acabam inscrevendo-se no pr priodesenvolvimento das sociedades humanas. Trabalhando os conceitos de indiv duo e sociedade emrela o, Elias prop e uma sociologia figuracional que nos coloca frente a um processo aberto einterdependente de equil brios e desequil brios nas rela es de poder43. Portanto, a durabilidade deuma estrutura social (configura o) depende de todo um processo aberto e interdependente dem tua coer o em que o que esta em "jogo" um determinado equil brio do poder.

E esta, ao menos ao que me parece, a "chave" para compreendermos as mudan as nasubjetividade e na estrutura social a partir de Elias: as condi es de uma configura o socialqualquer equilibrar suas rela es de poder. Obviamente o equil brio n o pode ser pensado comoalgo est vel. Entendidas como processos abertos e interdependentes, as rela es de poder quepermeiam todo o tecido social est o sempre sendo pensadas pelo autor em uma rela o desigualde for as44. Exatamente nesse sentido podemos pensar em um equil brio na instabilidade. Dito deoutro modo, a mudan a no significado e na percep o dos homens decorre da distribui o depoder. Ou melhor, da condi o relacional da coer o que os indiv duos exercem entre si.

A partir dessa condi o relacional do poder, pode-se compreender a transitoriedade dossignificados e conte dos do futebol como um processo de constante disputas e negocia es queenvolvem este esporte. Essa transforma o nos significados da experi ncia social, j havia sidoapontada por Walter Benjamin no in cio do s culo XX:

No interior de grandes per odos hist ricos, a forma de percep o das coletividades humanas se transforma ao mesmotempo que seu modo de exist ncia. O modo pelo qual se organiza a percep o humana, o meio em que ela se d , n o39 ELIAS, 1994, p.150.40 ELIAS, 1969, p.121.41 ELIAS, 1969, p.142.42 ELIAS, 1994, p.139.43 ELIAS, 1993, p.84.44 ELIAS, 1993, p.85.

apenas condicionado naturalmente, mas tamb m historicamente.45.

E isto era fundamental para Benjamin, pois se ater s transforma es nos modos de

percep o das coletividades em sua experi ncia cotidiana, permite compreender a rela o entre as

transforma es nas condi es de produ o com as mudan as no espa o da cultura. Assim, do

mesmo modo como se pode afirmar que o futebol um fato em nossa sociedade, tamb m

ineg vel que ele atravessa um processo que implica em in meras transforma es. Tratam-se de

mudan as nos sentidos do jogo, na organiza o, nas formas de jogo, na assist ncia, enfim... nos

diversos modos de praticar e perceber este esporte.

Todavia, quando se pensa o futebol brasileiro em suas diversas mudan as ou

transforma es n o se pode perder de vista elementos de larga dura o como tradi o, prest gio,

honra, gl ria, etc. Isto, porque s o eles que sustentam os conte dos e significados abarcados pelo

futebol. De acordo com Elias, do ponto de vista anal tico o que realmente diferencia uma

configura o de outra sua durabilidade. Nesse sentido, por mais que os significados que comp e

todo o conte do do futebol sempre estejam se transformando conjuntamente com a ordem social,

necess rio reconhecer que sempre h uma certa manuten o das tradi es, da hist ria, de certas

experi ncias. O que, por um lado, ajuda a conservar a forma pela qual o futebol apresentado a

seu p blico, e, por outro, permite que o torcedor reinvente os pr prios significados do espet culo.

Para dar conta dessas express es dos significados do futebol para os torcedores em

Curitiba, procurei evidenciar a figura do cl ssico de futebol. Aqui esta sendo negociada uma certa

representa o do futebol que tem impacto direto no dia-a-dia do futebol e dos torcedores. Afinal,

como me disse um torcedor alviverde: "se meu time sempre perdesse para eles [para o rival

Atl tico Paranaense] eu parava de acompanhar futebol". Recentemente o time do Coritiba ficou

um per odo de dez anos sem conquistar um t tulo sequer. Por acaso os torcedores do Coritiba

deixaram de acompanhar futebol? Estou certo de que n o.Portanto, como apontam in meros trabalhos, sem d vida a enorme proje o que o futebolconquistou em cen rio nacional resultado de um processo de profundas transforma es dentro efora dos gramados. Entretanto, sempre renovando e conservando os elementos que ajudam amanter a forma do futebol em Curitiba e no pa s. Toledo, por exemplo, em um interessante texto arespeito da "difus o" e "consolida o" do futebol no Brasil, exp e como toda representatividadedeste esporte resultado de um processo sempre negociado (entre torcedores, especialistas eprofissionais) que culmina com a internaliza o das regras do futebol e a manuten o do futebolcomo um ndice de "auto-representa o nacional"46 - o que favorece tanto sua pr tica por quasetodo o pa s, como sua profissionaliza o.

Trata-se, muitas vezes, de disputas simb licas pelos significados do torcer, revelando transforma es quecorrespondem na escala torcedora s configura es espec ficas, modos de organiza o e representa o em di logocom as mudan as observadas nos outros dom nios do socius esportivo, dos fundamentos t cnicos s mudan as maisinstitucionais.47

45 BENJAMIN, 1985, p.169.46 TOLEDO, 2000.47 TOLEDO, 2002, p.219.

De acordo com Toledo, estas transforma es acompanham as mudan as na pr pria ordem social.

Ou seja, no contexto que cerca o futebol e atrav s do qual o futebol constantemente "encenado".Numa vis o "panor mica" da hist ria Ocidental do futebol, Marcelo W. Proni, em A metamorfosedo futebol, remonta as importantes mudan as que acompanham o futebol e acentuam suacaracter stica genuinamente moderna. Demonstra o autor, como as transforma es no futebolest o relacionadas com a "moderniza o recorrente no mundo esportivo". Isto desde suaregulamenta o na primeira metade do s culo XIX, como "jogo civilizado". Passando pela"massifica o do esporte", promovida pela FIFA (F d ration Internacionale de FootballAssociation) com a internacionaliza o do futebol na primeira metade do s culo XX (sobretudocom a cria o da Copa do Mundo). Mais tarde, como aponta o autor, a moderniza o do futebolacompanhou o cen rio esportivo mundial e a FIFA abriu m o de qualquer "resist ncia acomercializa o" com a expans o do marketing esportivo. Desembocando, nos anos noventa, no"mundo do futebol espet culo", em que o futebol de fato ficou sujeito s leis do mercadoglobalizado. Na ponta desse processo de profundas transforma es com o esporte, que remontamdois s culos, Proni apresenta o conceito de futebol-empresa, como o atual movimento demoderniza o que imp e profundas transforma es ao futebol48.

Em suma, as atuais mudan as na organiza o do futebol, causadas pela introjec o de uma l gica capitalista, exp eos clubes e as demais institui es s leis do mercado e a o constante do que o economista Joseph Schumpeterchamou de "processo de destrui o criadora" (...) A modernidade conduzida pelo mercado implica umatransforma o da cultura futebol stica, do futebol em s (...) reinven o das tradi es e redefini o do lugar que essaatividade ocupa na vida das cidades, dos torcedores e dos clubes. E isso muda (ou multiplica) o significado socialdaquilo que chamamos de "futebol".49

Trata-se de um processo em que se preserva a tradi o sempre a renovando. Tal

movimento, na capital paranaense, tamb m vis vel nas arquibancadas dos est dios do Coritiba e

do Atl tico Paranaense. Isto, pois aqui que se encontra o personagem fundamental dentro desse

processo de renova o dos significados e manuten o da tradi o: o torcedor. A partir das

distintas percep es, das m ltiplas manifesta es, da falta de consenso, ou melhor, da constru o

dos consensos no futebol, que se articula uma identidade constantemente negociada e sempre

inacabada deste evento. Isto, porque para al m de um espet culo consum vel, o futebol um

espa o de troca, uma linguagem atrav s da qual a sociedade pode se expressar, se exp e, entra em

conflito, sofre, se encanta, enfim... vive!

48 PRONI, 2000, p.253 255.

49 PRONI, 2000, p.256.

CONCLUS O

Ora, parece obvio que o futebol s fa a sentido para quem participa de seu universo e tece

rela es a partir dele. Afinal, apenas porque rela es se constituem, representa es s o criadas...

enfim, estruturas simb licas se sobrep e a um amontoado de regras e concreto, que o futebol faz

sentido para o torcedor. Como foi demonstrado nas p ginas anteriores, o cl ssico de futebol acirra

a competi o esportiva e redimensiona a atividade do torcedor. Assim em Porto Alegre

("grenal"), em S o Paulo (Palmeiras x Corinthians), "fla-flu" no Rio de Janeiro, Cruzeiro e

Atl tico Mineiro em Belorizonte, "bavi" em Salvador, etc. Embora este fato possa ocorrer em

qualquer partida de futebol profissional, tamb m no futebol amador, a rivalidade promovida pelo

cl ssico de futebol sempre representa um momento diferenciado para os torcedores. Um momento

em que se evidencia todo um processo pelo qual o torcedor individual passa a falar, pensar ou

agir, personificando a identidade de uma coletividade maior, representada pela figura da torcida.

Nesse sentido, a interdepend ncia entre os torcedores, que uma condi o pr via para que

pensemos uma configura o, se expressa em uma interdepend ncia de aliados e advers rios.

Justamente nesse sentido, o presente trabalho caminha na dire o oposta da "m xima"

popular que afirma: futebol n o tem l gica. Muito pelo contr rio, tratei, at aqui, de m ltiplos

modos de torcer, segundo os quais pessoas aproximam-se e distanciam-se por meio da competi o

gerada pelo confronto esportivo, seja no campo de jogo ou nos in meros momentos que

antecedem e prescrevem a partida em si. Tais rela es comp em todo um universo l gico dentro

do futebol, ou melhor, toda uma rede de rela es interdependentes que d o sentido(s) a este

fen meno, mas tamb m que s fazem sentido(s) no interior da pr pria estrutura do futebol

(jogadores, est dios, regras, s mbolos, etc.). Dito de outra forma, a quest o aqui proposta foi

trabalhar a partir das l gicas do torcedor ao constru rem sentidos ao futebol e a partir dele. Ali s,

L gicas no futebol t tulo de obra recente. Mas em que tudo isso pode ser importante para

discutir o torcer e suas imbrica es com o ver?

Inicialmente disse que o futebol pode ser encarado como um exerc cio do ver. O que

implica em reconhecer que a categoria do ver organiza e orienta o campo perceptivo dos

torcedores frente ao universo do futebol. Trata-se, agora, de retomar o argumento inicial e discutir

o torcer como um exerc cio do ver. Mas o que propriamente isso pode significar?

Nos cap tulos anteriores, foi trabalhada uma id ia de visibilidade no futebol, ou seja, uma

gama de opini es, gostos, ideologias, imagens, representa es, identidades e pontos de vista, sob

os quais o futebol se constr i para os torcedores em Curitiba. Como foi dito, embora o futebol se

apresente aos torcedores por in meros espa os (no campo de jogo, no espa o aberto pelos meios

de comunica o, etc.), estes significados que o futebol t m para estes torcedores n o s o nicos,

muito menos est ticos, n o se constr em de forma unilateral, mas atrav s da constante negocia o

entre eles, verdadeiras disputas simb licas no meio do futebol.

S o esses arranjos, que nos permitem identificar o exerc cio de se torcer como uma

configura o social.

O olhar, do modo como foi trabalhado, abarca modos de torcer no futebol que s o sempre

negociados pelos torcedores.

Essa visibilidade, sempre negociada, opera um sistema de representa es em que o

torcedor constr i sua percep o sobre o futebol a partir do olhar (um olhar que n o estritamente

visual, mas que tem sua racionalidade fundada em uma id ia de visibilidade que compartilhada

por todos no meio esportivo). Ali s, isso que permite, ao ex-jogador de futebol e jornalista

esportivo Barc mio Sicupira (reconhecidamente torcedor do Atl tico Paranaense) tecer longos

coment rios sobre um jogo eventual sem nem sequer ter assistido a partida. Ele, Sicupira,

part cipe de uma visibilidade constru da no interior das pr prias redes de rela es, e que s faz

sentido para quem participa deste exerc cio de torcer.

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